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Educação em Saúde

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Editorial ...........................................................................................................................3

Uma reflexão crítica sobre a Educação em Saúde ................................................ 4

Análise Institucional e Educação em Saúde: um diálogo produtivo......................... 6

Capacitamos ou não? – uma visão sobre as modalidades de formação............... 10

Algumas considerações sobre a relação entre educação e comunicaçãono âmbito da saúde ...................................................................................... 11

Temas transversais e intersetorialidade: desafios para educaçãopreventiva integral ......................................................................................... 13

Pesquisa participante: possibilidades e repercussões na área deEducação em Saúde ..................................................................................... 15

A promoção da saúde como referencial para a formulação e desenvolvimentode políticas públicas saudáveis ..................................................................... 16

O Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento do profissional de saúdepara a Humanização .................................................................................... 18

Complexidade, Educação e Saúde................................................................... 19

Educação e Saúde: a vida interrogada .............................................................. 20

Redes de proteção e de inclusão social: a importância da atuação intersetorialna atenção à saúde. Experiências na área de saúde escolar ............................ 21

É possível uma co-gestão na Saúde?

Um ideal de integração do homem; uma possibilidade de transposiçãopara a atualidade ......................................................................................... 23

Pesquisa qualitativa em saúde: saber fazer, saber ver, saber sentir ........................ 25

Navegue! ........................................................................................................ 28

SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

Expediente:Expediente:Expediente:Expediente:Expediente:

Editor:Editor:Editor:Editor:Editor: Danaé Terezinha ConversaniEditor asssistente:Editor asssistente:Editor asssistente:Editor asssistente:Editor asssistente: Monique Borba Cerqueira e Sandra Maria Greger TavaresEEEEEditoração:ditoração:ditoração:ditoração:ditoração: Nelson Francisco BrandãoCapa:Capa:Capa:Capa:Capa: Composição e montagem a partir do Acrílico/tela

“Gente e Suenos” “Más gente, 2002” da artista espanhola María Burgaz, Medidas: 35 x 100 cm (14 x 39 inches).Email: [email protected]://www.mariaburgaz.com

Apoio LApoio LApoio LApoio LApoio Logístico:ogístico:ogístico:ogístico:ogístico: Núcleo de Informática-ISDivulgaçãoDivulgaçãoDivulgaçãoDivulgaçãoDivulgação::::: Núcleo de Documentação e Informação-IS

Secretário de Estado da Saúde - SPSecretário de Estado da Saúde - SPSecretário de Estado da Saúde - SPSecretário de Estado da Saúde - SPSecretário de Estado da Saúde - SPLuiz Roberto Barradas Barata

Coordenador dos Institutos de PCoordenador dos Institutos de PCoordenador dos Institutos de PCoordenador dos Institutos de PCoordenador dos Institutos de PesquisaesquisaesquisaesquisaesquisaLuiz Jacintho da Silva

Diretora do Instituto de SaúdeDiretora do Instituto de SaúdeDiretora do Instituto de SaúdeDiretora do Instituto de SaúdeDiretora do Instituto de SaúdeMaria Lúcia Rosa Stefanini

BIS - Boletim do Insti tuto de SaúdeBIS - Boletim do Insti tuto de SaúdeBIS - Boletim do Insti tuto de SaúdeBIS - Boletim do Insti tuto de SaúdeBIS - Boletim do Insti tuto de Saúdenº 34 - Dezembro 2004 nº 34 - Dezembro 2004 nº 34 - Dezembro 2004 nº 34 - Dezembro 2004 nº 34 - Dezembro 2004 ISSN 1809-7529Publicação quadrimestral do Instituto de Saúde.Tiragem: 3000 exemplares. R. Santo Antônio, 590 Bela Vista . Cep: 01314-000 São Paulo-SPTel: (11) 3293-2222/Fax: (11) 3105-2772. E-mail:[email protected]: http://www.isaude.sp.gov.br

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EditorialEditorialEditorialEditorialEditorial

Maria Lucia Rosa Stefanini*

* Nutricionista, Doutora em Saúde Pública, Pesquisadora Científica,Diretora do Instituto de Saúde. Email: [email protected]

“A Educação em Saúde é compreendida comoprocesso de transformação que desenvolve aconsciência crítica das pessoas a respeito de seusproblemas de saúde e estimula a busca de soluçõescoletivas para resolvê-los. A prática educativa , assimentendida, é parte integrante da própria ação desaúde e, como tal, deve ser dinamizada emconsonância com este conjunto, de modo integrado,em todos os níveis do sistema, em todas as fases doprocesso de organização e desenvolvimento dosserviços de saúde”. Este texto, extraído das diretrizespara a educação em saúde elaboradas em 1984pela Divisão de Educação em Saúde do Ministérioda Saúde, explicita a abrangência desse tema ereforça o entendimento dele estar presente noquotidiano dos trabalhadores da saúde.

O Instituto de Saúde, como órgão de pesquisada administração direta, que deve ter como eixocentral de sua atuação científica a aproximação e ocomprometimento com o Sistema único de Saúde,identifica dois campos fundamentais na concepçãode Educação em Saúde que devem ser priorizadosnas suas linhas de pesquisa: o da formação dostrabalhadores de saúde e o das práticaspedagógicas nos diversos níveis do Sistema.

A leitura deste número do BIS “Educação emSaúde” transmite a pluralidade de entendimento ede concepções sobre esse tema.

Inicialmente, Danaé Conversani apresenta umareflexão crítica, ressaltando que a educação devese constituir em um processo de aproximação dasdistintas realidades que envolvem o educador e oeducando, sendo que os trabalhadores da saúdeprecisam entender a dimensão preponderante doseu papel frente ao SUS e à sociedade. A seguir,Solange L’Abbate contribui com um referencial paraa reflexão da Educação em Saúde, a partir dacompreensão do significado da análise institucional. Paulo Monteiro faz crítica ao termo “capacitação”,usado largamente no SUS, chamando a atençãosobre as concepções distintas de educação e darelação do homem e da sociedade quefundamentam a utilização deste e de outros termoslargamente utilizados. Ausonia Donato, com seutexto crítico a respeito do significado da educação

e comunicação no âmbito da saúde, aponta para aausência de referencial teórico-metodológico queaproxime esses dois conceitos do Sistem Único deSaúde.

Os resultados de um estudo nacional conduzidopelo Ministério da Saúde para avaliar a inserção deatividades de prevenção de AIDS e drogas, sãoapresentados por Renato Barbosa e Ligia Pupo, como propósito de contextualizar a proposta dosParâmetros Curriculares Nacionais do Ministério daEducação e a importância da promoção do trabalhointersetorial para a redução das desigualdadessociais. Cláudia Bógus, ao mencionar a retrospectivahistórica das práticas sanitárias que acompanhamas mudanças nas concepções do processo saúde-doença, foca a promoção da saúde como referencialpara alterações nessas práticas. A intersetorialidadetambém é lembrada no artigo de Maria Salum, quepropõe como estratégia de promoção da inclusãosocial, a formação de uma rede que articule açõesdas organizações não governamentais, da sociedadeorganizada e do poder público.

Além destes destaques, o BIS traz contribuiçõesde Maria Cezira Nogueira-Martins, MoniqueCerqueira, Sandra Greger e Ana Lucia Silva, queabordam diversos aspectos relacionados ao tema.Apresenta ainda resenhas elaboradas poraprimorandos do IS, de dois livros importantes paraquem trabalha com saúde e educação: “SaúdePaidéia” de Gastão Vagner e “Pesquisa Qualitativaem Saúde”: uma introdução ao tema”, de CésarGomes Victora.

Este BIS convida o leitor a refletir sobre asmudanças efetivas exigidas no modelo de atençãoque dependem de profundas alterações nosprocessos de trabalho, na formação dostrabalhadores de saúde e nas práticas educativasque integram todos os níveis do Sistema,direcionados a garantir a atenção integral comqualidade, a todos os usuários do SUS.

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Os temas educação em saúde, educaçãocomunitária, participação popular, educaçãoparticipativa vêm cada vez mais ocupando espaçonas discussões e reflexões entre os profissionais desaúde pública como uma das diretrizes para aconcretização e reestruturação do Sistema Único deSaúde - SUS.

Muitas vezes essas discussões, quando daelaboração de programas de saúde para apopulação, podem reverter em propostas bemarticuladas de ações educativas, com váriosenfoques teóricos e metodológicos. Neste sentido,podemos citar os seguintes exemplos: o Programade Saúde da Família em que a atividade educativaestá presente como uma ação de grandeimportância para a sua consolidação; os Programasde Controle de Endemias, destacando-se atualmenteo Programa da Dengue que tem como pressupostoque a participação da população é imprescindívelpara o controle da doença; os Programas deAleitamento Materno, Imunização, Tuberculose,Hanseníase e outros.

Podemos constatar, no entanto, que na maioriadas vezes essas propostas de ações educativas ficamno âmbito das intenções, sem que de fato hajainvestimento concreto para que as mesmas sejamcolocadas em prática. Por outro lado, quandocolocadas em prática, muitas vezes essas ações sãobanalizadas, desenvolvidas sem respeito aosreferenciais teóricos e metodológicos que embasamo processo de ensino e aprendizagem.

Parece que a idéia subjacente a essas propostasé a de que as ações educativas irão ocorrer“naturalmente”, transformando-se em uma práticacotidiana da população. Assim, nesses programas,as ações de educação em saúde são desenvolvidasde modo intuitivo, sendo fundamentadas no bomsenso ou na imitação de modelos, sem a

Uma reflexão crítica sobre aUma reflexão crítica sobre aUma reflexão crítica sobre aUma reflexão crítica sobre aUma reflexão crítica sobre aEducação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em Saúde

Danaé T. Nogueira Conversani1

preocupação em criar espaços para o exercício deuma análise crítica pelos sujeitos envolvidos.

De acordo com nossa compreensão, a criaçãodesse espaço interdisciplinar para reflexão poderiacontribuir para um maior entendimento daspropostas educativas em saúde. Deveriam serabordados temas relevantes para a devidafundamentação dos programas, tais como: De quemaneira a proposta educativa está inserida noprograma? Quais são as estratégias educativaspropostas? Quais suas implicações no contexto so-cial? Como implementar ações educativas de modoque o programa de saúde seja compartilhado?

Acreditamos que mediante essa reflexão conjunta,possamos ampliar os resultados obtidos por essestipos de programas de saúde, de maneira que acomunidade contextualize o processo deaprendizagem promovido e compartilhe de seusdesdobramentos. Pretendemos que a busca desoluções pela população não seja imposta e nãofique restrita a programas com conteúdos que nãofazem sentido imediato para a mesma por seremlocalizados, pontuais e campanhistas.

Essas constatações nos levam a supor que, tantoem seu âmbito teórico quanto em seus efeitosconcretos, a Educação em Saúde se caracteriza poruma indefinição de processos e de propósitos.Verificamos que, muitas vezes, o agir pedagógicofoi destituído da clareza de seu papel sócio-político.

Entendemos a Educação em Saúde como umconjunto estruturado de práticas pedagógicasarticuladas às práticas de saúde, que de acordo comPedrosa (2001), é uma prática dialógica e que,portanto, se dá nas relações entre sujeitos sociaisportando diferentes saberes, em diferentes espaços,

1 Educadora de Saúde Pública, Pesquisadora Científica, Coorde-nadora do Núcleo de Educação em Saúde do Instituto de Saúde.

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públicos ou privados, podendo ser apresentada demaneira formal ou informal, utilizando-se demetodologias progressistas ou conservadoras.

Este pressuposto nos leva a crer que, na maioriadas intervenções em saúde há interação, direta ounão, entre sujeitos (profissional e usuário) o queimplica em ações pedagógicas que podem se darde forma autoritária (como historicamente estevepresente nas várias abordagens da Saúde Pública),ou podem se revestir de uma concepção integrativasobre o processo saúde-doença. Assim, podemossuperar a visão centrada em conhecimentosbiológicos aliados a técnicas pedagógicas voltadasapenas para a transmissão de conhecimentos nãopertinentes às necessidades sociais e desvinculadosdas condições de vida dos indivíduos.

Nosso pressuposto é que ensinar não é transferirconhecimento, mas criar possibilidades para queos indivíduos implicados em uma ação pedagógicapossam participar da produção compartilhada doconhecimento. Mas este compartilhar só ocorrerá apartir de uma ação dialógica onde o “escutar” setorna mais importante que o “falar”, como destacaFreire:

Escutar significa a disponibilidadepermanente por parte do sujeito queescuta para a abertura à fala do outro,ao gesto do outro, às diferenças dooutro (...) é escutando bem que mepreparo para melhor me colocar oumelhor me situar do ponto de vista dasidéias. Como sujeito que se dá aodiscurso do outro, sem preconceitos, obom escutador fala e diz sua posiçãocom desenvoltura (FREIRE, 2000, p.135).

Quando nos propomos a desenvolver uma novaalternativa de produção de conhecimento na áreade Educação em Saúde, com maneiras maisparticipativas de abordar a população, estamosentrando em um plano em que os métodos de ensinotradicionais são insuficientes. Ao interagirmos compessoas estamos lidando com afetos, percepções,interesses, limites, vivências e leituras da realidade

bem distintas e às vezes distantes do que estamosacostumados. Assim torna-se necessário ampliar os“canais” de percepção e comunicação parapossibilitar uma compreensão que se aproxime umpouco mais dessas distintas realidades tornando essarelação pedagógica mais eficaz, prazerosa, humanae transformadora.

Tal tarefa implica em um projeto ambicioso eimpossível de se desenvolver em curto prazo,dependendo não só da vontade de algunsprofissionais, mas também e principalmente de umaresolução política ampla, que ofereça de fato, umespaço para que esta área seja respeitada.

É mister, portanto, que os profissionais de saúdedecididos a trabalhar com a população nodesenvolvimento de ações de ensino-aprendizagemaprofundem a reflexão sobre as múltiplas dimensõesde seu papel frente ao sistema de saúde vigente,buscando novas bases teóricas e novos caminhosque venham a contribuir para a compreensão dasdificuldades inerentes a este processo.

O domínio destas questões irá contribuir para odesenvolvimento de ações construídas por meio dainteração compartilhada entre os interesses enecessidades da comunidade e das instituiçõespúblicas, dando assim um sentido aos objetivos quese quer alcançar, resultando em ações concretas devalorização da cidadania e de participação efetivado cidadão no aperfeiçoamento do cotidiano.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

PEDROSA, L. I. S. Avaliação das práticas educativasem saúde. In VASCONCELLOS. A saúde naspráticas e nos gestos - reflexão da rede deeducação. São Paulo: Hucitec, 2001.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberesnecessários à prática educativa. São Paulo: Paz

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* Socióloga, Profa Dra do Departamento de Medicina Preventiva eSocial da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. [email protected]

1 Em texto anterior, já indiquei algumas dessas possibilidades (L’Abbate,1997).

O ponto de partida: questões iniciaisO ponto de partida: questões iniciaisO ponto de partida: questões iniciaisO ponto de partida: questões iniciaisO ponto de partida: questões iniciais

A Análise Institucional pode ser útil para uma melhorcompreensão da Educação em Saúde, enquanto umconjunto de saberes e práticas diversas com diferentesgraus de estruturação? A Análise Institucional é potentepara apoiar processos educativos que promovamtransformações significativas nas vidas das pessoasrelacionadas ao campo da saúde, sejam profissionais,sejam usuários?

Este texto se propõe a sugerir aos educadores emsaúde e aos profissionais de saúde, que se considerameducadores, algumas ferramentas que a AnáliseInstitucional pode oferecer como recurso teórico-metodológico e instrumental às práticas educativas, tantoem sua efetivação, como em relação à investigação quese pode produzir a partir de tais práticas.1

O que é afinal Análise Institucional: como definí-la?O que é afinal Análise Institucional: como definí-la?O que é afinal Análise Institucional: como definí-la?O que é afinal Análise Institucional: como definí-la?O que é afinal Análise Institucional: como definí-la?

A gênese do que se denomina Análise Institucional,Análise Institucional,Análise Institucional,Análise Institucional,Análise Institucional,diz respeito a uma significativa produção teórico-prática,originada nos anos 60 na França, mas cujos antecedentesvêm desde os anos 40. O contexto desta produção é, deum lado, a crise mais ampla de ordem político-ideológicae científico-intelectual pela qual passava, à época, asociedade francesa, crise na qual se inseria também oquestionamento do funcionamento interno de váriasorganizações, e a busca de modos de atuação quevisassem transformá-las. Trata-se, de acordo com um dosseus principais fundadores, René Lourau (1995), de“transformar para conhecer” e não o contrário, comoem geral propõem as abordagens mais comuns dasCiências Sociais.

Compreender o sentido mais geral da AnáliseAnáliseAnáliseAnáliseAnáliseInstitucionalInstitucionalInstitucionalInstitucionalInstitucional significa entrar em contato com diversosautores e conceitos originados da sociologia, da filosofia,do direito, da antropologia, da ciência política, dapedagogia, da psicologia e da psicanálise, bem comode experiências concretas, nas quais tais disciplinas econceitos se articulavam, como é o caso da psicoterapiainstitucional, da pedagogia institucional e dapsicossociologia. Essa articulação entre teoria e práticamarca profundamente a trajetória da Análise Institucional,e, a meu ver, é uma condição fundamental para o diálogocom a Educação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em SaúdeEducação em Saúde.

De início, é necessário esclarecer que a expressão

Análise Institucional e Educação em Saúde:Análise Institucional e Educação em Saúde:Análise Institucional e Educação em Saúde:Análise Institucional e Educação em Saúde:Análise Institucional e Educação em Saúde:um diálogo produtivoum diálogo produtivoum diálogo produtivoum diálogo produtivoum diálogo produtivo

Solange L’Abbate *

Análise Institucional não tem um sentido único. De acordocom Heliana de Barros Conde Rodrigues, dentro doinstitucionalismo francês, devemos considerar a “AnáliseInstitucional” e a “Socioanálise”, de tradição dialética,originadas, sobretudo, das obras de René Lourau eGeorges Lapassade, e, de outro lado, a “Esquizoanálise”,inspirada na filosofia da diferença, relacionada a FélixGuattari e Gilles Deleuze (Rodrigues, 1993).

De forma geral, pode- se dizer que a AnáliseAnáliseAnáliseAnáliseAnáliseInstitucionalInstitucionalInstitucionalInstitucionalInstitucional tem por finalidade compreender a realida-de social a partir das ações e discursos de seus sujeitos.O método utilizado consiste num conjunto articulado deconceitos, dentre os quais os mais relevantes são os deinstituição, transversalidade, analisador, encomenda/demandas e o de implicação. Considera-se “análise deanálise deanálise deanálise deanálise depapelpapelpapelpapelpapel” quando o material empírico se baseia em docu-mentos, observações e entrevistas referidas à organiza-ção em estudo, e, denomina-se “intervençãointervençãointervençãointervençãointervenção”, quandoa direção de um grupo ou organização, devido à exis-tência de questionamentos e dificuldades, encomenda aum analista externo uma atuação direta. Costuma-se fa-lar então em socioanálisesocioanálisesocioanálisesocioanálisesocioanálise.

Quando se considera a socioanálise, as intervençõesadquirem um caráter mais totalizador e sedentário, en-quanto na esquizoanálise elas seriam mais fragmentári-as e nômades (Rodrigues,1993). Reconheço, no entan-to, na experiência brasileira, a dificuldade de limites muitoprecisos entre essas duas formas, dado a migração earticulação de conceitos entre elas.

Tenho feito também essa composição, incorporandoos conceitos de modos de subjetivação (Guattari, 1992)e singularidade (Deleuze,1988), sobretudo quando setrata de trabalhos de grupo, e se se quer pensar na di-mensão do sujeito. Isto sem deixar de considerar a rela-ção de cada grupo com diversas instituições(Lourau,2004a).

A Análise Institucional surgiu, no Brasil, nos anos 70,quando o país ainda vivia sob o regime da ditadura militar.Introduziu-se junto a alguns departamentos e grupos depesquisa de universidades brasileiras e de outrasorganizações, congregando os mais diferentes tipos deprofissionais. Inicialmente, os interessados na AnáliseInstitucional mantiveram grande contato com os

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fundadores do movimento institucionalista e com outrosautores dos centros acadêmicos e institucionaisfranceses2 . Posteriormente, passaram a se desenvolverautonomamente, ampliando bastante seu campo deatuação, sem, no entanto, perder o contato com a “fonte”.As articulações do movimento institucionalista ocorreram,de início, com a área de Psicologia do Rio de Janeiro,Belo Horizonte e, depois, São Paulo/capital e Niterói.Atualmente, há institucionalistas atuando em Fortaleza,em Campinas3, e, provavelmente, em outros locais.

Aos poucos, no interior desses vários grupos, foramocorrendo aproximações com a Educação e a Saúde,através de intervenções em escolas e hospitais, bem comoem associações das sociedade civil e em algumasempresas públicas e privadas.Alguns exemplos estão emRodrigues et al (2000) e em Moura et al (2003).

A Educação em saúde como instituiçãoA Educação em saúde como instituiçãoA Educação em saúde como instituiçãoA Educação em saúde como instituiçãoA Educação em saúde como instituição

Como referido há pouco, a Educação não é estranhaà Análise Institucional, até porque a PedagogiaInstitucional, através da análise crítica aos processospedagógicos, constituiu-se num campo de grandeinteresse para os primeiros analistas institucionais(Ardoino & Lourau, 2003).A área da Saúde, embora commenor presença, também tem sido campo de análise eintervenção da Análise Institucional.(L’Abbate, 2003)

No entanto, quando se fala em Educação emEducação emEducação emEducação emEducação emSaúdeSaúdeSaúdeSaúdeSaúde4 , creio que tal aproximação ainda não se deu,pelo menos que seja do meu conhecimento. Daí aquestão de abertura desse texto, que passo a encaminhara partir de agora.

Uma primeira ferramenta produzida pela AnáliseInstitucional, sem dúvida bastante útil para a melhorcompreensão da Educação em Saúde, é o conceito deinstituição elaborado por Lourau.Este autor afirmava que,para apreender o caráter contraditório das instituições,é necessário considerar que toda instituição é o resultadodo movimento dialético de três momentos: o instituídoinstituídoinstituídoinstituídoinstituído,ou o estabelecido, considerado o momento dauniversalidade; o instituinteinstituinteinstituinteinstituinteinstituinte, ou seja, o acontecimentoque não cessa de alterar e até de negar o que estáformalizado, que é a particularidade; e o terceiromomento, o da singularidade, resultado da articulaçãoentre os momentos anteriores, que tensiona o cotidianodas práticas dos sujeitos, produzindo algo que não seconstitui num caráter meramente reprodutor e repetitivo,mas, ao contrário, aponta para uma certa atualização,um ‘vir a ser’ em contínua transformação. Trata-se doterceiro momento, chamado de institucionalizaçãoinstitucionalizaçãoinstitucionalizaçãoinstitucionalizaçãoinstitucionalização.(Lourau, 1995).

É esse constante movimento dialético que permite aconservação e também a dissolução das instituições. Anão ser nos casos das organizações em rede, bastantefacilitadas na atualidade pela comunicação através daInternet, nossa tendência é a de estarmos continuamente

reformando ou até dissolvendo instituições e criando,quase imediatamente, outras, nem sempre muitodiferentes das anteriores.

A trajetória da instituição Educação em Saúde noEducação em Saúde noEducação em Saúde noEducação em Saúde noEducação em Saúde noBrasilBrasilBrasilBrasilBrasil, não é exatamente esse suceder de aspectosinstituídos/instituintes? Não é o que ocorre, desde osvários movimentos ou fases, do higienismo do início doséculo XX à identificação com a cidadania e os direitosno final do mesmo século? E ainda na própriaespecialização do profissional “educador sanitário”,depois, “educador de saúde”, quando as açõeseducativas eram de sua quase exclusivaresponsabilidade? Isto sem falar nas carreirasprofissionais exclusivas do campo da educação em saúde,hoje praticamente extintas e, num movimento contrário,a relevância que passa a ser dada ao fato de que todosos profissionais de saúde devem ter alguma formaçãoem educação, atuando como educadores. Atualmente,dentre os profissionais de saúde começa também a haveruma preocupação maior pela formação em educaçãodo agente comunitário em saúde, que é aquele que temmaior contato com o usuário, inclusive, nas suas casas?5

Não é o que se observa nos órgãos públicos de nívelmunicipal, estadual ou federal, responsáveis pelacoordenação dos vários programas e ações, ao colocar-se a educação sempre em articulação com a informaçãoe a comunicação, com grande ênfase nesta última?

Sinal bastante claro de tais mudanças é colocadopor José Ivo dos Santos Pedrosa num artigo sobreavaliação das práticas educativas. Referindo amultiplicidade das ações de Educação em Saúde quevêm ocorrendo no país, desde as planejadas pelos órgãospúblicos até as realizadas por inúmeras organizaçõesnão governamentais, o autor considera que uma propostade avaliação de tais ações será possível desde que“consideremos que a educação em saúde é estratégiaque, dependendo dos espaços onde ocorra, define osobjetivos a serem atingidos, os sujeitos envolvidos e osprocessos pedagógicos ou educacionais. Dessa maneira,práticas educativas em saúde, organizadasintencionalmente para atingir determinados objetivos,serão tratadas como projetos de educação em saúde ouintervenções de educação em saúde.” (Pedrosa, 2001)Coerentemente, o modelo de avaliação proposto é flexívelo suficiente para abranger tal multiplicidade e envolveros diversos sujeitos implicados no processo.2 Foi comum também a vinda de alguns dos principais fundadores da

Análise Institucional ao Brasil. Neste caso estão Lapassade, Louraue Guattari.

3 Em seu departamento, na Unicamp, a autora ministra, em nível dapós graduação, uma disciplina e seminários de Análise Institucional,além de coordenar o diretório de pesquisa Saúde Coletiva e AnáliseInstitucional junto ao CNPq.

4 Em relação ao conceito de Educação em Saúde e suas variações,lembro, dentre outros: CARDOSO DE MELO (1981); OSHIRO (1988);PEREIRA & CAMPOS (1995).

5 Tais colocações se baseiam, em parte, na minha própria experiênciaem contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas,sobretudo, com o Programa de Saúde da Família/Paidéia.

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Em síntese, considerar a Educação em Saúde comoinstituição é levar em conta o conjunto de váriasdimensões a serem discutidas por todos os participantes,no sentido de perceber para onde a área estácaminhando, através dessa ampliação e difusão das suasatividades. Assim como é necessário avaliar quais asperdas e ganhos trazidos por esse processo e o que precisaser feito para que a articulação das atividades ocorra nosentido de fazer progredir e difundir o projeto ou projetos,ainda que com alguma perda de profundidade.

Educação em Saúde e a constituição de sujeitosEducação em Saúde e a constituição de sujeitosEducação em Saúde e a constituição de sujeitosEducação em Saúde e a constituição de sujeitosEducação em Saúde e a constituição de sujeitos

Outras contribuições relevantes da Análise Institucionaldizem respeito ao trabalho educativo realizado em grupoque tem sido bastante significativo na área da Educaçãoem Saúde. (Oliveira, 2001; Granada, 2004) Em geral,os grupos educativos têm objetivos específicos. Eis algunsexemplos bastante comuns, dentre outros: controlar adiabetes ou a hipertensão, aprender a utilizar os métodosanticoncepcionais, discutir sobre prevenção das DST eAids. São igualmente variáveis os participantes: desdepessoas mais velhas, até adolescentes. Para os analistasinstitucionais, sempre que se trabalha em grupo énecessário perceber que o próprio grupo é um dispositivo dispositivo dispositivo dispositivo dispositivo(Barros, 1994) atravessado por instituições que são, naverdade, os diferentes tipos de vínculo dos participantes.Ainda que estejam claros os objetivos voltados para ocontrole de alguma doença, incômodo ou o aprendizadode uma técnica, ao se constituir como grupo, haverámuitas outras “transversalidades” em jogo. Portanto,quanto mais o educador tiver consciência disso e pudercomentar com os participantes, mais efetivo será seutrabalho.

Na realidade, todo trabalho de grupo almeja odesenvolvimento da autonomia das pessoas, no sentidode que possam ser, cada vez mais, os próprios cuidadoresda sua saúde, contando, é claro, com o apoio dosprofissionais. Nesse sentido, as noções de grupo objetogrupo objetogrupo objetogrupo objetogrupo objeto/grupo sujeito/grupo sujeito/grupo sujeito/grupo sujeito/grupo sujeito, introduzidas por Guattari (1987), podemvir em auxílio do educador. Não se trata de uma relaçãoou/ou, mas de compreender que no processo deconstituição dos grupos há uma alternância entremomentos nos quais os indivíduos se guiam por princípiosexteriores, de certa forma, impostos, e de caráterreprodutor e, ao contrário, momentos onde as pessoasse orientam por formas de pensar e agir nas quaisacreditam e apostam por um convencimento próprio. Otrabalho do educador será sempre o de criar condiçõespara prevalecer esse segundo momento ou, em outraspalavras, que o grupo se torne cada vez mais sujeito.Comcerteza, é por aí que se dará a construção da autonomiaautonomiaautonomiaautonomiaautonomia,sem esquecer de que toda negociação em busca damenor subordinação dos sujeitos aos processosburocráticos comuns à toda organização, passa também

pela análise do poder, sobretudo dos micropoderes, tãobem identificados por Foucault (1984).

Ainda em relação ao trabalho educativo, sejaindividual, seja em grupo, afirma-se cada vez mais, queum dos objetivos do trabalho educativo é o de “construirsujeitos” (Smeke & Oliveira, 2001) Sem abordar aqui adiscussão da noção de sujeito, introduzo rapidamentedois conceitos que, acredito, serão de grande ajuda paraos educadores. O primeiro, o de modos de subjetivaçãomodos de subjetivaçãomodos de subjetivaçãomodos de subjetivaçãomodos de subjetivação,desenvolvido por Félix Guattari, nos informa que amultiplicidade de dimensões que constituem asubjetividade do homem moderno é, a tal pontocomplexa, que é impossível pensar numa das instânciassendo dominante em relação às outras. Por isso, ele seserve de um termo musical para definir subjetividade,afirmando que “a subjetividade, de fato, é plural,polifônicapolifônicapolifônicapolifônicapolifônica” (Guattari, 1992). Polifônico significa, nãoapenas multiplicidade de sons, mas infinitas combinaçõesde “acordes e escalas”. Sensibilizar-se para “ouvir” taisharmonizações, nem sempre de acordo com conhecidoou esperado, aí está um desafio para o educador. Desafioque vale a pena ser enfrentado.

O segundo conceito, que complementa o anterior éo de singularidadesingularidadesingularidadesingularidadesingularidade, desenvolvido por Gilles Deleuze. Aoafirmar que a dimensão da subjetividade é o espaço dosingular, esse filósofo parte de dois princípios, segundoos quais, o abstrato não explica coisa alguma, mas, aocontrário, é ele que deve ser explicado; o universal nãoexiste, o que existe é o singular, a singularidade. Assim, oautor conclui: “A ‘singularidade’ não é o individual, ounão se reduz ao individual, mas a singularidade é o caso,o acontecimento, o potencial (o vir a ser), ouprincipalmente, a distribuição de potenciais numa situaçãodada” (Deleuze,1988). Ou seja, no seu ofício de educar,o educador deverá aceitar e respeitar a existência dediferentes maneiras, através das quais cada pessoaconstrói seu próprio processo de se tornar mais sujeito,mais autônomo. Sem dúvida, outro grande desafio.

E, finalmente, um dos conceitos chaves da AnáliseInstitucional, o de implicação implicação implicação implicação implicação (Barbier, 1985; Lourau,2004b), também poderá ser útil ao educador. Nas suasdimensões afetiva, existencial e profissional, a implicação,isto é, nosso envolvimento, às vezes, até mesmoinconsciente, com tudo aquilo que fazemos, está semprepresente e deve ser compreendida e analisada por nós,quando estivermos realizando um trabalho educativo. Istoporque, se estivermos “desimplicados”,ou seja, alienadosem relação às atividades que estamos realizando,provavelmente, nada acontecerá. Ao contrário,implicados demais, querendo que “o programa ouatividade educativa dê certo a qualquer custo”, seja porconvencimento de ordem político-ideológica, seja porvantagens profissionais e de prestígio, também estaremosfadados ao fracasso. Assim, devemos sempre nosinterrogar sobre os motivos mais profundos pelos quaisestamos nos implicando neste ou naquele projeto, o que

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significa, em última instância, estar atentos à dimensãodimensãodimensãodimensãodimensãoéticaéticaéticaéticaética, com certeza, presente em todas as nossas ações.ConcluindoConcluindoConcluindoConcluindoConcluindo

Enfim, espero ter conseguido, nessas poucas páginas,ter transmitido aos leitores informações, mesmo que deforma resumida, acerca do potencial de algumasferramentas da Análise Institucional para o trabalho doeducador em saúde, e também “entre-linhas” meuentusiasmo por poder contribuir para alimentar estediálogo.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

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Capacitamos ou não? – uma visão sobre asCapacitamos ou não? – uma visão sobre asCapacitamos ou não? – uma visão sobre asCapacitamos ou não? – uma visão sobre asCapacitamos ou não? – uma visão sobre asmodalidades de formaçãomodalidades de formaçãomodalidades de formaçãomodalidades de formaçãomodalidades de formação

Paulo Henrique Nico Monteiro*

“Começar pelas palavras talvez não seja coisa vã”.1

Alfredo Bosi

Nós, profissionais da Saúde que nos dedicamos àEducação em Saúde, dispomos de uma grande parte donosso tempo e esforço pessoal na elaboração,planejamento e execução de ações de formação dostrabalhadores do setor. Seja por interesse e compromissopessoal ou por necessidades e demandas externas,estamos cotidianamente nos propondo a formar alguém.

Para García (1999), “uma ação de formaçãocorresponde a um conjunto de condutas, de interaçõesentre formadores e formandos, que pode ter múltiplasfinalidades explícitas ou não, e em relação às quais existeuma expectativa de mudançaexpectativa de mudançaexpectativa de mudançaexpectativa de mudançaexpectativa de mudança” e que “o conceito deformação inclui uma dimensão de desenvolvimentohumano global e é através da interformaçãointerformaçãointerformaçãointerformaçãointerformação entre sujeitosque se torna possível encontrar contextos de aprendizagemque favoreçam o aperfeiçoamento pessoal e profissional”(GARCÍA, 1999).

Nessa perspectiva, fica claro que deve existir umarelação dialógicarelação dialógicarelação dialógicarelação dialógicarelação dialógica entre o formador e o formando.Portanto, deve haver de ambas as partes disposição,interesse e, fundamentalmente, compromisso com odiálogo, ou seja com o “escutar o outro”.

Freire diferencia os termos “falar a” de “falar com”.Tal diferença reside precisamente nessa disposição ecompromisso para o diálogo - e afirma que “o educadorque escuta aprende a difícil liçãodifícil liçãodifícil liçãodifícil liçãodifícil lição de transformar o seudiscurso, às vezes necessário ao aluno, em uma fala comele – o aluno” (FREIRE,1996).

Alguns termos que usamos cotidianamente quandonos referimos ao tipo ou modalidade de formação queestamos planejando ou iremos executar, parecem, no meuentender, não denotar essa disposição para o diálogocomo uma condição necessária ao processo de formação.

Tomo como exemplo o termo que mais vem sendousado atualmente para nomear as ações de formaçãono âmbito da Saúde. As capacitaçõescapacitaçõescapacitaçõescapacitaçõescapacitações vêm se tornandoultimamente quase um sinônimo de qualquer ação deformação.

Entendo que, ao usarmos o termo capacitação,estamos (conscientemente ou não) partindo dopressuposto de que quem “vamos formar” (os formandos)são incapazessão incapazessão incapazessão incapazessão incapazes de fazer algo que nós (formadores) somos somos somos somos somoscapazescapazescapazescapazescapazes. Como fica então nossa disposição para odiálogo? Ou melhor, que tipo de diálogo estamosdispostos a estabelecer? No mínimo, este diálogo seestabelece de forma vertical entre o que sabe (ou o queé capaz) e o que não sabe (o incapaz) e necessita,

portanto, ser capacitado.Entendo que esta questão se torna mais grave quando

“capacitamos” trabalhadores que já exercem as funçõesque são objeto de nossas capacitações. Nos propomosa capacitar gestores e trabalhadores que já estão noserviço, exercendo as funções que, partindo dessapremissa, são incapazes de exercer.

Outros termos que comumente usamos no nossotrabalho, tais como treinamentostreinamentostreinamentostreinamentostreinamentos, oficinasoficinasoficinasoficinasoficinas e reciclagensreciclagensreciclagensreciclagensreciclagens————— talvez, este último, o mais problemático — não podemser entendidos como sinônimos. Trazem em si significadosdiferentes que não podem ser desprezados. Sãoformulados a partir de concepções distintas de educaçãoe de como se dá a aprendizagem, sendo formulados apartir de visões diferenciadas de Homem e de Sociedade.

O uso de tais termos aponta para questões quedeveriam ser objeto de todos nós educadores, tais como:Que tipo de aluno desejamos formar? Como entendemoso papel do aluno e do professor no processo deformação? Quais são nossas premissas e pressupostos ecomo elas aparecem nas nossas ações de formação?

Não é objeto desse texto aprofundar essa crítica, nemtampouco definir uma nomenclatura adequada paranossas ações de formação, mas sim apontar para o fatode que quanto mais clareza os profissionais que sededicam à tarefa de formar outros profissionais tiveremsobre seus pressupostos, maior será a chance depropiciarmos as condições necessárias para umaformação que vise a uma real transformação,transformação essa essencial e necessária para oaperfeiçoamento e consolidação do Sistema Único deSaúde.

RRRRReferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficaseferências bibliográficas:

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GARCÍA, C. M. – Formação de Professores Para umaMudança Educativa. - Porto, Portugal: Porto Editora, 1999.(Coleção Ciências da Educação Século XXI).

* Educador, Pesquisador Científico do Núcleo de Educação em Saúdedo Instituto de Saúde. Email: [email protected]

1 BOSI, A. – Dialética da Colonização. Dialética da Colonização. Dialética da Colonização. Dialética da Colonização. Dialética da Colonização. 1ª ed. São Paulo: Companhiadas Letras, 1992.

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Algumas considerações sobre a relação entreAlgumas considerações sobre a relação entreAlgumas considerações sobre a relação entreAlgumas considerações sobre a relação entreAlgumas considerações sobre a relação entreeducação e comunicação no âmbito da saúdeeducação e comunicação no âmbito da saúdeeducação e comunicação no âmbito da saúdeeducação e comunicação no âmbito da saúdeeducação e comunicação no âmbito da saúde

Ausônia Donato*

Não por acaso, inverteinverteinverteinverteinverte-----se a relação entre di-se a relação entre di-se a relação entre di-se a relação entre di-se a relação entre di-vulgação e comunicaçãovulgação e comunicaçãovulgação e comunicaçãovulgação e comunicaçãovulgação e comunicação. Minha proposta é efetuaruma crítica a um mecanismo simplificador que esta-belece uma equivalência entre a Comunicação (umaárea do conhecimento, construída historicamente)com um de seus aspectos, o mais diretamente asso-ciado a sua dimensão utilitária isto é, a divulgação.O elemento valorativo presente nas extremidades doesquema (boa comunicação; boa divulgação) aju-da a aproximação, acentuando o efeito de cortinade fumaça.

No que interessa à concepção de educaçãotransformadora no âmbito da Saúde, a falta de umreferencial teórico-metodológico relativo à comuni-cação faz com que assumamos de pronto que o queimporta é fazer com que uma mensagem, partindode um ponto de emissão, chegue a um receptor,situado num contexto. A linearidade desse tipo deraciocínio acaba por desconsiderar a feição dossujeitos históricos1 que estão por detrás desse pro-cesso.

Boa divulgação

Linguagem facilitada

Bom uso dos meios

Acessibilidade ampla

Boa comunicaçãoBoa divulgação

Linguagem facilitada

Bom uso dos meios

Acessibilidade ampla

Boa comunicação

Analisando modelos lineares de comunicação –um emissor que codifica e transmite uma informa-ção, para um receptor que friamente a decodifica –a Escola de Frankfurt, a partir da Teoria Crítica, con-testa a legitimidade da transparência de esquemasabstratos, genéricos, binários, mecânicos, quedesmobilizam o aspecto tensional da comunicaçãoentre homens, desconsiderando-os como sujeitoshistóricos. Propõe um modelo de comunicação crí-tico que leva em consideração a história, a econo-mia, a política, a ideologia, a cultura, os elementosobjetivos da realidade social e os fenômenos refe-rentes à subjetividade (Donato, 2000 p.50).

Talvez, sem explicitar, a “boa divulgação” tenhacomo fim uma finalidade de persuasão, o quederivaria um novo esquema:

Se realizarmos um mapeamento sobre os conceitos de comunicação que suportam o conjunto de suaspráticas no âmbito da Saúde, poderemos definir um campo semântico que, salvo engano, se estruturamais ou menos assim:

Comunicação = Divulgação

Desdobrando a fórmula acima, isto é, não aceitando na sua forma resumida uma espécie de verdade,teríamos:

* Educadora, Pesquisadora do Instituto de Saúde1 Entendemos sujeitos históricos como aqueles que são atravessados

pela história, pela economia, pela política, pela cultura, pelaideologia, construindo, no campo híbrido desses atravessamentos,sua subjetividade. A partir dessa concepção, o entendimento detoda razão comunicativa vai muito além da simples razão instru-mental.

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Boa comunicação = Boa divulgação = Persuasão

Num texto que toca no problema, Freire afirma:“Aos camponeses, não temos que persuadi-los

para que aceitem a propaganda, que, qualquer queseja seu conteúdo, comercial, ideológico ou técnico,é simples domesticadora”.

Persuadir implica num sujeito que persuade, destaou daquela forma, e num objeto sobre o qual incidea ação de persuadir. Nem os camponeses, nem aninguém, se persuade ou se submete à força míticada propaganda, quando se tem uma opçãolibertadora. Neste caso, os homens se lhesproblematiza sua situação concreta, objetiva, real,para que, captando-a criticamente, atuem tambémcriticamente, sobre ela.

Este, sim, é o trabalho do agrônomo comoeducador, do agrônomo como um especialista, queatua com outros homens sobre a realidade que osmediatiza.

Não lhe cabe, de uma perspectiva humanista,estender suas técnicas, entregá-las, prescrevê-las;não lhe cabe persuadir nem fazer dos camponeseso papel em branco para sua propaganda.

Como educador, se recusa a “domesticação doshomens, sua tarefa corresponde ao conceito decomunicação, não ao de extensão”. (FREIRE, 1975pg. 23 – 24).

Não é raro, se nos valermos do senso comum,confundirmos um bom comunicador com aquele quenos convence de algo. Cada um de nós, em nossahistória pessoal, é capaz de lembrar de infinitascircunstâncias em que, por estarmos convencidosde algo que muitas vezes rejeitávamos, atribuímoscapacidades quase mágicas de comunicabilidadea certas pessoas.

O processo discursivo ocorre na medida em queos agentes envolvidos no ato de comunicaçãoconseguem transcender a simples compreensãolingüística. A base sobre a qual se efetiva o processode comunicação possui lastro histórico, do qual ocódigo (a linguagem) é resultante. A participaçãodo “destinatário” na construção do significado damensagem é decisiva. Sem ela, o processo

comunicativo não se efetiva. Esse é um dos conceitosque melhor se adequa à compreensão do fenômenocomunicativo, aplicável ao campo da educação emsaúde, correspondente ao que Bakhtin (1992) chamade dialogismo.

A vida é por natureza, dialógica, diz Bakhtin.Assim, “viver significa dialogar no e com o mundo”.E isto o homem faz com toda a sua inteireza, comtoda a sua vida.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

DONATO, A. F – Trançando redes de comunicação.Tese de doutoramento. Faculdade de SaúdePública da USP, 2000.

FREIRE, P. - Extensão ou Comunicação? 2ª ed. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1975.

BAKHTIN, M. – Marxismo e filosofia da linguagem.6ª ed. São Paulo: HUCITEC, 1992.

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Nas últimas duas décadas, vários autores têmdestacado a necessidade da implantação deprogramas de educação preventiva em unidadesescolares, destinados ao público de crianças eadolescentes e aos demais segmentos dacomunidade escolar (Amaro, 1996).

Apesar dos recursos públicos investidos em nossopaís para o desenvolvimento de programas eprojetos de prevenção, especialmente com relaçãoaos casos de DST/HIV/Aids, uso indevido de drogase gravidez não programada na adolescência, acobertura destes, ainda é insuficiente e suadistribuição é desigual na rede de ensino.

Portanto, o estabelecimento de políticas públicasvoltadas à Educação Preventiva no contexto escolar,ainda é um desafio que deve ser priorizado porgestores de diferentes níveis de governo.

Educação PEducação PEducação PEducação PEducação Preventiva e os Treventiva e os Treventiva e os Treventiva e os Treventiva e os Temas Temas Temas Temas Temas Transversaisransversaisransversaisransversaisransversais

O Ministério da Educação e do Desporto (1997)implantou a proposta dos Parâmetros CurricularesNacionais (PCN) instituídos pela Lei de Diretrizes eBases da Educação (Lei nº 9.394/96) para as quatroprimeiras séries do ensino fundamental. Tendo-secomo premissa que o processo ensino-aprendizagem, dada sua complexidade émultideterminado, o conceito de trabalho transversal ,incorporado aos PCN, tem como proposta aqualificação do processo pedagógico das escolas,contribuindo para formação de um cidadãoparticipativo, reflexivo, autônomo e conhecedor deseus direitos e deveres.

Os PCN têm como eixo a educação para acidadania, englobando os seguintes temas: ética,meio ambiente, pluralidade cultural, consumo, saúdee orientação sexual - que não se constituem comonovas disciplinas. Esses temas devem ser discutidos

TTTTTemas transversais e intersetorialidade:emas transversais e intersetorialidade:emas transversais e intersetorialidade:emas transversais e intersetorialidade:emas transversais e intersetorialidade:desafios para educação preventiva integraldesafios para educação preventiva integraldesafios para educação preventiva integraldesafios para educação preventiva integraldesafios para educação preventiva integral

Renato Barboza*

Lígia Rivero Pupo**

e selecionados pela comunidade escolar desde aformulação do projeto político-pedagógico edurante sua implementação. Nesse sentido, açõesvoltadas para Educação Preventiva, devem serdesenvolvidas em consonância com a concepçãopedagógica adotada pela equipe escolar.

Em 1999, o Ministério da Saúde realizou umestudo nacional (Ministério da Saúde, 2002) paraavaliar a inserção de atividades de prevenção aoscasos de DST/Aids e drogas em diferentes tipos deescolas no país (públicas estaduais/municipais eparticulares). Participaram escolas de ensino funda-mental (70%), infantil (50%), médio (24,3%) esupletivo (14,65%).

Os temas sexualidade, prevenção aos casos deDST/Aids e uso de drogas, foram abordados namaioria das escolas (73,4%). Porém, a distribuiçãodestas atividades nas diferentes regiões, nos diversostipos de escola e nas variadas modalidades deensino, demonstrou vulnerabilidades institucionais,programáticas e políticas.

Em primeiro lugar, podemos ressaltar a visíveldiscrepância existente entre a realidade das escolasestaduais e municipais. Em praticamente todas asvariáveis pesquisadas, as escolas estaduais tiveramum desempenho melhor do que o das municipaisnas diferentes regiões. Enquanto 87% das escolasestaduais referiram ter desenvolvido atividades deprevenção, as municipais são as que menosexecutaram essas atividades, não chegando a 60%.

Contudo, vale a pena ressaltar que as escolasestaduais são as que mais tiveram acesso a materiaiseducativos e didáticos, equipamentos, ecapacitações oferecidas pelo nível federal.

Neste estudo, o índice de capacitação dos

* Sociólogo, mestrando em Saúde Coletiva, Pesquisador Científicodo Núcleo de Investigação em Serviços e Sistemas de Saúde.

** Psicóloga, mestranda em Medicina Preventiva, Pesquisadora Cientí-fica do Núcleo de Investigação e Estudos em Epidemiologia

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professores com relação aos seguintes assuntos:sexualidade, DST/Aids e drogas - revelou-se baixa,pois apenas 41,4% das escolas referiram possuirprofessores treinados para abordar esses temas. Asescolas estaduais apresentaram a maior proporçãode professores capacitados; seguidas pelasparticulares. As municipais foram as mais deficientescom relação à capacitação de seus profissionais.

Outra importante distinção percebida no estudo,foi a diferença de atuação entre as escolas de ensinomédio e as de ensino fundamental e infantil. Segundoo estudo, as primeiras, são as que maisdesenvolveram atividades de prevenção (mais de90%), contra 72% nas escolas de ensino fundamen-tal. As escolas de ensino infantil foram as que menosreferiram este tipo de atividade. Para se entendermelhor os motivos que levaram a esta diferença depostura entre estas diversas modalidades de ensino,é importante examinar os motivos relatados pelasescolas que não realizaram nenhuma atividade deprevenção.

Os principais motivos foram: não terem materialdidático apropriado e professores capacitados. Alémdestes, foram referidas as seguintes razões: a escolanão concorda com a inserção destes temas; o temasexualidade é visto como inapropriado para a baixafaixa etária dos alunos; considera-se que não existemproblemas relacionados a estes assuntos na escolae, por ultimo; considera-se que estes temas não estãoprevistos na programação da Secretaria deEducação.

Para melhor compreender a reserva e o poucoenvolvimento das escolas (principalmente das deensino fundamental e infantil), com relação àsatividades de prevenção, faz-se necessário observarque existe uma proporção bem maior de escolas deensino médio capacitadas para as atividades deprevenção aos casos de DST/Aids e uso de drogas,do que escolas de ensino fundamental, sendo queas de menor acesso à capacitação foram as escolasde ensino infantil (apenas 32%).

Assim, o posicionamento das escolas de ensinoinfantil e fundamental, pode refletir, o poucoinvestimento dos governos (que em relação a estatemática, priorizam a população adolescente), para

incentivar: a inserção do tema sexualidade nasdiferentes faixas etárias, proporcionando acesso amateriais pedagógicos específicos e a capacitaçãodos educadores de todas as modalidades de ensino.

Além disso, as diferenças no acesso à materiaise na formação das escolas municipais em relaçãoàs estaduais e das escolas de ensino infantil e fun-damental em relação às de ensino médio, poderevelar a desarticulação entre as ações desenvolvidaspelo estado e município e entre as atividades dasescolas de ensino médio e as de ensino fundamen-tal e infantil. Em geral não se observa umcompromisso conjunto entre estado e município, eentre ensino médio e fundamental, na avaliação denecessidades regionais e locais, no planejamento ena implantação de ações articuladas.

Diante destas evidências, é importante enfatizara relevância da intersetorialidade nas diferentesesferas de governo para integração de áreas afins,visando minimizar problemas e reduzirdesigualdades, pois, os gestores da Educação e daSaúde, quando articulados e orientados por objetivoscomuns potencializam ações e recursos, atuando deforma complementar e sinérgica na implementaçãodas políticas públicas.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

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A produção de sentidos e de modos de enfrentamentorelativos ao processo saúde-doença, incluindo estratégi-as de educação em saúde, insere-se numa rede deinterações entre grupos sociais e políticas públicas, cujossignificados devem ser continuamente desvendados erevistos. A pertinência de políticas de saúde e estratégiasde promoção e educação, tendo em vista as demandaspor saúde produzidas no cotidiano, consiste em vasto ecomplexo campo de investigação.

A possibilidade de os sujeitos atuarem no sentido deproduzirem a própria saúde seja mediante cuidados tra-dicionalmente conhecidos ou por ações que influenciemseu meio social – ações políticas, educação, coopera-ção intersetorial - encontra-se imbricada com questõessociais mais amplas, como é o caso da liminaridade so-cial.

O conceito de liminaridade refere-se às experiênciasvividas por sujeitos situados no limite, na articulação socialde dois tipos de territórios: por um lado encontram-se ex-cluídos, desfavorecidos e marginalizados com relação àsformas dominantes de ocupação e de organização do es-paço social, mas, por outro, são incluídos ao habitarem“espaços de transição” (Rabinovich, 1997, p. 22). Os su-jeitos encontram-se a um só tempo excluídos de formasdominantes de ser e de viver na sociedade e incluídos,ainda que de modo perverso ou patológico, em tantas outrasque se situam, muitas vezes, nas fronteiras sociais.

Então, como pensar na investigação e proposição depolíticas públicas e de estratégias de promoção e educa-ção em saúde diante dessa multiplicidade de formas desubjetividade liminares que se revelam nas sociedadescontemporâneas?

A pesquisa e construção de estratégias de interven-ção psicossociais relevantes para a promoção de saúdedeveria se apoiar num dos princípios fundamentais daeducação: o resgate do diálogo intersubjetivo, com basena igualdade quanto ao direito à participação, mas con-siderando e incluindo as diferenças.

Acredito na pertinência da utilização dos métodosqualitativos e participantes em estudos sobre estratégiasde promoção e educação em saúde, uma vez que a abor-dagem mais apurada do problema de pesquisa implicana consideração da interação entre o pesquisador e ospesquisados e na explicitação de suas diferenças eespecificidades, buscando o sentido da alteridade pro-duzida no contexto psicossocial.

Gonçalves Filho (1995) refere-se à necessidade deum engajamento radical do pesquisador no mundo dospesquisados. Destaca a necessidade da inserção do pes-

PPPPPesquisa participante: possibilidades e reperesquisa participante: possibilidades e reperesquisa participante: possibilidades e reperesquisa participante: possibilidades e reperesquisa participante: possibilidades e reper-----cussões na área de Educação em Saúdecussões na área de Educação em Saúdecussões na área de Educação em Saúdecussões na área de Educação em Saúdecussões na área de Educação em Saúde

Sandra Maria Greger Tavares1

quisador-intérprete no campo vivo dos fenômenos, pos-sibilitando a exposição à energia total do fenômenopesquisado. É importante que sejamos afetados de mododuradouro e suficiente pela recepção do fenômeno, ali-ando cognição à sensibilidade.

Enfatizo a observação participante como técnicacentral neste tipo de investigação. Não basta, porém estarpresente no locus em que se dão os processos que sepretende estudar, é necessário experimentar e considerara dinâmica de projeções e identificações nas relaçõescom os sujeitos da pesquisa, para efetuar aos poucos umdesvendamento conjunto dos eixos e dos mecanismosem jogo. Além disso, penso que a inserção no campo deinvestigação e essa imersão nas relações devam seestender ao longo do tempo, para que possamosacompanhar uma fração da trajetória de vida dos sujeitos.

Os pesquisadores do campo de investigação deEducação em Saúde devem estar atentos a essacomplexidade e necessitam propor formas de pesquisaque promovam a participação, impliquem a construçãointersubjetiva de estratégias psicossociais e que instauremum processo interventivo e educativo na própria práticade desvendamento dos fenômenos relevantes para umdeterminado grupo social. Sendo assim, é possível fazerpesquisa e atuar nos meandros das fronteiras sociais semnecessariamente impor um modo rígido e padronizadode perceber e compreender os processos de saúde eeducação, desde que esses modos sejam reconstruídosna alteridade, na reciprocidade das visões de mundo dosinúmeros sujeitos que habitam as múltiplas fronteirassociais.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

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1 Psicóloga, Pesquisadora Científica do Núcleo de Investigação deEducação em Saúde do Instituto de Saúde.

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A promoção da saúde como referencial paraA promoção da saúde como referencial paraA promoção da saúde como referencial paraA promoção da saúde como referencial paraA promoção da saúde como referencial paraa formulação e desenvolvimento de políticasa formulação e desenvolvimento de políticasa formulação e desenvolvimento de políticasa formulação e desenvolvimento de políticasa formulação e desenvolvimento de políticaspúblicas saudáveispúblicas saudáveispúblicas saudáveispúblicas saudáveispúblicas saudáveis

Cláudia Maria Bógus1

Nas últimas décadas têm ocorrido mudanças quantoao paradigma sanitário em função de novas formas decompreensão quanto à concepção do processo saúde-doença e isso, conseqüentemente, repercute na práticasanitária a ser adotada e implementada (Mendes, 1999;Santos & Westphal, 1999). De uma compreensão“negativa” quanto ao processo saúde-doença, focadona ocorrência de agravos, passou-se para uma visão“positiva”, utilizando uma compreensão mais abrangentedo que é saúde. Assim, o paradigma passou deflexneriano - biologicista e mecanicista -, para o deprodução social da saúde, com uma compreensão deque a saúde e o processo saúde-doença sãodeterminados de forma múltipla e mediados pelo sistemasocial. Passa-se a valorizar uma prática sanitária baseadana vigilância da saúde em que a gestão organiza-se semprivilegiar uma área ou setor de governo, masconsiderando todas as áreas e setores cujas ações podemrepercutir e ter impacto na melhoria das condições desaúde.

A concepção de saúde como produto social,decorrente de fatores relacionados com a qualidade devida, padrões adequados de alimentação e nutrição,habitação, saneamento e educação, embasa oparadigma da promoção da saúde. As ações a seremdesenvolvidas, com o objetivo de produzir melhorias nascondições de vida e de saúde, devem estar voltadas paraa coletividade e para o ambiente, por meio de políticaspúblicas favoráveis para o desenvolvimento da saúde edo reforço da capacidade dos indivíduos e dascomunidades. A partir dessa perspectiva coletiva há umaaproximação com o campo da implantação eimplementação de políticas públicas saudáveis.

A vigilância da saúde (Paim, 2003) atua sobre osprodutos, processos e insumos dos problemas e nãoapenas sobre os produtos finais. A vigilância da saúdedeve ser entendida como uma proposta de ação para aredefinição das práticas sanitárias. É um modotecnológico de intervenção em saúde que tende aincorporar os modelos assistenciais vigentes em umaarticulação com as propostas atuais de promoção da

saúde, alterando o objeto e os meios de trabalho, asrelações técnicas e a cultura sanitária.

A elaboração de políticas públicas saudáveis é oprimeiro dos cinco campos de atuação da promoção dasaúde, definidos na Carta de Ottawa, produzida comoresultado da 1ª Conferência Internacional de Promoçãoda Saúde (1986). Os outros campos são: a criação deambientes favoráveis à saúde, o reforço da açãocomunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoaise a re-orientação dos serviços de saúde (Cerqueira,1997).

A 2ª Conferência Internacional de Promoção daSaúde, que ocorreu em Adelaide na Austrália (1988),teve como tema principal a elaboração de políticaspúblicas saudáveis e dedicou-se a aprofundar esse campode atuação. Foram definidas como áreas prioritárias deatuação: saúde da mulher, alimentação e nutrição,tabaco e álcool e criação de ambientes favoráveis à saúde(Buss, 2003).

A prática sanitária da vigilância da saúde é pertinentecom a adoção e implantação de políticas públicassaudáveis, apoiadas no marco referencial da promoçãoda saúde que tem como princípios, estabelecidos pelaOrganização Mundial da Saúde: concepção holística,intersetorialidade, empowerment, participação social,eqüidade, ações multi-estratégicas e sustentabilidade. Taisprincípios devem nortear a operacionalização dasiniciativas com esse referencial (Sicoli & Nascimento,2003).

As políticas públicas saudáveis devem ser entendidascomo um campo de referenciais conceituais e empíricos,em construção, rejeitando a adoção de políticas sanitáriasminimalistas ou de experiências institucionais enormatizadoras de saúde perfeita. A idéia de políticaspúblicas saudáveis envolve um duplo compromisso(Carvalho, 1996). Um compromisso político, de situar asaúde no topo da agenda pública, promovendo-a desetor da administração para critério de governo. E um

1 Professora Doutora do Departamento de Prática de Saúde Públicada Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.Email: [email protected]

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compromisso técnico de enfatizar, como foco deintervenção, os fatores determinantes do processo saúde-doença. Essa abordagem também compreende umareformulação quanto ao papel do Estado: é restabelecidaa centralidade do seu caráter público, implicando umdesenho institucional que privilegie a capacidade dedefinir e fazer o que deve ser feito, de acordo com osinteresses e necessidades sociais, superando asubordinação do princípio de eqüidade aos princípiosde eficácia, efetividade e economia dos gastos públicos.No caso das práticas sanitárias, o paradigma dapromoção da saúde pode ser percebido e apreendidocomo um esforço de superação dos modelos clínicostradicionalmente adotados nesse campo, como aorganização setorizada e a atuação fragmentada.

A complexidade dos problemas a serem tratados,tendo a saúde como critério prioritário na definição deagendas públicas, remete a dois princípios fundamentaisda promoção da saúde: a intersetorialidade e aparticipação social.

A intersetorialidade (Junqueira, 2000; Westphal &Mendes, 2000) refere-se aos saberes e experiências noplanejamento, realização e avaliação de ações, com oobjetivo de alcançar resultados integrados nodesenvolvimento social local. A intersetorialidade éimportante para superar a lógica da gestão tradicional,predominantemente verticalizada, setorial e dicotômica.

A participação social está intimamente ligada a outrodos princípios da promoção da saúde que é oempowerment (Berstein et al., 1994), pois a capacitaçãoe o fortalecimento dos indivíduos e grupos sociais éfundamental para que ocorra uma participação socialefetiva. Vale referir que continua sendo importante avalorização e o fortalecimento dos fóruns institucionaisformalizados, bem como a criação de outros diversosespaços públicos de interlocução e negociação (Gohn,2002; 2003).

Enfim, a adoção do referencial da promoção da saúdepara a formulação, organização e implementação depolíticas públicas, implica mudanças importantes nacultura organizacional e institucional do governo e dopoder público em geral, porque nessa nova lógica, asdecisões não são monopólio do aparelho estatal ou dealguns grupos sociais hegemônicos mas precisam serelaboradas e pactuadas em fóruns participativos queexpressem a diversidade de interesses e necessidadessociais. Isso deve estar atrelado a uma preocupação coma coleta, sistematização e divulgação de informações paratodos os segmentos envolvidos, o que é necessário paraa tomada de decisões.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

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18 BIS#34/Dezembro_2004

A humanização em Saúde tem assumido diferentessentidos em nosso meio; abordarei aqui a vertente dahumanização que enfatiza a necessidade de atenção aosaspectos subjetivos e intersubjetivos presentes nas relaçõesassistenciais. O Programa Nacional de Humanização daAssistência Hospitalar (PNHAH), criado em 1999 peloMinistério da Saúde, já destacava a importância dessetema (Ministério da Saúde, 2001). Em 2003, o Ministério,ao instituir a Política Nacional de Humanização (PNH),propõe a humanização como eixo norteador das práticasde saúde em todas as instâncias do SUS e reconhece,entre outros problemas, que há despreparo dosprofissionais de saúde para lidar com a dimensãosubjetiva nas práticas de atenção (Ministério da Saúde,2003).

No âmbito da Humanização em Saúde, o Instituto deSaúde tem contribuído de várias formas. No âmbito daSecretaria de Estado da Saúde de São Paulo, tive a opor-tunidade de representar o junto ao Grupo responsávelpelas Supervisões para os Grupos de Trabalho emHumanização de Hospitais Públicos (em 2002). Alémdisso, coordenei, no próprio Instituto, entre 2001 e 2003,várias Oficinas de Humanização das quais participaramprofissionais da rede estadual, tanto de nível superior(enfermeiros, médicos, psicólogos e outros) como de ní-vel técnico e/ou básico (recepcionistas, porteiros,atendentes de enfermagem e outros). Todas essas experi-ências foram muito ricas para o trabalho com os fatoressubjetivos nas atividades desses profissionais (Nogueira-Martins, 2002a; 2002b). Foram oportunidades especi-ais, muito aproveitadas pelos participantes e muitas ve-zes desdobradas, com as devidas adaptações, em suasinstituições de origem. Os participantes consideraramimportantes: o aprendizado de algumas técnicas para otrabalho com grupos, a discussão de conceitos sobrehumanização, a possibilidade de vivenciar, através dorole-playing (treinamento de papel), situações da práticaprofissional em um ambiente protegido, com discussãoposterior sobre as mesmas.

A realização dessas atividades fez com que o Institutofosse chamado para palestras em congressos, simpósiose outros eventos. Foram também realizadas algumas as-sessorias junto a hospitais públicos.

Outra contribuição do Instituto para o aperfeiçoamentodos profissionais de saúde no que tange à Humanizaçãotêm sido no Programa de Cursos de Inverno do Instituto,oferecido no mês de julho, desde 2000. O Curso deInverno “Humanização em Saúde”, com duração de 24horas-aula, tem oferecido a profissionais de saúde a

O Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento doO Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento doO Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento doO Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento doO Instituto de Saúde e o aperfeiçoamento doprofissional de saúde para a Humanizaçãoprofissional de saúde para a Humanizaçãoprofissional de saúde para a Humanizaçãoprofissional de saúde para a Humanizaçãoprofissional de saúde para a Humanização

Maria Cezira Fantini Nogueira-Martins1

oportunidade de tomar contato com vários textos sobre otema e de receberem orientação da coordenação do cursosobre possíveis iniciativas de humanização a serem de-senvolvidas em suas instituições. Além disso, o curso temsido uma oportunidade de troca de experiências sobreavanços e dificuldades no processo de humanização deseus locais de origem.

Em todas as atividades citadas, fica forte a constataçãode que toda e qualquer medida modificadora de pa-drões de atitudes e de valores, como são as propostasque dizem respeito a atividades humanizadas ehumanizantes, envolve um processo de conscientizaçãoe sensibilização, que costuma ser demorado e doloroso.As resistências não são pequenas e, com freqüência, cres-cem ao longo do processo.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Secretaria de Assistên-cia à Saúde (2001). Programa Nacional deHumanização da Assistência Hospitalar. Brasília.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Secretaria Executiva.Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização(2003) HumanizaSUS: Política Nacional deHumanização. Brasília.

NOGUEIRA-MARTINS MCF (2002a) A experiência de su-pervisão de hospitais em um Programa deHumanização. Anais do I Congresso Brasileiro: Psi-cologia Ciência e Profissão. São Paulo.

NOGUEIRA-MARTINS MCF (2002b) Oficinas deHumanização. In: Villela W, Kalckman S, Pessoto UC(orgs) Investigar para o SUS: construindo linhas depesquisa. São Paulo, Editora do Instituto de Saúde.

NOGUEIRA-MARTINS MCF (2001) Humanização dasrelações assistenciais: a formação do profissional deSaúde. 1ª ed. São Paulo, Casa do Psicólogo.

1 Psicóloga, Pesquisadora Científica do Núcleo de Educação em Saú-de do Instituto de Saúde.

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Neste texto faço uma reflexão sobre o paradigma daComplexidade na Educação e na Saúde. Entendo quehá necessidade de repensar o cuidar-tratar-ensinar-educar,visando a humanização plena na saúde-doença.Apresento também minhas inquietações enquantoenfermeira, vivenciando e pesquisando um cuidar-tratar-ensinar-educar linear, fragmentado e medicalizado. Desejocontribuir com uma reflexão sobre o tema que contemplea essência humana.

Assim, resgato os fundamentos teóricos-filosóficos deuma série de autores com notável produção sobre o tema.Isto posto, optei por dividir esta reflexão em três momentos:conceitos inerentes à teoria da complexidade, pilares paraeducação no século XXI e saúde humana.

TTTTTrês conceitos inerentes à teoria da complexidaderês conceitos inerentes à teoria da complexidaderês conceitos inerentes à teoria da complexidaderês conceitos inerentes à teoria da complexidaderês conceitos inerentes à teoria da complexidadeO paradigmaparadigmaparadigmaparadigmaparadigma é considerado um grande norteador

do sentir, pensar e agir humanos. É inconsciente, masirriga o pensamento consciente. Os indivíduos pensam,conhecem e agem segundo os paradigmas inscritosculturalmente neles. São invisíveis por sua próprianatureza, porque sempre virtuais. Só existem nas suasmanifestações, nos seus reflexos, nos seus exemplos. Umgrande paradigma determina, via teorias e ideologias,uma mentalidade, uma mindscape. Comanda a visão demundo da ciência, da filosofia, da razão, da moral e detodas as nuanças da vida humana (MORIN, 1992; KUHN,2000). Por outro lado, complexidadecomplexidadecomplexidadecomplexidadecomplexidade (do latim complexus- o que é tecido junto) é uma dimensão de reflexão euma postura crítica dos processos e da dinâmica queconstituem o saber, os conhecimentos e a vida. Surgiu nasegunda metade do século XX para questionar afragmentação e o esfacelamento do conhecimento,oriundos no século XVII com René Descartes. Engloba adimensão de que “o todo é, simultaneamente, mais emenos que a soma das partes”. Ao agregarmos o conceitode pensamentopensamentopensamentopensamentopensamento complexocomplexocomplexocomplexocomplexo é possível integrarmos osmodos de pensar, opondo-se nos mecanismosreducionistas e holistas, combinando a simplicidade coma complexidade e exercitando a contextualização.

PPPPPilares para a educação no ilares para a educação no ilares para a educação no ilares para a educação no ilares para a educação no SSSSSéculo éculo éculo éculo éculo XXIXXIXXIXXIXXIÉ fundamental a compreensão de que a complexidade

parte da noção de totalidade, incorpora a solidariedadesolidariedadesolidariedadesolidariedadesolidariedadecolocando, lado a lado, razão e subjetividade humana.A solidariedade coloca-se na educação mediante atransdisciplinaridadetransdisciplinaridadetransdisciplinaridadetransdisciplinaridadetransdisciplinaridade, propondo uma educaçãoemancipadora, autônoma, numa relação dialógica, ondeo complementar pode tornar-se antagônico (MORIN,

Complexidade, Educação e SaúdeComplexidade, Educação e SaúdeComplexidade, Educação e SaúdeComplexidade, Educação e SaúdeComplexidade, Educação e SaúdeAna Lúcia da Silva*

Um paradigma não explica, mas permite e orienta a explicação da vida.Não dispõe da vida, conduz a ela. (Morin: O Método II, 1999, p.327)

2002). Freire (2000) adianta que a não valorização dessaautonomia autonomia autonomia autonomia autonomia é desvio ético designado por transgressão.O respeito à autonomia e à dignidade de cada um éimperativo ético e não favor que podemos ou nãoconceder uns aos outros. Avançando, DELORS (2001)defende uma educação para o século XXI alicerçada emquatro pilares e saberes: aprender a conhecer; aprendera fazer; aprender a conviver e aprender a ser, afirmandoque uma educação só pode ser viável se for dirigida àtotalidade aberta do ser humano.

Saúde humanaSaúde humanaSaúde humanaSaúde humanaSaúde humanaNa atualidade encontramos um cuidar-tratar-ensinar-

educar calcado na especialização, compreendido comomecanismo de fragmentação, de desumanização. Faço aleitura de que há uma tripla fragmentação, ou seja: aexistência das especialidades em si enquanto ciência; oexercício das especialidades enquanto prática profissionale o olhar sobre as especialidades e seu exercício, numcontinuum ciência-exercício profissional unidirecional.Defendo um tratar-cuidar-ensinar-educar complexo, ouseja, o profissional da saúde precisa ter plena consciênciada extrema importância das interações que facilitam ainterligação das partes ao todo e do todo as partes, nummodo dialógico. Somos seres humanos complexos.Tratamos-cuidamos-ensinamos-educamos seres humanosseres humanosseres humanosseres humanosseres humanoscomplexoscomplexoscomplexoscomplexoscomplexos. Isto exige um olhar e uma prática complexa1

em relação ao outro, um olhar e uma prática de tolerânciaem relação à autonomia do outro na saúde-doença.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

DELORS, J. (org) Educação: um tesouro a descobrir. 6.ed. SãoPaulo: Cortez; Brasília: MEC: UNESCO, 2001.

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KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 5.ed. SãoPaulo: Perspectiva, 2000.

MORIN, E. O método 2: a vida da vida. 3.ed. Portugal:Publicações Europa América, 1999.

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MORIN, E. O método 5: a humanidade da humanidade. Trad. JuremirMachado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2002.

* Enfermeira, doutora em Enfermagem, Pesquisadora Científica doNúcleo de Educação em Saúde do Instituto de Saúde.

1 Deve-se ter clareza de que complexa não se refere à complicada.

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* Socióloga, Pesquisadora do Núcleo de Investigação em Educa-ção em Saúde do Instituto de Saúde.

1 RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Quem somos nós no campo das idéias e das práticassociais nas áreas de educação e saúde?

Até que ponto conseguimos resistir às forças conser-vadoras originalmente investidas nessas áreas?

Para refletir sobre isso, proponho retomar o olhar deMichel Foucault e sua tentativa de estabelecer umaproblematização sobre o “mesmo” de forma nova. Paraisso é preciso que nossa curiosidade e inquietação criemum estado de prontidão para perceber a riqueza dosingular, do estranho.

Nosso primeiro passo é operar um deslocamentocrítico e atentar para uma das heranças mais perversasdo platonismo que consiste em aprisionar o mundo emmedidas que capturam a diferença. Silenciadas emmodelos ideais, as diferenças são domesticadas numregime de veneração desmedida da semelhança. Tudose passa como nossa experiência diante do espelho.Jamais percebemos ali nossa singularidade enquantoconvite surpreendente às possibilidades de existir. Ao invésdisso, esperamos que o nosso reflexo na lâmina de cristalnos conduza à pacificação produzida por uma firmevontade de semelhança.

É assim que podemos observar hoje a saúde e osaudável como referenciais informados por um modelode corpo perfeito, de otimização da capacidade físicaem todas as idades, de administração do risco econciliação da subjetividade através de grandesestratégias de prevenção. No tocante à Educação, cujaemergência no interior de um projeto iluminista, a situanuma trajetória da raça humana rumo a uma moraluniversal, seus princípios consolidam-se em direção àauto-realização intelectual conduzida pela Razão. Acrença numa razão educadora, acalentada pelopensamento liberal, passa a ser um dos dogmas maispreciosos da sociedade moderna, baseada no princípiodo mérito e fundamentada em métodos universais,passíveis de aplicação em qualquer contexto. Este é oquadro que configura ainda hoje o sonho moderno daeducação de massa.

É assim que Educação e Saúde surgem como camposdestinados à reorganização da sociedade moderna, apartir de uma inusitada forma de administração doscorpos, a que Foucault (2002) denomina uma gestãocalculada da vida, relacionada às estratégias de

Educação e Saúde: a vida interrogadaEducação e Saúde: a vida interrogadaEducação e Saúde: a vida interrogadaEducação e Saúde: a vida interrogadaEducação e Saúde: a vida interrogadaMonique Borba Cerqueira*

“Como seria o sapo-boi? Pelas informações possuía natureza igual à natureza humana. Esquisito. Se eu pudessecorrer, sair de casa, molhar-me, enlamear-me, deitar barquinhos no enxurro e fabricar edifícios de areia, como oSabiá novo, certamente não pensaria nessas coisas. ” Graciliano Ramos

1

melhoramento, aperfeiçoamento e correção, exercidassobre o corpo individual e coletivo através das tecnologiasdisciplinar e biopolítica. Nesse sentido, a dimensãobiopolítica da população é uma inovação histórica, onde,pela primeira vez, a vida é identificada numericamente,fazendo com que o biológico inscreva-se no registro dapolítica. A vida das populações converte-se, portanto,em objeto de saber e em espaço de poder e intervenção.

É o surgimento de uma nova preocupação políticainteressada em maximizar o vigor e a saúde dos corpos,considerados desde uma perspectiva populacional,passando a incluir os estudos estatísticos sobre demografia,taxas diferenciais de mortalidade, registros de nascimentoe enfermidades, bem como o conhecimento da distribuiçãoe controle das epidemias. São as biopolíticas da saúde,assinalando o poder sobre a vida.

Foucault, portanto, nos revela como se dá o controlee ajustamento do indivíduo no contexto de uma redeinstitucional de vigilância e correção, protagonizada porinstituições como a escola e o hospital, criadas para incluirsocialmente num aparelho insaciável de reabilitação dohumano e obsessiva melhoria do potencial produtivo.

Em que pese todas as transformações do mundocontemporâneo, o que continua em jogo é a lógica quese pretende imprimir a vida. Portanto, atuar nos camposde Educação e Saúde significa interrogar sobre a nossacapacidade de afirmar a vida. E nada mais desonestocom a vida do que tentar aprisioná-la em modelos esistemas sem problematizá-la, sem correr o risco demostrar os limites da teoria, de criar novas experiências eatitudes.

RRRRReferência bibliográficaeferência bibliográficaeferência bibliográficaeferência bibliográficaeferência bibliográfica

FOUCAULT, MICHEL. Em defesa da Sociedade. Tradu-ção por Maria Ermantina Galvão. São Paulo: MartinsFontes, 2002.

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As mudanças sociais recentes – trazidas pelo rápidoavanço científico-tecnológico, pela globalização einternacionalização da economia e pela crescentemigração da população rural para as zonas urbanas –ao mesmo tempo em que ofertam, para o bem-estar daspessoas, tecnologias de ponta e acessibilidade aosconhecimentos, acarretam conseqüências perversas,como o aumento do grupo dos excluídos e da intolerânciaem relação aos diferentes (Filomeno, 2004a).

Para dar conta da complexidade que acarretam asaceleradas transformações sociais, as organizaçõesnecessitam criar novos modelos que permitam protegerda exclusão os nelas incluídos e trazer para dentro delasos excluídos. Organizações isoladas (como escolas,creches, unidades de saúde, centros de esportes e decultura, ONGs, conselhos tutelares, associações demoradores) não conseguem, por si sós, dar cabo dessamissão. Apenas o trabalho conjunto permitirá que dêemconta da tarefa. Diante de mecanismos que repelem paraa periferia do sistema social aqueles que não seconformam às “regras do mercado” – aumentando acompetência de apenas alguns incluídos e, emconseqüência, diminuindo as chances de acesso aosexcluídos e aumentando a margem de pessoas sob riscode exclusão –, apenas a ação articulada de organizaçõesvoltadas para o interesse público possibilitará a reversãoda situação. Para tanto, as instituições precisam desarmar-se e rever os paradigmas sobre os quais se erigiram.

Sabemos que já se estabeleceram ou estão em fasede consolidação, muitas dessas redes, que surgiram como propósito de atacar questões fundamentais de saúde,como a epidemia de Aids, as doenças mentais, adrogadição, as deficiências físicas, sensoriais e mentais,por exemplo. No entanto, fechadas e conservadoras comoainda são muitas instituições, estamos longe de adotar otrabalho em rede como estratégia para atacar problemassociais, educacionais e de saúde. Exemplifico, nestetrabalho, a fundamental importância das redes deproteção e do trabalho intersetorial em nossa realidadeatual com a breve descrição de alguns trabalhos nas áreasde promoção e de recuperação em saúde escolar, quese enquadram no modelo proposto por Filomeno (2004b)para a formação de redes de proteção social. O autorsugere os seguintes passos metodológicos para oestabelecimento das redes: constituição de um grupoestratégico; identificação de organizações para possíveladesão e comprometimento na discussão dos temas;

RRRRRedes de proteção e de inclusão social: aedes de proteção e de inclusão social: aedes de proteção e de inclusão social: aedes de proteção e de inclusão social: aedes de proteção e de inclusão social: aimportância da atuação intersetorial na atençãoimportância da atuação intersetorial na atençãoimportância da atuação intersetorial na atençãoimportância da atuação intersetorial na atençãoimportância da atuação intersetorial na atençãoà saúde. Experiências na área de saúde escolarà saúde. Experiências na área de saúde escolarà saúde. Experiências na área de saúde escolarà saúde. Experiências na área de saúde escolarà saúde. Experiências na área de saúde escolar

Maria de Lima Salum e Morais*

definição da tarefa e elaboração do projeto de rede.Inicio com o relato da experiência do Fórum de Saúde

Mental, experiência que ocorreu entre 1993 e 1996 nazona sul do município de São Paulo (abrangendo os entãoDistritos de Saúde de Pedreira-Cupecê e de Grajaú-Interlagos e Parelheiros), em resposta à alta demanda decrianças e adolescentes com queixa escolar nas UnidadesBásicas de Saúde (UBSs) da região. Na época, havia –situação que não mudou até os dias atuais – poucosprofissionais de saúde mental para dar conta da demandadas mais de 200 escolas públicas da região.

Estabeleceu-se, então, uma rede de trocas deexperiências entre os setores envolvidos no atendimentoà população infantil e adolescente, bem como a suasfamílias, principalmente os de saúde, educação e bem-estar social. O Conselho Tutelar e algumas ONGspreocupadas com questões sociais também participaramda rede.

As discussões foram organizadas de tal forma apossibilitarem encontros das instituições e profissionaisenvolvidos em toda a região (os fóruns propriamenteditos), nas micro-regiões (como Grajaú e Parelheiros),nos trabalhos locais (unidade de saúde com uma escola,por exemplo) e de profissionais de várias unidades desaúde com órgãos distritais da educação e do bem-estarsocial. Os fóruns ocorriam a cada dois meses e ostrabalhos locais e em micro-regiões tinham freqüênciaquinzenal ou mensal1 . Nas reuniões gerais (fóruns),discutiam-se temas de interesse geral e haviaoportunidade de cada região apresentar o seu trabalholocal e conhecer o que acontecia nas demais áreas.

A partir dos primeiros encontros, identificou-se que amedicalização ou psicologização da queixa – modelo dediagnóstico e de atendimento adotado por algunsprofissionais de saúde – combinada com a culpabilizaçãodo aluno e de sua família pelo fracasso escolar eramresponsáveis por grande parte dos encaminhamentosfeitos pelas escolas às unidades de saúde. Discussõesintersetoriais locais e regionais logo fizeram ver que ocontingente de crianças e adolescentes que necessitavamde atendimento médico, psicológico ou fonoaudiológicoera menor do que inicialmente se pensava.

* Psicóloga, Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde.1 O relato detalhado deste trabalho encontra-se descrito no livro “Saúde

e Educação: Muito prazer! Novos rumos no atendimento da queixaescolar” (Morais & Souza, 2001).

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Através das conversas intersetoriais, muitos problemasinternos das instituições puderam ser conhecidos ediscutidos. Enquanto o isolamento das instituições levava-as a se fecharem cada vez mais, a possibilidade deconversarem umas com as outras abertamente, semrestrições e sem resistências foi, em si, um grande passona procura da solução de problemas.

Como principais resultados dessa experiência de rede,constatamos, além da possibilidade de troca e deaprendizado que o trabalho trouxe para as pessoas einstituições envolvidas, uma maior presença dosprofissionais de saúde junto aos equipamentoseducacionais e uma diminuição dos encaminhamentosde casos de dificuldades escolares para as unidades desaúde. Segundo avaliação dos participantes, isso foipossível em virtude de um novo olhar desenvolvido peloseducadores, que possibilitou uma melhor detecção doscasos que poderiam ser resolvidos na instituição educativae dos que realmente necessitavam de atendimento nasaúde.

Foram amplamente debatidas questões como: aexclusão/inclusão dos diferentes; tornar a escola um lugarsaudável e a aprendizagem, prazerosa; a importânciade conhecer a realidade escolar e de vida dos alunos; ainterferência da imagem que faziam de si alunos eeducadores; as dinâmicas institucionais; o vínculo doeducador com o aluno; e o compromisso do profissionalde saúde com as outras instituições. O trabalho foiinterrompido pela entrada do PAS no município de SãoPaulo na gestão do prefeito Paulo Maluf, uma vez queaquele modelo priorizava apenas a assistência ao doente.

Em moldes semelhantes, surgem, mais recentemente,as TEIAs (Trabalhos Envolvendo a Infância, Adolescência,Jovens e Adultos) das regiões das subprefeituras doJabaquara e de Santo Amaro, no município de São Paulo.A TEIAs apresentam forma de organização análoga àadotada pelo Fórum, através de encontros gerais,regionais e locais. A TEIA do Jabaquara tem por objetivos:buscar a construção conjunta de uma rede de açõesarticuladas (a partir de reflexões sobre as demandassociais, educacionais, culturais, de lazer, de saúde e deesportes) para proteção à infância e à adolescência;reorientar os trabalhos de intervenção e de atuaçãoprocurando fortalecer aqueles condizentes com aproposta; discutir, nas várias instâncias, a construção deuma política intersetorial no atendimento às pessoas comrisco social. Sua proposta é romper com o paradigmade serviços, restrito aos atendimentos dentro do modelomédico, e implantar o paradigma de suportes, queobjetiva, a partir de contextos sociais inclusivos, aintegração das pessoas com necessidades especiais navida em comunidade (SÃO PAULO, 2004).

Segundo Iossi (comunicação pessoal), na cidade deRibeirão Preto, foram seguidos passos semelhantes notrabalho de saúde escolar, estabelecendo-se a RAICA(Rede de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente).

Além de equipamentos educacionais, de assistência sociale de saúde, houve, nessa cidade, participação da PolíciaMilitar e da Vara da Infância, cuja participação vem semostrando necessária também nas TEIAs paulistanas.

É importante lembrar que a implantação das redes égradual e que é necessário todo um processo desensibilização e de aproximações sucessivas para que sepossa envolver um número maior de organizações, bemcomo angariar a participação popular para que, alémde se ganhar em efetividade e alcance das ações, taisganhos não fiquem à deriva de mudanças de orientaçãopolítica nas instituições públicas.

RRRRReferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficaseferências Bibliográficas

FILOMENO, N. R. 3º Setor: Planejamento nasOrganizações da Sociedade Civil de Interesse Público.Disponível em <http://www.interpsic.com.br/cinescopio/main.html> Acesso em 25.09. 2004a.

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SÃO PAULO (cidade) Secretarias Municipais da Saúde eda Educação. TEIA. Folder, 2004.

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RRRRResenha do livro “Saúde Pesenha do livro “Saúde Pesenha do livro “Saúde Pesenha do livro “Saúde Pesenha do livro “Saúde Paidéiaaidéiaaidéiaaidéiaaidéia” de Gastão W” de Gastão W” de Gastão W” de Gastão W” de Gastão Wagneragneragneragneragnerde Sousa Campos. Hucitec. São Pde Sousa Campos. Hucitec. São Pde Sousa Campos. Hucitec. São Pde Sousa Campos. Hucitec. São Pde Sousa Campos. Hucitec. São Paulo: 2003. 185aulo: 2003. 185aulo: 2003. 185aulo: 2003. 185aulo: 2003. 185páginas.páginas.páginas.páginas.páginas.

Esta obra é uma coletânea de artigos elaboradosentre os anos de 2000 e 2003, trazendo importantesreflexões no âmbito teórico, mas sempre destacandouma preocupação em indicar caminhos paramudanças no cotidiano dos serviços de saúde e dagestão. O autor, médico sanitarista, professor deSaúde Pública na Unicamp, inicia esta obra comuma introdução ao Método Paidéia. Entre outrascoisas, este Método questiona a simples difusão deinformações comum na forma tradicional devigilância sanitária e de métodos de prevenção,enfatizando a compreensão como forma deautonomia para a tomada de decisões de cada uma respeito da promoção de sua saúde.

A noção de Paidéia pressupõe o desenvolvimentointegral das pessoas, transcendendo a dimensão dasaúde e tendo implicações nas atividades políticase cotidianas.

Para uma melhor compreensão desse método oautor apresenta três formas de se trabalhar a clínica,a saber: a Clínica Oficial (Clínica Clínica) é o quetradicionalmente se trabalhou na medicina eatualmente, pela crise de custos e de eficácia,tornaram-se mais visíveis suas limitações; a ClínicaDegradada, na qual as condições sócio-econômicasse interpõem determinando a prática clínica ediminuindo sua potencialidade de ação sobre asaúde; e a Clínica Ampliada (do Sujeito) queincorpora o usuário do serviço, “paciente”, comofundamental na promoção da sua saúde, no seucontexto, com seu processo de adoecimento,expectativas e conhecimento.

É possível uma coÉ possível uma coÉ possível uma coÉ possível uma coÉ possível uma co-gestão na Saúde?-gestão na Saúde?-gestão na Saúde?-gestão na Saúde?-gestão na Saúde?Um ideal de integração do homem; umaUm ideal de integração do homem; umaUm ideal de integração do homem; umaUm ideal de integração do homem; umaUm ideal de integração do homem; umapossibilidade de transposição para apossibilidade de transposição para apossibilidade de transposição para apossibilidade de transposição para apossibilidade de transposição para aatualidadeatualidadeatualidadeatualidadeatualidade

Jacqueline Serafim de Freitas, Massumi Kamimura*

Outro conceito proposto pelo autor refere-se aoApoio Paidéia que vem da percepção danecessidade de se aproximar às funções de gestãoas de execução, valorizando a interação entrepessoas para que haja um planejamento conjuntodas ações, considerando suas diferenças de papéis,de poder e de conhecimento. A função deapoiadores institucionais agrega o domínio deteorias e de métodos e as relações de afeto,considerando o lugar de cada um dentro daorganização da instituição. Nesse sentido, é umaforma de atuação distinta da difundida supervisão.De acordo com o lugar ocupado haverá influênciasna maneira de conduzir esse apoio e isso deve serconsiderado a fim de não restringir ou mesmoprejudicar o trabalho. A conjugação entre o trabalhoda equipe e a relação que se estabelece entre esta eo paciente ou a comunidade amplia aspossibilidades de promover saúde.

Assim, o autor destaca o vínculo como umaextensão advinda da crença do paciente no serviçode saúde e da responsabilidade assumida peloprofissional pela saúde do paciente, já que sereconhece que há uma transferência de afetos paraas equipes ou instituições e vice-versa. Propiciado ovínculo, o trabalho em equipe, além de ser maisbem aceito, desafoga a demanda sobre o médico,diluindo a concentração de poder na figura deste,visto que a pessoa está sob cuidado de um conjuntode trabalhadores. Um outro desdobramento podeimplicar a desmedicalização que promove outrasformas de intervenção sobre a doença.

Os pressupostos apresentados convergem parao desenvolvimento da co-gestão, que se contrapõe

* Psicólogas, aprimorandas do Instituto de Saúde (biênio 2003/2004).

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ao Estado autogestionado porque todos estãoengajados em participar na promoção da saúde. Aco-gestão amplia a participação a membros antesconsiderados passivos no processo, os pacientes, eresgata a necessidade da inclusão destes naidentificação e solução de problemas que afetamsua saúde e a da comunidade. Partindo de umcontexto burocrático e impessoal instalado no sistemade saúde é que o autor proporá um caminho distintoque não promova a dependência do paciente e seuafastamento da atuação em parceria, pela sua saúde.

Na seqüência há a apresentação do ProjetoPaidéia de Saúde da Família, elaborado em 2001,abrangendo as idéias anteriormente levantadas ecom a proposta de sua implantação no municípiode Campinas. De modo a alterar o modelo de gestãoe assistência vigentes no município, o ColegiadoGestor da Secretaria de Saúde participou comomediador do processo de implantação, intervindonos cinco distritos de saúde e em um hospital mu-nicipal, levantando as demandas institucionais etrabalhando a nova forma de gerenciamento.

Como conseqüências desta intervençãodestacamos os seguintes efeitos entre os váriosapresentados: ruptura nas equipes com as açõespraticadas anteriormente, negando-lhe qualquervalor; pressão para promover a mudança em curtoespaço de tempo; dificuldade por parte dos membrosdas equipes de assumirem a condição de sujeitosno processo, reproduzindo tarefas sem conseguirrefletir sobre suas práticas para modificá-las edesconfiança em relação aos apoiadores por seremparte do governo.

O texto contribui para gerar diversas reflexões evislumbrar uma alternativa em conjunto para a atualorganização da gestão. Desta forma, várias dasdificuldades colocadas pelo autor parecem emergirdo modo como os serviços estão organizados, sendoum exemplo, a existência nos serviços públicos deuma prática que destitui das mãos dos trabalhadoresa autonomia para condução de suas ações, e queacaba consolidando a hegemonia do modelovigente nas gestões, ou seja, a indução. Essa simplesindução de práticas desestimula a crítica sobre seutrabalho e uma vez que isso se torna hábito, é fun-damental que o sujeito se aproprie desta propostade mudança.

A ânsia por resultados rápidos, a nosso ver, poderevelar uma preocupação em promover a adesãode usuários e profissionais como forma de apoiopara a manutenção deste modelo a despeito depossibilidades de mudanças na gestãogovernamental. É importante resgatar que a induçãoé colocada pelo autor como parte da gestão, sendoum problema quando se torna a única prática,aprisionando ao invés de levar a um movimento deco-gestão, onde propostas surgem também dasequipes, usuários e comunidade.

Algo incomum e que pode causar estranhamentoé a atuação de membros do governo naimplantação direta de suas propostas junto aosserviços. Devido a uma prática rotineira defiscalização, é compreensível que nesse caso asensação de estar sendo fiscalizado exista por partedos membros das equipes, havendo, no entanto, apossibilidade de ser superada por meio de um novomodelo de gestão.

O autor, além de enfatizar o papel dousuário e a importância de seu contexto napromoção de sua saúde, resgata também asespecificidades do contexto sócio-econômico e suasimplicações na prática clínica, que movimentam oSistema Único de Saúde - SUS - para uma novaorganização de serviços. Tornando a prática clínicaum bem compartilhado por diversos profissionais,redimensiona o poder atualmente concentrado nafigura do médico e resgata a dimensão cultural doprocesso saúde-doença presente nos conhecimentose práticas de diversos grupos sociais.

Ao longo dos capítulos os conceitos vão seampliando e se relacionando, culminando naproposta do Projeto Paidéia e das condiçõesarticuladas para sua implantação em um município.É notável a preocupação do autor em tornar seusconceitos aplicáveis o que distingue este trabalhode outras propostas. A visualização desta experiênciapode incentivar novas práticas e servir como umareferência para as iniciativas futuras, considerandoas prováveis dificuldades a serem encontradas.

A forma como se desenvolve o texto dá a dimensãode quão profundas mudanças precisam serdesencadeadas nos serviços de saúde e promove umareflexão sobre a necessidade da ampliação dessas açõesinovadoras para o âmbito político de nossas vidas.

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RRRRResenha do livro “Pesenha do livro “Pesenha do livro “Pesenha do livro “Pesenha do livro “Pesquisa Qualitativa em Saúde:esquisa Qualitativa em Saúde:esquisa Qualitativa em Saúde:esquisa Qualitativa em Saúde:esquisa Qualitativa em Saúde:uma Introdução ao Tuma Introdução ao Tuma Introdução ao Tuma Introdução ao Tuma Introdução ao Temaemaemaemaema” de Ceres Gomes V” de Ceres Gomes V” de Ceres Gomes V” de Ceres Gomes V” de Ceres Gomes Victora,ictora,ictora,ictora,ictora,Daniela Riva Knauth e Maria Nazareth Agra Hassen.Daniela Riva Knauth e Maria Nazareth Agra Hassen.Daniela Riva Knauth e Maria Nazareth Agra Hassen.Daniela Riva Knauth e Maria Nazareth Agra Hassen.Daniela Riva Knauth e Maria Nazareth Agra Hassen.

TTTTTomo Editorial. Pomo Editorial. Pomo Editorial. Pomo Editorial. Pomo Editorial. Porto Alegre, 2000. 136 páginas.orto Alegre, 2000. 136 páginas.orto Alegre, 2000. 136 páginas.orto Alegre, 2000. 136 páginas.orto Alegre, 2000. 136 páginas.

A elaboração do livro “Pesquisa Qualitativa emSaúde – Uma introdução ao tema” foi motivada pelaprimeira edição do Curso de Metodologia dePesquisa Qualitativa em Saúde, ocorrido em 1997,no Núcleo de Pesquisas em Antropologia do Corpoe da Saúde (NUPACS) da UFRGS. No ano de 2000,as autoras, antropólogas do NUPACS, publicarameste material, indicado aos novos pesquisadores daárea da saúde para que pudessem “iniciar umprograma de estudos, antes de partirempropriamente para a realização do seu projeto depesquisa” (Hassen, Knauth e Victoria, p.9, 2000).

Pesquisas desenvolvidas na área da saúde lidamnecessariamente com as complexidades de umobjeto multifacetado, qual seja, a saúde como fe-nômeno do corpo individual e social. Perante estedesafio, o livro busca introduzir concepções quenorteiem a prática em pesquisa qualitativa, apon-tando uma estreita relação entre teoria emetodologia, além de apresentar exemplos de pes-quisas desenvolvidas, segundo esta abordagem.

Ao longo do texto, os temas apresentados e dis-cutidos podem ser agrupados em três partes geraisrelacionadas, inicialmente, à introdução de concei-tos antropológicos que norteiam a pesquisa quali-tativa em saúde; em seguida, à apresentação daconstrução e do uso da metodologia qualitativa,incluindo os aspectos éticos; e, por fim, uma dis-cussão sobre o tratamento de dados qualitativos.Ao contrário de muitos trabalhos de objetivosintrodutórios, este livro certamente não incorre norisco da superficialidade.

A contextualização do tema central apresenta-secomo um aspecto introdutório bastante interessante

PPPPPesquisa qualitativa em saúde: saberesquisa qualitativa em saúde: saberesquisa qualitativa em saúde: saberesquisa qualitativa em saúde: saberesquisa qualitativa em saúde: saberfazerfazerfazerfazerfazer, saber ver, saber ver, saber ver, saber ver, saber ver, saber sentir, saber sentir, saber sentir, saber sentir, saber sentir

Fábio Cidade*Ingrid Campregher*Ivy Calfa Espudaro*

Lívia Karina de Almeida*

no livro. A pesquisa qualitativa, originada nas ciên-cias sociais, tem neste trabalho uma perspectiva te-órico-antropológica, cujo enfoque adequa-se bas-tante ao tema saúde. Este enfoque permite a abor-dagem simbólica do corpo, da saúde e da doença,articulada a outros conceitos importantes como cul-tura e representações sociais.

É possível perceber, ao longo da introdução aospressupostos teóricos da antropologia, a construçãoda análise qualitativa que, embora partindo de umamatriz empírica, distancia-se completamente dacorrente positivista que adota a neutralidadecientífica do pesquisador em relação ao grupopesquisado. Ao contrário, o método etnográfico —uma referência no campo da antropologia — temcomo pressuposto o fato de que os comportamentoshumanos só podem ser compreendidos no contextosocial no qual estão inseridos, sendo portanto,absolutamente necessário o registro, do ponto devista do “outro”, o nativo. Tal método exige a imersãodo pesquisador no contexto sociocultural a serestudado, implicando desafios metodológicosclaramente abordados pelas autoras.

Superando a recorrente oposição no campo dapesquisa que envolve a supremacia ou exclusivida-de de abordagens qualitativas ou quantitativas, olivro aponta que a escolha e a necessidade destaou daquela opção reside na definição do problemade pesquisa. Neste processo, devem ser considera-das as potencialidades e limitações de cada uma e,ainda, a possibilidade de complementaridade des-tas metodologias.

Com relação à construção do objeto de pesqui-sa, explicita-se ao leitor, de forma apropriada e per-tinente, a diferença entre tema e objeto de pesquisa,na qual o tema refere-se ao assunto abordado e o

*1 Aprimorandos do Instituto de Saúde (Biênio 2004/2005)

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objeto, a um recorte preciso do mesmo, podendotambém ser definido como problema de pesquisa.Assim, para a delimitação do objeto, o pesquisadordeve analisar os aspectos teóricos que lhe dãoembasamento e os aspectos práticos que estão im-plicados na metodologia, tais como o universoempírico (campo de investigação e sujeitos), o tem-po e a verba disponíveis. No tocante ao conceitode universo empírico , ressalta-se ainda aespecificidade do número reduzido de sujeitos naabordagem qualitativa e as implicações de tal fe-nômeno na pesquisa. Quanto à apresentação dospassos para a construção do objeto de pesquisa,alerta-se para que o problema de investigação nãoseja tomado como estático e permanente, mas sim,segundo seu caráter dinâmico e processual.

Em relação às técnicas de pesquisa, ressalta-sea impossibilidade de pensá-las de forma isolada dateoria, uma vez que não são instrumentos prontospara aplicação automática no grupo pesquisado.Por isso, as técnicas de coleta e registro de dadosdevem ser produzidas de forma diferenciada,considerando-se o tipo de inserção no campo e ocontato efetivo entre pesquisador-pesquisado. Nomomento da análise/interpretação dos dados, opesquisador deverá apresentar a discussão suscitadapelo trabalho de elaboração teórica, temática eempírica, evidentemente, sem incorrer emgeneralizações não fundamentadas.

Outra discussão relevante é a questão da éticana pesquisa qualitativa, onde tal conceito éconsiderado enquanto ação humana “voluntária elivre, relacionada a atos que produzamconseqüências em outros” (p.79). As autoras fazemuma breve introdução teórica quanto à discussãoetimológica do termo ‘ética’ e sua relação com a‘moral’, atendo-se, em seguida, à questão do“Consentimento Informado” e apresentando extensarevisão literária concernente a este tópico. Aindaneste âmbito, as autoras discutem a extensão doconceito “ética em pesquisa” para além da questãodo sigilo de informações e enfatizam o papel doconsentimento informado, indicando possíveislimitações.

O livro também apresenta alguns exemplos detratamento de dados, dentre eles, uma propostametodológica de tratamento estatístico, cuja

proposta introduz a possibilidade de diálogo entrea pesquisa qualitativa e quantitativa. A justificativaapresentada pelas autoras convidadas, responsáveispela proposta do novo aporte metodológico,fundamenta-se nas limitações do método etnográficopara determinados objetos de pesquisa quenecessitam de representatividade estatística, além da“qualidade” atribuída ao dado.

Por último, as autoras descrevem indicadores dequalidade da pesquisa qualitativa, inserindo adiscussão sobre sua validade, parâmetros deavaliação e relevância de suas conclusões, uma vezque não se trata de dados objetivamentemensuráveis. Vale destacar que o livro apresenta,ao final de cada capítulo, o item “BibliografiaComentada”, inserido como um convite à reflexãoe ao aprofundamento dos temas discutidos.

De fácil apreensão e conteúdo relevante, estetrabalho atinge seu objetivo de introdução ao temada pesquisa qualitativa em saúde, apresentando-sede fato como uma referência necessária aospesquisadores que pretendem se aproximar destaabordagem.

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Navegue!Navegue!Navegue!Navegue!Navegue! Nessa seção, o BIS disponibiliza ao leitor endereços eletrônicos sobre otema educação. Encontram-se na Internet tanto Listas de Discussão, quanto“sites” temáticos ou institucionais. A relação abaixo foi reunida e sugeridapor Claudia Maria Bógus* e Paulo Henrique Nico Monteiro**, por solicita-ção da editoria do Boletim do Instituto de Saúde.

Centro de Estudos e Pesquisasem Educação, Cultura e AçãoComunitáriahttp://www.cenpec.org.br

Núcleo de Estudos Locais em Saúdewww.ead.fiocruz.br/elos

Organização Pan-Americana da Saú-de (Representação Brasil)www.opas.org.br

Pan American Health Organization(disponível em inglês, espanhol eportuguês)www.paho.org

Associação Brasileira de Pós-Gradu-ação em Saúde Coletivawww.abrasco.org.br -

Centro de estudos, Pesquisa e Docu-mentação em Cidades Saudáveiswww.cidadessaudaveis.org.br -

Pan American Health Organizationwww.paho.org/spanish/hpp/5thglobalconf.htm

Revista sobre Educação e Saúde daUNESPwww.interface.org.br

Escola do Futuro da USPwww.futuro.usp.br

Ministério da Educaçãowww.mec.gov.br –

Laboratório de Educação em Saúdeda FIOCRUZwww.cpqrr.fiocruz.br/labes -

Biblioteca Virtual de Educação doMECwww.bve.cibec.inep.gov.br –

Secretaria de Estado da Educação deSão Paulowww.educacao.sp.gov.br

Site sobre Educação, formação e Tra-balhowww.educaweb.com

S I T E SS I T E SS I T E SS I T E SS I T E S

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Educação em Saúde