Bernard Shaw – a Profissão Da Senhora Warren

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  • 7/22/2019 Bernard Shaw a Profisso Da Senhora Warren

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    A Profisso da Senhora Warren

    (Bernard Shaw)

    (Uma tarde de vero no jardim de uma casa de campo situada no declive de uma colina, um pouco

    ao sul de Haslemere, no Surrey. Olhando na direo da colina, a casa fica localizada ao lado

    esquerdo do jardim, com o telhado recoberto de palha, um vestbulo e uma grande janela gradeada

    sua esquerda. No jardim, uma paliada completamente fechada, tendo apenas um por/ao a

    direita. Uni atalho sobe na direo da paliada, seguindo para alm da linha do horizonte.

    Algumas cadeiras de jardim, feitasde lona, esto encostadas na parede de entrada. Uma bicicletade mulher tambm encostada na parede abaixo da janela. Um pouco a direita do vestbulo, entre

    dois postes, estende-se um rede na qual est deitada uma jovem, que l e faz anotaes, protegida

    por um grande guarda-sol. Ao lado da rede, ao alcance da mo, uma cadeira rstica sobre a qual e

    esto empilhados livros e folhas de papel.

    Um homem surge na estrada. Meia-idade aparentemente, com um ar de artista, vestido de maneira

    extravagante mas cuidadosa. Bem barbeado, de bigodes, e um rosto cheio de vida e sensibilidade.

    Suas maneiras so elegantes e discretas. Cabelos negros, macios, um pouco grisalhos. De

    sobrancelhas e bigodes escuros, mostra no estar muito seguro do caminho. Olha em direo da

    paliada e depara com a jovem deitada na rede) (Neste ato aparece algumas vezes a palavra padre

    como traduo exata da expresso Roman father, o que evidentemente no fornece, em nossalngua e em nossa cultura, a conotao e a nfase mordaz, e mesmo ofensiva que tem, na

    Inglaterra, a aplicao do ttulo de padre catlico a um pastor anglicano. N.do E.)

    O HOMEM (tirando o chapu) Desculpe-me incomod-la. Poderia indicar-me o caminho paraHindhead View, a casa da Sra. Alison?

    A JOVEM(levantando os olhos do livro) Esta a casa da Sra. Alison. (Recomea seu trabalho)

    O HOMEMSim? Bem... Perdoa-me a pergunta... Talvez a senhorita seja Vivie Warren?

    A JOVEM

    (voltando-se para olhar melhor o visitante) Sou, sim.

    O HOMEM (um pouco intimidado) Receio estar sendo indiscreto. O meu nome Praed. (Viviecoloca o livro na cadeira e levanta-se bruscamente) Oh! Por favor, no se incomode.

    VIVIE (dirigindo-se rapidamente ao porto, abrindo-o) Entre, Sr. Praed. (Praed entra) Prazerem v-lo.(Estende-lhe a mo de maneira franca e cordial. Ela um exemplo de jovem inglesa daclasse mdia, inteligente e instruda. Vinte e dois anos. Esbelta, sadia, segura de si. Veste-se com

    simplicidade e elegncia. Traz na cintura uma espcie de chaveiro onde esto presas uma caneta,

    uma esptula, juntamente com outros pequenos objetos)

    PRAED

    A senhorita muito gentil. (Vivie fecha o porto. Praed caminha at o meio do jardimmovendo os dedos ressentidos pelo forte aperto de mo de Vivie) A senhora sua me j chegou?

    VIVIE (respondendo rapidamente, como se temesse algum acontecimento desagradvel) Mas elavai chegar?

    PRAED(surpreso) A senhorita no nos esperava!

    VIVIENo.

    PRAED Oh! Meu Deus. Espero no estar enganado com relao data. Sempre cometo esses

    enganos. Sua me combinou comigo que viria de Londres para me apresentar senhorita.

    VIVIE (sem muita alegria) Sim! Minha me tem o hbito de me fazer essas surpresas. Talvez

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    seja para ver como me comporto na sua ausncia. Um dia, eu que lhe farei uma surpresa secontinuar com essa mania de acertar as coisas sem me prevenir antes. No, ela ainda no chegou.

    PRAED(embaraado) Eu sinto muito...

    VIVIE (agora de bom humor) A culpa no sua, Sr. Praed. Estou muito contente com a suapresena. Dos amigos de minha me, o senhor o nico que eu desejava conhecer. Por isso pedi aela que o trouxesse aqui.

    PRAED(aliviado e reconfortado) A senhorita realmente muito gentil.

    VIVIEPrefere entrar ou ficar aqui fora conversando?

    PRAEDAqui fora melhor, no acha?

    VIVIEEnto irei buscar uma cadeira para o senhor.

    PRAED Oh! Por favor, por favor, permita-me. (Dirige-se para o lugar onde esto colocadas ascadeiras, pegando uma delas)

    VIVIE Cuidado com os dedos. Essas cadeiras so muito traioeiras. (Encaminha-se para acadeira onde esto colocados os livros, deposita-os na rede, trazendo a cadeira para a frente)

    PRAED(acabando de abrir a cadeira) Oh! Por favor, deixe-me ficar com essa. Gosto de sentar-me em cadeiras duras.

    VIVIE Eu tambm. Sente-se, Sr. Praed. (Faz este convite de maneira gentil mas imperiosa. Acordialidade de Praed apresenta-se a Vivie como sinal de fraqueza. Ele, no entanto, no obedece

    de imediato)

    PRAEDEm todo o caso, no seria melhor que fssemos estao esperar sua me?

    VIVIE (friamente) Para qu? Ela conhece o caminho. (Praed hesita, mas senta-se, um poucodesconcertado)

    PRAED, suponho que sim.

    VIVIESabe? O senhor exatamente como eu imaginava. Espero que possa se tornar meu amigo.

    PRAEDObrigado, muito obrigado. S Deus sabe o quanto fico contente em ver que sua me no

    lhe causou nenhum dano.

    VIVIEComo?

    PRAED Bem... Quero dizer, que no fez a senhorita demasiadamente convencional. Sou umanarquista de nascena. Odeio a autoridade. Estraga as relaes entre pais e filhos. Principalmenteentre me e filha. Pensei que a autoridade de sua me a tivesse tornado convencional. um prazerverificar que isso no aconteceu.

    VIVIEOh! Por acaso me comportei de maneira anticonvencional?

    PRAED

    No, Srta. Vivie, no. Pelo menos, no convencionalmente anticonvencional,compreende? (Ela faz que sim com a cabea e ele prossegue com grande cordialidade) A senhoritafoi muito gentil dizendo que poderia se tornar minha amiga. As moas de hoje so maravilhosas,

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    simplesmente maravilhosas.

    VIVIE (de maneira dbia) ? (Observando com desiluso as suas qualidades de inteligncia ecarter)

    PRAED Quando eu tinha a sua idade, os jovens, moos e moas, tinham medo uns dos outros, oque tornava difcil serem amigos. Eram s galanteios copiados dos romances, sempre afetados,falsos. O pudor virginal! O cavalheirismo do gentil-homem! Dizendo sempre no quando se

    desejava dizer sim. Um verdadeiro purgatrio para as almas simples e sinceras.

    VIVIEAcredito que deveria ser uma terrvel perda de tempo. Especialmente para as mulheres.

    PRAEDAh! Perda de vida, de tudo. Mas agora as coisas comeam a melhorar. Sabe que a idiade encontr-la depois do enorme sucesso que a senhorita alcanou em Cambridge me deixava

    bastante emocionado? Uma coisa impossvel no meu tempo. Ter conseguido o terceiro lugar umtriunfo maravilhoso. Uma colocao ideal. O primeiro lugar sempre conseguido por pessoasdoentias, mrbidas mesmo, que fazem do estudo uma verdadeira mania.

    VIVIEMas no valeu a pena. Pela mesma quantia eu no concorreria novamente.

    PRAED(dolorosamente surpreso) Pela mesma quantia?

    VIVIESim, concorri com cinqenta libras.

    PRAEDCinqenta libras!

    VIVIE Cinqenta libras. Mas talvez o senhor no saiba como as coisas se passaram. A Sra.Lathan, minha professora em Newham, convenceu minha me de que eu poderia concorrer ao

    prmio de matemtica se eu estudasse seriamente. Os jornais naquela poca s falavam da vitria

    de Philipa Summers, o senhor se recorda? (Praed faz que no com a cabea)Pois bem, ela ganhou.Nada alegraria mais minha me do que se eu conseguisse fazer o mesmo. Disse-lhe que nointeressava fatigar-me tanto com estudos, uma vez que no desejava me tornar professora. Masconcordei em concorrer at o quarto lugar por cinqenta libras. Ela hesitou um pouco mas acabouconcordando. Fui alm da minha promessa. Mas hoje s repetiria a proeza por duzentas libras.

    PRAED(decepcionado) Santo Deus! Esse que um ponto de vista prtico.

    VIVIEO senhor imaginava que eu fosse uma pessoa pouco prtica?

    PRAEDNo, no isso. Mas no acha que seria tambm prtico levar em considerao, alm do

    esforo, a cultura que se adquire?

    VIVIE Cultura! Meu querido Sr. Praed... O senhor sabe o que significam esses concursos dematemtica? Significam estudar, estudar, estudar entre seis a oito horas por dia, matemtica,somente matemtica. Pensava conhecer alguma coisa sobre cincia. Mas conheo apenas o que serelacione com matemtica. Sou capaz de fazer clculos para engenheiros, tcnicos em eletricidade,companhias de seguro, etc. Mas no conheo nada sobre engenharia. Eletricidade ou seguros. Nemaritmtica eu conheo bem. Afora matemtica. Um pouco de tnis, comer, dormir, andar de

    bicicleta e passear a p, sou uma mulher to brbara e ignorante como as que no participaram doconcurso.

    PRAED

    (revoltado) Sabia que era assim. Que monstruosidade! Imaginei logo que essas coisassignificavam a destruio de tudo quanto torna uma mulher espiritualmente bela.

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    VIVIENo, Sr. Praed, no concordo. Eu lhe asseguro que saberei tirar proveito de tudo isso.

    PRAEDDe que maneira?

    VIVIE Abrindo um escritrio: farei clculos para os tabelies. Aproveitarei o tempo para estudardireito e conseguir um lugar na bolsa. Vim para c somente para estudar direito. No para descansarcomo pensa minha me. Detesto frias.

    PRAED

    Mas tudo isso me faz gelar o sangue. Na sua vida no haver lugar para o romance, abeleza?

    VIVIENenhum dos dois me interessa, posso lhe assegurar.

    PRAEDA senhorita no pode dizer isso.

    VIVIE Sim, posso. Sinto prazer em trabalhar e tambm em ser paga para faz-lo. Quando estoucansada, gosto de uma poltrona, um charuto, um pouco de usque e de um bom romance policial.

    PRAED(com veemncia)No acredito. Sou um artista e me recuso a acreditar no que a senhoritame diz. (Com entusiasmo)Isto porque a senhorita no descobriu ainda o mundo maravilhoso que aarte lhe pode revelar.

    VIVIE Sim, eu descobri . No ano passado estive durante seis semanas em Londres, com HonoriaFrazer. Minha me pensava que estivssemos passeando, mas, na verdade, passvamos os dias noestdio de Honoria, em Chancery Lane. Eu a ajudava como podia nos clculos para os tabelies.Quando no, ficvamos fumando e conversando, e assim passvamos toda a tarde. Nunca me divertitanto em minha vida. Com esse trabalho tive duas vantagens: a de ganhar o suficiente para pagar asminhas despesas e de poder iniciar-me na profisso sem gastar um tosto.

    PRAED

    Louvado seja Deus! A senhorita chama isso de descobrir a arte?

    VIVIE Espere um pouco. Tambm entrei em contato com a arte. Conheci em Londres um grupode artistas que me levaram para visitar a National Gallery...

    PRAED(aprovando) Ah!...

    VIVIE(continuando)... A pera...

    PRAED(com maior aprovao) timo!...

    VIVIE

    ... E um concerto onde uma orquestra tocava Beethoven e Wagner toda tarde.Eu no faria isso de novo por nada no mundo. Suportei por delicadeza at o terceiro dia. Depoisconfessei que no aguentava mais e voltei para Chancery Lane. Agora o senhor sabe que espciemaravilhosa de moa moderna eu sou. O senhor pensa que eu poderia me dar bem com minha me?

    PRAEDBem, eu espero.

    VIVIE No estou interessada no que o seu senhor espera, mas sim no que o senhor pensa. issoo que eu quero saber.

    PRAED Bem, para falar a verdade, temo que sua me fique um pouco desapontada. No por sua

    culpa. No quero dizer isso. Mas que a senhorita to diferente do que sua me idealiza.

    VIVIEDo qu?

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    PRAEDDo que ela idealiza.

    VIVIEO senhor quer dizer do que ela idealiza para mim?

    PRAEDSim. Exatamente.

    VIVIEO que quer dizer isso?

    PRAED

    Bem, Srta. Vivie... A senhorita deve ter observado que as pessoas esto sempredescontentes com a forma pela qual foram educadas. Acham que se tivessem sido educadas deforma diferente o mundo andaria bem melhor. Agora... A vida de sua me foi... Bem, suponho que asenhorita saiba...

    VIVIE No suponha nada. Sr. Praed. Conheo muito pouco a vida de minha me. Desde crianavivi na Inglaterra. Primeiro, na escola; depois, na universidade; e sempre na companhia de pessoasque eram pagas para me educar. Sempre com estranhos. Minha me passava o tempo todo emBruxelas ou em Viena, e nunca me levou com ela. Eu s a vejo quando passa por Londres e assimmesmo muito pouco porque ela no se demora mais do que uns trs dias. Mas no me queixo. Vivisempre Feliz. As pessoas com quem convivia me trataram sempre com gentileza e recebia de minhame o dinheiro suficiente para viver com conforto. Mas no imagine que saiba alguma coisa sobreela. Eu a conheo bem menos do que senhor.

    PRAED(reparando)Nesse caso... (Pra um pouco. Recomea a falar com uma despreocupaosbita e forada) Mas estamos falando de coisas sem importncia. Estou certo de que a senhorita esua me se daro muito bem. (Levanta-se para olhar a paisagem) Que lugar encantador vocs tmaqui.

    VIVIE(sem se perturbar) O senhor mudou de assunto muito bruscamente. Sr. Praed. Por que avida de minha me no pode ser discutida?

    PRAED Oh! Por favor A senhorita no deve dizer isso. No acha natural que a ausncia de suame, minha velha amiga, me impea de falar filha sobre o seu passado? Ver quantasoportunidades tero de falar a esse respeito quando ela chegar.

    VIVIE No, ela nunca se sente disposta a falar sobre a sua vida. (Levanta-se) Acredito, noentanto, que o senhor tenha motivos para no querer falar sobre o assunto. Mas lembre-se de umacoisa, Sr. Praed. Espero enfrentar uma o grande luta quando minha me souber de meus projetos

    para o futuro.

    PRAED(aflito) Eu tambm.

    VIVIE Bem, mas eu vencerei, porque no desejo nada mais que uma a passagem de volta paraLondres, onde ganharei minha vida trabalhando com Honoria . Alm do mais, no tenho mistrios

    para esconder e me parece que ela tem. Eu me aproveitarei dessa vantagem se for necessrio.

    PRAED(imensamente chocado) Oh! No, a senhorita no faria isso

    VIVIEE por que no? Diga-me.

    PRAED Realmente eu no sei. Mas apelo para os seus bons sentimentos. (Viviesorri de seusentimentalismo) Alm do mais, a senhorita poderia irrit-la. E sua me no muito paciente

    quando se irrita.

    VIVIE No me amedronta, Sr. Praed. Em Chancery Lane conheci duas mulheres semelhantes a

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    minha me. O senhor pode dificultar a minha vitria. Mas se eu estiver ignorando mais do que onecessrio, e se isto me trouxer prejuzos, lembre-se de que o senhor se recusou a me manterinformada. E agora vamos mudar de assunto. (Segura a cadeira em que estava sentada e recoloca

    perto da rede, com o mesmo gesto vigoroso de antes)

    PRAED(tomando uma resoluo com esforo) Srta. Warren... Acho melhor contar-lhe tudo. muito difcil, mas... (A Sra. Warren e Sir George Crofis aparecem no porto. Ela uma mulher deuns quarenta e cinco anos. Bonita, vestida de maneira vistosa, usando um chapu extravagante,

    uma blusa de cor alegre, colante, com mangas conforme a moda. Tem o aspecto de uma mulherautoritria, viciada e decididamente vulgar. Mas tem, no conjunto, um aspecto apresentvel. Crofis

    um homem alto, de compleio robusta, tendo quase cinquenta anos, juvenilmente vestido a

    moda. Possui uma voz fina e anasalada, o que surpreendente em um homem como ele.

    Cuidadosamente barbeado, rosto quadrado como o de um cachorro buldogue, orelhas grandes e

    achatadas, pescoo taurino. Uma elegante combinao de homem de negcios esportivo, brutal e

    mundano)

    VIVIE A esto eles. (Levanta-se e encaminha-se para o porto, enquanto eles entram) Comovai, minha me? O Sr. Praed est aqui a sua espera h mais de meia hora.

    WARRENSe voc esperou tanto, Praddy, foi por culpa sua. Pensei que voc teria imaginado queeu chegaria pelo trem das trs horas. Vivie, ponha o chapu. Voc pegar uma insolao. Oh!Esqueci-me de apresent-los. Sir George Crofts, minha pequena Vivie.

    CROFTS Posso apertar a mo de uma jovem que j conhecia de referncia, h muito tempo,como a filha de uma de minhas amigas mais antigas e queridas?

    VIVIE(que o olhava de alto a baixo, firmemente) Se o senhor quiser. (Aperta com toda a fora amo de Crofts, fazendo-o contrair o rosto. Depois se volta e diz para sua me) Desejam entrar oudevo arranjar mais duas cadeiras? (Dirige-se para o vestbulo a fim de apanhar as cadeiras)

    WARRENEnto, George, o que achou dela?

    CROFTS(lamentando-se) Ela tem a mo forte... Voc a cumprimentou, Praed?

    PRAEDSim... Mas isso passa.

    CROFTS Espero que sim. (Vivie volta com mais duas cadeiras. Crofts apressa-se em ajud-la)Permita-me.

    WARREN(em tom de proteo) Deixe que Sir Crofts aajude, querida.

    VIVIE(quase empurrando as cadeiras para os braos de Crofts) Aqui esto elas. (Bate uma mona outra, limpando-as, e se volta para a sua me) Gostariam de tomar um pouco de ch?

    WARREN(senta-se na cadeira ocupada por Praed, abancando-se) Estou mesmo com vontadede beber alguma coisa.

    VIVIE Vou providenciar. (Entrar na casa; enquanto isso Crofts trata de abrir a sua cadeira,colocando-a perto da Sra. Warren. Coloca a outra sobre a grama do jardim e senta-se com um ar

    constrangido e aparvalhado, colocando a ponta da bengala na boca. Praed, pouco a vontade,

    passeia irrequieto pelo jardim)

    WARREN(a Praed, olhando para Crofts) Olhe s paraele, Praed, que alegria, hein?! H trsanos que me atormenta para conhecer minha filha e agora quando aconhece, no sabe o que fazer.

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    Vamos George, endireite-se e tire essa bengala da boca. (Crofts obedece imediatamente)

    PRAEDEu penso que... Bem... , se o assunto no lhes desagrada... Que j tempo de deixarmosde tratar Vivie como se ela fosse uma criana. Pelo pouco que conversamos, acho que ela bemmais velha do que ns...

    WARREN(achando graa) Ora, veja s, George! Vivie mais velha do que ns. V-se que ela odeixou impressionado com sua auto-suficincia.

    PRAEDMas acontece que os jovens se sentem ofendidos quando ns os tratamos como crianas.

    WARREN Sim, est certo. Mas precisamos tirar essas bobagens da cabea deles. No seintrometa, Praddy. Sei como cuidar de minha filha to bem quanto voc. (Praed, com um graveaceno de cabea, passeia pelo jardim, afastando-se. A Sra. Warren finge achar graa mas o

    acompanha com o olhar, preocupada, e murmura para Crofts)O que h com ele? Por que levou toa srio o que eu disse?

    CROFTS(com tristeza) Voc tem medo dele.

    WARREN O qu? Eu com medo do velho e querido Praed? Por qu? As moscas no tm medodele.

    CROFTSVoc est com medo dele.

    WARREN (zangada) Meta-se com sua vida, Crofts. Tambm no tenho medo de voc. Sepretende ser desagradvel, acho melhor voltar para casa. (Levanta-se, voltando as costas paraCrofts, quando depara com Praed) Vamos, Praddy, sei que voc reage assim porque tem bomcorao. Est com medo de que eu faa Vivie sofrer.

    PRAED

    No pense que estou ofendido, minha querida, por favor. Mas voc sabe que, s vezes,observo coisas que lhe escapam. Voc nunca aceita meus conselhos, mas muitas vezes admitiu quedeveria t-los ouvido.

    WARRENE o que voc me aconselha agora?

    PRAEDQuero apenas dizer que Vivie j uma mulher. Por favor, trate-a com respeito.

    WARREN (com sincera surpresa) Respeito? Tratar minha prpria filha com respeito? Porfavor, o que mais?

    VIVIE(aparecendo na porta da casa e chamando) Mame, voc no quer subir para se arrumarum pouco antes do ch?

    WARREN Sim, minha querida. (Sorri do ar grave de Praed e bate-lhe amistosamente no rostoquando passa por ele)No fique preocupado, Praddy.

    CROFTS(com ar furtivo) A propsito, Praed...

    PRAEDSim?

    CROFTSGostaria de lhe fazer uma pergunta um tanto delicada.

    PRAED Pois no. (Pega a cadeira onde estava sentada a Sra. Warren, e senta-se perto deCrofts)

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    CROFTSAssim est bem. Poderiam nos ouvir da janela. Alguma vez Kitty lhe falou sobre o paidessa menina?

    PRAEDNo, nunca.

    CROFTSSuspeita quem possa ter sido?

    PRAEDNo.

    CROFTS (incrdulo) Compreendo que voc no queira contar um segredo que lhe confiou. Mas profundamente desagradvel essa situao, agora que teremos de encontrar a menina todos osdias. No sabemos exatamente quais os sentimentos que deveremos ter com relao a ela.

    PRAEDQue diferena faz sabermos ou no quem foi seu pai? Ns devemos aceit-la pelos seusprprios mritos. Que importa quem tenha sido o seu pai?

    CROFTS(com suspeitas) Ento, voc sabe quem foi?

    PRAEDEu disse que no, ainda h pouco. No me ouviu?

    CROFTS Eu lhe peo isso, Praed, como um favor pessoal. Se voc sabe (Praed faz ummovimento de impacincia)... Estou apenas falando, se voc sabe, poderia me tranqilizar. Porquena verdade eu me sinto atrado.

    PRAED(com severidade) O que voc quer dizer?

    CROFTSOh! no se assuste. apenas um sentimento inocente. Praed, tudo isso me deixa muitopreocupado, porque, pelo que sei, eu posso ser o pai de Vivie.

    PRAED

    Voc?! Impossvel!

    CROFTS(com astcia) Tem certeza de que no sou eu?

    PRAED Eu nada sei sobre o assunto, j lhe disse. Nem mais nem menos do que voc. Mas, naverdade, Crofts... Oh! No... Toda essa conversa nada tem a ver com o caso. No h a menorsemelhana.

    CROFTS Tambm no h nenhuma semelhana entre ela e a me, como posso perceber. Possoento admitir que ela tambm no seja sua filha.

    PRAED

    Por favor, Crofts. (Levanta-se com indignao)

    CROFTSNo se ofenda, Praed. uma conversa perfeitamente admissvel entre dois cavalheiros.

    PRAED(recompondo-se com esforo e falando gentil e gravemente) Agora oua-me, caro Crofts.(Volta a sentar-se)No tenho nada a ver com esse aspecto da vida da Sra. Warren nem nunca tive.Ela jamais me fezconfidncias, nem eu jamais lhe fizuma pergunta indiscreta. A sua sensibilidadelhe far compreender que uma mulher bonita tem necessidade de amigos que... Bem, que no sejam

    propriamente suas companhias habituais, e que no mantenham com ela uma relao mais ntima.Os encantos de sua prpria beleza tornar-se-iam um suplcio para Kitty se, de vez em quando, elano se libertasse deles. Voc provavelmente tem maior intimidade com Kitty do que eu. Pode

    interrog-la a esse respeito.

    CROFTS J lhe fiz essa pergunta muitas vezes. Mas ela est to firmemente disposta a guardar a

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    filha s para ela que, se pudesse, diria que Vivie nunca teve pai. (L.evantan-do-se) Esta situao nome agrada.

    PRAED(Levantando-se tambm) De qualquer modo, como voc j tem idade bastante para ser opai de Vivie, no vejo inconveniente em ns a tratarmos paternalmente, como merece uma jovemque temos a obrigao de ajudar e proteger. No concorda?

    CROFTS(agressivamente)No sou mais velho do que voc, se a isso que voc quis se referir.

    PRAEDSim, meu caro, voc . Voc j nasceu velho. Eu no, eu nasci jovem. Nunca fui capazde me sentir um homem realizado. (Fecha a cadeira onde esteve sentado, levando-a para ovestbulo)

    WARREN(chamando de dentro da casa) Praed! George! O ch!...

    CROFTS (atendendo prontamente) Ela est nos chamando. (Corre para casa. Praed sacode acabea preocupado, seguindo atrs de Crofts, quando chamado por um jovem que aparece no

    porto. Um jovem bonito, simptico, bem vestido, com ar esperto de quem no faz nada na vida,

    com vinte anos recm-completados, uma voz bonita e maneiras agradveis e irreverentes. Traz na

    mo um rifle de caa)

    FRANKAl, Praed!

    PRAED Oh! Frank Gardner! (Frank encaminha-se para Praed e o cumprimenta cordialmente)O que voc est fazendo aqui, rapaz?

    FRANKPassando uns tempos com o padre.

    PRAEDCom seu pai?

    FRANKExatamente. Ele o pastor aqui. Estou passando o outono com a famlia por questes deeconomia. Os negcios entraram em crise desde julho e o padre viu-se obrigado a pagar as minhasdvidas. Faliu em consequncia disso. E eu tambm. E voc, o que est fazendo aqui? Conhece osdonos desta casa?

    PRAEDSim, estou passando o dia com uma certa Srta. Warren.

    FRANK (com entusiasmo) O qu? Voc conhece Vivie? No uma moa maravilhosa? Estouensinando-a a caar com isso. (Mostra o rifle) Fico contente em saber que a conhece. Voc exatamente a pessoa que ela gostaria de conhecer. (Sorri e alteia a sua encantadora voz) um

    prazer encontr-lo aqui, Praed!

    PRAEDSou um velho amigo da me de Vivie. A Sra. Warren me trouxe para conhecer a filha.

    FRANKA me de Vivie? Ela est aqui?

    PRAEDSim, l dentro, tomando ch.

    WARREN(gritando de dentro) Praedeeeeeee! O ch est esfriando!

    PRAED(respondendo) Sim, Sra. Warren, um momento. Acabo de encontrar um amigo.

    WARRENUm o qu?

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    PRAED(mais alto) Um amigo.

    WARRENPois traga o tambm.

    PRAEDPois no. (A Frank) Voc aceita o convite?

    FRANK(incrdulo, mas contente) Ela a me de Vivie?

    PRAED

    Sim.

    FRANKMeu Deus! Essa boa! Voc acha que ela gostara mim?

    PRAED No tenho duvidas de que ela no resistir aos seus encantos. Mas vamos experimentar.Entremos.

    FRANKEspere um pouco. (Com seriedade) Antes desejo fazer-lhe uma confidncia.

    PRAED No, por favor. Com certeza alguma nova loucura como aquela da empregada do bar,em Redhill.

    FRANKNo. Agora serio. Oua: voc disse que acabou de conhecer Vivie?

    PRAEDSim...

    FRANK (com entusiasmo) Ento voc no pode fazer uma idia do que ela seja. Que carter!Que inteligncia! Acredite: ela mesmo muito inteligente! E no precisaria diz-lo estapaixonada por mim.

    CROFTS(chamando da janela) Vamos, Praed. Que diabo voc est fazendo? (Sai)

    FRANK (surpreso) Oh! Eis a um tipo que conseguiria o primeiro lugar em uma exposiocanina. Quem ele ?

    PRAED Sir George Crofts um velho amigo da Sra. Warren. Agora acho melhor entrarmos.(Quando esto se dirigindo para a casa,so interrompidos pelo chamado de um pastor que apareceno porto)

    O PASTORFrank!

    FRANKAl! (A Praed) O padre. (Ao pastor) Pronto, chefe! (A Praed) Olhe, Praed, acho melhor

    que voc entre para o ch. Irei imediatamente.

    PRAED Muito bem. (Entra na casa, tirando antes o chapu para cumprimentar o pastor queresponde com um pequeno movimento de cabea. O pastor permanece de fora do porto,

    segurando-o com a mo. O Reverendo Samuel Gardner, pastor da igreja anglicana, tem

    aproximadamente cinquenta anos de idade. Aparenta ser um homem autoritrio, arrogante,

    desagradvel, presunoso. Na realidade ele aquela espcie de fenmeno social obsoleto, tomado

    como guia das famlias que comparecem igreja. Procura sempre impor-se como pai e como

    pastor, sem conseguir nenhum dos dois objetivos)

    O REVERENDOBem, cavalheiro, se me permite a pergunta, quem so os seus amigos aqui?

    FRANKOh! Est tudo bem, chefe. Entre.

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    O REVERENDONo, senhor. No entrarei enquanto no souber a quem pertence este jardim.

    FRANKOra, patro. Pertence Srta. Warren.

    O REVERENDOAinda no a vi na igreja desde que chegou aqui.

    FRANK Acredito. Ela obteve o terceiro lugar no concurso de matemtica. Absolutamenteintelectual. O senhor no est altura dela. Por que ento ela iria ouvir os seus sermes?

    O REVERENDO No seja irreverente, cavalheiro. (Frank abre o porto sem cerimnia, fazendocom que seu pai entre)

    FRANK No tem importncia. Ningum est nos ouvindo. Entre, quero apresent-lo a ela.Lembra-se do conselho que me deu em julho do ano passado?

    O REVERENDO Sim, aconselhei-o a vencer a preguia e a leviandade para que conseguisseuma profisso honrada, da qual voc pudesse viver sem depender de mim.

    FRANKNo, esse no. Esse foi dado depois. O que o senhor disse naquela poca foi o seguinte:desde que no tinha nada, nem cabea nem dinheiro, deveria aproveitar meus dotes fsicos para mecasar com algum que tivesse uma coisa e outra. Pois, muito bem. A Srta. Warren uma moainteligente, o senhor no pode negar.

    O REVERENDOSim, mas inteligncia no tudo.

    FRANKClaro que no. H o dinheiro...

    O REVERENDO (interrompendo com austeridade) No me refiro a dinheiro. Falava de coisasmais elevadas. Posio social, por exemplo.

    FRANKIsso no me interessa.

    O REVERENDOMas interessa a mim, cavalheiro.

    FRANK Mas ningum est sugerindo que o senhor se case com ela. De qualquer modo. elaganhou um concurso em Cambridge e parece ter mais dinheiro do que deseja.

    O REVERENDO(ironicamente) Duvido que ela tenha mais dinheiro do que voc deseja.

    FRANK Oh! Vamos, no sou to perdulrio assim. Levo uma vida modesta. No bebo, jogo

    pouco e nunca fui um libertino como o senhor na minha idade.

    O REVERENDO(baixando a voz) Cale se!

    FRANK Mas o senhor mesmo me disse, quando cometi as maiores loucuras por aquelaempregada do bar em Redhill, que, certa vez, ofereceu cinquenta mil libras a uma mulher para quedevolvesse as cartas que o senhor lhe escrevera.

    O REVERENDO (aterrorizado) Cale-se, Frank, pelo amor de Deus! (Olha em torno,preocupado) Voc est utilizando de maneira pouco leal de um segredo que lhe confiei para seuprprio bem, para salv-lo de um erro que o deixaria arrependido pelo resto da vida. Aprenda com

    os erros de sei pai. Nunca se utilize deles para desculpar os seus.

    FRANKO senhor conhece a histria do Duque de Wellington e de suas cartas?

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    O REVERENDONo, nem quero conhec-la.

    FRANK O velho duque no cometeu o erro de jogar fora cinquenta libras. No. Apenasescreveu: Querida Jenny, publique-as e v para o interno. Seu, cordialmente. Wellington. Isto oque o senhor devia ter feito.

    O REVERENDO (piedosamente) - Frank, meu menino. Quando escrevi aquelas cartas, eu fiqueinas mos daquela mulher. Quando contei esse fato a voc, tambm fiquei em suas mos e lamento

    admiti-lo. Ela recusou o dinheiro com essas palavras: Saber poder. E eu nunca vendo o poder! Passaram-se vinte anos depois disso sem que ela se utilizasse uma s vez desse poder e sem ter mecausado um s momento de preocupao. Voc se comporta pior do que ela, Frank

    FRANKSim, eu sei. Mas o senhor fez para ela os sermes que me faz diariamente?

    O REVERENDO(magoado, quase chorando) Vou deix-lo, cavalheiro. O senhor incorrigvel.

    FRANK (Sem se perturbar) Avise em casa que no me esperem para o ch. (Dirige-se para acasa, quando encontra Vivie e Praed que saam)

    VIVIEAquele seu pai, Frank? Gostaria tanto de conhec-lo.

    FRANK Mas, certamente. (Chamando pelo pai) Chefe! O senhor est sendo chamado. (Oreverendo volta ao porto, mexendo nervosamente o chapu nas mos. Praed se apressa em

    cumpriment-lo) Meu pai, Srta. Warren.

    VIVIE Muito prazer em conhec-lo, Sr. Gardner! (Chamando a Sra. Warren) Mame, venha c.Desejam conhec-la.(A Sra. Warren aparece e imediatamente tomada de surpresa, reconhecendoo reverendo) Deixem-me apresent-los.

    WARREN (descendo rapidamente ao encontro do reverendo) Mas, no Samuel Gardner emtraje de pastor? Eu nunca imaginei... No nos reconhece, Sam? Este George Crofts, to gordoquanto vivo. No se lembra mais de mim?

    O REVERENDO(ruborizado) Sim, realmente... ...

    WARREN Naturalmente que se lembra. Tenho ainda todas as suas cartas. Outro dia mesmoestive com elas nas mos.

    O REVERENDO(embasbacado) A Srta. Vavasour, se no me engano...

    WARREN

    Ssss! Bobagens... Sra. Warren; no est vendo minha filha?

    ATO II

    (O interior da casa, noite. Olhando-se de dentro, inverte-se a posio da janela, com suas

    cortinas baixadas, e que agora vista no meio da parede principal. A porta de entrada fica

    esquerda da janela. No primeiro plano da parede esquerda, a porta que d para a cozinha. Mais

    para o fundo, na mesma parede, existe uma cmoda sobre a qual se v um candelabro e uma caixa

    de fsforos. Por trs desses objetos, o rifle de Frank com o cano apoiado nas prateleiras. No meio

    da sala est colocada uma mesa. Sobre ela uma lmpada acesa. Os livros e papis de Vivie esto

    colocados sobre uma outra mesa, colocada contra a parede, direita da janela. Uma lareira

    apagada, na parede direita, tendo ao lado um pequeno banco. Duas cadeiras esto colocadas direita e esquerda da mesa do centro. A porta se abre mostrando uma linda noite estrelada. A

    Sra. Warren, com os ombros protegidos por um xale de Vivie, entra seguida de Frank que atira a

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    sua capa sobre a cadeira. Ela caminhou muito e faz um gesto de alvio enquanto tira os alfinetes

    do chapu para retir-lo da cabea, repe os alfinetes no chapu e o coloca em cima da mesa)

    WARREN Oh! Deus. No sei o que ser pior no campo. Passear ou ficar em casa sem nada parafazer. Eu tomaria com prazer um usque com soda, se isso existisse por aqui.

    FRANKTalvez Vivie possa arranjar.

    WARREN

    No diga bobagens. O que faria uma moa na idade dela com uma garrafa de usqueem casa! Deixe estar, no tem importncia. No consigo fazeruma idia de como ela passa o tempoaqui. Seria melhor que tu tivesses ficado em Viena.

    FRANKPoderia lev-la para l? (Ajuda a Sra. Warren a tirar o xale, acariciando delicadamenteos seus ombros)

    WARRENGostaria, no? Estou comeando a pensar que voc um galho do mesmo tronco.

    FRANKComo o pastor, hein? (Coloca o xale sobre a cadeira mais prxima, sentando-se nela)

    WARREN No se preocupe com essas coisas. O que voc entende disso? Ainda muito jovem.(Afasta-se at o meio da sala para estar a salvo tentao)

    FRANKIria comigo a Viena? Ns nos divertiramos como loucos.

    WARREN No, obrigada. Viena no lugar para voc. Quando tiver alguns anos a mais... (Fazum gesto com a cabea para reforar o que disse. Frank faz uma cara triste, desmentida por seu

    olhar sorridente. Ela olha para Frank e se encaminha de volta, em sua direo) Agora oua,menino: eu o conheo como a palma de minha mo, exatamente como conheo seu pai e muito maisdo que voc a voc mesmo. Portanto tire da cabea essas idias bobas em relao a mim,

    compreende?

    FRANK (cortejando-a galantemente com um tom acariciante de voz) impossvel, minhaquerida Sra. Warren. mal de famlia. (A Sra. Finge dar-lhe uma bofetada; depois olha para o belorosto sorridente do rapaz, tentada. Finalmente o beija e, imediatamente, volta-se irritada consigo

    mesma)

    WARREN Ora veja! No deveria ter feito isso. Eu sou mesmo impossvel. Mas no dimportncia, meu querido. Foi apenas um beijo maternal. V-se embora. Vivie est a sua espera. V

    brincar com ela.

    FRANK

    J brinquei!

    WARREN(volta-se para Frank, com voz assustada) O qu?

    FRANKEu e Vivie somos to bons amigos!

    WARREN O que voc est querendo dizer? No permitirei que sedutor algum se divirta scustas de minha filha, ouviu? No permitirei.

    FRANK (imperturbvel) Minha querida Sra. Warren, no tem por que ficar assustada. Minhasintenes so honestas e a sua menina capaz de se defender sozinha. E tambm no necessita de

    metade dos cuidados de que necessita a sua me. No to bonita quanto a Sra., sabia?

    WARREN (surpreendendo-se com a segurana de Frank) No se pode negar que no lhe falta

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    cinismo. No sei a quem voc saiu assim. A seu pai, certamente, no foi.

    CROFTS(do jardim) Creio que so os ciganos.

    O REVERENDO(respondendo) Sim, mas os bruxos ainda so piores.

    WARREN (a Frank) Psst! Lembre-se do que lhe preveni. (Crofts e o reverendo entram,continuando o que conversavam) Ento, o que foi feito de vocs? E por onde andam Praddy e

    Vivie?

    CROFTS (colocando o chapu sobre o banco e a bengala no canto da lareira) Fomos at acidade. Estava com vontade de beber. (Senta-se no banco, esticando as pernas sobre ele)

    WARREN Vivie no devia Ter sado assim sem me avisar antes. (A Frank) Pegue uma cadeirapara seu pai, Frank; onde est a sua educao? (Frank levanta-se, oferece educadamente ao pai asua prpria cadeira e pega uma outra para si, sentando-se perto da mesa entre seu pai e a Sra.

    Warren) George, onde voc ir passar a noite? No poder ficar aqui. E Praed, como se arranjar?

    CROFTSGardner me dar hospedagem.

    WARRENNo duvido que voc j tenha se arranjado. Mas Praed?

    CROFTSNo sei. Que procure uma hospedaria.

    WARRENVoc no teria um lugar para ele, Sam?

    O REVERENDO Bem... Como pastor dessa regio... Isto ... No tenho liberdade para fazer oque quero. Qual a posio social do Sr. Praed?

    WARREN

    Oh! uma pessoa direita, um arquiteto. Mas como voc convencional, Sam!

    FRANK Ela tem razo, chefe. Praed construiu em Gales o castelo do duque. O Castelo deCaernarvon. Voc j deve Ter ouvido falar. (Pisca maliciosamente para a Sra. Warren, olhandodepois, com inocncia, para seu pai)

    O REVERENDO Bem, nesse caso est claro que ficaremos muito contentes. Suponho que eleconhea o duque pessoalmente, no?

    FRANKSo ntimos amigos. Voc poder colocar Praed no velho quarto de Georgina.

    WARREN

    Bem, ento est resolvido. Se aqueles dois j tivessem voltado, ns poderamos jantar.Afinal de contas, j tarde e eles no podem mais ficar passeando.

    CROFTS(agressivamente) Que mal lhe esto fazendo?

    WARRENMal ou no, eu no gosto disso.

    FRANK melhor no esper-los mais. Sra. Warren. Praed no voltar to cedo. Ele nunca soubeo que fosse passear pela Campina, em uma noite de vero. Acompanhado de uma moa como aminha Vivie.

    CROFTS(endireitando-se no banco, com ar de certo desalento) E voc sabe? Vamos?

    O REVERENDO (levantando-se, deixando de lado o seu modo profissional de falar, usando de

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    fora e sinceridade) - Frank, de uma vez por todas, isso no est em discusso. A Sra. Warrenpoder lhe dizer que este assunto no lhe diz respeito.

    CROFTSClaro que no.

    FRANK(com encantadora placidez) verdade, Sra. Warren?

    WARREN (refletindo) Bem, eu no sei. Se a menina quer se casar, no ser justo conserv-la

    solteira.

    O REVERENDO (espantado) Casar-se com ele? A sua filha casar-se com meu filho?Inteiramente impossvel!

    CROFTSClaro que impossvel, Kitty. No seja boba.

    WARREN(irritada) Por que no? Minha filha no ser suficientemente digna de seu filho, Sam?

    O REVERENDOMas certamente a minha cara Sra. Warren conhece razes...

    WARREN (desafiadora) Eu no conheo razo alguma. Se voc conhece poder cont-la aorapaz, menina... Ou a toda e congregao, se quiser.

    O REVERENDO (sentando-se desanimado na cadeira que ocupava) Voc sabe muito bem queeu no poderia cont-las a ningum. Mas meu filho acreditar quando eu lhe disser que existemrazoes...

    FRANK Perfeitamente, papai, ele acreditar. Mas desde quando as suas razes influram nocomportamento de seu filho?

    CROFTSVoc no poder se casar com ela e isso tudo. (Levanta-se e fica de p no meio dasala, de costas para a lareira, com um ar acintosamente grave)

    WARREN(virando-se para Crofts, asperamente) Por favor, o que voc tem a ver com isso?

    FRANK (com o tom mais lrico de sua voz) Era exatamente o que eu ia perguntar, com aelegncia que me habitual.

    CROFTS( Sra. Warren) Acho que voc no deseja casar sua filha com um rapaz mais jovem doque ela e sem ocupao ou bens que lhe permitam sustentar uma mulher. Pergunte a Sam, se no meacredita. Quanto voc est disposto a dar ar a seu filho?

    O REVERENDO Nem um xelim. Ele j recebeu de mim o que tinha para receber, e acabou degastar tudo em julho do ano passado (A Sra. Warren assume um ar sombrio)

    CROFTS (olhando-a) Est ouvindo? No lhe disse? (Volta a sentar-se no banco, esticando aspernas, como o assunto estivesse definitivamente encerrado)

    FRANK (queixosamente) Tudo isso to mesquinho. Supem ento que a Srta. Warren secasaria por dinheiro? Se ns nos amamos...

    WARREN Muito obrigada, mas o amor de vocs tem poucas garantias, meu rapaz. Se voc no

    tem meios suficientes para manter uma mulher, ento no h mais o que conversar. Vivie no sersua.

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    FRANK(divertindo-se) O que diz a isso, chefe?

    O REVERENDOConcordo com a Sra. Warren.

    FRANKE o bondoso velho Crofts j expressou a sua opinio?

    CROFTS(olhando-o com rancor) - Olhe aqui, rapaz. Eu no tolero mais as suas impertinncias.

    FRANK

    Perdoe-me se o irritei. Mas ainda h pouco voc falou comigo como se fosse meu pai e...Basta-me um pai, obrigado.

    CROFTS(enfurecido) Ah ... (Volta-lhe novamente as costas)

    FRANK (levantando-se) Sra. Warren, eu no abriria mo de Vivie nem mesmo para lhe seragradvel.

    WARREN(resmungando entre dentes) Canalha!

    FRANK (continuando) E como tenho a certeza de que ir procurar outros candidatos mo deVivie, falarei imediatamente com ela. (Todos olham fixamente para ele, que recita, com grandeencanto)

    Quem do destino tem medonunca ser vencedor;ou tudo ou nada o segredode todo bom jogador....

    (A porta da casa se abre enquanto Frank recita. Vivie e Praed entram. Ela pra. Praed coloca o

    seu chapu sobre a cmoda. H uma brusca mudana nas atitudes de todos, que tentam dissimular

    o assunto de que tratavam. Crofts retira as pernas do banco, recompondo-se, enquanto Praed

    junta-se a ele perto da lareira. A Sra. Warren perde a naturalidade, refugiando-se em umapergunta de repreenso)

    WARRENOnde voc esteve, Vivie?

    VIVIE(tirando o chapu e colocando-o delicadamente na mesa)Na colina.

    WARREN Mas voc no deve sair sem me avisar antes. J tinha cado a noite e eu no podiaimaginar o que lhe tivesse acontecido.

    VIVIE(encaminhando-se para a porta da cozinha e abrindo-a, sem dar ateno ao que sua me

    lhe diz) - Bem, e com relao ao jantar, (todos se levantam, com exceo da Sra. Warren)tenho aimpresso de que no haver lugar para todos.

    WARRENVoc ouviu o que eu disse?

    VIVIE (tranquilamente) Sim, mame.(Volta ao assunto do jantar) Quantos somos? Um, dois,trs, quatro, cinco e seis. Bem, acho que dois de ns tero que esperar para jantar depois. A Sra.Alison s dispe de talheres para quatro pessoas.

    PRAEDOh! No se incomode comigo. Eu...

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    VIVIE No, Praed, voc andou muito e deve estar com fome. Ser servido em primeiro lugar.Eu sim, poderei esperar. Mas quero uma pessoa para me fazer companhia. Voc est com fome,Frank?

    FRANKNenhuma, eu espero.

    WARRENVoc tambm no est com fome, Crofts. Pode esperar...

    CROFTSAh! isso no. No comi nada desde a hora do ch. Voc no poderia esperar. Sam?

    FRANKVoc quer que meu pai morra de fome?

    O REVERENDODeixe que eu responda por mim mesmo, cavalheiro. Esperarei com prazer.

    VIVIE(tomando uma deciso)No h necessidade. Apenas dois devem esperar. (Abre a poria dacozinha) Quer acompanhar minha me, Sr. Gardner? (O reverendo e a Sra. Warren entram nacozinha. Praed e Crofts seguem-nos. Todos, com exceo de Praed, desaprovam o combinado, mas

    no encontram meios de reclamar. Vivie contnua mantendo a poria aberta, olhando-os) O senhorpoderia se sentar no canto, Sr. Praed? Dispomos de pouco espao. Cuidado para no sujar o casaco.Esto todos acomodados?

    PRAED(de dentro) Sim, obrigado.

    WARREN (de dentro) Deixe a porta aberta, querida. (Vivie vai fazer o que a me lhe pede,quando Frank a contm com um gesto Abre a porta da casa, provocando uma corrente de ar)Oh!Deus, que corrente de ar! Acho melhor fechar essa porta, queridinha.

    FRANK(exultando) Finalmente em liberdade! Ento, Vivie, o que achou de meu chefe?

    VIVIE(sriae preocupada) Conversei muito pouco com ele. No me pareceu muito bem dotado.

    FRANK O velho no to idiota quanto aparenta. Procure compreender. A carreira eclesisticalhe foi imposta e ele faz um grande esforo para representar bem o seu papel de pastor. Com issofica sempre parecendo mais idiota do que na realidade. Voc no imagina quanto gosto dele. um

    bom homem. Acha que poder se dar bem com ele?

    VIVIE No acredito que venha a ter muitos contatos com ele no futuro. Nem com ele nem comqualquer outro amigo de minha me. Com exceo de Praed, talvez. (Senta-se no banco) O quevoc pensa de minha me?

    FRANKCom toda a sinceridade?

    VIVIESim, com toda a sinceridade.

    FRANKBem, ela simptica, mas umpouco original no verdade? (Senta-seperto de Vivie)ECrofts, ento, meu Deus! Crofts!...

    VIVIEQue gente, Frank!

    FRANKQue horda!

    VIVIE(demonstrando um grande desprezo por eles) Se eu soubesse que ficaria assim, reduzida aum ser desordenado, perdido, andando de um lugar para outro sem nenhuma finalidade, fraca, sem

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    nimo, eu cortaria os pulsos sem hesitar um s instante.

    FRANKNo, voc no faria isso E por que eles se esforariam sem necessidade? Gostaria de tera sorte que eles tm? O que no aceito a maneira pela qual eles se utilizam da sorte. mesquinha,muito mesquinha.

    VIVIE Acredita que agiria de maneira diferente da de Crofts, se atingisse a idade dele semtrabalhar?

    FRANKClaro que sim. E muito melhor. Mas no desperdice os sermes. O seu pequeno aluno incorrigvel. (Tenta acariciar o rosto de Vivie)

    VIVIE(afastando as mos de Frank, com rispidez) V-se embora. Hoje Vivie no est disposta atomar conta de seu pequeno aluno. (Levanta-se e vai at o outro lado da sala)

    FRANK(seguindo-a) Que maldade!

    VIVIE(batendo os ps) Um pouco de seriedade, por favor!

    FRANK Pois muito bem. Falemos a srio, Srta. Warren, sabe que todos os pensadores modernosconcordam em que a metade dos males do mundo provm da falta de amor entre os jovens? Muito

    bem, eu...

    VIVIE (interrompendo-o asperamente) Voc me cansa. (Abre a porta da cozinha) H um lugarpara Frank? Ele j est morto de fome.

    WARREN(da cozinha) Claro que h. (Ouve-se um barulho de garfos e facas sendo arrumadosna cozinha)H um lugar ao meu lado. Venha sentar-se, Sr. Frank.

    FRANK

    O seu pequeno aluno jamais se esquecer disso, Vivie (Entra na cozinha)

    WARREN(da cozinha) Venha tambm, Vivie. Voc deve estar faminta. (Entra na sala, seguidade Crofts, que mantm a porta aberta num gesto acintosamente gentil, dando passagem a Vivie, que

    passa sem olh-lo; Crofts fecha a porta) Por que voc no comeu nada. Crofts? Voc no est sesentindo bem?

    CROFTS Oh! No. Tudo o que desejo agora um bom drinque. (Enfia as mos nos bolsos,andando pela sala, preocupado e aflito)

    WARRENAdoro comer. Mas carne fria, queijo e alface desanimam. (Senta se no banco, com um

    suspiro de desnimo)

    CROFTSPara que voc continua encorajando esse menino?

    WARREN (surpreendendo-se) Olhe, George, quais so as suas intenes com relao a ela?Estive observando o seu modo de olh-la. Eu o conheo bem e sei o que significam os seus olhares.

    CROFTS proibido olhar para ela?

    WARREN Eu o ponho fora desta casa e o mando de volta para Londres, se voc comear comsuas manias. Uma unha do dedo de minha filha mais importante para mim do que o seu corpo e

    sua alma juntos. (Crofts recebe essas palavras com uma contraode contrariedade no rosto. Sra.Warren, renunciando idia de convencer Crofts com seu tom melodramtico, usa um modo mais

    direto de falar) Sossegue, porque as suas possibilidades so to grandes quanto as daquele menino.

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    CROFTSUm homem no pode se interessar por uma jovem?

    WARRENNo um homem como voc.

    CROFTSQue idade ela tem?

    WARRENNo lhe interessa.

    CROFTS

    Por que faztanto segredo?

    WARRENPorque eu quero.

    CROFTS Pois bem, ainda no cheguei aos cinquenta anos e a minha fortuna mais slida hojedo que antes.

    WARREN(interrompendo-lhe) natural que seja, pois voc um usurrio corrompido.

    CROFTS (continuando) ... E um baro no se encontra todos os dias. Nenhum outro homemgostaria de ter voc como sogra. Ento por que diz que ela no pode se casar comigo?

    WARRENCom voc?

    CROFTS Ns trs poderamos viver confortavelmente. Eu morrerei antes dela, deixando-a nainvejvel condio de uma viva bela e rica. Sim, por que no? A idia no m.

    WARREN(revoltada) Sim, somente coisas como essas que podem surgir na sua cabea. (Elerecomea a andar pela sala. Entreolham-se, ela com um pouco de temor, e de mal contido

    desprezo. Crofts olha a Sra. Warren furtivamente, com um lampejo de sensualidade no olhar e

    com um ar depravado no rosto)

    CROFTS (vendo que no conseguia ser simptico Sra. Warren) Olhe, Kitty,. voc uniamulher ajuizada. No lhe perguntarei mais coisa alguma nem voc precisar responder a mais nada.Farei a sua filha herdar todos os meus bens. Quanto a voc, eu poderia lhe dar um cheque no dia docasamento. Basta me dizer uma quantia razovel.

    WARRENVeja a que ponto voc chegou, George! A que ponto chegam todos os da sua laia!

    CROFTS(com violncia) Sua ordinria!... (Antes que ela possa responder, a porta da cozinha seabre e comeam a ser ouvidas as vozes dos outros. Crofts, no conseguindo se recompor, sai as

    pressas da casa e o reverendo aparece na porta da cozinha)

    O REVERENDO(olhando em torno) Onde est o Sr. George?

    WARRENSaiu um pouco para fumar. (O reverendo pega seu chapu de cima da mesa e senta-seperto da Sra. Warren, enquanto Vivie entra seguida por Frank, que se senta em uma das cadeiras,

    aparentando um ar de extremo cansao. A Sra. Warren olha para Vivie e com um tom afetado de

    carinho maternal, mais forado do que de costume, diz) Ento, minha querida? Jantou bem?

    VIVIEVoc sabe como a comida da Sra. Alison. (Olha com pena para Frank) Pobre Frank! Slhe sobrou po, queijo e cerveja para jantar. A manteiga desta casa detestvel (Seriamente, como

    se j tivesse brincado bastante naquela tarde) Mandarei buscar outra na cidade.

    FRANK Em nome de Deus, mande logo. (Vivie se encaminha at a mesa para tomar nota dacompra da manteiga. Praed entra da cozinha, tirando do pescoo o leno que usava como

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    guardanapo.

    O REVERENDO Frank, meu filho, j so horas de irmos para casa. Sua me ainda no sabe queteremos visitas.

    PRAEDTenho receio de que v importun-los.

    FRANK (levantando-se) De forma alguma! Minha me ficar encantada em conhec-lo. Ela

    uma intelectual autntica, uma artista. E h mais de um ano que no v ningum alm de meu pai. Osenhor pode imaginar o quanto isso a aborrece (Ao o pai) O senhor no nenhum intelectual nemum artista, convenhamos. Conduza, pois, o Sr. Praed a nossa casa imediatamente. Fico ainda um

    pouco para fazer companhia a Sra. Warren. O senhor encontrar Crofts no jardim. Ele ser umaexcelente companhia para nosso buldogue.

    PRAED Venha conosco, Frank. A Sra. Warren no v a filha h muito tempo e ns ainda no adeixamos sozinha com ela um momento sequer.

    FRANK (olhando para Praed, com admirao) Mas claro Esqueci-me inteiramente. Obrigadopor ter me lembrado, Praed. Voc um perfeito cavalheiro. O meu ideal na vida! (Prepara-se parase retirar, parando entre Praed e o reverendo. Coloca uma mo no ombro de Praed e depois aoutra no do pai) Ah ! se voc fosse meu pai ao invs desse velho indigno.

    O REVERENDO (em tom de severa reprimenda) Cale-se, cavalheiro, cale-se ! O senhor est setornando insolente.

    WARREN (rindo alto) Precisava t-lo mantido sob controle, Sam, Boa noite. Olhem, levem ochapu e a bengala de Crofts, com os meus cumprimentos. (Os homens apanham suas coisas)

    O REVERENDO (segurando o chapu e a bengala de Crofts) Boa noite ! (Despede- se da Sra.

    Warren e de Vivie. Depois, imperativamente, para Frank) Vamos, cavalheiro. (Sai)

    WARRENAt logo, Praddy.

    PRAEDAt logo, Kitty. (Cumprimentam-se carinhosamente e a Sra. Warren o acompanha at oporto do jardim)

    FRANK(a Vivie) Uni beijinho? ...

    VIVIE (Com raiva) No. Eu o odeio. (Apanha alguns livros e papis da cadeira e senta- se amesa para estudar, aolado da lareira)

    FRANK (fazendo uma careta) Desculpe-me (Vaiapanhar o rifle. A Sra. Warren volta. Frankaperta a sua mo) Boanoite, querida Sra. Warren. (Beija-lhe a mo, apertando-a. A Sra. Warren aretira mordendo os lbios e demonstrando uma grande vontade de estape-lo. Frank sorri com

    malcia e sai, batendo a porta)

    WARREN (resignando-se a uma noite enfadonha, depois da sada de todos) Nunca ouvi tantasbobagens na minha vida. Ele no a aborrece?(Senta-se na mesa em frente a Vivie) J que estamosfalando dele, acho melhor que voc no continue a encoraj-lo. Estou certa de que ele um perfeitointil.

    VIVIE(levantando-se para apanhar mais livros) Sim, tenho medo que seja. Pobre Frank! Tenhoque me desvencilhar dele, mas sinto pena, embora ele no merea. Aquele Crofts tambm no me

    parece ser grande coisa, no? (Coloca os livros sobre a mesa, com fora)

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    WARREN (chocada com a indiferena de Vivie) O que voc sabe dos homens para falar dessemodo sobre eles? Voc deve mudar a sua opinio sobre o Sr. George Crofts e passar a trat-lo comoum amigo meu.

    VIVIE (sem se perturbar) Por qu? (Senta-se, abrindo os livros) Acredita que ns nos veremoscom maior frequncia agora? Quero dizer, eu e voc?

    WARREN (encarando-a)Naturalmente. At que voc se case. No quero mais que volte para o

    colgio.

    VIVIEAcredita que a minha maneira de viver combine com a sua? Eu no acredito.

    WARRENSua maneira de viver? O que quer dizer isso?

    VIVIE(cortando as pginas de um livro com a esptula pendurada de sua chtelaine)Nunca lheocorreu, mame, que eu tenha uma maneira de viver, como as outras pessoas?

    WARRENQue bobagem e essa agora! Com certeza anda pensando que j dona de sua vida sporque se tornou uma pequena personalidade no colgio? No seja tola, menina.

    VIVIE(com calma) tudo quanto voc tem a dizer, no , mame?

    WARREN (confusa, depois irritada) No me faa mais perguntas como essa. (Com violncia)Cuidado com o que diz. (Vivie, sem perder tempo, continua trabalhando em silncio) Voc e suamaneira de viver, hein? O que vir depois? Sua maneira de viver ser aquela que eu determinar,aquela que mais me agradar. Tenho notado que voc se modificou muito depois daquele exame, oul que nome tenha! Se voc acha que o seu sucesso me deixou impressionada, engana-se. Quantomais cedo souber disso, melhor. (Pausa) Isso tudo quanto precisava lhe dizer. (Novamenteenraivecida)A mocinha sabe com quem est falando?

    VIVIE(levantando os olhos para ela, sem levantar a cabea do livro)No. Quem voc? O que voc?

    WARREN(levantando-se ofegante de raiva) Demnio!

    VIVIE Todas as pessoas sabem quem eu sou, aque classe perteno, a profisso que pretendoseguir. Mas eu na conheo nada a seu respeito. Que espcie de vida pretende que eu leve com voce com o Sr. George Crofts? Diga-me, por favor.

    WARRENTome cuidado, Vivie. Eu poderei fazer alguma coisa de que venha a me arrepender no

    futuro, e voc tambm.

    VIVIE(colocando os livros de lado, com uma fria deciso) Bem, deixemos esse assunto para ummomento em que voc esteja capaz de discuti-lo. (Olhando de modo crtico para sua me) Vocest precisando de bons passeios e de jogar algumas partidas de tnis. Com isso se sentir melhor.Atualmente, voc no est em condies de andar mais de quarenta metros sem parar um pouco pardescansar. Seus braos esto redondos e flcidos. Veja os meus. (Mostra os braos)

    WARREN(depois de olha-la desconsoladamente, comea a choramingar) Vivie...

    VIVIE(levantando-se e repreendendo-a) Oh! Por favor, no comece agora a choramingar. No,

    tudo menos isso. No tolero. Se continuar, eu me retiro.

    WARREN (implorando) Oh! Vivie, como pode ser to cruel comigo. Eu tenho direitos sobre

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    voc! No sou sua me?

    VIVIEVoc minha me?

    WARREN(consternada) Se eu sou sua me? Oh Vivie...

    VIVIE Diga-me ento onde se encontram nossos parentes. Meu pai. Os amigos de nossa famlia.Voc reclama os direitos de me, o que lhe permite me chamar de boba, de criana; de me falar

    como nenhuma superiora que tive no colgio ousaria; de ditar o que devo fazer e como viver; de meimpor a companhia de um homem que qualquer um reconheceria como o exemplo da mais

    pervertida espcie sada dos subrbios de Londres. Antes de perder tempo com as suas imposies,quero saber primeiro, se elas tm razo de existir.

    WARREN(ofendida, mal se suportando de p) Oh! No, no, pare, pare! Eu sou sua me. Eujuro! Oh! Voc no pode se voltar contra mim. Voc e minha filha. No justo. Voc acredita emmim, no ? Diga que acredita, por favor!

    VIVIEQuem foi meu pai?

    WARRENVoc no sabe o que est perguntando. Eu no posso responder.

    VIVIESim, voc pode, se quiser. Eu tenho o direito de saber e voc sabe muito bem que eu tenhoesse direito. Voc pode se negar a me dizer, mas, se o fizer, me ver amanh pela ltima vez na suavida.

    WARREN horrvel ouvir falar assim! Voc no poderia fazer isso comigo; voc no poderiame deixar.

    VIVIE Sim, eu posso, e sem hesitar um s momento, se voc continuar a esconder a verdade.

    (Tendo um arrepio de nojo) Como posso estar certa de que o sangue daquele ordinrio no corredentro do meu sangue?

    WARRENNo, no. Eu juro que no ele. E nenhum outro que voc conhea. Disso, ao menos,tenho certeza. (Vivie olha rapidamente para sua me, surpresa ante o significado dessa declarao)

    VIVIE(vagarosamente) Disso, ao menos, voc tem certeza. Ah! Somente disso que voc temcerteza!(Pensativamente) Compreendo. (A Sra. Warren esconde o rosto nas mos)No faa isso,mame. Voc sabe que no est sentindo nenhum remorso. A Sra. Warren baixa as mos, olhandodesconsoladamente para Vivie, que enfrenta o seu olhar) Bem, por hoje bastante. A que horasquer tomar o caf? Oito horas muito cedo?

    WARREN(voltando a raiva de h pouco) Meu Deus! Que espcie de a mulher voc?

    VIVIE(friamente) Da espcie de que o mundo est composto em sua maioria. Do contrrio, nosaberia como se fazem os negcios. Vamos? (Toma sua me pelo brao fazendo-a mover-seresolutamente) Fique tranquila. Est tudo bem.

    WARREN(queixosamente) Voc muito rude comigo, Vivie.

    VIVIENo diga bobagens, Vamos dormir. J passa das dez horas.

    WARREN(emocionada) De que adianta ir para a cama? Voc pensa que eu conseguiriadormir?

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    VIVIEPor que no? Eu conseguirei.

    WARREN Voc. Voc no tem corao! (De repente ela volta a seu falar natural, o de umamulher do povo. Todas as suas afetaes maternais e suas maneiras convencionais desaparecem.

    Expressa-se num mpeto de verdadeira convico e de profundo desprezo por Vivie) No agentoinjustia. Que direito voc tem pra ficar me olhando de cima? Fui eu, eu, que dei a possibilidade devoc ser o que agora. Que possibilidades eu tive? Que oportunidades me deram? Voc devia tervergonha, filha sem corao, moralista metida a besta!

    VIVIE (sentando-se e encolhendo os ombros, j no to segura; suas respostas, que lhe

    pareciam verdadeiras, tornam-se presunosas, quase falsas, diante do modo como sua me lhe

    fala) No pense que me considero superior a voc. No quis demonstrar nada disso. Voc meatacou com a autoridade convencional de me e eu me defendi com a superioridade convencional demulher honesta. Francamente, mame, no suportarei as suas tolices. E, quando voc parar de diz-las, no terei a pretenso de esperar que voc aguente as minhas. Respeitarei sempre o seu direito dedizer o que quiser e de levar a vida que bem entender.

    WARREN Minhas opinies! Minha vida! Ouam s o que ela est dizendo. Pensa que eu fuieducada como voc? Capaz de escolher a minha prpria vida? Pensa que fiz o que fiz porquegostava ou porque pensava que era direito? Pensa que no teria preterido ir para o colgio e metornar uma mulher honesta, se eu tivesse tido essa oportunidade?

    VIVIE Todas as pessoas tm uma certa possibilidade de escolha, mame. No digo que umamenina pobre possa escolher entre ser rainha da Inglaterra ou reitora de uma universidade. Mas ela

    pode escolher entre ser cozinheira ou florista, de acordo como seu gosto. As pessoas sempre culpamas circunstncias pelo que so. Eu no acredito nas circunstncias. Os que triunfam na vida so osque triunfam sobre as circunstncias. Eles as procuram e, se no as encontram, fazem suas prpriascircunstncias.

    WARREN

    Falar fcil, muito fcil mesmo. Quer saber quais foram as minhas circunstncias?

    VIVIESim, seria melhor que voc me dissesse. No quer se sentar?

    WARREN Sim, eu me sento, no se preocupe. (Coloca a cadeira mais para a frente, comenergia. Vivie impressiona--se, embora contra sua vontade) Sabe quem foi sua av?

    VIVIENo.

    WARRENNo, voc no sabe. Mas eu sei. Ela dizia que era viva e morava num lugar miservelonde mantinha quatro filhas. Duas eram irms: eu e Liz. ramos fortes e sadias. Provavelmente, o

    nosso pai foi um homem que gostava de comer bem. Minha me dizia que ele era um cavalheiro,mas eu duvido. As outras duas eram irms s por parte de me. Franzinas, magras, com carasdoentias, mas resistentes ao trabalho, pobres e honestas criaturas. Eu e Liz quase teramos matadoas duas de pancada, se nossa me no tivesse quase matado a ns duas de pancada para evitar isso.Eram honestas. De que valeu para elas a honestidade? Eu Conto. Uma delas trabalhava doze horas

    por dia numa fbrica de alvaiade, ganhando por semana o que mal dava para comprar po, at quemorreu envenenada pelo ar da fbrica. Ela esperava ficar apenas com as mos paralisadas quandocaiu doente. Mas ela morreu. A outra era apontada como exemplo porque tinha se casado com umfuncionrio pblico e porque conseguia, com oito xelins por semana, manter a casa e os filhossempre limpos e arrumados. Isso at o dia em que o marido deu para beber. Valeu a pena seremhonestas, no ?

    VIVIE(agora pensativa e atenta) Voc e sua irm pensavam assim?

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    WARREN Ela no. Tinha mais outras qualidades. Ns freqentavamos a escola da igreja. Porisso humilhvamos as outras que no sabiam nada e no iam escola. At que, uma noite, Lizdesapareceu e no voltou mais. Eu sabia que a professora estava com medo que eu seguisse omesmo caminho de Liz, porque o diretor dizia sempre que ela acabaria se atirando da ponte deWaterloo. Velho idiota! Era s o que sabia dizer. Mas eu tinha mais medo da fbrica do que do rio.Voc tambm, se estivesse no meu lugar. O diretor me arranjou uni emprego de lavadora de pratosna cantina da Sociedade de Temperana. Depois consegui um lugar de criada, e depois fui trabalharnum bar, na estao de Waterloo. onde passava quatorte horas por dia servindo bebida e enxugando

    copos, ganhando uma misria por semana. Mas l eu tinha direito a casa e comida, o que foiconsiderado um progresso na minha carreira. Bem, uma noite das mais frias e mais tristes, quandomal me agentava em p, cansada, imagine quem aparece pedindo um uisque, enrolada numa pelegrande e confortvel e com um monte de dinheiro na bolsa?

    VIVIE(horrorizada) Tia Liz?

    WARREN Sim, uma boa tia para se ter, posso assegurar. Ela a vive agora em Winchester, pertoda catedral, e uma das senhoras mais respeitveis do lugar. Acompanha as mocinhas aos bailes,imagine! Nada mais de rios para Liz, ainda bem! Voc se parece um pouco com ela. Era umamulher que sabia resolver os seus negcios, sempre economizando e no permitindo nunca que osoutros percebessem o que ela era, nunca perdendo a cabea nem as oportunidades. Quando viu queeu tinha ficado uma mulher bonita, ela me disse, debruada sobre o balco: O que voc estfazendo aqui, sua boba, desperdiando a sade e a beleza em proveito dos outros?Nesse tempo Liz

    juntava dinheiro para se associar a um a casa em Bruxelas. Ns duas juntas poderamos conseguirmais dinheiro, muito mais depressa. Ela me emprestou algum, no incio. Consegui pagar logo e

    pouco depois entrava como sua scia no negcio. Por que no? A casa de Bruxelas era realmente deprimeira classe. Muito melhor do que a fbrica de alvaiade onde Anne Jane morreu envenenada.Nunca nossas meninas foram tratadas como eu na cantina, no bar da estao ou em casa. Vocgostaria que eu continuasse num daqueles lugares para me matar de trabalho e cansao antes dechegar aos quarenta anos?

    VIVIE(mostrando-se agora interessada)No. Mas por que voc escolheu esse tipo de negcio?Economia e trabalho poderiam fazer sucesso em qualquer outro ramo de comrcio.

    WARREN Sim, economizando. Em que outra espcie de trabalho a mulher pode ganhar osuficiente para economizar? Voc poderia economizar ganhando apenas quatro xelins por semana etendo que se vestir decentemente? No, voc no. Naturalmente se eu tivesse jeito pura a msica,teatro ou jornalismo, seria diferente. Mas nem eu nem Liz tnhamos inclinao para essas

    profisses. Tudo o que possuamos era beleza e jeito para agradar os homens. Ou voc acha que nsseramos bobas a ponto de deixar que os outros ganhassem s nossas custas?

    VIVIE

    Vocs ficavamperfeitamente justificadas do ponto de vista comercial.

    WARREN Sim, desse e de qualquer outro ponto de vista. Qual a razo para se educar umamulher se no lhe ensinamos a conquistar um homem rico e a conseguir o seu dinheiro, casando-secom ele? A cerimnia do casamento no torna a coisa mais moral. Ah! A hipocrisia do mundo meenoja. Eu e Liz tivemos que trabalhar e economizar muito. Do contrrio, teramos ficado comoessas pobres mulheres que pensam que o destino imutvel. (Com grande energia) Eu desprezoesse tipo de pessoas. Elas no tm carater e uma das coisas que mais me irritam em uma mulher afalta de carter.

    VIVIE Vamos, mame: O que voc chama de falta de carter no ser apenas a profunda repulsa

    por esse modo de ganhar dinheiro?

    WARREN Sim, naturalmente. Ningum gosta de ganhar dinheiro trabalhando. Mas tem sempre

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    que trabalhar. Eu mesma quantas vezes senti pena de uma das pobres meninas, cansada fsica emoralmente, e tendo que ser agradvel a um homem que ela desprezava, um grosseiro meio em-

    briagado que pensava encantar, quando na verdade enojava a moa, cujo esforo terrvel de suportaraquele homem no poderia ser pago com dinheiro nenhum do mundo. Mas ela tinha que suport-lo,como se fosse uma enfermeira no hospital. Mulher nenhuma faz com prazer esse tipo de trabalho.Deus sabe! Mas quando se ouve as pessoas caridosas, ah!... Voc poderia pensar que essa vida um mar de rosas.

    VIVIE

    Contudo, voc acha que compensa.

    WARREN claro que compensa para uma moa pobre que seja bonita, ajuizada e saiba resistirs tentaes. muito melhor do que qualquer outro emprego. Sempre achei que no deveria serassim. injusto, eu sei, mas no existem oportunidades melhores. Certo ou errado, assim. S restatirar o melhor proveito possvel.. Naturalmente, no vale a pena para quem nasceu em condiesdiferentes. Voc, por exemplo, seria uma idiota se o fizesse, mas eu seria uma idiota se no tivessefeito o que fiz.

    VIVIE(cada vez mais comovida) Mame, se ns fssemos agora to pobres quanto voc naquelapoca, tem certeza de que no me aconselharia a trabalhar no bar da estao, a me casar com umempregado do governo ou at mesmo a me empregar na fbrica?

    WARREN(indignada) Que espcie de me voc pensa que eu sou? De modo algum daria essesconselhos. Como voc poderia se respeitar, vivendo naquela escravido miservel? De que valeuma mulher, de que vale uma vida sem respeito? Por que eu sou uma mulher independente e capazde dar minha filha uma boa educao, enquanto outras, que viveram igualmente boasoportunidades, esto na lama? Por que sempre soube me respeitar? Por que hoje Liz admirada erespeitada numa cidadezinha de provncia? Onde estaramos agora se tivssemos ouvido as

    bobagens do diretor da escola? Lavando o cho, ganhando uma misria por dia, com a nicaesperana de sermos internadas num asilo de velhas. No se deixe levar pelas pessoas que no

    conhecem o mundo, minha filha. O nico meio de uma mulher conseguir o seu sustento de maneiradecente ser agradvel a um homem que possui o suficiente para ser agradvel a ela. Se os doispertencem a mesma classe, ela deve deixar que ele se case com ela. Mas, se ela for de condioinferior, o que poder esperar? Esse casamento no a faria feliz. Pergunte a qualquer senhora dasociedade de Londres e ela dir a mesma coisa. S que eu digo cruamente, e elas diriam comhipocrisia. Essa a nica diferena.

    VIVIE(olhando a, fascinada) Minha querida me; voc uma mulher maravilhosa. Mais forte doque toda a Inglaterra. Mas me diga uma coisa: voc nunca teve dvidas, nunca se sentiuenvergonhada?

    WARREN

    Bem, claro, querida, faz parte das boas maneiras ficar envergonhada. Isso esperadoem uma mulher. Elas devem aparentar mais do que sentem na realidade. Liz irritava-se comigoporque eu sempre lhe dizia a verdade. Ela costumava dizer tambm que, quando uma mulherconsegue ver o que est diante de seus olhos, ningum mais poder lhe ensinar nada sobre o queviu. Liz era uma perfeita lady, ao passo que eu sempre fui um pouco vulgar. Quando voc memandava as suas fotografias, eu ficava contente de ver que voc se parecia com Liz, o mesmo jeitode lady, o mesmo ar resoluto. No sou daquelas que pensam uma coisa e dizem outra. Por que serhipcrita? Mas, se o mundo feito assim para as mulheres, seria intil pretender o contrrio. No,eu nunca me envergonhei, na verdade. Tenho o direito de ficar orgulhosa pela maneira respeitvelcom que sempre dirigi os nossos negcios. Nunca recebemos uma palavra de censura ao modo peloqual tratvamos as meninas. Muitas fizeram uma carreira invejvel. Uma delas se casou com um

    embaixador. Mas compreende-se que hoje em dia eu no fale mais dessas coisas. O que pensariamde ns? (Boceja) Oh! Querida, acho que estou mesmo ficando com sono. (Espreguia-se aliviada

    pelo desabafo e calmamente prepara-se para dormir)

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    VIVIEAcho que agora sou eu que no conseguirei dormir. (Encaminha-se para o mvel e acendeuma vela. Depois apaga as lmpadas mergulhando a sala em meia escurido) Acho melhor deixarque entre um pouco de ar fresco antes de fecharmos tudo. (Abre a poria de entrada e descobre estara noite enluarada) Que linda noite! (Afasta as cortinas. A paisagem aparece batida pela lua quenasce da escurido)

    WARREN(olhando superficialmente) Sim, querida, mas tome cuidado para no se resfriar.

    VIVIE(desdenhosamente) Bobagens.

    WARREN(queixosa) , tudo que eu digo voc acha bobagem.

    VIVIE (voltando-se parta ela, apressadamente) No, mame. Esta noite voc venceu, emboradesejasse que as coisas se tivessem passado de outro modo. Sejamos boas amigas de agora emdiante, no?

    WARREN (balanando a cabea melancolicamente) Mas eu acabarei perdendo. Foi sempreassim com Liz e acho que acontecer o mesmo com voc.

    VIVIEMas no se preocupe, vamos. Boa noite, minha velha e querida me.(Abraa-a)

    WARREN(comovida) Eu a eduquei bem, no foi?

    VIVIEMuito.

    WARRENE por isso voc ser boa para sua pobre e velha me, no ?

    VIVIEClaro que sim. (Beijando-a) Boa noite.

    WARREN

    Eu a abenoo, minha filha querida. Uma bno de me! (Abraa a filha como se aprotegesse, olhando instintivamente para o alto, espera da bno divina)

    ATO III

    (Na manh seguinte, no jardim da casa do pastor, sob um sol brilhante e um cu sem nuvens. O

    muro do jardim tem, bem no centro, um porto com cinco barras de madeira, que d espao

    bastante para passar uma carruagem. Perto deste porto, h um sino pendurado numa espcie de

    mola em espiral, ligada a um longo cordel. O caminho de veculos chega at o centro do jardim,

    desviando repentinamente para a esquerda, onde o jardim termina num pequeno crculo de

    cascalho, frente a varanda da casa. Alm do porto e paralelamente ao muro, v-se uma larga

    estrada de terra com sua margem mais distante limitada por uma faixa de capim e um bosque depinheiros, sem nenhuma cerca. No gramado, entre a casa e a passagem de veculos, h um teixo,

    com a copa bem podada e, em sua sombra, um banco de jardim. Do lado oposto, o jardim

    fechado por uma sebe de buxo. V- se anda um relgio de sol, tendo a seu lado uma cadeira de

    ferro. Atrs deste relgio, um trilho estreito atravessa a sebe. Frank, sentado na cadeira que est

    perto do relgio de sol, sobre o qual ele colocou os jornais matutinos, est lendo The Standard. Seupai se aproxima, vindo da casa. Tem os olhos vermelhos e est trmulo. Seus olhos encontram os de

    Frank e demonstram grande apreenso)

    FRANK(olhando o relgio) Onze e meia. Isto so horas de um proco levantar-se para o caf?

    O REVERENDO

    Nada de brincadeiras. Frank. Estou me sentindo um pouco...

    FRANKZonzo?

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    O REVERENDO(com dignidade)No, cavalheiro. No me sinto bem esta manh. Onde est suame?

    FRANK Fique tranquilo. Ela no est. Foi cidade com Bessie, no trem das onze horas e trezeminutos, e deixou uns recados para voc. Est em condies de receb-los agora ou quer esperar

    para depois do caf?

    O REVERENDO J tomei caf, cavalheiro. Estou surpreso com a ida de sua me cidade. Ela

    sabe que ns temos visitas e que elas estranharo a sua ausncia.

    FRANK Ela deve ter pensado nisso. De qualquer modo, se Crofts pretende continuar aqui e sevoc pensa ficar com ele todas as noites at s quatro horas, bebendo e recordando os episdios desua juventude fogosa, natural que mame, como dona de casa prudente que , se ache naobrigao de ir cidade providenciar um barril de usque e cem vidros de bicarbonato.

    O REVERENDONo notei que Sir George Crofts bebesse demasiado...

    FRANKNo estava em condies de not-lo, chefe.

    O REVERENDOVoc no quer insinuar que eu...

    FRANK Nunca vi um proco to pouco sbrio. As anedotas que voc contou sobre a suajuventude foram to espantosas que Praed no teria passado a noite sob o seu teto se no tivessenascido, entre ele e mame, uma simpatia to grande.

    O REVERENDO Tolices. Eu estou hospedando Sir George Crofts. Devia conversar com elesobre alguma coisa. Mas s existe um assunto que o interessa. Onde est o Sr. Praed agora?

    FRANKAcompanhando mame e Bessie cidade.

    O REVERENDOCrofts j se levantou?

    FRANK H muito tempo. Ele resiste melhor do que voc. Talvez esteja mais treinado.Provavelmente no parou de beber desde ontem. Saiu agora para fumar um pouco. (Frank volta aler o jornal. O reverendo se encaminha, desconsolado, at o porto; depois volta-se, com ar pouco

    seguro)

    O REVERENDO(aFrank) Ah! Frank...

    FRANKSim?

    O REVERENDO Voc acha que a Sra. Warren e sua filha estejam esperando um convite nosso,depois de nosso encontro de ontem?

    FRANKElas j foram convidadas.

    O REVERENDO(empalidecendo) O qu?

    FRANK Crofts nos informou, durante o caf, que voc o tinha encarregado de trazer a Sra.Warren e sua filha a nossa casa e de dizer-lhes que esta casa como se fosse delas. Foi ento quemame descobriu que precisava ir cidade.

    O REVERENDO (com desesperada veemncia) Jamais fiz esse convite. Nunca pensei em faz-lo.

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    FRANK(com compaixo) Como voc pode saber o que disse e pensou ontem a noite, chefe?

    PRAED(entrando pela cancela) Bons dias.

    O REVERENDO Bom dia. Quero lhe pedir desculpas por no ter estado presente ao caf. Tiveum pouco de...

    FRANKEnxaqueca de padre. Felizmente no uma doena crnica..

    PRAED Bem, devo lhe dizer que sua casa est localizada em um lugar magnfico,verdadeiramente encantador.

    O REVERENDO Sim, sim, verdade. Frank o levar para um passeio pelas redondezas, se osenhor quiser. Ter que me desculpar, mas devo aproveitar, enquanto a Sra. Gardner est ausente emeus hspedes entretidos, para escrever o meu sermo. O senhor no se incomodar, no?

    PRAEDNo, claro. O senhor que no deve se preocupar comigo.

    O REVERENDOObrigado. Eu vou... ... (Sai gaguejando desculpas)

    PRAED(sentando-se na grama perto de Frank, abraando os joelhos) Coisa curiosa escrever umsermo toda semana!

    FRANKCuriosssima para quem escreve. Mas ele compra os sermes. Foi agora tomar um poucode bicarbonato.

    PRAED Meu caro menino, gostaria que voc respeitasse mais o seu pai. Voc sabe ser atenciosoquando quer.

    FRANKMeu querido Praed, voc se esquece que eu tenho que viver com o chefe. Quando duaspessoas vivem juntas, sejam elas pai e filho, marido e mulher, ou mesmo irmo e irm, no podem

    manter por muito tempo aquele tipo de fingida cortesia que prprio das visitas cerimoniosas.Agora. meu pai, que une a muitas qualidades familiares a irresoluo de um carneiro e a obstinaode um jumento ...

    PRAEDNo, por favor, no esquea, ele seu pai

    FRANK No lhe nego esse mrito. (Levanta-se e joga para o ar o jornal) Mas pense que elepediu a Crofts para trazer aqui Sra. Warren e Vivie. Devia estar bbado. Voc talvez saiba, meuquerido Praddy, que minha me no pode suportar a Sra. Warren nem por um momento. Vivie no

    deve vir aqui antes que sua me tenha ido embora.

    PRAED Mas sua me nada sabe a respeito da Sra. Warren, no verdade? (Apanha o jornal docho e senta-se para l-lo)

    FRANK Talvez, no sei. O fato de ter evitado a Sra. Warren, indo cidade, me faz pensar quesim. No que ela se importasse por razes convencionais. Ela j amparou muitas mulheres que seencontravam em situaes delicadas. Mas eram todas mulheres educada. Nisto reside a diferena. ASra. Warren sem dvida tem qualidades, mas muito agitada. E minha me no poderia suport-la.Por isso... Ol! (Esta saudao se dirige ao reverendo que sai de casa com ar consternado eapressado)

    O REVERENDO Frank, a Sra. Warren e sua filha esto vindo para c, acompanhadas por Crofts.Eu os vi pela janela de minha sala de trabalho. Como poderia explicar-lhes a ausncia de sua me?

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    FRANKPonha o chapu e v saud-las. Diga-lhes que Frank est no jardim, que mame e Bessietiveram que ir cidade visitar um parente e que lamentaram muito no terem podido ficar, que vocespera que a Sra. Warren tenha passado uma boa noite e... E... Diga qualquer coisa que lhe vier cabea, exceto a verdade, e deixe o resto com a providencia divina...

    O REVERENDOMas como farei depois para me desvencilhar delas?

    FRANK Agora no o momento para se pensar nisso. Vamos! (Entra em casa correndo e voltacom o chapu do reverendo) E agora, a caminho. (Empurra-o pela porta) Praed e eu esperaremosaqui para dar a tudo um ar mais natural.

    O REVERENDO (confuso, mas obedecendo) Ele to autoritrio. No sei o que fazer com ele,Sr. Praed.

    FRANKTemos que encontrar um meio de mandar a velha para a cidade, Praed. Diga-me, Praed,sinceramente, voc gosta de ver as duas reunidas, Vivie e sua me?

    PRAEDE por que no?

    FRANKNo lhe provoca arrepios? (Rilhando os dentes) Aquela velha feiticeira, que eu suponhocapaz das maiores baixezas do mundo, com Vivie, meu Deus!

    PRAEDCale-se por favor. Elas esto chegando. (Vem-se o reverendo e Crofts caminhando pelaestrada, .seguidos por Vivie e pela Sra. Warren, que caminham abraadas carinhosamente)

    FRANK Veja s! Ela est com o brao passado pela cintura da velha. Por Deus! Ela est setornando sentimental. Isso no o deixa arrepiado? (O reverendo abre o porto, a Sra. Warren eVivie entram e param no meio do jardim para olhar a casa. Frank, dissimulando, dirige- se a Sra.

    Warren) Sinto-me verdadeiramente encantado em v-la, Sra. Warren. Este velho e sossegado jardimparoquial o mi ambiente perfeito para a senhora.

    WARREN Voc ouviu, George? Essa agora! Que eu fico muito bem neste velho jardim daparquia.

    O REVERENDO (segurando ainda a cancela para Crofts que atravessa demonstrando uma

    profunda amolao) A senhora fica bem em qualquer lugar.

    FRANK Bravo, chefe. Agora olhe, vamos procurar nos divertir at a hora do almoo . Antes dequalquer coisa, vamos visitar a igreja. uma igreja do sculo XIII, autntica, sabiam? Papai fica

    orgulhoso dela, pois conseguiu restaur-la inteirinha. Praed ser o nosso guia.

    PRAED(levantando-se) Com prazer, se que a restaurao deixou alguma a coisa intata.

    O REVERENDO (dirigindo-se hospitaleiramente a eles) Ficaria muito contente se a Sra. Warrene Sir George tivessem prazer nessa visita.

    WARRENOh! Vamos logo e acabemos com isso.

    CROFTS(dirigindo-se novamente ao porto) Por mim, no fao objees.

    O REVERENDO

    Por este caminho, no. Vamos pelo campo, se que no lhe desagrada. Poraqui. (Ele os conduz pelo atalho que atravessa a sebe de buxo)

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    CROFTS(seguindo o reverendo) Pois muito bem. Praed acompanha a Sra. Warren. Vivie nose move. Olha os outros at desaparecerem. Percebe-se em seu rosto a deciso que tomou e que omarca acentuadamente)

    FRANKVoc fica?

    VIVIE Sim, quero preveni-lo de uma coisa, Frank. Procure tratar a minha me com o mesmorespeito com que voc trata a sua. Ainda h pouco voc zombou dela, com aquela insinuao sobre

    o jardim. Essas coisas ficam proibidas daqui por diante.

    FRANK Mas Vivie, ela no perceberia a diferena. Cada uma delas requer um tratamentoprprio. Mas o que lhe aconteceu? Ontem a noite ns estvamos perfeitamente de acordo comrelao a sua me e ao squito que a acompanha. Hoje de manh, eu vejo voc representar asentimental, enlaando a cintura de sua me..

    VIVIE(com rubor de raiva) Representar?

    FRANKFoi o que me pareceu. Pela primeira vez vi voc agindo dessa maneira.

    VIVIE (procurando controlar-se) Sim. Frank. Houve uma grande transformao em mim. Masno creio que tenha sido para pior. Ontem eu era uma jovem presunosa...

    FRANKE hoje?

    VIVIE(com um pequeno sobressalto, encarando-o) Hoje, eu conheo minha me bem melhor doque voc.

    FRANKQue Deus no a oua!

    VIVIE

    Que quer dizer isso?

    FRANK Vivie, as pessoas imorais pertencem aumamaonaria, a qual voc desconhece, porquetem carter. exatamente esse o elo entre mim e sua me. Por isso mesmo que eu a conheocomo voc jamais poder conhec-la.

    VIVIE Voc est enganado. Voc no aconhece. Se conhecesse as circunstncias contra as quaisminha me teve que lutar...

    FRANK (concluindo a frase de Vivie) Saberia por que ela o que , no? Que diferena faria?Circunstncias ou no circunstncias, voc jamais suportar sua me, Vivie.

    VIVIE(muito zangada) Por que no?

    FRANK Porque ela uma velha megera, Vivie. Se voc a abraasse novamente em minhapresena eu daria um tiro em mim mesmo para no assistir a um espetculo que me repugna.

    VIVIEEnto eu devo escolher: ou voc ou minha me?

    FRANK (graciosamente) Isto colocaria a velha senhora em ntida desvantagem com relao amim. No, Vivie. O seu apaixonadssimo menino permanecer de seu lado, em qualquer caso. Masele desejar sempre que voc no cometa esses erros. No adianta, Vivie. Sua me unia mulher

    insuportvel. Ela no presta, Vivie, no presta mesmo.

    VIVIE (com calor) Frank! (Ele permanece imperturbvel. Ela afasta-se, sentando-se em um

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    banco e tentando readquirir o controle) Ela deve ser ento abandonada por todos porque, segundo asua opinio, ela no presta? No tem o direito de viver?

    FRANK No se preocupe com isso. Ela jamais ser abandonada. (Senta-se no banco aolado deVivie)

    VIVIEMas eu devo abandon-la, suponho.

    FRANK(fazendo um jeito de criana, ninando-a, e cortejando-a com a voz) No deve viver com

    ela. O pequeno grupo familiar, me e filha, no teria sucesso e estragaria o nosso grupinho.

    VIVIE(deixando-se encantar) Que grupinho!

    FRANKO dos dois meninos no bosque! Vivie e o pequeno Frank. (Aninha-se em Vivie como ummenino cansado) Agora as folhas iro nos cobrir.

    VIVIESob as rvores, dormir profundamente de mos dadas.

    FRANKA menina sabida com seu menino bobinho.

    VIVIEO querido menino com sua feia menininha.

    FRANK Sossegados, em paz, o menino liberto da imbecilidade do pai e a menina, da reputaoda...

    VIVIE(abafando as palavras de Frank contra o seio) Sh... Sh... Sh... A menina quer esquecertudo o que se refere a sua me. (Ficam em silncio, embalando-se. De repente Vivie desperta,exclamando) Que dois bobos somos ns ! Vamos, levante-se. Meu Deus, seu cabelo! (Assenta ocabelo de Frank com as mosSer que todas as pessoas brincam assim de crianas quando ficam

    sozinhas? Nunca fiz isso quando pequena.

    FRANK Nem eu tampouco. Voc a primeira menina com quem eu brinco. (Segura a mo deVivie, quando inesperadamente surge Crofts por trs das sebes) Maldito!

    VIVIEPor que maldito, querido?

    FRANK (falando baixo) Shsh... Esse animal do Crofts. (Afasta-se dela assumindo um arindiferente)

    CROFTSPoderia falar um momento com a senhorita?

    VIVIEPois no.

    CROFTS (a Frank) Desculpe-me, Gardner, mas esto esperando por voc na igreja, se isso nolhe desagrada.

    FRANK (levantando-se) O que voc quiser, Crofts, para agrad-lo, menos a igreja. Se por acasoprecisar de mim, Vivie, basta tocar o sino do porto. (Dirige-se para a casa, mantendo a suavidadede seu comportamento)

    CROFTS(olhando-o com ar de astcia, enquanto Frank desaparece, e falando a Vivie com um

    tom prprio a um tipo de relaes privilegiadas) um rapaz agradvel. Pena que ele no tenhaposses, no mesmo, Srta. Vivie?

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    VIVIEO senhor acha?

    CROFTSBem, o que poder ele fazer?No tem profisso, no tem propriedades. O que que elevale?

    VIVIEEu j pesei essas desvantagens, Sir George.

    CROFTS (explicando-se para ser melhor interpretado) No, no bem isso. Mas, enquanto

    estivermos no mundo, nele que viveremos, e dinheiro dinheiro. (Vivie no responde) Que bonitodia, no?

    VIVIE(escarnecendo de sua pobreza de conversao) Muito.

    CROFTS(tendo prazer em demonstrar seu rude bom humor) Mas no foi para lhe dizer isto queeu vim at aqui. (Senta-se perto dela) Agora escute, Srta. Vivie. Estou perfeitamente convencido deque no sou um homem queagrade as mulheres jovens...

    VIVIENo, Sir George?

    CROFTS No. E, para lhe dizer a verdade, eu no me preocupo muito com isso. Mas quando eudigo uma coisa, porque quero diz-la. Quando expresso um sentimento, porque eu estousentindo honestamente. E, para satisfazer um desejo, pago o que for preciso. Essa a espcie de ho-mem que eu sou.

    VIVIEO que muito o enobrece, sem dvida.

    CROFTS Oh! Eu no desejo fazer meu auto-elogio. Tenho meus defeitos. D