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9 | CADERNO DEZ! | SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 14/10/2008 FERNANDO AMORIM | AG. A TARDE Muitos leitores, poucos livros disponíveis * Salvador tem 6 bibliotecas públicas: Thales de Azevedo, Juracy Magalhães, Monteiro Lobato, Central, Anísio Teixeira e Edgar Santos. Segundo pesquisa do Instituto Pró-Livro, de 2007, 55% dos brasileiros são adeptos da leitura freqüente. De 95,6% de pessoas que leram pelo menos um livro nos últimos três meses, só 47% são da classe C. Segundo João Scortecci, escritor, editor e livreiro, a equação é: o livro fica tão caro porque as tiragens são baixas e o custo é alto. Mas, para além do jogo econômico, está algo mais importante: o encontro das obras com os leitores. Na opinião do antropólogo Felipe Lindoso, autor de O Brasil pode ser um país de leitores?, os problemas de distribuição e a falta de fomento à leitura podem explicar por que o mercado brasileiro é pouco variado e de acesso exclusivo. “No Brasil, há uma esquizofrenia. Aqui cultura e educação são tratadas por ministérios diferentes, como se fossem coisas diferentes. Não damos valor às bibliotecas, que são poucas e tem poucos recursos”. O papel das bibliotecas no preço dos livros é explicado por uma espécie de reação em cadeia. Nos Estados Unidos e na Europa, a rede de bibliotecas públicas absorve uma parte da produção que acaba de sair das editoras. Elas compram, com o dinheiro do Estado, as primeiras edições dos lançamentos em capa-dura. Assim, garantem os livros de melhor qualidade e mais duradouros para seu acervo, e ajudam as editoras a arcar com o custo principal da produção. Por isso fica mais barato fazer outras impressões da mesma obra seis meses depois do lançamento, em edições mais baratas e menos elaboradas. “O poder público acaba separando pessoas para atingir a todos. Quem quer ler o livro, pode ler de graça. E quem quer tê-lo em casa, pode comprar por um preço acessível”, explica. No Brasil, o mercado depende de quem tem dinheiro para comprar, e não de quem tem vontade de ler. E vontade não falta, ao contrário do que diz o senso comum. “Tem uma senhora que é mendiga e cata lixo em frente à minha casa”, conta Lindoso. “Ela gosta muito de ler e comecei a deixá-la usar a minha biblioteca. Se não fosse assim, onde ela poderia encontrar os livros que gostaria de ler?”. Bibliotecas têm acervo defasado MIRELA PORTUGAL [email protected] Enquanto o salário de vendedor numa loja de roupas não acompanha o ritmo do preço dos livros, Artur Lima, 20, faz uma peregrinação sagrada três vezes por semana para a biblioteca pública Juracy Magalhães, no Rio Vermelho. Ele a freqüenta desde os 7 anos e, apesar da última vez não ter encontrado Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago, já saiu de lá com boas colheitas. “Um que mais gostei foi Feriado de Mim Mesmo, de Santiago Nazarian. E os contos do Marcelo Rubens Paiva”. Achar livros novos no acervo das bibliotecas estaduais é uma aventura digna das histórias de Julio Verne e Daniel Defoe. Mesmo a Central dos Barris, com seus 24 mil exemplares disponíveis, abriga uma singela lista de pedidos para aquisição assinada pelos usuários que aponta lacunas de clássicos vitais como O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, e Crime e Castigo, de Dostoievsk, até o apelativo Código da Vinci, de Dan Brown. Das listas quentes com os mais vendidos, apenas um solitário O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini . “A última aquisição de livros foi para a lista do vestibular. É difícil recebermos romances, fora doação”, justifica a diretora, Ivana Lima. A biblioteca tem, em média, 20 exemplares por título dos vestibulares da Ufba e da Uneb, em diferentes níveis de conservação. Na Thales de Azevedo, no Costa Azul, são quase 15 unidades para cada livro de vestibular. “A procura é muito alta, eles não param na estante”, diz a diretora Conceição Andrade. Pouca gente vai à sala do acervo em inglês, fruto da parceria com o consulado americano. A baixa freqüência é atribuída a um coro de razões que vão da falta de hábito de leitura, ao desconhecimento da língua, à preguiça e hegemonia da internet. Livros novos e interessantes ajudariam, ao menos na opinião de Luisa Souza, 17, sócia da Central. “Fora os clássicos, não tem muita coisa”. A diretora-geral do Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado, Kilma Aparecida, acha que o orçamento anual de R$ 90 mil não é suficiente para atender à procura. “Não podemos concorrer com as livrarias”. No Goethe Institut, que tem biblioteca aberta ao público, a estratégia é equipar o espaço com periódicos variados, acervo multimídia, consulta digital e obras sempre renovadas. “É preciso fazer a biblioteca algo tão confortável quanto o teatro, o shopping ou a lan house, senão os leitores não vêm”, aponta o responsável, Álvaro Almeida. Das seis bibliotecas públicas do Estado presentes em Salvador, a Juracy Magalhães, no Rio Vermelho, é a que tem obras mais recentes no acervo Juracy Magalhães Júnior O prédio com vista para o mar do Rio Vermelho virou biblioteca há 40 anos, mas foi uma reforma há quatro que aumentou as instalações e permitiu a oferta de oficinas e palestras, além do empréstimo de romances, salas de pesquisas e 35 assinaturas de jornais e revistas O acervo tem, em média, 10 exemplares por título da lista dos vestibulares da Ufba e da Uneb. EM NÚMEROS 2 livros é o que o brasileiro compra, em média, por ano 5.012 é a quantidade de bibliotecas públicas no País 17mil é a média de novos títulos lançados a cada ano no Brasil 95,5 milhões de livros foram vendidos em livrarias brasileiras em 2007

bibliotecas públicas

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Reportagem de capa do suplemento semanal infantil do jornal A Tarde

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Page 1: bibliotecas públicas

9| CADERNO DEZ! |SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 14/10/2008

FERNANDO AMORIM | AG. A TARDE

Muitos leitores,poucos livrosdisponíveis

*Salvador tem 6 bibliotecaspúblicas: Thales de Azevedo,Juracy Magalhães, MonteiroLobato, Central, AnísioTeixeira e Edgar Santos.

Segundo pesquisa do InstitutoPró-Livro, de 2007, 55% dosbrasileiros são adeptos da leiturafreqüente. De 95,6% de pessoasque leram pelo menos um livro nosúltimos três meses, só 47% são daclasse C. Segundo João Scortecci,escritor, editor e livreiro, a equaçãoé: o livro fica tão caro porque astiragens são baixas e o custo é alto.

Mas, para além do jogoeconômico, está algo maisimportante: o encontro das obrascom os leitores. Na opinião doantropólogo Felipe Lindoso, autorde O Brasil pode ser um país deleitores?, os problemas dedistribuição e a falta de fomento àleitura podem explicar por que omercado brasileiro é pouco variadoe de acesso exclusivo. “No Brasil,há uma esquizofrenia. Aqui culturae educação são tratadas porministérios diferentes, como sefossem coisas diferentes. Nãodamos valor às bibliotecas, que sãopoucas e tem poucos recursos”.

O papel das bibliotecas nopreço dos livros é explicado poruma espécie de reação em cadeia.Nos Estados Unidos e na Europa, arede de bibliotecas públicasabsorve uma parte da produçãoque acaba de sair das editoras. Elascompram, com o dinheiro doEstado, as primeiras edições doslançamentos em capa-dura. Assim,garantem os livros de melhorqualidade e mais duradouros paraseu acervo, e ajudam as editoras aarcar com o custo principal daprodução.

Por isso fica mais barato fazeroutras impressões da mesma obraseis meses depois do lançamento,em edições mais baratas e menoselaboradas. “O poder públicoacaba separando pessoas paraatingir a todos. Quem quer ler olivro, pode ler de graça. E quemquer tê-lo em casa, pode comprarpor um preço acessível”, explica.

No Brasil, o mercado dependede quem tem dinheiro paracomprar, e não de quem temvontade de ler. E vontade nãofalta, ao contrário do que diz osenso comum. “Tem uma senhoraque é mendiga e cata lixo emfrente à minha casa”, contaLindoso. “Ela gosta muito de ler ecomecei a deixá-la usar a minhabiblioteca. Se não fosse assim,onde ela poderia encontrar oslivros que gostaria de ler?”.

Bibliotecas têm acervo defasadoMIRELA PORTUGALm p o r t u g a l @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

Enquanto o salário de vendedornuma loja de roupas nãoacompanha o ritmo do preço doslivros, Artur Lima, 20, faz umaperegrinação sagrada três vezespor semana para a bibliotecapública Juracy Magalhães, no RioVermelho. Ele a freqüenta desdeos 7 anos e, apesar da última veznão ter encontrado Ensaio Sobre aLucidez, de José Saramago, já saiude lá com boas colheitas. “Um quemais gostei foi Feriado de MimMesmo, de Santiago Nazarian. E oscontos do Marcelo Rubens Paiva”.

Achar livros novos no acervodas bibliotecas estaduais é umaaventura digna das histórias deJulio Verne e Daniel Defoe. Mesmoa Central dos Barris, com seus 24mil exemplares disponíveis, abrigauma singela lista de pedidos paraaquisição assinada pelos usuáriosque aponta lacunas de clássicosvitais como O Príncipe, de NicolauMaquiavel, e Crime e Castigo, deDostoievsk, até o apelativo Códigoda Vinci, de Dan Brown. Das listasquentes com os mais vendidos,

apenas um solitário O Caçador dePipas, de Khaled Hosseini . “Aúltima aquisição de livros foi paraa lista do vestibular. É difícilrecebermos romances, foradoação”, justifica a diretora, IvanaLima. A biblioteca tem, em média,20 exemplares por título dosvestibulares da Ufba e da Uneb,em diferentes níveis deconservação.

Na Thales de Azevedo, no CostaAzul, são quase 15 unidades paracada livro de vestibular. “A procura

é muito alta, eles não param naestante”, diz a diretora ConceiçãoAndrade. Pouca gente vai à sala doacervo em inglês, fruto da parceriacom o consulado americano.

A baixa freqüência é atribuída aum coro de razões que vão dafalta de hábito de leitura, aodesconhecimento da língua, àpreguiça e hegemonia da internet.Livros novos e interessantesajudariam, ao menos na opiniãode Luisa Souza, 17, sócia daCentral. “Fora os clássicos, não temmuita coisa”. A diretora-geral doSistema de Bibliotecas Públicas doEstado, Kilma Aparecida, acha queo orçamento anual de R$ 90 milnão é suficiente para atender àprocura. “Não podemos concorrercom as livrarias”.

No Goethe Institut, que tembiblioteca aberta ao público, aestratégia é equipar o espaço comperiódicos variados, acervomultimídia, consulta digital e obrassempre renovadas. “É preciso fazera biblioteca algo tão confortávelquanto o teatro, o shopping ou alan house, senão os leitores nãovêm”, aponta o responsável,Álvaro Almeida.

Das seis bibliotecas públicas do Estado presentes em Salvador, a Juracy Magalhães, no Rio Vermelho, é a que tem obras mais recentes no acervo

JuracyMagalhãesJúniorO prédio com vista para omar do Rio Vermelho viroubiblioteca há 40 anos, masfoi uma reforma há quatroque aumentou asinstalações e permitiu aoferta de oficinas epalestras, além doempréstimo de romances,salas de pesquisas e 35assinaturas de jornais ere v i s t a sO acervo tem, em média,10 exemplares por títuloda lista dos vestibularesda Ufba e da Uneb.

EM NÚMEROS

2livros é o que obrasileiro compra,em média, por ano

5.012é a quantidade debibliotecas públicasno País

17milé a média de novostítulos lançados acada ano no Brasil

95,5milhões de livrosforam vendidos emlivrarias brasileirasem 2007