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O objetivo deste trabalho é analisar a efetividade da política pública de salário mínimo sobre a distribuição de renda pessoal do trabalho no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) ao longo do período após o Plano Real.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS
LUANA PRISCILA BETTI
O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:
UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO
METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE
Porto Alegre
2011
LUANA PRISCILA BETTI
O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:
UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO
METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE
Trabalho de concluso submetido ao Curso de Graduao em Economia, da Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS, como quesito parcial para obteno do ttulo Bacharel em Cincias Econmicas.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Henrique Horn
Porto Alegre
2011
LUANA PRISCILA BETTI
O SALRIO MNIMO E SEUS EFEITOS DISTRIBUTIVOS:
UMA ANLISE SOBRE O MERCADO DE TRABALHO DA REGIO
METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE
Trabalho de concluso submetido ao Curso de Graduao em Economia, da Faculdade de Cincias Econmicas da UFRGS, como quesito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Cincias Econmicas.
Aprovado em: Porto Alegre, ____ de ____________ de 2011.
____________________________________
Prof. Dr. Carlos Henrique Horn - orientador
UFRGS
____________________________________
Prof. Dr. Cssio Calvete
UFRGS
____________________________________
Profa. Dra. Ecleia Conforto
USJT/DIEESE
RESUMO
O objetivo deste trabalho analisar a efetividade da poltica pblica de salrio mnimo sobre a distribuio de renda pessoal do trabalho no mercado de trabalho da Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) ao longo do perodo aps o Plano Real. Para atingir o objetivo proposto, ser realizada uma anlise emprica em duas partes. Na primeira, ser uma anlise descritiva dos dados sobre os rendimentos do trabalho. Na segunda parte, por sua vez, consistir em uma estimao economtrica a fim de verificar a contribuio das elevaes do salrio mnimo para o processo de desconcentrao dos rendimentos do trabalho no perodo. A base de dados utilizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Convnio Fundao SEADE/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA e apoio MTE/FAT. A partir da anlise descritiva, constatou-se a reduo da desigualdade de rendimentos do trabalho segundo os ndices analisados, promovido principalmente pelo crescimento dos rendimentos reais dos indivduos localizados nos decils de renda da base da distribuio, os quais so foco da poltica do salrio mnimo. Na anlise economtrica, os resultados revelaram a existncia de efeito inverso e estatisticamente significativo das variaes dos valores reais do salrio mnimo sobre o grau de desigualdade da distribuio da renda na RMPA, apontando que a poltica de salrio mnimo atua de forma desconcentradora no perodo estudado. Palavras-chave: Salrio mnimo. Distribuio de renda. Regio Metropolitana de Porto Alegre.
ABSTRACT
The aim of this paper is to analyze the effectiveness of the public policy of minimum wage on the personal income distribution of work in the labor market of Porto Alegre metropolitan region (RMPA) over the period after the Real Plan. To achieve this goal, an empirical analysis will be conducted in two parts. In the first part, it will be a descriptive analysis of labor income data. In the second part, in its turn, it will consist of an econometric estimation to verify the contribution minimum wage to the process of income deconcentration of the period. The used data comes from the Employment and Unemployment Survey (Pesquisa de Emprego e Desemprego PED) of the Partnership SEADE Foundation/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA and support of MTE/FAT. The results from the descriptive analysis showed that there was a reduction in earnings inequality according to the analyzed indexes. This was promoted mainly by the growth of real individual income of the individuals located in decils at the base of income distribution, which is the minimum wage focus. The results of the econometric analysis revealed the existence of a statistic significant inverse effect on income distribution inequality degree in the RMPA. It indicates that the minimum wage policy acts in a deconcentrated way over the studied period. Key-words: Minimum wage. Income distribution. Porto Alegre Metropolitan Region.
DEDICATRIA
Aos meus pais, Valdir e Liria, por toda a sua
dedicao e seu carinho. Ao meu irmo, Vagner, por
todos os ensinamentos e por todo o apoio.
AGRADECIMENTOS
So muitas as pessoas que devem ser lembradas e agradecidas. Os agradecimentos so
direcionados no apenas para aqueles que foram imprescindveis realizao deste trabalho, mas
tambm para quem contribuiu ao longo do caminho que percorri para chegar at este momento
que encerra uma importante fase da minha vida. De alguma forma, as pessoas aqui citadas
auxiliaram, tanto profissionalmente, quanto pessoalmente, a formar muito do que sou hoje, bem
como influenciaram as escolhas dos caminhos os quais tomei.
Em primeiro lugar, agradeo imensamente aos meus pais, Valdir e Liria, por toda a
dedicao, o esforo e o carinho que direcionaram a mim ao longo dos meus 23 anos. So dois
exemplos de vida que me inspiram todos os dias.
Ao meu grande irmo, Vagner, sempre ao meu lado, por todo o companheirismo e por
todo o carinho. Ele meu grande parceiro nos momentos bons e meu suporte nos momentos
difceis, sejam em problemas pessoais, sejam em problemas de clculo ou de lgebra linear.
Aos queridos colegas do DIEESE, os quais me mostraram o sentido da palavra
economista. Dentre eles, direciono um agradecimento especial a cinco pessoas. Ao Eduardo, por
ter auxiliado na escolha do tema desta monografia e por todo o incentivo dado ao longo de sua
realizao. Ao Cssio, por todo o suporte inicial ao presente trabalho. Ecleia, por todo o apoio,
por todas as conversas e pelos ensinamentos providos durante os ltimos meses. Ainda, no
posso deixar de mencionar o suporte da Ana Paula e do Rafael, o qual foi imprescindvel para a
construo deste trabalho, no apenas pelo fornecimento dos dados, mas tambm pela pacincia e
pelo pronto atendimento s minhas solicitaes e s minhas dvidas.
Ao Prof. Carlos Henrique Horn, devo enormes agradecimentos. Em primeiro lugar, por
todos os ensinamentos providos ao longo da minha vida acadmica. Em segundo lugar, pela
oportunidade de trabalhar no projeto de pesquisa, a qual abriu muitas portas que foram de
extrema valia para a minha formao como economista: a conquista da bolsa de estudos
internacional e, mesmo que indiretamente, a insero no DIEESE. Por fim, agradeo pela
orientao deste trabalho, por todo o enorme apoio na realizao da monografia.
Ao Prof. Srgio Marley Monteiro, pela solicitude e pelo auxlio no final do trabalho.
s minhas colegas de faculdade, Izadora Bochi, Marlia Bagatini, Sara Bagatini e Ana
Paula Sales Martins, as quais tornaram mais leve e mais divertido o perodo de estudos ao longo
do curso. s minhas amigas de infncia, pelo amor e pela compreenso s minhas ausncias em
funo dos estudos.
Aos citados e a todos os outros que de alguma forma me auxiliaram nesse processo de
crescimento, dedico um muito obrigada.
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1- Evoluo do salrio mnimo real brasileiro, 1940-2010 ............................................. 23
Grfico 2 - Evoluo do salrio mnimo nacional e do piso salarial regional (faixa I), Brasil e Rio
Grande do Sul, 2001-2010 ............................................................................................................. 32
Grfico 3 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini da renda familiar per capita Brasil, 1995-
2009 ............................................................................................................................................... 34
Grfico 4 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho, Brasil,
1995-2009 ...................................................................................................................................... 36
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Evoluo dos reajustes do salrio mnimo, Brasil, 1995-2010 .................................... 28
Tabela 2 - Evoluo dos reajustes do piso salarial regional, Rio Grande do Sul, 2001-2010 ....... 30
Tabela 3 - Composio ocupacional das faixas do piso salarial, Rio Grande do Sul, 2010 .......... 31
Tabela 4 - Taxa de participao, taxa de desemprego total, taxa de ocupao e distribuio dos
ocupados por posio na ocupao, RMPA, 1995 e 2010 (%)...................................................... 63
Tabela 5 - Salrio mnimo, piso salarial regional e rendimento mdio do total de ocupados e dos
assalariados, mdias mensais em Reais (R$), RMPA, 1995/2010 ................................................ 74
Tabela 6 - ndices de desigualdade na distribuio dos rendimentos do trabalho do total de
ocupados e de assalariados, RMPA, 1995/2010 ............................................................................ 75
Tabela 7 - Rendimento mdio mensal de ocupados e de assalariados, RMPA, 1995/2010 (R$ de
jun/2011) ........................................................................................................................................ 76
Tabela 8 - Proporo dos ocupados e dos assalariados segundo a relao entre a remunerao e o
salrio mnimo nacional, RMPA, 1995/2010 ................................................................................ 77
Tabela 9 - Proporo dos ocupados e dos assalariados segundo a relao entre a remunerao e o
piso salarial regional, RMPA, 2002/2010 ..................................................................................... 78
Tabela 10 Resumo dos resultados da anlise de regresso ......................................................... 80
SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................................................... 12
2 O SALRIO MNIMO: CONCEPES, TRAJETRIA E A INFLUNCIA SOBRE A
DISTRIBUIO DE RENDA ...................................................................................................... 16
2.1 Salrio mnimo e suas consequncias: uma sntese inicial .................................................. 17
2.2 A trajetria histrica do salrio mnimo .............................................................................. 21
2.3 O salrio mnimo e a distribuio de renda no Brasil ao longo do perodo ps-Real ......... 33
3.1 O debate sobre a distribuio de renda nos anos 1960-1970 ............................................... 38
3.2 A evoluo da literatura brasileira acerca do impacto do salrio mnimo sobre a
distribuio de renda .................................................................................................................. 46
3.2.1 Estudos dos anos de 1970-1980: salrio mnimo, salrio mdio e taxa de salrios ..... 47
3.2.2 A literatura recente acerca do impacto do salrio mnimo sobre a distribuio de renda
............................................................................................................................................... 50
3.3 Uma nota sobre o salrio mnimo na literatura internacional .............................................. 55
4 O IMPACTO DO SALRIO MNIMO NA DISTRIBUIO DOS RENDIMENTOS DO
TRABALHO: UM ESTUDO EMPIRCO PARA A REGIO METROPOLITANA DE PORTO
ALEGRE ....................................................................................................................................... 59
4.1 Definies sobre o escopo do estudo emprico ................................................................... 59
4.1.1 Fonte de dados .............................................................................................................. 60
4.1.2 Perodo analisado .......................................................................................................... 61
4.1.3 Variveis e deflatores ................................................................................................... 61
4.2 Mtodo de associao dos dados ......................................................................................... 64
4.2.1 Base terica do modelo emprico: uma anlise da relao entre a varivel explicada e
as variveis explicativas ........................................................................................................ 65
4.2.2 Mtodo economtrico ................................................................................................... 68
4.3 Fatos estilizados: uma anlise descritiva ............................................................................. 73
4.4 Anlise dos resultados do modelo economtrico ................................................................ 79
5 CONCLUSO ............................................................................................................................ 84
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 87
APNDICES ................................................................................................................................. 98
APNDICE A - Teste ADF de raiz unitria ................................................................................. 98
APNDICE B - Teste de cointegrao de Johansen ..................................................................... 99
APNDICE C - Estimativa da equao (1) ................................................................................. 100
APNDICE D - Teste de processo AR(1) de correlao serial dos erros ................................... 101
APNDICE E - Estimativa da equao (2) ................................................................................. 102
APNDICE F Equaes estimadas .......................................................................................... 103
12
1 INTRODUO
O salrio mnimo pode ser definido em duas dimenses distintas: uma econmica e outra
de poltica pblica. O salrio mnimo na dimenso econmica a menor remunerao do trabalho
determinada endogenamente no ncleo capitalista de uma economia. Em outros termos, seria a
remunerao recebida pela mo-de-obra no qualificada do setor capitalista da economia: a
chamada taxa de salrios. Por outro lado, o salrio mnimo na dimenso de poltica pblica o
patamar mnimo de remunerao do trabalho determinado na esfera parlamentar ou de governo, a
qual afeta exogenamente a dinmica da economia. Em ambas as dimenses, o salrio mnimo
consiste no salrio que constitui o piso da estrutura salarial da mo-de-obra, podendo ser
determinado pelo funcionamento da economia, pelo governo (tanto na esfera central, quanto na
regional) ou pela negociao coletiva entre sindicato de trabalhadores e empresas ou suas
associaes.
Como poltica pblica, a ideia que permeia a implementao de um salrio mnimo a de
garantir um padro de sobrevivncia minimamente aceitvel aos trabalhadores, bem como
proteger os trabalhadores mais vulnerveis localizados na base da distribuio de rendimentos, a
saber, a mo-de-obra no qualificada e no sindicalizada. Nesse sentido, o salrio mnimo
comeou a ser implementado entre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX, tendo como
pases pioneiros a Austrlia e a Nova Zelndia. Esta poltica pblica difundiu-se por outros pases
durante o perodo entre as duas Grandes Guerras e, impulsionada pela doutrina do Welfare State,
veio a ser adotado por grande parcela dos pases aps 1950.
Na dcada de 1980, com a ascenso das polticas neoliberais, ganhou nova fora o
conceito de estado mnimo, implicando mudanas em prol da reduo do sistema de proteo
social. Esta onda implicou uma flexibilizao do mercado de trabalho, ocorrendo, dentre outras
consequncias, a reduo do poder sindical e a desvalorizao ou supresso do salrio mnimo
como poltica pblica. Fatos como a extino dos Wage Councils - conselhos que determinavam
o piso salarial de setores econmicos - na Inglaterra sob o comando da primeira ministra
Margareth Thatcher no incio dos anos 1990, bem como o processo de desvalorizao do mnimo
13
norte-americano durante a dcada de 1980 sob o governo Ronald Reagan, marcaram a presena
da doutrina neoliberal nestes pases.
As quedas no nvel do salrio real do decil inferior da distribuio nos Estados Unidos e o
crescimento da desigualdade de renda na Inglaterra associadas ao perodo das mudanas
neoliberais trouxeram a questo do salrio mnimo de volta discusso terica, anlise emprica
e agenda poltica. Ainda, fatos como a reintroduo desta poltica no Reino Unido e na Irlanda
reforaram o debate econmico sobre a efetividade do salrio mnimo.
No Brasil, o debate sistemtico acerca dos efeitos do salrio mnimo sobre o mercado de
trabalho remonta pelo menos dcada de 1970, sendo desencadeado pela reduo continuada do
salrio real em decorrncia de medidas de arrocho salarial adotadas pelo governo no perodo
entre 1960 e 1970 e, ao mesmo tempo, pelo agravamento dos indicadores de desigualdade de
renda, direcionando a discusso sobre o tema para a possvel relao entre os dois
acontecimentos.
No perodo recente, o movimento de queda nos indicadores de desigualdade de
rendimentos e o melhor desempenho das variveis macroeconmicas, ao mesmo tempo em que
ocorre processo de recuperao do poder de compra do salrio mnimo, reavivaram a discusso
sobre a questo do mnimo no mbito nacional. Desde a implementao do Plano Real, em 1994,
o salrio mnimo vem crescendo em termos reais, as taxas de inflao permanecem em nveis
relativamente baixos e os indicadores de concentrao de rendimentos experimentaram redues
contnuas. A partir de 2003, o movimento dessas variveis foi acompanhado por uma progressiva
reduo nos nveis de desemprego.
Muito provavelmente em virtude de uma permanente preocupao quanto desigualdade
de renda, a grande maioria dos estudos brasileiros acerca do tema salrio mnimo avalia o
impacto da poltica sobre a distribuio de salrios ou a distribuio de renda. Isso ocorre apesar
de ser reconhecido que grande parcela dos determinantes das disparidades de renda no Brasil
possui carter estrutural, a convico de que a poltica do salrio mnimo pode ser um
instrumento redutor dessa desigualdade com eficcia a curto prazo, renova continuamente a
discusso. Assim, encontra-se um conjunto amplo de estudos sobre a relao entre o salrio
mnimo e a distribuio de renda, os quais apresentam, todavia, uma clara divergncia de
concluses sobre o real efeito da poltica de salrio mnimo sobre a distribuio de rendimentos.
14
De maneira geral, a discusso sobre o salrio mnimo e seus impactos na economia
divide-se em duas linhas. De um lado, considera-se que a imposio exgena do salrio mnimo
desempenha importante papel ao garantir um nvel mnimo para o rendimento do trabalho, agindo
como mecanismo de proteo aos trabalhadores cuja insero no mercado de trabalho mais
vulnervel, bem como atuando na reduo da desigualdade de rendimentos, uma vez que impacta
nos rendimentos da mo-de-obra menos qualificada do mercado de trabalho, elevando os salrios
de base. De outro lado, entende-se que a imposio da poltica de salrio mnimo teria pequeno
efeito sobre os rendimentos dos indivduos localizados na base na distribuio, posto que seria
reduzida a parcela de trabalhadores que recebem exatamente o valor do mnimo; portanto aquela
poltica seria virtualmente ineficaz para atenuar a concentrao de renda, podendo, ainda,
acarretar resultados adversos na forma de acelerao inflacionria ou de aumento do desemprego.
A relao entre a poltica de salrio mnimo e a desigualdade na distribuio de renda no
Brasil marcada, portanto, por um ponto de interrogao no que tange aos trabalhos empricos e
por um ponto de divergncia entre os investigadores da rea econmica em relao aos aspectos
tericos. Tendo este debate em vista, a presente monografia foi construda com o intuito
examinar empiricamente as relaes entre o salrio mnimo e a distribuio dos rendimentos do
trabalho no Brasil ps-Real.
O objetivo geral deste trabalho analisar a efetividade da poltica pblica de salrio
mnimo sobre a distribuio de renda no mercado de trabalho da Regio Metropolitana de Porto
Alegre (RMPA) aps a implementao do Plano Real. Especificamente, o trabalho estima o
impacto das elevaes do salrio mnimo e do piso salarial regional gacho sobre a distribuio
do rendimento pessoal do trabalho no perodo de julho de 1994 a dezembro de 2010. Essa anlise
foi realizada para o total de ocupados e para o grupo especfico dos assalariados. Para atingir o
objetivo proposto, dividimos a anlise emprica em duas partes: na primeira delas feita uma
anlise descritiva dos dados sobre os rendimentos do trabalho, enquanto na segunda
apresentada uma estimao economtrica, cujo modelo foi inspirado no trabalho de Cardoso
(1993). A base de dados utilizada a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Convnio Fundao
SEADE/DIEESE/FEE/FGTAS/PMPA e apoio MTE/FAT.
O trabalho est estruturado em trs captulos, alm desta introduo e da concluso. No
primeiro captulo apresentada uma sntese inicial da discusso terica sobre os efeitos do salrio
mnimo na economia, bem como uma anlise histrica da poltica brasileira do salrio mnimo e
15
do piso salarial regional do Rio Grande do Sul, seus critrios de funcionamento e de correo de
valores. Ao final do captulo, construda uma breve avaliao da trajetria do salrio mnimo
nacional em relao aos indicadores de distribuio da renda familiar per capita e do rendimento
pessoal do trabalho nos anos ps-Real.
O segundo captulo apresenta uma reviso compreensiva da literatura nacional sobre o
tema do salrio mnimo e da distribuio de renda. Este captulo inicia com a reviso dos estudos
tericos e empricos que nortearam a discusso sobre os elementos geradores do agravamento da
desigualdade na distribuio da renda durante o perodo da ditadura militar, os quais
impulsionaram a produo de estudos especficos sobre o mnimo. Em seguida, apresenta-se um
panorama da literatura nacional sobre o salrio mnimo em relao s implicaes dessa poltica
na distribuio de salrios e na distribuio de renda em geral que se seguiu aps o debate dos
anos 1960 e 1970. O captulo encerra com uma nota breve sobre os estudos registrados na
literatura internacional.
O terceiro captulo apresenta a estimao dos impactos distributivos das variaes no
salrio mnimo e do piso regional gacho no perodo ps-Real. Aps descrever a fonte de dados,
as variveis e os deflatores utilizados, detalha-se a metodologia empregada na estimao
economtrica. O captulo apresenta uma anlise descritiva dos fatos estilizados e, por fim, discute
os resultados encontrados na anlise economtrica. O trabalho encerra com a concluso, na qual
so sistematizados os principais pontos desta monografia.
16
2 O SALRIO MNIMO: CONCEPES, TRAJETRIA E A INFLUNCIA SOBRE A
DISTRIBUIO DE RENDA
As relaes entre o salrio mnimo (SM) e a distribuio de renda permanecem inconclusas
para os estudiosos da economia, em especial no mbito dos estudos empricos. No que se refere
especificamente economia brasileira, muito embora se admita que os determinantes da
desigualdade de renda, em sua maior parte, sejam de carter estrutural, tambm reconhecido
que as variveis macroeconmicas (inflao, flutuaes na demanda e desemprego) e as variveis
de poltica pblica, dentre as quais se inclui o salrio mnimo, exercem alguma influncia nos
nveis de concentrao de renda (GANDRA, 2004). Para alguns estudiosos, o salrio mnimo
deve ser adotado como instrumento de eficcia imediata, quando o objetivo da poltica pblica
reduzir as heterogeneidades de rendimentos, sendo esse efeito redutor da desigualdade um dos
principais fatores que justificam seu uso.
No obstante a promessa de equidade que transparece da poltica de SM, os resultados dos
estudos empricos no permitem chegar a um consenso sobre a questo. No contexto recente da
economia brasileira, que combina crescimento do PIB, estabilidade inflacionria, aumento do
emprego formal e reduo dos ndices de desigualdade de renda, com elevaes nos valores reais
do salrio mnimo, colocam-se novos questionamentos sobre os efeitos dessa poltica, sejam eles
positivos, sejam eles negativos.
Para analisar as relaes entre o salrio mnimo e a distribuio de rendimentos do
trabalho no novo contexto brasileiro, devemos iniciar por uma avaliao de sua trajetria ao
longo do tempo, bem como dos indicadores de desigualdade de renda. Tendo em vista tal
objetivo, este primeiro captulo organiza-se em trs sees. Na primeira seo, apresentamos uma
breve sntese sobre a discusso dos efeitos do salrio mnimo na economia, realizando-se uma
descrio das vises tericas que compem o debate. Este tema, particularmente quanto s
relaes entre SM e distribuio de renda, ser desenvolvido em maior detalhe no captulo 3. Em
seguida, na segunda seo, estruturada uma anlise histrica da poltica brasileira do salrio
mnimo e do piso salarial regional gacho e mostramos a evoluo dos valores, seus critrios de
17
funcionamento e de correo de valores. Por fim, o captulo encerra avaliando, ainda que de
modo aproximado, a trajetria do mnimo em relao aos indicadores de distribuio da renda
familiar per capita e do rendimento pessoal do trabalho nos anos ps-Real.
2.1 Salrio mnimo e suas consequncias: uma sntese inicial
Ao longo do sculo XIX, os economistas clssicos1 compartilhavam um entendimento
sobre a distribuio de renda em uma economia capitalista como uma disputa, dada uma estrutura
tcnica, entre os juros e lucros do capital e os salrios, em que, quanto maior a variao dos
primeiros, menor a variao do ltimo. Dessa forma, a determinao dos salrios dava-se por
meio de um conflito pela apropriao da renda entre os detentores de capital e os trabalhadores,
que, devido ao maior poder de barganha daqueles em funo da sua maior riqueza e dinmica
demogrfica, faria com que, no longo prazo, o salrio se limitasse ao mnimo necessrio
sobrevivncia do trabalhador. (MEDEIROS, 2005)
Ainda que j presente a hiptese no mbito da economia poltica clssica e sobretudo em
sua crtica marxiana, foram os economistas institucionalistas que assinalaram a existncia de
fatores externos ao mercado de trabalho os quais abriam margem criao de grupos
desvalorizados. Esses fatores externos consistiam, dentre outros, no desequilbrio de acesso
educao e em discriminaes por gnero e por raa, os quais aliados lgica mercantil de
desvalorizao do trabalho no qualificado, condenavam uma grande parcela da mo-de-obra
condio de pobreza, baixa qualificao e baixa remunerao. A busca de proteo a esses
grupos vulnerveis de trabalhadores est na base da criao do SM, introduzindo um ponto de
vista tico na formao dos preos. (MEDEIROS, 2005)
1 O termo economistas clssicos empregado neste captulo refere-se ao grupo de economistas do fim do sculo XVIII e comeo do sculo XIX, liderados por Adam Smith. Essa mesma expresso foi utilizada por Karl Marx com meno aos economistas que embasaram a sua obra em David Ricardo, enquanto Keynes designava como autores "clssicos" aqueles que o antecediam, incluindo entre eles Stuart Mill, Marshall, Edgeworth e Pigou (VASCONCELLOS, 1995).
18
A adoo de salrios mnimos oficiais em diversas economias ao longo do sculo XX
originaram uma discusso inconclusa sobre seus impactos no funcionamento da economia,
inexistindo um modelo terico predominante. Corseuil e Servo (2002), por exemplo, atentam
para uma bipolariadade de correntes de pensamento com foco em diferentes questes, a saber:
Por um lado, a teoria estruturalista-marxista centraliza sua ateno no papel do mnimo na determinao do salrio, ignorando qualquer impacto sobre emprego. Por outro, a teoria neoclssica, apesar de tratar dos efeitos do salrio mnimo sobre outros salrios, concentra-se mais no efeito do salrio mnimo sobre o emprego. (CORSEUIL e SERVO, 2002, p. 2)
Podemos afirmar que os estudos fundamentados em teorias institucionalistas,
sociolgicas, estruturalistas e ps-keynesianas discordam da microeconomia ortodoxa ao
questionarem a capacidade do paradigma de mercado de representar adequadamente os preos
das transaes de trabalho (CAMPOS, 1992, p. 342). Para os tericos desse grupo, sem prejuzo
de diferenas de abordagem entre si quanto a questes especficas, a taxa de salrios seria
determinada pelo ncleo capitalista da economia, variando em funo da acumulao de capital e
da correlao de foras sociais que buscam melhorar sua parcela na diviso do produto, sendo
este piso, no longo prazo, o valor mnimo necessrio para a subsistncia e reproduo do
trabalhador (CORSEUIL e SERVO, 2002).
Essa viso aponta algumas finalidades da fixao exgena, atravs de poltica pblica, de
um valor mnimo dos salrios. Ao estabelecer a poltica de salrio mnimo, independente de sua
abrangncia setorial e regional, quatro alvos podem ser atingidos, quais sejam: i) fixar um piso
para as menores remuneraes, condicionando assim a estrutura salarial; ii) proteger as categorias
de trabalhadores mais vulnerveis, atingindo a mo-de-obra no qualificada e no sindicalizada;
iii) estabelecer normas para que trabalhos iguais recebam remuneraes iguais e iv) dispor de um
instrumento de poltica macroeconmica, buscando-se determinar o nvel da demanda agregada
por meio da alterao na estrutura salarial (CACCIAMALI, 2005).
Alm dos impactos diretos na base da estrutura salarial, o salrio mnimo desencadeia
efeitos no que tange ao processo de determinao dos demais rendimentos da mo-de-obra
situados nos percentis inferiores da distribuio salarial, sendo designados efeito farol, efeito
arrasto e efeito numerrio. O primeiro efeito consiste na influncia dos valores do mnimo sobre a
determinao das remuneraes no setor informal do mercado de trabalho, ou seja, o impacto do
19
salrio mnimo vai alm de sua abrangncia inicial, atingindo tambm aqueles trabalhadores que
no so formalmente cobertos pela poltica. O efeito arrasto, por sua vez, refere-se ao impacto do
reajuste do SM ao impulsionar os salrios situados entre o novo e o velho valor do mnimo. Por
fim, o efeito numerrio corresponde vinculao das remuneraes monetrias a determinados
mltiplos do SM, tanto no setor formal, quanto no informal (DIEESE, 2005). Ainda, o salrio
mnimo desempenha um papel de instrumento de redistribuio de renda aos trabalhadores de
baixa remunerao, uma vez que limita a desigualdade de rendimentos atravs da diminuio do
leque salarial dado um maior nvel dos salrios de base. (FREEMANN, 1996; DIEESE, 2010)
No outro lado do espectro de estudiosos do salrio mnimo, os economistas neoclssicos
contestam essas implicaes benficas da poltica, dentre as quais sua suposta capacidade de
redistribuio de renda. Segundo essa viso, o livre funcionamento dos mercados proporciona os
nveis de preos que equilibram os nveis de oferta e demanda, dentre os quais tambm est o
preo da fora de trabalho. Ao determinar exogenamente o nvel mnimo de salrios, a instituio
de um salrio mnimo distorceria a equivalncia entre o salrio e a produtividade marginal,
impondo um salrio mnimo real em patamar mais elevado do que o salrio de equilbrio.
Conforme esclarecem Soares (2002) e Cacciamalli (2005), os economistas neoclssicos
postulam que os salrios so determinados conforme a produtividade marginal do trabalho; sendo
assim, o principal efeito da implementao de salrio mnimo seria o de acarretar desemprego
involuntrio entre os trabalhadores que recebem menos do que o mnimo, ou seja, dos
trabalhadores que apresentam menor produtividade e que seriam substitudos por um novo mix de
fatores de produo quando ocorresse a adoo de um salrio mnimo em nvel mais elevado. A
nova composio de fatores produtivos passaria a utilizar o fator capital e trabalhadores mais
produtivos em maior intensidade, a fim de compensar a elevao de custo da mo-de-obra.
Ainda, alm da reduo do emprego formal, os aumentos do salrio mnimo tendem a elevar o
emprego informal e, com isso, o grau de informalidade da economia; bem como tendem a
aumentar o diferencial de rendimentos entre os segmentos formal e informal por meio da reduo
dos nveis de salrios do setor informal e, dependendo da forma como estruturado o mercado,
podem desencadear uma elevao geral dos preos, ou seja, inflao (BARROS, 2007; RAMOS
e REIS, 1995).
Segundo Medeiros (2005, p. 14), os economistas desta corrente (neoclssicos)
reconhecem apenas assimetrias externas ao mercado de trabalho, cabendo a intervenes
20
pblicas; este, entretanto, dever ser deixado livre e desregulado. Por este motivo, so melhores
aceitas aquelas polticas compensatrias que agem fora do mercado de trabalho, como por
exemplo, o programa bolsa escola. Essas afirmaes embasaram a extino do chamado Wage
Councils - conselhos que definiam o padro de salrio mnimo segundo os setores econmicos -
vigentes na Inglaterra at 1993, bem como serviram de apoio para a desvalorizao do valor do
mnimo americano durante a dcada de 1980 no governo Ronald Reagan.
Medeiros (2005), assim, resume os trs principais argumentos da linha de pensamento
ortodoxa sobre a imposio de uma poltica de salrio mnimo: i) a poltica contraproducente,
uma vez que implica variaes negativas nos nveis de emprego; ii) ineficiente, pois
desestimula a produtividade do trabalho; e iii) tambm se mostra ineficaz como instrumento de
melhoria da distribuio de renda. No caso brasileiro, alm desses argumentos, sustenta-se que os
acrscimos no valor do mnimo agravariam o desequilbrio das contas pblicas, j que as
transferncias pblicas da Previdncia Social e da Assistncia Social tomam o SM como seu piso
oficial, pressionando o supervit primrio, o qual considerado, por sua vez, um dos pilares de
sustentao da estabilidade de preos.
Essa bipolaridade de vises sobre os efeitos do salrio mnimo no funcionamento da
economia vem sendo alvo de permanente discusso desde sua implementao em 1940 no Brasil.
Se nos ativermos apenas a um perodo recente, observamos que os resultados nas variveis
macroeconmicas entram em choque com as concluses neoclssicas: houve uma grande
valorizao do salrio mnimo real entre 1994 e 2010, atingindo cerca de 122%, e os nveis de
inflao foram mantidos em patamares relativamente baixos, sendo acompanhados por uma
progressiva diminuio das taxas de desemprego desde 2003, uma reduo dos ndices de
informalidade e, ainda, uma queda dos nveis de desigualdade de renda. Ademais, cabe assinalar
que esses resultados ocorreram sem que houvesse mudanas profundas na estrutura da legislao
trabalhista vigente. Os acontecimentos recentes reanimam a importncia da discusso entre as
duas vises, pois o novo contexto econmico de crescimento do produto nacional e de
estabilidade dos nveis de preos, conjuntamente com a melhora dos ndices de emprego e
principalmente da reduo dos nveis de concentrao de renda, coloca em cheque o pensamento
ctico presente nos anos 1990 em relao ao SM. Nessa dcada, defendia-se uma reforma
microeconmica no mercado de trabalho, sem a qual a economia no se sustentaria a longo prazo.
Na dcada seguinte, nos anos 2000, a questo do salrio mnimo na economia vista de modo
21
mais positivo, uma vez que os dados favorveis do mercado de trabalho foram alcanados sem
que a reforma microeconmica tivesse ocorrido.
2.2 A trajetria histrica do salrio mnimo
O salrio mnimo foi introduzido no Brasil pelo presidente Getlio Vargas, durante o
perodo do regime autoritrio do Estado Novo no ano de 1940. A fixao do primeiro salrio
mnimo brasileiro se deu por meio do Decreto-Lei n 2.162, de 01/05/1940, no qual se procurava
garantir as necessidades bsicas do trabalhador individual2, sendo seus valores determinados por
regio:
Art. 1 Fica institudo, em todo o pas, o salrio mnimo a que tem direito, pelo servio prestado, todo trabalhador adulto, sem distino de sexo, por dia normal de servio, como capaz de satisfazer, na poca atual e nos pontos do pas determinados na tabela anexa, s suas necessidades normais de alimentao, habitao, vesturio, higiene e transporte. (BRASIL, 1940, p. 8.009)
O SM comeou a vigorar em julho do mesmo ano com 14 nveis diferenciados conforme
estados e sub-regies3. O maior salrio mnimo encontrava-se no Distrito Federal na poca, a
cidade do Rio de Janeiro , sendo 2,7 vezes maior em relao aos menores nveis, referentes ao
interior do Maranho, Piau, Rio Grande do Norte, Paraba, Alagoas, Sergipe e parte do interior
da Bahia (SABIA, 1985b). Desde ento, o salrio mnimo sofreu profundas alteraes em seu
poder de compra, em sua abrangncia e em seus objetivos. Essas modificaes refletiram
diferentes diretrizes da poltica socioeconmica e condies do contexto econmico, variando, de
um lado, conforme se buscasse elevao ou reduo do consumo interno e, de outro lado, em
funo da evoluo dos preos (DIEESE, 2010).
2 Apenas a partir da Constituio de 1946, o salrio mnimo passou a ser entendido, no texto legal, como um valor suficiente para cobrir as necessidades do trabalhador e de sua famlia. Isto no significou, todavia, que os valores efetivamente praticados tenham atingido a meta normativa. 3 Os primeiros valores foram determinados pelas Comisses de Salrio Mnimo, as quais eram encarregadas por lei de fixar os valores do mnimo para cada regio. Essas comisses eram compostas por igual nmero de integrantes dos empregados e dos empregadores, sendo lideradas por um representante do governo. As comisses foram extintas no incio do governo militar de 1964, quando o processo decisrio dos valores do salrio mnimo passou determinao unilateral do governo.
22
A evoluo do salrio mnimo apresenta sete fases principais, segundo periodizao
proposta em DIEESE (2010) e POCHMANN (2010) 4. Esses recortes da evoluo do mnimo so
baseados na trajetria de seu valor real, bem como no carter da poltica aplicada s variaes de
seus nveis em cada perodo. Os sete perodos considerados so os seguintes:
a) Fase 1: Perodo de implementao (1940-1945);
b) Fase 2: Perodo de ausncia de regras e reduo do valor real (1946-1951);
c) Fase 3: Perodo de elevao e auge (1952-1964);
d) Fase 4: Perodo de arrocho salarial (1965-1975);
e) Fase 5: Perodo de estabilizao (1976-1982);
f) Fase 6: Perodo de corroso (1983-1994);
g) Fase 7: Perodo de recuperao gradual de valor (a partir de 1995).
As sete fases da trajetria do SM podem ser visualmente percebidas no grfico 1. Este
grfico mostra a evoluo do valor real mdio do salrio mnimo em cada ano desde a sua
implantao.
4 DIEESE (2010) prope oito fases para o salrio mnimo, com base nos valores do mnimo da cidade de So Paulo, dividindo o perodo de 1952 a 1959 em duas fases: 1952-1959 (perodo de elevao) e 1960-1964 (perodo de corroso). No presente trabalho, optamos por analisar sempre os maiores valores vigentes do SM ao longo do perodo no unificado da poltica, uma vez que os reajustes diferenciaram-se muito entre as regies, variando, portanto, seu valor real entre elas. Para o grupo de anlise adotado, a classificao que melhor se enquadra para o perodo do auge em nosso entender a classificao de POCHMANN (2010).
23
Grfico 1- Evoluo do salrio mnimo real brasileiro, 1940-2010
Fonte: Ipeadata. Elaborao da autora. Notas: (1) Srie em reais (R$) constantes de julho de 2011, deflator utilizado foi o INPC-IBGE a partir de maro de 1979. Para
perodos anteriores, os deflatores utilizados foram o IGPC-MTB (jan/1948-mar/1979), o IPC-RJ/FGV (jan/1944-jan/1948) e o IPC-SP/FIPE (jul/1940-jan/1944). Os dados desta srie para o perodo em que a legislao federal definia faixas diversificadas referem-se sempre ao maior salrio mnimo vigente no pas. (2) O salrio mnimo anual foi obtido por meio das mdias dos valores mensais.
A primeira fase corresponde implementao e a consolidao da poltica de salrio
mnimo para os trabalhadores do setor urbano, compreendendo o perodo de 1940 a 1945. A fase
marcada pela criao do arcabouo legal de funcionamento e da poltica, incluindo a
organizao das chamadas Comisses de Salrio Mnimo. As revises de valor do mnimo
eram trienais5, ocorrendo, dessa forma, o primeiro reajuste em 1943 a fim de corrigir a perda do
poder de compra decorrente da inflao. O reajuste foi efetivado em duas parcelas, uma em julho
de 1943 e outra em novembro do mesmo ano, com percentuais diferenciados para os maiores e
para os menores nveis do mnimo. Essa fase abrange o final do primeiro governo Getlio
Vargas, sendo caracterizada pelo avano da industrializao e o incio do consequente processo
de urbanizao com os processos migratrios das reas rurais para as reas urbanas
(POCHMANN, 2010; DIEESE, 2010).
5 O salrio mnimo poderia ser modificado antes de ocorrido os trs anos de sua vigncia, caso trs quartos dos componentes da Comisso de Salrio Mnimo reconhecessem a alterao profunda da situao econmica e financeira da regio, zona ou subzona em questo, segundo o artigo 46 do Decreto lei n 399, de 30/04/1938. (BRASIL, 1938)
24
A fase seguinte corresponde aos anos entre 1946 e 1951, perodo que coincide com o
governo de Eurico Gaspar Dutra. Nesse intervalo, o salrio mnimo completou oito anos sem
reajustes, contrariando a determinao legal de um prazo mximo de trs anos para a reviso dos
valores. O perodo foi caracterizado pela perda do poder de compra em funo das altas taxas
inflacionrias do perodo cerca de 15% ao ano na mdia de 1944 a 1951, segundo o IPC-FIPE
para a cidade de So Paulo , bem como houve inmeras aes realizadas pelo governo no
sentido de desestruturar a proteo trabalhista construda no governo anterior (DIEESE, 2010).
Esta grande compresso do poder de salrio mnimo implicou a reduo de sua influncia na
determinao de piso salarial no setor urbano, havendo fortes indcios de que no final da dcada
de quarenta, parcela significativa dos empregados urbanos recebia mais do que o salrio mnimo
(SABIA, 1985b, p. 44).
O perodo subsequente, compreendido entre os anos de 1952 e 1964, caracterizado pela
elevao do poder de compra do salrio mnimo, com ganhos reais significativos, bem como por
seu maior valor em termos reais em toda a srie analisada, o que ocorreu principalmente ao longo
do governo Juscelino Kubistchek (JK). O perodo tambm marcado pela reduo gradativa da
periodicidade dos reajustes: em sua implementao os reajustes eram trienais, passando, no incio
da dcada de 1950, para um intervalo entre dois anos e dois anos e meio, e chegando ao final do
perodo com reajustes anuais. Essa reduo nos intervalos entre os reajustes auxiliou na
manuteno do poder de compra do mnimo em um contexto de inflao. Foram realizadas oito
elevaes entre dezembro de 1951 e outubro de 1964: duas no governo Getlio Vargas, trs no
governo de JK e trs no governo Joo Goulart. O primeiro reajuste dessa fase foi realizado por
Vargas em dezembro de 1951, com o objetivo principal de recuperao do poder aquisitivo do
mnimo, o qual fora comprimido nos oito anos de ausncia de correo (SABIA, 1985b). O
segundo reajuste foi concedido dois anos e meio depois, vigorando a partir de julho de 1954,
tambm pelo mesmo presidente6. O governo JK, por sua vez, realizou trs reajustes: em agosto de
1956, em janeiro de 1959 e, por fim, em outubro de 1960, ano da transferncia do Distrito
Federal para Braslia. Segundo Sabia (1985b), o avano observado durante o governo de JK se
6 O reajuste deu-se no meio de uma forte crise poltica do governo de Getlio Vargas, a qual desencadeou o seu suicdio nesse mesmo ano. A elevao do SM gerou fortes e imediatas reaes por parte da oposio e do empresariado, sendo o presidente acusado de demagogo, por estar criando uma falsa iluso para o operariado, na medida em que os reajustes concedidos prejudicaram a pequena e mdia empresa, criando desemprego e elevando o custo de vida (SABIA, 1985b, p. 51).
25
d por meio de uma poltica liberal de reajustes que proporcionou uma elevao dos patamares do
mnimo. J o governo de Goulart proporcionou trs reajustes, com certo aumento da participao
dos empregados na deciso do mnimo, sendo o primeiro em outubro de 1961, o segundo
vigorando a partir de janeiro de 1963 e, finalmente, em fevereiro de 1964, um ms antes do golpe
militar.
Ainda, nesse perodo, o cenrio brasileiro configurou-se por um perodo de alta
produtividade, de sindicatos com maior poder de barganha e de governos de cunho populista,
propiciando que o mnimo atingisse o seu pico histrico em 1961 com o valor mdio de
R$799,75 a preos de julho de 2011. Esse processo de grandes acrscimos no valor do mnimo
configurava-se como um componente do conjunto de medidas tomadas para a promoo da
industrializao, adotadas pelos governos Vargas, Kubitschek e Goulart, via expanso do
consumo interno e atendimento s demandas trabalhistas7 de incorporao dos ganhos de
produtividade aos salrios (DIEESE, 2010; LCIO, 2005).
A quarta fase do salrio mnimo ocorreu ao longo do perodo compreendido entre 1965 e
1975, caracterizando-se pela compresso do poder aquisitivo durante a primeira metade do
perodo de ditadura militar. Segundo Sabia (1985b), o Plano de Ao Econmica do Governo
(PAEG), proposto pelo Governo de Castelo Branco, identificava as elevaes salariais em
magnitudes superiores produtividade como uma das principais causas do processo inflacionrio
vivenciado na poca, juntamente com o dficit pblico e a expanso de crdito s empresas.
Dessa forma, o plano implementou uma nova poltica salarial, que buscava a manuteno do
salrio mdio e associava os aumentos reais exclusivamente aos aumentos de produtividade. As
decises sobre a poltica salarial eram centralizadas no poder Executivo, retirando-se o poder
normativo da Justia do Trabalho e transmutando o SM em um elemento da poltica
essencialmente macroeconmica do governo (DIEESE, 2010, p. 105).
Ao longo dos primeiros anos dos governos militares, a poltica salarial focava na
manuteno do poder aquisitivo mdio dos salrios, de forma que os salrios eram alterados, em
parte, com base em uma previso da inflao futura. Como o perodo se caracterizou por altas
taxas inflacionrias e os nveis de preos futuros foram sistematicamente subestimados para fins
7 O perodo foi marcado por grandes e importantes mobilizaes trabalhistas e greves. Houve duas grandes greves dos setores mais organizados. Em 1953, ao longo do segundo governo Vargas houve a Greve dos 300 mil e em 1957, durante o governo JK, ocorreu a Greve dos 400 mil, ambas em So Paulo. Ver Gomes (2002) e DIEESE (2010).
26
de correo salarial, os reajustes no se mostraram suficientes para manter o poder aquisitivo do
SM e dos salrios em geral. O valor real dos salrios foi sistematicamente comprimido, uma vez
que no foi realizada correo posterior da diferena entre o percentual inflacionrio efetivo e o
estimado (resduo) durante 1965 a 1968, acarretando uma grande perda de poder de compra do
SM (BRASIL, 2000). Esse perodo correspondeu maior compresso salarial da histria do pas,
conforme Sabia (1985b), com reduo de cerca de 21% no salrio mdio real anual. Apenas a
partir de julho de 1968, incluiu-se o resduo inflacionrio no clculo do reajuste do salrio
mnimo. Essa reduo de poder aquisitivo do SM se deu em meio represso poltica da ditadura
militar, oprimindo-se severamente as manifestaes de insatisfao e de oposio s polticas
governamentais por parte dos trabalhadores, cujo pice se deu com a instituio do Ato
Institucional 5 (AI5) em dezembro de 1968.
Nos anos posteriores, durante o governo Mdici, observa-se um contraste entre as
elevadas taxas de crescimento do produto nacional e pela manuteno dos nveis de salrio
mnimo. Em 1974, j no incio do governo Geisel, o mnimo sofreu um reajuste em maio, mas os
baixos nveis ps-1964 foram mantidos. Em relao periodicidade dos reajustes tornaram-se
anuais at 1978, com exceo do ano de 1974, em que foram concedidos dois reajustes. Em 1969,
o reajuste passa a vigorar a partir de 1 de maio.
A quinta fase de evoluo do SM compreende os anos de 1976 a 1982, um perodo
marcado pela manuteno do valor real do mnimo. Como as reivindicaes trabalhistas
recuperam certo espao de atuao ao final da dcada, os movimentos reivindicatrios
conseguiram como resposta do governo Figueiredo uma alterao da legislao salarial no ano de
1979, quando os reajustes passam a ser realizados com periodicidade semestral e diferenciados
segundo o nmero de salrios mnimos recebidos mensalmente pelos trabalhadores. A nova lei,
ainda, retomava o poder normativo da Justia do Trabalho. Os salrios com valor de at trs
salrios mnimos passam a ser reajustados com o percentual de 110% da inflao mensurada pelo
recm-criado ndice Nacional de Preos ao Consumidor (INPC). Para os trabalhadores que
recebiam entre trs e 10 salrios mnimos e para aqueles que recebiam acima de 10 salrios os
nveis de reajuste eram diferenciados, sendo corrigidos em 100% e em 80% do INPC,
respectivamente. Esse critrio de reajuste foi posto em prtica por apenas trs vezes, at
novembro de 1980. Segundo DIEESE (2010), esse mtodo de reajuste permitiu uma recuperao
momentnea dos valores do SM. A partir da de 1981, contudo, o Brasil passou a vivenciar um
27
ambiente de recesso econmica, o que acarretou na modificao da poltica do salrio mnimo
em maio do mesmo ano.
O perodo que segue, compreendendo os anos entre o incio da dcada de 1980 e o incio
da dcada de 1990, caracterizado por uma forte corroso nos valores reais do mnimo, em
funo da acelerao inflacionria e dos planos econmicos sem sucesso implementados no
perodo. Conforme DIEESE (2010, p. 106),
Em diversos planos governamentais dessa fase, os salrios foram convertidos mdia do poder de compra de perodo anterior (como no Plano Cruzado, de 1986; no Plano Vero, de 1989; e nos Planos Collor I, de 1990, e Collor II, de 1991). Na medida em que, depois de convertidos mdia, o plano fracassava e a inflao voltava a recrudescer, o valor mdio no momento da introduo do plano passava a ser o novo poder de compra de referncia para as reivindicaes posteriores. Ou seja, a mdia (do perodo anterior) se tornava o pico (do perodo ps-plano), fazendo com que, plano aps plano, os salrios fossem rebaixados.
Nessa fase, o salrio mnimo foi nacionalmente unificado em maio de 1984, passando a
existir um nico valor para todo o territrio brasileiro. Ainda, a partir da Constituio de 1988,
houve a incorporao dos trabalhadores rurais e das empregadas domsticas na abrangncia da
poltica do salrio mnimo. A periodizao dos reajustes, que eram semestrais at 1985, reduziu-
se at vir a ser mensal, com algumas excees, de 1987 at metade de 1994.
A stima e ltima fase situa-se a partir dos meados da dcada de 1990, quando ocorre a
estabilizao dos preos. Neste contexto, h uma elevao gradual do poder de compra do salrio
mnimo em virtude de reajustes geralmente em percentuais superiores aos da inflao. Os
reajustes ocorridos entre o final de 1994 e o ano de 2010 acumularam 628,6% de reajuste
nominal, elevando-se de R$ 70,00 em setembro de 1994 para R$ 510,00 em janeiro de 2010,
enquanto a inflao foi de 228,5% segundo o INPC. Por conseguinte, os reajustes do salrio
mnimo obtiveram aumento real de 121,8% de ponta a ponta. Analisando por perodos de
governo, do final de 1994 at o final do segundo governo de Fernando Henrique, em 2002, o
salrio mnimo obteve um acrscimo de 44,3% em termos reais. Do ano de 2003 a 2010, ao longo
do governo Luiz Incio Lula da Silva, o crescimento do mnimo atingiu a marca de 53,7% acima
da inflao. A evoluo dos valores, bem como dos reajustes ps-Real esto relatados na tabela 1.
28
Tabela 1 - Evoluo dos reajustes do salrio mnimo, Brasil, 1995-2010
Fonte: DIEESE, IBGE.
Elaborao da autora.
No perodo aps o Plano Real, os anos de maiores acrscimos do valor real do salrio
mnimo no ms de seu reajuste foram os anos de 1995 (22,62%), 2001 (12,17%), 2005 (8,23%) e
2006 (13,02%). No ano de 2010, o poder aquisitivo mdio anual do salrio mnimo foi 104,2%
superior ao de 1994. Ainda assim, o poder de compra mdio do salrio mnimo de 2010
representou apenas 68% do poder de compra vigente em 1961, ano do pico do seu valor.
Quanto aos salrios em geral, o Plano Real caracteriza-se pela ausncia de uma poltica
salarial, distinguindo-se dos planos econmicos anteriores ao efetivar um processo de
desindexao da economia, sobretudo de salrios, com o fim de controlar o aumento generalizado
dos preos. At o ano de 2005, os reajustes do SM se deram sem critrios explicitamente
definidos, sendo determinados conforme o contexto da poltica e da economia, alternando
perodos de grandes elevaes com perodos de pequenas correes. J desde 2006 o salrio
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29
mnimo tem sido guiado por uma poltica de valorizao com base em critrios para a correo
dos valores visando garantia de aumentos reais. Nesse mesmo ano, o reajuste do mnimo passou
a ser definido pela inflao acumulada no perodo entre os reajustes, medida pelo INPC-IBGE,
sendo acrescentado um ganho real equivalente ao percentual de crescimento do PIB per capita do
ano anterior (BRASIL, 2005). A partir de 2009, essa regra foi modificada. Pela nova regra, alm
do percentual acumulado da inflao, a magnitude do aumento real passou a ser determinada pelo
percentual de crescimento real do PIB brasileiro de dois anos anteriores (BRASIL, 2008). Tal
critrio foi aplicado nos anos posteriores, sendo o critrio vigente para a determinao do reajuste
de 2012 previsto na Lei Oramentria Anual (BRASIL, 2011a) 8.
Outro aspecto importante da ltima e mais recente fase do salrio mnimo o retorno dos
salrios mnimos regionais, porm com uma lgica de funcionamento diferenciada daquela
exercida em perodos anteriores. Em 2000, entrou em vigor a Lei Complementar n 103, de
14/07/2000, a qual permitiu aos estados e ao Distrito Federal instituir pisos salariais regionais
(PSR) para aqueles empregados que no tenham piso definido em lei federal ou em conveno ou
acordo coletivo de trabalho (BRASIL, 2000). Assim, cria-se uma segunda modalidade de
poltica de patamar mnimo de remunerao existente no Brasil. Segundo DIEESE (2010), esta
novidade explica-se em face de um novo acordo do governo brasileiro com o Fundo Monetrio
Internacional (FMI) celebrado em 1998, em que foram impostas, em contrapartida ao auxlio
financeiro prestado pelo Fundo, medidas de ajuste fiscal atravs de reduo nas despesas
governamentais. Dessa forma, com o objetivo de preservar as contas da previdncia e o nvel das
despesas pblicas, o governo optou por no reajustar o salrio mnimo em percentuais muito
acima da inflao. Em contrapartida, props a introduo de valores mais elevados a serem
praticados naqueles mercados de trabalho das unidades de federao com maior poder
econmico, em que o nvel salarial praticado j se encontrava em patamares mais elevados. Essa
proposio, que dependia da aprovao de lei estadual especfica, possibilitou aumentos de pisos
em alguns estados sem comprometer o oramento pblico federal, visto que a despesa afetaria
apenas as finanas estaduais. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul foram os primeiros estados
a adotar o piso regional a partir de 2001. Posteriormente instituram os seus pisos os estados do
Paran (2006), So Paulo (2007) e Santa Catarina (2010).
8 Ver Lei das Diretrizes Oramentrias (LOA) dos anos referidos. Todas essas leis esto disponveis em: .
30
O piso salarial regional atua determinando diferentes nveis de remunerao mnima do
trabalho, em que cada faixa salarial corresponde a um grupo de categorias profissionais
especficas sobre as quais vigoram a lei do PSR, caso os empregados no tenham um patamar
mnimo de remunerao definido em lei federal, em conveno ou em acordo coletivo de
trabalho. O nmero de faixas, bem como os valores do PSR varia de um estado a outro. No Rio
Grande do Sul, especificamente, o piso salarial regional divide-se em quatro faixas de nveis
salariais distintos desde a sua criao (tabela 2), em que cada uma delas corresponde a um grupo
de categorias profissionais conforme o apresentado na tabela 3. Um aspecto importante desta
poltica regional gacha que, a partir de 2003, o valor do piso salarial regional da faixa de maior
valor passa a ser garantido aos funcionrios pblicos estaduais, abrangendo tanto os funcionrios
ativos, quanto os aposentados. Porm, no so includos funcionrios do setor pblico municipal.
Tabela 2 - Evoluo dos reajustes do piso salarial regional, Rio Grande do Sul, 2001-2010
Fonte: Leis estaduais - vrios anos, IBGE. Elaborao da autora.
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Tabela 3 - Composio ocupacional das faixas do piso salarial, Rio Grande do Sul, 2010
Fonte: Leis estaduais 2010. Elaborao: DIEESE.
O piso salarial regional praticado no Rio Grande do Sul segue a trajetria de crescimento
real do salrio mnimo nacional conforme observamos no grfico 1. O valor mdio real do piso
salarial gacho no primeiro ano de sua implementao apresentou-se 28% superior ao salrio
mnimo real mdio nacional, sendo reduzida essa diferena com o decorrer dos anos em funo
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32
de reajustes inferiores aos aplicados ao mnimo nacional. Em 2010, a diferena entre os seus
valores mdios reais alcanou 5%.
Grfico 2 - Evoluo do salrio mnimo nacional e do piso salarial regional (faixa I), Brasil e Rio Grande do Sul, 2001-2010
Fonte: Leis estaduais - vrios anos, Ipeadata, IBGE. Elaborao da autora.
Notas: (1) Deflator INPC-IBGE, srie em reais (R$) constantes de julho de 2011. (2) O salrio mnimo nacional anual e o piso salarial regional anual foram obtidos por meio das mdias dos valores mensais.
Apesar desta poltica de nvel mnimo de remunerao do trabalho no cobrir a totalidade
das categorias, a sua abrangncia potencial bastante considervel. A Fundao de Economia e
Estatstica (2011) realizou um estudo sobre a abrangncia potencial do piso salarial regional9,
analisando-se seis categorias, quais sejam: empregados domsticos; construo civil em geral;
vesturio, artefatos de tecidos e calados; atividades ligadas a hospitais, clnicas, etc.; comrcio
de mercadorias, atacadista e varejista e metalrgica, mecnica, material eletrnico e material d
transporte. Para o emprego total, a abrangncia potencial quase a metade, sendo 47% da fora
de trabalho empregada no setor privado tanto em 2001, quanto em 2010. O mesmo estudo, ao
analisar o setor formal do emprego, aponta que a cobertura potencial do PRS mantm-se, sendo
9 Conforme consta no artigo 3 da Lei n 11.647 de 2001, o PSR no valido em caso de uma categoria de trabalhadores ter piso salarial definido em lei federal, conveno ou acordo coletivo. Porm, este recorte especfico na base no comportado pela base de dados PED-RMPA, impossibilitando estimar precisamente a cobertura efetiva desta poltica, porm se constitui uma noo de cobertura potencial desta legislao estadual.
@.*$ - 3$ A+$
33
48% do total de trabalhadores do setor privado formal cuja jornada de trabalho superior a 40
horas semanais na RMPA no mesmo perodo.
Em sntese, desde a sua implementao em 1940 no Brasil, o salrio mnimo passou por
diferentes fases no que tange forma de fixao e de abrangncia, ao seu papel na poltica
econmica e, por conseguinte, aos seus nveis de poder de compra. Essas variaes implicaram
flutuaes nos nveis de rendimentos e, segundo alguns estudos, nos indicadores de disparidades
de renda. So essas variaes na distribuio que a prxima seo busca analisar a partir de
anlise descritiva dos dados nacionais.
2.3 O salrio mnimo e a distribuio de renda no Brasil ao longo do perodo ps-Real
A distribuio de renda acarreta um impacto direto sobre o bem-estar social na medida
em que as sociedades tm preferncia por equidade (BARROS e MENDONA, 1995). Por
conta desse efeito de aumento do bem-estar, diversas polticas tm sido adotadas com o fim de
reduzir as disparidades de rendas, dentre elas a de salrio mnimo. nesse sentido que buscamos
analisar a relao entre duas variveis: SM e concentrao de renda.
Quando se compara a evoluo do SM e da distribuio de renda brasileira no perodo
aps Plano Real (1995-2010), nota-se que os movimentos dessas duas variveis esto
correlacionados, pois paralelamente aos aumentos reais do salrio mnimo, a distribuio de
renda familiar per capita tornou-se menos desigual, como podemos observar nos grfico 3. O
ndice de Gini da renda familiar per capita iniciou uma trajetria descendente em 2001 que se
prolonga at os dias atuais, com uma queda mdia de 0,004 pontos ao ano. De 1995 a 2009, o
ndice reduziu-se 9,62%, sendo que, somente entre 2001 a 2009, o percentual de queda atingiu
8,95%. O ponto em que se deu a maior reduo apresentou-se no ano de 2008, com queda de
10 O ndice de Gini mede o grau de desigualdade na distribuio da renda entre os indivduos. Seus valores variam de 0, quando no h desigualdade (as rendas de todos os indivduos tm o mesmo valor), at 1, quando a desigualdade mxima (apenas um indivduo detm toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivduos nula). Assim, quanto maiores os valores desse ndice, mais desiguais so as condies de distribuio de renda. O ndice de Gini uma das mais difundidas medidas de desigualdade de renda, caracterizada como medida sensvel a mudanas em torno da mediana da distribuio. Foi proposto por Corrado Gini em 1914 (HOFFMANN, 1998b).
34
0,008 pontos do ndice de Gini. Essa queda indita, visto que ocorre aps um longo perodo de
quatro dcadas de ampliao desse ndice no Brasil, sendo que a tendncia de crescimento da
concentrao de renda evidenciada pelo ndice era apenas intercalada por perodos de
estabilidade ou por ligeiras quedas que eram superadas por um aumento posterior (SOARES,
2011).
Grfico 3 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini da renda familiar per capita Brasil, 1995-2009
Fonte: Ipeadata. Elaborao da autora. Notas: (1) Salrio mnimo em reais (R$) a preos constantes de julho de 2011, deflator INPC-IBGE. (2) Srie do
ndice de Gini calculada a partir das respostas Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD-IBGE), excluindo-se as pessoas da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.
Esse movimento de queda da desigualdade dos rendimentos foi impulsionado pelo salrio
mnimo, segundo IPEA (2011). A explicao encontra-se nas transformaes da estrutura
produtiva brasileira recente, que proporcionaram um aumento da participao dos rendimentos do
trabalho no total da renda. O crescimento econmico da ltima dcada proporcionou a
diminuio do desemprego, bem como a maior variao positiva nos nveis de emprego dos
ltimos 50 anos, superando em 44% a quantidade de postos de trabalho criados nos anos 1980 e
1990 (IPEA, 2011). Esse crescimento de vagas adveio principalmente do setor tercirio, setor em
que a remunerao localiza-se na base salarial. Aproximadamente 95% do saldo dos postos de
trabalho criados ocorreram nas ocupaes cuja remunerao situa-se em torno do salrio de base
6+3+
B$+C$ - 3$ $+$
35
com remunerao de at 1,5 salrio mnimo. O incremento do nmero de empregos nessa faixa
salarial deve-se mudana da estrutura produtiva nacional, em que o setor tercirio da economia
aumentou a sua participao relativa no total da produo em detrimento da participao dos
outros setores. Esse movimento implicou, ainda, alteraes na composio da ocupao da fora
de trabalho. Por conseguinte, a expanso observada dos empregos com remuneraes prximas
ao salrio de base, combinada com a recuperao do poder de compra do salrio mnimo,
permitiu que grande parcela da fora de trabalho se deslocasse da situao de pobreza e passasse
a compor a base da pirmide social (com ganhos de at 1,5 salrio mnimo), reduzindo a
desigualdade de rendas do trabalho. (IPEA, 2011)
Segundo Soares (2011), ao decompor o ndice por fontes de renda, cerca de um tero da
queda da desigualdade observada nos rendimentos entre 1995 e 2009 originou-se de
transferncias governamentais (especialmente do programa Bolsa Famlia), enquanto dois
teros restantes da queda do ndice de Gini so provenientes do mercado de trabalho. E destes,
quase um quarto se deve ao Salrio Mnimo, mostrando que o mesmo teve efeitos distributivos
importantes (SOARES, 2011, p.11).
Dessa forma, destaca-se a importncia dos rendimentos do trabalho para a reduo dos
indicadores de desigualdade de renda, tornando-se imprescindvel sua anlise para o
entendimento da trajetria da concentrao de renda e o impacto do SM nesse indicador. Posto
isso, no que tange anlise da desigualdade do rendimento pessoal do trabalho e do salrio
mnimo, nota-se tambm uma forte correlao entre as duas variveis, conforme podemos
observar no grfico 3. O ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho tambm apresenta
ritmo de queda, entretanto ligeiramente superior ao ndice familiar per capita, com uma reduo
mdia de 0,005 pontos ao ano. De 1995 a 2009, o ndice reduziu-se em 11,45%, sendo que o
percentual da queda atingiu 8,48% entre 2001 a 2009. O ponto em que se deu a maior reduo
apresentou-se no ano de 2007, com queda de 0,013 pontos do ndice de Gini. Essa maior reduo
ocorreu no ano posterior ao do grande aumento real do salrio mnimo ocorrido em 2006
(13,04%), que, em conjunto com a elevao de 5,10% em 2007, indicam uma possvel influncia
do mnimo sobre a distribuio de renda. 11 O Bolsa Famlia consiste em um programa do governo federal de transferncia direta de renda, objetivando beneficiar famlias em situao de pobreza e de extrema pobreza. Este programa transfere renda s famlias com renda per capita de at R$ 140 mensais e, dependendo de alguns condicionantes (como nmero e da idade dos filhos), o valor do benefcio oscila entre R$ 32,00 a R$ 242,00 (BRASIL, 2011b).
36
Grfico 4 - Salrio mnimo nacional e ndice de Gini do rendimento pessoal do trabalho, Brasil, 1995-
2009
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra a Domiclios (PNAD/IBGE). Elaborao da autora. Notas: (1). Salrio mnimo em reais (R$) a preos constantes de julho de 2011, deflator INPC-IBGE. (2) Srie do
ndice de Gini da distribuio do rendimento real mdio mensal de trabalho das pessoas ocupadas na semana de referncia, com rendimento de trabalho, excluindo-se as pessoas da rea rural de Rondnia, Acre, Amazonas, Roraima, Par e Amap.
A partir da anlise descritiva dos dados brasileiros ao longo do perodo recente de
estabilizao inflacionria, nota-se uma associao entre o crescimento do salrio mnimo e a
reduo dos indicadores de desigualdade de renda, tanto para a renda familiar per capita, quanto
para o rendimento pessoal do trabalho. Devido grande participao dos rendimentos do trabalho
para a melhora dos indicadores de disparidades de rendimentos, a anlise descritiva e a anlise
emprica dos dados da Regio Metropolitana de Porto Alegre no captulo trs se concentraro
nesse grupo, objetivando observar os efeitos da poltica de determinao exgena do salrio sobre
os rendimentos.
6+3+
B$+C$ - 3$ $+$
37
3 SALRIO MNIMO E DISTRIBUIO DE RENDA: REVISO DE LITERATURA
A discusso acerca dos efeitos do salrio mnimo (SM) sobre o mercado de trabalho no
Brasil no nova. Ela remonta ao perodo da ditadura militar, quando o tema ganhou fora em
face da reduo continuada do salrio real por meio de medidas de arrocho salarial. Segundo
Corseuil e Servo (2002), os trabalhos sobre o salrio mnimo no contexto brasileiro podem ser
divididos em trs grupos distintos, conforme o foco da anlise: i) os que analisam os impactos do
SM na distribuio de salrios; ii) os estudos sobre a relao entre o mnimo e a distribuio de
renda; e iii) os estudos que tratam de outros efeitos do salrio mnimo sobre o mercado de
trabalho.
A divulgao do Censo de 1970 revelou um crescimento da concentrao de renda em
relao ao ano de 1960, evidenciando o aumento na desigualdade distributiva da renda pessoal ao
longo da dcada. Esse fato direcionou os trabalhos acadmicos da simples medio da
distribuio dos rendimentos para a interpretao do fenmeno, ou seja, para as possveis origens
do forte aumento dos indicadores de desigualdade de renda ocorrido na dcada de 1960. Nesse
momento, o tema salrio mnimo inseriu-se na discusso mais abrangente das causas do aumento
observado na concentrao de renda.
A partir do final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980, o debate sobre o papel do SM
muda de forma, direcionando o foco de anlise para a forma com a qual o mnimo determina a
taxa de salrios da economia, ou seja, o salrio-base pago aos trabalhadores no-qualificados, e
suas implicaes na distribuio dos salrios (CAMPOS, 1992). J, os trabalhos mais recentes,
por sua vez, dirigem-se, primordialmente, aos efeitos dessa poltica na distribuio salarial
(ULYSSEA e FOGUEL, 2006).
Tendo em vista esta evoluo dos estudos sobre o salrio mnimo na literatura brasileira
especializada, o presente captulo organiza-se em trs sees. A primeira seo apresenta uma
reviso dos estudos tericos e empricos que nortearam a discusso sobre os elementos geradores
do agravamento da desigualdade na distribuio da renda ao longo da ditadura militar, os quais
serviram de pivot para a introduo de estudos especficos sobre o mnimo. A seo segunda
38
expe um panorama da literatura nacional sobre o salrio mnimo, no que tange s implicaes
dessa poltica na distribuio de salrios e na distribuio de renda, que se seguiu aps o debate
dos anos 1960 e 1970. Por ltimo, a seo terceira desenvolve, de modo complementar s
antecedentes, um breve quadro sobre os estudos realizados na literatura internacional.
3.1 O debate sobre a distribuio de renda nos anos 1960-1970
O debate sobre os determinantes do aumento na concentrao de renda entre 1960 e 1970
dividiu-se em duas vertentes de interpretao distintas. De um lado, agrupavam-se os estudiosos
que defendiam que a piora da distribuio de renda era um fruto do modelo de crescimento da
economia e das polticas econmicas e sociais de cunho estabilizante adotadas pelo governo
desde 1964, principalmente no que tange compresso do salrio mnimo real. Uma segunda
abordagem explicava o acrscimo da desigualdade com fundamento na teoria neoclssica da
determinao da taxa de salrios na economia ou, mais especificamente, na teoria do capital
humano, associando a menor remunerao relativa paga mo-de-obra no-qualificada ao
crescimento da desigualdade na distribuio da escolaridade na populao. (WELLS, 1975)
A teoria neoclssica da determinao da taxa de salrios considera a concentrao de
renda como um desequilbrio temporrio nos mercados de fatores de produo, resultando de
uma economia em processo de crescimento acelerado, mas que no longo prazo se direciona a um
equilbrio geral. No equilbrio geral, a inexistncia de desigualdade pressupe a existncia de i)
um mercado de trabalho atomizado (grande nmero de demandantes e de ofertantes de fator
trabalho), ii) de fora de trabalho homognea (seus ofertantes so substitutos perfeitos uns dos
outros); iii) de informao completa e iv) de ausncia de barreiras (estruturais e estratgicas)
entrada e sada de empresas.
Essa viso, em sntese, atenta ao fato de que o aumento abrupto da demanda por trabalho
qualificado em uma economia cuja oferta desse tipo de mo-de-obra mais inelstica quando
comparada elasticidade do trabalho no-qualificado, acarreta a elevao da renda paga ao
trabalho qualificado como mecanismo de equilbrio das curvas de oferta e demanda por esse tipo
de trabalho. A outra abordagem da teoria convencional, a teoria do capital humano, encontra nas
39
diferenas de escolaridade a explicao para as diferenas pessoais de rendimentos. De uma
maneira geral, a teoria considera que a produtividade marginal do trabalhador aumenta conforme
seus anos de estudo e, dessa forma, a contrapartida no mercado so os acrscimos de salrio real.
A varivel idade considerada na teoria como um indicador de experincia: quanto maior a
experincia, maior a produtividade, o que tambm se reflete em ganhos de salrio real. (WELLS,
1975; MALTA, 2010)
Ao combinar ambas as teorias capital humano e desequilbrio no mercado de fatores em
uma economia em rpido crescimento, Carlos Geraldo Langoni analisa as causas do agravamento
da desigualdade de rendimentos ocorrido ao longo da dcada de 1960 em sua obra Distribuio
de Renda e Desenvolvimento Econmico do Brasil, cuja primeira edio foi divulgada em julho
de 1973. Essa obra fora encomendada pelo Ministrio da Fazenda e a viso de Langoni foi
adotada como a interpretao oficial do governo, a fim de justificar a elevao da desigualdade
de rendimentos em meio ao contexto de grandes ndices de crescimento da atividade econmica
durante o perodo do chamado Milagre Econmico. Ao longo do trabalho, Langoni defende que a
piora da distribuio de renda foi uma consequncia das modificaes ocasionadas pelo processo
de crescimento econmico brasileiro entre os anos de 1960 e 1970, as quais implicaram o
deslocamento do trabalho das atividades rurais para as urbanas e, dentro do setor urbano, dos
setores tradicionais para os setores modernos, ou seja, de setores de menor para os de maior
remunerao. Esse abrupto processo de deslocamento acarretou descompasso entre a oferta e a
demanda por trabalho qualificado, trazendo, assim, nveis de remunerao relativamente maiores
queles indivduos com maior escolarizao. Segundo as palavras de Delfim Netto no prefcio
do livro
Langoni prova que o aumento observado de desigualdade conseqncia direta dos desequilbrios de mercado caractersticos do processo de desenvolvimento. Deste modo, o comportamento das rendas relativas reflete, primordialmente, o processo intenso de diferenciao da fora do trabalho causada pela rpida expanso dos setores modernos. Nestes setores, entretanto, a mo-de-obra altamente produtiva, recebendo, por isso mesmo, nveis de remunerao relativamente elevados, ainda que sua disperso seja maior. (DELFIM NETTO, 1978, p. 13-14)
A estrutura do trabalho de Langoni (1978) construda com objetivo de explicar os
diferenciais de renda individuais, uma vez que o uso de dados individuais de renda que
permitem descrever o perfil da distribuio sem nenhum ajustamento artificial (LANGONI,
40
1978, p. 19). Aliado a esse argumento, aps realizar o perfil da distribuio de renda de 1970,
conclu que a opo por analisar a renda individual ou familiar, praticamente no altera as
medidas de desigualdade: a participao de 10+ passa de 46,47% para 45,91%, e o ndice de Gini
permanece inalterado em torno de 56% (LANGONI, 1978, p.205).
Em sua obra, Langoni (1978) analisou a distribuio de renda nos anos de 1960 e 1970
com base em dados do Censo Demogrfico, do Imposto de Renda e da Lei dos 2/3. Esses dados
foram desagregados por regies e por setores econmicos (setor primrio, secundrio e tercirio).
A concluso geral foi assim exposta pelo autor:
Os resultados sugerem um aumento inequvoco na desigualdade da renda entre 1960 e 1970: todos os grupos apresentaram reduo em sua participao relativa no total da renda em favor dos 10% mais elevados. Com isto, a participao dos 10+ passou de 39,66% em 1960 para 47,79% em 1970 e o ndice de Gini aumentou cerca de 14%. (LANGONI, 1978, p. 206),
A partir desta constatao, o autor busca mostrar as causas da piora na desigualdade de
renda no mercado de trabalho brasileiro. Para isso, realizou inmeras anlises dos dados atravs
de correlaes entre os nveis de desigualdade de renda e variveis que, segundo ele, refletiriam o
progresso tecnolgico proporcionado pelo crescimento da economia, como os movimentos
migratrios do campo para reas urbanas, o ingresso de jovens e de mulheres no mercado de
trabalho e os aspectos regionais. A ideia central defendida por Langoni (1978) considera que o
agravamento da concentrao de renda deriva das modificaes geradas pelo processo de
desenvolvimento econmico brasileiro ao longo da dcada de 1960. Grande parte desse
agravamento provm de mudanas alocativas (regional e setorial) e de mudanas qualitativas
(nvel de educao, idade e gnero). (LANGONI, 1978)
A partir dos dados dos censos demogrficos de 1960 e 1970, Langoni (1978) investigou o
impacto marginal dos nveis de educao, da idade, do sexo, da atividade e da regio sobre a
renda por meio de regresses log-lineares. A grosso modo, utilizou um modelo economtrico em
que toma a desigualdade de renda como varivel dependente e os nveis de educao, a idade, o
sexo, a atividade econmica e a regio como variveis independentes, a fim de mostrar qual
varivel melhor explicava a variao da desigualdade de renda no Brasil (LANGONI, 1978).
Os resultados encontrados mostraram que a educao o fator principal explicativo das
mudanas ocorridas na distribuio de renda ao longo da dcada de 1960. Os dados apontados
41
pelo estudo mostram que a contribuio marginal (normalizada) da educao para a varincia da
renda aumentou 33% entre 1960 e 1970. A idade, que foi a segunda varivel importante, sofreu
acrscimo de apenas 10% (LANGONI, 1978, p. 208). Ainda, segundo Langoni (1978), quando
considerado o efeito redistributivo puro, constata-se que a varivel educao foi responsvel por
pelo menos 50% das variaes ocorridas em cada decil de renda, sendo que o nvel educacional
colaborou para a queda de 7,7% da participao dos analfabetos na renda relativa dos 40%
inferiores, enquanto contribuiu para o aumento de 11% da participao dos 10% superiores
durante o perodo.
Considerando o aspecto regional, a educao permanece como principal elemento
explicativo para a maior desigualdade de renda em 1970, aumentando a sua contribuio
conforme o dinamismo econmico da regio. Em relao aos setores econmicos, importante
ressaltar que o aumento de desigualdade foi mais acentuado no setor urbano em relao ao setor
primrio. A contribuio da educao no primeiro setor segue o resultado geral da pesquisa, ao
passo que o acesso propriedade a varivel mais relevante na explicao da varincia da renda
no setor primrio. Assim, como o centro dinmico da economia centrava-se nas atividades
industriais e urbanas, o acesso propriedade apresenta pouca importncia relativa na variao da
distribuio de renda observada no perodo. (LANGONI, 1978)
A partir desses resultados, o autor conclui que o aumento de desigualdade caracterstico
do processo de desenvolvimento econmico ocorrido no perodo. Em suas palavras
A importncia da educao para o aumento de desigualdade () consistente com a hiptese de que o desenvolvimento econmico levou a uma expanso diferenciada da mo-de-obra que, devido a tecnologia utilizada, beneficiou desproporcionalmente os nveis de educao mais elevados. No extremo inferior a obsolescncia de qualificaes, causada pela direo do progresso tecnolgico, mais do que compensou a queda na participao dos analfabetos, comprimindo os salrios relativos. (LANGONI, 1978, p. 121)
Langoni (1978) conclui que a razo pela qual coexistem o crescimento econmico
acelerado no processo de desenvolvimento e os aumentos nos nveis de desigualdade de renda
consiste em que nessa fase abrem-se oportunidades de ganhos extras no mercado de capital
humano e tambm no mercado de capital fsico. Essas oportunidades atraem o fluxo de
investimento para essas reas cuja rentabilidade esperada alta, porm medida que so
realizadas as inverses ocorre uma converso dos ganhos extras em retornos competitivos. Dessa
42
forma, no longo prazo, a piora da distribuio de renda seria autocorrigida no momento em que a
renda per capita aumenta e as taxas de crescimento atinjam valores mais estveis. (LANGONI,
1978)
A partir do estudo de Langoni (1978), amplia-se a discusso sobre a distribuio de renda
no Brasil, surgindo um conjunto de anlises que se opunham s suas concluses sobre as causas
do agravamento da desigualdade na renda pessoal. Em 1975, Ricardo Tolipan e Arthur Carlos
Tinelli organizam o livro A Controvrsia sobre Distribuio de Renda e Desenvolvimento, em
que inmeros autores discutem aspectos tericos e empricos no que tange distribuio de
renda, realizando uma crtica interpretao de que o agravamento dos indicadores teria origem
no processo de desenvolvimento econmico vivido pela economia brasileira no perodo, em
particular nas diferenas de oportunidades educacionais da mo-de-obra. A causa, segundo esses
crticos, encontrava-se nas polticas econmicas de estabilizao as quais acarretaram a
compresso do valor real do salrio mnimo, implicando o rebaixamento dos salrios dos
trabalhadores menos qualificados. (TOLIPAN e TINELLI, 1975)
Os autores que compuseram a obra, mesmo com origem em espaos acadmicos e
polticos distintos, atribuem o agravamento da desigualdade de renda ocorrida no Brasil entre os
anos 1960 e 1970 ao estilo de crescimento econmico, cuja base se encontrava no consumo de
minorias privilegiadas e no investimento dos setores de rendas elevadas. Opondo-se viso de
que a concentrao de renda provm de diferenciais de nveis educacionais. (CARDOSO, 1975)
A obra inicia por um tratamento de aspectos tericos gerais, em que Maria da Conceio
Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo expem contextos terico-analticos que fundamentam a crtica
s teorias econmicas ortodoxas. O primeiro autor realiza uma anlise do movimento do padro
histrico de acumulao brasileiro a partir do modelo de Kalecki de departamentalizao da
economia e de diviso do produto em classes sociais (TAVARES, 1975). Enquanto o segundo
autor confronta as teorias de valor e da distribuio clssica e marxista com a anlise neoclssica
(BELUZZO, 1975).
Posteriormente, Paul Singer, Rodolfo Hoffmann e Edmar Bacha realizam um estudo de
aspectos histricos da distribuio de renda no Brasil. Singer (1975) atenta para o fato de que a
sequncia de decises polticas ao longo do processo de desenvolvimento econmico do pas
ocasionou um agravamento da desigualdade existente. Uma observao particularmente
importante que, enquanto nos pases industrializados o movimento operrio evitou o aumento
43
da taxa de explorao, obrigando o sistema a recorrer a inovaes tecnolgicas que
compensassem o aumento do custo do trabalho por meio do aumento de produtividade, no
contexto brasileiro, o processo de inovao no se originou do aumento dos custos da mo-de-
obra, mas sim da tendncia de unificao, em termos de tcnicas e hbitos de consumo, do
mercado mundial, resultando em camadas privilegiadas de assalariados, enquanto a grande
massa de trabalhadora permanece em nveis nfimos de consumo (SINGER, 1975, p. 77). O
fruto deste processo foi uma classe de tcnicos e de administradores que prosperam a partir da
no incorporao dos ganhos de produtividade ao custo do trabalho na qual origina os alicerces
para a concentrao de renda. Ainda, o autor afirma que as anlises sobre a desigualdade de renda
erram ao explicar o fenmeno unicamente por fatores essencialmente econmicos (excesso ou
escassez de mo-de-obra qualificada), devendo-se analisar os aspectos estruturais.
Para Hoffmann (1975), o fato que contribuiu para agravar o grau de concentrao de
renda entre os assalariados do setor industrial foi um aumento na diferena entre os salrios
mdios dos empregados administrativos e os salrios dos operrios. Em estudo anterior, o autor
mostrou que, no ano de 1966, o salrio mdio dos operrios equivalia metade do salrio mdio
dos empregados