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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social  Antropologia da Arte – ANT 3153004 Profº Dr. Rafael José de Menezes Bastos Resenha Aluno: Rafael Mondini Bueno Matrícula: 201500256 – BIÃO, Armindo. Etnocenologia: uma introdução. In: BIÃO, Armindo & GREINER, Christine (orgs). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999, pp. 15-23. Neste texto, Bião propõe tratar da emergência e da tentativa de consolidação da etnocenologia como disciplina dentre as diversas etnociências que hoje compõe o panorama das ciências humanas, em especial proximidade com a antropologia sociocultural, tratando brevemente de momentos e figuras históricas que participaram e participam da fundamentação deste campo, de algumas direções epistemológicas adotadas na área e suas referências bibliográficas básicas. Apesar de fazer menção a Heródoto, é do processo de valorização da cultura popular operado pelos atores no ambiente intelectual romântico alemão de meados do século XIX, de onde surgiram também a musicologia comparada e a coreologia comparada (cf. SACHS, 1943), dentre outras abordagens comparativas, que se fixa um ponto importante para o surgimento da etnocenologia. A partir da metade do século seguinte, com as contribuições de Garfinkel acerca da etnometodologia, é inaugurado o processo de emergência de uma sucessão de ciências cujas denominações continham o prefixo-modificador etno, que passa aos poucos de indicador de temáticas raciais para uma perspectiva, que o autor afirma “metodológica”, em que a alteridade e o multiculturalismo tomam papeis insoslaiáveis. A etnocenologia, no entanto, já teria surgido dotada do seu etno, não tendo passado pela fase “comparativa” a que outras disciplinas se submeteram. No entanto, esse etno é motivo de incômodo para os acadêmicos da área, o que, segundo o autor, pode ser denotado pela denominação escolhida para o periódico Cahiers Internationaux d’ (Ethno) Scénologie, que seria editado pelo Centro Internacional de Etnocenologia de Paris. No caso, a permanência do etno estaria condicionada ao fim do etnocentrismo nos debates da cenologia, meta que, atingida, permitiria a supressão desse prefixo. Além desta problemática, outras propostas epistemológicas feitas no texto orientam- se no sentido de adotar a noção de identificação ao invés de identidade, o que permitiria que se reconhecesse a maior utilidade de uma ideia de identificações sucessivas, em oposição a identidades fixas e únicas. Por outro lado, o autor sugere que se preste atenção para a lógica de indistinção que operaria na organização do universo cênico de uma montagem, além de dar especial destaque para as contribuições dos estudos da performance para o estudo etnocenológico. Por fim, Bião apresenta uma parte do

BIÃO - Etnocenologia - Uma Introdução

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7/23/2019 BIÃO - Etnocenologia - Uma Introdução

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Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Antropologia da Arte – ANT 3153004Profº Dr. Rafael José de Menezes Bastos

Resenha

Aluno: Rafael Mondini Bueno

Matrícula: 201500256

– BIÃO, Armindo. Etnocenologia: uma introdução. In: BIÃO, Armindo & GREINER,Christine (orgs). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999, pp. 15-23.

Neste texto, Bião propõe tratar da emergência e da tentativa de consolidação daetnocenologia como disciplina dentre as diversas etnociências que hoje compõe opanorama das ciências humanas, em especial proximidade com a antropologiasociocultural, tratando brevemente de momentos e figuras históricas que participaram eparticipam da fundamentação deste campo, de algumas direções epistemológicas adotadasna área e suas referências bibliográficas básicas.

Apesar de fazer menção a Heródoto, é do processo de valorização da cultura popular

operado pelos atores no ambiente intelectual romântico alemão de meados do século XIX,de onde surgiram também a musicologia comparada e a coreologia comparada (cf. SACHS,1943), dentre outras abordagens comparativas, que se fixa um ponto importante para osurgimento da etnocenologia. A partir da metade do século seguinte, com as contribuiçõesde Garfinkel acerca da etnometodologia, é inaugurado o processo de emergência de umasucessão de ciências cujas denominações continham o prefixo-modificador etno, que passaaos poucos de indicador de temáticas raciais para uma perspectiva, que o autor afirma“metodológica”, em que a alteridade e o multiculturalismo tomam papeis insoslaiáveis. Aetnocenologia, no entanto, já teria surgido dotada do seu etno, não tendo passado pela fase“comparativa” a que outras disciplinas se submeteram. No entanto, esse etno é motivo de

incômodo para os acadêmicos da área, o que, segundo o autor, pode ser denotado peladenominação escolhida para o periódico Cahiers Internationaux d’ (Ethno) Scénologie, queseria editado pelo Centro Internacional de Etnocenologia de Paris. No caso, a permanênciado etno estaria condicionada ao fim do etnocentrismo nos debates da cenologia, meta que,atingida, permitiria a supressão desse prefixo.

Além desta problemática, outras propostas epistemológicas feitas no texto orientam-se no sentido de adotar a noção de identificação ao invés de identidade, o que permitiriaque se reconhecesse a maior utilidade de uma ideia de identificações sucessivas, emoposição a identidades fixas e únicas. Por outro lado, o autor sugere que se preste atenção

para a lógica de indistinção que operaria na organização do universo cênico de umamontagem, além de dar especial destaque para as contribuições dos estudos daperformance para o estudo etnocenológico. Por fim, Bião apresenta uma parte do

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referencial bibliográfico do campo, advertindo que a sua produção é ainda incipiente, elista alguns dos grupos de pesquisa que se dedicam à etnocenologia ou a áreas afins.

Apesar de tratar-se de um texto que, desde sua proposta, não visa esgotar o assuntoem pauta – o estado da arte da etnocenologia pelo mundo –, me chama a atenção que Biãotenha mencionado a dança dentre os comportamentos humanos espetaculares aos quais a

etnocenologia se dedica a estudar. São no mínimo intrigantes as possibilidades deintersecção entre a dança e o teatro, mas não fica claro com que danças e a quais conceitosde dança – ou abandono deste conceito (ROYCE, 2002) – a etnocenologia pretende sealinhar. A etnocoreologia, por si só, já dá clara preferência à análise de danças deapresentação, o que apresenta uma sobreposição de temáticas que pode, porventura, darlugar a algumas sobreposições de objetos de reflexão, o que colocaria em risco o projeto deconsolidação do campo como dotado de um objeto próprio, ainda mais considerando que aetnocoreologia, à época da publicação do texto, já estava bastante consolidada na Américado Norte e em alguns países do continente europeu.

Referências

ROYCE, Anya Peterson. The Dance. IN: The Anthropology of Dance. Alton: Dance Books,2002, pp. 3-16.

SACHS, Curt. Historia Universal de la Danza. Buenos Aires: Centurión, 1943.