Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 1

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    ENTREVISTA

    Biotecnologia Cincia & Desenvolvimento 3

    MARCO MACIEL, vice-presidente da Repblica Federativa do Brasil

    Governo Brasileiro apia o

    desenvolvimento da biotecnologia

    Marco Maciel, vice-presidente da Repblica Federativa do Brasil, foi o autor da Lei de

    Biossegurana, quando era senador, em 1991. Foi ele tambm que, como presidente

    da Repblica em exerccio, baixou o decreto que regulamenta a atual Lei de

    Biossegurana, n 8.974, em vigor no Brasil desde janeiro de 1995. Para falar sobre

    biossegurana e questes relacionadas biotecnologia, tica e religio, o vice-

    presidente concedeu es ta entrevis ta revista Biotecnologia Cincia &

    Desenvolvimento.

    Biotecnologia Cincia & Desenvol-

    vimento - O Brasil investe pouco emcincia e tecnologia. Hoje, esse inves-timento gira em torno de 0,7% doProduto Interno Bruto(PIB). As naesdesenvolvidas investem mais de 2%. Ogoverno do presidente FernandoHenrique Cardoso tem alguma estrat-gia para reverter este quadro e ampliaros invest imentos em c inc ia etecnologia?

    Marco Maciel- O Plano Plurianual 1996/99 fixa a meta de elevar a 1,5% do PIBem 1999 os investimentos nacionaisem cincia e tecnologia, ampliandopara cerca de 40% a participao dosetor produtivo nestes investimentos.Isto significa mais do que dobrar oesforo nacional em pesquisa e desen-volvimento. Apesar de ambiciosa, esta

    meta factvel. Pretendemos atingi-la,por um lado, mantendo crescente ooramento federal em cincia etecnologia, na medida do possvel, epor outro recorrendo a financiamentosexternos, principalmente do BID e Ban-co Mundial. Numa terceira via, incenti-varemos as empresas a investirem empesquisa para se manterem competiti-vas num mercado extremamente exi-gente.

    BC&D - A base do desenvolvimentocientfico e tecnolgico comea nasuniversidades, com os cursos de gradu-ao, mestrado e doutorado. O recenteprovo aplicado pelo MEC mostrouque as universidades pblicas so asque melhor formam os profissionais.Essas universidades esto passando porsrias dificuldades, como o grande n-mero de aposentadorias precoces deprofessores e a falta de recursos finan-ceiros. Qual a poltica do governo paraformar mais e melhores cientistas?

    MM - Efetivamente, a base do desen-volvimento cientfico e tecnolgico co-mea nas universidades. certo, po-rm, que a formao universitria, porsua vez, depende do ensino do primei-ro e segundo graus. isto exatamenteo que acabam de provar os resultadosdo processo de avaliao inauguradoano passado pelo MEC. Comeamos acorrigir esse problema com duas provi-dncias essenciais: a Emenda Constitu-cional 14/96, que redirecionou os re-cursos pblicos destinados educaoe redefiniu as competncias da Unio,estados e municpios em relao aosistema de ensino, e a Lei de Diretrizes

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    e Bases da Educao Nacional, de 23de dezembro ltimo, que estabeleceuos padres do sistema brasileiro deensino. As duas iniciativas terminaromudando o panorama educacional dopas, gerando conseqncias positivaspara o ensino universitrio, no qual oBrasil continuar, obviamente, inves-tindo significativamente. No demaislembrar, ainda, que no ano passado

    foram concedidas quase 50 mil bolsasde formao e pesquisa pelo CNPq.

    BC&D - Com a globalizao da econo-mia , as questes de di re i to ecomercializao de recursos biolgicosvo ser cada vez mais debatidas emfruns internacionais. O Brasil tidocomo a nao que possui a maiorbiodiversidade do planeta. Pirataria derecursos biolgicos um fato. Fala-seat que j estamos pagando royaltiesde alguns frmacos extrados de nossas

    plantas da Amaznia e que, no futuro,estaremos pagando ainda mais. Como que o senhor v a questo dos nossosrecursos biolgicos e da biodiversidade?

    MM - preciso distinguir duas etapasessenciais no aproveitamento dos re-cursos biolgicos e da biodiversidade.A primeira dispor deles e, por conse-qncia, preserv-los. A segunda tera capacidade de aproveit-los, em apli-caes cientficas, especialmente nocampo da produo de medicamentos,

    que exige enorme concentrao derecursos em pesquisa, usualmente delonga maturao. O Brasil tem a pri-meira condio, que necessria, masno suficiente, porm no dispe ain-da da segunda, hoje concentrada empouqussimos centros especializadosem todo o mundo. Li, certa feita, empublicao editada em 1993, que 45%do faturamento de mais de 140 bilhesde dlares da indstria farmacuticados principais pases da OECD naqueleano provinham de medicamentos cujos

    princpios ativos eram originrios dasflorestas tropicais. Estamos caminhan-do para o salto qualitativo que nospermitir participar autonomamentedesse enforo. J temos a massa crticanecessria para tanto. O que nos faltaso recursos financeiros e mercados.Enquanto isso, o Ministrio do MeioAmbiente est desenvolvendo, pordeciso do presidente FernandoHenrique Cardoso e do ministro GustavoKrause, um amplo programa de pre-servao da biodiversidade, para que

    mantenhamos a primeira condio deque j dispomos e que ser indispens-

    vel quando superarmos a segunda. Acre-

    dito que a velocidade com que o co-nhecimento cientfico circula hoje nomundo terminar permitindo chegar-mos soluo ideal, antes at do queesperamos.BC&D - Desde que comeou a funcio-nar, h cerca de nove meses, a Comis-so Tcnica Nacional de Biossegurana- CTNBio aprovou trs solicitaes paratestes de campo de organismos gene-ticamente modificados, os OGMs, aexemplo do que j acontece em outros

    pases. Como o senhor acredita que asociedade brasileira vai reagir a esserespeito? O governo pretende lanaralguma campanha de conscientizao

    da opinio pblica acerca do papel, daimportncia e da potencialidade da

    biotecnologia?

    MM - A bioengenharia e a biotecnologia,em face dos desenvolvimentos cient-ficos j alcanados e previsveis, tmdois componentes. O primeiro umaquesto do mbito cientfico, relacio-nado com a disseminao do conheci-mento, normas de segurana e os as-suntos a elas relacionados. O segundo

    de natureza tica: os limites aceit-veis na manipulao gentica. No pri-meiro, o Estado tem necessariamentede intervir, atravs de normas legais,estabelecidas em projeto de minhainiciativa como senador. O segundocomponente extrapola a competnciado Estado, e assim tem sido em todo omundo, pois envolve questes muitasvezes ambguas, com vises pessoaisinteiramente conflitantes, at mesmosob o ponto de vista religioso. Estesegundo aspecto ter de ser, como

    alis est sendo, discutido, tanto pelacomunidade cientfica, que estabele-cer seus prprios limites, como pelasociedade em geral, inclusive polticose religiosos, estes preocupados sobre-tudo com o enfoque moral e tico daquesto. Certa feita, o papa Joo PauloII, em palestra na ustria, disse que atoda cincia deve corresponder umaconscincia e a toda tcnica, uma ti-ca.

    BC&D - Grupos ecolgicos radicais, na

    Europa, tm se manifestado de formacontrria produo e comercializaode OGMs. Representantes desses gru-pos, no Brasil, tm expressado a mes-ma opinio com relao sojatransgnica procedente dos EUA. Osenhor acha que leis de defesa doconsumidor deveriam ser criadas paraobrigar, por exemplo, a inscrio nasetiquetas e embalagens dos produtos,informando que so geneticamente mo-dificados?

    MM - Esta questo comea a aparecerem alguns pases europeus, em face dacomercializao de produtos aliment-cios geneticamente modificados, comofoi o caso dos tomates procedentesdos Estados Unidos, oferecidos no mer-cado de consumo da Grcia. O Brasil jpossui um marco legal que a lei8.974, a que j me referi, que criou aComisso Tcnica Nac iona l deBiossegurana, que tem atribuies parafiscalizar no s as pesquisas a seremdesenvolvidas no Brasil como tambm

    os seus resultados. A questo dos ali-mentos importados no demasiada-

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    mente relevante em nosso pas, pois,com exceo basicamente do trigo eda carne e de alguns produtos origina-dos do Mercosul, como certas frutas,por exemplo, somos exportadores dealimentos. As trocas comerciais dessesprodutos fatalmente sero objeto dedisputa e regulamentao em cada pase, no Brasil, se e quando isto ocorrer, jtemos o recurso legal e necessrio para

    o seu efetivo controle.

    BC&D - O senhor acredita que o mer-cado consumidor brasileiro j atingiuum grau de sofisticao e exigncia dequalidade e est apto para receberprodutos geneticamente modificados?

    MM - Minha convico de que consu-miremos produtos geneticamente mo-dificados, elaborados aqui mesmo, an-tes de import-los. A receptividade,obviamente, ter de ser testada pelo

    prprio mercado, mas j temos, semdvida, competncia cientfica parafaz-los. Alis, no Brasil, malgrado mui-tas dificuldades, j existem excelentesquadros em diferentes ramos da cin-cia e da pesquisa, quer pura ou aplica-da.

    BC&D - A recente divulgao dos cien-tistas escoceses sobre a clonagem daovelha Dolly levantou uma polmicamundial, j que envolve aspectos ti-cos, religiosos, polticos e jurdicos. No

    Brasil, vrias instituies de pesquisaesto prestes a produzir clones debovinos. O senhor acha que devem serestabelecidos limites para que essaspesquisas no cheguem at a espciehumana?

    MM - Sem dvida, tratando-se de umaquesto tica, de cunho moral e denatureza religiosa, haver limites paramanipulao dos genes humanos. Acre-dito que no apenas as convicesreligiosas, mas a prpria comunidade

    cientfica terminar fixando esses limi-tes. No campo legal, por sua vez, ospases e os prprios organismos mun-diais tm os instrumentos necessriospara controlar esses limites no campoda biossegurana. previsvel que,dentro de algum tempo, tenhamos con-venes internacionais estabelecendoos...

    BC&D - Como j foi mencionado nestanossa conversa, em 1989, como sena-dor, o senhor apresentou o projeto de

    lei de biossegurana no CongressoNacional, quando este assunto sequer

    era debatido nos segmentos represen-tativos da sociedade, inclusive na co-munidade cientfica. Este projeto hojea Lei n 8.974 - Lei de Biossegurana -

    que foi regulamentada por decreto. Oque motivou o senhor, h oito anos, aapresentar este projeto, j que poucospases no mundo tm lei similar?

    MM - Efetivamente, o Brasil um dospioneiros nessa matria e isso se justi-fica at mesmo por nossa biodiversidadee pela existncia de abundantes recur-sos vegetais. O que me inspirou, no

    entanto, foram as advertncias da Igre-

    ja Catlica, que h muito tempo temtratado do tema.

    BC&D - A propsito da Igreja Cat-lica: o papa Joo Paulo II, em umaaparente referncia ao debate sobrea clonagem, fez crticas a todos queabusam da dignidade humana comexperimentos perigosos. Como quetem sido a relao da Igreja com ogoverno, em relao regulamenta-o e fiscalizao de produtos

    transgnicos?

    MM - A lei brasileira conseqentecom a posio doutrinria da Igreja.O Estado tutela os aspectos tcnicos,a Igreja vela pelos aspectos ticos,religiosos e morais, e seus fiis, se-guramente, observaro segundo asconvices religiosas de cada um.Minha posio pessoal, como catli-co, de acatamento a esses limitesticos e morais.

    BC&D - Em muitas discusses queapareceram na mdia acerca da clo-nagem, ficaram dois posicionamen-tos totalmente antagnicos: unsvem a cincia como obra do dem-nio e ameaadora do bem-estar dahumanidade; outros pregam o de-senvolvimento cientfico a qualquercusto, independentemente das con-seqncias. Qual o seu ponto devista na perspectiva do governo?

    MM - No se pode satanizar nem

    santificar a cincia. No sou um cien-tista, minhas preocupaes so denatureza poltica. Acredito que osfins do conhecimento cientfico esuas aplicaes tecnolgicas e seusdesenvolvimentos so o bem-estarda humanidade. Creio firmementeque neste sentido e com esseobjetivo que se aplicam cientistas epesquisadores em todo o mundo. Odesvirtuamento de um avano cien-tfico uma questo poltica e isto oEstado tem a obrigao legal e o

    dever moral de evitar, embora essedever no impea que, eventual-mente, se faa mau uso de uma boadescoberta. O marco legal que te-mos, no entanto, obriga a todos,inclusive o Poder Pblico, no Estadoe no direito.

    BC&D - Alguns cientistas j pensamem usar a tcnica da clonagem pararecuperar animais em risco deextino. Outras correntes de pes-quisadores alegam que isso vai im-

    pedir a variabilidade gentica. O se-nhor no acha que a Lei de

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    Biossegurana deveria estabelecermecanismos para preservar a variabili-dade gentica dos animais?

    MM - Esta me parece uma questotica da prpria cincia. Um avanoque contribua para o bem-estar dahumanidade e no oferea risco para avida est nos objetivos de toda a comu-nidade cientfica. Se for colocado em

    risco o homem ou a natureza, deve serproibido.

    BC&D - A manipulao gentica, numsentido mais amplo, , em tese, capazde curar molstias como o diabetesherdado, propenso ao cncer e outrasdoenas. Abrir mo deste instrumentona cura de doenas certamente umerro. A Lei de Biossegurana contem-pla esta questo?

    MM - Contempla, sim. O artigo 8,

    inciso III, determina que vedada ainterveno em material gentico hu-mano in vivo, exceto para o tratamen-to de defeitos genticos, respeitando-se princpios ticos. A Comisso Naci-onal Tcnica de Biossegurana tem,entre seus objetivos institucionais, osde autorizar e fiscalizar experinciasgenticas que possam representar ris-cos. Obviamente que a cura de doen-as que possam ser prevenidas, semriscos, no s no deve ser proibidacomo deve ser estimulada.

    BC&D - A nica empresa brasileira queentrou com pedido de liberao deproduto geneticamento modificado, naComisso Tcnica Nac iona l deBiossegurana, at o momento, foi aCopersucar. Como o senhor situa aspesquisas biotecnolgicas realizadaspelas empresas brasileiras em relaoaos outros pases?

    MM - Na biotecnologia agrcola, o Brasiltem boa presena e posio de lide-

    rana. A Embrapa, que alis acaba decompletar 27 anos, possui timos ex-perimentos nessa rea e pessoal alta-mente qualificado. Notadamente nosetor de sementes, empresas brasilei-ras vm demonstrando capacidade ecompetitividade em escala internacio-nal.

    BC&D - O presidente americano BillClinton encomendou Comisso Con-sultiva de Biotica dos EUA, que composta de 18 especialistas, um es-

    tudo detalhado das implicaes daclonagem de organismos. O senhoracha que necessrio criar, no Brasil,

    uma Comisso Nacional de Biotica?

    MM - Os limites do Estado, nas ques-tes cientficas, devem ser estabeleci-dos legalmente. As questes ticas,como j assinalei, extrapolam essa com-petncia, pois a cincia no tem naci-

    onalidade, universal.A questo que envolve o Estado, comoacaba de ocorrer na Esccia, em que

    medida ele deve ou pode financiarpesquisas que possam representar ris-cos, mesmo que potencialmente, humanidade ou natureza. No casobrasileiro, especificamente, compete CTNBio propor um cdigo de biotica.

    BC&D - A biotecnologia tem um mer-cado potencial estimado em bilhes dedlares. Somente na agricultura, este

    mercado pode chegar a 30 bilhes dedlares. E, especificamente em rela-o s sementes melhoradas a partir demodificaes genticas, o mercado de-ver passar de 8 milhes de dlares,em 1985, para quase 7 bilhes dedlares no ano 2000. Neste contexto,pode-se inferir que, no prximomilnio, haver dois grupos de pases:os que detm e vendem a tecnologia eos que compram. Qual a estratgia dogoverno para que o Brasil pertena aoprimeiro grupo?

    MM - As empresas brasileiras de se-mente investem, em mdia, 5% do seufaturamento em pesquisa. Todo o es-foro brasileiro se destina a criar condi-

    es de atingirmos um desenvolvi-mento sustentvel. Isto implica no sexpandir os investimentos nos setoresbsicos, como tambm redirecionar as

    funes do Estado, para superarmosnossas enormes carncias sociais. So-mos um dos maiores produtores debens alimentcios em todo o mundo econtinuamos ampliando nossa frontei-ra agrcola aceleradamente. A questoda autonomia tecnolgica faz partedesse esforo de crescimento e mo-dernizao, mas ser impossvel con-templ-lo de maneira setorizada. Odesenvolvimento cientfico , sem d-vida, uma varivel condicionante doprogresso econmico, social e cultural

    que estamos buscando conscientemen-te, com amplo apoio na sociedadebrasileira.

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    Marcos A. MachadoLaboratrio de biotecnologia em Citros

    Centro de Citricultura Sylvio Moreira

    Instituto de Citricultura Sylvio Moreira

    Instituto Agronmico de Campinas

    Brasil e Flrida continuam sendo

    as duas principais reas fornecedorasde fruta para a produo de suco con-centrado, principalmente a partir delaranja doce. O Brasil responde pormais da metade (1.146,9 mil tonela-das) do volume mundial de suco con-centrado (61 Brix), que em 1994 al-canou o volume de 2.138,5 mil tone-ladas.

    Sendo uma das mais tpicas ativi-dades agroindustriais no Brasil em umsetor altamente articulado, a citriculturaresponde por um faturamento varivel

    anual da ordem de 1,5 bilho de US$,centralizando-se principalmente emsuco concentrado e subprodutos. NoEstado de So Paulo, responsveldireto por 400.000 empregos em 204municpios, envolvendo 20.000 pro-dutores.

    O setor de suco concentrado contaatualmente com 22 indstrias (2 eminstalao), com um total de 994extratoras (97 fora de So Paulo). Comuma rea aproximada de 630.200haem So Paulo, a citricultura tem 164

    milhes de plantas e produo anualda ordem de 374 milhes de caixas

    (40,8kg), distribudas entre a indstria

    (71,5%), consumo interno de frutafresca (28,0%) e a exportao (0,5%).

    No binio 95/96, os principaisimportadores do suco brasileiro forama Unio Europia (68,8%), Amricado Norte (18,5%), sia (9,5%) e ou-tros pases (3,2%). O Estado de SoPaulo participa com 96,4% do volumetotal exportado.

    A produo mundial de citros nobinio 95/96 deve atingir um novorecorde de 80 milhes de toneladas,com um aumento de 3% em relao

    ao binio anterior, atribudo principal-mente ao aumento da produo bra-sileira, aps a queda de 94/95. Avalia-se que nesse perodo houve um au-mento de 18% da produo nacional.Do total mundial, 66% representa la-ranja doce, com o Brasil respondendopor 30% da produo mundial, cercade 16,1t. A participao brasileira nomercado mundial de frutas frescas pequena (menos que 2%), porm omercado interno tem se tornado umgrande consumidor de fruta fresca,

    competindo com a indstria.Embora as condies

    edafoclimticas favoream a cultura dos

    citros em vrias regies do Brasil, nossaprodutividade mdia ainda extrema-mente baixa, quando comparada comoutros pases: em torno de 2,0 caixas/planta/ano, contra 6,0 na Flrida, aprincipal regio competidora do Brasil.O aumento de produo nos ltimos20 anos explica-se essencialmente porum aumento de reas de plantio. De1975 a 1993, houve um incremento de147% de novos plantios.

    Avaliaes atualizadas apontampara uma estabilizao da demanda

    com simultneo aumento de oferta, oque inevitavelmente se refletir nospreos e, por conseguinte, nacompetitividade do citricultor. Em fun-o dessas perspectivas e da tradicio-nal baixa produtividade brasileira, apalavra de ordem para a citricultura doano 2000 PRODUTIVIDADE.

    Vrios so os componentes envol-vidos com a produtividade, podendode modo geral ser agrupados em fato-res relacionados com a qualidade domaterial gentico das plantas e sua

    sanidade, e com o manejo da cultura,incluindo conduo e ps-colheita.

    A citricultura brasileira pode ser considerada uma das mais competitivas e importantes atividades

    agroindustriais do Brasil. A baixa produtividade mdia e as altas tarifas protecionistas dosmercados importadores do suco brasileiro, como o caso do mercado americano, apontamnecessariamente para um aumento de produtividade como opo do setor. Apesar do volume daproduo brasileira, o setor ainda capaz de absorver tecnologia, e necessita ter opo de renovao,principalmente de material gentico superior. Nesse sentido, a biotecnologia representa umaferramenta valiosa para incrementar ganhos de produtividade e vem sendo utilizada em vriosncleos de pesquisa no Brasil. Atualmente, o Centro de Citricultura Sylvio Moreira, do InstitutoAgronmico de Campinas (Secretaria de Agricultura de So Paulo), com envolvimento exclusivocom citros em todos seus aspectos, congrega projetos significaticos na rea de melhoramento ebiotecnologia, com forte apoio do Ministrio de Cincia e Tecnologia (CNPq, PADCT, RHAE ePRONEX), FAPESP e iniciativa privada.

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    A necessidade de ampliao dasbases genticas atuais dos citros, assimcomo a potenc ia l izao degermoplasma j existente, impe anecessidade de desenvolver progra-mas de melhoramento. No entanto, asdificuldades de se conduzir programastradicionais de melhoramento, princi-palmente face prpria botnica des-se grupo de plantas, so enormes.

    Nesse contexto, a biotecnologia emseus vrios aspectos pode contribuirno ganho ou potencializao de carac-tersticas desejveis.

    POR QUE BIOTECNOLOGIAEM CITROS?

    Os programas tradicionais de me-lhoramento de citros foram conduzidosquase exclusivamente nos Estados Uni-dos, sendo significativamente repre-sentados pelos trabalhos de W.T.

    Swingle com obteno de vrios hbri-dos interespecficos. No Brasil, o me-lhoramento de citros foi sempre muitomais uma atividade de coleta, manu-teno e seleo massal de variantesespontneos. As evidncias apontammais para fatores de ordem botnica,como poliembrionia e longo perodo

    juvenil, que de outra natureza, para obaixo aproveitamento do potencial ge-ntico que essas espcies de citros ecorrelatos apresentam.

    Os citros apresentam uma diversi-

    dade muito grande de gneros, espci-es, variedades e clones. No entanto,

    um nmero relativamente pequeno utilizado nos atuais plantios comerci-ais, no sem algumas razes botnicase histricas. Como espcies de propa-gao quase exc lus ivamentevegetativa, os citros tiveram na sele-o massal a via mais rpida de melho-ramento, principalmente devido ao fatode apresentarem uma elevada taxa demutaes somticas promovendo o apa-

    recimento de novas variedades e, even-tualmente, a reverso variedade an-terior.

    Programas tradicionais de melho-ramento gentico via hibridao e se-leo recorrente sempre esbarraramem obstculos caractersticos dessegrupo de plantas. Entre os fatores rela-cionados com as caractersticas bo-tnicas e genticas da espcie, po-deriam ser citados:

    - so plantas lenhosas pere-nes com longo perodo juvenil.

    Como conseqn-cia, demoram muitopara florescer, de modo que a obten-o de geraes F1 e F2 pode demoraracima de trinta anos;

    - apresentam alta variabilida-de gentica. Dos cruzamentos, resul-tam indivduos bastante distintos entresi e dos pais, isto , ocorre segregaode quase todas as caractersticas dese-

    jadas;- apresentam poliembrionia

    nucelar, dificultando sobremaneira adistino entre indivduos hbridos e

    nucelares (no hbridos);- podem desenvolver muta-

    es espontneas de gemas, origi-nando novos cultivares;

    - herana quantitativadas prin-cipais caractersticas de interesse. Re-lacionados cultura dos citros, po-deriam ser mencionados:

    - a planta no campo no uma nica planta, porm duas, cons-titudas da copa e porta-enxerto (siste-ma radicular), quase sempre de esp-

    cies diferentes;- o carter monoclonal do

    plantio, isto , a utilizao de algunspoucos clones por variedade, tanto decopa como de porta-enxerto, com re-duo acentuada do componente vari-abilidade gentica, importante na ma-nuteno do equilbrio com os fatoresbiticos e abiticos;

    - o carter perene que tornamos citros plantas com interao maisconstante com fatores biticos (pra-gas/microrganismos/vrus/virides) e

    abiticos. Os fatores relacionados aci-ma fazem com que qualquer programade melhoramento gentico seja real-mente um desafio a geraes demelhoristas. Seno vejamos:

    - a longa juvenilidade estendeos programas a mais de 30 anos dedurao;

    - a alta taxa de segregaogenticaobriga a muitos, onerosos edemorados testes com os sem-nmerode indivduos resultantes dos cruza-mentos;

    - alteraes espontneas degemas, por ser um processo aparente-

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    mente ao acaso, pode alterar no tempotodo o trabalho do melhoramento;

    - poliembrionia nucelar tornabastante difcil a separao dos indiv-duos resultantes de cruzamento da-queles que so propagao vegetativada planta-me. Evidentemente que taisproblemas ocorrem tanto em espciesde porta-enxerto quanto em espciesde copa. Desnecessrio ressaltar os

    riscos que os plantios monoclonais/monoespecficos esto sujeitos, vis--vis problemas como a tristeza e outrasviroses/virides, o declnio, a clorosevariegada dos citros (CVC), pragas comoos caros e insetos etc.

    COMO APLICARBIOTECNOLOGIA EM

    CITRICULTURA?

    Fica evidente que a deciso dequal mtodo de melhoramento ser

    adotado deve sempre levar em consi-derao as caractersticas acima relaci-onadas. Do mesmo modo que comoaplicar a biotecnologia depender doprograma a ser executado e em que

    fase de desenvolvimento ele se en-contra. Considerando essas barreiras aomelhoramento dos citros e a disponibi-lidade de novos mtodos e tcnicasauxiliando a super-las, os maiores im-pactos de uso de biotecnologia seriam:- na reduo dos ciclos de seleo: ouso de marcadores bioqumicos emoleculares correlacionados s carac-tersticas importantes possibilitar a se-

    leo precoce, ao estgio de plntulas,reduzindo assim o nmero de progni-es a serem testadas em trabalhos dehibridao;

    - na potencializao da variabili-dade gentica: programas de hibridao(sexual e/ou somtica) interespecficae intergenrica devem ser continua-dos, apoiados principalmente emmarcadores genticos de maior facili-dade de identif icao, como osbioqumicos e moleculares;

    - no estabelecimento de multipli-cao clonal rpida: a seleo e a mul-tiplicao de porta-enxertos em reassob intensa presso de seleo (como

    O Centro de Citricultura Sylvio Moreira, do InstitutoAgronmico, da Coordenadoria de Pesquisa Agropecuriada Secretaria de Agricultura e Abastecimento, um pioneirono projeto de interiorizao da pesquisa, permitindo ao seuusurio o acesso mais rpido informao, ao mesmo

    tempo em que coloca o pesquisador mais perto da demandade pesquisa. H mais de duas dcadas, o Centro deCitricultura Sylvio Moreira (ex-Estao Experimental deLimeira) vem desenvolvendo trabalho em parceria com ainiciativa privada e, mais intensamente, nos ltimos cincoanos, quando da instalao e operacionalizao do labora-

    trio de biotecnologia em citros. O xito desse trabalhodemonstrou a necessidade de interiorizao da pesquisa.Sua criao foi mais um desafio vencido pelo Instituto

    Agronmico, que vem em processo crescente de moderni-zao, visualizando novas conquistas para o produtor aindaneste sculo em todas as suas reas de atuao.

    Com mais de 65 anos de experincia acumulada empesquisa, divulgao, prestao de servios e formao depesquisadores, alm de centenas de trabalhos cientficospublicados no Brasil e no exterior, o Centro de CitriculturaSylvio Moreira, do Instituto Agronmico, consideradocentro de referncia em pesquisa citrcola.

    Face s dificuldades inerentes gentica e botnica dogrupo, a biotecnologia representa uma ferramenta valiosapara acelerar ganhos em programas de melhoramento.Procurando se adequar s necessidades atuais de pesquisae desenvolvimento em citricultura, o Centro de CitriculturaSylvio Moreira, do Instituto Agronmico de Campinas,situado em Cordeirpolis/SP, tem atuado em vrias frentesda biotecnologia. Em apoio direto ao melhoramento, o

    programa de biotecnologia envolve as principais linhas de

    pesquisa:

    - Marcadores moleculares (RAPD, RFLP, AFLP emicrossatlites) para caracterizao/proteo varietal e

    mapeamento gentico;

    - Produo de novas combinaes hbridas de porta-enxertos;

    - Desenvolvimento de sistemas mais eficientes dediagnstico de patgenos;

    - Biologia molecular de patgenos importantes, comoo vrus da tristeza dos citros e a bactria da CVC;

    - Micropropagao de porta-enxertos in vitro;

    - Cultura e fuso de protoplastos para produo dehbridos somticos, principalmente porta-enxertos;

    - Desenvolvimento de tcnicas de isolamento degenes de interesse agronmico, principalmente o mRNAdisplay.

    Ao lado do Instituto Agronmico de Campinas, atravsdo Centro de Citricultura, outras importantes instituies queatuam com biotecnologia em citros no Brasil so: a EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queirz (ESALQ) e o Centrode Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da USP, emPiracicaba/SP; a UNESP, em Botucatu e Jaboticabal; aUNICAMP; o Instituto Biolgico de So Paulo e a Embrapa,

    em Cruz das Almas (BA).

    ONDE A BIOTECNOLOGIA EST SENDO APLICADA NA CITRICULTURA?

    em pomares com declnio, por exem-plo) podem ser bastante facilitadascom a aplicao de micropropagaopara produo de mudas em escalamais rpida e em maior volume paracontinuidade de testes de avaliao,assim como para produo comercialde porta-enxertos.

    - na recuperao de clones supe-

    riores: o acmulo de patgenossistmicos de lenta expresso, comoos vrus, torna a senescncia clonal umfato inevitvel em plantas perenes depropagao vegetativa, exigindo m-todos de limpeza clonal acompanha-dos de indexao, de modo a monitorarconstantemente o grau de infeconesses clones.

    - no estabelecimento de testesmais rpidos para diagnstico: mesmocom o avano de tcnicas de diagns-

    tico utilizando-se plantas indicadoras, evidente a necessidade de acelerar aindexao com mtodos mais rpidoscomo imunodiagnstico e/ou sondasmoleculares.

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    PESQUISA

    Gentica e melhoramento de fungos na biotecnologia

    Joo Lcio de AzevedoUniversidade Federal de Gois

    biotecnologia consisteno uso de sistemas celu-lares para o desenvolvi-mento de processos eprodutos de interesse

    econmico ou social. Entre os sistemascelulares, os fungos so de grande inte-resse biotecnolgico. Talvez sejam eles,

    dentre os seres vivos, os que mais tmcontribudo com produtos e processos deimportncia fundamental para o bem-estar da populao. Mas, que so osfungos e o que eles fazem? o que servisto a seguir.

    O que so os fungos?

    Os fungos, tambm chamados debolores, mofos ou cogumelos, esto in-terferindo constantemente nas nossas ati-vidades dirias. Eles so to importantes

    que hoje constituem um reino parte,lado a lado com os reinos vegetal eanimal. Fica difcil definir os fungos tal a sua diversidade. No entanto, eles pos-suem algumas caractersticas em comumque os distinguem dos outros seres vivos.Em geral, eles apresentam filamentos, aschamadas hifas, com paredes rijas, ricasem quitina, o mesmo material que reves-te insetos como besouros; tm caracters-ticas heterotrficas, isto , no possuemclorofila e, portanto, necessitam de mate-rial orgnico para viver, sendo sua nutri-

    o feita por absoro de nutrientes gra-as presena de enzimas que so poreles produzidas e que degradam produ-tos como, por exemplo, celulose e ami-do. Por outro lado, os fungos soeucariticos, isto , possuem um ncleotpico no interior de suas clulas, compa-rvel ao das plantas e animais. Reprodu-zem-se por via sexual ou assexual eassim possuem divises celulares do tipomitose e meiose, tendo sempre comoproduto final os esporos que so rgosde reproduo, resistncia e dissemina-

    o (figura 1). Na verdade, o reino dos

    fungos um dos mais numerosos. Esti-ma-se que existam pelo menos ummilho e quinhentas mil espcies defungos espalhadas pelo mundo. Isso muito mais do que todas as espciesvegetais e animais somadas, excluindo-

    se os insetos. E por incrvel que parea,

    apenas cerca de 70.000 espcies defungos foram at hoje descritas, ou seja,menos de 5% das possivelmente exis-tentes. Se entre esses cinco por centode espcies, j existem muitas de gran-de importncia, como as que entram nafabricao de alimentos, incluindo bebi-das, de cidos orgnicos, de frmacos einmeros outros produtos, pode-se ima-ginar o que se espera com a descobertade novas espcies com distintas propri-edades potencialmente de valorbiotecnolgico. Em particular no Brasil,

    que o pas que possui a maiorbiodiversidade do mundo, a busca de

    novas espcies de fungos dever produ-zir resultados extremamente interessan-tes do ponto de vista biotecnolgico. Maspara o leigo, o que fazem os fungos? Namaioria dos casos, eles so vistos pelapopulao como prejudiciais, uma ima-gem que dada pelas poucas espciesdentro do reino que causam as micoses

    do homem e animais ou as que soresponsveis por doenas em plantascultivadas.

    Outras pessoas associam os fungoscom os bolores ou mofos que invademparedes midas das residncias, artigosde couro ou ainda cobrem os alimentos,como frutas e gros armazenados. Deuma forma mais favorvel, eles podemser associados culinria, como o casodos cogumelos de chapu usados emsopas, pizzas e nos strogonoffs. Essa aimagem que o grande pblico tem sobre

    os fungos. O que esquecido que elesso tambm os responsveis pela produ-o de antibiticos como a penicilina, agriseofulvina ou a cefalosporina, de vita-minas como a riboflavina, de esterides,de cido ctrico, usado na fabricao derefrigerantes, medicamentos, balas e do-ces, de enzimas tipo celulases, quitinases,proteases, amilases e muitas outras devalor industrial, de etanol, usado comocombustvel nos automveis, comosolvente e desinfetante, ou ainda nasfermentaes alcolicas, produzindo be-

    bidas como o vinho, a cerveja, o saqu eos destilados. Eles tambm entram napanificao, na fabricao e maturaode queijos como o gorgonzola, ocamembert e o roquefort, em alimentosexticos orientais, entre muitos outrosprodutos. Tambm de grande importn-cia agrcola e ecolgica, so eles quemantm um equilbrio, decompondo res-tos vegetais, degradando substncias t-xicas, auxiliando as plantas a crescerem ese protegerem contra inimigos, comooutros microrganismos patognicos, in-

    setos-pragas da agricultura ou herbvo-ros. Enfim, os fungos constituem um

    Figura 1- Estruturas de um fungo vistasatravs de microscpio tico.Notam-se filamentos (hifas) e corpos esf-ricos que so os esporos vegetativos oucondios.

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    reino que, se extinto, ocasionaria tam-bm o desaparecimento da maioria dasespcies atualmente existentes, inclusi-ve a humana, uma vez que sem os fungosos ciclos biolgicos no seriam completa-dos. No por acaso que eles so consi-derados como de grande importnciapara a gentica e a biotecnologia, comoser visto a seguir.

    A gentica de fungos e as novastecnologias

    Os fungos tm contribudo com enor-me soma de conhecimentos para ummelhor entendimento dos processos ge-nticos. Como se sabe, a gentica acincia da hereditariedade ou transmis-so de caractersticas de pais para filhosou de ascendentes para descendentes.Como j mencionado, sendo eucariticos,alm de reproduzirem-se rapidamente,eles puderam ser usados, com eficincia,

    na resoluo de problemas genticos. Foiutilizando fungos filamentosos e levedu-ras que se descobriu em 1941 que genesproduziam enzimas e outras protenas.Veio a seguir uma avalanche de conheci-mentos derivados do uso de fungos,como sistemas genticos que no sconfirmaram as regras da cincia da here-ditariedade (figura 2), mas tambm con-triburam para a consolidao dabiotecnologia como um todo. Foi pormeio de tcnicas genticas clssicas,como busca da variabilidade natural, sele-

    cionando-se linhagens mais apropriadas,e pelo uso de mutantes e de cruzamen-tos entre linhagens, que se conseguiurealizar o melhoramento gentico demuitos fungos de valor industrial. O exem-plo mais tpico e de maior sucesso foi odo melhoramento gentico do fungoprodutor de penicilina, como ser vistomais adiante. Apesar dessa enorme con-tribuio, a moderna biotecnologia, comas novas tecnologias, como a fuso deprotoplastos (figura 3) e a tecnologia doDNA recombinante ou engenharia gen-

    tica, s foi usada de forma mais rotineira,em fungos, a partir de meados dos anos70 e incio dos anos 80. Com os processosde fuso de protoplastos e de transforma-o gentica, foi possvel a manipulaogentica dos fungos, permitindo comque novas caractersticas de valorbiotecnolgico fossem adicionadas a es-pcies j utilizadas comercialmente, au-mentando assim o seu potencialbiotecnolgico. Alguns fungos, principal-mente leveduras, que so aqueles que sereproduzem por brotamento, como

    Saccharomyces cerevisiae, j vm sendousados desde a Antiguidade na fabricaode produtos alimentcios, como o po;

    outros fungos vm sendo tambm em-pregados na fabricao de produtos deuso dirio, como o caso do cido ctricoproduzido por Aspergillus niger.

    Sabe-se assim que esses fungos nocausam qualquer problema, sendo elesprprios, ou seus produtos, ingeridospela espcie humana e outros mamfe-ros. Desta forma, esses fungos constitu-

    em-se em hospedeiros ideais para alber-gar genes provenientes de outros orga-nismos. A produo de hormnios, comoa insulina ou o hormnio de crescimentohumano, ou, ainda, a produo de outrostipos de frmacos, como o interferon,usado contra alguns vrus, pode ser leva-da a cabo tendo fungos como hospedei-ros de genes responsveis pela produodessas substncias. Em bactrias, hospe-deiros tradicionais de genes clonados, asprotenas no so modificadas de manei-ra apropriada, como ocorre em seres

    eucariticos, como os fungos. Alm domais, h um maior conhecimento no usode fungos em fermentaes industriaisdevido a sua grande utilizao na produ-o de antibiticos e etanol. Finalmente,o rendimento em peso por litro do pro-duto desejado , em geral, maior, quandofungos so utilizados como hospedeirosde genes clonados. De tudo isso, pode-seconcluir que cada vez mais eles tendema ocupar um papel de destaque nabiotecnologia. Fica difcil descrever aquitodas as aplicaes biotecnolgicas que

    os fungos apresentam. No entanto, al-guns exemplos sero dados para que oleitor tenha cincia da importncia dosfungos em biotecnologia. No presenteartigo, alguns exemplos foram escolhi-dos pelo seu valor econmico ou histri-co ou por serem derivados de trabalhosrealizados no Brasil.

    Exemplos do uso biotecnolgicode fungos manipulados

    geneticamente

    A produo de antibiticosUm dos exemplos mais impressio-nantes de melhoramento gentico, utili-zando tcnicas de gentica clssica, in-cluindo seleo e mutao, ocorreu nofungo filamentoso Penicill iumchrysogenum. Quando Fleming relatou,pela primeira vez, em 1929, o grandevalor potencial desse fungo produtor dapenicilina no combate a doenas infecci-osas causadas por bactrias, estava longede imaginar que sua linhagem, que pro-duzia menos de 2mg do antibitico por

    litro de meio de cultivo, teria sua produ-o melhorada em milhares de vezes. Porseleo natural, foram obtidas linhagens

    com produo de 60mg/litro. Graas atcnicas de induo de mutaes e sele-o de mutantes, alm da melhoria dascondies de cultivo, os aumentos foramconstantes at atingir o valor de 7g/litro.Atualmente, estima-se que existam li-nhagens industriais de Penicillium capa-zes de produzir mais de 50g/litro, ou seja,um aumento de 25.000 vezes em relao linhagem original de Fleming (figura 4).Esse exemplo demonstra a importnciadas tcnicas clssicas no melhoramentogentico de microrganismos de valorindustrial. Alis, foi com a produo deantibiticos que a biotecnologia teve seuincio efetivo na dcada de 40, adquirin-do em seguida a importncia que tematualmente, quando acrescida das mo-dernas tecnologias, especialmente a doDNA recombinante. na indstria deantibiticos que existem outros exem-plos comparveis ao descrito para a pe-nicilina, tanto utilizando fungos comobactrias.

    Figura 2- Colnias de fungo, resultantesde um cruzamento sexual entre fungos damesma espcie, porm, com mutaes paradiferentes cores. Notam-se colnias rosa-das (caracters-tica dada por um gene)em contra-posio a colnias brancas,verdes e amarelas. A proporo de colni-as rosadas em relao s outras de 1:1evidenciando uma segregao que com-prova as leis mendelianas da gentica.

    Figura 3- Fuso de protoplastos em fungos

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    A produo de cidosorgnicos

    Diferentes cidos orgnicos so pro-duzidos industrialmente por fungos. Den-tre estes fungos, destaca-se o Aspergillusniger, responsvel pela produo de v-rios compostos teis, incluindo o cidoctrico. Exemplos de melhoramento ge-ntico empregando-se tcnicas de gen-

    tica clssica e molecular nesse fungo tmsido descritos. No Estado de So Paulo,uma linhagem industrial utilizada paraproduo de cido ctrico em cultura desuperfcie, isto , em bandejas contendomeio de cultura lquido com sacarosecomo fonte de carbono, foi melhorada nolaboratrio do Setor de Gentica de Mi-crorganismos do Instituto de Gentica daEscola Superior de Agricultura Luiz deQueiroz, da Universidade de So Paulo(ESALQ/USP), em Piracicaba, resultandoem um aumento na produo de at 30%

    de cido, em relao cultura original.Foram utilizadas tcnicas de mutao,seleo e fuso de protoplastos (figura5). Quando as linhagens melhoradas fo-ram levadas indstria, ocorreram au-mentos considerveis na produo decido ctrico. Esse um dos exemplosbrasileiros que demonstram que os prin-cpios genticos na biotecnologia, quan-do racionalmente aplicados, podem le-var, com poucos custos, a ganhos subs-tanciais na indstria.

    A produo de etanol

    O Brasil tem larga experincia naproduo de lcool combustvel. O Pro-grama Nacional do lcool desencadeadono final dos anos 70, decorrente da crisedo petrleo, gerou uma srie detecnologias prprias, tornando o nossopas lder mundial nesse sentido. Nopoderia deixar de ocorrer, portanto, odesenvolvimento de processos visando produo de linhagens melhoradas dalevedura Saccharomyces cerevisiae, res-

    ponsvel pela produo de etanol. Linha-gens mais produtivas, com caractersticasdesejveis para produo de etanol ecom monitoramento na indstria por tc-nicas de marcao molecular, foram de-senvolvidas em vrios laboratrios, sali-entando-se mais uma vez os da ESALQ/USP, em Piracicaba. Por tecnologia doDNA recombinante, os laboratrios depesquisa das universidades de Braslia eda USP desenvolveram em conjunto li-nhagens de leveduras contendo genesde amilases capazes de utilizar o amido,

    por exemplo de mandioca ou batata-doce, na produo de etanol. Essas leve-

    duras manipuladas geneticamente estosendo aperfeioadas e podero desem-

    penhar um importante papel na produ-o de etanol. A tecnologia do DNArecombinante tem sido tambm usadapor esses e outros laboratrios brasileirose do exterior na clonagem eseqenciamento de genes de interesseindustrial em fungos.

    A biotecnologia na enologia

    Um outro exemplo, tambm brasi-leiro, o do melhoramento via fuso deprotoplastos com produo de hbridos,

    empregando-se espcies diferentes deleveduras utilizadas na fabricao do vi-nho. Por fuso de protoplastos, foi obtidoum hbrido entre as levedurasSaccharomyces cerevisiae eSchizossaccharomyces pombe reunindocaractersticas favorveis dos dois gne-ros de fungos em uma s clula (figura 6).Esta, multiplicada e retrocruzada com alinhagem original de Saccharomycescerevisiae, resultou em linhagem capazde utilizar uvas cidas, como as queocorrem em certas safras na regio Sul do

    pas, na produo de vinhos finos, semnecessidade de utilizao de fermenta-

    es mistas (duas espcies de leveduras)ou, o que seria pior, adio de acar.Esse trabalho resultou em patente queest em vigor, e a levedura melhoradadesenvolvida na Universidade de Caxiasdo Sul (UCS), no Rio Grande do Sul, jest sendo utilizada com sucesso na pro-duo de vinhos de alta qualidade.

    O controle biolgico de insetos

    por fungos

    Assim como os fungos podem even-tualmente causar doenas em plantas emamferos, tambm os insetos podemser atacados por certos fungos (figura 7).Se usados convenientemente, eles po-dem ser empregados no controle deinsetos-pragas de plantas cultivadas oumesmo de insetos vetores de doenas. OBrasil, possuindo um clima tropical emgrande parte de seu territrio e comvastas reas cultivadas, tem dificuldades

    na utilizao do controle qumico deinsetos, que se torna at invivel eantieconmico em certas condies, almde causar desequilbrios biolgicos e pro-blemas de intoxicao. A soluo entoo uso e aplicao de tcnicas na produ-o de inseticidas microbianos quepossam, se no substituir, pelo menosdiminuir o uso de agroqumicos comvantagens econmicas e de preservaodo ambiente. O Brasil talvez seja o pasonde as pesquisas e a utilizao em largaescala de fungos entomopatognicos,

    isto , os que atacam insetos, tm tidomaior sucesso. Melhoramento genticoclssico, desenvolvimento de marcadoresmoleculares, clonagem de genes e ou-tros estudos tm sido realizados em umesforo conjunto abrangendo diversasinstituies. Assim, vrios centros daEmpresa Brasileira de PesquisaAgropecuria (EMBRAPA), a ESALQ/USP,a UNICAMP, o Centro de Biotecnologiada UFRGS, a Universidade Estadual deLondrina, a UCS a UFPernambuco, almde empresas privadas, tm trabalhado

    com fungos como o Metarhizium

    Figura 4 - Melhoramento gentico para pro-duo de penicilina pelo fungo filamentosoPenicillium chrysogenum (modificado deElander R. P. (1967)). Enhanced penicillinBiosynthesis in mutant and recombinant straisof Penicillium chrysogenum. In Inducedmutations and their utilization (H.Stubbe,Ed.)

    pp 403-423. Akademic-Verlag, Berlim.

    Figura 5- Protoplastos de um fungo. Osprotoplastos foram corados, mostrando que

    eles possuem vrios ncleos (corpos azuis) noseu interior.

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    anisopliae, Beauveria bassiana eNomuraea rileyi aplicando tecnologiasclssicas e modernas para um melhorconhecimento da biologia e genticadesses fungos e no desenvolvimento delinhagens mais eficientes no controlebiolgico de insetos.

    Controle biolgico de doenas deplantas e fungos endofticos Como no

    caso do controle biolgico de insetos porfungos, existem tambm exemplos defungos que atuam como controladoresde doenas de plantas. Novamente oemprego racional dos mesmos pode pre-venir doenas causadas por microrganis-mos fitopatognicos. A utilizao dessescontroladores naturais restringe tambma aplicao abusiva de fungicidas. Astcnicas de produo massal dessescontroladores biolgicos, a otimizaodos processos de aplicao e o melhora-mento gentico dos fungos empregados,

    tornando-os mais eficientes, vm sendodesenvolvidos em laboratrios do Brasil eexterior. Exemplos de interesse tm sidoobtidos em alguns centros de pesquisa daEMBRAPA no Sul e Sudeste do pas.Recentemente tem sido verificado quefungos e bactrias encontrados interna-mente em vegetais, particularmente emsuas partes areas como folhas e ramos,tm enorme importncia no controle dedoenas de plantas e tambm de insetos.Uma boa quantidade da populao demicrorganismos que existe no interior de

    plantas constituda por fungos que sodenominados de fungos endofticos. Eles,alm de controlarem doenas e pragas,podem possuir outras propriedades, comoalterar o metabolismo das plantas, impe-dindo formao de sementes ou produ-zindo hormnios que causam modifica-es no desenvolvimento dos vegetais.

    Existem, tambm, casos de incrementode produo em plantas, graas presen-

    a desses endofticos. O estudo de fun-gos endofticos feito em pases declima temperado; entretanto, so escas-sos os trabalhos com plantas tropicais.Devido a isso, vrios laboratrios doBrasil (ESALQ/USP, UNESP, em Botucatu-

    SP, Universidade Federal de Gois,Fiocruz, no Rio de Janeiro, UniversidadeFederal do Amazonas e outras) tmisolado e encontrado novas caractersti-cas de valor biotecnolgico em fungosendofticos. A sua manipulao genticatem sido feita no intuito de seremclonados genes de interesse, de tal modoque sua reinoculao em plantas culti-vadas poder levar introduo nosvegetais de caractersticas novas e deinteresse biotecnolgico.

    CONCLUSES

    Os exemplos citados no esgotamnem de longe o potencial que os fungosapresentam em biotecnologia. A visoque se pretendeu dar por meio dosexemplos selecionados foi de que agentica, o melhoramento gentico e abiotecnologia em fungos, embora jtenham produzido resultados realmen-te assombrosos, como no caso do me-lhoramento para produo de antibiti-cos, ainda tm muito mais a oferecer.

    evidente que, no Brasil, um nmeromaior de micologistas, geneticistas defungos e biologistas moleculares temque existir para conseguir estudar nos as espcies j conhecidas como tam-bm toda a biodiversidade aindainexplorada no grande reino dos fungos.

    Referncias bibliogrficas

    Seguem algumas referncias ge-rais, onde o leitor poder encontrar maisdados sobre a biotecnologia em fungos.

    So citados tambm alguns trabalhos deautores nacionais referentes s pesqui-

    sas acima mencionadas.Alves, S.B. (1997) Controle

    Microbiano de Insetos. Editora FEALQ,Piracicaba (esta a segunda edio quedever estar disponvel no segundo se-mestre deste ano e que apresenta vrioscaptulos sobre uso de fungos no controlebiolgico de insetos).

    Astolfi Filho, S; Galembeck, E.V.;Faria, J.B. & Frascino A.C.S. (1986)

    Stable yeasts transformants that secretefunctional alfa-amilase encoded by clonedmouse pancreatic cDNA. Biotechnology1:47-54 (trabalho realizado no Brasil en-volvendo a UNB e a USP, sobre manipu-lao de levedura de interesse para pro-duo de etanol).

    Azevedo, J. L. (1986) Gentica deMicrorganismos em Biotecnologia e En-genharia Gentica (apresenta uma sriede captulos com revises de diversosautores sobre aspectos biotecnolgicosem fungos, incluindo controle biolgico,

    produo de cido ctrico, enzimashidrolticas e leveduras de uso enolgico.Possui tambm captulos descrevendo astcnicas de fuso de protoplastos e atecnologia do DNA recombinante).

    Azevedo, J. L. (1997) Endophyticfungi and their roles mainly on tropicalplants. Seventh International Symposiumon Microbial Ecology (captulo de livroque dever estar publicado ainda em1997. O captulo possui dados sobrefungos endofticos com nfase nos isola-dos de plantas no Brasil).

    Ball, C. (1984) Genetics andbreeding of industrial microorganisms.CRC Press, Boca Raton, Florida (contmcaptulos sobre mtodos demelhoramento de fungos e suasaplicaes biotecnolgicas, com nfasena produo de antibiticos).

    Bettiol, W(1991) Controle Biolgicode Doenas de Plantas. EMBRAPA/CNPDA, Jaguarina (possui captulossobre o uso de fungos no controlebiolgico de doenas de plantas e seuvalor biotecnolgico).

    Carrau, J. L.; Azevedo, J. L.; Sudbery,P. & Campbell, D. (1982) Methods forrecovery fusion products amongoenological strains of Saccharomycescerevisiae and Schizossacharomycespombe. Revista Brasileira de Gentica5:221-226 (publicao original, em grandeparte feita no Brasil, sobre obteno delevedura hbrida de valor enolgico).

    Saunders, V.A. & Saunders, J.R.(1987) Microbial genetics applied toBiotechnology. Croom-Helm, London(apresenta as diversas aplicaes da

    gentica de fungos no melhoramentogentico de espcies de valor industrial).

    Figura 6 - Clulas hbridas resultantes de umcruzamento por fuso de protoplastos entreduas espcies de leveduras. O produto vemsendo empregado com finalidades enolgicasna fabricao de vinhos finos.

    Figura 7 - Fungo entomopatognico ata-cando inseto em seu estado larval. Nota-seque uma das lagartas est completamenterecoberta pelo fungo, ao lado de outra sadia,no atacada.Os fungos que causam doenasem insetos so usados para controlar pragasda agricultura em um processo de controlebiolgico.

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    Um pesquisador realiza em seuslaboratrios uma pesquisa de base quefaz parte de seu trabalho na universida-de. De repente, esta pesquisa toma umrumo, de modo pretendido ou no, queinegavelmente apresenta uma aplicaoindustrial. Conseqentemente este pes-quisador acaba de realizar uma inven-

    o, que, se apresentar novidade emrelao ao que j foi descrito nas revistascientficas ou nas patentes, se apresentarum determinado nvel inventivo e noconstar das proibies expressas na lei, plenamente patentevel.

    Quais so os direitos deste pesquisa-dor sobre esta futura patente?

    Ou, melhor dizendo:Quais so os passos que um pesquisa-

    dor deve percorrer para que sua invenoreverta em retorno financeiro tanto paraa universidade em que trabalha quantopara si prprio?

    De um modo geral, todos os pesqui-sadores so inventores em potencial,sem que tenham conscincia disto, pois

    todo o trabalho cria tivo inerente a umainveno nasce do trabalho de pesquisa.Toda a pesquisa de base que seria em

    tese puramente ter ica poder se trans-formar em pesquisa aplicada desde queo pesquisador siga atalhos laterais quepartam da pesquisa de base, quer seja demodo aleatrio, quer seja de maneirapretendida. Em resumo, a pesquisa debase o tronco de uma rvore e apesquisa aplicada so os galhos, a folha-

    gem, os frutos. Ou fica-se fortalecendo otronco durante toda a vida da rvore ouatenta-se para o nascimento dos galhose segue-se sua formao! Os atalhoslaterais, ou seja, os galhos, so as inven-es com aplicao industrial que geramas patentes que, por sua vez, geramrecursos que remuneraro novas pes-quisas.

    Da Alemanha, do livro Der Schutzwissenschaftlicher Forschungsergebnisse,do Prof. Friedrich-Karl Beier e Dr. JosephStraus, constata-se que so 3 as etapasinerentes a um processo inventivo:

    1. A etapa da PESQUISA propria-mente dita, que engloba o avano cient-

    fico.2. A etapa do DESENVOLVIMENTO,

    qual pertence o avano tcnico.3. A etapa da APLICAO da pes-

    quisa, que representa o avano econmi-co e social.

    Na fase do DESENVOLVIMENTO onde se real izam as invenes

    patenteveis e muitas vezes nesta oca-sio que j se mostra indicada a elabora-o de um pedido de patente, mesmo queainda no tenha concludo naquele mo-mento, com detalhes, o contexto inventivoglobal do produto ou do processo recm-desenvolvido. A fase da APLICAO re-presenta a utilizao do produto ou doprocesso comercialmente.

    Cabe agora a pergunta:Como se situa ao redor do mundo os

    direitos dos empregados e dos empregado-res no que concerne s patentes?

    Na Alemanha, existem somente duas

    situaes:I. Ou a inveno se realizou durante

    a vigncia do contrato de trabalho, e a oempregador quem tem o direito dereivindicar a inveno (cabendo sempreao empregado direi tos sobre acomercializao do invento, os royaltiesque o empregado recebe durante toda avida da patente);

    II. Ou a inveno se deu fora davigncia do contrato de trabalho, e a oempregado que tem todos os direitos.

    A Sua segue este modelo e noJapo o est mulo s invenes to

    grande, seja nas universidades, seja nasindstrias, que um inventor aufere lucropor trs vezes, se for empregado. A pri-meira, quando depositado o pedido; asegunda vez, quando concedida a pa-

    tente; e a terceira vez, quando ela comercializada.

    Durante todo o seu caminho depesquisa, um inventor japons depositainvenes mesmo no estando elas aindaperfeitamente delimitadas em todo ombito de suas aplicaes. Desta forma,seus depsitos de inveno funcionamcomo se fossem pequenos segmentos deuma integral ou de um todo,correspondendo cada segmento a um

    pedido de depsito, e sendo a patenteglobal o somatrio dos diversos segmen-

    tos. Este modo de agir faz com que suainveno fique cercada em todos osseus detalhes por vrias pequenas pa-

    tentes.Os EUA seguem em princpio o que

    j foi dito para a Alemanha e Sua, mas

    ao mesmo tempo tm dado muito incen-tivo ao pesquisador, seja nas universida-des, seja nos centros de pesquisa. Maisespecificamente, na Universidade daCalifrnia entre muitas outras, h umcentro de transferncia de tecnologiaque cuida de todos os direitos da propri-edade intelectual, apoiando os pesqui-sadores. H, por exemplo, por parte dauniversidade, a obr igao decomercializar as invenes registradaspor seus pesquisadores, de procurar li-cenciados para os ditos inventos, depedir o registro para os inventos e de

    dividir os royalties auferidos com seuspesquisadores (50%). Os licenciamentosdas patentes perfazem 30 a 40% dareceita da universidade, existindo pes-quisadores de tecnologias de ponta que

    j tm auferido at 1 milho de dlarespor ano com suas patentes.

    No Brasil, no caso da ausncia deum contrato especfico entre empregadoe a empresa, deve o empregado buscarsuporte ou:

    1) nos regulamentos nacionais so-bre a matria, ou

    2) nos regulamentos das universida-

    des, ou3) nos estatutos das universidades,

    ou4) nas leis que regem os contratos

    no pas.A nova Lei de Propriedade Industri-

    al, sancionada em 14 de maio de 1996 eque entrou em pleno vigor em 15 demaio de 1997, deu uma nfase muitomais abrangente proteo conferida sinvenes realizadas por empregadosou prestadores de servios, do que aque-la j existente no Cdigo de PropriedadeIndustrial anterior. Consideramos de im-portncia salientar aqui alguns artigosdesta nova lei que por si s demonstram

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    o interesse do legislador de incentivar osinventores/pesquisadores, sem que comisto sejam prejudicados os empregado-res.

    So eles:Art . 88 - A inveno e o modelo de

    utilidade pertencem exclusivamente aoEMPREGADOR quando decorrerem decontrato de trabalho cuja execuo ocorrano Brasil e que tenha por objeto apesquisa ou a atividade inventiva, ou

    resulte esta na natureza dos serviospara os quais foi o empregado contrata-do.

    Art . 89 - O empregador, titular dapatente, poder conceder ao EMPREGA-DO autor de invento ou aperfeioamen-

    to PARTICIPAO nos ganhos econmi-cos resultantes da explorao da paten-

    te, mediante negociao com o interes-sado ou conforme disposto em normada empresa.

    Art . 90 - Pertencer exclusivamenteao EMPREGADO a inveno ou o mode-

    lo de utilidade por ele desenvolvido,desde que DESVINCULADO do contratode trabalho e no decorrente da utiliza-o de recursos, meios, dados, materiais,instalaes ou equipamentos do empre-gador.

    Art . 91 - A propriedade da invenoou do modelo de utilidade SER CO-MUM, em partes iguais, quando resultarda contribuio pessoal do empregado ede recursos, dados, meios, materiais,instalaes ou equipamentos do empre-gador, ressalvada expressa disposiocontratual em contrrio.

    Art . 92 - O disposto nos artigosanteriores aplica-se, no que couber, srelaes entre o trabalhador AUTNO-MO ou o ESTAGIRIO e a EMPRESACONTRATANTE e entre empresas con-

    tratantes e contratadas.Art . 93 - Aplica-se o disposto neste

    captulo, no que couber, s entidades daadministrao pblica, direta, indireta efundacional, federal, estadual ou muni-cipal.

    Pargrafo nico: Na hiptese doArt. 88, ser assegurada ao INVENTOR,na forma e condies previstas no esta-

    tuto ou regimento interno da entidade aque se refere este artigo, PREMIAOdeparcela no valor das vantagens auferidascom o pedido ou com a patente, a ttulode incentivo.

    Certas universidades no Brasil, como,por exemplo, a USP, tm convnios comseus professores e pesquisadores, atri-buindo a metade da propriedade daspatentes de inveno que eventualmenteforem realizadas aos ditos pesquisado-res e a outra metade universidade, quepor sua vez reverte ainda uma parte deseus 50% ao ncleo de pesquisa do

    inventor. Tal acordo nada mais do queum ato de justia ao esforo particular

    do pesquisador, j que sem ele no seteriam invenes.

    O ATO NORMATIVO n 116 de ou-tubro de 1993 regula esta matria, permi-tindo s empresas domicil iadas no pasou no que registrem contratos comcentros de pesquisas para o desenvolvi-mento de novas tecnologias, podendoat haver a possibilidade de dedutibilidadefiscal por parte da empresa quanto aoscustos das pesquisas.

    Um pesquisador poder aindaauferir lucro sobre suas pesquisas, seseu contrato com o empregador lhepermitir prestar consultorias. De qual-quer maneira, absolutamente indis-pensvel, para a prpria segurana doempregado, que estas consultorias se-

    jam consagradas por contratos, de prefe-rncia, escritos.

    O usual entre as universidades, seuspesquisadores e as empresas so contra-

    tos ou convnios tripart ite, onde uni-versidade pertencero 33%, empresa

    33% e financiadora 33%. Como janteriormente mencionado, o pesquisa-dor somente ter direitos materiais sobresuas pesquisas se seu contrato com ainstituio para a qual trabalha assim o

    tiver estipulado.

    A IMPORTNCIA DO DEPSITO DEPATENTE DE UMA INVENO

    comum e inerente ao papel depesquisador a PUBLICAO! Pesquisasem PUBLICAO no existe!

    Mas, e a PATENTE?

    A patente em embrio, ou seja , ofruto de uma inveno, morta se suapublicao se der ANTES do depsitoescrito da inveno em uma repartiogovernamental autorizada, sendo estarepartio no Brasil o INPI (InstitutoNacional da Propriedade Industrial).

    A pa tent e remune ra o es fo roinventivo com retorno do investimento universidade e ao pesquisador. A publi-cao sem PATENTE apenas comunicao esforo inventivo, sem retorno finan-ceiro.

    A PATENTE obrigatoriamente

    publicada 18 meses aps o depsito dopedido, mas o pesquisador poder efe-

    tuar sua publicao depois de ter seupedido depositado a qualquer hora quelhe convier, seja em revistas cientficasespecializadas, em palestras ou empapers.

    Portanto, a PATENTE no impedequalquer publicao, muito pelo contr-rio, obriga-se publicao.

    Repetindo, o pesquisador, aps terdescrito sua inveno e a tiver deposita-do no INPI (o que poder ser feito muitorapidamente), poder dispor dela para

    publicao imediatamente, concluindo-se que o depsito de uma patente no

    inibe as publicaes como muito erro-neamente repetido por leigos e atmesmo por pesquisadores, mas apenasgarante direitos. Assim, portanto, os pas-sos de uma pesquisa inventiva aplicadadeveriam ser:

    1) Descrio por escrito da inven-o.

    2) Depsito desta descrio no INPI.3) Publicao por parte do pesqui-

    sador para a comunidade cientfica, se

    assim o desejar.4) Publicao obrigatria por parte

    do INPI 18 meses aps o depsito.

    LICENAS

    importante para um pesquisadorao obter uma patente que, alm doenriquecimento de sua refernciacurricular, sua inveno venha a sercomercializada.

    Como feita esta comercializao?Atravs de LICENAS.

    O que uma licena?Uma licena um aluguel remune-rado que o inventor faz de seu invento.

    A empresa que aluga (licencia) o inven-to, remunera o dono da patente duranteos anos de sua vida de modo exclusivoou no exclusivo, dependendo do tipoda licena concedida.

    Uma inveno sem patentes, ou me-lhor, sem a possibilidade de haver licen-as, no comercializvel porque ne-nhuma empresa se arriscaria em investirmilhes sem ter a garantia de que auferiros lucros de seu investimento.

    Fleming, o inventor da penicilina,um exemplo entre muitos outros, noquis patentear seu invento por achar queo mundo deveria usufruir de suainveno sem precisar pagar royalties.Por isso que a penicilina deveria serfranqueada ao pblico em geral a preosbaratos. O resultado de sua deciso foique nenhuma empresa ousou arcar comos riscos de uma fabricao nopatenteada e somente aps 10 anos, emesmo assim com a interveno dogoverno ingls que, em guerra,praticamente obrigou um laboratrio

    particular a fabric-la, foi que a penicilinaficou conhecida e comeou a salvarvidas.

    Assim, fica aqui aos cientistas amensagem:

    Patente publicao obrigatriaremunerada.

    Somente o patenteamento permite acomercializao.

    Um inventor pode doar o fruto desua inveno para seu pas, se quiser,mesmo depois de obter a patente, masatravs do patenteamento poder trazer

    tambm para seu pas divisas de outros

    pases que permitiro a continuidade desuas pesquisas.

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    processo de gerao,divulgao e adoodas agribiotecnologias

    tem-se const itudo numimportante objeto deanlise e planejamen-

    to, particularmente empases desenvolvidos. Como em todoprocesso de transio, manifesta-se umamistura de apreenso e antecipao porparte da sociedade - a apreenso aodesconforto de adaptaes, nem sempreneutras e de fcil assimilao; e a ante-cipao, relacionada s novas perspecti-vas e s oportunidades a serem explora-das. Nesse processo, as reaes quanto

    aceitao e adoo das novastecnologias so bastante variadas, po-dendo-se agregar os seus participantesem trs grandes grupos: os inovadores,que procuram se antecipar na adoo deinovaes; os tradicionais, avessos amudanas; e finalmente, os indivduosque se adaptam progressivamente amodificaes, visualizando-as como umprocesso natural.

    No presente artigo, procura-se mo-tivar a implementao dessas novasagribiotecnologias de uma forma plane-

    jada na economia brasileira. Para tal,

    considera-se importante identificar osefeitos dessas mudanas num mbito

    mais amplo do desenvolvimento setorial.Tal percepo pode constituir-se numsubsdio importante para o delineamen-

    to de polticas relacionadas forma deconduo e assimilao das pesquisas, medida que permite a definio de metase objetivos de uma forma bastante clara,o que tende a reduzir a importnciarelativa dos problemas implcitos a pro-cessos dessa natureza.

    Perspectiva histrica dodesenvolvimento da agricultura -

    breve reviso

    Numa perspectiva histrica, o de-

    senvolvimento da agricultura pode serapresentado como uma seqncia detrs estgios. O primeiro ocorreu hcerca de dez mil anos, quando se passoua utilizar prticas de cultivo e variedadesmelhoradas de plantas.

    Na dcada de sessenta,implementou-se a revoluo verde,cujo impacto sobre a produo agrcolafoi suficientemente amplo para demar-car um segundo perodo de desenvolvi-mento do setor. Esse fenmeno compre-endeu o emprego de novas tecnologias,

    tais como o uso de herbicidas, ferti lizan-

    tes e variedades de plantas com maiorresposta aplicao de fertilizantes. A

    assimilao dessa nova tecnologia resul-tou numa expanso na produo dealimentos e num rpido aumento nautilizao de fertilizantes qumicos.

    Durante a revoluo verde, a pro-duo de trigo na sia no ano de 1969,por exemplo, superou em 30% a mdiado perodo de 1960-64, e a produo dearroz em 1969 excedeu em 18% a mdiado perodo de 1960-64. Os nveis deprodutividade alcanados foram pratica-mente duas vezes superiores quelesobtidos com a maior parte das varieda-des utilizadas anteriormente.

    O aumento da eficincia agrcolareduziu, por um lado, importantes obst-

    culos ao desenvolvimento de economiasasiticas (como a indiana, paquistanesae chinesa), onde milhes de indivduospassavam fome, correndo srios riscosde sucumbir inanio. Por outro lado,as mudanas tecnolgicas no foramassimiladas de forma homognea, fa-zendo com que outros problemas denatureza social e econmica, associados distribuio no-eqitativa de renda,fossem agravados. Alm disso, o entusi-asmo com os ganhos de produtividadelevou os agricultores a substiturem cul-

    turas tradicionais pelas que ofereciam

    maiores retornos.Os benefcios da revoluo verde

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    em termos da maior oferta de alimentostm sido ressaltados com maior freqn-cia. No entanto, vrios estudos associa-ram seus efeitos a um agravamento deproblemas socioeconmicos, tais comoo desemprego e a desigualdade na distri-buio de renda. A esses devem seracrescentados os prejuzos relativos degradao do solo por resduos qumi-cos.

    No presente artigo, no se tem a

    pretenso de diagnosticar se o impactolquido desse processo foi positivo ounegativo, e, sim, propor formas que per-mitam antecipar os possveis impactossociais e econmicos de processos denatureza semelhante, a fim de fornecersubsdios para a tomada de medidas quepossam evitar (ou minimizar) a reinci-dncia dos efeitos negativos.

    Goldin e Rezende (1993) argumen-taram que o deslocamento de bens ali-mentares no Brasil, particularmente du-rante a dcada de setenta, ocorreu por

    motivos semelhantes aos que provoca-ram a substituio de produtos agrcolastradicionais no continente asitico. Ouseja, nesse perodo, os produtos alimen-

    tares foram menos privilegiados por avan-os tecnolgicos desenvolvidos na eco-nomia domstica. medida que produ-

    tos exportveis, como a soja e o acar,passaram a competir por terra e outrosrecursos, os produtos alimentares do-msticos (como o feijo e o arroz) foramprogressivamente substitudos.

    Em perodo recente, a agriculturamundial vem-se defrontando com um

    processo que aparentemente pode seridentificado como uma terceira revolu-o ou a biorrevoluo. Os principaisfatores relacionados a esse processo so

    as agribiotecnologias emergentes, almdos sistemas de comunicao e a trocade informao de forma mais eficiente.De maneira geral, os objetivos dessabiorrevoluo envolvem um aumento daquantidade e da qualidade na produode alimentos, incluindo-se a elevao da

    taxa de produto por unidade de insumo.Norman Ernest Bourlag, conhecido

    como o pai da revoluo verde, v aengenharia gentica, com suas plantas

    transgnicas e clones de animais, comoa frente de uma nova revoluo naproduo de alimentos.

    Vrios trabalhos conduzidos emmeados da dcada de 80 tm sugeridoque esse novo processo de transio

    tecnolgica tem um maior potencial paraapresentar impactos positivos em termosdistributivos e de gerao de empregos,comparado revoluo verde. Esse ar-gumento sustenta-se em perspectivas deque a infuso de biotecnologias venha aproporcionar condies para um desen-

    volvimento econmico mais integrado eequilibrado entre a agricultura e o setorindustrial, ao contrrio do que ocorreuna revoluo tecnolgica da dcada de60. O estmulo consolidao de novossistemas agroindustriais apresenta-se pro-missor, particularmente como um instru-mento que poder alavancar um proces-so de desenvolvimento econmico sus-

    tentado, tendo como base re laesintersetoriais mais equilibradas.

    O desafio apresenta-se, portanto,como a determinao de formas paramaximizar os benef c ios das

    agribiotecnologias na economia brasilei-ra, ao mesmo tempo em que se minimizamos custos socioeconmicos associados aproblemas distributivos.

    Uma pauta para a formulao deestratgias.

    No contexto da agricultura brasilei-ra, a biotecnologia tem promovido odesenvolvimento de plantas de melhorqualidade, mais resistentes a adversida-des ambientais, alm de formas adequa-das ao processamento industrial (o queauxilia a integrao dos vrios subsetoresda agr icul tura em sistemas

    agroindustriais).Tcnicos do Centro Nacional de

    Recursos Genticos e Biotecnologia -CENARGEN, da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuria - EMBRAPA, ava-liam o impacto das biotecnologias noBrasil como sendo mais evidente emreas de recuperao, conservao ecaracterizao de variabilidade gentica,e de reflorestamento. Tem-se direcionadoesforos tambm para o desenvolvimen-

    to de inoculantes mais competi tivos ecom maior capacidade de sobrevivncia

    nos solos para culturas-chave como ofeijo e soja. A utilizao de insumosbiolgicos para assegurar o suprimentoadequado de nitrognio para essas cul-

    turas dever, eventualmente, prover umaumento na produtividade sem custosadicionais, alm de se apresentar comouma alternativa que viabiliza a conserva-o ambiental.

    importante atentar ao fato de queos programas de pesquisa para a agricul-

    tura uti lizados em dcadas passadas ti-veram um impacto negativo sobre adistribuio de renda e para a oferta de

    alimentos (Pastore, 1984; Homem deMelo, 1985). Considerando-se que a dis-tribuio de renda e a oferta de al imen-tos so determinadas primariamente por

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    fatores sociais e naturais, relevantequestionar se uma inovao tecnolgicapode compensar as deficincias relati-vas situao socioeconmica prevale-cente no pas. Neste contexto, impor-

    tante destacar , ainda, que o modelo dedesenvolvimento brasileiro ao longo dasduas ltimas dcadas buscou promoverum crescimento rpido da economia,

    tendo-se ut i l izado uma estra tgiadesenvolvimentista que priorizou a subs-

    tituio de importaes de bens de capi-tal e insumos bsicos, bem como adinamizao das exportaes de manu-faturados. Esse processo resultou numaacentuada transferncia de recursos dosetor agrcola em favor dos setores se-cundrio e tercirio, o que conduziu,por sua vez, a uma alterao desfavor-vel na taxa de crescimento relativa daagricultura.

    Mais recentemente, presses polti-cas e econmicas tm induzido o pas aliberalizar seu regime de comrcio exte-

    rior, sendo que os esforos nessa dire-o vm sendo acompanhados de umgrande empenho na retomada do cresci-mento econmico, particularmente atra-vs de uma melhor alocao dos recur-sos disponveis.

    Quando ocorre uma realocao derecursos (o que pode ser provocadopela introduo de uma inovao

    tecnolgica), os padres de pagamentosaos fatores alteram-se, trazendo conse-qncias tanto para a distribuio derenda como para a estrutura de emprego.Nesse processo, sempre existem grupos

    na sociedade que atingem maiores n-veis de satisfao com as mudanas,enquanto outros sofrem perdas efetivas.

    Tendo-se em conta, portanto, queos programas de pesquisa para a agricul-

    tura tm sido importantes na determina-o da distribuio de renda e na ofertade alimentos no pas, e que esses fatorespodem e devem ser melhorados, torna-se importante direcionar esforos paraassegurar que os impactos dos desen-volvimentos de novas tecnologias ve-nham a ser administrados de forma ade-quada. Isso envolve um esquema de

    planejamento baseado na identificaoprvia da viabilidade na conduo doprocesso e dos possveis efeitos positi-vos (e negativos). A determinao dessascaractersticas permite que se trabalhepara ampliar os impactos positivos po-

    tenciais. De uma mesma forma, tem-seelementos para identificar impactos ne-gativos potenciais e ajust-los, antes quevenham a ser institucionalizados.

    Os estudos relacionados biorrevoluo tm apresentado, a princ-pio, perspectivas otimistas, indicandoque a biotecnologia dever ter um gran-

    de impacto na produo agrcola, comreflexos favorveis tanto no que se refe-

    re distribuio de renda como ofertade alimentos, e nos nveis de emprego dapopulao (Salles, 1986; Possas et al,1994). possvel e desejvel, portanto,aumentar a probabilidade do sucesso naimplementao dessa reforma

    tecnolgica, pela identificao prvia dosgrupos que iro usufruir de maioresganhos ao longo do processo.

    Alguns itens de mbito global, sele-cionados para a composio de uma

    pauta para a definio de estratgias dasnovas agribiotecnologias no contextobrasileiro, so listados a seguir:

    . Identificao da forma pela qualas novas tecnologias podero ser absor-vidas, traduzidas e interpretadas tantopelas instituies pblicas como pelasentidades privadas envolvidas na pro-moo de seu desenvolvimento e divul-gao.

    . Verificao do grau de aceitaodas mudanas previstas em decorrnciada assimilao da nova tecnologia tanto

    por parte da sociedade, como pelosformuladores de poltica.. Avaliao da viabilidade na

    implementao das novas tcnicas, ten-do-se em considerao:

    - a importncia atribuda pelo go-verno e pela sociedade s solues pro-porcionadas pela sua adoo;

    - o enquadramento das mudanaspotenciais nas metas delineadas pelogoverno;

    - a aceitao dessas mudanas pelasempresas privadas que promovem odesenvolvimento e a divulgao das

    novas tecnologias. Com relao a esseltimo item, importante considerar queas agribiotecnologias vm sendo gera-das em sua maior parte pelo setor priva-do, o que torna necessrio verificar se oaumento no valor adicionado compensaos aumentos nos custos para os agricul-

    tores inovadores.. Avaliao do tempo requerido para

    que a nova tecnologia apresente algumefeito positivo a fim de proceder pon-derao das necessidades mais imedia-

    tas.. Avaliao do potencial que a assi-

    milao da nova tecnologia apresentapara reduzir o grau de desigualdade eaumentar o nvel de emprego, bem comoproceder a uma verificao da necessi-dade de recorrer interveno governa-mental para auxiliar a viabilidade de suaimplementao.

    . Determinao das restriesinstitucionais que possam atuar tanto nosentido de prejudicar como no sentidode promover o impacto e a efetividadeda tecnologia para a agricultura.

    . Verificar se existe uma demandasocial efetiva pela reduo do nvel de

    desemprego e de desigualdade na distri-buio de renda, ou mesmo se esses

    objetivos inserem-se nas metas polticastraadas pelo governo. Quando esse ocaso, resta aval iar se existe umequacionamento para a soluo dessesproblemas e se a promoo do desen-volvimento e emprego de novas

    tecnologias para a agricultura incluem-se nas formas identificadas para propor-cionar esses ganhos de bem-estar para asociedade.

    Considerando-se, portanto, que, na

    atual conjuntura poltica do pas, osesforos no sentido de promover a reto-mada do crescimento econmico tmsido evidentes e direcionados, a princ-pio, a um desenvolvimento intersetorialmais integrado e equilibrado, neste con-

    texto , a b iorrevoluo pode seridentificada como um processo adequa-do s metas polticas governamentaisrecentes. As expectativas relativas aoefeito da assimilao dessas novas

    tecnologias tm sido positivas, tanto paraquestes da produo como para ques-

    tes socioeconmicas, de forma que oplanejamento adequado desse processodeve ser tratado com a devida ateno, medida em se procura evitar a reincidn-cia de impactos negativos relativos amudanas tecnolgicas na agriculturabrasileira.

    Bibliografia

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    research. In: Yeganiantz. L., Brazilianagriculture and agricultural research,EMBRAPA, Braslia, Brasil, pp.99-115.

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    to de Trabalho 16, IPEA/PNUD, Brasil.129p.

    Salles Fo., S.L.M. 1986. Fundamentospara um Programa de Biotecnologia na

    rea Alimentar. Caderno de Difuso Tec-nolgica, Braslia, 3(3), 379-405, set/dez.

  • 7/27/2019 Biotecnologia Cincia & Desenvolvimento - n 1

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    Leishmania so protozorios para-

    sitas causadores das leishmanioses, quevo desde formas graves viscerais, fataisquando no tratadas, at formas cutneasde cura espontnea. Estas doenas afe-

    tam milhes de pessoas em todo o mun-do, e so um grave problema de sadepblica no Brasil. Estes parasitas so

    transmitidos ao hospedeiro mamfero,inclusive o homem, pela picada de umpequeno inseto, o flebtomo. No insetoa Leishmania existe como um parasitaflagelado extracelular, uma forma cha-mada promast igota. Quando opromastigota injetado no mamferopela picada do inseto, ele invade asclulas que normalmente so respons-veis pela defesa imune do organismo, osmacrfagos, onde se transforma numaforma arredondada imvel, o amastigota,que a se multiplica. A ingesto destasformas pelo inseto fecha o ciclo infecci-oso. A capacidade de sobrevivncia daLeishmania nestas clulas de defesa, umambiente normalmente hostil a organis-mos invasores, tem atrado o interesse demuitos pesquisadores. Apesar dos meca-nismos de escape no serem ainda total-

    mente compreendidos, vrios aspectosfascinantes j so conhecidos, como odesenvolvimento de estratgias dedetoxificao que incluem a produode molculas inibitrias especficas comocatalases, novos agentes redutores einibidores de protena quinases.

    O conhecimento de caractersticasdas formas amastigotas que sobrevivemnos macrfagos, e das molculas porelas produzidas, que podem estar envol-vidas nestes mecanismos de escape, portanto de grande importncia potenci-al para o desenvolvimento de vacinas e

    novas terapias. Nosso laboratrio vemtrabalhando com uma destas molculas

    amastigota-especficas, as cistena-

    proteinases.Provavelmente a cistena-proteina-

    se mais conhecida popularmente apapana do mamo, muito utilizada noamaciamento de carnes. Cistena-protei-nases existem em praticamente todos osorganismos onde foram procuradas,desde vrus, bactrias e plantas, at nosmamferos, tendo funes diferentes nosvrios casos. Elas foram encontradas

    tambm em vrios parasitas de interessepara o homem. Uma produo aumenta-da de cistena-proteinases por amebas,parasitas unicelulares que podem pro-vocar srias diarrias, foi correlacionada gravidade da doena causada, uma vezque estas proteinases parecem estar im-plicadas na capacidade invasiva destesparasitas. O Schistosoma, um verme que

    tem um estgio de diferenciao numvetor caramujo, transmitido ao homemem guas infectadas por uma pequenaforma chamada cercria, que penetrapela pele. Uma cistena-proteinase foiresponsabilizada por este processo inva-sivo. Testes preliminares demonstraramque a utilizao de inibidores destas

    proteinases, quando passados na pelede animais de laboratrio, eram capazesde bloquear a transmisso do parasita.Cistena-proteinases foram tambm de-

    tectadas, e esto sendo exaustivamenteestudadas, em protozorios parasitascomo o plasmdio causador da malria,e os tripanosomatdeos patognicosTrypanosoma brucei, causador da doen-a do sono na frica, e o Trypanosomacruzi, causador da doena de Chagas noBrasil e outros pases das Amrica, comoum alvo potencial para novas terapias edesenvolvimento de vacinas. No caso do

    protozorio causador da malria, ciste-na-proteinases so responsveis pela

    Yara Maria Traub-Cseko

    Ph.D em Biologia Molecular pela Universidadede Columbia, New York - EUA.

    Chefe do Departamento de Bioqumica eBiologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz.

    Pesquisadora Visitante na Universidade de Yale,EUA.

    Fundao Oswaldo Cruz, Instituto OswaldoCruz, Departamento de Bioqumica e BiologiaMolecular, Rio de Janeiro, RJ

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    quebra da hemoglobina que nutre estesparasitas. No T. cruzi elas parecem terum importante papel no ciclo de desen-volvimento do parasita. Em Leishmania,inibidores de cistena-proteinases ini-bem em grande parte a transformao depromastigotas para amastigotas, e dimi-nuem dramaticamente a infeco demacrfagos. Informaes detalhadassobre cistena-proteinases de Leishma-nia podem ser obtidas numa reviso que

    publicamos em Cincia e Cultura (vol. 45N.5, 1993).

    Nossos trabalhos sobre cistena-proteinases de Leishmania iniciaram-sepela identificao e caracterizao dosgenes que codificam estas enzimas. Istofoi possvel explorando uma de suascaractersticas, a alta conservao dasseqncias correspondentes aos stiosativos, aos quais se liga o substrato. Istopermitiu o desenho de pequenas se-qncias de DNA que foram usadascomo iniciadoras numa tcnica de am-

    plificao de DNA conhecida como PCR,a reao em cadeia da polimerase. Asseqncias ampli f icadas foramseqenciadas e desta maneira consegui-mos identificar dois genes que codifi-cam duas cistena-proteinases distintas.O estudo cuidadoso destas seqnciasnos permitiu chegar a vrias conclusesinteressantes: trata-se de duas proteinasesbastante diferentes, to diferentes entresi , digamos, como uma ciste na-proteinase de T. cruzi e qualquer umadas de Leishmania. A quantidade dasprotenas produzidas por estes genes,

    que chamamos de Lpcys1 e Lpcys2, bastante diferente, a 2 sendo muito maisabundante que a 1, o que correlacionadocom o nmero de genes presentes nogenoma, apenas um gene na 1, e umadezena de cpias pelo menos da 2.Outra diferena que chamou a atenofoi a ausncia, em Lpcys1, de uma exten-so no fim C-terminal da protena, que caracterstico de todas as cistena-proteinases de tripanosomatdeos estu-dadas at agora. Os dois tipos de genesencontram-se tambm em cromosomasdiferentes. Sua localizao celular na

    Leishmania foi determinada atravs demarcao com anticorpos e visualizaopor microscopia eletrnica. Ambas fo-ram encontradas em abundncia noslisosomas e Lpcys1 em quantidades sig-nificativas na bolsa flagelar, uma cavida-de na base do flagelo que parece servircomo um importante stio de ingesto esecreo nestes parasitas.

    Neste meio tempo, um grupo depesquisadores na Esccia estava estu-dando alguns outros aspectos destaproteinases de Leishmania. Estudos fun-cionais foram feitos atravs da tcnica

    de eliminao ou knockout gnico. Estatcnica tornou-se possvel a part ir do

    desenvolvimento de transfeco emLeishmania. Um dos carros-chefes daengenharia gentica a tcnica declonagem molecular , onde genesheterlogos so ligados a plasmdeosbacterianos e depois reintroduzidos eamplificados em bactrias. O equivalen-

    te desta tcnica foi tambm desenvolvi-do para tripanosomatdeos, inclusiveLeishmania. Foram criados plasmdeoscapazes de se replicar nestes parasitas,

    que so introduzidos na Leishmania pelatcnica de eletroporao. O plasmdeointroduzido pode conter um geneconstrudo de tal maneira que, atravs derecombinao gentica, se insira no genenormal da clula e o destrua, causandoassim uma deficincia de seu produto. Achamada gentica reversa uma armapoderosa para o estudo funcional degenes especficos. Quando o grupo daEsccia eliminou o gene de Lpcys1 deLeishmania, no foi possvel detectarqualquer efeito deletrio nas clulas,

    indicando no ser este um produto es-sencial para a sobrevivncia do parasita.Quando, entretanto, as cpias de Lpcys2foram eliminadas, essas leishmnias per-deram em grande parte sua capacidadede infectar e sobreviver nos macrfagos,comprovando assim seu importante pa-pel na virulncia destes parasitas.

    Nosso interesse atual se foca princi-palmente no estudo de mecanismos de

    trnsito celular de cistena-proteinasesem Leishmania, ou seja, na sinalizaoque leva estas proteinases aos lisosomas.Pouco se sabe a respeito das caracters-

    ti cas molecula res responsveis peloendereamento de protenas emtripanosomatdeos em geral. Foi identifi-cado um sinal de apenas trs aminocidosque capaz de levar protenas aoglicosoma, uma organela caractersticade tripanosomatdeos onde se concen-

    tram enzimas glicolticas. Os sinais dedirecionamento ao lisosoma so bemconhecidos em vrios organismos, exis-

    tindo mesmo, em mamferos, patologiasdefinidas relacionadas a mecanismosdeficientes de endereamento de enzimasao lisosoma. O mecanismo mais comum,

    que envolve receptores e uma marcaopor glicose-6-fosfato nas enzimaslisosomais, no parece existir emLeishmania. Foi aventada na literatura ahiptese do envolvimento da extensoC-terminal , caracter s t ica de

    tripanosomatdeos , nes te processo. Adescoberta, em nosso laboratrio, deuma classe de cistena-proteinases deLeishmania que no tem esta extenso, emesmo assim tem uma localizaolisosomal, v