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BISSINOSE NO MUNICÍPIO DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL * Diogo Pupo NOGUEIRA ** Berenice F. GOELZER *** Joe W. COX*** Edgar Pereira da SILVA**** Naim SAUAIA***** RSPU-B/176 NOGUEIRA, D. P. et al. — Bissinose no município da capital do Estado de S. Paulo, Brasil. Rev. Saúde públ ., S. Paulo, 7: 251-72, 1973. RESUMO: Seguindo-se uma sistemática epidemiológica, foram estudados os trabalhadores de 3 fiações de algodão, com diferentes quantidades de poeira de algodão em suspensão na atmosfera dos locais de trabalho, com- parando-se com 135 pessoas do grupo controle não exposto a essas poeiras. Pelas respostas ao questionário padrão internacional sobre doenças respi- ratórias, verificou-se que os trabalhadores das fábricas, onde era mais elevada a concentração de poeira de algodão, apresentavam um ou mais sintomas característicos da bissinose; por outro lado, as provas de função pulmonar, realizadas imediatamente antes e após o início do trabalho às segundas-feiras, mostravam-se alteradas. Como no grupo controle, verifi- cou-se melhoria significativa da função pulmonar no término do dia de trabalho. E como tal fato não foi observado mesmo na fábrica onde a con- centração de poeira no ar era muito baixa e onde não se notou piora das provas de função pulmonar entre seus trabalhadores, levantou-se a hipótose de que essa ausência de melhoria possa constituir um sintoma precoce da bissinose. UNITERMOS: Bissinose *; Pneumoconiose *; Doenças respiratórias * * Trabalho conjunto da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e da Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho. ** Do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, S.P. Brasil. *** Da Divisão de Higiene do Trabalho da Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho — Rua Cardoso de Almeida, 520 — São Paulo, S.P. Brasil. **** Da Divisão de Medicina do Trabalho da Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho — Rua Cardoso de Almeida, 520 — São Paulo. S.P. Brasil. ***** DO Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 455 — São Paulo, S.P. Brasil.

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BISSINOSE NO MUNICÍPIO DA CAPITAL DO ESTADO DESÃO PAULO, BRASIL *

Diogo Pupo NOGUEIRA **Berenice F. GOELZER ***Joe W. COX***Edgar Pereira da SILVA****Naim SAUAIA*****

RSPU-B/176

NOGUEIRA, D. P. et al. — Bissinose no município da capital do Estado deS. Paulo, Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 251-72, 1973.

RESUMO: Seguindo-se uma sistemática epidemiológica, foram estudadosos trabalhadores de 3 fiações de algodão, com diferentes quantidades depoeira de algodão em suspensão na atmosfera dos locais de trabalho, com-parando-se com 135 pessoas do grupo controle não exposto a essas poeiras.Pelas respostas ao questionário padrão internacional sobre doenças respi-ratórias, verificou-se que os trabalhadores das fábricas, onde era maiselevada a concentração de poeira de algodão, apresentavam um ou maissintomas característicos da bissinose; por outro lado, as provas de funçãopulmonar, realizadas imediatamente antes e após o início do trabalho àssegundas-feiras, mostravam-se alteradas. Como no grupo controle, verifi-cou-se melhoria significativa da função pulmonar no término do dia detrabalho. E como tal fato não foi observado mesmo na fábrica onde a con-centração de poeira no ar era muito baixa e onde não se notou pioradas provas de função pulmonar entre seus trabalhadores, levantou-se ahipótose de que essa ausência de melhoria possa constituir um sintomaprecoce da bissinose.

UNITERMOS: Bissinose *; Pneumoconiose *; Doenças respiratórias *

* Trabalho conjunto da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Pauloe da Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho.

** Do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av.Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, S.P. — Brasil.

*** Da Divisão de Higiene do Trabalho da Fundação Centro Nacional de Segurança,Higiene e Medicina do Trabalho — Rua Cardoso de Almeida, 520 — São Paulo,S.P. — Brasil.

**** Da Divisão de Medicina do Trabalho da Fundação Centro Nacional de Segurança,Higiene e Medicina do Trabalho — Rua Cardoso de Almeida, 520 — São Paulo.S.P. — Brasil.

***** DO Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo — Av. Dr. Arnaldo, 455 — São Paulo, S.P. — Brasil.

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I N T R O D U Ç Ã O

Como o descreve SCHILLING 9, 10, desdeo início do século XIX sabia-se, na Ingla-terra, que os operários de nações dealgodão costumavam apresentar doençarespiratória caracterizada, nas suas fasesiniciais, por uma sensação de constriçãotorácica que aparecia caracteristicamen-te às segundas-feiras, logo após o iníciodo trabalho; com o decorrer do tempo,tal sensação se estendia para os demaisdias da semana, e posteriormente,acompanhava-se de tosse e expectoraçãoabundante.

Tais queixas dos trabalhadores, no en-tanto, encontravam pouco interesse porparte dos pesquisadores médicos. Real-mente, a grande maioria da indústriatêxtil de algodão britânica concentrava-sena área de Lancashire, onde a preva-lência da bronquite crônica entre apopulação em geral é bastante alta; poressa razão, os pesquisadores considera-vam que os trabalhadores texteis eramportadores de uma bronquite crônicacomum que apenas se agravava pela ex-posição à poeira de algodão.

Uma série de estudos de morbidaderealizados na Inglaterra veio trazer umgrande número de dúvidas, que tumul-tuaram bastante o estudo do problema.É ainda SCHILLING 10 quem refere o fatode que estatísticas realizadas na décadados 30 pareceram concluir que a mor-bidade por doenças respiratórias dostrabalhadores de algodão diminuirá noperíodo entre 1935 e 1936, quando com-parado ao período de 1923 a 1927,enquanto que parecia estar ocorrendoaumento da morbidade por afecçõescárdiocirculatórias entre tais trabalha-dores.

Uma revisão dos atestados de óbitoveio demonstrar que muitos casos dedoença eram de "cor pulmonale"; por-

tanto, estavam os pesquisadores atribuin-do erroneamente ao aparelho cardio-vascular afecções que eram primaria-mente respiratórias. Tal observaçõesconduziu a um estudo epidemiológico dedoenças cardiovasculares, entre os tra-balhadores de nações de algodão, tendosido estudados cerca de 250 homens entre35 e 64 anos de idade; não foram encon-tradas alterações significativas sob oponto de vista cardiovascular mas, poroutro lado, foi verificado que 66% dos131 trabalhadores de cardas e dos bate-dores queixavam-se exatamente de sensa-ção de constrição torácica, que apare-cia às segundas-feiras; além disso, 15deles apresentavam insuficiência respira-tória nítida.

Em face dessa conjuntura, SCHILLING 10

levou a efeito um estudo epidemiológicosobre doenças respiratórias em 28 fábri-cas da área de Oldham, na Inglaterra;foram examinados 200 trabalhadores dealgodão, todos do sexo masculino, comidade entre 40 e 59 anos e que trabalha-vam em cardas e batedores; 100 operáriosmetalúrgicos serviram de grupo controle.De acordo com a história clínica, ostrabalhadores foram classificados emtrês classes: "normais", quando nãohavia sensação de constrição torácica;"grau 1" quando tal sensação apareciasomente às segundas-feiras; e "grau 2"quando tal sensação ocorria tanto na se-gunda-feira como em outros dias dasemana. Cada trabalhador foi estudadopor dois observadores diferentes, veri-ficando-se que havia concordância deopinião em 93% dos casos, havendo dis-cordância apenas na distinção entre osgraus 1 e 2.

Além da anamnese, foi determinadopara cada trabalhador o volume máximode ar expirado em 3/4 de segundo(VEM 0,75), que se mostrou significante-

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mente diminuido nos trabalhadores ex-postos em relação ao grupo controle.

Tais estudos levaram SCHILLING 10 aconcluir que os trabalhadores expostos àpoeira de algodão apresentam umapneumoconiose a bissinose — que podeser diagnosticada com suficiente preci-são pela história clínica e que se associaà diminuição da função ventilatória.Ficou claro que, através da anamnese, épossível demonstrar que a bissinose nassuas fases iniciais não se assemelha àbronquite crônica; assim, muitos dostrabalhadores que tinham sensação deconstrição torácica às segundas-feirasnão apresentavam tosse e escarro, carac-terísticas desta, que somente aparecemnas fases adiantadas da pneumoconiose;nestas últimas fases, nenhum exame —anamnese, exame clínico, exame radio-lógico, exame funcional ou anátomo-patológico — permite mais a diferencia-ção entre a bissinose e a bronquitecrônica.

Estudos posteriores de SCHILLING 10

vieram demonstrar que existia correla-ção de poeira de algodão existente naatmosfera dos locais de trabalho e aincidência da bissinose, tendo sido pro-posto um limite de tolerância de100 mg/ 100m3 de ar. Tal limite foi,posteriormente, considerado pela Ame-rican Conference of Governamental In-dustrial Hygienists, que estabeleceu ovalor de 1 mg/m3 de ar na sua tabelade limites de tolerância.

A sistemática epidemiológica acimadescrita foi aplicada, por diversos auto-res, em numerosos países e sempre foipossível observar-se a existência dabissinose em trabalhadores expostos àpoeira de algodão, particularmenteaqueles que executavam suas funções nosabridores e cardas. Assim, tal tipo deestudo foi realizado, entre outros países,na Austrália 5, Bélgica 11, Egito 4, Grécia 6

e Suécia1.

Nos Estados Unidos, durante muitotempo admitia-se a inexistência da bissi-nose. No entanto, MC KERROW &SCHILLING 7 e, posteriormente, BOUHUYS 2

vieram mostrar, de forma inequívoca, aexistência da pneumoconiose tambémnaquele país, como não poderia deixarde ser.

Quanto à fisiopatologia da bissinose,BOUHUYS 2 é de opinião que a poeira dealgodão contém substância farmacológi-camente ativa, que provoca constriçãobrônquica provavelmente através da li-beração de histamina. Tal hipótese ba-seia-se nos seguintes fatos:

1. extratos aquosos de algodão indus-trial produzem dispnéia e má distri-buição do ar inspirado quandoinalados, sob a forma de aerosol, porpessoas normais;

2. trabalhadores expostos à poeira dealgodão que foi previamente lavadoe tratado quimicamente (p. e., algo-dão para uso medicinal) não apre-sentam bissinose;

3. em indivíduos normais, a exposiçãoa aerossóis de extrato aquoso de al-godão demora de 10 a 20 min. paraproduzir sintomas.

Por outro lado, uma segunda expo-sição, 24 horas mais tarde, não causadispnéia ou alterações funcionais.Este fenômeno de taquifilaxia sugerea presença de substância liberadorade histamina;

4. incubando-se tecido pulmonar huma-no com extratos de algodão, linho,cânhamo verifica-se a liberação dehistamina, o que não ocorre empulmões de cobaiais, ratos, gatos,carneiros ou porcos.

A substância farmacologicamenteativa é, portanto, específica para araça humana;

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5. a administração oral de anti-histamí-nicos previne as alterações ventila-tórias das segundas-feiras.

Ainda segundo BOUHUYS 2, a substânciafarmacologicamente ativa é encontradanas brácteas, folhas finas e pequenas quese encontram perto do floco de algodãoe que frequentemente são encontradasno algodão bruto, que começa a ser pro-cessado nas fiações.

Têm sido encontrados, com freqüência,títulos elevados de anticorpos anti-algodão em pessoas que trabalham comessa fibra têxtil; no entanto, títulossignificantes são encontrados tanto emportadores de bissinose como em pes-soas que não apresentam nenhum sin-toma. Não existe, portanto, na gêneseda bissinose um processo alérgico poisnão há necessidade de sensibilidadeprévia e, por outro lado, a maioria daspessoas expostas ao risco são afetadase não apenas aquelas que apresentamterreno alérgico.

Bissinose no Brasil: Não obstante aindústria têxtil de algodão ser uma dasmais antigas do país e que, durante mui-tos anos, ocupou o primeiro lugar quantoao número de trabalhadores empregados,nenhum estudo sobre a possível existên-cia de bissinose entre tais trabalhadoresfoi levado a efeito. É verdade que peri-tos judiciais, nomeados pelas varas deacidentes do trabalho, freqüentementeargumentavam ter diagnosticado talpneumoconiose em trabalhadores; noentanto, tratava-se de casos de bronquitecrônica típica, que eram rotulados comosendo de bissinose devido exclusivamenteao fato de que seus portadores tinhamtrabalhado, durante vários anos, em fia-ções de algodão.

A inexistência de um trabalho epide-miológico sobre o assunto levou-nos atentar uma pesquisa nesse campo.

MATERIAL E MÉTODO DE ESTUDO

Foi decidido que o estudo seria feitoobedecendo-se à sistemática propostapor SCHILLING9. Para tanto, foi obtidaa permissão da John B. Pierce Founda-tion (Yale University, New Haven,Connecticut, U.S.A.) para traduzir oquestionário padrão sobre sintomatolo-gia respiratória estabelecida pelos auto-res ingleses e devidamente modificadapor aquela Fundação; foi utilizado tantoo texto em inglês como o texto espanhol,obtendo-se uma tradução portuguesa deacordo com a terminologia médica epopular do nosso país (Anexo 1).

Para a execução das provas de funçãopulmonar foi decidido empregar-se oaparelho "Vitalograph", de fabricação dafirma Vitalograph Limited (Maids Me-reton House, Buckhingham, Inglaterra),que é um espirômetro seco, de fácil ma-nejo, que permite a obtenção da capaci-dade vital forçada (CVF), do volumeexpiratório máximo no primeiro segundo(VEM ), da relação deste com a capa-cidade vital (índice de Tiffeneau), dofluxo expiratório máximo (FEM) e dofluxo médio expiratório (FME).

Foram selecionadas três empresasonde deveria ser levada a cabo a pes-quisa. A primeira (fábrica A) era umafiação de algodão bastante moderna,dotada de eficiente sistema de ventilaçãolocal exaustora em toda a sua maqui-naria; a segunda (fábrica B) era umafiação em vias de modernização, na qualse iniciava a colocação de sistemas deventilação local exaustora, ainda não emfuncionamento; a terceira (fábrica C)era uma fiação tradicional, sem qualquersistema de exaustão mas com máquinascolocadas em amplas salas, com satisfa-tória ventilação natural. Como controlefoi utilizada uma indústria de produtosalimentícios, na qual os trabalhadores

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não se expunham a poeiras de qualquerespécie.

Para a mensuração quantitativa dapoeira de algodão em suspensão naatmosfera dos locais de trabalho, por su-gestão de BOUHUYS * foi decidido utili-zar-se o elutriador vertical, que recolhesomente a fração respirável da poeira dealgodão. Além disso, decidiu-se fazer acoleta da poeira total por intermédio deum precipitador eletrostático. Foramrealizadas 8 medidas em cada seção decada uma das fábricas examinadas.

A pesquisa foi levada a cabo da seguin-te maneira:

1. a quantidade de poeira — total efração respirável — foi determinadanas seções de cardas e de preparaçãodas três fábricas;

2. os trabalhadores dessas seções res-ponderam ao questionário padrãosobre sintomatologia respiratória;

3. cada trabalhador foi submetido aduas provas de função pulmonar,ambas realizadas às segundas-feiras:a primeira, imediatamente antes doinício do trabalho e a segunda, logoapós o término deste.

Para se eliminar ao máximo possível ainfluência de outros fatores sobre a fun-ção pulmonar dos examinados, foi deci-dido que, tanto no grupo exposto comono grupo controle, somente seriamsubmetidos às provas funcionais aquelestrabalhadores que não fossem fumantes;dessa forma, através das respostas aoquestionário padrão, foram eliminadosdo estudo os fumantes em qualquergrau. Por outro lado, tanto as naçõesestudadas como a fábrica de produtosalimentícios que serviu de controle esta-vam expostas a condições equivalentesde poluição atmosférica.

O número total de pessoas estudadasfoi o seguinte:

Portanto, o grupo exposto era compos-to de 99 pessoas e o controle de 135pessoas.

As proporções das diferentes respostasaos diversos itens do questionário pa-drão, de pessoas do grupo exposto e dogrupo padrão, foram comparadas atravésdo uso de um teste de associação. Osresultados das provas de função pulmo-nar foram avaliadas por meio de umteste de médias considerando as popu-lações correlatas. Todas as decisõesforam tomadas a um nvel de signifi-cância igual a 5%.

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Na Tabela 1 estão assinaladas as quan-tidades de poeira (poeira total e fraçãorespirável) encontradas nos locais detrabalho das fiações de algodão.

Como seria de se esperar, na fábrica A,dotada de moderno sistema de ventila-ção local exaustora, os valores encon-trados foram os mais baixos do grupo.Assim, a quantidade da fração respirá-vel era de apenas 0,266 mg/m3 de ar nascardas e de 0,186 mg/m3 de ar na pre-paração. Pelo contrário, na fábrica Bforam encontrados os valores mais ele-vados, com 2,351 mg/m3 de ar nas cardase 1,500 mg/m3 de ar na preparação,evidenciando a importância das medidasque a empresa estava levando a cabo,no momento da pesquisa, no sentido de

* Comunicação pessoal.

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dotar as máquinas de um sistema venti-latório exaustor que permitisse reduçãodas elevadas concentrações de poeira aliencontradas. Na fábrica C, finalmente,a despeito de tratar-se de fiação tradi-

cional, mas graças à ampla ventilaçãonatural ali existente, os valores encon-trados eram de 1,166 mg/m3 de ar nasala de cardas e 0,525 mg/m3 de ar nade preparação.

Conforme se verifica pela Tabela 2,na fábrica A o número de trabalhadoresestudados expostos à poeira de algodãoera de 26, sendo 4 (15,38%) nas cardas e22 (84,62%) na preparação. Na fábrica Btais números eram, respectivamente, de14 (31,82%) e 30 (68,18%) e, na fábrica C,de 5 (17,24%) e 24 (82,76%). Portanto,do total de 99 pessoas que trabalhavamexpostas à poeira de algodão, 23 (23,23%)trabalhavam nas cardas e 76 (76,77%) napreparação.

As características quanto à idade,raça, estado civil e sexo da amostraestudada, inclusive do grupo controle,estão assinalados na Tabela 3. Verifi-ca-se que tais características se distri-buem de maneira apreciavelmente uni-forme entre os dois grupos, exposto econtrole. Há a se destacar que nogrupo controle, nota-se discreta predomi-nância de indivíduos da raça negra e dosexo masculino.

O questionário veio mostrar que amaioria dos empregados (42,6%) tinhainiciado a exposição à poeira de algodão

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com menos de 20 anos de idade (Tabela4); tal fato era especialmente marcanteem relação à fábrica A, na qual essevalor atingira 73,3%. A grande maioriados trabalhadores (63,6%) informava quetal exposição durava 5 anos e mais (Ta-bela 5).

Será interessante observar (Tabela 4)que entre os trabalhadores do grupo

controle 15 pessoas (11,1%) referiam ter

tido exposição anterior à poeira de algo-

dão, que na maioria dos casos (73,3%)

também ocorrera com menos de 20 anos

de idade e que durara em mais da

metade (53,5% dos casos) um período

de 1 a 4 anos.

O questionário veio mostrar que a sen-sação de constrição torácica não erareferida por nenhum trabalhador dafábrica A, enquanto que o era por 11da fábrica B, por 7 da fábrica C e por 9do grupo controle (Tabela 6). O testede associação revela que a proporção deempregados das fábrica B e C com osintoma mais conhecido da bissinose ésignificantemente maior do que no gru-po controle, não sendo isto constatado apropósito dos trabalhadores pertencen-tes à fábrica A.

A tosse durante a manhã (Tabela 6)foi encontrada em 9 trabalhadores dafábrica A, em 24 da B, em 8 da C e em11 do grupo controle, sendo significantea associação positiva entre este sinal eas fábricas B e C. Os trabalhadoresdestas fábricas referiam a persistênciado sintoma em 6 casos na fábrica A,19 casos na fábrica B, 7 casos na fábricaC e 8 casos no grupo controle; as pro-porções foram significantemente maiselevadas nas fábricas B e C do que nogrupo controle. Os trabalhadores destas

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duas últimas fábricas revelavam a pre-dominância da tosse em determinadodia da semana respectivamente em 20 eem 9 casos, sendo significante a associa-ção, o que não era verificado quanto aosempregados da fábrica A.

Em nenhuma das fábricas a predomi-nância da tosse às segundas-feirasocorreu numa proporção de empregadosque diferisse significantemente de zero(registrada no grupo controle).

Escarro durante a manhã foi encon-trado em um caso da fábrica A, em 10da B, em 5 da C e em 11 do grupocontrole, sendo significante a associaçãopositiva entre a presença deste sinal eas fábricas B e C. Persistia durante até3 meses em cada ano em 2 trabalha-dores da fábrica A, em 6 da fábrica B,em 4 da fábrica C e em 8 do grupo con-trole, sendo as proporções de emprega-dos com a persistência de até 3 mesessignificantemente maior nas amostrasdas fábricas B e C em relação ao grupocontrole.

Dos resultados obtidos através doquestionário, um fato se torna evidente:a sintomatologia característica da bissi-nose não foi encontrada em proporçõessignificantemente maiores do que asregistradas no grupo controle quandoestudada a fábrica A, tendo ocorridoisto, quando consideradas as fábricas Be C. Como seviu atrás, a fábrica A éaquela que apresenta os mais baixos va-lores da fração respirável da poeira dealgodão, pelo que parece leito concluir-seque estes últimos são os responsáveispela não significância dos sintomas; talconclusão contradiz a opinião deBOUHUYS 2, que é de opinião de que nãoexiste relação entre a quantidade depoeira de algodão existente na atmosferados locais de trabalho e a incidência dabissinose.

Os resultados das provas de funçãopulmonar encontram-se assinalados naTabela 7 sob a forma de média e desviopadrão das diferenças entre os valorescorrespondentes às provas realizadasimediatamente antes e imediatamentedepois do período de trabalho, assimcomo o teste de médias considerando aspopulações correlatas.

O volume expiratório máximo em umsegundo (VEM1,0 ) mostrou alteraçãosignificativa somente na fábrica B, ouseja, o valor obtido imediatamente apóso período de trabalho mostrou-se signi-ficantemente alterado, evidenciando umaalteração da função pulmonar no fim doprimeiro dia de trabalho da semana(segunda-feira); nas duas outras fábricasas alterações observadas não foramsignificantes. No entanto, o grupo con-trole sugere uma alteração significanteno sentido inverso após o término dodia de trabalho, ou seja, o VEM1,0 me-dido no término do primeiro dia detrabalho da semana, parece significante-mente aumentado em relação àqueleobtido antes do início do trabalho.

A capacidade vital forçada (CVF) tam-bém mostrou-se significantemente alte-rada nos trabalhadores da fábrica B,não mostrando alterações significativasquer em relação aos demais componen-tes do grupo exposto, quer em relaçãoao grupo controle nas fábricas A e C.

O índice de Tiffeneau não mostroualteração significativa em relação aogrupo exposto, mas também sugere me-lhora significante no grupo controle.

O fluxo expiratório máximo (PEM)mostrou-se também alterado significan-temente em relação aos trabalhadoresda fábrica B, não mostrando alteraçõessignificantes nos demais membros dogrupo exposto. Ainda aqui o grupo con-trole mostrou alteração significativapara mais ao fim do período de trabalho.

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O fluxo médio expiratório, finalmente,não revelou alteração significativa nogrupo exposto, mas também apresentoumelhoria significativa no grupo controle.

Verifica-se, pois, que os parâmetrosrespiratórios medidos não mostraramalteração significativa nas fábricas A eC, mas mostraram-se significantementereduzidos — com exceção do índice deTiffeneau e do fluxo médio expiratório— nos trabalhadores da fábrica B. Comoessa fábrica foi a que apresentou maiorconcentração de poeira de algodão emsuspensão na atmosfera dos locais detrabalho, confirma-se o que foi verificadoem relação às respostas ao questionários,ou seja, que existe relação entre concen-tração de poeira e alterações funcionaispulmonares.

As alterações para mais de pratica-mente todos os parâmetros respiratórios,com exceção da CVF, é decorrência pro-vável do ciclo circadiano. Assim,CONROY & MILLS 3, em revisão bibliográ-fica, afirmam que a CV e o FEV1,0

aumentam progressivamente, a primeiraa partir da meia-noite e o segundo apartir das 06,00 horas.

Esse aumento significativo das provasde função pulmonar, em função do ritmocircadiano, nos trabalhadores do grupoexposto conduz a uma indagação impor-tante: porque tal alteração não foi obser-vada nos trabalhadores das fábricas Ae C? Poder-se-ia, portanto, supor que anão existência do aumento significativode tais parâmetros já representa umaalteração, por mínima que seja, da fun-ção pulmonar; assim, tais trabalhadores,expostos a concentrações não muito ele-vadas de poeira de algodão, não apresen-tam redução significativa da sua funçãopulmonar; esta, porém, já estaria sofren-do a influência da poeira em suspensãonos ambientes de trabalho e, dessaforma, não consegue melhorar em fun-

ção do ritmo circadiano, como seria dese esperar.

C O N C L U S Õ E S

Da pesquisa levada a cabo as seguintesconclusões podem ser tiradas.

1. A exposição à poeira de algodão pro-voca em trabalhadores brasileiros amesma sintomatologia e as mesmasalterações funcionais pulmonares jáobservadas por vários autores emdiversos países do mundo.

2. Parece haver correlação direta entrequantidade de poeira e o apareci-mento da sintomatologia caracterís-tica da bissinose e as alterações dafunção pulmonar.

3. O VEM1,0 , a CVF e o FEM parecem

ser os parâmetros respiratóriosmais sensíveis à influência da ina-lação da poeira de algodão.

4. Mesmo nos trabalhadores em quenão é observada redução significativada função pulmonar, a não melhoriadesta no decorrer do dia de traba-lho, como ocorre em indivíduos nãoexpostos à poeira de algodão, podeconstituir um sinal precoce de alte-ração funcional pulmonar, aindanão descrito na literatura mundial.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. A. Bouhuys, pelas nume-rosas sugestões apresentadas à sistemá-tica do trabalho; ao Sr. J. Lynch pelaorientação no uso do elutriador vertical;ao Dr. Joaquim Augusto Junqueira, pelaproposição do trabalho; aos Srs. E. Ge-raisate e M. Siamenghi Filho pelo tra-balho na coleta de amostras de poeirae no preenchimento de questionários erealização de provas de função pulmo-nar; à Sra. Cleide B. Pezza pela pesagemde filtros e de trabalhos de laboratório;

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ao Dr. René Mendes pelo auxílio pres-tado na elaboração das tabelas; aosSrs. J. I. Franco, R. Fiurini e F. D.

de Lima pelos trabalhos de computaçãode dados; e à Dra. Eunice Pinho pelaorientação da realização da amostragem.

RSPU-B/176

NOGUEIRA, D. P. et al. — [Byssinosis in the County of S. Paulo, Brazil].Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 251-72, 1973.

SUMMARY: Workers of three cotton spinneries, with different amountsof cotton dust in the athmosphere of work places, were studied accordingto the epidemiological method of study proposed by Schilling, as comparedwith 135 workers not exposed to cotton dust. Through the answers to theinternational questionnaire on lung diseases, it was disclosed that workersfrom mills with highest concentration of cotton dust in the air presentedsymptoms characteristic of byssinosis; on the other hand, lung functiontests performed on mondays immediately after the period of work showedimpairment of lung function when compared with tests performedimmediately before starting work. As in the control group lung functiontests actually became better after the period of work, it is supposed thatthe non-existence of changes in lung function after work in mills the amountof cotton dust in the air was low-may be an indication of an earlyimpairment of lung function due to the inhalation of cotton dust.

UNITERMS: Dust *; Pneumoconiosis *; Respiratory tract infections *.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11. TUYPENS, E. — Byssinosis among cottonworkers in Belgium. Brit. J.industr. Med., 18:117-9, 1961.

Recebido para publicação em 22-6-1973

Aprovado para publicação em 10-7-1973

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