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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS LUANA PRISCILA BETTI O SALÁRIO MÍNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS: UMA ANÁLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE Porto Alegre 2011

Betti, 2011 - Salario mínimo e seus efeitos distributivos

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O objetivo deste trabalho é analisar a efetividade da política pública de salário mínimo sobre a distribuição de renda pessoal do trabalho no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) ao longo do período após o Plano Real.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS

    LUANA PRISCILA BETTI

    O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:

    UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO

    METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

    Porto Alegre

    2011

  • LUANA PRISCILA BETTI

    O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:

    UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO

    METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

    Trabalho de concluso submetido ao Curso de Graduao em Economia, da Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS, como quesito parcial para obteno do ttulo Bacharel em Cincias Econmicas.

    Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Horn

    Porto Alegre

    2011

  • LUANA PRISCILA BETTI

    O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:

    UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO

    METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

    Trabalho de concluso submetido ao Curso de Graduao em Economia, da Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS, como quesito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Cincias Econmicas.

    Aprovado em: Porto Alegre, ____ de ____________ de 2011.

    ____________________________________

    Prof. Dr. Carlos Henrique Horn - orientador

    UFRGS

    ____________________________________

    Prof. Dr. Cssio Calvete

    UFRGS

    ____________________________________

    Profa. Dra. Ecleia Conforto

    USJT/DIEESE

  • RESUMO

    O objetivo deste trabalho analisar a efetividade da poltica pblica de salrio mnimo sobre a distribuio de renda pessoal do trabalho no mercado de trabalho da Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) ao longo do perodo aps o Plano Real. Para atingir o objetivo proposto, ser realizada uma anlise emprica em duas partes. Na primeira, ser uma anlise descritiva dos dados sobre os rendimentos do trabalho. Na segunda parte, por sua vez, consistir em uma estimao economtrica a fim de verificar a contribuio das elevaes do salrio mnimo para o processo de desconcentrao dos rendimentos do trabalho no perodo. A base de dados utilizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Convnio Fundao SEADE/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA e apoio MTE/FAT. A partir da anlise descritiva, constatou-se a reduo da desigualdade de rendimentos do trabalho segundo os ndices analisados, promovido principalmente pelo crescimento dos rendimentos reais dos indivduos localizados nos decils de renda da base da distribuio, os quais so foco da poltica do salrio mnimo. Na anlise economtrica, os resultados revelaram a existncia de efeito inverso e estatisticamente significativo das variaes dos valores reais do salrio mnimo sobre o grau de desigualdade da distribuio da renda na RMPA, apontando que a poltica de salrio mnimo atua de forma desconcentradora no perodo estudado. Palavras-chave: Salrio mnimo. Distribuio de renda. Regio Metropolitana de Porto Alegre.

  • ABSTRACT

    The aim of this paper is to analyze the effectiveness of the public policy of minimum wage on the personal income distribution of work in the labor market of Porto Alegre metropolitan region (RMPA) over the period after the Real Plan. To achieve this goal, an empirical analysis will be conducted in two parts. In the first part, it will be a descriptive analysis of labor income data. In the second part, in its turn, it will consist of an econometric estimation to verify the contribution minimum wage to the process of income deconcentration of the period. The used data comes from the Employment and Unemployment Survey (Pesquisa de Emprego e Desemprego PED) of the Partnership SEADE Foundation/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA and support of MTE/FAT. The results from the descriptive analysis showed that there was a reduction in earnings inequality according to the analyzed indexes. This was promoted mainly by the growth of real individual income of the individuals located in decils at the base of income distribution, which is the minimum wage focus. The results of the econometric analysis revealed the existence of a statistic significant inverse effect on income distribution inequality degree in the RMPA. It indicates that the minimum wage policy acts in a deconcentrated way over the studied period. Key-words: Minimum wage. Income distribution. Porto Alegre Metropolitan Region.

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais, Valdir e Liria, por toda a sua

    dedicao e seu carinho. Ao meu irmo, Vagner, por

    todos os ensinamentos e por todo o apoio.

  • AGRADECIMENTOS

    So muitas as pessoas que devem ser lembradas e agradecidas. Os agradecimentos so

    direcionados no apenas para aqueles que foram imprescindveis realizao deste trabalho, mas

    tambm para quem contribuiu ao longo do caminho que percorri para chegar at este momento

    que encerra uma importante fase da minha vida. De alguma forma, as pessoas aqui citadas

    auxiliaram, tanto profissionalmente, quanto pessoalmente, a formar muito do que sou hoje, bem

    como influenciaram as escolhas dos caminhos os quais tomei.

    Em primeiro lugar, agradeo imensamente aos meus pais, Valdir e Liria, por toda a

    dedicao, o esforo e o carinho que direcionaram a mim ao longo dos meus 23 anos. So dois

    exemplos de vida que me inspiram todos os dias.

    Ao meu grande irmo, Vagner, sempre ao meu lado, por todo o companheirismo e por

    todo o carinho. Ele meu grande parceiro nos momentos bons e meu suporte nos momentos

    difceis, sejam em problemas pessoais, sejam em problemas de clculo ou de lgebra linear.

    Aos queridos colegas do DIEESE, os quais me mostraram o sentido da palavra

    economista. Dentre eles, direciono um agradecimento especial a cinco pessoas. Ao Eduardo, por

    ter auxiliado na escolha do tema desta monografia e por todo o incentivo dado ao longo de sua

    realizao. Ao Cssio, por todo o suporte inicial ao presente trabalho. Ecleia, por todo o apoio,

    por todas as conversas e pelos ensinamentos providos durante os ltimos meses. Ainda, no

    posso deixar de mencionar o suporte da Ana Paula e do Rafael, o qual foi imprescindvel para a

    construo deste trabalho, no apenas pelo fornecimento dos dados, mas tambm pela pacincia e

    pelo pronto atendimento s minhas solicitaes e s minhas dvidas.

    Ao Prof. Carlos Henrique Horn, devo enormes agradecimentos. Em primeiro lugar, por

    todos os ensinamentos providos ao longo da minha vida acadmica. Em segundo lugar, pela

    oportunidade de trabalhar no projeto de pesquisa, a qual abriu muitas portas que foram de

    extrema valia para a minha formao como economista: a conquista da bolsa de estudos

    internacional e, mesmo que indiretamente, a insero no DIEESE. Por fim, agradeo pela

    orientao deste trabalho, por todo o enorme apoio na realizao da monografia.

    Ao Prof. Srgio Marley Monteiro, pela solicitude e pelo auxlio no final do trabalho.

  • s minhas colegas de faculdade, Izadora Bochi, Marlia Bagatini, Sara Bagatini e Ana

    Paula Sales Martins, as quais tornaram mais leve e mais divertido o perodo de estudos ao longo

    do curso. s minhas amigas de infncia, pelo amor e pela compreenso s minhas ausncias em

    funo dos estudos.

    Aos citados e a todos os outros que de alguma forma me auxiliaram nesse processo de

    crescimento, dedico um muito obrigada.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1- Evoluo do salrio mnimo real brasileiro, 1940-2010 ............................................. 23

    Grfico 2 - Evoluo do salrio mnimo nacional e do piso salarial regional (faixa I), Brasil e Rio

    Grande do Sul, 2001-2010 ............................................................................................................. 32

    Grfico 3 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini da renda familiar per capita Brasil, 1995-

    2009 ............................................................................................................................................... 34

    Grfico 4 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho, Brasil,

    1995-2009 ...................................................................................................................................... 36

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Evoluo dos reajustes do salrio mnimo, Brasil, 1995-2010 .................................... 28

    Tabela 2 - Evoluo dos reajustes do piso salarial regional, Rio Grande do Sul, 2001-2010 ....... 30

    Tabela 3 - Composio ocupacional das faixas do piso salarial, Rio Grande do Sul, 2010 .......... 31

    Tabela 4 - Taxa de participao, taxa de desemprego total, taxa de ocupao e distribuio dos

    ocupados por posio na ocupao, RMPA, 1995 e 2010 (%)...................................................... 63

    Tabela 5 - Salrio mnimo, piso salarial regional e rendimento mdio do total de ocupados e dos

    assalariados, mdias mensais em Reais (R$), RMPA, 1995/2010 ................................................ 74

    Tabela 6 - ndices de desigualdade na distribuio dos rendimentos do trabalho do total de

    ocupados e de assalariados, RMPA, 1995/2010 ............................................................................ 75

    Tabela 7 - Rendimento mdio mensal de ocupados e de assalariados, RMPA, 1995/2010 (R$ de

    jun/2011) ........................................................................................................................................ 76

    Tabela 8 - Proporo dos ocupados e dos assalariados segundo a relao entre a remunerao e o

    salrio mnimo nacional, RMPA, 1995/2010 ................................................................................ 77

    Tabela 9 - Proporo dos ocupados e dos assalariados segundo a relao entre a remunerao e o

    piso salarial regional, RMPA, 2002/2010 ..................................................................................... 78

    Tabela 10 Resumo dos resultados da anlise de regresso ......................................................... 80

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................................................... 12

    2 O SALRIO MNIMO: CONCEPES, TRAJETRIA E A INFLUNCIA SOBRE A

    DISTRIBUIO DE RENDA ...................................................................................................... 16

    2.1 Salrio mnimo e suas consequncias: uma sntese inicial .................................................. 17

    2.2 A trajetria histrica do salrio mnimo .............................................................................. 21

    2.3 O salrio mnimo e a distribuio de renda no Brasil ao longo do perodo ps-Real ......... 33

    3.1 O debate sobre a distribuio de renda nos anos 1960-1970 ............................................... 38

    3.2 A evoluo da literatura brasileira acerca do impacto do salrio mnimo sobre a

    distribuio de renda .................................................................................................................. 46

    3.2.1 Estudos dos anos de 1970-1980: salrio mnimo, salrio mdio e taxa de salrios ..... 47

    3.2.2 A literatura recente acerca do impacto do salrio mnimo sobre a distribuio de renda

    ............................................................................................................................................... 50

    3.3 Uma nota sobre o salrio mnimo na literatura internacional .............................................. 55

    4 O IMPACTO DO SALRIO MNIMO NA DISTRIBUIO DOS RENDIMENTOS DO

    TRABALHO: UM ESTUDO EMPIRCO PARA A REGIO METROPOLITANA DE PORTO

    ALEGRE ....................................................................................................................................... 59

    4.1 Definies sobre o escopo do estudo emprico ................................................................... 59

    4.1.1 Fonte de dados .............................................................................................................. 60

    4.1.2 Perodo analisado .......................................................................................................... 61

    4.1.3 Variveis e deflatores ................................................................................................... 61

    4.2 Mtodo de associao dos dados ......................................................................................... 64

    4.2.1 Base terica do modelo emprico: uma anlise da relao entre a varivel explicada e

    as variveis explicativas ........................................................................................................ 65

  • 4.2.2 Mtodo economtrico ................................................................................................... 68

    4.3 Fatos estilizados: uma anlise descritiva ............................................................................. 73

    4.4 Anlise dos resultados do modelo economtrico ................................................................ 79

    5 CONCLUSO ............................................................................................................................ 84

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 87

    APNDICES ................................................................................................................................. 98

    APNDICE A - Teste ADF de raiz unitria ................................................................................. 98

    APNDICE B - Teste de cointegrao de Johansen ..................................................................... 99

    APNDICE C - Estimativa da equao (1) ................................................................................. 100

    APNDICE D - Teste de processo AR(1) de correlao serial dos erros ................................... 101

    APNDICE E - Estimativa da equao (2) ................................................................................. 102

    APNDICE F Equaes estimadas .......................................................................................... 103

  • 12

    1 INTRODUO

    O salrio mnimo pode ser definido em duas dimenses distintas: uma econmica e outra

    de poltica pblica. O salrio mnimo na dimenso econmica a menor remunerao do trabalho

    determinada endogenamente no ncleo capitalista de uma economia. Em outros termos, seria a

    remunerao recebida pela mo-de-obra no qualificada do setor capitalista da economia: a

    chamada taxa de salrios. Por outro lado, o salrio mnimo na dimenso de poltica pblica o

    patamar mnimo de remunerao do trabalho determinado na esfera parlamentar ou de governo, a

    qual afeta exogenamente a dinmica da economia. Em ambas as dimenses, o salrio mnimo

    consiste no salrio que constitui o piso da estrutura salarial da mo-de-obra, podendo ser

    determinado pelo funcionamento da economia, pelo governo (tanto na esfera central, quanto na

    regional) ou pela negociao coletiva entre sindicato de trabalhadores e empresas ou suas

    associaes.

    Como poltica pblica, a ideia que permeia a implementao de um salrio mnimo a de

    garantir um padro de sobrevivncia minimamente aceitvel aos trabalhadores, bem como

    proteger os trabalhadores mais vulnerveis localizados na base da distribuio de rendimentos, a

    saber, a mo-de-obra no qualificada e no sindicalizada. Nesse sentido, o salrio mnimo

    comeou a ser implementado entre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX, tendo como

    pases pioneiros a Austrlia e a Nova Zelndia. Esta poltica pblica difundiu-se por outros pases

    durante o perodo entre as duas Grandes Guerras e, impulsionada pela doutrina do Welfare State,

    veio a ser adotado por grande parcela dos pases aps 1950.

    Na dcada de 1980, com a ascenso das polticas neoliberais, ganhou nova fora o

    conceito de estado mnimo, implicando mudanas em prol da reduo do sistema de proteo

    social. Esta onda implicou uma flexibilizao do mercado de trabalho, ocorrendo, dentre outras

    consequncias, a reduo do poder sindical e a desvalorizao ou supresso do salrio mnimo

    como poltica pblica. Fatos como a extino dos Wage Councils - conselhos que determinavam

    o piso salarial de setores econmicos - na Inglaterra sob o comando da primeira ministra

    Margareth Thatcher no incio dos anos 1990, bem como o processo de desvalorizao do mnimo

  • 13

    norte-americano durante a dcada de 1980 sob o governo Ronald Reagan, marcaram a presena

    da doutrina neoliberal nestes pases.

    As quedas no nvel do salrio real do decil inferior da distribuio nos Estados Unidos e o

    crescimento da desigualdade de renda na Inglaterra associadas ao perodo das mudanas

    neoliberais trouxeram a questo do salrio mnimo de volta discusso terica, anlise emprica

    e agenda poltica. Ainda, fatos como a reintroduo desta poltica no Reino Unido e na Irlanda

    reforaram o debate econmico sobre a efetividade do salrio mnimo.

    No Brasil, o debate sistemtico acerca dos efeitos do salrio mnimo sobre o mercado de

    trabalho remonta pelo menos dcada de 1970, sendo desencadeado pela reduo continuada do

    salrio real em decorrncia de medidas de arrocho salarial adotadas pelo governo no perodo

    entre 1960 e 1970 e, ao mesmo tempo, pelo agravamento dos indicadores de desigualdade de

    renda, direcionando a discusso sobre o tema para a possvel relao entre os dois

    acontecimentos.

    No perodo recente, o movimento de queda nos indicadores de desigualdade de

    rendimentos e o melhor desempenho das variveis macroeconmicas, ao mesmo tempo em que

    ocorre processo de recuperao do poder de compra do salrio mnimo, reavivaram a discusso

    sobre a questo do mnimo no mbito nacional. Desde a implementao do Plano Real, em 1994,

    o salrio mnimo vem crescendo em termos reais, as taxas de inflao permanecem em nveis

    relativamente baixos e os indicadores de concentrao de rendimentos experimentaram redues

    contnuas. A partir de 2003, o movimento dessas variveis foi acompanhado por uma progressiva

    reduo nos nveis de desemprego.

    Muito provavelmente em virtude de uma permanente preocupao quanto desigualdade

    de renda, a grande maioria dos estudos brasileiros acerca do tema salrio mnimo avalia o

    impacto da poltica sobre a distribuio de salrios ou a distribuio de renda. Isso ocorre apesar

    de ser reconhecido que grande parcela dos determinantes das disparidades de renda no Brasil

    possui carter estrutural, a convico de que a poltica do salrio mnimo pode ser um

    instrumento redutor dessa desigualdade com eficcia a curto prazo, renova continuamente a

    discusso. Assim, encontra-se um conjunto amplo de estudos sobre a relao entre o salrio

    mnimo e a distribuio de renda, os quais apresentam, todavia, uma clara divergncia de

    concluses sobre o real efeito da poltica de salrio mnimo sobre a distribuio de rendimentos.

  • 14

    De maneira geral, a discusso sobre o salrio mnimo e seus impactos na economia

    divide-se em duas linhas. De um lado, considera-se que a imposio exgena do salrio mnimo

    desempenha importante papel ao garantir um nvel mnimo para o rendimento do trabalho, agindo

    como mecanismo de proteo aos trabalhadores cuja insero no mercado de trabalho mais

    vulnervel, bem como atuando na reduo da desigualdade de rendimentos, uma vez que impacta

    nos rendimentos da mo-de-obra menos qualificada do mercado de trabalho, elevando os salrios

    de base. De outro lado, entende-se que a imposio da poltica de salrio mnimo teria pequeno

    efeito sobre os rendimentos dos indivduos localizados na base na distribuio, posto que seria

    reduzida a parcela de trabalhadores que recebem exatamente o valor do mnimo; portanto aquela

    poltica seria virtualmente ineficaz para atenuar a concentrao de renda, podendo, ainda,

    acarretar resultados adversos na forma de acelerao inflacionria ou de aumento do desemprego.

    A relao entre a poltica de salrio mnimo e a desigualdade na distribuio de renda no

    Brasil marcada, portanto, por um ponto de interrogao no que tange aos trabalhos empricos e

    por um ponto de divergncia entre os investigadores da rea econmica em relao aos aspectos

    tericos. Tendo este debate em vista, a presente monografia foi construda com o intuito

    examinar empiricamente as relaes entre o salrio mnimo e a distribuio dos rendimentos do

    trabalho no Brasil ps-Real.

    O objetivo geral deste trabalho analisar a efetividade da poltica pblica de salrio

    mnimo sobre a distribuio de renda no mercado de trabalho da Regio Metropolitana de Porto

    Alegre (RMPA) aps a implementao do Plano Real. Especificamente, o trabalho estima o

    impacto das elevaes do salrio mnimo e do piso salarial regional gacho sobre a distribuio

    do rendimento pessoal do trabalho no perodo de julho de 1994 a dezembro de 2010. Essa anlise

    foi realizada para o total de ocupados e para o grupo especfico dos assalariados. Para atingir o

    objetivo proposto, dividimos a anlise emprica em duas partes: na primeira delas feita uma

    anlise descritiva dos dados sobre os rendimentos do trabalho, enquanto na segunda

    apresentada uma estimao economtrica, cujo modelo foi inspirado no trabalho de Cardoso

    (1993). A base de dados utilizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Convnio Fundao

    SEADE/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA e apoio MTE/FAT.

    O trabalho est estruturado em trs captulos, alm desta introduo e da concluso. No

    primeiro captulo apresentada uma sntese inicial da discusso terica sobre os efeitos do salrio

    mnimo na economia, bem como uma anlise histrica da poltica brasileira do salrio mnimo e

  • 15

    do piso salarial regional do Rio Grande do Sul, seus critrios de funcionamento e de correo de

    valores. Ao final do captulo, construda uma breve avaliao da trajetria do salrio mnimo

    nacional em relao aos indicadores de distribuio da renda familiar per capita e do rendimento

    pessoal do trabalho nos anos ps-Real.

    O segundo captulo apresenta uma reviso compreensiva da literatura nacional sobre o

    tema do salrio mnimo e da distribuio de renda. Este captulo inicia com a reviso dos estudos

    tericos e empricos que nortearam a discusso sobre os elementos geradores do agravamento da

    desigualdade na distribuio da renda durante o perodo da ditadura militar, os quais

    impulsionaram a produo de estudos especficos sobre o mnimo. Em seguida, apresenta-se um

    panorama da literatura nacional sobre o salrio mnimo em relao s implicaes dessa poltica

    na distribuio de salrios e na distribuio de renda em geral que se seguiu aps o debate dos

    anos 1960 e 1970. O captulo encerra com uma nota breve sobre os estudos registrados na

    literatura internacional.

    O terceiro captulo apresenta a estimao dos impactos distributivos das variaes no

    salrio mnimo e do piso regional gacho no perodo ps-Real. Aps descrever a fonte de dados,

    as variveis e os deflatores utilizados, detalha-se a metodologia empregada na estimao

    economtrica. O captulo apresenta uma anlise descritiva dos fatos estilizados e, por fim, discute

    os resultados encontrados na anlise economtrica. O trabalho encerra com a concluso, na qual

    so sistematizados os principais pontos desta monografia.

  • 16

    2 O SALRIO MNIMO: CONCEPES, TRAJETRIA E A INFLUNCIA SOBRE A

    DISTRIBUIO DE RENDA

    As relaes entre o salrio mnimo (SM) e a distribuio de renda permanecem inconclusas

    para os estudiosos da economia, em especial no mbito dos estudos empricos. No que se refere

    especificamente economia brasileira, muito embora se admita que os determinantes da

    desigualdade de renda, em sua maior parte, sejam de carter estrutural, tambm reconhecido

    que as variveis macroeconmicas (inflao, flutuaes na demanda e desemprego) e as variveis

    de poltica pblica, dentre as quais se inclui o salrio mnimo, exercem alguma influncia nos

    nveis de concentrao de renda (GANDRA, 2004). Para alguns estudiosos, o salrio mnimo

    deve ser adotado como instrumento de eficcia imediata, quando o objetivo da poltica pblica

    reduzir as heterogeneidades de rendimentos, sendo esse efeito redutor da desigualdade um dos

    principais fatores que justificam seu uso.

    No obstante a promessa de equidade que transparece da poltica de SM, os resultados dos

    estudos empricos no permitem chegar a um consenso sobre a questo. No contexto recente da

    economia brasileira, que combina crescimento do PIB, estabilidade inflacionria, aumento do

    emprego formal e reduo dos ndices de desigualdade de renda, com elevaes nos valores reais

    do salrio mnimo, colocam-se novos questionamentos sobre os efeitos dessa poltica, sejam eles

    positivos, sejam eles negativos.

    Para analisar as relaes entre o salrio mnimo e a distribuio de rendimentos do

    trabalho no novo contexto brasileiro, devemos iniciar por uma avaliao de sua trajetria ao

    longo do tempo, bem como dos indicadores de desigualdade de renda. Tendo em vista tal

    objetivo, este primeiro captulo organiza-se em trs sees. Na primeira seo, apresentamos uma

    breve sntese sobre a discusso dos efeitos do salrio mnimo na economia, realizando-se uma

    descrio das vises tericas que compem o debate. Este tema, particularmente quanto s

    relaes entre SM e distribuio de renda, ser desenvolvido em maior detalhe no captulo 3. Em

    seguida, na segunda seo, estruturada uma anlise histrica da poltica brasileira do salrio

    mnimo e do piso salarial regional gacho e mostramos a evoluo dos valores, seus critrios de

  • 17

    funcionamento e de correo de valores. Por fim, o captulo encerra avaliando, ainda que de

    modo aproximado, a trajetria do mnimo em relao aos indicadores de distribuio da renda

    familiar per capita e do rendimento pessoal do trabalho nos anos ps-Real.

    2.1 Salrio mnimo e suas consequncias: uma sntese inicial

    Ao longo do sculo XIX, os economistas clssicos1 compartilhavam um entendimento

    sobre a distribuio de renda em uma economia capitalista como uma disputa, dada uma estrutura

    tcnica, entre os juros e lucros do capital e os salrios, em que, quanto maior a variao dos

    primeiros, menor a variao do ltimo. Dessa forma, a determinao dos salrios dava-se por

    meio de um conflito pela apropriao da renda entre os detentores de capital e os trabalhadores,

    que, devido ao maior poder de barganha daqueles em funo da sua maior riqueza e dinmica

    demogrfica, faria com que, no longo prazo, o salrio se limitasse ao mnimo necessrio

    sobrevivncia do trabalhador. (MEDEIROS, 2005)

    Ainda que j presente a hiptese no mbito da economia poltica clssica e sobretudo em

    sua crtica marxiana, foram os economistas institucionalistas que assinalaram a existncia de

    fatores externos ao mercado de trabalho os quais abriam margem criao de grupos

    desvalorizados. Esses fatores externos consistiam, dentre outros, no desequilbrio de acesso

    educao e em discriminaes por gnero e por raa, os quais aliados lgica mercantil de

    desvalorizao do trabalho no qualificado, condenavam uma grande parcela da mo-de-obra

    condio de pobreza, baixa qualificao e baixa remunerao. A busca de proteo a esses

    grupos vulnerveis de trabalhadores est na base da criao do SM, introduzindo um ponto de

    vista tico na formao dos preos. (MEDEIROS, 2005)

    1 O termo economistas clssicos empregado neste captulo refere-se ao grupo de economistas do fim do sculo XVIII e comeo do sculo XIX, liderados por Adam Smith. Essa mesma expresso foi utilizada por Karl Marx com meno aos economistas que embasaram a sua obra em David Ricardo, enquanto Keynes designava como autores "clssicos" aqueles que o antecediam, incluindo entre eles Stuart Mill, Marshall, Edgeworth e Pigou (VASCONCELLOS, 1995).

  • 18

    A adoo de salrios mnimos oficiais em diversas economias ao longo do sculo XX

    originaram uma discusso inconclusa sobre seus impactos no funcionamento da economia,

    inexistindo um modelo terico predominante. Corseuil e Servo (2002), por exemplo, atentam

    para uma bipolariadade de correntes de pensamento com foco em diferentes questes, a saber:

    Por um lado, a teoria estruturalista-marxista centraliza sua ateno no papel do mnimo na determinao do salrio, ignorando qualquer impacto sobre emprego. Por outro, a teoria neoclssica, apesar de tratar dos efeitos do salrio mnimo sobre outros salrios, concentra-se mais no efeito do salrio mnimo sobre o emprego. (CORSEUIL e SERVO, 2002, p. 2)

    Podemos afirmar que os estudos fundamentados em teorias institucionalistas,

    sociolgicas, estruturalistas e ps-keynesianas discordam da microeconomia ortodoxa ao

    questionarem a capacidade do paradigma de mercado de representar adequadamente os preos

    das transaes de trabalho (CAMPOS, 1992, p. 342). Para os tericos desse grupo, sem prejuzo

    de diferenas de abordagem entre si quanto a questes especficas, a taxa de salrios seria

    determinada pelo ncleo capitalista da economia, variando em funo da acumulao de capital e

    da correlao de foras sociais que buscam melhorar sua parcela na diviso do produto, sendo

    este piso, no longo prazo, o valor mnimo necessrio para a subsistncia e reproduo do

    trabalhador (CORSEUIL e SERVO, 2002).

    Essa viso aponta algumas finalidades da fixao exgena, atravs de poltica pblica, de

    um valor mnimo dos salrios. Ao estabelecer a poltica de salrio mnimo, independente de sua

    abrangncia setorial e regional, quatro alvos podem ser atingidos, quais sejam: i) fixar um piso

    para as menores remuneraes, condicionando assim a estrutura salarial; ii) proteger as categorias

    de trabalhadores mais vulnerveis, atingindo a mo-de-obra no qualificada e no sindicalizada;

    iii) estabelecer normas para que trabalhos iguais recebam remuneraes iguais e iv) dispor de um

    instrumento de poltica macroeconmica, buscando-se determinar o nvel da demanda agregada

    por meio da alterao na estrutura salarial (CACCIAMALI, 2005).

    Alm dos impactos diretos na base da estrutura salarial, o salrio mnimo desencadeia

    efeitos no que tange ao processo de determinao dos demais rendimentos da mo-de-obra

    situados nos percentis inferiores da distribuio salarial, sendo designados efeito farol, efeito

    arrasto e efeito numerrio. O primeiro efeito consiste na influncia dos valores do mnimo sobre a

    determinao das remuneraes no setor informal do mercado de trabalho, ou seja, o impacto do

  • 19

    salrio mnimo vai alm de sua abrangncia inicial, atingindo tambm aqueles trabalhadores que

    no so formalmente cobertos pela poltica. O efeito arrasto, por sua vez, refere-se ao impacto do

    reajuste do SM ao impulsionar os salrios situados entre o novo e o velho valor do mnimo. Por

    fim, o efeito numerrio corresponde vinculao das remuneraes monetrias a determinados

    mltiplos do SM, tanto no setor formal, quanto no informal (DIEESE, 2005). Ainda, o salrio

    mnimo desempenha um papel de instrumento de redistribuio de renda aos trabalhadores de

    baixa remunerao, uma vez que limita a desigualdade de rendimentos atravs da diminuio do

    leque salarial dado um maior nvel dos salrios de base. (FREEMANN, 1996; DIEESE, 2010)

    No outro lado do espectro de estudiosos do salrio mnimo, os economistas neoclssicos

    contestam essas implicaes benficas da poltica, dentre as quais sua suposta capacidade de

    redistribuio de renda. Segundo essa viso, o livre funcionamento dos mercados proporciona os

    nveis de preos que equilibram os nveis de oferta e demanda, dentre os quais tambm est o

    preo da fora de trabalho. Ao determinar exogenamente o nvel mnimo de salrios, a instituio

    de um salrio mnimo distorceria a equivalncia entre o salrio e a produtividade marginal,

    impondo um salrio mnimo real em patamar mais elevado do que o salrio de equilbrio.

    Conforme esclarecem Soares (2002) e Cacciamalli (2005), os economistas neoclssicos

    postulam que os salrios so determinados conforme a produtividade marginal do trabalho; sendo

    assim, o principal efeito da implementao de salrio mnimo seria o de acarretar desemprego

    involuntrio entre os trabalhadores que recebem menos do que o mnimo, ou seja, dos

    trabalhadores que apresentam menor produtividade e que seriam substitudos por um novo mix de

    fatores de produo quando ocorresse a adoo de um salrio mnimo em nvel mais elevado. A

    nova composio de fatores produtivos passaria a utilizar o fator capital e trabalhadores mais

    produtivos em maior intensidade, a fim de compensar a elevao de custo da mo-de-obra.

    Ainda, alm da reduo do emprego formal, os aumentos do salrio mnimo tendem a elevar o

    emprego informal e, com isso, o grau de informalidade da economia; bem como tendem a

    aumentar o diferencial de rendimentos entre os segmentos formal e informal por meio da reduo

    dos nveis de salrios do setor informal e, dependendo da forma como estruturado o mercado,

    podem desencadear uma elevao geral dos preos, ou seja, inflao (BARROS, 2007; RAMOS

    e REIS, 1995).

    Segundo Medeiros (2005, p. 14), os economistas desta corrente (neoclssicos)

    reconhecem apenas assimetrias externas ao mercado de trabalho, cabendo a intervenes

  • 20

    pblicas; este, entretanto, dever ser deixado livre e desregulado. Por este motivo, so melhores

    aceitas aquelas polticas compensatrias que agem fora do mercado de trabalho, como por

    exemplo, o programa bolsa escola. Essas afirmaes embasaram a extino do chamado Wage

    Councils - conselhos que definiam o padro de salrio mnimo segundo os setores econmicos -

    vigentes na Inglaterra at 1993, bem como serviram de apoio para a desvalorizao do valor do

    mnimo americano durante a dcada de 1980 no governo Ronald Reagan.

    Medeiros (2005), assim, resume os trs principais argumentos da linha de pensamento

    ortodoxa sobre a imposio de uma poltica de salrio mnimo: i) a poltica contraproducente,

    uma vez que implica variaes negativas nos nveis de emprego; ii) ineficiente, pois

    desestimula a produtividade do trabalho; e iii) tambm se mostra ineficaz como instrumento de

    melhoria da distribuio de renda. No caso brasileiro, alm desses argumentos, sustenta-se que os

    acrscimos no valor do mnimo agravariam o desequilbrio das contas pblicas, j que as

    transferncias pblicas da Previdncia Social e da Assistncia Social tomam o SM como seu piso

    oficial, pressionando o supervit primrio, o qual considerado, por sua vez, um dos pilares de

    sustentao da estabilidade de preos.

    Essa bipolaridade de vises sobre os efeitos do salrio mnimo no funcionamento da

    economia vem sendo alvo de permanente discusso desde sua implementao em 1940 no Brasil.

    Se nos ativermos apenas a um perodo recente, observamos que os resultados nas variveis

    macroeconmicas entram em choque com as concluses neoclssicas: houve uma grande

    valorizao do salrio mnimo real entre 1994 e 2010, atingindo cerca de 122%, e os nveis de

    inflao foram mantidos em patamares relativamente baixos, sendo acompanhados por uma

    progressiva diminuio das taxas de desemprego desde 2003, uma reduo dos ndices de

    informalidade e, ainda, uma queda dos nveis de desigualdade de renda. Ademais, cabe assinalar

    que esses resultados ocorreram sem que houvesse mudanas profundas na estrutura da legislao

    trabalhista vigente. Os acontecimentos recentes reanimam a importncia da discusso entre as

    duas vises, pois o novo contexto econmico de crescimento do produto nacional e de

    estabilidade dos nveis de preos, conjuntamente com a melhora dos ndices de emprego e

    principalmente da reduo dos nveis de concentrao de renda, coloca em cheque o pensamento

    ctico presente nos anos 1990 em relao ao SM. Nessa dcada, defendia-se uma reforma

    microeconmica no mercado de trabalho, sem a qual a economia no se sustentaria a longo prazo.

    Na dcada seguinte, nos anos 2000, a questo do salrio mnimo na economia vista de modo

  • 21

    mais positivo, uma vez que os dados favorveis do mercado de trabalho foram alcanados sem

    que a reforma microeconmica tivesse ocorrido.

    2.2 A trajetria histrica do salrio mnimo

    O salrio mnimo foi introduzido no Brasil pelo presidente Getlio Vargas, durante o

    perodo do regime autoritrio do Estado Novo no ano de 1940. A fixao do primeiro salrio

    mnimo brasileiro se deu por meio do Decreto-Lei n 2.162, de 01/05/1940, no qual se procurava

    garantir as necessidades bsicas do trabalhador individual2, sendo seus valores determinados por

    regio:

    Art. 1 Fica institudo, em todo o pas, o salrio mnimo a que tem direito, pelo servio prestado, todo trabalhador adulto, sem distino de sexo, por dia normal de servio, como capaz de satisfazer, na poca atual e nos pontos do pas determinados na tabela anexa, s suas necessidades normais de alimentao, habitao, vesturio, higiene e transporte. (BRASIL, 1940, p. 8.009)

    O SM comeou a vigorar em julho do mesmo ano com 14 nveis diferenciados conforme

    estados e sub-regies3. O maior salrio mnimo encontrava-se no Distrito Federal na poca, a

    cidade do Rio de Janeiro , sendo 2,7 vezes maior em relao aos menores nveis, referentes ao

    interior do Maranho, Piau, Rio Grande do Norte, Paraba, Alagoas, Sergipe e parte do interior

    da Bahia (SABIA, 1985b). Desde ento, o salrio mnimo sofreu profundas alteraes em seu

    poder de compra, em sua abrangncia e em seus objetivos. Essas modificaes refletiram

    diferentes diretrizes da poltica socioeconmica e condies do contexto econmico, variando, de

    um lado, conforme se buscasse elevao ou reduo do consumo interno e, de outro lado, em

    funo da evoluo dos preos (DIEESE, 2010).

    2 Apenas a partir da Constituio de 1946, o salrio mnimo passou a ser entendido, no texto legal, como um valor suficiente para cobrir as necessidades do trabalhador e de sua famlia. Isto no significou, todavia, que os valores efetivamente praticados tenham atingido a meta normativa. 3 Os primeiros valores foram determinados pelas Comisses de Salrio Mnimo, as quais eram encarregadas por lei de fixar os valores do mnimo para cada regio. Essas comisses eram compostas por igual nmero de integrantes dos empregados e dos empregadores, sendo lideradas por um representante do governo. As comisses foram extintas no incio do governo militar de 1964, quando o processo decisrio dos valores do salrio mnimo passou determinao unilateral do governo.

  • 22

    A evoluo do salrio mnimo apresenta sete fases principais, segundo periodizao

    proposta em DIEESE (2010) e POCHMANN (2010) 4. Esses recortes da evoluo do mnimo so

    baseados na trajetria de seu valor real, bem como no carter da poltica aplicada s variaes de

    seus nveis em cada perodo. Os sete perodos considerados so os seguintes:

    a) Fase 1: Perodo de implementao (1940-1945);

    b) Fase 2: Perodo de ausncia de regras e reduo do valor real (1946-1951);

    c) Fase 3: Perodo de elevao e auge (1952-1964);

    d) Fase 4: Perodo de arrocho salarial (1965-1975);

    e) Fase 5: Perodo de estabilizao (1976-1982);

    f) Fase 6: Perodo de corroso (1983-1994);

    g) Fase 7: Perodo de recuperao gradual de valor (a partir de 1995).

    As sete fases da trajetria do SM podem ser visualmente percebidas no grfico 1. Este

    grfico mostra a evoluo do valor real mdio do salrio mnimo em cada ano desde a sua

    implantao.

    4 DIEESE (2010) prope oito fases para o salrio mnimo, com base nos valores do mnimo da cidade de So Paulo, dividindo o perodo de 1952 a 1959 em duas fases: 1952-1959 (perodo de elevao) e 1960-1964 (perodo de corroso). No presente trabalho, optamos por analisar sempre os maiores valores vigentes do SM ao longo do perodo no unificado da poltica, uma vez que os reajustes diferenciaram-se muito entre as regies, variando, portanto, seu valor real entre elas. Para o grupo de anlise adotado, a classificao que melhor se enquadra para o perodo do auge em nosso entender a classificao de POCHMANN (2010).

  • 23

    Grfico 1- Evoluo do salrio mnimo real brasileiro, 1940-2010

    Fonte: Ipeadata. Elaborao da autora. Notas: (1) Srie em reais (R$) constantes de julho de 2011, deflator utilizado foi o INPC-IBGE a partir de maro de 1979. Para

    perodos anteriores, os deflatores utilizados foram o IGPC-MTB (jan/1948-mar/1979), o IPC-RJ/FGV (jan/1944-jan/1948) e o IPC-SP/FIPE (jul/1940-jan/1944). Os dados desta srie para o perodo em que a legislao federal definia faixas diversificadas referem-se sempre ao maior salrio mnimo vigente no pas. (2) O salrio mnimo anual foi obtido por meio das mdias dos valores mensais.

    A primeira fase corresponde implementao e a consolidao da poltica de salrio

    mnimo para os trabalhadores do setor urbano, compreendendo o perodo de 1940 a 1945. A fase

    marcada pela criao do arcabouo legal de funcionamento e da poltica, incluindo a

    organizao das chamadas Comisses de Salrio Mnimo. As revises de valor do mnimo

    eram trienais5, ocorrendo, dessa forma, o primeiro reajuste em 1943 a fim de corrigir a perda do

    poder de compra decorrente da inflao. O reajuste foi efetivado em duas parcelas, uma em julho

    de 1943 e outra em novembro do mesmo ano, com percentuais diferenciados para os maiores e

    para os menores nveis do mnimo. Essa fase abrange o final do primeiro governo Getlio

    Vargas, sendo caracterizada pelo avano da industrializao e o incio do consequente processo

    de urbanizao com os processos migratrios das reas rurais para as reas urbanas

    (POCHMANN, 2010; DIEESE, 2010).

    5 O salrio mnimo poderia ser modificado antes de ocorrido os trs anos de sua vigncia, caso trs quartos dos componentes da Comisso de Salrio Mnimo reconhecessem a alterao profunda da situao econmica e financeira da regio, zona ou subzona em questo, segundo o artigo 46 do Decreto lei n 399, de 30/04/1938. (BRASIL, 1938)

  • 24

    A fase seguinte corresponde aos anos entre 1946 e 1951, perodo que coincide com o

    governo de Eurico Gaspar Dutra. Nesse intervalo, o salrio mnimo completou oito anos sem

    reajustes, contrariando a determinao legal de um prazo mximo de trs anos para a reviso dos

    valores. O perodo foi caracterizado pela perda do poder de compra em funo das altas taxas

    inflacionrias do perodo cerca de 15% ao ano na mdia de 1944 a 1951, segundo o IPC-FIPE

    para a cidade de So Paulo , bem como houve inmeras aes realizadas pelo governo no

    sentido de desestruturar a proteo trabalhista construda no governo anterior (DIEESE, 2010).

    Esta grande compresso do poder de salrio mnimo implicou a reduo de sua influncia na

    determinao de piso salarial no setor urbano, havendo fortes indcios de que no final da dcada

    de quarenta, parcela significativa dos empregados urbanos recebia mais do que o salrio mnimo

    (SABIA, 1985b, p. 44).

    O perodo subsequente, compreendido entre os anos de 1952 e 1964, caracterizado pela

    elevao do poder de compra do salrio mnimo, com ganhos reais significativos, bem como por

    seu maior valor em termos reais em toda a srie analisada, o que ocorreu principalmente ao longo

    do governo Juscelino Kubistchek (JK). O perodo tambm marcado pela reduo gradativa da

    periodicidade dos reajustes: em sua implementao os reajustes eram trienais, passando, no incio

    da dcada de 1950, para um intervalo entre dois anos e dois anos e meio, e chegando ao final do

    perodo com reajustes anuais. Essa reduo nos intervalos entre os reajustes auxiliou na

    manuteno do poder de compra do mnimo em um contexto de inflao. Foram realizadas oito

    elevaes entre dezembro de 1951 e outubro de 1964: duas no governo Getlio Vargas, trs no

    governo de JK e trs no governo Joo Goulart. O primeiro reajuste dessa fase foi realizado por

    Vargas em dezembro de 1951, com o objetivo principal de recuperao do poder aquisitivo do

    mnimo, o qual fora comprimido nos oito anos de ausncia de correo (SABIA, 1985b). O

    segundo reajuste foi concedido dois anos e meio depois, vigorando a partir de julho de 1954,

    tambm pelo mesmo presidente6. O governo JK, por sua vez, realizou trs reajustes: em agosto de

    1956, em janeiro de 1959 e, por fim, em outubro de 1960, ano da transferncia do Distrito

    Federal para Braslia. Segundo Sabia (1985b), o avano observado durante o governo de JK se

    6 O reajuste deu-se no meio de uma forte crise poltica do governo de Getlio Vargas, a qual desencadeou o seu suicdio nesse mesmo ano. A elevao do SM gerou fortes e imediatas reaes por parte da oposio e do empresariado, sendo o presidente acusado de demagogo, por estar criando uma falsa iluso para o operariado, na medida em que os reajustes concedidos prejudicaram a pequena e mdia empresa, criando desemprego e elevando o custo de vida (SABIA, 1985b, p. 51).

  • 25

    d por meio de uma poltica liberal de reajustes que proporcionou uma elevao dos patamares do

    mnimo. J o governo de Goulart proporcionou trs reajustes, com certo aumento da participao

    dos empregados na deciso do mnimo, sendo o primeiro em outubro de 1961, o segundo

    vigorando a partir de janeiro de 1963 e, finalmente, em fevereiro de 1964, um ms antes do golpe

    militar.

    Ainda, nesse perodo, o cenrio brasileiro configurou-se por um perodo de alta

    produtividade, de sindicatos com maior poder de barganha e de governos de cunho populista,

    propiciando que o mnimo atingisse o seu pico histrico em 1961 com o valor mdio de

    R$799,75 a preos de julho de 2011. Esse processo de grandes acrscimos no valor do mnimo

    configurava-se como um componente do conjunto de medidas tomadas para a promoo da

    industrializao, adotadas pelos governos Vargas, Kubitschek e Goulart, via expanso do

    consumo interno e atendimento s demandas trabalhistas7 de incorporao dos ganhos de

    produtividade aos salrios (DIEESE, 2010; LCIO, 2005).

    A quarta fase do salrio mnimo ocorreu ao longo do perodo compreendido entre 1965 e

    1975, caracterizando-se pela compresso do poder aquisitivo durante a primeira metade do

    perodo de ditadura militar. Segundo Sabia (1985b), o Plano de Ao Econmica do Governo

    (PAEG), proposto pelo Governo de Castelo Branco, identificava as elevaes salariais em

    magnitudes superiores produtividade como uma das principais causas do processo inflacionrio

    vivenciado na poca, juntamente com o dficit pblico e a expanso de crdito s empresas.

    Dessa forma, o plano implementou uma nova poltica salarial, que buscava a manuteno do

    salrio mdio e associava os aumentos reais exclusivamente aos aumentos de produtividade. As

    decises sobre a poltica salarial eram centralizadas no poder Executivo, retirando-se o poder

    normativo da Justia do Trabalho e transmutando o SM em um elemento da poltica

    essencialmente macroeconmica do governo (DIEESE, 2010, p. 105).

    Ao longo dos primeiros anos dos governos militares, a poltica salarial focava na

    manuteno do poder aquisitivo mdio dos salrios, de forma que os salrios eram alterados, em

    parte, com base em uma previso da inflao futura. Como o perodo se caracterizou por altas

    taxas inflacionrias e os nveis de preos futuros foram sistematicamente subestimados para fins

    7 O perodo foi marcado por grandes e importantes mobilizaes trabalhistas e greves. Houve duas grandes greves dos setores mais organizados. Em 1953, ao longo do segundo governo Vargas houve a Greve dos 300 mil e em 1957, durante o governo JK, ocorreu a Greve dos 400 mil, ambas em So Paulo. Ver Gomes (2002) e DIEESE (2010).

  • 26

    de correo salarial, os reajustes no se mostraram suficientes para manter o poder aquisitivo do

    SM e dos salrios em geral. O valor real dos salrios foi sistematicamente comprimido, uma vez

    que no foi realizada correo posterior da diferena entre o percentual inflacionrio efetivo e o

    estimado (resduo) durante 1965 a 1968, acarretando uma grande perda de poder de compra do

    SM (BRASIL, 2000). Esse perodo correspondeu maior compresso salarial da histria do pas,

    conforme Sabia (1985b), com reduo de cerca de 21% no salrio mdio real anual. Apenas a

    partir de julho de 1968, incluiu-se o resduo inflacionrio no clculo do reajuste do salrio

    mnimo. Essa reduo de poder aquisitivo do SM se deu em meio represso poltica da ditadura

    militar, oprimindo-se severamente as manifestaes de insatisfao e de oposio s polticas

    governamentais por parte dos trabalhadores, cujo pice se deu com a instituio do Ato

    Institucional 5 (AI5) em dezembro de 1968.

    Nos anos posteriores, durante o governo Mdici, observa-se um contraste entre as

    elevadas taxas de crescimento do produto nacional e pela manuteno dos nveis de salrio

    mnimo. Em 1974, j no incio do governo Geisel, o mnimo sofreu um reajuste em maio, mas os

    baixos nveis ps-1964 foram mantidos. Em relao periodicidade dos reajustes tornaram-se

    anuais at 1978, com exceo do ano de 1974, em que foram concedidos dois reajustes. Em 1969,

    o reajuste passa a vigorar a partir de 1 de maio.

    A quinta fase de evoluo do SM compreende os anos de 1976 a 1982, um perodo

    marcado pela manuteno do valor real do mnimo. Como as reivindicaes trabalhistas

    recuperam certo espao de atuao ao final da dcada, os movimentos reivindicatrios

    conseguiram como resposta do governo Figueiredo uma alterao da legislao salarial no ano de

    1979, quando os reajustes passam a ser realizados com periodicidade semestral e diferenciados

    segundo o nmero de salrios mnimos recebidos mensalmente pelos trabalhadores. A nova lei,

    ainda, retomava o poder normativo da Justia do Trabalho. Os salrios com valor de at trs

    salrios mnimos passam a ser reajustados com o percentual de 110% da inflao mensurada pelo

    recm-criado ndice Nacional de Preos ao Consumidor (INPC). Para os trabalhadores que

    recebiam entre trs e 10 salrios mnimos e para aqueles que recebiam acima de 10 salrios os

    nveis de reajuste eram diferenciados, sendo corrigidos em 100% e em 80% do INPC,

    respectivamente. Esse critrio de reajuste foi posto em prtica por apenas trs vezes, at

    novembro de 1980. Segundo DIEESE (2010), esse mtodo de reajuste permitiu uma recuperao

    momentnea dos valores do SM. A partir da de 1981, contudo, o Brasil passou a vivenciar um

  • 27

    ambiente de recesso econmica, o que acarretou na modificao da poltica do salrio mnimo

    em maio do mesmo ano.

    O perodo que segue, compreendendo os anos entre o incio da dcada de 1980 e o incio

    da dcada de 1990, caracterizado por uma forte corroso nos valores reais do mnimo, em

    funo da acelerao inflacionria e dos planos econmicos sem sucesso implementados no

    perodo. Conforme DIEESE (2010, p. 106),

    Em diversos planos governamentais dessa fase, os salrios foram convertidos mdia do poder de compra de perodo anterior (como no Plano Cruzado, de 1986; no Plano Vero, de 1989; e nos Planos Collor I, de 1990, e Collor II, de 1991). Na medida em que, depois de convertidos mdia, o plano fracassava e a inflao voltava a recrudescer, o valor mdio no momento da introduo do plano passava a ser o novo poder de compra de referncia para as reivindicaes posteriores. Ou seja, a mdia (do perodo anterior) se tornava o pico (do perodo ps-plano), fazendo com que, plano aps plano, os salrios fossem rebaixados.

    Nessa fase, o salrio mnimo foi nacionalmente unificado em maio de 1984, passando a

    existir um nico valor para todo o territrio brasileiro. Ainda, a partir da Constituio de 1988,

    houve a incorporao dos trabalhadores rurais e das empregadas domsticas na abrangncia da

    poltica do salrio mnimo. A periodizao dos reajustes, que eram semestrais at 1985, reduziu-

    se at vir a ser mensal, com algumas excees, de 1987 at metade de 1994.

    A stima e ltima fase situa-se a partir dos meados da dcada de 1990, quando ocorre a

    estabilizao dos preos. Neste contexto, h uma elevao gradual do poder de compra do salrio

    mnimo em virtude de reajustes geralmente em percentuais superiores aos da inflao. Os

    reajustes ocorridos entre o final de 1994 e o ano de 2010 acumularam 628,6% de reajuste

    nominal, elevando-se de R$ 70,00 em setembro de 1994 para R$ 510,00 em janeiro de 2010,

    enquanto a inflao foi de 228,5% segundo o INPC. Por conseguinte, os reajustes do salrio

    mnimo obtiveram aumento real de 121,8% de ponta a ponta. Analisando por perodos de

    governo, do final de 1994 at o final do segundo governo de Fernando Henrique, em 2002, o

    salrio mnimo obteve um acrscimo de 44,3% em termos reais. Do ano de 2003 a 2010, ao longo

    do governo Luiz Incio Lula da Silva, o crescimento do mnimo atingiu a marca de 53,7% acima

    da inflao. A evoluo dos valores, bem como dos reajustes ps-Real esto relatados na tabela 1.

  • 28

    Tabela 1 - Evoluo dos reajustes do salrio mnimo, Brasil, 1995-2010

    Fonte: DIEESE, IBGE.

    Elaborao da autora.

    No perodo aps o Plano Real, os anos de maiores acrscimos do valor real do salrio

    mnimo no ms de seu reajuste foram os anos de 1995 (22,62%), 2001 (12,17%), 2005 (8,23%) e

    2006 (13,02%). No ano de 2010, o poder aquisitivo mdio anual do salrio mnimo foi 104,2%

    superior ao de 1994. Ainda assim, o poder de compra mdio do salrio mnimo de 2010

    representou apenas 68% do poder de compra vigente em 1961, ano do pico do seu valor.

    Quanto aos salrios em geral, o Plano Real caracteriza-se pela ausncia de uma poltica

    salarial, distinguindo-se dos planos econmicos anteriores ao efetivar um processo de

    desindexao da economia, sobretudo de salrios, com o fim de controlar o aumento generalizado

    dos preos. At o ano de 2005, os reajustes do SM se deram sem critrios explicitamente

    definidos, sendo determinados conforme o contexto da poltica e da economia, alternando

    perodos de grandes elevaes com perodos de pequenas correes. J desde 2006 o salrio

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  • 29

    mnimo tem sido guiado por uma poltica de valorizao com base em critrios para a correo

    dos valores visando garantia de aumentos reais. Nesse mesmo ano, o reajuste do mnimo passou

    a ser definido pela inflao acumulada no perodo entre os reajustes, medida pelo INPC-IBGE,

    sendo acrescentado um ganho real equivalente ao percentual de crescimento do PIB per capita do

    ano anterior (BRASIL, 2005). A partir de 2009, essa regra foi modificada. Pela nova regra, alm

    do percentual acumulado da inflao, a magnitude do aumento real passou a ser determinada pelo

    percentual de crescimento real do PIB brasileiro de dois anos anteriores (BRASIL, 2008). Tal

    critrio foi aplicado nos anos posteriores, sendo o critrio vigente para a determinao do reajuste

    de 2012 previsto na Lei Oramentria Anual (BRASIL, 2011a) 8.

    Outro aspecto importante da ltima e mais recente fase do salrio mnimo o retorno dos

    salrios mnimos regionais, porm com uma lgica de funcionamento diferenciada daquela

    exercida em perodos anteriores. Em 2000, entrou em vigor a Lei Complementar n 103, de

    14/07/2000, a qual permitiu aos estados e ao Distrito Federal instituir pisos salariais regionais

    (PSR) para aqueles empregados que no tenham piso definido em lei federal ou em conveno ou

    acordo coletivo de trabalho (BRASIL, 2000). Assim, cria-se uma segunda modalidade de

    poltica de patamar mnimo de remunerao existente no Brasil. Segundo DIEESE (2010), esta

    novidade explica-se em face de um novo acordo do governo brasileiro com o Fundo Monetrio

    Internacional (FMI) celebrado em 1998, em que foram impostas, em contrapartida ao auxlio

    financeiro prestado pelo Fundo, medidas de ajuste fiscal atravs de reduo nas despesas

    governamentais. Dessa forma, com o objetivo de preservar as contas da previdncia e o nvel das

    despesas pblicas, o governo optou por no reajustar o salrio mnimo em percentuais muito

    acima da inflao. Em contrapartida, props a introduo de valores mais elevados a serem

    praticados naqueles mercados de trabalho das unidades de federao com maior poder

    econmico, em que o nvel salarial praticado j se encontrava em patamares mais elevados. Essa

    proposio, que dependia da aprovao de lei estadual especfica, possibilitou aumentos de pisos

    em alguns estados sem comprometer o oramento pblico federal, visto que a despesa afetaria

    apenas as finanas estaduais. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul foram os primeiros estados

    a adotar o piso regional a partir de 2001. Posteriormente instituram os seus pisos os estados do

    Paran (2006), So Paulo (2007) e Santa Catarina (2010).

    8 Ver Lei das Diretrizes Oramentrias (LOA) dos anos referidos. Todas essas leis esto disponveis em: .

  • 30

    O piso salarial regional atua determinando diferentes nveis de remunerao mnima do

    trabalho, em que cada faixa salarial corresponde a um grupo de categorias profissionais

    especficas sobre as quais vigoram a lei do PSR, caso os empregados no tenham um patamar

    mnimo de remunerao definido em lei federal, em conveno ou em acordo coletivo de

    trabalho. O nmero de faixas, bem como os valores do PSR varia de um estado a outro. No Rio

    Grande do Sul, especificamente, o piso salarial regional divide-se em quatro faixas de nveis

    salariais distintos desde a sua criao (tabela 2), em que cada uma delas corresponde a um grupo

    de categorias profissionais conforme o apresentado na tabela 3. Um aspecto importante desta

    poltica regional gacha que, a partir de 2003, o valor do piso salarial regional da faixa de maior

    valor passa a ser garantido aos funcionrios pblicos estaduais, abrangendo tanto os funcionrios

    ativos, quanto os aposentados. Porm, no so includos funcionrios do setor pblico municipal.

    Tabela 2 - Evoluo dos reajustes do piso salarial regional, Rio Grande do Sul, 2001-2010

    Fonte: Leis estaduais - vrios anos, IBGE. Elaborao da autora.

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  • 31

    Tabela 3 - Composio ocupacional das faixas do piso salarial, Rio Grande do Sul, 2010

    Fonte: Leis estaduais 2010. Elaborao: DIEESE.

    O piso salarial regional praticado no Rio Grande do Sul segue a trajetria de crescimento

    real do salrio mnimo nacional conforme observamos no grfico 1. O valor mdio real do piso

    salarial gacho no primeiro ano de sua implementao apresentou-se 28% superior ao salrio

    mnimo real mdio nacional, sendo reduzida essa diferena com o decorrer dos anos em funo

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  • 32

    de reajustes inferiores aos aplicados ao mnimo nacional. Em 2010, a diferena entre os seus

    valores mdios reais alcanou 5%.

    Grfico 2 - Evoluo do salrio mnimo nacional e do piso salarial regional (faixa I), Brasil e Rio Grande do Sul, 2001-2010

    Fonte: Leis estaduais - vrios anos, Ipeadata, IBGE. Elaborao da autora.

    Notas: (1) Deflator INPC-IBGE, srie em reais (R$) constantes de julho de 2011. (2) O salrio mnimo nacional anual e o piso salarial regional anual foram obtidos por meio das mdias dos valores mensais.

    Apesar desta poltica de nvel mnimo de remunerao do trabalho no cobrir a totalidade

    das categorias, a sua abrangncia potencial bastante considervel. A Fundao de Economia e

    Estatstica (2011) realizou um estudo sobre a abrangncia potencial do piso salarial regional9,

    analisando-se seis categorias, quais sejam: empregados domsticos; construo civil em geral;

    vesturio, artefatos de tecidos e calados; atividades ligadas a hospitais, clnicas, etc.; comrcio

    de mercadorias, atacadista e varejista e metalrgica, mecnica, material eletrnico e material d

    transporte. Para o emprego total, a abrangncia potencial quase a metade, sendo 47% da fora

    de trabalho empregada no setor privado tanto em 2001, quanto em 2010. O mesmo estudo, ao

    analisar o setor formal do emprego, aponta que a cobertura potencial do PRS mantm-se, sendo

    9 Conforme consta no artigo 3 da Lei n 11.647 de 2001, o PSR no valido em caso de uma categoria de trabalhadores ter piso salarial definido em lei federal, conveno ou acordo coletivo. Porm, este recorte especfico na base no comportado pela base de dados PED-RMPA, impossibilitando estimar precisamente a cobertura efetiva desta poltica, porm se constitui uma noo de cobertura potencial desta legislao estadual.

    @.*$ - 3$ A+$

  • 33

    48% do total de trabalhadores do setor privado formal cuja jornada de trabalho superior a 40

    horas semanais na RMPA no mesmo perodo.

    Em sntese, desde a sua implementao em 1940 no Brasil, o salrio mnimo passou por

    diferentes fases no que tange forma de fixao e de abrangncia, ao seu papel na poltica

    econmica e, por conseguinte, aos seus nveis de poder de compra. Essas variaes implicaram

    flutuaes nos nveis de rendimentos e, segundo alguns estudos, nos indicadores de disparidades

    de renda. So essas variaes na distribuio que a prxima seo busca analisar a partir de

    anlise descritiva dos dados nacionais.

    2.3 O salrio mnimo e a distribuio de renda no Brasil ao longo do perodo ps-Real

    A distribuio de renda acarreta um impacto direto sobre o bem-estar social na medida

    em que as sociedades tm preferncia por equidade (BARROS e MENDONA, 1995). Por

    conta desse efeito de aumento do bem-estar, diversas polticas tm sido adotadas com o fim de

    reduzir as disparidades de rendas, dentre elas a de salrio mnimo. nesse sentido que buscamos

    analisar a relao entre duas variveis: SM e concentrao de renda.

    Quando se compara a evoluo do SM e da distribuio de renda brasileira no perodo

    aps Plano Real (1995-2010), nota-se que os movimentos dessas duas variveis esto

    correlacionados, pois paralelamente aos aumentos reais do salrio mnimo, a distribuio de

    renda familiar per capita tornou-se menos desigual, como podemos observar nos grfico 3. O

    ndice de Gini da renda familiar per capita iniciou uma trajetria descendente em 2001 que se

    prolonga at os dias atuais, com uma queda mdia de 0,004 pontos ao ano. De 1995 a 2009, o

    ndice reduziu-se 9,62%, sendo que, somente entre 2001 a 2009, o percentual de queda atingiu

    8,95%. O ponto em que se deu a maior reduo apresentou-se no ano de 2008, com queda de

    10 O ndice de Gini mede o grau de desigualdade na distribuio da renda entre os indivduos. Seus valores variam de 0, quando no h desigualdade (as rendas de todos os indivduos tm o mesmo valor), at 1, quando a desigualdade mxima (apenas um indivduo detm toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivduos nula). Assim, quanto maiores os valores desse ndice, mais desiguais so as condies de distribuio de renda. O ndice de Gini uma das mais difundidas medidas de desigualdade de renda, caracterizada como medida sensvel a mudanas em torno da mediana da distribuio. Foi proposto por Corrado Gini em 1914 (HOFFMANN, 1998b).

  • 34

    0,008 pontos do ndice de Gini. Essa queda indita, visto que ocorre aps um longo perodo de

    quatro dcadas de ampliao desse ndice no Brasil, sendo que a tendncia de crescimento da

    concentrao de renda evidenciada pelo ndice era apenas intercalada por perodos de

    estabilidade ou por ligeiras quedas que eram superadas por um aumento posterior (SOARES,

    2011).

    Grfico 3 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini da renda familiar per capita Brasil, 1995-2009

    Fonte: Ipeadata. Elaborao da autora. Notas: (1) Salrio mnimo em reais (R$) a preos constantes de julho de 2011, deflator INPC-IBGE. (2) Srie do

    ndice de Gini calculada a partir das respostas Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD-IBGE), excluindo-se as pessoas da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

    Esse movimento de queda da desigualdade dos rendimentos foi impulsionado pelo salrio

    mnimo, segundo IPEA (2011). A explicao encontra-se nas transformaes da estrutura

    produtiva brasileira recente, que proporcionaram um aumento da participao dos rendimentos do

    trabalho no total da renda. O crescimento econmico da ltima dcada proporcionou a

    diminuio do desemprego, bem como a maior variao positiva nos nveis de emprego dos

    ltimos 50 anos, superando em 44% a quantidade de postos de trabalho criados nos anos 1980 e

    1990 (IPEA, 2011). Esse crescimento de vagas adveio principalmente do setor tercirio, setor em

    que a remunerao localiza-se na base salarial. Aproximadamente 95% do saldo dos postos de

    trabalho criados ocorreram nas ocupaes cuja remunerao situa-se em torno do salrio de base

    6+3+

    B$+C$ - 3$ $+$

  • 35

    com remunerao de at 1,5 salrio mnimo. O incremento do nmero de empregos nessa faixa

    salarial deve-se mudana da estrutura produtiva nacional, em que o setor tercirio da economia

    aumentou a sua participao relativa no total da produo em detrimento da participao dos

    outros setores. Esse movimento implicou, ainda, alteraes na composio da ocupao da fora

    de trabalho. Por conseguinte, a expanso observada dos empregos com remuneraes prximas

    ao salrio de base, combinada com a recuperao do poder de compra do salrio mnimo,

    permitiu que grande parcela da fora de trabalho se deslocasse da situao de pobreza e passasse

    a compor a base da pirmide social (com ganhos de at 1,5 salrio mnimo), reduzindo a

    desigualdade de rendas do trabalho. (IPEA, 2011)

    Segundo Soares (2011), ao decompor o ndice por fontes de renda, cerca de um tero da

    queda da desigualdade observada nos rendimentos entre 1995 e 2009 originou-se de

    transferncias governamentais (especialmente do programa Bolsa Famlia), enquanto dois

    teros restantes da queda do ndice de Gini so provenientes do mercado de trabalho. E destes,

    quase um quarto se deve ao Salrio Mnimo, mostrando que o mesmo teve efeitos distributivos

    importantes (SOARES, 2011, p.11).

    Dessa forma, destaca-se a importncia dos rendimentos do trabalho para a reduo dos

    indicadores de desigualdade de renda, tornando-se imprescindvel sua anlise para o

    entendimento da trajetria da concentrao de renda e o impacto do SM nesse indicador. Posto

    isso, no que tange anlise da desigualdade do rendimento pessoal do trabalho e do salrio

    mnimo, nota-se tambm uma forte correlao entre as duas variveis, conforme podemos

    observar no grfico 3. O ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho tambm apresenta

    ritmo de queda, entretanto ligeiramente superior ao ndice familiar per capita, com uma reduo

    mdia de 0,005 pontos ao ano. De 1995 a 2009, o ndice reduziu-se em 11,45%, sendo que o

    percentual da queda atingiu 8,48% entre 2001 a 2009. O ponto em que se deu a maior reduo

    apresentou-se no ano de 2007, com queda de 0,013 pontos do ndice de Gini. Essa maior reduo

    ocorreu no ano posterior ao do grande aumento real do salrio mnimo ocorrido em 2006

    (13,04%), que, em conjunto com a elevao de 5,10% em 2007, indicam uma possvel influncia

    do mnimo sobre a distribuio de renda. 11 O Bolsa Famlia consiste em um programa do governo federal de transferncia direta de renda, objetivando beneficiar famlias em situao de pobreza e de extrema pobreza. Este programa transfere renda s famlias com renda per capita de at R$ 140 mensais e, dependendo de alguns condicionantes (como nmero e da idade dos filhos), o valor do benefcio oscila entre R$ 32,00 a R$ 242,00 (BRASIL, 2011b).

  • 36

    Grfico 4 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho, Brasil, 1995-

    2009

    Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra a Domiclios (PNAD/IBGE). Elaborao da autora. Notas: (1). Salrio mnimo em reais (R$) a preos constantes de julho de 2011, deflator INPC-IBGE. (2) Srie do

    ndice de Gini da distribuio do rendimento real mdio mensal de trabalho das pessoas ocupadas na semana de referncia, com rendimento de trabalho, excluindo-se as pessoas da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.

    A partir da anlise descritiva dos dados brasileiros ao longo do perodo recente de

    estabilizao inflacionria, nota-se uma associao entre o crescimento do salrio mnimo e a

    reduo dos indicadores de desigualdade de renda, tanto para a renda familiar per capita, quanto

    para o rendimento pessoal do trabalho. Devido grande participao dos rendimentos do trabalho

    para a melhora dos indicadores de disparidades de rendimentos, a anlise descritiva e a anlise

    emprica dos dados da Regio Metropolitana de Porto Alegre no captulo trs se concentraro

    nesse grupo, objetivando observar os efeitos da poltica de determinao exgena do salrio sobre

    os rendimentos.

    6+3+

    B$+C$ - 3$ $+$

  • 37

    3 SALRIO MNIMO E DISTRIBUIO DE RENDA: REVISO DE LITERATURA

    A discusso acerca dos efeitos do salrio mnimo (SM) sobre o mercado de trabalho no

    Brasil no nova. Ela remonta ao perodo da ditadura militar, quando o tema ganhou fora em

    face da reduo continuada do salrio real por meio de medidas de arrocho salarial. Segundo

    Corseuil e Servo (2002), os trabalhos sobre o salrio mnimo no contexto brasileiro podem ser

    divididos em trs grupos distintos, conforme o foco da anlise: i) os que analisam os impactos do

    SM na distribuio de salrios; ii) os estudos sobre a relao entre o mnimo e a distribuio de

    renda; e iii) os estudos que tratam de outros efeitos do salrio mnimo sobre o mercado de

    trabalho.

    A divulgao do Censo de 1970 revelou um crescimento da concentrao de renda em

    relao ao ano de 1960, evidenciando o aumento na desigualdade distributiva da renda pessoal ao

    longo da dcada. Esse fato direcionou os trabalhos acadmicos da simples medio da

    distribuio dos rendimentos para a interpretao do fenmeno, ou seja, para as possveis origens

    do forte aumento dos indicadores de desigualdade de renda ocorrido na dcada de 1960. Nesse

    momento, o tema salrio mnimo inseriu-se na discusso mais abrangente das causas do aumento

    observado na concentrao de renda.

    A partir do final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980, o debate sobre o papel do SM

    muda de forma, direcionando o foco de anlise para a forma com a qual o mnimo determina a

    taxa de salrios da economia, ou seja, o salrio-base pago aos trabalhadores no-qualificados, e

    suas implicaes na distribuio dos salrios (CAMPOS, 1992). J, os trabalhos mais recentes,

    por sua vez, dirigem-se, primordialmente, aos efeitos dessa poltica na distribuio salarial

    (ULYSSEA e FOGUEL, 2006).

    Tendo em vista esta evoluo dos estudos sobre o salrio mnimo na literatura brasileira

    especializada, o presente captulo organiza-se em trs sees. A primeira seo apresenta uma

    reviso dos estudos tericos e empricos que nortearam a discusso sobre os elementos geradores

    do agravamento da desigualdade na distribuio da renda ao longo da ditadura militar, os quais

    serviram de pivot para a introduo de estudos especficos sobre o mnimo. A seo segunda

  • 38

    expe um panorama da literatura nacional sobre o salrio mnimo, no que tange s implicaes

    dessa poltica na distribuio de salrios e na distribuio de renda, que se seguiu aps o debate

    dos anos 1960 e 1970. Por ltimo, a seo terceira desenvolve, de modo complementar s

    antecedentes, um breve quadro sobre os estudos realizados na literatura internacional.

    3.1 O debate sobre a distribuio de renda nos anos 1960-1970

    O debate sobre os determinantes do aumento na concentrao de renda entre 1960 e 1970

    dividiu-se em duas vertentes de interpretao distintas. De um lado, agrupavam-se os estudiosos

    que defendiam que a piora da distribuio de renda era um fruto do modelo de crescimento da

    economia e das polticas econmicas e sociais de cunho estabilizante adotadas pelo governo

    desde 1964, principalmente no que tange compresso do salrio mnimo real. Uma segunda

    abordagem explicava o acrscimo da desigualdade com fundamento na teoria neoclssica da

    determinao da taxa de salrios na economia ou, mais especificamente, na teoria do capital

    humano, associando a menor remunerao relativa paga mo-de-obra no-qualificada ao

    crescimento da desigualdade na distribuio da escolaridade na populao. (WELLS, 1975)

    A teoria neoclssica da determinao da taxa de salrios considera a concentrao de

    renda como um desequilbrio temporrio nos mercados de fatores de produo, resultando de

    uma economia em processo de crescimento acelerado, mas que no longo prazo se direciona a um

    equilbrio geral. No equilbrio geral, a inexistncia de desigualdade pressupe a existncia de i)

    um mercado de trabalho atomizado (grande nmero de demandantes e de ofertantes de fator

    trabalho), ii) de fora de trabalho homognea (seus ofertantes so substitutos perfeitos uns dos

    outros); iii) de informao completa e iv) de ausncia de barreiras (estruturais e estratgicas)

    entrada e sada de empresas.

    Essa viso, em sntese, atenta ao fato de que o aumento abrupto da demanda por trabalho

    qualificado em uma economia cuja oferta desse tipo de mo-de-obra mais inelstica quando

    comparada elasticidade do trabalho no-qualificado, acarreta a elevao da renda paga ao

    trabalho qualificado como mecanismo de equilbrio das curvas de oferta e demanda por esse tipo

    de trabalho. A outra abordagem da teoria convencional, a teoria do capital humano, encontra nas

  • 39

    diferenas de escolaridade a explicao para as diferenas pessoais de rendimentos. De uma

    maneira geral, a teoria considera que a produtividade marginal do trabalhador aumenta conforme

    seus anos de estudo e, dessa forma, a contrapartida no mercado so os acrscimos de salrio real.

    A varivel idade considerada na teoria como um indicador de experincia: quanto maior a

    experincia, maior a produtividade, o que tambm se reflete em ganhos de salrio real. (WELLS,

    1975; MALTA, 2010)

    Ao combinar ambas as teorias capital humano e desequilbrio no mercado de fatores em

    uma economia em rpido crescimento, Carlos Geraldo Langoni analisa as causas do agravamento

    da desigualdade de rendimentos ocorrido ao longo da dcada de 1960 em sua obra Distribuio

    de Renda e Desenvolvimento Econmico do Brasil, cuja primeira edio foi divulgada em julho

    de 1973. Essa obra fora encomendada pelo Ministrio da Fazenda e a viso de Langoni foi

    adotada como a interpretao oficial do governo, a fim de justificar a elevao da desigualdade

    de rendimentos em meio ao contexto de grandes ndices de crescimento da atividade econmica

    durante o perodo do chamado Milagre Econmico. Ao longo do trabalho, Langoni defende que a

    piora da distribuio de renda foi uma consequncia das modificaes ocasionadas pelo processo

    de crescimento econmico brasileiro entre os anos de 1960 e 1970, as quais implicaram o

    deslocamento do trabalho das atividades rurais para as urbanas e, dentro do setor urbano, dos

    setores tradicionais para os setores modernos, ou seja, de setores de menor para os de maior

    remunerao. Esse abrupto processo de deslocamento acarretou descompasso entre a oferta e a

    demanda por trabalho qualificado, trazendo, assim, nveis de remunerao relativamente maiores

    queles indivduos com maior escolarizao. Segundo as palavras de Delfim Netto no prefcio

    do livro

    Langoni prova que o aumento observado de desigualdade conseqncia direta dos desequilbrios de mercado caractersticos do processo de desenvolvimento. Deste modo, o comportamento das rendas relativas reflete, primordialmente, o processo intenso de diferenciao da fora do trabalho causada pela rpida expanso dos setores modernos. Nestes setores, entretanto, a mo-de-obra altamente produtiva, recebendo, por isso mesmo, nveis de remunerao relativamente elevados, ainda que sua disperso seja maior. (DELFIM NETTO, 1978, p. 13-14)

    A estrutura do trabalho de Langoni (1978) construda com objetivo de explicar os

    diferenciais de renda individuais, uma vez que o uso de dados individuais de renda que

    permitem descrever o perfil da distribuio sem nenhum ajustamento artificial (LANGONI,

  • 40

    1978, p. 19). Aliado a esse argumento, aps realizar o perfil da distribuio de renda de 1970,

    conclu que a opo por analisar a renda individual ou familiar, praticamente no altera as

    medidas de desigualdade: a participao de 10+ passa de 46,47% para 45,91%, e o ndice de Gini

    permanece inalterado em torno de 56% (LANGONI, 1978, p.205).

    Em sua obra, Langoni (1978) analisou a distribuio de renda nos anos de 1960 e 1970

    com base em dados do Censo Demogrfico, do Imposto de Renda e da Lei dos 2/3. Esses dados

    foram desagregados por regies e por setores econmicos (setor primrio, secundrio e tercirio).

    A concluso geral foi assim exposta pelo autor:

    Os resultados sugerem um aumento inequvoco na desigualdade da renda entre 1960 e 1970: todos os grupos apresentaram reduo em sua participao relativa no total da renda em favor dos 10% mais elevados. Com isto, a participao dos 10+ passou de 39,66% em 1960 para 47,79% em 1970 e o ndice de Gini aumentou cerca de 14%. (LANGONI, 1978, p. 206),

    A partir desta constatao, o autor busca mostrar as causas da piora na desigualdade de

    renda no mercado de trabalho brasileiro. Para isso, realizou inmeras anlises dos dados atravs

    de correlaes entre os nveis de desigualdade de renda e variveis que, segundo ele, refletiriam o

    progresso tecnolgico proporcionado pelo crescimento da economia, como os movimentos

    migratrios do campo para reas urbanas, o ingresso de jovens e de mulheres no mercado de

    trabalho e os aspectos regionais. A ideia central defendida por Langoni (1978) considera que o

    agravamento da concentrao de renda deriva das modificaes geradas pelo processo de

    desenvolvimento econmico brasileiro ao longo da dcada de 1960. Grande parte desse

    agravamento provm de mudanas alocativas (regional e setorial) e de mudanas qualitativas

    (nvel de educao, idade e gnero). (LANGONI, 1978)

    A partir dos dados dos censos demogrficos de 1960 e 1970, Langoni (1978) investigou o

    impacto marginal dos nveis de educao, da idade, do sexo, da atividade e da regio sobre a

    renda por meio de regresses log-lineares. A grosso modo, utilizou um modelo economtrico em

    que toma a desigualdade de renda como varivel dependente e os nveis de educao, a idade, o

    sexo, a atividade econmica e a regio como variveis independentes, a fim de mostrar qual

    varivel melhor explicava a variao da desigualdade de renda no Brasil (LANGONI, 1978).

    Os resultados encontrados mostraram que a educao o fator principal explicativo das

    mudanas ocorridas na distribuio de renda ao longo da dcada de 1960. Os dados apontados

  • 41

    pelo estudo mostram que a contribuio marginal (normalizada) da educao para a varincia da

    renda aumentou 33% entre 1960 e 1970. A idade, que foi a segunda varivel importante, sofreu

    acrscimo de apenas 10% (LANGONI, 1978, p. 208). Ainda, segundo Langoni (1978), quando

    considerado o efeito redistributivo puro, constata-se que a varivel educao foi responsvel por

    pelo menos 50% das variaes ocorridas em cada decil de renda, sendo que o nvel educacional

    colaborou para a queda de 7,7% da participao dos analfabetos na renda relativa dos 40%

    inferiores, enquanto contribuiu para o aumento de 11% da participao dos 10% superiores

    durante o perodo.

    Considerando o aspecto regional, a educao permanece como principal elemento

    explicativo para a maior desigualdade de renda em 1970, aumentando a sua contribuio

    conforme o dinamismo econmico da regio. Em relao aos setores econmicos, importante

    ressaltar que o aumento de desigualdade foi mais acentuado no setor urbano em relao ao setor

    primrio. A contribuio da educao no primeiro setor segue o resultado geral da pesquisa, ao

    passo que o acesso propriedade a varivel mais relevante na explicao da varincia da renda

    no setor primrio. Assim, como o centro dinmico da economia centrava-se nas atividades

    industriais e urbanas, o acesso propriedade apresenta pouca importncia relativa na variao da

    distribuio de renda observada no perodo. (LANGONI, 1978)

    A partir desses resultados, o autor conclui que o aumento de desigualdade caracterstico

    do processo de desenvolvimento econmico ocorrido no perodo. Em suas palavras

    A importncia da educao para o aumento de desigualdade () consistente com a hiptese de que o desenvolvimento econmico levou a uma expanso diferenciada da mo-de-obra que, devido a tecnologia utilizada, beneficiou desproporcionalmente os nveis de educao mais elevados. No extremo inferior a obsolescncia de qualificaes, causada pela direo do progresso tecnolgico, mais do que compensou a queda na participao dos analfabetos, comprimindo os salrios relativos. (LANGONI, 1978, p. 121)

    Langoni (1978) conclui que a razo pela qual coexistem o crescimento econmico

    acelerado no processo de desenvolvimento e os aumentos nos nveis de desigualdade de renda

    consiste em que nessa fase abrem-se oportunidades de ganhos extras no mercado de capital

    humano e tambm no mercado de capital fsico. Essas oportunidades atraem o fluxo de

    investimento para essas reas cuja rentabilidade esperada alta, porm medida que so

    realizadas as inverses ocorre uma converso dos ganhos extras em retornos competitivos. Dessa

  • 42

    forma, no longo prazo, a piora da distribuio de renda seria autocorrigida no momento em que a

    renda per capita aumenta e as taxas de crescimento atinjam valores mais estveis. (LANGONI,

    1978)

    A partir do estudo de Langoni (1978), amplia-se a discusso sobre a distribuio de renda

    no Brasil, surgindo um conjunto de anlises que se opunham s suas concluses sobre as causas

    do agravamento da desigualdade na renda pessoal. Em 1975, Ricardo Tolipan e Arthur Carlos

    Tinelli organizam o livro A Controvrsia sobre Distribuio de Renda e Desenvolvimento, em

    que inmeros autores discutem aspectos tericos e empricos no que tange distribuio de

    renda, realizando uma crtica interpretao de que o agravamento dos indicadores teria origem

    no processo de desenvolvimento econmico vivido pela economia brasileira no perodo, em

    particular nas diferenas de oportunidades educacionais da mo-de-obra. A causa, segundo esses

    crticos, encontrava-se nas polticas econmicas de estabilizao as quais acarretaram a

    compresso do valor real do salrio mnimo, implicando o rebaixamento dos salrios dos

    trabalhadores menos qualificados. (TOLIPAN e TINELLI, 1975)

    Os autores que compuseram a obra, mesmo com origem em espaos acadmicos e

    polticos distintos, atribuem o agravamento da desigualdade de renda ocorrida no Brasil entre os

    anos 1960 e 1970 ao estilo de crescimento econmico, cuja base se encontrava no consumo de

    minorias privilegiadas e no investimento dos setores de rendas elevadas. Opondo-se viso de

    que a concentrao de renda provm de diferenciais de nveis educacionais. (CARDOSO, 1975)

    A obra inicia por um tratamento de aspectos tericos gerais, em que Maria da Conceio

    Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo expem contextos terico-analticos que fundamentam a crtica

    s teorias econmicas ortodoxas. O primeiro autor realiza uma anlise do movimento do padro

    histrico de acumulao brasileiro a partir do modelo de Kalecki de departamentalizao da

    economia e de diviso do produto em classes sociais (TAVARES, 1975). Enquanto o segundo

    autor confronta as teorias de valor e da distribuio clssica e marxista com a anlise neoclssica

    (BELUZZO, 1975).

    Posteriormente, Paul Singer, Rodolfo Hoffmann e Edmar Bacha realizam um estudo de

    aspectos histricos da distribuio de renda no Brasil. Singer (1975) atenta para o fato de que a

    sequncia de decises polticas ao longo do processo de desenvolvimento econmico do pas

    ocasionou um agravamento da desigualdade existente. Uma observao particularmente

    importante que, enquanto nos pases industrializados o movimento operrio evitou o aumento

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    da taxa de explorao, obrigando o sistema a recorrer a inovaes tecnolgicas que

    compensassem o aumento do custo do trabalho por meio do aumento de produtividade, no

    contexto brasileiro, o processo de inovao no se originou do aumento dos custos da mo-de-

    obra, mas sim da tendncia de unificao, em termos de tcnicas e hbitos de consumo, do

    mercado mundial, resultando em camadas privilegiadas de assalariados, enquanto a grande

    massa de trabalhadora permanece em nveis nfimos de consumo (SINGER, 1975, p. 77). O

    fruto deste processo foi uma classe de tcnicos e de administradores que prosperam a partir da

    no incorporao dos ganhos de produtividade ao custo do trabalho na qual origina os alicerces

    para a concentrao de renda. Ainda, o autor afirma que as anlises sobre a desigualdade de renda

    erram ao explicar o fenmeno unicamente por fatores essencialmente econmicos (excesso ou

    escassez de mo-de-obra qualificada), devendo-se analisar os aspectos estruturais.

    Para Hoffmann (1975), o fato que contribuiu para agravar o grau de concentrao de

    renda entre os assalariados do setor industrial foi um aumento na diferena entre os salrios

    mdios dos empregados administrativos e os salrios dos operrios. Em estudo anterior, o autor

    mostrou que, no ano de 1966, o salrio mdio dos operrios equivalia metade do salrio mdio

    dos empregados