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Birdwatching: Olha o passarinho A "Birds and Nature" de João Jara faz excursões em Portugal de observação de aves. Pegámos nos binóculos e fomos a Alcochete LUIS DE FREITAS BRANCO (Texto) luis. [email protected] ANTÓNIO PEDRO SANTOS (Fotos) [email protected] Beatte trabalhou a vida toda como secre- tária de escola na sua terra natal, em Hanôver. Hoje, aos 60 anos, está refor- mada. Para trás ficaram os documentos por arquivar e o único futuro que ima- gina é a espreitar pelas lentes dos binó- culos qualquer espécie de ave que nun- ca viu. Acabada de aterrar em Lisboa com o marido, segue rapidamente para Alcochete. De costas viradas para a Lis- boa cosmopolita, está pronta às 11 da manhã com um caderno na mão. "As nos- sas férias servem apenas para fazer birdwatching, os monumentos não me interessam muito", explica a alemã. Não é fácil manter uma conversa numa excursão de birdwatching e em todos os momentos está assente um sistema de horas. "Cartaxo às três horas e Tartara- nhão dos Pauis ao meuxlia!", indica ener- geticamente João Jara, o guia e presiden- te da empresa Birds and Nature (www.birds.pt). João, após uma longa carreira em farmacêuticas, dedica-se a tempo inteiro desde 2007 a fazer visitas guiadas por Portugal. Beatte eo marido estão pela terceira vez em solo lusitano e pela segunda vez guiados por João. Após a última visita ao Alentejo, Beatte pediu agora para passear por Alcochete, com a esperança de ver um sisão, ou como a própria diz em inglês, "a little bastard". "Este grupo não é normal. Além de serem estrangeiros são repetentes", indica João. O mais usual na Birds and Nature são excursões em grupo e com portugueses, "entre os 40 e os 80 anos", diz. CONTAS Estimam-se no mundo cerca de 80 milhões de observadores de aves, sen- do o seu objectivo quase sempre o mes- mo: "Fazemos isto porque gostamos da natureza. Para fazermos birdwatching temos obrigatoriamente de estar num sítio bonito e selvagem", indica a alemã. O sítio selvagem do dia fica a meros 30 minutos de Lisboa, a zona das lezírias, entre Alcochete e Vila Franca de Xira. As estradas de terra batida rodeadas por arrozais são surpreendentemente um dos melhores locais do país para ver espé- cies completamente distintas. "A aborda- gem certa é sempre andar de carro e sair apenas nos melhores locais", explica o guia. De binóculos em punho e em modo Parque Jurássico, percorremos as lezí- rias a espreitar pelas janelas do carro. Enquanto João encontra as aves (quase invisíveis aos olhos destreinados), Beat- te aponta todas as espécies num peque- no caderno. Fora da viatura existe uma regra de ouro: "Temos de falar baixo e estar perto do carro, nunca se pode afu- gentar as aves", alerta João. Fora do car- ro, um telescópio bem direccionado per- mite ver qualquer ave nas imediações. A primeira aparição de renome é o peneireiro-cinzento, a ave de rapina que serve de estandarte à Birds and Nature. O pássaro deslumbrante faz casa perto do estuário do Tejo e Beatte não perde tempo a reagir: "Muito bom, estes pás- saros não aparecem no Norte da Euro- pa." A observação é mais minuciosa em terra com um telescópio. João finalmen- te encontra um lago para fazer uma pri- meira paragem. No lago alimentam-se centenas de abibes, narcejas em zigue- zagues, colhereiros, milherangos, uma íbis preta e muitos flamingos. Beatte não se deixa impressionar pelas cegonhas brancas, explicando que "as pretas são mais raras, podem ser vistas quando estão em migração para África". MOMENTOS O objectivo escondido de cada birdwatcher é sempre ver uma rarida- de, uma ave que por qualquer infortúnio, como uma tempestade, acabou perdida na costa portuguesa Entre os abibes, João desconfia estar um espécime canadiano. Infelizmente, os pés da ave estão na água e não consegue confirmar se é uma rari- dade. "Se for uma raridade, é pena, pois está sozinha e perdida, mas por outro lado é isto que procuramos", diz João. O Outono é a época das migrações, a melhor altura para ver uma destas aves especiais, que João garante terem ao fim de duas semanas uma morte certa. O mam event premeditado são os sisões, que levaram Beatte de Hanôver a Alcochete. "Em Portugal temos condi- ções incríveis para esta actividade, temos muitas espécies concentradas num mes- mo sítio", explica João, acrescentando que "em Espanha teríamos de percorrer muitos quilómetros". Beatte e o marido vêem amenamente os pássaros, sem gran- des ondas de felicidade, mas João expli- ca que nem todos os clientes são assim. "Existem muitos 'listers', que apontam obsessivamente na folha todas as aves e se deslocam quilómetros para ver uma única espécie", diz. Outra obsessão recor- rente é a fotografia. Alguns birdwatchers querem apenas uma prova fotográfica. Enquanto percorremos os arrozais, as debulhadoras levantam a erva, que as garças aproveitam para a refeição do momento. A paragem final é o pequeno rio Sorraia, na Ponta da Erva, que escoa no Tejo. Centenas de flamingos levan- tam voo por cima das nossas cabeças e dirigem-se ao estuário do Tejo. "Quase todas as aves ao fim da tarde vão dormir para o estuário", indica o guia. Em cer- ca de cinco horas vimos 80 espécies dife- rentes, tudo a 30 minutos de Lisboa. "Lembra-se quando perguntou porque fazemos isto?", inquire Beatte. "Bem... eu acho que isto responde à sua pergun- ta", conclui.

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Birdwatching:Olha o passarinho

A "Birds and Nature" de João Jara faz excursõesem Portugal de observação de aves. Pegámosnos binóculos e fomos a AlcocheteLUIS DE FREITAS BRANCO (Texto)luis. [email protected]ÓNIO PEDRO SANTOS (Fotos)

[email protected]

Beatte trabalhou a vida toda como secre-tária de escola na sua terra natal, emHanôver. Hoje, aos 60 anos, está refor-mada. Para trás ficaram os documentos

por arquivar e o único futuro que ima-gina é a espreitar pelas lentes dos binó-culos qualquer espécie de ave que nun-

ca viu. Acabada de aterrar em Lisboacom o marido, segue rapidamente paraAlcochete. De costas viradas para a Lis-boa cosmopolita, está pronta às 11 damanhã com um caderno na mão. "As nos-

sas férias servem apenas para fazerbirdwatching, os monumentos não meinteressam muito", explica a alemã.

Não é fácil manter uma conversa numaexcursão de birdwatching e em todos os

momentos está assente um sistema dehoras. "Cartaxo às três horas e Tartara-nhão dos Pauis ao meuxlia!", indica ener-geticamente João Jara, o guia e presiden-te da empresa Birds and Nature(www.birds.pt). João, após uma longacarreira em farmacêuticas, dedica-se a

tempo inteiro desde 2007 a fazer visitas

guiadas por Portugal. Beatte e o maridoestão pela terceira vez em solo lusitanoe pela segunda vez guiados por João. Apósa última visita ao Alentejo, Beatte pediuagora para passear por Alcochete, coma esperança de ver um sisão, ou como a

própria diz em inglês, "a little bastard"."Este grupo não é normal. Além de seremestrangeiros são repetentes", indica João.O mais usual na Birds and Nature sãoexcursões em grupo e com portugueses,"entre os 40 e os 80 anos", diz.

CONTAS Estimam-se no mundo cerca de80 milhões de observadores de aves, sen-do o seu objectivo quase sempre o mes-mo: "Fazemos isto porque gostamos da

natureza. Para fazermos birdwatchingtemos obrigatoriamente de estar numsítio bonito e selvagem", indica a alemã.O sítio selvagem do dia fica a meros 30minutos de Lisboa, a zona das lezírias,entre Alcochete e Vila Franca de Xira. As

estradas de terra batida rodeadas porarrozais são surpreendentemente umdos melhores locais do país para ver espé-cies completamente distintas. "A aborda-

gem certa é sempre andar de carro e sair

apenas nos melhores locais", explica o

guia. De binóculos em punho e em modo

Parque Jurássico, percorremos as lezí-rias a espreitar pelas janelas do carro.Enquanto João encontra as aves (quaseinvisíveis aos olhos destreinados), Beat-te aponta todas as espécies num peque-no caderno. Fora da viatura existe umaregra de ouro: "Temos de falar baixo e

estar perto do carro, nunca se pode afu-

gentar as aves", alerta João. Fora do car-

ro, um telescópio bem direccionado per-mite ver qualquer ave nas imediações.

A primeira aparição de renome é o

peneireiro-cinzento, a ave de rapina queserve de estandarte à Birds and Nature.O pássaro deslumbrante faz casa pertodo estuário do Tejo e Beatte não perdetempo a reagir: "Muito bom, estes pás-saros não aparecem no Norte da Euro-

pa." A observação é mais minuciosa emterra com um telescópio. João finalmen-te encontra um lago para fazer uma pri-meira paragem. No lago alimentam-secentenas de abibes, narcejas em zigue-zagues, colhereiros, milherangos, umaíbis preta e muitos flamingos. Beatte nãose deixa impressionar pelas cegonhasbrancas, explicando que "as pretas são

mais raras, podem ser vistas quandoestão em migração para África".

MOMENTOS O objectivo escondido de cada

birdwatcher é sempre ver uma rarida-de, uma ave que por qualquer infortúnio,como uma tempestade, acabou perdidana costa portuguesa Entre os abibes, Joãodesconfia estar um espécime canadiano.

Infelizmente, os pés da ave estão na águae não consegue confirmar se é uma rari-dade. "Se for uma raridade, é pena, pois

está sozinha e perdida, mas por outrolado é isto que procuramos", diz João. O

Outono é a época das migrações, a melhoraltura para ver uma destas aves especiais,

que João garante terem ao fim de duas

semanas uma morte certa.O mam event já premeditado são os

sisões, que levaram Beatte de Hanôvera Alcochete. "Em Portugal temos condi-

ções incríveis para esta actividade, temosmuitas espécies concentradas num mes-mo sítio", explica João, acrescentando

que "em Espanha teríamos de percorrermuitos quilómetros". Beatte e o maridovêem amenamente os pássaros, sem gran-des ondas de felicidade, mas João expli-ca que nem todos os clientes são assim."Existem muitos 'listers', que apontamobsessivamente na folha todas as aves e

se deslocam quilómetros para ver umaúnica espécie", diz. Outra obsessão recor-rente é a fotografia. Alguns birdwatchers

querem apenas uma prova fotográfica.Enquanto percorremos os arrozais, as

debulhadoras levantam a erva, que as

garças aproveitam para a refeição domomento. A paragem final é o pequenorio Sorraia, na Ponta da Erva, que escoa

no Tejo. Centenas de flamingos levan-tam voo por cima das nossas cabeças e

dirigem-se ao estuário do Tejo. "Quasetodas as aves ao fim da tarde vão dormir

para o estuário", indica o guia. Em cer-ca de cinco horas vimos 80 espécies dife-

rentes, tudo a 30 minutos de Lisboa."Lembra-se quando perguntou porquefazemos isto?", inquire Beatte. "Bem...eu acho que isto responde à sua pergun-ta", conclui.

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