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Parte 1 O Início O desenvolvimento de todo ser humano se inicia com a formação de uma única célula no momento da concepção. No entanto, cada vida humana individual é apenas uma gota minúscula no vasto rio da vida, que remonta a milhares de gerações e inimagináveis milênios de tempo de evolução. Como tal, é um produto do passado evolucionário da nossa espécie. Além disso, o ambiente que cada bebê vai experimentar é um produto da história da Terra e do desenvolvimento da cultura e da sociedade. A ciência encara o processo da vida como um constante interjogo, por um lado, de forças que criam ordem e padrão e, por outro, de forças que criam variação e desordem. Na visão científica moderna, a interação dessas forças concorrentes é o instrumento responsável pela mudança desenvolvimental. Quais são as forças que criam ordem e diversidade no desenvolvimento humano? No Capítulo 2, veremos que o início de uma explicação pode ser encontrado na nossa herança biológica. A ordem, as peculiaridades em todos os seres humanos são semelhantes e surgem inicialmente da limitação de combinação das possibilidades genéticas da nossa espécie. A variação aparece, de início, através da reprodução sexual que, virtualmente em toda instância, garante que cada indivíduo herde uma combinação única de genes do conjunto total. O Capítulo 2 descreve os mecanismos básicos da transmissão genética, os processos do gene - interação ambiental e algumas das doenças que resultam das anormalidades genéticas. Também discute a contribuição da evolução cultural para o nosso desenvolvimento, um modo de herança caracteristicamente humano. O Capítulo 3, que discute o desenvolvimento pré-natal e o nascimento, segue as mudanças que transformam a célula única criada na concepção em um bebê recém- nascido, com milhões de células de muitos tipos. O processo de desenvolvimento pré-natal ilustra muitos princípios que serão recorrentes em capítulos posteriores. Por exemplo, as mudanças na forma e na atividade que distinguem o organismo com cinco dias do organismo com cinco semanas ou cinco meses após a concepção são exemplos excelentes de mudanças qualitativas mudanças que distinguem um estágio de desenvolvimento de outro, em oposição às mudanças quantitativas que, em sua maioria, eqüivalem apenas a aumentos no tamanho do organismo que se está desenvolvendo. Veremos também alguns exemplos importantes de períodos críticos do desenvolvimento, em particular o tempo específico durante o crescimento pré-natal em que o embrião é altamente sensível às secre-ções hormonais, que desencadeiam o desenvolvimento de novos órgãos do corpo, e a agentes externos, tais como drogas, que podem interromper o desenvolvimento de um órgão. Após nove meses de crescimento e nutrição dentro do corpo da mãe, as mudanças químicas iniciam o processo do nascimento. O nascimento constitui a primeira mudança biossociocomportamental importante no desenvolvimento. O bebê não consegue mais obter o oxigênio e os nutrientes que lhe dão vida automaticamente do corpo da mãe. Em vez disso, o recém-nascido vai precisar usar as capacidades biológicas que ele desenvolveu durante o período pré-natal para respirar e comer. Outras mudanças

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Parte 1O Início

O desenvolvimento de todo ser humano se inicia com a formação de uma única célula no momento da concepção. No entanto, cada vida humana individual é apenas uma gotaminúscula no vasto rio da vida, que remonta a milhares de gerações e inimagináveis milênios de tempo de evolução. Como tal, é um produto do passado evolucionárioda nossa espécie. Além disso, o ambiente que cada bebê vai experimentar é um produto da história da Terra e do desenvolvimento da cultura e da sociedade.A ciência encara o processo da vida como um constante interjogo, por um lado, de forças que criam ordem e padrão e, por outro, de forças que criam variação e desordem.Na visão científica moderna, a interação dessas forças concorrentes é o instrumento responsável pela mudança desenvolvimental.Quais são as forças que criam ordem e diversidade no desenvolvimento humano? No Capítulo 2, veremos que o início de uma explicação pode ser encontrado na nossa herançabiológica. A ordem, as peculiaridades em todos os seres humanos são semelhantes e surgem inicialmente da limitação de combinação das possibilidades genéticas danossa espécie. A variação aparece, de início, através da reprodução sexual que, virtualmente em toda instância, garante que cada indivíduo herde uma combinação únicade genes do conjunto total.O Capítulo 2 descreve os mecanismos básicos da transmissão genética, os processos do gene - interação ambiental e algumas das doenças que resultam das anormalidadesgenéticas. Também discute a contribuição da evolução cultural para o nosso desenvolvimento, um modo de herança caracteristicamente humano.O Capítulo 3, que discute o desenvolvimento pré-natal e o nascimento, segue as mudanças que transformam a célula única criada na concepção em um bebê recém-nascido,com milhões de células de muitos tipos.O processo de desenvolvimento pré-natal ilustra muitos princípios que serão recorrentes em capítulos posteriores. Por exemplo, as mudanças na forma e na atividadeque distinguem o organismo com cinco dias do organismo com cinco semanas ou cinco meses após a concepção são exemplos excelentes de mudanças qualitativas mudançasque distinguem um estágio de desenvolvimento de outro, em oposição às mudanças quantitativas que, em sua maioria, eqüivalem apenas a aumentos no tamanho do organismoque se está desenvolvendo. Veremos também alguns exemplos importantes de períodos críticos do desenvolvimento, em particular o tempo específico durante o crescimentopré-natal em que o embrião é altamente sensível às secre-ções hormonais, que desencadeiam o desenvolvimento de novos órgãos do corpo, e a agentes externos, taiscomo drogas, que podem interromper o desenvolvimento de um órgão.Após nove meses de crescimento e nutrição dentro do corpo da mãe, as mudanças químicas iniciam o processo do nascimento. O nascimento constitui a primeira mudançabiossociocomportamental importante no desenvolvimento. O bebê não consegue mais obter o oxigênio e os nutrientes que lhe dão vida automaticamente do corpo da mãe.Em vez disso, o recém-nascido vai precisar usar as capacidades biológicas que ele desenvolveu durante o período pré-natal para respirar e comer. Outras mudanças

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comportamentais que ocorrem no nascimento não são menos notáveis, pois os bebês adquirem um acesso direto às visões, sons e odores que os cercam e começam a produziralgumas visões, sons e odores próprios. No entanto, o recém-nascido é completamente dependente de outras pessoas. Sem o apoio dos pais, que estruturam as interaçõesdo seu bebê com o ambiente de acordo com padrões culturalmente prescritos, o bebê não sobreviveria. Os pais precisam alimentar, vestir e proteger seus filhos durantemuitos anos antes de eles serem capazes de cuidar de si.Assim se inicia o processo da vida, em que as forças biológicas que criaram o novo organismo na concepção interagem com as forças do ambiente culturalmente organizadoque saúdam a criança no nascimento. Excetuando-se calamidades imprevistas, cerca de 20 anos depois o processo se reiniciará com uma nova geração.A herança Humana: e o AmbienteMUTAÇÕES E ANORMALIDADES GENÉTICASAnemia falciforme: um exemplo de interação dosgenes com o ambiente Síndrome de Down: um erro cromossômico Anormalidades cromossômicas ligadas ao sexo Fenilcetonúria: uma doença genética tratávelBIOLOGIA E CULTURACaracterísticas adquiridas Co-evoluçâo2A Herança Os GenesREPRODUÇÃO SEXUAL E TRANSMISSÃO GENÉTICAMitose: um processo de replicação celular Meiose: uma fonte de variabilidade Determinação sexual: um caso de variabilidadeGENÓTIPO E FENÓTIPOAs leis da herança genéticaOs genes, o organismo e o ambiente

71Toda criança concebida por um dado casal é o resultado de uma loteria genética. Ela é apenas uma entre uma enorme multidão de crianças possíveis, qualquer uma delaspodendo ter sido concebida na mesma ocasião, caso outra das milhões de células de esperma emitidas pelo pai ocorresse de fertilizar o óvulo da mãe - um óvulo queé em si um entre muitos ...Se acompanharmos todos os problemas que envolvem a mistura dos nossos genes com aqueles de outra pessoa, será só para nos certificarmosde que o nosso filho será diferente de nós mesmos e de todos os nossos outros filhos.François Jacob, The Possible and lhe ActualUm berçário de maternidade proporciona um interessante local para se refletir sobre as origens e o desenvolvimento dos seres humanos. Em algumas comunidades racialmentehomogêneas, os bebês podem ter uma aparência e um comportamento tão parecido que seja difícil para um observador diferenciar um do outro. Em outras comunidades,alguns bebês podem ser facilmente distinguidos pela cor da sua pele. Além disso, as feições e as atitudes dão alguns indícios sobre a aparência e o comportamentoque cada criança terá mais tarde. Apesar disso, quando esses bebês se tornarem adultos totalmente desenvolvidos, as diferenças entre eles terão aumentado tanto queserá bem fácil distingui-los. Alguns serão homens e outros serão mulheres; alguns serão altos, outros baixos; alguns terão cabelos crespos, outros não terão cabelo

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nenhum. Eles podem falar línguas diferentes, envolver-se em tipos de trabalho diferentes e gostar de tipos de comida diferentes. Alguns freqüentemente serão taciturnos,enquanto outros, em geral, serão animados; alguns serão impulsivos, outros reflexivos; alguns serão bem-dotados para matemática, outros para plantar arroz ou venderações. Apesar dessa grande variação, nenhum deles será confundido com um membro de qualquer outra espécie; todos pertencerão claramente ao Homo sapiens. Essas observaçõessuscitam uma questão fundamental sobre as fontes da mudança desenvolvimental: O que nos torna tão diferentes um do outro mas, ao mesmo tempo, mais parecidos um como outro do que membros parecidos de qualquer outra espécie?Tanto as semelhanças quanto as diferenças entre as pessoas decorrem fundamentalmente da interação entre influências ambientais e genéticas. As semelhanças que nosdistinguem como membros de uma única espécie surgem porque herdamos nossos genes de outros seres humanos e porque, no decorrer da evolução humana, esses genes interagiramdentro do ambiente global do planeta Terra. As diferenças entre nós vêm das mesmas duas fontes. Devido ao processo de reprodução sexual, cada um de nós herda umacombinação de genes que é, com raras exceções, única. Os ambientes específicos com os quais esses genes interagem também contribuem para variações entre as pessoas,promovendo o desenvolvimento de algumas características e desencorajando o desenvolvimento de outras. Por exemplo, as crianças nascidas em famílias que vivem nointerior da floresta da bacia amazônica, onde as pessoas ainda vivem da caça e da coleta, precisam desenvolver resistência física e se tornar exímios observadoresda natureza. Inversamente, as crianças que nascem em famílias que moram em um subúrbio norte-americano precisam desenvolver a capacidade para ficar longas horassentadas na escola a fim de adquirir o conhecimento e as habilidades que vão necessitar para conseguir sucesso econômico quando adultos. Além de serem moldadas pelascircunstâncias históricas e culturais em que vivem, as crianças também são moldadas por seu ambiente mais imediato. Dentro de uma determinada família, por exemplo,cada criança vive um conjunto de experiências singular que influencia muito as características que vai desenvolver (Dunn e McGuire, 1994).Começamos este capítulo discutindo a reprodução sexual e os mecanismos que a citação de abertura deste capítulo chama de "loteria genética" - as chances de qualquerindivíduo que está sendo concebido. Também consideraremos as leis básicas de herança genética às quais essa "loteria" está sujeita. Em seguida, vamos discutir

72as influências genéticas e o longo processo de interação entre os genes e o ambiente que molda o desenvolvimento. Para ilustrar a importância crucial da constituiçãogenética do indivíduo e os princípios da interação entre o gene e o meio ambiente, discutiremos as origens e os efeitos das anormalidades genéticas. Finalmente,vamos dar uma olhada na maneira como a biologia e a cultura interagem no processo do desenvolvimento humano.

REPRODUÇÃO SEXUAL E TRANSMISSÃO GENÉTICA

Em seu clímax, durante a relação sexual, o homem ejacula cerca de 350 milhões de espermatozóides na vagina de uma mulher. A cabeça de cada espermatozóide em forma

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de girino contém 23 cromossomos. Cada cromossomo é uma molécula única de ácido desoxirribonucléico (DNA) - uma molécula de filamento duplo e longo em que os doisfilamentos são entrelaçados. Cada cromossomo, por sua vez, contém milhares de segmentos chamados genes, que são a unidade básica da hereditarieda-de. Há um códigogenético para as seqüências de aminoácidos que formam as milhares de proteínas a partir das quais as células do corpo são criadas, assim como as enzimas que regulamo funcionamento das células (ver Figura 2.1). Os 23 cromossomos carregados pelo espermatozóide proporcionam metade das informações genéticas necessárias para o desenvolvimentode um novo indivíduo. A outra metade é proporcionada pelo óvulo da mulher, que também tem 23 cromossomos e genes que correspondem àqueles carregados pelo espermatozóide.Após a ejaculação, os espermatozóides tentam nadar até o útero da mulher através das trompas de Falópio. Essa jornada perigosa, que representa o passo final da loteriagenética, só é completada por apenas algumas centenas dos milhões de espermatozóides que a iniciaram. Se um desses espermatozóides sobreviventes encontrar um óvuloe penetrar na sua membrana, o resultado é a concepção: o óvulo e o espermatozóide se fundem para formar um zigoto, uma célula única contendo 46 cromossomos - 23do pai e 23 da mãe - que são dispostos em pares. Todas as células que a criança terá no nascimento se originam dessa célula única com seus 23 pares de cromossomos.

FIGURA 2.1(a) Um modelo de DNA codificado por cores e gerado por computador permite aos pesquisadores girar a imagem e estudá-la a partir de vários ângulos.(b) Um filamento do DNA (ao alto) replica-se, dividindo-se na metade dos degraus da sua estrutura tipo escada. Cada base livre (ao centro) pega um novo parceirocomplementar: pares de citosina (C) com guanina (G), e pares de adenina (A) com timina (T).

FIGURA 2.2A mitose é o processo de divisão celular que gera todas as células do corpo, exceto as células germinativas. Durante a mitose, cada cromossomo da célula se replica,produzindo um novo cromossomo idêntico ao primeiro. A célula, então, divide-se e os cromossomos se separam de modo que um deles vá para cada nova célula. A mitosegarante que uma informação genética idêntica seja mantida nas células do corpo durante a vida do organismo.

Conceitos:cromossomo Uma estrutura filiforme | composta de genes. Em humanos, há 46 cromossomos em cada célula, exceto no espermatozóide e nos óvulos.ácido desoxirribonucléico (DNA) Umamolécula de filamento duplo e longo que compõe os cromossomos.genes Cada segmento de uma molécula de DNA que age como programas hereditários para o desenvolvimento do organismo.zigoto A célula única formada na concepção pela união do espermatozóide e do óvulo.mitose O processo de duplicação e divisão celular que gera todas as células do indivíduo, exceto o espermatozóide eo óvulo.

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células somáticas (corporais) Todas as células do corpo, exceto as células germinativas (óvulo e espermatozóide).células germinativas O espermatozóide e o óvulo, que são específicos para a reprodução sexual e que têm a metade do número de cromossomos normais para uma espécie.

73MitoseOs cromossomos replicam-se, produzindo uma cópia idêntica de cada.Os cromossomos idênticos se separam e as células se dividem.Os novos cromossomos das células são idênticos àqueles da célula original.MITOSE: UM PROCESSO DE REPLICAÇÃO CELULARO zigoto cria novas células através da mitose, processo de duplicação e divisão celular que gera todas as células do indivíduo, exceto os espermatozóides e o óvulo.A mitose começa algumas horas depois da concepção. Os 46 cromossomos movem-se para o meio do zigoto, onde produzem cópias exatas de si - um processo conhecido comoreplicação (ver Figura 2.2). Esses cromossomos separam-se em dois conjuntos idênticos, que migram para lados opostos da célula. A célula, então, divide-se ao meiopara formar duas células-filhas, cada uma delas contendo 23 pares de cromossomos (46 cromossomos no total) idênticos àqueles herdados na concepção. Essas duas células-filhaspassam pelo mesmo processo para criar duas novas células cada, que se dividem enquanto o processo se repete muitas vezes.A mitose continua durante toda a vida de um indivíduo, criando novas células somáticas (corporais) e substituindo células antigas. Cada nova célula somática contémcópias dos 46 cromossomos originais herdados na concepção. Sob as condições comuns da vida, o material genético carregado por nossos cromossomos não é alterado pelapassagem do tempo ou pelas experiências que moldam nossas mentes e corpos, mas é fielmente copiado em cada instância da mitose. (No entanto, os genes podem ser alteradospor exposição direta à radiação a alguns produtos químicos. Como veremos mais adiante neste capítulo, as conseqüências dessas alterações podem ser desastrosas.)

MEIOSE: UMA FONTE DE VARIABILIDADEEmbora a mitose seja responsável pela replicação das células somáticas (corporais), ela não está envolvida na replicação das células germinativas - o espermatozóide(b) A Meiose na Mulher(Desintegra-se)A célula da mãe com 46 cromossomos (só um dos 23 pares é mostrado aqui).Primeira divisão meiótica (cada par de cromossomos se replica: um membro contribui para cada nova célula).23 cromossomos replicados em cada célula.

Zigoto46 cromossomos (23 do pai e 23 da mãe)

74(a) A Meiose no HomemA célula do pai com 46 cromossomos (apenas um dos 23 pares é mostrado aqui).

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Primeira divisão meiótica (cada par de cromossomos se replica: um membro contribui para cada nova célula).23 cromossomos replicados em cada célula.Segunda divisão meiótica (cada cromossomo replicado se separa; um membro de cada par vai para cada nova célula).23 cromossomos em cada espermatozóide.

FIGURA 2.3(a) Formação do esperma. Quando se inicia a meiose no homem, os pares de cromossomos replicam-se e um membro de cada par contribui para cada nova célula. Cada novacélula, então, divide-se e os cromossomos replicados se separam. O resultado disso são quatro células de esperma, cada uma delas contendo um membro (ou uma cópia)de cada um dos pares originais dos cromossomos, (b) Formação do óvulo. A meiose na mulher difere um pouco da meiose no homem. Quando ocorre a primeira divisão, ocitoplasma (a matéria que compreende a maior parte do material da célula) divide-se de tal maneira que as duas células resultantes são desiguais em tamanho. A menordas duas células se desintegra. A célula maior, o óvulo, não se divide novamente, a menos que seja fertilizada. Se ocorrer a fertilização, os cromossomos replicadosno óvulo separam-se em duas novas células. Mais uma vez, o citoplasma se divide desigualmente e a menor das células resultantes se desintegra. Os 23 cromossomosda célula maior se fundem com os 23 cromossomos do esperma para formar o zigoto com seus 46 cromossomos.

Conceitos:O processo que produz o espermatozóide e o óvulo, cada qual contendo apenas metade do complemento original dos 46 cromossomos da célula-mãe.cruzamento o processo em que o material genético é trocado entre cromossomos que contêm genes para produzir as mesmas características.

75Se a mitose fosse responsável pela produção de espermatozóides e de óvulos, o número total de cromossomos herdados pelos filhos duplicaria em cada geraçãoque se seguisse. Em vez disso, as células germinativas são formadas por um processo de divisão celular chamada meiose, que assegura que o zigoto normal contenhaapenas 46 cromossomos.A meiose representa o estágio inicial da loteria genética. Na primeira fase desse processo, os 23 pares de cromossomos das células que produzem espermatozóides ouóvulos se duplicam, assim como na mitose. Mas, depois, as células se dividem, não imediatamente, como na mitose, mas duas vezes, criando quatro células-filhas (verFigura 2.3). Cada uma dessas células-filhas contém apenas 23 cromossomos sem par - a metade do conjunto original da célula-mãe. Assim, quando o óvulo e o espermatozoidese fundem na concepção, o zigoto recebe um complemento total dos 46 cromossomos (23 pares).Como a metade dos cromossomos do zigoto vem da mãe e metade do pai, cada indivíduo recém-concebido é geneticamente diferente tanto do pai quanto da mãe. Esse processoreprodutivo cria uma diversidade genética através das gerações, aumentando as chances de sobrevivência da espécie. A diversidade genética é aumentada mais ainda

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por um processo chamado cruzamento, em que o material genético é trocado entre um par de cromossomos durante a primeira fase da meiose. Enquanto o par de cromossomos,cada um contendo genes que influenciam as mesmas características particulares, ficam ao lado um do outro, uma parte de um dos cromossomos pode trocar de lugar coma parte correspondente do outro cromossomo (ver Figura 2.4). Essa troca altera a composição genética de cada um dos dois cromossomos; os genes originalmente transportadosem um cromossomo são agora transportados no outro.Agora podemos apreciar melhor a extrema improbabilidade de que genes de quaisquer duas crianças, mesmo irmãs, possam ser exatamente iguais, exceto no caso especialde gêmeos monozigóticos (ver Destaque 2.1). Embora recebamos 23 cromossomos do nosso pai e 23 da nossa mãe, é uma questão de acaso qual membro de qualquer dos paresde cromossomos termina na célula de determinado embrião durante a meiose. Segundo as leis de probabilidade, há 223 ou cerca de 8 milhões de combinações genéticaspossíveis para cada espermatozoide e cada óvulo, e, portanto, há, no máximo, uma chance em 64 trilhões de que uma combinação genética particular venha a ser repetida(Scheinfeld, 1972).

DETERMINAÇÃO SEXUAL: UM CASO DE VARIABILIDADEEm 22 dos 23 pares de cromossomos encontrados em uma célula humana, os dois cromossomos são de tipos semelhantes; ou seja, são do mesmo tamanho e forma ePASSO 1Cada par de cromossomo se alinha antes da segregação em células de embrião separadas (as letras designam genes diferentes).PASSO 2 Os cromossomos se cruzam.PASSO 3 Os cromossomos se rompem no ponto de cruzamento, trocam omaterial genético e segregam- se em células de embrião separadas.

76DESTAQUE 2.1 GÊMEOSDurante as primeiras divisões mitóticas, após a formação do zigoto, as células-filhas, às vezes, separam-se completamente e se desenvolvem em indivíduos separados.Quando uma divisão desse tipo resulta em dois indivíduos, eles são chamados gêmeos monozigóticos, porque são gêmeos provenientes de um zigoto. Tendo-se originadodo mesmo zigoto, os gêmeos monozigóticos herdam informações genéticas idênticas. Assim, eles têm potencialmente a mesma composição física e psicológica, a mesmasusceptibilidade para a doença e a mesma expectativa de vida. Gêmeos monozigóticos ocorrem na proporção de 1 par para cada 250 concepções. A razão para a separaçãodas células após as primeiras divisões mitóticas é desconhecida.A maior parte dos gêmeos não se origina de um único zigoto, mas de dois zigotos formados pela fertilização de dois óvulos separados. Como esses gêmeos - chamadosde gêmeos dizigóticos — provêm de dois zigotos, não são mais parecidos no nascimento do que quaisquer outras crianças filhas dos mesmos pais. Diferentemente do queacontece com gêmeos monozigóticos, sabe-se que os gêmeos dizigóticos são influenciados por vários fatores, incluindo raça, he-reditariedade, a idade da mãe, o número

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de gestações anteriores e o uso de drogas para estimular a fertilidade. As mulheres afro-ame-ricanas, mães que são elas próprias gêmeas dizigóticas, mulheres entreos 35 e os 40 anos de idade, mulheres que já tiveram quatro ou mais filhos, e aquelas que têm tomado drogas para estimular a fertilidade têm maior probabilidadede dar à luz gêmeos dizigóticos.Como está discutido no texto, os gêmeos são de especial interesse para os psicólogos porque um conhecimento de suas similaridades e diferenças pode ajudar a responderquestões sobre as influências da natureza e da educação.Estes gêmeos dizigóticos ilustram o grande potencial de variabilidade em dois indivíduos concebidos ao mesmo tempo pelos pais.Os gêmeos monozigóticos não só se parecem naturalmente, mas podem, às vezes, ser vestidos iguais e tratados da mesma maneira por outros, o que só faz acentuar suasemelhança. Entretanto, os cromossomos do vigésimo terceiro par podem diferir. Esse par de cromossomos determina o sexo genético da pessoa,uma fonte fundamental de variedade na nossa espécie. Em mulheres normais, os dois membros do vigésimo terceiro par de cromossomos são do mesmo tipo e são chamadosde cromossomo X. O homem normal, no entanto, tem apenas um cromossomo X, que faz par com um cromossomo diferente, muito menor, chamado cromossomo Y (ver Figura 2.5).Como uma mulher é sempre XX, cada um de seus ovos contém um cromossomo X. Em contraste, metade dos espermato-

77zóides de um homem carrega um cromossomo X e metade um cromossomo Y. Se um espermatozóide contendo um cromossomo X fertiliza o ovo, a criança resultante será XX,uma mulher. Se o espermatozóide contém um cromossomo Y, a criança será XY, um homem. Devido a esse fato, poderia parecer que cada concepção tem uma chance de 50%de resultar em um menino e 50% de resultar em uma menina. No entanto, como indica a Tabela 2.1, são concebidos muito mais zigotos masculinos do que feminino e nascem,na verdade, um pouco mais de meninos que meninas (Motulsky, 1986).

Conceitos:gêmeos monozigóticos Gêmeos provenientes de um zigoto e que, por isso, têm genótipos idênticos.gêmeos dizigóticos Gêmeos provenientes de dois zigotos.cromossomos X e Y Os dois cromossomos que determinam o sexo do indivíduo. As mulheres normais têm dois cromossomos X, enquanto os homens normais têm um cromossomoY herdado de seus pais e um cromossomo X herdado de suas mães.genótipo O dote genético de um indivíduo.fenótipo Características observáveis do organismo que resultam da interação do genótipo com o ambiente.ambiente A totalidade das condições que envolvem o organismo.alelo Uma forma alternativa de um gene codificado para um traço particular.homozigótico Que tem dois genes herdados da mesma forma alélica para um traço.heterozigótico Que tem dois genes herdados de forma alélica diferente para um traço.alelo dominante O alelo que é expressado quando um indivíduo possui dois alelos diferentes para o mesmo traço.

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alelo recessivo O alelo que não é expressado quando o indivíduo possui dois alelos diferentes para o mesmo traço.co-dominância Um traço que é determinado por dois alelos mas é diferente do traço produzido apenas por um dos alelos contribuintes.Gregor Mendel, descobridor dos princípios básicos da genética.

TABELA 2.1 PROPORÇÕES APROXIMADAS DE SEXO DA POPULAÇÃO BRANCA DOS ESTADOS UNIDOSNota: São realmente as mulheres a maioria? Na população adulta, sim. Os fatos de que são concebidos mais bebês do sexo masculino do que aqueles que efetivamentenascem e o fato da proporção de homens para as mulheres declinar durante o tempo de vida parecem refletir a maior vulnerabilidade dos homens para doenças genéticase outras condições que implicam risco de vida (McKusick, 1975). A proporção de homens em relação às mulheres no nascimento também pode ser influenciada por fatoresculturais, como métodos recentemente desenvolvidos de identificação do sexo do feto conduzindo a aborto seletivo em sociedades em que os homens são mais valorizadosque as mulheres (Hsi e Adinolfi, 1997). Fonte da estatística: Lerner eLibby(1976).

GENOTIPO E FENOTIPOAs maneiras com que os genes influenciam o desenvolvimento devem ser entendidas em dois níveis. Um nível é o do genótipo, o dote genético do indivíduo, ou, em outraspalavras, as formas genéticas específicas que o indivíduo herdou. O genótipo é constante durante toda a vida do indivíduo. O segundo nível é o do fenótipo, as característicasobserváveis do indivíduo - seus traços físicos e psicológicos, saúde e comportamento. O fenótipo desenvolve-se através de interações entre o genótipo e

78o ambiente - a totalidade de condições e circunstâncias que envolvem o organismo. Vamos voltar nossa atenção primeiro para os mecanismos de herança genética e paraas leis que os governam; depois, consideraremos as maneiras com que a herança genética se expressa através da interação com o ambiente.

As leis da herança genética

O entendimento científico dos mecanismos, pelos quais os pais transmitem seu material genético para a próxima geração, data de estudos pioneiros realizados por GregorMendel (1822-1884). Através de experiências em que ele cruzou várias ervilhas de jardim, Mendel deduziu que os pais transmitem algumas características para seusfilhos e sugeriu que eles fazem isso através de entidades físicas discretas às quais ele se referia como "caracteres". Só muitos anos mais tarde foi demonstradoque os "caracteres" hipotéticos de Mendel operam em humanos e correspondem a estruturas físicas reais - cromossomos portadores de genes no núcleo da célula.Na forma mais simples da transmissão hereditária, um par isolado de genes, um do pai e outro da mãe, contribui para uma determinada característica herdada. Os genesque influenciam um traço específico (por exemplo, a presença ou ausência de uma fenda no queixo) podem ter a mesma forma ou formas diferentes, chamadas alelos. Quandoos genes correspondentes herdados do pai e da mãe são da mesma forma alélica (ambos têm queixos fendidos ou ambos têm queixos não-fendidos), diz-se que a pessoa

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é homozigótica para esse traço. Quando os alelos são diferentes (um tem queixo fendido e o outro tem queixo não-fendido), diz-se que a pessoa é heterozigótica paraesse traço. A distinção entre o pareamento dos alelos dos homozigóticos e dos heterozigógicos é essencial para se entender como as diferentes combinações de genesproduzem características diferentes.Quando uma criança é homozigótica para um traço com características particulares, que seja afetado por um único par de alelos, apenas um resultado é possível: acriança vai exibir as características particulares associadas àquele alelo. Quando uma criança é heterozigótica para esse traço, um dos três resultados é possível:1. A criança exibirá as características específicas associadas a apenas um dos dois alelos. O alelo cujas características são expressadas é chamado de alelo dominante,e o alelo cujas características não são expressadas é chamado de alelo recessivo.2. A criança será afetada por ambos os alelos e exibirá características que são intermediárias entre aquelas "requeridas" pelos dois alelos.3. A criança exibirá características afetadas por ambos os alelos mas, em vez de serem intermediárias, as características serão distintivamente diferentes daquelasligadas a cada um dos alelos contribuintes. Esse resultado é chamado co-dominância.A herança do tipo sangüíneo ilustra o resultado homozigótico e dois dos resultados heterozigóticos. Há três alelos por tipo de sangue - A, B e O - e quatro tipossangüíneos básicos - A, B, AB e O. Se as crianças recebem dois alelos tipo A, dois tipo B ou dois tipo O, elas são homozigóticas para o traço e terão sangue tipoA, tipo B ou tipo O, respectivamente. Mas, se herdam alelos do tipo A ou do tipo B de um dos pais e alelo do tipo O do outro, terão sangue tipo A ou tipo B, mesmoque seu código genético para o tipo sangüíneo seja AO ou BO. O alelo O é recessivo e, por isso, não afeta o tipo de sangue exibido. Finalmente, se as crianças herdamum tipo de alelo A e um tipo de alelo B, exibirão um resultado co-dominante - sangue do tipo AB, que é qualitativamente diferente do sangue do tipo A ou do sanguedo tipo B. A Figura 2.6 mostra alguns resultados de várias combinações dos três alelos para o tipo sangüíneo.O caso dos tipos de sangue proporciona uma boa maneira para ilustrar o estudo das leis da herança genética porque envolve um conjunto de relacionamentos bastanteconhecido e simples, mas também simplifica bastante o quadro da herança

79genética humana. Isso, em parte, é verdade, porque a maioria dos traços são poligênicos. Um traço poligênico não envolve dois ou três genes, mas vários - talvezaté centenas, no caso de traços comportamentais complexos.Efeitos genéticos relacionados ao sexoAlgumas características humanas herdadas são afetadas por genes encontrados apenas nos cromossomos X ou Y e, por isso, são chamadas características relacionadasao sexo. A maior parte dessas características herdadas, relacionadas ao sexo, são transportadas no cromossomo X (como já vimos, ele é muito maior que o cromossomoY). Como as mulheres recebem dois cromossomos X, elas têm dois conjuntos de genes ligados ao sexo correspondentes ao cromossomo X, um da mãe e um do pai, como acontececom os genes de qualquer outro cromossomo. Mas, como os homens normais só recebem um cromossomo X, eles só têm um de cada gene pertencente ao cromossomo X, que sempreprovém de suas mães.

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Essa assimetria no material genético torna os homens suscetíveis a deficiências genéticas que não afetam as mulheres. Se uma filha tem um gene recessivo prejudicialem um cromossomo X, ela, em geral, terá um gene dominante normal no outro cromossomo X para anulá-lo. Assim, o gene recessivo não está expresso no nível fenotípico.Entretanto, um filho que herda um gene recessivo prejudicial em seu cromossomo X não tem esse alelo complementar para anular os efeitos danosos do gene recessivo.Ora, se está faltando um gene do cromossomo X, os homens não terão outra cópia para codificar o traço em questão. O daltonismo (cegueira seletiva para as cores vermelhoe verde) é um exemplo desse traço recessivo ligado ao sexo. É causada pela ausência de material genético que codifica os pigmentos presentes na retina do olho queabsorvem a cor. Se uma filha exibe esse traço, ela deve ser homozigótica para ele, ou seja, ela deve ter um pai e uma mãe portadores de daltonismo ou um pai daltônicoe uma mãe heterozigótica para o traço. Em contraste, se um filho recebe o gene do daltonismo do cromossomo X, que ele recebe da sua mãe, ele será incapaz de distinguira luz vermelha da luz verde, porque não há gene correspondente no cromossomo Y que lhe permita fazer tal distinção.Outros traços ainda mais prejudiciais relacionados ao sexo e que afetam fundamentalmente os homens incluem a hemofilia (uma deficiência que retarda a coagu-laçãodo sangue), alguns tipos de cegueira noturna, atrofia do nervo ótico, hipoga-maglobulinemia (a incapacidade do corpo para produzir os anticorpos necessários paracombater infecções bacterianas), resistência à vitamina D (que causa raquitismo), distrofia muscular de Duchenne (um enfraquecimento muscular progressivo que conduza uma morte precoce) e algumas formas de diabetes (Motulsky, 1986).

O efeito do ambiente na expressão de um gene para a cor do pêlo do coelho do Himalaia. Sob condições normais (a) somente as patas, o rabo, as orelhas e o focinhodo coelho são pretos. Se for removido o pêlo de uma parte das costas do coelho e um pedaço de gelo for colocado nessa área, criando um ambiente local frio (b), onovo pêlo que cresce nele é preto (c). (Adaptada de Winchester, 1972.)

FIGURA 2.5Cromossomos humanos X (acima) e Y (abaixo). Observe que o cromossomo X é muito maior. Os homens têm ambos os cromossomos, X e Y, mas as mulheres têm dois cromossomosX.

80OS GENES, O ORGANISMO E O AMBIENTEO conhecimento apenas das leis de herança genética é insuficiente para se entender as influências genéticas sobre as características de um indivíduo. Devemos tambémlevar em conta os efeitos do ambiente em todas as suas incontáveis formas. Os genes não existem isoladamente, eles existem apenas dentro de um ambiente. Somenteatravés das interações de seus genes com os ambientes - desde os níveis intracelulares até os níveis ecológicos e culturais - os organismos conseguem se desenvolver.

Estudo dos genes - interações ambientaisA relação dos genes com seus ambientes é complexa e realizada em muitos níveis. Como mencionamos no início do capítulo, os genes são apenas códigos químicos que

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especificam as seqüências dos aminoácidos nas proteínas produzidas pelas células. As células, por sua vez, provêem o ambiente imediato no qual os genes existem.Assim, os genes e o material celular estão em constante interação. O sistema de células como um todo - o organismo - está também em constante interação com seu ambiente.As interações do organismo com seu ambiente mais amplo determinam as condições das células individuais e, portanto, o ambiente imediato dos genes (Futuyma, 1998).Os geneticistas comportamentais, pesquisadores do desenvolvimento que procuram entender como os fatores genéticos e ambientais se combinam para produzir diferençasindividuais no comportamento, identificaram vários princípios que se aplicam a essas interações (Rutter et ai., 1997). Um princípio é que as interações entre osorganismos e seus ambientes precisam ser estudados em uma estrutura ampla e ecológica porque as variações no ambiente, em qualquer nível, podem ter efeitos profundossobre o desenvolvimento do fenótipo. Albert Winchester (1972) demonstrou vivamente esse princípio em um conjunto de experiências realizadas com coelhos do Himalaia.O coelho do Himalaia, normalmente, tem um corpo branco e orelhas, focinho, patas e rabo pretos. As extremidades do coelho são, em geral, mais frias que o resto doseu corpo, e essa distribuição desigual das temperaturas provoca as variações características em seu pêlo. Se uma parte do pêlo branco das costas de um coelho forremovida e for colocado um pedaço de gelo sobre essa parte até um novo pêlo crescer, o novo pêlo será preto (ver Figura 2.7). Esse resultado mostra que o fenótipopara a cor do pêlo depende da temperatura no local específico onde o pelo cresce. Em outras palavras, embora o gene para a cor preta só esteja expresso no nívelfenotípico em baixas temperaturas, ele não é suficiente para especificar a temperatura do ambiente geral do coelho, para prever a cor do seu pêlo; as temperaturasde locais específicos do coelho são os ambientes relevantes para se prever a expressão do gene para o pêlo preto.Um segundo princípio da interação entre o gene e o ambiente é o fato dessa interação ser realmente um processo de duas vias. Por exemplo, algumas pessoas são geneticamentepredispostas para se tornarem deprimidas quando têm experiências estressantes. Mas, ao mesmo tempo, a ocorrência de depressão aumenta a probabili-

81dade de experiências estressantes. Os pássaros canoros herdam genes que podem resultar em sua aquisição dos sons fenotípicos do seu canto, mas somente se foremexpostosaos cantos da sua espécie (Mello et ai, 1992). Os ratos herdam genes que podem dar garantia ao uso de seus bigodes para explorar o ambiente, mas esses genes só estarãoexpressos no córtex sensorial do rato se os seus bigodes tiverem sido estimulados (Mack e Mack, 1992). Ambas as direções de influência, organismo —> ambiente e ambienteorganismo devem ser levadas em conta.Um terceiro princípio da interação entre o gene e o ambiente é que os fatores genéticos freqüentemente desempenham um papel importante na determinação dos ambientesque os indivíduos habitam e em como eles moldam e selecionam suas próprias experiências (Scarr e McCartney, 1983). As crianças que, em parte por razões genéticas,respondem positivamente a níveis elevados de estimulação podem gostar de ouvir música alta e barulhenta e isso, por sua vez, pode influenciar sua escolha dos parespara passar o seu tempo, assim como esses pares escolhem-nas para passar seu tempo com eles.

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Esses princípios deixam claro que os pesquisadores do desenvolvimento devem manter em mente muitos fatores quando procuram entender o processo dinâmico pelo qualos genes e o ambiente interagem no curso do seu desenvolvimento.Os tipos de interações entre o gene e o ambiente que permitem que uma criança manipule um bastão depende muito do contexto cultural que especifica o modo como obastão deve ser usado. Observem as diferenças associadas ao contexto cultural entre três nações de ilhas do Pacífico: Japão, Indonésia e Tonga.

Amplitude da reaçãoPara abarcar a grande variedade de interações que podem ocorrer entre os genes e o ambiente, os desenvolvimentalistas procuram investigar o máximo possível de combinaçõesde interações entre os genes e o ambiente. Ao conduzir pesquisas sobre as interações entre o gene e o ambiente em organismos como plantas, moscas-das-frutas e camundongos,os geneticistas usam duas abordagens para atingir esse objetivo. Em uma delas, tentam manter o ambiente constante, de forma que qualquer variação no fenótipo possaser atribuída a variações nos genes. Na outra, mantêm o genótipo constante enquanto variam o ambiente, de tal modo que as variações no fenótipo possam ser atribuídasa variações no ambiente. O primeiro procedimento destaca as influências genéticas sobre o desenvolvimento; o segundo destaca as influências do ambiente. Cada umadas duas abordagens em si nos daria apenas um quadro parcial da interação entre o gene e o ambiente, mas, se as duas aborda-

82gens forem combinadas, pode ser revelada a natureza dupla das interações entre o gene e o ambiente.Através do mapeamento das mudanças que ocorrem no fenótipo quando o ambiente de um determinado genótipo varia, os pesquisadores podem descobrir a amplitude da reaçãodesse genótipo. Idealmente, essa amplitude representa todos os possíveis relacionamentos entre o gene e o ambiente compatíveis com a vida continuada do organismo,de tal modo que inclui todos os possíveis resultados desenvolvimentais. No caso do coelho do Himalaia, a extensão da reação da cor do pêlo seria limitada, em umextremo, pela temperatura em que o coelho congelaria até a morte e, em outro extremo, pela temperatura que seria elevada demais para permitir que ele vivesse. Quandoa temperatura se aproxima do limite inferior, podemos esperar que o pêlo do coelho seja predominantemente preto. Quando a temperatura se aproxima do limite superior,até mesmo as extremidades do coelho podem permanecer brancas. As variações na expressão fenotípica da cor do pêlo enquanto a temperatura varia de um extremo a outroé a extensão da reação do genótipo do coelho para a cor do pêlo.

CanalizaçãoO conceito da amplitude da reação concentra a atenção na ampla série de possíveis fenótipos que podem resultar da combinação de um determinado genótipo e a extensãodos ambientes que podem manter a vida do organismo. O geneticista do desenvolvimento Conrad Waddington (1947) introduziu o conceito de canalização para destacar

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outro aspecto das interações entre o gene e o ambiente: o fato de algumas características típicas de uma espécie serem limitadas a uma amplitude restrita, mesmocom amplas variações nas condições ambientais. Assim como um canal limita o fluxo da água, os genes que afetam os traços afetados canalizam a uma amplitude restritao desenvolvimento desses traços de tal modo que eles variam muito pouco em resposta aos eventos ambientais. A capacidade das crianças em desenvolvimento de adquirira linguagem é freqüentemente citada como um exemplo de um processo de desenvolvimento canalizado em humanos. Como veremos no Capítulo 8, as crianças em todas associedades não somente adquirem linguagem sem precisar de instrução deliberada mas até mesmo adquirem linguagem quando sofrem de retardo mental, ou quando a produçãodo ambiente é muito reduzida pela perda de audição. Só a privação muito severa e prolongada da produção de linguagem parece capaz de desviar o desenvolvimento dalinguagem do caminho desenvolvimental típico da sua espécie.Os processos canalizados também exibem uma forte tendência para se autocor-rigir depois que o organismo é exposto a experiências fora dos padrões. O crescimentofísico é um exemplo desse princípio. Durante uma doença ou um período de inanição, o crescimento físico das crianças se torna mais lento, mas, quando elas se recuperamou voltam a se alimentar, crescem em um ritmo mais rápido que o usual até conseguirem alcançar suas curvas de crescimento originais. Quando o desenvolvimento nãoé altamente canalizado, a variabilidade no ambiente produz diferenças mais freqüentes e mais marcantes entre os indivíduos, e é menos provável que ocorra autocorreçãono decorrer de qualquer experiência não-usual.Waddington achava que a canalização era o produto de mecanismos genéticos, mas Gilbert Gottlieb (1997) declarou que a canalização também pode resultar de experiênciasdesenvolvimentais precoces. Ele demonstrou que se os patos silvestres não forem expostos no início da sua vida aos sons do chamado para reunir de sua mãe, eles podemresponder ao chamado de uma fêmea de alguma outra espécie e seguir o chamado dessa espécie durante o resto de suas vidas.O estudo das influências genéticas sobre o comportamento humanoA tarefa de aplicação dos princípios da genética aos seres humanos é uma questão difícil, tanto do ponto de vista ético quanto do ponto de vista científico. Eticamente,

83o estudo da genética comportamental humana é restrito pela impossibilidade de se realizar experiências necessárias para estabelecer uma amplitude da reação. Taisexperiências se ajustariam às necessidades lógicas da ciência, mas também re-queririam um controle totalitário das vidas dos objetos da pesquisa e exporiam as criançasa ambientes perigosos, apenas com o propósito de interesse científico. É óbvio que tais experiências seriam imorais e não devem ser realizadas.Cientificamente, a impossibilidade de se usar um controle experimental para medir a amplitude da reação para as características comportamentais humanas priva osgeneticistas comportamentais de uma análise causai estrita. Em conseqüência disso, é provável que em suas conclusões sobre o papel dos genes com respeito a característicascomportamentais como retardamento mental, atraso na linguagem, temperamento, etc, usem a expressão geneticamente influenciado ou hereditário, em vez de geneticamentecausado. Há outras boas razões para esse cuidado no uso das palavras.

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Em primeiro lugar, os geneticistas desenvolvimentais sabem que, com raras exceções, não podem especificar exatamente que genes estão associados ao comportamentoem questão, nem podem proporcionar uma descrição detalhada dos ambientes nos quais os genes encontram sua expressão específica. Em segundo lugar, qualquer comportamentoque mostre uma grande extensão de diferenças individuais -a timidez, digamos - é quase certamente influenciado por múltiplos genes na interação com o ambiente. Conseqüentemente,quando um geneticista comportamental diz que uma característica como a timidez é geneticamente influenciada, isso não significa que um gene ou conjunto de genesque corresponde à timidez tenha sido descoberto. Em vez disso, significa que há uma correlação estatística entre uma característica comportamental chamada timideze a variação genética na população que está sendo estudada (ver Destaque 2.2). Para determinar tal correlação, os geneticistas comportamentais contam com estudosde consangüinidade.

Avaliação da influência genética através dos estudos de consangüinidadeOs geneticistas comportamentais fazem uso de condições que ocorrem naturalmente, proporcionadas por relações de consangüinidade, para avaliar as contribuições genéticase comportamentais para um determinado fenótipo (Plomin et ai., 1997). Ou seja, eles determinam o grau em que parentes de vários graus de proximidade genética sãosemelhantes em determinado traço. Os pais e seus filhos compartilham 50% de seus genes; os irmãos também compartilham 50% de seus genes - exceto no caso de gêmeosidênticos, que compartilham 100% de seus genes; meio-irmãos compartilham 25% de seus genes e assim por diante. Se o grau de similaridade no traço está relacionadoao grau de proximidade genética, pode ser inferido que o traço é hereditário. Os geneticistas comportamentais examinam a similaridade entre parentes usando trêstipos de modelos de consangüinidade: família, gêmeos e adoção.No estudo familiar típico, parentes que vivem juntos em uma casa - pais, filhos, enteados - são comparados uns com os outros para determinar qual a sua similaridadeem um determinado traço. O fracasso dos estudos familiares na avaliação do grau de influência genética é o fato óbvio de que pais e irmãos não somente compartilhamgenes, mas também participam do mesmo ambiente familiar. Assim, quaisquer similaridades encontradas entre eles poderiam ser atribuídas tanto às influências ambientaisquanto às hereditárias.Para obter estimativas mais precisas das contribuições genéticas e ambientais para as diferenças individuais, os geneticistas comportamentais capitalizam em duasestratégias relacionadas. Uma é o estudo dos gêmeos, em que grupos de monozi-góticos (idênticos) e dizigóticos (fraternos) do mesmo sexo são comparados um com ooutro e com outros indivíduos consangüíneos para avaliar a similaridade em um determinado traço. Como os gêmeos monozigóticos têm 100% dos seus genes em comum, enquantoos gêmeos dizigóticos (e outros irmãos) compartilham 50% dos seus genes, gêmeos monozigóticos criados juntos devem mostrar maiorsimilaridadedo que gêmeos dizigóticos ou irmãos. Pela mesma lógica, gêmeos dizigóticos e irmãos devem ser mais similares do que meio-irmãs e meio-irmãos.A segunda estratégia é o estudo de adoção, que compara crianças criadas separadas de seus pais biológicos. Alguns estudos de adoção comparam gêmeos ou irmãos que

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foram adotados por famílias diferentes. Outros estudos de adoção comparam pais e filhos não relacionados biologicamente, vivendo na mesma família. O propósito básicodessa estratégia é determinar se as crianças adotadas são mais semelhantes a seus pais e irmãos biológicos, que compartilham seus genes, ou com seus pais e irmãosadotivos, com quem compartilham um ambiente familiar comum.Muitos estudos usando estratégias familiares, de gêmeos e de adoção mostraram que o grau de similaridade entre parentes consangüíneos diminui à medida que tambémdiminui o grau de similaridade genética. Esse padrão foi obtido para características muito variadas, tais como a personalidade (Bouchard, 1994), inteligência (medidapelas pontuações de QI) (Plomin e DeFries, 1983; Scarr e Weinberg, 1983), percepção do autoconceito (McGuire et ai., 1994) e susceptibilidade à esquizofrenia (Gottesman,1991).Os resultados típicos desses estudos estão refletidos na Tabela 2.2, que apresenta um estudo maciço das correlações entre as personalidades dos membros da famíliaque diferem em seu grau de relacionamento genético (Loehlin, 1992). O traço de personalidade sob investigação foi chamado de extroversão, que inclui sociabilidadeem geral, impulsividade e disposição.Tanto as influências genéticas quanto as ambientais estão evidentes na Tabela 2.2. Se concentrarmos nossa atenção primeiro nas influências genéticas, veremos queas correlações para gêmeos monozigóticos (MZ) são marcantemente maiores que aquelas para gêmeos dizigóticos (DZ) ou irmãos, quer eles sejam criados juntos, na mesmafamília ou separados, em famílias diferentes. Veremos também que o grau de correlação entre as pontuações de personalidade diminuem consideravelmente com a diminuiçãodos graus de relacionamento familiar. Se voltarmos nossa atenção para as influências ambientais, veremos que elas também são bastante claras em suas evidências.A correlação entre as pontuações dos testes para os gêmeos monozigóticos é bem abaixo de 1,0, embora esses gêmeos compartilhem 100% dos seus genes. Finalmente, acorrelação entre os parentes biológicos que são criados juntos é mais elevada que aquela para os parentes biológicos criados separados.Apesar de sua utilidade, os estudos de consangüinidade, mesmo aqueles que permitem a comparação entre gêmeos monozigóticos e gêmeos dizigóticos e que incluem criançasadotadas, apresentam problemas. É possível, por exemplo, que os gêzneos monozigóticos possam ser tratados mais similarmente que os gêmeos dizigóticos ou outros irmãos,e, na medida em que isso aconteça, os gêmeos monozigóticos mais podem ser mais semelhantes que os gêmeos dizigóticos mais por razões ambientais do que por razõesgenéticas (Plomin et ai., 1997). Mesmo quando irmãos são adotados por famílias diferentes e criados separados, os ambientes em que são criados podem ser semelhantes,porque é provável que as agências de adoção se esforcem ao máximo para colocar as crianças em lares seguros e amorosos, freqüentemente com pessoas cujas origenssociais e culturais correspondam àquelas de seus pais biológicos (Scarr, 1981). Assim, a variação em que as crianças adotadas são similares às suas famílias biológicasnão pode ser inteiramente atribuída à similaridade dos seus genes; pode ser também devido à similaridade dos ambientes em que as famílias vivem.Ao mesmo tempo, não pode ser presumido que as crianças de uma determinada família necessariamente compartilhem o mesmo ambiente. Alguns pesquisadores chamaram aatenção para o fato de que o ambiente familiar não é idêntico para todos os membros da família e que as diferenças nas experiências ligadas à família de crianças

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que moram na mesma casa criam diferenças entre elas (Dunn e Plomin, 1990; Hetherington et ai., 1994). Esses pesquisadores apontam para vários fatores que contribuempara as diferenças nos ambientes de irmãos criados na mesma família. Por exemplo, não apenas os pais tratam cada um dos seus filhos diferentemente mas também osirmãos oferecem ambientes diferentes um para o outro, e é provável que tenham professores diferentes na escola e amigos diferentes (ver Destaque 2.3).

84DESTAQUE 2.2 O CONCEITOHEREDITARIEDADE E OS MITOS SOBRE AS INFLUENCIAS GENÉTICASEm sua pesquisa sobre as influências genéticas, os geneticistas com-portamentais estudam amostras relativamente grandes de famílias às vezes vários milhares (McGueet ai., 1993). Esses números grandes permitem-nos aplicar técnicas de estatística matemática para chegar a uma estimativa quantitativa da hereditaríedade.A hereditariedade diz respeito ao grau em que uma variação emuma determinada característica entre os indivíduos de uma populaçãoespecífica (como a timidez) está relacionada a diferenças genéticasentre aqueles indivíduos. A hereditariedade é freqüentementerepresentada por uma medida estatística chamada coeficiente dehereditariedade, referido como h2. Em termos matemáticos, h2 édefinido como a proporção de variação em um comportamento outraço, dentro de uma população, que pode ser atribuída à variaçãogenética. Como fórmula, é escrita assim:2 - Variância devido aos genesVariância totalO denominador ( variância total) pode ser calculado diretamente I pelas medidas do traço em questão obtidas de todos os indivíduos I da amostra. O numerador (variânciadevido aos genes) não pode I ser diretamente calculado. Deve ser estimado pela comparação de | indivíduos que diferem em relação um ao outro em seu grau de | relacionamentogenético (Plomin et ai., 1997).Usando essa formulação, os geneticistas comportamentais calcularam o h2 para várias características humanas, variando desde a al-I tura, que, para os norte-americanos,é cerca de 90%, até traços de personalidade como a consciência, que é estimada em cerca de 38%. Mais uma vez, tenha em mente que a hereditariedade é uma estatísticada população. Ela não se aplica a casos individuais. Dizer que a altura é 90% hereditária não significa que, em alguém que mede 1,80 m, 1,62 m da medida total sãoatribuíveis aos genes e o restante ao ambiente. Significa que, para a população como um todo, 90% da variação da altura média é o resultado de fatores genéticos.A razão do alto fator de hereditariedade na altura nos Estados Unidos é a relativa ausência de diversidade ambiental, ou | seja, os níveis nutricionais são muitoparecidos em toda a população. Esse fato destaca outro princípio importante da hereditariedade: esta diminui à medida que aumenta a diversidade ambiental;e ; aumenta à medida que a diversidade genética também aumenta e a diversidade ambiental diminui.O uso crescente de medidas quantitativas da hereditariedade no estudo do desenvolvimento humano, assim como a potencial confusão que envolve o seu uso, levaram Michael

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Rutter e Robert Plomin a advertir contra várias concepções errôneas disseminadas a respeito da natureza das influências genéticas sobre o comportamento (Rutter etai., 1997). Seus principais pontos estão resumidos a seguir.Mito 1: As estimativas de hereditariedade têm um valor fixado como "verdadeiro" para cada traço.Encontrar uma hereditariedade significativa para um traço não significa que o traço tenha algum nível de hereditaríedade "verdadeiro" que se mantenha em qualquerépoca, lugar e população. Como explicam Rutter e Plomin (1997), "As estimativas da hereditariedade só se aplicam à população estudada naquela época particular esob as condições ambientais prevalecentes naquela época" (p. 209). Por exemplo, nos estudos conduzidos nos Estados Unidos, as estimativas da hereditariedade da inteligência(medidas pela pontuação de Ql) aumentam entre os 16 e os 20 anos de idade, presumivelmente, porque há aumentos significativos na variação dos ambientes habitadospor pessoas jovens durante esse período de suas vidas (McGue, 1995).Mito 2: Um fator de hereditariedade elevado significa que as intervenções ambientais serão ineficazes.Muitas pessoas têm declarado que um traço com alto fator de hereditariedade é relativamente imune às influências ambientais. Isso simplesmente não é verdade. O exemplomais notável de um traço com alto fator de hereditariedade associado a fenótipos extraordinariamente diferentes é a altura. Atualmente, a hereditariedade para aaltura na América do Norte é de 90%, mas houve uma grande elevação na altura em muitasnações durante o século XX devido a uma melhor nutrição (Tizard e Rees 1975).Mito 3: Um fator de hereditariedade elevado nas populações significa que as diferenças entre as populações são também geneticamente determinadas.Não pode ser tão pesadamente enfatizado que o h2 é derivado de variações entre as pessoas em uma determinada população. Há, é claro, diferenças médias na manifestaçãode vários traços entre populações diferentes. Um erro comum é supor que um fator de hereditariedade elevado para um determinado traço significa que as diferençasentre dois grupos para aquele traço são geneticamente baseadas. Esse erro é freqüentemente cometido em discussões do Ql (que vamos considerar extensamente no Capítulo13). O h2 para o desempenho no teste de Ql durante a infância é aproximadamente 0,50 e há diferenças significativas entre vários grupos de população em seus desempenhosmédios no teste de Ql (os japoneses, como, grupo, por exemplo, tiveram uma pontuação mais elevada que os norte-americanos, e os norte-americanos brancos, como grupo,tiveram uma pontuação mais elevada que os afro-americanos). Saber o h2 das diferenças individuais dentro dos grupos não diz nada sobre a causa das diferenças médiasentre esses grupos porque é provável que eles difiram em suas circunstâncias ambientais.estudo de adoção Um estudo em que indivíduos geneticamente relacionados, que são criados em ambientes familiares diferentes, são comparados para determinar a extensãoem que a hereditariedade ou o ambiente controla um determinado traço.hereditariedade Uma medida do grau em que uma variação em um determinado traço entre os indivíduos de uma população específica está relacionada a diferenças genéticasentre os indivíduos.

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85Mito 4: Os efeitos genéticos são determinantes.Muitas pessoas supõem incorretamente que haja uma correspondência de um para um entre um gene e uma doença a ele associada. Elas supõem que se você herdou o gene,herdou a doença. Há exemplos desse tipo de correspondência, como a doença de Hunting-ton, mas esses casos são raros. Mesmo que apenas alguns genes estejam associadosa uma doença e o ambiente se mantenha constante, é provável que os efeitos de pessoa para pessoa variem no nível do fenótipo. Além disso, a maior parte das doençasé determinada por muitos genes agindo em combinação com condições médicas comuns, como diabetes, hipertensão e asma, assim como para doenças mentais como a depressão.Mito 5: Os genes associados a uma doença devem serruins.Parece natural supor que os genes associados a uma doença sejam ruins para o desenvolvimento. Esse mito é incorreto em dois aspectos. Em primeiro lugar, alguns genesassociados a uma doença, na verdade, operam como uma proteção. Por exemplo, cerca de metade da população da China ou do Japão possui um alelo que bloqueia o metabolismodo álcool, caso a pessoa seja homozigótica em relação a ele. Se uma pessoa portadora dessa forma de gene ingere álcool, a interrupção do metabolismo do álcool resultaem sintomas desagradáveis, como rubore náusea (McGue, 1993). Acredita-se que essa variante genética seja responsável pelos índices relativamente baixos de alcoolismonas populações asiáticas (Hodgkinson et ai., 1991). Em segundo lugar, a mesma influência genética pode ser um fator de risco para alguns resultados comporta-mentais,mas um fator de proteção para outros. Isso é verdade com relação à timidez, que é um fator de risco para a ansiedade mas um fator de proteção contra o comportamentoanti-social (Biederman et ai., 1995).Mito 6: Genes "ruins" justificam programas eugênicos e interrupção da gravidez.A eugenia é a política de tentar extinguir o conjunto dos genes de genes considerados indesejáveis, evitando uniões de indivíduos portadores desses genes, ou abortandofetos que se sabe serem portadores de determinados genes, garantindo, desse modo, que esses genes não sejam transmitidos para a próxima geração. A eugenia é umaidéia ruim, baseada em uma má interpretação básica da natureza da hereditariedade. Em primeiro lugar, muitas doenças geneticamente relacionadas surgem de anomaliase mutações genéticas que não são herdadas (por exemplo, síndrome de Down). Em segundo lugar, como já vimos, os genes são apenas probabilisti-camente relacionadosaos fenótipos e são somente um dos muitos fatores de risco para qualquer doença. O motivo de eugenia ser umconceito erroneamente concebido é destacado pelo fato de que todos nós portamos alguns genes de "risco", que nos tornam mais susceptíveis a fenótipos prejudiciais.Em geral, não percebemos que portamos esses genes de risco porque eles não conduziram a uma determinada doença - seja porque não temos os outros genes de risco requeridosou porque não encontramos o ambiente específico que conduziria à sua expressão.Mito 7: A terapia genética será amplamente aplicada.

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E freqüentemente presumido que, uma vez determinada a base genética de muitas doenças, será possível modificar os genes nelas envolvidos bem no início do seu desenvolvimento.Há a possibilidade de, em um futuro bem próximo, genes defeituosos serem substituídos por genes normais através da terapia genética (Birnstiel, 1996; Crystal, 1995). Em algumas circunstâncias, essa técnica pode ser útil. E duvidoso, no entanto, que a terapia genética venha a ocupar qualquer lugar significativo no tratamentode muitas doenças causadas pela interação de muitos genes e o ambiente."A boa notícia é que vocês vão ter uma menina saudável. A má notícia é que ela é uma mentirosa congênita."(Desenhado por Handelsmann; © 1996. The New Yorker Magazine, Inc.)eugenia Uma política para tentar extinguir o conjunto dos genes considerados indesejáveis. Evita que os indivíduos portadores desses genes se reproduzam, garantindo,assim, que esses, genes não sejam transmitidos para a próxima geração.

86Tabela 2.2 Resultados de estudos familiares e de adoção paraextroversão. Percentagem de Correlação real genes compartilhadosGêmeos MZ criados juntos 0,51 100Gêmeos DZ criados juntos 0,18 50Gêmeos MZ criados separados 0,38 100Gêmeos DZ criados separados 0,05 50Pais/Filhos morando juntos 0,16 50Pais e filhos adotivos 0,01 00Irmãos criados juntos 0,20 50Irmãos criados separados -0,07 50Tipo de parentescoFonte: Loehlin, 1992.

O fato de os ambientes diferentes experimentados por crianças diferentes da mesma família poderem conduzir a diferenças no seu desenvolvimento não minimiza de modoalgum a importância dos fatores genéticos. Ao contrário, reforça o princípio de que os genes e o ambiente são dois aspectos de um único processo de desenvolvimento.Em capítulos posteriores, quando começaremos a examinar os efeitos do ambiente sobre o desenvolvimento, será importante manter em mente o fato de que cada um denós experimenta o mundo de uma maneira diferente que depende não apenas da combinação singular de genes que herdamos dos nossos pais, mas também do ambiente singularem que cada um de nós habita.

87DESTAQUE 2.3 IRMÃOS: TANTO EM COMUM, MAS TÃO DIFERENTESJudy Dunn e Robert Plomin proporcionam exemplos intrigantes de como dois irmãos podem ser diferentes, apesar do fato de compartilharem 50 % dos seus genes. O primeiroexemplo vem do escritor norte-americano Mark Twain:

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Minha mãe teve muito trabalho comigo, mas acho que ela gostava disso. Ela não tinha nada a ver com meu irmão Henry, que era dois anos mais moço que eu, e acho quea monotonia constante da sua bondade, confiabilidade e obediência teriam sido uma carga para ela, não fosse o alívio e a variedade que eu lhe proporcionava na direçãooposta. Eu nunca soube que Henry tivesse tido uma atitude maldosa para comigo ou para com qualquer outra pessoa, mas ele freqüentemente fazia coisas corretas queme pesavam muito. Era seu dever me delatar quando eu precisava contar uma coisa e deixava de fazê-lo, e cumpria fielmente a sua obrigação. Ele é o Sid de Tom Sawyer.Mas o Sid não era Henry. Henry era um menino muito mais correto e melhor do que Sid jamais foi. (Citado em Dunn e Plomin, 1990, p. 1.)O segundo exemplo, envolvendo o poeta Alfred (A.E.) Housman e j seu irmão Laurence, que era escritor, é descrito pelo editor das cartas de Alfred, Henry Maas:Ãlfred só se parecia com Laurence na habilidade para escrever. De resto, era um contraste absoluto. Enquanto Laurence era disperso, impulsivo e caloroso, Alfredera preciso, disciplinado e j reservado. Laurence esbanjou seu talento em muitos livros, en-! quanto Ãlfred comprimiu seus poemas dentro dos limites deuma :' obra minúscula [conjunto do trabalho]. Laurence estava sempre se metendo em confusões, enquanto Alfred se mantinha cuidadosamente afastado delas. Laurenceera um visionário e idealista, para quem seu irmão mais velho devia, às vezes, ter parecido um pedante reacionário. (Citado em Dunn e Plomin, 1990, p. 3.)[ Nas duas últimas décadas, pesquisadores dos campos de desenvolvimento infantil, relações familiares e genética comportamental documentaram que irmãos da mesmafamília são freqüentemente tão diferentes um do outro quanto os irmãos desses relatos (por exemplo, Bôer et ai., 1994; Dunn e Plomin, 1990; Hetherington et ai.,1994; McHale e Pawletko, 1992). A chave para entender como ocorre uma diferença tão marcante entre crianças geneticamenterelacionadas é que os irmãos não compartilham o mesmo ambiente, mesmo no seio da família. Uma razão para isso é que os pais tratam seus filhos de maneiras diferentesporque os irmãos têm personalidades diferentes. Judith Harris (1998) proporciona um exemplo claro de como uma mãe pode tratar seus dois filhos diferentemente pelofato de eles reagirem diferentemente ao mesmo evento:Não faz muito tempo, eu estava no jardim da frente da minha casa com meu cachorro. Uma mãe e seus dois filhos - uma menina de cerca de cinco anos e um menino decerca de sete — caminhavam na rua. Meu cachorro, que é treinado para não ir para a rua, correu até o meio-fio e começou a latir para eles. As duas crianças reagiramde maneiras muito diferentes. A menina virou-se direto na direção do cachorro, perguntando, "Posso fazer carinho nele?", apesar do fato de o cachorro estar agindode maneira pouco amigável. Sua mãe disse depressa, "Não, Audrey, não acho que o cachorro queira que você lhe faça um carinho". Enquanto isso, o menino havia se afastadoaté o outro lado da rua e estava de pé ali, parecendo apavorado, não querendo passar na frente do cachorro que latia, mesmo com a largura da rua entre eles. "Vamos,Mark", disse sua mãe, "o cachorro não vai lhe machucar." (p. 25)Esse tratamento diferente, em que a mãe inibe o comportamento destemido da sua filha enquanto encoraja o filho a ser menos medroso pode afetar o relacionamento entreos irmãos. Por exemplo, as crianças que recebem mais disciplina e menos afeto dos pais do que seus irmãos manifestam níveis mais elevados de problemas de comportamentoe maior hostilidade nos relacionamentos com os irmãos durante a infância e a adolescência (por exemplo, Brody et ai., 1992; Conger e Conger, 1994; McGuire et ai.,1995).

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Além disso, é claro, os irmãos freqüentemente têm experiências muito diferentes fora do ambiente familiar quando estão com os amigos e freqüentando a escola, e essasexperiências contribuem para as diferenças entre eles (Harris, 1998). Essas considerações têm conduzido os geneticistas comportamentais a concentrar mais atençãono ambiente do desenvolvimento em sua busca de um melhor entendimento da hereditariedade.

MUTAÇÕES E ANORMALIDADES GENÉTICASApesar do seu fantástico poder para produzir diversidade nos seres humanos, a reprodução sexual limita-se a recombinar genes que já estão presentes no conjunto dosgenes humanos. No entanto, o conjunto dos genes humanos pode mudar, através da mutação, um erro no processo da replicaçâo dos genes que resulta em uma mudança naestrutura molecular do DNA. Uma mutação pode provocar

88mudança em um determinado gene ou uma mudança na seqüência de genes em um cromossomo. Também ocorre uma mutação quando somente parte de um cromossomo é duplicado,ou quando uma parte é perdida. As mutações mudam o conjunto geral de possibilidades genéticas que a reprodução sexual depois redistribui.Às vezes, ocorrem mutações nas células somáticas (corporais) - nas células da pele, do fígado, do cérebro ou dos ossos, por exemplo. As células somáticas que portamessas mutações transmitem instruções genéticas modificadas para as células que descendem delas através da mitose. Essas mudanças afetam apenas a pessoa em quem elasocorrem; não são transmitidas para as gerações subseqüentes. Podem também ocorrer mutações no espermatozóide do pai ou no óvulo da mãe, e, nesse caso, a informaçãogenética modificada pode ser transmitida para a próxima geração. Os geneticistas presumem que têm ocorrido mutações constantes e ocasionais nas células do embriãodesde o início da vida na Terra, introduzindo novos genes no conjunto dos genes de cada espécie. Na verdade, a mutação é parte dos processos evolucionários pelosquais novas subespécies e espécies são formadas. No entanto, o fato de as mutações serem uma parte natural e fundamental da vida não significa que elas usualmentebeneficiem os organismos individuais em que elas ocorrem. Cada organismo vivo é um todo intrincado em que o funcionamento das partes separadas é interdependente.Pouco espanta, então, que a introdução até mesmo de uma mudança pequena nos genes possa ter repercussões sérias para o indivíduo (Figura 2.8).É estimado que praticamente metade de todas as concepções humanas tem algum tipo de anormalidade genética ou cromossômica. A maioria dessas mutações e anormalidadesé letal e resulta em aborto precoce (Connor e Ferguson-Smith, 1991). Além disso, cerca de 3,5% de todos os bebês nascem com algum tipo de aberração genotípica (Ward,1994). Muitas das anormalidades genéticas mais sérias tendem a ser recessivas, e um indivíduo que recebe um gene associado com uma anormalidade do pai ou da mãe,em geral, recebe um gene ou cromossomo normal do outro que vai neutralizá-lo. Algumas das doenças relacionadas a anormalidades genéticas de ocorrência mais comumestão listadas na Tabela 2.3.

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Os psicólogos desenvolvimentais estão interessados em estudar mutações e anormalidades genéticas por várias razões:1. Como as mutações perturbam os mecanismos bem-integrados do desenvolvimento, um entendimento das mutações pode ajudar a revelar as maneiras intrincadas em quea hereditariedade e o ambiente interagem.2. Se a existência de anormalidades for detectada em um estágio bem inicial do desenvolvimento, podem ser encontradas maneiras de prevenir ou melhorar as deficiênciasde nascimento que normalmente resultariam.3. Quando as crianças nascem com anormalidades genéticas, os pesquisadores do desenvolvimento são freqüentemente responsáveis por encontrar maneiras de reduziro impacto dessas anormalidades nas crianças e em suas famílias.Essas preocupações estão refletidas na pesquisa atual que está sendo conduzida sobre: anemia falciforme, síndrome de Down, algumas anormalidades cromossômicas ligadasao sexo e fenilcetonúria.

FIGURA 2.8Principais causas de anormalidades congênitas. Observe que as causas da maioria das anomalias são desconhecidas, e que 20 a 25% são causadas por uma combinação defatores genéticos e ambientais. (Moore et ai., 1994)

ANEMIA FALCiFORME:UM EXEMPLO DE INTERAÇÃO DOS GENES COM O AMBIENTEA mutação que dá origem à característica da célula falciforme proporciona uma boa ilustração da interação dos genes com o ambiente. As pessoas que herdam do paie da mãe o gene recessivo da célula falciforme, e por isso são homozigóticas em relação a ele, sofrem de anemia falciforme, uma anormalidade séria das hemácias.As hemácias normais são redondas. Nas pessoas comanemia falciforme, no entanto, essas células assumem uma forma curvada, tipo foice, quando o suprimento de oxigênio do sangue é reduzido, como pode acontecer emaltitudes elevadas, após grande esforço físico ou quando sob anestesia (ver Figura 2.9). Essas células sangüíneas anormais tendem a se acumular e coagulam os menoresvasos sangüíneos do corpo. Como a anemia falciforme prejudica a circulação, as pessoas que sofrem dessa doença experimentam dores severas no abdômen, nas costas,na cabeça e nos membros. A doença provoca o aumento do coração e priva o cérebro de sangue. As células sangüíneas deformadas rompem-se facilmente, e a ruptura podeconduzir à anemia severa e até à morte precoce. Em contraste, as pessoas que são heterozigóticas com relação ao gene da célula falciforme, em geral, não sofrem ossintomas severos associados à anemia falciforme. Elas podem experimentar alguns problemas circulatórios (40% das suas hemácias podem assumir a forma falciforme quandoo suprimento de oxigênio do sangue é reduzido), mas não correm o risco de morte devido a essa característica, como acontece com aquelas que são homozigóticas.A interação dos genes com o ambiente envolvida na anemia falciforme se reflete em índices de incidência variados. A anemia falciforme é encontrada principalmenteentre as pessoas de descendência africana. Nos Estados Unidos, a incidência da característica da célula falciforme entre os afro-americanos é de cerca de 8 a 9%(Connor e Ferguson-Smith, 1991). Mas, na África Ocidental, na área de onde os ancestrais da maioria dos afro-americanos vieram para este continente, a incidência

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da característica da célula falciforme é maior que 20%. Essa diferença é explicada pelo fato de que os portadores de heterozigotos da célula falciforme são altamenteresistentes ao parasita que causa a malária. Assim, em áreas infestadas de malária, como a costa oeste africana, as pessoas portadoras do gene têm uma vantagem seletiva,porque é menos provável que sofram de malária, que pode ser mortal, e têm maior probabilidade de sobreviver para se reproduzir. Devido a essa vantagem seletiva,a freqüência do gene da célula falciforme tem sido mantida na população do oeste africano apesar das perdas causadas pela morte de portadores homozigó-ticos. NosEstados Unidos, onde a característica da célula falciforne não confere vantagem, ela está sendo gradualmente eliminada do conjunto de genes.

TABELA 2.3 DOENÇAS E CONDIÇÕES GENÉTICAS COMUNSDoença ou condição Fibrose cística Descrição A falta de uma enzima causa obstrução da mucosa, especialmente nos pulmões e no trato digestivoModo de transmissão Gene recessivoSíndrome de Down Ver textoHemofilia (doença no sangue) O sangue não coagula prontamente Gene ligado ao cromossomo X; também ocorre por mutação espontâneaSíndrome de Klinefelter Os homens não desenvolvem características sexuais secundárias Cromossomo X extraDistrofía muscular (tipo de Duchenne) Enfraquecimento e desgaste muscular Gene ligado ao cromossomo Xades Jsas da Neurofibromatose Altamente variável; inclui manchas escuras, tumores benignos nos nervos periféricos, tumores no nervo ótico,deficiências de aprendizagem Gene dominante; 50 % dos casos são mutações novassão de Moore Fenilcetonúria (FCU) A falta de uma enzima causa o aparecimento de substâncias na corrente sangüínea que inibem o desenvolvimentocerebral Gene recessivoAnemia falciforme Células sangüíneas anormais causam problemas circulatórios e anemia severa Gene recessivo (as vítimas são homozigóticas,mas os indivíduos heterozigóticos são brandamente afetados)Doença de Tay-Sachs A falta de uma enzima causa o aparecimento de desgaste cerebral Gene recessivoTalassemia (Anemia de Cooley) Hemácias anormais Gene recessivoSíndrome de Tumer As mulheres não Falta de umdesenvolvem cromossomo Xcaracterísticas sexuais secundáriasFontes: Jorde et ai., 1999; Rimoin et ai., 1997; Simpson e Globus, 1993

89Incidência1 em 3000 nascimentos de bebês brancos nos EUA; 1 em 17.000 nascimentos de afro-americanos1 em 10.000 nascimentos de homens1 em 1000 homens brancos nos EUA1 em 3.500 homens com menos de 20 anos de idadePrognósticoPoucas vítimas sobrevivem à idade adultaPossível incapacitação e morte por hemorragia interna; transfusões melhoram os efeitos.Tratável?

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Possível detecçãopré-natal/portador?Sim/SimSim/SimSim/NãoIncapacitação; Sim/Simfreqüentemente fatal aos 20 anos de idade1 em 3.000 nascimentos1 em 15.000 bebês brancos nos EUAVariável dependendo da gravidade da doença; tratada por cirurgiaRetardamento severo; tratável por dieta restritivaNão em caso demutaçõesespontâneas/NãoNão/Sim8 a 9% dos negros dos EUAInaptidão: tratável com medicaçãoSim/Sim1 em 3.600 entre judeus Ashkenazi nos EUA1 em 500 nascimentos em populações de áreas subtropicais da Europa, África e ÁsiaDegeneraçãoneurológica condu- Sim/Simzindo à morte antesdos 4 anos de idadeFalta de concentração, fígado e baço au- Sim/Sim mentados, ocasionalmente morte; tratável por transfusões de sangueem 5.000 mulheres Tratável?Sim/Não

DOWN: UM ERRO CROMOSSÔMICOA síndrome de Down foi o primeiro transtorno humano a ser ligado a uma anormalidade cromossômica específica. Mais de 95% das crianças nascidas com síndrome de Downtêm 47 cromossomos, um a mais que o normal. Em vez de duas cópias do cromossomo 21, elas têm três. (Por essa razão, a doença é, às vezes, chamada trissomia 21.)A maior parte das crianças com síndrome de Down são mental e fisicamente retardadas e podem ter várias características físicas distintivas: olhos oblíquos, uma dobranas pálpebras; um perfil facial mais plano; orelhas mais baixas que o normal; pescoço curto; uma língua projetada; irregularidades dentárias; mãos curtas e amplas;uma prega que se estende de um lado a outro da palma; dedos pequenos e curvados e um espaço anormalmente grande entre os artelhos (ver Figura 2.10). Na média, ascrianças portadoras dessa síndrome têm maior probabilidade que as outras de sofrer problemas do coração, dos ouvidos e dos olhos, e são mais suscetíveis à leucemiae às infecções respiratórias. Em vista disso, têm uma maior probabilidade de morrer cedo (Frid et ai., 1999).Mais de 10% das pessoas nas instituições para portadores de deficiência mental sofrem de síndrome de Down (Plomin et ai., 1997), mas o quanto, efetivamente, a síndromeinfluenciará no desenvolvimento dessas crianças dependerá não apenas da severidade da sua doença, mas também do ambiente em que elas são criadas. Uma intervenção

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incluindo educação especial coordenada por adultos interessados pode melhorar expressivamente o desempenho intelectual de algumas dessas crianças. Por isso, essegenótipo aparentemente tem uma larga amplitude de reação.

Figura 2.10Os indivíduos portadores de sindrome de Down podem beneficiar-se com a educação e com as atividades de apoio moldadas para as suas necessidades, como as OlimpíadasEspeciais.

91A sindrome de Down ocorre em cerca de 1 entre cada 1000 nascimentos nos Estados Unidos (Pueschel, 1992). Tem sido encontrado um forte relacionamento entre a incidênciada sindrome de Down e a idade dos pais, particularmente da mãe. Até os 30 anos de idade, o risco de uma mulher dar à luz a um bebê vivo portador de sindrome de Downé menor que 1 para 800. O risco aumenta para 1 em cada 100 aos 40 anos de idade, para 1 em cada 32 aos 45 e para 1 em cada 12 aos 49 (Chan et ai., 1998; Hook, 1982).Acredita-se que o risco aumente porque, ao nascer, a fêmea humana carrega todos os óvulos potenciais que ela produzirá. Por isso, quanto mais velha for uma mulher,mais tempo ela terá tido para se expor a agentes ambientais como viroses, radiação e alguns produtos químicos que podem danificar os cromossomos ou interferir como processo da meiose. Esse ponto de vista é apoiado pelo fato de que o risco de outras anomalias cromossômicas, como a sindrome de Klinefelter, também aumentam emproporção ao envelhecimento da mãe.

ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS LIGADAS AO SEXOMetade das anormalidades nos recém-nascidos envolve o vigésimo terceiro par de cromossomos - os cromossomos X e Y que determinam o sexo do bebê. Ocasionalmente,um menino nasce com um cromossomo X ou Y extra e tem um genótipo XXY ou XYY. Além disso, o cromossomo X, que carrega muitos genes, pode ser frágil e romper em doisou mais pedaços. Cada uma dessas anormalidades cromossômicas tem implicações diferentes para o comportamento cognitivo.A mais comum entre as anormalidades cromossômicas ligadas ao sexo é a sindrome de Klinefelter, condição em que os homens nascem com um cromossomo X extra (XXY).Foi estimado que essa anormalidade ocorre em cerca de 1 a cada 900 homens nascidos nos Estados Unidos (Smyth e Bremner, 1998). Os homens que são XXY parecem desenvolver-senormalmente até a adolescência, quando deixarr de apresentar os sinais característicos da maturidade: seus órgãos sexuais não ama durecem, eles não adquirem pêlosno rosto, suas vozes não mudam, eles têm nívei baixos do hormônio masculino testosterona e são estéreis. A maior parte deles ten problemas de fala e de linguageme, em conseqüência disso, apresentam problema na escola (Mandoki et ai., 1991).Outra doença ligada ao sexo, a sindrome de X frágil, causa retardamentomental Nessa doença, ocorre uma repetição anormal de uma seqüência de DNA emum determinadolocal do cromossomo X que danifica o gene correspondente. A síndrom tem o dobro de probabilidade de ocorrer em meninos do que em meninas. Soment metade das meninas

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com X frágil são afetadas por essa condição porque um dos cromossomos X nas meninas é inativo. Na maioria dos casos, aquelas afetadaspor uma sindrome de X frágilsão portadoras de uma forma moderada ou branda de deficiência mental e retardo. Uma grande maioria dessas crianças apresenta defo midades físicas, dificuldades delinguagem, fala muito lenta, contato pobre com olhar, impulsividade e hiperatividade (Plomin et ai., 1997).A mais comum entre as anormalidades ligadas ao sexo em mulheres é a síndror, de Turner. Cerca de 1 entre cada 5000 mulheres nasce com apenas um cromosson X (o genótipodesignado como XO) (Connor e Ferguson-Smith, 1991). Na puberdade, as meninas com sindrome de Turner não produzem o hormônio feminino, estrógeno. Como resultado,não desenvolvem seios nem pêlos púbicos, raramente menstruam e são estéreis. Como grupo, foi verificado que essas meninas estão de tro da média em habilidade verbal,embora freqüentemente mostrem pontuaçc abaixo da média nos testes de habilidade espacial e tenham dificuldade em desei penhar tarefas como seguir um mapa rodoviárioe copiar um desenho geométrico: (Downey et ai., 1991).conjunto de genes Total de informações genéticas possuídas por uma população que se reproduz sexualmente.

92A freqüência das anormalidades ligadas ao sexo varia muito, dependendo da característica particular em questão e da população na qual ocorrem. Por exemplo, uma formade anemia causada por anormalidade genética, quando o sangue é deficiente em hemácias, ocorre em 60% dos judeus Kurdish do sexo masculino que vivem em Israel, enquantoapenas 0,5% dos judeus europeus do sexo masculino apresentam essa condição (Lerner e Libby, 1976). A diferença na incidência da doença reflete as diferentes freqüênciasdo alelo que a causa nos dois conjuntos de genes. Um conjunto de genes é o total de informações genéticas possuídas por uma população que se reproduz sexualmente.

FENILCETONÚRIA: UMA DOENÇA GENÉTICA TRATÁVELA história moderna da fenilcetanúria (FCU), doença metabólica herdada que conduz a um retardamento mental severo se não tratada, mostra dramaticamente como os efeitosde uma deficiência genética podem ser melhorados, modificando-se o ambiente em que uma criança se desenvolve. Estima-se que 1 em cada 10.000 bebês nascidos a cadaano nos Estados Unidos tenha FCU e que 1 em cada 100 pessoas descendentes de europeus seja portadora do gene mutante recessivo (Güttler, 1988). A incidência deFCUé mais baixa entre os negros do que entre os brancos (Connor e Ferguson-Smith, 1991).A FCU foi descoberta em 1934 na Noruega, depois de o Dr. Ashborn Folling descobrir que duas crianças mentalmente deficientes que haviam sido levadas até ele tinhamquantidades anormais de ácido fenilpirúvico em sua urina. Estimulado por essa descoberta, o Dr. Folling testou outras crianças deficientes em instituições e descobriuque algumas delas também tinham esse sintoma. Hoje, sabemos que a FCU é causada por um gene recessivo defeituoso que reduz a capacidade do corpo para converter umaminoácido (fenilalanina) em outro (tirosina). Em conseqüência disso, as crianças com FCU produzem fenilalanina demais em suas correntes sangüíneas, o que retardao desenvolvimento das células sangüíneas no córtex pré-frontal (Diamond et ai., 1997).

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O conhecimento da bioquímica anormal da condição levou os pesquisadores a formular a hipótese de que, se a acumulação da fenilalanina e do ácido fenilpirúvico forprevenida, os bebês portadores de FCU podem desenvolver-se normalmente. Os médicos têm testado essa hipótese alimentando os bebês portadores de FCU com uma dietabaixa em fenilalanina. (A fenilalanina é altamente concentrada em alimentos como leite, ovos, pão e peixe.) Esse tratamento reduz a severidade do retardamento mentala um nível significativamente inferior àquele característico das crianças portadoras de FCU não-tratadas, embora os tratamentos atuais não sejam suficientes paraerradicar inteiramente os efeitos da FCU (Diamond et ai., 1997). O momento da intervenção é crucial. Se a ingestão da fenilalanina não for restringida na ocasiãoem que um bebê portador de FCU está com 1 a 3 meses de idade, o cérebro já terá sofrido um dano irreversível.Os recém-nascidos devem fazer um teste sangüíneo para a presença de FCU. Entretanto, essa avaliação não é infalível e alguns bebês portadores de FCU não são identificadosa tempo. O FCU pode ser detectado no período pré-natal (Nightingale e Meister, 1987), e os testes genéticos podem identificar pessoas portadoras do gene FCU recessivo,permitindo que os portadores do gene decidam se querem correr o risco de ter um filho com a doença. (O Destaque 2.4 discute os métodos de detecção pré-natal e oaconselhamento genético.)BIOLOGIA E CULTURAAtualmente, nós sabemos que as mutações são a fonte de variação biológica entre as espécies, mas, na época em que Darwin escreveu A origem das espécies (1859), abase genética da transmissão hereditária era desconhecida. A ignorância da genética e um conhecimento limitado do registro do fóssil ajudaram a criar uma confusão

93básica sobre exatamente como atua a transmissão hereditária. Na tentativa de contabilizar as diferenças observadas entre as espécies e entre as pessoas no passadoe no presente, muitos cientistas declararam que os mecanismos que produziam mudança histórica e diferenças culturais eram os mesmos que aqueles que produziam mudançabiológica (ver Figura 2.11). Um exame mais detalhado dessa confusão pode proporcionar-nos uma perspectiva mais ampla da relação entre nossas heranças genéticas eambientais e sobre o porquê de algumas tentativas para separar as influências da natureza e da educação serem tão problemáticas.

FIGURA 2.11Co-evolução da habilidade para fabricar ferramentas e o Homo sapiens. Formas rudimentares de cultura já estavam presentes durante as fases iniciais da evolução humana.

CARACTERÍSTICAS ADQUIRIDASNa ausência de conhecimento sobre a genética, muitos biólogos de destaque nos séculos XIX e início do século XX formularam a hipótese de que as características adquiridaspelos indivíduos durante a sua vida fossem transmitidas biologicamen-te para a próxima geração. Essa crença suscitou preocupações que os pais que tivessem se envolvidona atividade criminal, por exemplo, transmitisse uma tendência à criminalidade para seus filhos, da mesma maneira que transmitiram os genes que determinaram as coresde seus olhos e de seus cabelos (Gould, 1977b).

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A idéia equivocada de que as características adquiridas através da experiência ambiental podem ser biologicamente herdadas é chamada de Lamarckismo, em homenagemao biólogo francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), cujas idéias foram extremamente influentes entre os primeiros teóricos evolucionários. Embora a herança decaracterísticas adquiridas tenha sido desacreditada como um mecanismo de evolução biológica, a idéia que está por trás disso não é irrelevante para o estudo do desenvolvimento:a evolução cultural opera de uma maneira lamarckiana. Considere como o hábito de fazer marcas nos objetos, pouco a pouco, se desenvolveu para os sistemas simbólicosusados para a escrita e o cálculo numérico. Hoje em dia, os milhões de crianças que estão aprendendo a ler e estudando aritméticanas escolas de todo o mundo estãodominando sistemas simbólicos, que são incrivelmente mais complexos do que aqueles usados pelos humanos há dez mil anos.Essa sofisticação aumentada não é conseqüênciada mudança evolucionária da biologia através da ação de genes. Em vez disso, é o resultado da evolução cultural, em qui as inovações bem-sucedidas das gerações anteriores- o conhecimento de quando caçar o veado ou plantar um campo, do alfabeto, dos teoremas da geometria -são transmitidos para as gerações sucessivas através da linguagem,por exemplo, e através da instrução deliberada (Donald, 1991). Há pouca evidência de que formasinovadorasde comportamento sejam transmitidas de uma geração para a seguinte na maioria das espécies não-humanas (Tomasello, 1999).

Conceito:co-evolução O processo combinado que emerge da interação da evolução biológica com a evolução cultural.

CO-EVOLUÇÃODurante muitos e muitos anos acreditou-se que as características biológicas e culturais do Homo sapiens desenvolveram-se em uma seqüência estrita: primeiro, as habilidadesbiológicas que associamos com a humanidade teriam se desenvolvido até um ponto crítico e, depois teria ocorrido uma mudança biológica adicional que teria permitidoHomo sapiens o uso da linguagem e a geração de cultura. Atualmente, no entanto, acredita-se que a situação e tenha sido bem mais complicada. Os estudos (contemporâneosdas origens humanas encontraram evidência de que formas de I cultura rudimentais já estavam presentes durante as fases iniciais da evolução humana. O Australopithecus(um dos nossos ancestrais primitivos, que viveu cerca de 3 milhões de anos atrás) dominava o fogo, construía abrigos, envolvia-se em caçadas organizadas e usavaferramentas - facas de pedra, utensílios de cozinha e sistemas de notação (Casper, 1997).Tais achados indicam que a evolução biológica das nossas espécies não terminaram com o aparecimento da cultura. O cérebro de uma pessoa moderna é cerca de três vezesmaior que o cérebro do Australopithecus. A maior parte desse aumento ocorreu nos lobos frontais, áreas que governam as habilidades complexas, especificamente humanas

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(Donald, 1991). Na medida em que a habilidade para se envolver em atividades culturais e para raciocinar através do uso de ferramentas culturais -como os calendários,que permitiam às pessoas saber em que época do ano suí caça, sua pesca ou sua plantação tinha maior probabilidade de ser bem-sucedida -confere uma vantagem reprodutivaseletiva, é provável que os usuários de cultur; mais eficientes tenham sido mais bem-sucedidos na transmissão dos seus gene para as gerações subseqüentes. Em suma,a cultura influenciou a biologia, e a duas formas de evolução, biológica e cultural, interagiram uma com a outra em un processo chamado co-evolução (Futuyma, 1998).Como conseqüência da co-evolução das características físicas e culturaishumanas, as tentativas para separar as influências da natureza e da educação no desenvovimento das diferenças de grupo entre as crianças contemporâneas são atémais problemáticas do que sugere a nossa discussão anterior da hereditariedade. Asexigênciasfísicas colocadas sobre as pessoas variam dramaticamente em diferente partes do mundo. Além disso, as histórias culturais, assim como o conjunto d( genes de pessoasque vivem em locais diferentes mudaram muito em dezenas c milhares de anos. Essas diferenças no ambiente e na cultura contribuíram visive mente para as diferençasfísicas entre as pessoas, mas não é certo, de modo algu que tenham também resultado em diferenças mentais. Quando as crianças japonês têm um desempenho excelenteem matemática, por exemplo, seu desempenho po< ser atribuído a uma combinação de características geneticamente transmitidas q foram moldadas pela cultura japonesa(Gardner, 1983). O mesmo pode ser dito d extraordinárias habilidades de navegação dos marinheiros micronesianos, que con; guiam atravessar milhares de milhas deoceano de uma ilha minúscula para oui em pequenas canoas, sem a ajuda sequer de uma bússola (Hutchins, 1983). Não fórmulas gerais para determinar as contribuiçõesrelativas da cultura e dos ger na moldagem das diferenças de grupo no que se refere às habilidades humanasAs interações complexas entre a herança genética e o ambiente iniciam-se qu; do os genes do zigoto começam a se expressar e guiam a criação de novas célul Cada novoser humano é uma variante dentro da variação geral das possibilidai que definem o Homo sapiens. O Capítulo 3 segue o curso da interação do gene cor ambiente desdeo momento em que o material genético da mãe e do pai se unir Nos capítulos posteriores, à medida que formos acompanhando os padrões ge: do desenvolvimento das crianças,veremos repetidamente instâncias da intera do gene com o ambiente e com a cultura desempenhando sempre um papelmediador.

94DESTAQUE 2.4 ACONSELHAMENTO GENÉTICOGraças aos avanços recentes no campo da genética, muitos problemas potenciais podem ser evitados através da testagem e do aconselhamento. As principais responsabilidadesdos conselheiros genéticos são testar os pais com risco potencial para saber se eles são portadores de uma doença genética e determinar a probabilidade de um determinadocasal poder gerar um filho com essa doença.Os conselheiros genéticos são freqüentemente procurados por casais que já tiveram um filho com deficiência genética e querem saber a probabilidade de um segundofilho ter a mesma anormalidade. O aconselhamento genético é também recomendado para pais potenciais, que tenham parentes portadores de doença genética, que tenham

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anomalias físicas que suspeitam ser genéticas, que tiveram várias gestações que terminaram em aborto espontâneo, ou que têm mais de 35 anos de idade. Há uma grandeprobabilidade de várias doenças hereditárias serem encontradas em determinados grupos de pessoas. Por exemplo, o alelo recessivo para a doença de Tay-Sachs, em quea falta de uma enzima inevitavelmente conduz à morte, antes dos quatro anos de idade, está presente em 1 em cada 30 judeus Askenazi nos Estados Unidos. O alelo recessivopara talassemia, uma doença do sangue, está presente em 1 em cada 1 0 americanos descendentes de gregos ou italianos (Omenn, 1978). Pais potenciais com ligaçõesgenéticas com esses grupos podem também se beneficiar do aconselhamento genético.Detectar os portadores do gene de algumas doenças genéticas é relativamente simples. Os alelos para a doença de Tay-Sachs e para a anemia falciforme podem ser detectadosatravés de testes sangüíneos. As mulheres portadoras de síndrome de Lesch-Nyhan (uma doença metabólica que afeta crianças do sexo masculino eque conduz à superprodução de ácido úrico) podem ser identificadas através de uma análise dos folículos do seu cabelo. Portadores de anormalidades cromossômicas,como a translocação do cromossomo 21, que causa a síndrome de Down, podem seridentificados através da análise de uma célula do corpo. Os portadores de algumas doenças cromossômicas são, às vezes, identificados por padrões específicos nasimpressõesde seus dedos, das palmas das mãos e das solas dos pés.Tendo como base os resultados de testes e histórias familiares, o conselheiro genético tenta determinar se há um problema potencial e quais as possibilidades deum filho do casal ser afetado por ele. Tais previsões podem agora ser feitas para doenças e características que são causadas por um único gene recessivo ou dominante,ou que são ligadas ao sexo e, em alguns casos, para aquelas causadas por vários genes atuando em conjunto. Não podem ser feitas para deficiências causadas por mutaçãoespontânea.Deve-se ter sempre em mente que a teoria genética gera probabilidades estatísticas que se aplicam a populações inteiras. Assim, um conselheiro genético pode nãoconseguir dizer com certeza, antes da concepção, que um determinado casal terá um filho portador de uma anormalidade genética. Uma vez que os pais potenciais foraminformados dos riscos, eles devem tomar sua própria decisão sobre tentar ou não a gravidez.Após a concepção, as principais técnicas usadas para determinar se um determinado feto sofre de uma deficiência genética são o ensaio de alfa-fetoproteína, ultra-sonografia,amniocentese, biópsia de vílo coreal e fetoscopia. O ensaio de alfa-fetoproteína é um teste sangüíneo usado principalmente para detectar a presença de defi-ciências no tubo neural do feto, que forma a coluna espinal e o cérebro. O fechamento incompleto do tubo neural é a deficiência de nascimento mais comum nos EstadosUnidos, ocorrendo em 1 entre 1.000 bebês que nascem vivos. Quando um feto tem uma deficiência do tubo neural, grandes quantidades de alfa-fetoproteína vazam do tuboaberto ou do crânio para o líquido amniótico. Dali ele entra na corrente sangüínea da mãe, onde ele pode ser detectado. No entanto, os resultados desse teste sangüíneosão apenas sugestivos. As mulheres cujos níveis de alfa-fetoproteína são anormalmente altos em geral são aconselhadas a realizar sonogramas e amniocentese para verificarou descartar o problema.A ultra-sonografia usa ondas sonoras de alta freqüência para produzir uma imagem visível do feto. São usadas para diagnosticar más-formações como uma cabeça anormalmente

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pequena. Podem ser também usadas para diagnosticar nascimentos múltiplos, para estimar a idade do feto, determinar o índice do seu crescimento e para localizar aplacenta.Na amniocentese, uma pequena quantidade do líquido amniótico-que contém células e outras substâncias do feto - é testada para sinais de anormalidades cromossômicasou algumas deficiências genéticas. Para realizar uma amniocentese, o médico primeiro determina a posição do feto através de uma ultra-sonografia. Depois, insereuma longa agulha oca no abdômen da mãe e extrai um pouco do líquido amniótico da bolsa que envolve o feto. A amniocentese não pode ser realizada até a metade dagravidez e são necessárias duas semanas para a determinação dos resultados.Outra maneira de detectar doenças cromossômicas é testar células retiradas dos vilos (projeções tipo cabelo) do córion, um tecido que forma a placenta. Uma vantagemdessa biópsia de vilo coreal é que ela pode ser realizada na nona semana de gravidez e seus resultados estão disponíveis em poucos dias. Assim, se o feto tiverumacondição que faça com que os pais decidam pôr fim à gravidez, um aborto pode ser realizado cedo, quando ele é mais seguro. Há ainda algumas controvérsias sobre esseprocedimento, tanto com relação à sua segurança, quanto com relação à acurácia dos achados (Smidt-Jensen, 1998).Um médico realiza uma fetoscopia enfiando, no útero, um tubo longo e estreito, através do qual é inserido um fetoscópio. O médico pode, então, observar o feto ea placenta diretamente através do fetoscópio. Esse procedimento é mais freqüentemente usado quando há uma suspeita de má-formação. Pode também ser usado para extrairamostras do sangue ou do tecido do feto para propósitos de diagnóstico.Quando uma doença genética é detectada por algum desses testes, os país, em geral, têm apenas duas alternativas: a mulher pode levar a gravidez a termo e dar à luza uma criança com algum tipo de deficiência genética, ou pode pôr fim à gravidez. Essa não é uma opção fácil, especialmente porque o diagnóstico, muitas vezes, falhana previsão do grau de incapacidade que a criança afetada vai experimentar ou da qualidade de vida que pode ser esperada. A severidade de uma deficiência do tuboneural, por exemplo, pode variar muito, e muitas pessoas que sofrem dessas deficiências têm vivido vidas produtivas. Em alguns casos, a cirurgia fetal e outros tiposde intervenções pré-natais e pós-natais, como uma dieta especial ou transfusões de sangue, podem melhorar os efeitos de umadeficiência.

Conceitos:amplitude da reação Todos os possíveis fenótipos de um único genótipo que são compatíveis com a vida continuada do organismo.canalização O processo que torna alguns traços relativamente invulneráveis aos eventos ambientais.estudo familiar Um estudo que compara membros da mesma família para determinar sua similaridade em um determinado traço.estudo dos gêmeos Um estudo em que grupos de gêmeos monozigóticos (idênticos) e dizigóticos (fraternos) do mesmo sexo são comparados uns com os outros e com outrosmembros da família para se verificar a similaridade em um determinado traço.mutação Um erro no processo da replicaçâo dos genes que resulta em uma mudança na estrutura molecular do DNA.

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RESUMOREPRODUÇÃO SEXUAL E TRANSMISSÃO GENÉTICAO conjunto particular de genes que cada ser humano herda vem de seus pais. A reprodução sexual rearranja a combinação genética em cada novo indivíduo. Com exceçãodos gêmeos monozigóticos, toda pessoa herda uma combinação de genes única, de maneira a garantir uma grande diversidade entre as pessoas.Durante o ciclo da vida, as células do novo corpo são criadas pela mitose, um processo de cópia que replica o material genético herdado no nascimento.As células germinativas (espermatozóide e óvulo) que se unem na concepção são formadas pela meiose, um processo de divisão celular que mantém um total constantede 46 cromossomos em cada novo indivíduo.Os sexos diferem geneticamente na composição de um par de cromossomos. Nas mulheres, os dois cromossomos que compõem o vigésimo terceiro par são ambos cromossomosX (XX). Os homens têm um cromossomo X e um cromossomo Y (XY).GENOTIPO E FENÓTIPOA influência dos genes sobre o desenvolvimento deve ser estudada em dois níveis - a constituição genética do indivíduo (genótipo) e as características visíveisdo indivíduo (fenótipo) - porque alguns genes são dominantes e outros recessivos, e porque um genótipo pode resultar em uma ampla variedade de fenótipos, dependendodo ambiente em que ele se desenvolve.Os genes associados a uma característica particular podem assumir formas diferentes. Se os genes correspondentes herdados do pai e da mãe tiverem a mesma forma,a criança vai desenvolver as características associadas àquela forma. Se os genes tiverem duas formas diferentes, uma pode dominar a outra, pode haver um resultadointermediário, ou pode emergir uma característica inteiramente nova.Os genes transportados pelo vigésimo terceiro par de cromossomos dão origem a características ligadas ao sexo. Como as mulheres recebem dois

97cromossomos X, elas obtêm duas doses de genes ligados a X, um do pai e um da mãe. Os homens normais recebem apenas um cromossomo X e, por isso, só uma dose de genesno cromossomo X, que sempre vem da mãe. Por isso, os homens são susceptíveis a deficiências genéticas que, em geral, não afetam as mulheres.No estudo das interações do gene com o ambiente vários princípios são amplamente usados: (1) Muitos níveis do ambiente, do local ao global, devem ser considerados.(2) O conceito da interação do gene com o ambiente significa que essa influência atua nas duas direções. (3) As crianças moldam ativamente os ambientes que influenciamseu desenvolvimento. O relacionamento geral entre o genótipo e o fenótipo só pode ser estabelecido pela exposição do genótipo a vários ambientes. Mapeando as mudançasque ocorrem no fenótipo quando o ambiente é variado, os geneticístas podem estabelecer uma variação da reação. O ideal é que essa variação especifique todos os possíveisfenótipos que são compatíveis com a vida de um único genótipo.A variação de reação da maioria das características humanas não foi estabelecida porque preceitos morais e padrões éticos tornam impossível realizar investigaçõesque pudessem expor as pessoas a todos os ambientes que são compatíveis com a vida humana.

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Algumas características, como o desenvolvimento da linguagem em seres humanos, parecem estar canalizadas; ou seja, elas são restritas a uma amplitude de reação pequenae mostram uma forte tendência à autocorreção depois do organismo ser exposto a experiências diferentes dos padrões. Como um substituto para os estudos experimentaispara estabelecer a amplitude de reação das características humanas, os geneticistas comportamen-tais se baseiam no estudo de várias relações consangüíneas para estimaras influências relativas do genótipo e do ambiente sobre o fenótipo. i Três tipos de métodos de consangüinidade são amplamente usados pelos geneticistas comportamentais:(1) Nos estudos familiares, são comparados os parentes que vivem juntos na mesma casa. (2) Nos estudos de gêmeos, são comparados os gêmeos monozigóticos e os gêmeosdizigóticos. (3) Nos estudos de adoção, são estudadas as crianças que vivem separadas de seus pais biológicos.Os resultados dos estudos de grande escala usando os métodos familiares, de gêmeos e de adoção, demonstram a hereditariedade de uma ampla variação de características,assim como a influência do ambiente sobre o desenvolvimento, mas os métodos para estimar "até que ponto" os fatores genéticos e ambientais contribuem para o fenótipocontinuam controvertidos.MUTAÇÕES E ANORMALIDADES GENÉTICASA mutação é uma importante fonte de variabilidade nos organismos vivos. Algumas mutações são compatíveis com a vida normal. Freqüentemente, no entanto, as mudançasprovocadas pela mutação resultam em morte ou doenças.Os estudos genéticos das mutações e das anormalidades são do interesse dos pesquisadores do desenvolvimento tanto pelo que revelam sobre o processo da interaçãodo gene com o ambiente no desenvolvimento, quanto por causa da necessidade de criar técnicas preventivas e métodos de terapia.BIOLOGIA E CULTURAA cultura proporciona aos seres humanos um modo de adaptação que as outras espécies não possuem. A evolução cultural ocorre quando as adaptações que surgem emuma geração são aprendidas e modificadas pela geração seguinte.

98A evolução cultural e a evolução biológica dos seres humanos têm interagido uma com a outra em um processo chamado co-evolução, que dificulta muito as tentativaspara separar as influências da natureza e da educação no desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVEácido desoxirribonucléico (DNA), p. 72alelo, p. 78alelo dominante, p. 78alelo recessivo, p. 78ambiente, p. 78amplitude da reação, p. 82canalização, p. 82características relacionadas ao sexo, p. 79células germinativas, p. 73células somáticas (corporais), p. 73co-dominânáa, p. 78co-evolução, p. 95

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conjunto de genes, p. 92cromossomo, p. 72cromossomo X, p. 76cromossomo Y, p. 76cruzamento, p. 75estudo de adoção, p. 84estudo familiar, p. 83estudo dos gêmeos, p. 83eugenia, p. 85fenótipo, p. 77gêmeos dizigóticos, p. 76gêmeos monozigóticos, p. 76genes, p. 72geneticista comportamental, p. 80genótipo, p. 77hereditariedade, p. 84heterozigóticos, p. 78homozigótico, p. 78meiose, p. 75mitose, p. 73mutação, p. 87traço poligênico, p. 79zigoto, p. 72

QUESTÕES PARA PENSAR1. Você consegue pensar em uma maneira pela qual os valores culturais e as preferências dos seus próprios ancestrais podem ter influenciado sua composição genética?2. Descreva os papéis complementares da mitose e da meiose no processo da reprodução.3. Nomeie uma tendência comportamental que você acredita ter herdado. Em que maneira você acha que essa característica tem sido afetada pelo seu ambiente? Ela temafetado a maneira como você tem experienciado o seu ambiente?4. Releia a descrição de meninas nascidas com síndrome de Turner. Por que os sintomas dessa doença podem ser do interesse dos pesquisadores que estudam o desenvolvimentoda criança?