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Blaise Pascal 1 - Introdução: Notável na luta pela razão que se resume o século XVII, não pode ser confundidos com os metafísicos escolásticos, muitos menos, com os que defendiam instituições e crenças; opositores da razão e do peso da autoridade tradição. O filósofo aceita o domínio da razão na ciência e reconhece que tal racionalismo pode atingir: religião e moral. O primeiro ponto buscado é a compreensão do homem e neste campo a visão da razão é limitada. Não podemos colocá-lo e linhagem cartesiana no sentido de ter aceitado os resultados da filosofia cartesiana. Podemos considerá-lo cartesio no sentido do ambiente intelectual em que emergiu. 2 - Vida e obras: Nosso filósofo nasceu em Clermont (N:19/06/1623; M:19/08/1662). Na sua biografia escrita pela irmã Gilberte Périer, nos diz: “Tão logo alcançou a idade da razão, deu sinais de extraordinária inteligência, seja nas pequenas respostas dadas a propósito de diversas coisas, seja com certas perguntas sobre a natureza das coisas que surpreendia a todos. É nessa aurora de belas esperanças nunca foi desmentida. Com efeito com o passar dos anos, crescia nele a força do raciocínio, de forma que era muito superior à capacidade de sua idade”. A educação do jovem foi paterna. Etienne Pascal, pai de Pascal, deixa Clermont em 1631 e vai para Paris a fim de cuidar da educação dos filhos. Em épocas parienses Pascal descobre sozinho a geometria deixando La Pailleur (matemático e amigo) impressionado, que o introduz no cenário científico (Padre Marin de Mersenne – local freqüentado por físicos e matemáticos). O cenáculo reunia-se uma vez por semana, ouvia

Blaise Pascal

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Blaise Pascal1 - Introdução:

Notável na luta pela razão que se resume o século XVII, não pode ser confundidos com os metafísicos escolásticos, muitos menos, com os que defendiam instituições e crenças; opositores da razão e do peso da autoridade tradição. O filósofo aceita o domínio da razão na ciência e reconhece que tal racionalismo pode atingir: religião e moral. O primeiro ponto buscado é a compreensão do homem e neste campo a visão da razão é limitada. Não podemos colocá-lo e linhagem cartesiana no sentido de ter aceitado os resultados da filosofia cartesiana. Podemos considerá-lo cartesio no sentido do ambiente intelectual em que emergiu.

2 - Vida e obras:Nosso filósofo nasceu em Clermont (N:19/06/1623; M:19/08/1662). Na sua biografia

escrita pela irmã Gilberte Périer, nos diz: “Tão logo alcançou a idade da razão, deu sinais de extraordinária inteligência, seja nas pequenas respostas dadas a propósito de diversas coisas, seja com certas perguntas sobre a natureza das coisas que surpreendia a todos. É nessa aurora de belas esperanças nunca foi desmentida. Com efeito com o passar dos anos, crescia nele a força do raciocínio, de forma que era muito superior à capacidade de sua idade”.

A educação do jovem foi paterna. Etienne Pascal, pai de Pascal, deixa Clermont em 1631 e vai para Paris a fim de cuidar da educação dos filhos. Em épocas parienses Pascal descobre sozinho a geometria deixando La Pailleur (matemático e amigo) impressionado, que o introduz no cenário científico (Padre Marin de Mersenne – local freqüentado por físicos e matemáticos). O cenáculo reunia-se uma vez por semana, ouvia alguns sócios ou comunicações científicas de cientistas correspondentes como Descartes, Galileu, etc.

O princípio do cenáculo de Padre Mersenne (mais tarde Academia de Paris) inspira a ortodoxia de maneira autônoma, fundada na pesquisa científico-experimental.

O jovem, ao analisar documentos vindos da Alemanha detectava com muita perspicácia os defeitos que outrora passava desapercebido, conforme nos relata sua irmã.

Em 1639 publicou o Tratado sobre os cônicos. Dois anos após inventou a máquina aritmética de método infalível em qualquer operação. Revolucionou, pois transpôs um mecanismo puramente mental a experimentalidade. A invenção ajudou o assoberbado pai, que trabalhava em Ruão (comissário de Sua Majestade na Alta Normandia – coletor de impostos). Levou dois anos para montar a máquina. Em 1645 solicitou a patente da máquina, que só recebeu em 1652. Continuou a aperfeiçoar sua invenção e hoje a patente está reservada ao Conservatório Nacional das Artes e Ofícios de Paris. Em 1643 realizou outra experiência: “experiência de vácuo”. Tal experiência só pode acontecer apartir de Torricelli. Pascal sentiu a celebridade proporcionada pela sua experiência. Seu cunhado demonstrou a pressão do ar sobre a coluna de mercúrio, no barômetro torenciliano. Em 1651 escreveu o Tratado do Vácuo, no chegou aos dias de hoje somente alguns fragmentos.

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2 - A primeira e a segunda conversão:Em 1651 falece seu pai, sendo que, um ano depois, em janeiro de 1652 sua irmã recebe

o véu no austero Mosteiro de Port-Royal des Champ onde faleceu com trinta e seis anos de serviço.

Atacado por várias doenças, inclusive cefaléia, Pascal foi aconselhado a renunciar a atividade intelectual. E então voltou ao mundo. Em 14 de janeiro viajou para o pequeno povoado de Luxemburgo a convite da duquesa D’ Aiguillon (sobrinha de Richellieu); a eles apresentou sua calculadora. Freqüentou salões, ligou-se a cavaleiros mundanos. Junto a cavaleiros viajou a lazer para Poeteau. Em constante dialogo com Jacqueline foi convencido por sua irmã a deixar o mundo.

Assim após o período “mundano”, deu-se a “segunda conversão” que é atestada pelo Memorial. Mas antes de passar a este Memorial é importante acenar por que, ou as condições que o levou a tal. Em 1646 seu pai caiu e fraturou a perna e permaneceu em casa de Pascal. Os médicos logo notaram o espírito familiar que entre eles existia. O pai notara no filho Pascal, tanto talento jogado a infutilidade das ciências humanas, o pai une-se a outro filho, afim de induzi-lo a leitura de livros de sólida piedade. Pascal sentiu em profundidade o bem e o abraçou. Após a sua decisão, toda a família voltou-se para Deus. Conheceu o santo cura (o Doutor Guillebert, cura de Ronville, amigo de Saint Cyran) que havia atraído duas almas para Deus e com ela toda a família. Essa foi chamada primeira conversão.

A segunda conversão realizou-se em 1654, quando decidiu deixar o mundo. Neste ano publicou o Tratado sobre o Equilíbrio dos Líquidos, o Tratado sobre o peso da massa de ar e o Tratado do Triângulo Aritmético, além de relacionar com Fermat sobre questões de cálculos e probabilidades. Sintia profunda amargura pelo mundo e desabafava com Jaqueline. Após iluminação divina e religiosa escreveu o Memorial que o carregou junto do corpo: “Pai justo o mundo não te conheceu, mas eu te conheci”.

3 - Pascal em Port-RoyalEm 1655, a procura do caminho de Pascal por De Saci a pedido de Jacqueline. Pascal

surpreende pela mente elevada que a todos arrebatava. Em Epicteto e Ensaios de Montaigne, Pascal reflete a grandeza da natureza do homem e não o estado de miséria e corrupção na natureza humana, ao passo que Montaigne só viu miséria. O serviço de Pascal é forçar os cegos a enxergarem que a grandeza está dentro e não exteriormente (fuga da dor, erro fuga de Deus).

Em conflitos promovidos por posturas jansenistas, ele sai em defesa dos mesmos sob o pseudônimo de Montalto, ao tempo que começa a escrever as Provinciais em 1656. Em janeiro de 1656 é enviada a primeira carta a um provincial no tocante as disputas de terras na Sorbonne, seguida de dezessete outras. As Provinciais foram condenadas pela Congregação

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do Index. O trabalho nas províncias prosseguia num grande projeto apologético do cristianismo. A obra Apologia do Cristianismo nunca se conheceu, o que existe são fragmentos organizados nos Pensamentos publicados em 1669.

Por ocasião de seus últimos dias de vida demonstrou profundo fervor, sendo que antes de morrer, quis confessar e comungar. Após a benção do sacerdote exclamou: “Que o Senhor nunca me abandone". Deixou de viver à uma hora de 19 de agosto de 1662.

4 - As Provinciais “As cartas provinciais de Pascal constituem uma obra- prima de profundidade,

humorismo representando um dos primeiros movimentos literários da língua francesa” (N. Abbagnano).

Os jesuítas atacam Arnald (líder de Port-Royal após a morte de Saint-Cyran) e Pascal abraça a luta contra os jesuítas. O objetivo dos jesuítas é fazer envolver a opinião pública passando por heréticos os Messieurs e as religiosas de Port-Royal, no incentivo à dispersão e o fechamento por eles proposto.

Mais do que outros Pascal defendeu a Doutrina jansenista contra as autoridades da Igreja e nela inspirou até as últimas conseqüências.

Nas três primeiras, Pascal sustenta que os debates eram mais “disputas de teólogos do que teologia” e que os mesmos não zelavam pelo religioso mas pelo destronamento de Arnald.

Depois das três primeiras cartas (debates teológicos-dogmaticos) Pascal atacou problemas da teologia moral contra os jesuítas, pregadores de um laxismo casuísta.

As duas cartas pós-condenação (condenada pela Bula Ad Sacram Beati Petri Sedem-06 de outubro de 1656) tratam da graça divina. Assim entende Pascal um Augustinus. Trata-se da discordância entre jansenismo e jesuítas a respeito da graça. Pascal discorda da doutrina da salvação pela boa vontade.

A concepção pascalina remete a um muito além da salvação pela pratica trabalhosa, cômoda dos sacramentos. Junto a Agostinho, Pascal afirma que nossas ações devem ao nosso livre-arbítrio. Em resumo Deus faz querer aquilo que não poderia não querer. Desse modo perpassa toda a tradição da Igreja e assim Pascal afirma a ortodoxia da posição de Arnald e de Port-Royal. Não podemos deixar de citar “o milagre” que encorajou Pascal na luta contra os adversários (Apologia do Cristianismo) conforme relata Racine: uma educanda de 10 ou 11 anos no convento sofria de úlcera lacrimal há três anos e meio. Iniciada no olho esquerdo, fez uma devassa internamente, indo das narinas a garganta, perfurando nariz e o plato. Viva em Paris o senhor De la Portterie, nobre e piedoso, que havia reunido com grande amor diversas relíquias, inclusive um espinho da coroa do Nosso Senhor. Recebido o espinho pelas monjas em 24 de março de 1656 colocaram no interior do coro, sob a espécie de altar, diante de uma grade. Ao término das vésperas, todas beijavam a relíquia. Quando a mestra viu a menina,

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encheu-se de compaixão e disse: ‘roga a Deus, minha filha e procure fazer com que seu olho doente toque o espinho’. ‘A menina fez o que havia sido dito. Terminada a cerimônia retirou-se para os seus aposentos com as demais. Disse a educanda a sua companheira: minha irmã não tenho mais nada: o santo espinho me curou’”.

As provinciais excedem às contingências históricas e as vicissitudes, polêmicas que a ela está ligada em sua gênese. Elas se identificam com segurança os perigos inerentes à excessiva benignidade (espírito casuístico ou por preocupação de política eclesiástica). Em suma as Provinciais contribuíram para a dissolução do legalismo ético, fundado na consciência moral que representa uma das maiores conquistas da filosofia moderna.

5 - A demarcação entre saber cientifico e fé religiosa No fragmento do Tratado sobre o vácuo,traça as ciências empíricas e teologia com

seus respectivos caracteres, métodos, discursos e assim por diante. Pela autoridade da pesquisa científica, Pascal ataca o valor que cada uma presta a pontos diferentes da pesquisa. O dar valor unicamente a autoridade dos antigos livros é sem dúvida, um erro, defeito.

Sua pretensão não é minar seu fundamento para colocar outro no lugar, mas mostrar os recurso ao texto: “quando se trata de dizer qual foi o primeiro rei da França ... só a autoridade pode nos iluminar”. E diz: “Essa autoridade tem sua principal forca na teologia...”. “A realidade é que os princípios da fé estão acima da natureza da razão”. Na teologia, a referência ao texto em que estão contidas as verdades de fé reveladas é legitimo e necessário. Assim que a geometria, a aritmética,a música, a física, a medicina, a arquitetura, portanto todas as vezes que as ciências dependentes do experimento e do raciocínio evoluírem suas verdades não alteram as verdades reveladas. As verdades teleológicas e as verdades que obtemos através do raciocínio são diferentes: as primeiras, eternas; as segundas, progressivas.

É preciso encorajar os nada produzem, nem na física, tampouco na teologia. É preciso deixar intactas as verdades reveladas e fazer progredir continuamente as verdades humanas.

6 - A razão científica entre tradição e progressoNão aceitar novas verdades no âmbito da razão seria irracionalismo, paralisia do

progresso. Vê a contribuição dos antigos na construção de novas verdades. Torna importante tratá-los com reserva. A realidade que se diz oculta e pela experiência se desvela é uma multiplicação contínua, e ignorá-las é tratar a razão do homem com desdém. O que Pascal coloca é que tal prosseguimento leva tanto o homem quanto o universo envelheceriam numa aprendizagem contínua, sabe mais.

Em essência, a maturidade ou a velhice daquele “homem universal” deve ser buscada não nos tempos antigos, mas sim em nossos tempos, nossos dias. Assim a história passada não deve ser ridicularizada, e sim respeitada para apartir da tradição afirmar o contrário.

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7 - O ideal do saber científico e as regras para construir argumentações convincentes

O saber científico, portanto, é autônomo e diverso das verdades da fé: estas, entre outras coisas, são imutáveis, ao passo que as verdades científicas estão e devem estar em expansão.

A fé é diferente da demonstração, pois uma é humana e a outra é um dom de Deus. O que é preciso fazer para que nossos argumentos sejam convincentes ? Pascal a responde dizendo que nossa afirmação só será convincente sob a condição de respeitarmos o método da geometria. É verdade que um método limitado por certo, mas que no entanto é possível da prática , constitutiva de duas coisas principais: uma seria nunca usar um termo previamente explicado. A outra seria de modo algum enunciar qualquer preposição que não seja verdades já comprovadas. Em suma isso significa definir todos os temos e provar todas as proposições. Belo seria, mas é impossível, pois levaria o homem a palavras, conceitos sem precedentes. Isso mostra a impotência humana. Sendo a geometria falha e limitada supõe que as verdades da luz é que realmente sejam claras e sustentáveis pela natureza.

Portanto trata-se de fazer com que nossas demonstrações tenham como premissas verdadeiras e convincentes para todos. Existem verdades que estão ao nosso alcance e pelo método ideal que se divide em três partes alcançaremos a persuasão. São as partes:

1- definir por meio de definições claras, os termos dos quais demos nos servir;

2- propor princípios ou axiomas evidentes como fundamento da prova;

3- na demonstração, sempre substituir mentalmente os termos definidos pelas definições;

Na opinião de Pascal, essas três partes são explicitadas por um conjunto de regras que, respectivamente dizem respeito às definições, aos axiomas e as demons-trações. E as regras gerais são: regras necessárias para as definições; regras necessárias para os axiomas; regras necessárias para as demonstrações.

8 - Espirit de géometrie e espirit de finesseA argumentação é convincente se, de premissas evidentes em si mesmas, se deduzem

corretamente as conseqüências. Faz-se vigilância e perspicácia para não ser pego pela paixão , desejos e esta condição está no intuir . Nele reside aquele espirit de finesse que permite captar a riqueza e a profundidade da vida e que seria o peso maior peso em relação ao espirit géometrie.

O espirit géometrie conforme relata os Pensamentos é relativo a princípios que por assim dizer “são palpáveis”. Alem dos objetos claros e tangíveis da geometria também descobre as coisas do sentimento, de finesse, cujo conhecimento não é ensinado mas, experimentado.

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Portanto só podemos produzir argumentações convincentes apartir de premissas certas. Com efeito o homem é propenso ao erro enganando-se a si na refutação da verdade e convivendo com o erro. Esses dois princípios: verdades de razão e os sentidos não só carecem de sinceridade mas enganam mutuamente. O sentido engana a razão com a falsa aparência. O mesmo engano que os sentidos armaram para a razão por seu turno a razão se vingou. Produziu na alma falsa impressão.

A razão não é um dado de fato, é mais um imperativo.

9 - Grandeza e miséria da condição humana“O homem, evidentemente é feito de pensar ...”. É o pensamento que faz do homem,

um ser diferente de todos os outros seres criados. Cuidemos portanto de pensar bem: é um princípio da moral.

Sua grandeza pode ser deduzida até mesmo da sua miséria. Uma árvore não sabe que é miserável. E deixemos a razão científica e nos colocamos lucidamente diante de nossos comportamentos morais e então a miséria humana aparecerá em toda a sua evidência. A vaidade está arraigada no coração do homem. Não só a vaidade mas também o orgulho. Pascal volta-se para miséria ontológica de condição humana. Devemos nos dar conta de nossas possibilidades: nos somos alguma coisa, mas não somos tudo; o tanto de ser que somos impede o conhecimento dos princípios que saem do nada e nos ofusca a visão do infinito.

A condição humana leva a uma instabilidade e incerteza, “não é anjo nem fera”. A grandeza do homem significa conhecer-se como miserável e o reconhecimento prova sua grandeza , portanto a grandeza e sua miséria estão intimamente ligadas. O realismo trágico de Pascal coloca o homem plasmado de grandeza e miséria e sozinho só consegue compreender que é um monstro incompreensível , não conseguirá criar valores, e nem encontrar sentido estável e verdadeiro da sua existência.

10 - O divertissement O homem é portanto uma criatura constitutivamente miserável. A diversão é uma

fuga diante da divisão lúcida e consciente da miséria humana. É perturbação. A diversão nos distrai, fazendo-nos chegar inadvertidamente à morte. Os homens são invadidos por preocupações desde cedo , toda a manhã. Vive amedrontado de ficar só consigo mesmo de para a sua própria miséria.

A realidade, portanto, é que somos nos míseros e infelizes. E isso pode ser provado pela afirmação de que, “se nosso estado fosse verdadeiramente feliz não seria preciso distrair o nosso pensamento para nos tornarmos felizes”.

Mas é precisamente isso o que fazemos:mergulhamos na distração e na diversão para não ficarmos frente a frente com o nosso “eu” e a nossa miséria.

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“O homem não quer ficar sós e a razão disso consiste na infelicidade natural da nossa condição fraca, mortal e tão miserável que nada pode nos consolar quando consideramos seriamente”. Desse modo, se explica por que os homens procuram tanto o jogo,a conversa das mulheres, a guerra e os grandes cargos.

A diversão é uma fuga de nós mesmos. Ela não é uma alternativa digna do homem. Se o homem lança-se à confusão e deixa-se perturbar, está renunciando precisamente à sua dignidade, além de renunciar aquelas verdades as quais só o pensamento pode nos levar. É o pensamento que leva à verdade essencial: o homem é constitutivamente indigente e mísero. Pascal a partir da miserabilidade do homem construirá sua apologia.

11 – A impotência da razão para fundamentar os valores e provar a existência de Deus

A razão é limitada; a vontade humana é corrupta; o homem se descobre essencialmente indigente e miserável; tenta fugir desse estado mergulhando na confusão dos divertimentos; mas a diversão revela-se uma miséria ainda maior, pois obstaculiza o caminho da redenção para o homem. E a salvação não é fruto da ciência nem da filosofia. “Submissão e reto uso da razão: nisso consiste o verdadeiro cristianismo”.

“A razão humana na conhece e não sabe avaliar a justiça, por si só ela não pode muito menos chegar a Deus”. “Por isso, rir-se da filosofia significa filosofar verdadeiramente”. “O coração – e não a razão – é que sente Deus”. E isto é a fé: Deus sensível ao coração e não a razão. “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

“Somente Deus é a nossa verdadeira meta. A fé cristã nos ensina dois princípios: a corrupção da natureza humana e a obra redentora de Jesus Cristo”.

12 – “Sem Jesus Cristo, não sabemos o que é a nossa vida, a nossa morte, Deus e nós mesmos”.

Portanto, não há nenhuma contraposição entre a fé cristã e a natureza humana. A fé ensina “que há um Deus do qual os homens são capazes e que há uma corrupção da natureza que os torna indignos Dele”. Mas é preciso repetir que nós não conhecemos Deus através da ciência e da filosofia: Deus não se demonstra com a razão.

Para Pascal a realidade é que nós só conhecemos Deus por meio de Jesus Cristo. Sem isso a Escritura, sem o pecado original e sem mediador necessário, prometido e chegado, não se pode absolutamente provar a existência de Deus. Jesus portanto é o verdadeiro Deus dos homens.

13 – Contra o “deísmo” e contra um “Descartes inútil e incerto”

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Não são provas dos filósofos que provam Deus. Sendo assim Pascal é contrário ao Deus “dos filósofos e dos sábios”, é adversário de um deísmo e não perdoa Descartes por ter transformado Deus em engenheiro que, depois de ter projetado o mundo, foi descansar. O deísmo consiste na afirmação que há um Deus grande, poderoso e eterno.

O pecado de Descartes foi usar Deus quando na verdade gostaria de tê-lo deixado de lado. Deus foi usado por Descartes como um peteleco para por o mundo em movimento. Incerto: porque sua filosofia, verdadeira romance da natureza, semelhante à história de Dom Quixote, não se baseia em fatos mas invenções. Inútil: porque, ao invés de nos conduzir à única coisa necessário perde-se em vãs especulações. A fé é dom de Deus e por meio dela a existência de Deus se revela e não pela descoberta da razão.

14 – Por que apostar em DeusUma coisa é certa Deus existe ou não existe. Mas para que lado iremos? A que a razão

não pode determinar nada. Em qual das duas irei apostar? Vamos pensar o ganho e a perda, no caso da aposta da existência de Deus. Vejamos dois casos: vencendo ganho tudo, perdendo, não perderei nada. Apostarei sem hesitar que ele existe.

É preciso escolher. É racional escolher Deus, já que, escolhendo-se Deus, pode-se vencer tudo e não perder nada.