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Sydney Sage é uma alquimista, uma de um grupo de humanos que mexe com magia e serve de ponte entre os mundos dos seres humanos e vampiros. Eles protegem os segredos de vampiros – e vidas humanas. Sydney adoraria ir para a faculdade, mas em vez disso, ela foi enviada para se esconder em um colégio interno chique em Palm Springs, Califórnia, encarregada de proteger a princesa Moroi Jill Dragomir de assassinos que querem jogar a corte Moroi dentro de uma guerra civil. Anteriormente em desgraça, Sydney é agora elogiada por sua lealdade e obediência, e consagrou-se como o modelo de um alquimista exemplar. Mas quanto mais ela se aproxima de Jill, Eddie, e, especialmente, Adrian, mais ela se encontra questionando suas antigas crenças alquimistas, a sua ideia de família, e o sentido do que significa verdadeiramente pertencer. Seu mundo se torna ainda mais complicado quando experimentos mágicos mostram que Sydney pode ter a chave para se evitar transformar em Strigoi – os mais ferozes vampiros, os que não morrem. Mas é o medo dela de ser apenas isso – especial, mágica, poderosa, que a assusta mais do que qualquer coisa. Igualmente assustador é o seu novo romance com Brayden, um cara bonito, inteligente, que parece ser seu par em todos os sentidos. No entanto, tão perfeito quanto parece, Sydney vê-se atraída por mais alguém, alguém proibido para ela. Quando um segredo chocante ameaça destruir o mundo dos vampiros, as lealdades de Sydney de repente são testadas mais do que nunca. Ela se pergunta como deveria encontrar um equilíbrio entre os princípios e dogmas que lhes foram ensinados, e o que seus instintos estão dizendo a ela agora. Ela deve confiar nos Alquimistas – ou em seu coração?
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AMAIORIA DAS PESSOASTERIAMEDO de ser levada a um abrigo subterrâneonumanoitedetempestade.Masnãoeu.Tudoqueeupudesse explicar edefinirdemaneiraobjetivanãome intimidava.Por
isso,enquantodesciacadavezmaisabaixodoníveldarua,ficavaenumerandofatosparamimmesma em silêncio.O abrigo era uma relíquia daGuerra Fria, construído paraservirdeproteçãonumtempoemqueaspessoas acreditavamqueosmísseisnuclearesestavam por toda parte. Na superfície, o prédio parecia abrigar uma loja deequipamentos ópticos. Mas era só uma fachada. Nada assustador. A tempestade?Simplesmente o fenômenonatural da colisão de frentes atmosféricas. E, sério, se vocêestácommedodesemachucarnumatempestade,então irparao subsolonãodeixadeserumaboaideia.Portanto,não.Aquela jornadaaparentementeameaçadoranãomeaterrorizavanem
um pouco.Tudo se apoiava na lógica e em fatos racionais. Eu conseguia lidar comaquilo.Eracomorestodomeutrabalhoqueeutinhaproblemas.Sinceramente, talvez fosse por isso que excursões subterrâneas em noites de
tempestade nãome atormentavam.Quando se passa amaior parte do tempo vivendoentre vampiros e meio-vampiros, transportando-os para que consigam sangue, eocultando a existência deles do resto do mundo… bem, isso meio que dá umaperspectivadiferentedavida.Jáhaviapresenciadobatalhassangrentasentrevampirosevisto proezasmágicas que desafiavam todas as leis da física que eu conhecia.Aminhavida era uma luta constante para reprimir meu medo do inexplicável e tentar,desesperadamente,encontrarumamaneiradeexplicá-lo.—Cuidado por onde pisa—meu guia disse, conforme descíamos outro lance da
escada de concreto.Tudo que eu tinha visto até então era de concreto: as paredes, opiso, o teto.A superfície cinzenta e áspera absorvia a luz fluorescente que tentavailuminar o caminho.Tudo era frio, melancólico e de um silêncio sinistro. O guia
pareceuadivinharmeuspensamentos.—Fizemosalgumasmodificaçõeseampliaçõesnaconstruçãooriginal.Vocêvaiverquandochegarmosàáreaprincipal.Dito e feito.As escadas finalmente acabaram em um corredor com várias portas
fechadas dos dois lados. O revestimento ainda era de concreto, mas as portas erammodernas, com fechaduras eletrônicas exibindo luzes verdes ou vermelhas. Ele meacompanhou até a segunda porta à direita, que tinha luz verde, e entrei num saguãoperfeitamente normal, como a sala de espera de qualquer escritório moderno. Umcarpeteverdecobriaochão,numatentativanostálgicade imitaragrama,easparedesemumtommarrom-clarodavamailusãodecalor.Umsofáconfortáveleduascadeirasficavamdooutro ladoda sala, junto aumamesaentulhadade revistas.Eomelhordetudo:asalatinhaumbalcãocomumapia—eumacafeteira.—Fiqueàvontade—oguiadisse.Achava que ele tinha mais ou menos a minha idade, dezoito anos, mas a barba
irregularqueeletentavadeixarcrescerofaziaparecermaisjovem.—Logovirãobuscá-la.Eunãotiravaosolhosdacafeteira.—Possofazercafé?—Claro—elerespondeu.—Oquevocêquiser.Ele saiu e eu praticamente corri até o balcão.O café era pré-moído e parecia que
também estava lá desde a Guerra Fria. Mas o que importava era que tivesse cafeína.DepoisdovoonoturnoquemetrouxeradaCalifórnia,aindamesentiasonolentaecomavisãoembaçada,apesardeterusadopartedodiaparamerecuperar.Ligueiacafeteiraeperambuleipela sala.As revistas estavamespalhadas ao acaso,e trateide arrumá-lasempilhasalinhadas.Nãosuportavabagunça.Senteinosofáe,enquantoesperavaocaféficarpronto,volteiameperguntarsobreo
quepoderiaseraquelareunião.HaviapassadoatardealinaVirgíniarelatandoaalgunsfuncionários alquimistas emque pé estavaminhamissão atual. Eu estavamorando emPalm Springs, fingindo cursar o último ano num internato particular, para cuidar dasegurança de Jill Mastrano Dragomir, uma princesa vampira obrigada a se esconder.Mantê-la viva significavamanter seu povo livre de uma guerra civil, conflito que semdúvidarevelariaaoshumanosomundosobrenaturalqueseescondia soba superfíciedavida moderna. Era uma missão importantíssima para os alquimistas, então era de seesperarquequisessemficarpordentrodetudo.Oquemesurpreendiaeraofatodenãoteremfeitoissoapenasportelefone.Nãoconseguiadescobrirqueoutromotivopoderiatermelevadoàquelelugar.Ocaféficoupronto.Haviaprogramadoacafeteiraparafazeroequivalenteaapenas
três xícaras, o que eu considerava suficiente para aguentar a noite. Quando acabei deencher o copinho de isopor, a porta se abriu. Quase derrubei o café quando vi quementrava.— Sr. Darnell— eu disse, devolvendo a jarra à base da cafeteira; minhas mãos
tremiam.—É…éumprazerverosenhordenovo.
—O prazer é meu, Sydney— respondeu, forçando um sorriso tenso. —Vocêcresceumuito.—Obrigada,senhor—respondi,semsaberaocertosetinhasidoumelogio.TomDarnell tinhaamesma idadedomeupai,e seucabelocastanhoseentremeava
defiosprateados.Orostodeleexibiamaisrugasdoquenaúltimavezqueovira,eseusolhos azuis demonstravam uma apreensão que eu não costumava associar à sua figura.TomDarnell era um funcionário do alto escalão dos alquimistas e havia alcançado seucargo comaçõesdecisivas eumaéticaprofissional inabalável.Quandoeu erapequena,elemepareciagrandioso,terrivelmenteconfianteeimponente.Agoradavaaimpressãodeestarcommedodemim,oquenão faziaomenor sentido.Elenãoestavazangado?Afinal,eueraaresponsávelpelosalquimistasteremcapturadoeaprisionadoofilhodele.— Obrigado por ter vindo até aqui — acrescentou, passados alguns instantes de
silêncioconstrangedor.—Seiqueéumalongaviagem,aindamaisnumfimdesemana.—Nãotemproblemanenhum,senhor—respondi,tentandoparecerconfiante.—
Ficofelizempoderajudarnoque…noquefornecessário.Euaindameperguntavaoqueexatamenteaquilopoderiaser.Elemeexaminouporalgunssegundoseassentiulevementecomacabeça.—Vocêémuitodedicada—eledisse.—Exatamentecomoseupai.Nãorespondi.Sabiaque aquilopretendiaserumelogio,sóqueeunãoencaravadesse
jeito.Tompigarreou.—Muitobem.Vamosacabarlogocomisso.Realmentenãoqueroincomodá-lamais
doqueonecessário.Voltei a sentir aquela energia nervosa e complacente. Por que ele estaria tão
preocupado com o que eu estava sentindo?Afinal, depois do que eu tinha feito comKeith,ofilhodele,euesperavaumacessodefúriaeacusações.Tomabriuaportaefezumgestoparaqueeusaísse.—Possolevarocafé?—Claro.Eleme acompanhou de volta ao corredor de concreto, na direção de outras portas
fechadas. Eu segurava meu café com força, como se fosse o cobertorzinho que eucarregava quando criança, e sentia muito mais medo do que quando havia entradonaquele lugar.Tomparouem frente aumadasportas com luzvermelha,mashesitouantesdeabri-la.—Queroquesaiba…queoquevocêfez foideumacoragemincrível—eledisse,
semmeolharnosolhos.—SeiquevocêeKeitheram…são…amigos,enãodevetersidofácilparavocêentregá-lo.Issomostraseucomprometimentocomotrabalho,algoquenemsempreéfácilquandosentimentospessoaisestãoenvolvidos.Keith e eu não éramos amigos, nem nunca tínhamos sido, mas acho que consegui
entenderoenganodeTom.Keithhaviamoradocomaminhafamíliaduranteumverãoe, mais tarde, trabalhamos juntos em Palm Springs. Entregá-lo por seus crimes não
havia sido nada difícil paramim.Na verdade, tinha sido um prazer.Mas, pelo olharangustiadonorostodeTom,eusabiaquenãopodiadizernadadessetipo.Engoliemseco.—Bem,nossotrabalhoéimportante,senhor.—Sim,semdúvida—respondeu,comumsorrisotriste.A porta tinha um teclado de segurança.Tom pressionou cerca de dez dígitos e a
fechadura soltouumestalido de aprovação.Ele abriu a porta e eu entrei atrás dele.Asala quase vazia eramal iluminada e outras três pessoas estavam ali. Inicialmente nãonotei o que mais havia na sala, mas logo percebi que os outros também eramalquimistas. Se não fossem, não haveria motivo para estarem ali. E, claro, todospossuíamossinaisqueeuidentificariamesmonumaruamovimentada.Trajessociaisdecores neutras. Tatuagens de lírios dourados reluzindo na bochecha esquerda. Era ouniforme que compartilhávamos. Éramos um exército secreto, espreitando sob assombrasdosoutroshumanos.Todosos trêsseguravampranchetaseolhavamparaumadasparedes.Foientãoque
notei a finalidade da sala. Uma janela na parede dava para outro espaço, bem maisiluminadoqueaquele.EKeithDarnellestavaalidentro.Ele disparou na direção do vidro que nos separava e começou a esmurrá-lo. Meu
coraçãoaceleroue,assustada,deiunspassosparatrás,certadequeelequeriameatacar.Demoreiumtempoparaentenderque,naverdade,elenãoconseguiamever.Relaxeiumpouco. Só umpouco.A janela era umespelho unidirecional.Asmãos dele faziampressãocontraovidro,eelelançavaolharesfrenéticosdeumladoparaooutro,paraosrostosquesabiaqueestavamlá,masnãoconseguiaver.—Porfavor—elegritava.—Medeixemsair!Porfavor,medeixemsairdaqui!Keith parecia mais magro do que na última vez em que o tinha visto. Seu cabelo
estava desgrenhado e parecia não ter sido cortado recentemente.Vestia um macacãoigualaodeprisioneirosoudoentesmentais,cujacorcinzamelembravadoconcretodocorredor.Oquemaismechamouatençãoforamopavoreodesesperoemseusolhos—oumelhor,emseuolho.Keithhaviaperdidoumdosolhosnumataquevampiroqueeu,secretamente,havia ajudado aorquestrar.Nenhumalquimista sabiadisso, assimcomonenhumdeles sabiaqueKeithhavia violentadoCarly,minha irmãmais velha.Duvidoque Tom Darnell teria elogiado minha “dedicação” se soubesse da minha vingançaparticular.VendooestadoemqueKeithseencontravanaquelemomento,mesentiumpoucomalporeleeespecialmentemalporTom,quecarregavaumaexpressãocheiadedor.Aindaassim,nãomesentiamalpeloquehavia feitocontraKeith.Nemaprisão,nemoolho.Resumindo,KeithDarnelleraumapessoaruim.—Você certamente reconheceKeith—disse uma alquimista comprancheta, cujo
cabelogrisalhoestavapresoemumcoquefirme.—Sim,senhora—respondi.Fui poupada de fazer qualquer outro comentário quandoKeith bateu no vidro com
suafúriarenovada.—Porfavor!Estoufalandosério!Oquevocêsquiserem!Façoqualquercoisa.Digo
qualquer coisa.Acreditoemqualquercoisa.Mas,por favor,nãomemandemdevoltaparalá!Tom e eu tivemos um sobressalto, mas os demais alquimistas apenas observaram
comumdistanciamentoclínicoe rabiscaramalgumasanotaçõesemsuaspranchetas.Amulherdecoquevoltouaolharparamimcomosenadativesseacontecido.— O jovem sr. Darnell tem passado o tempo em um de nossos centros de
reeducação.Umamedidalamentável,masnecessária.Otráficodebensilícitosfoisemdúvidaerrado,masacolaboraçãocomosvampiroséimperdoável.Aindaqueele aleguenãoternenhumarelaçãocomeles…bem,nósrealmentenãotemoscomocomprovar.Mesmo que ele esteja falando a verdade, ainda é possível que essa transgressão setransforme em alguma coisamaior, não apenas uma colaboração com osMoroi, mastambémcomosStrigoi.Oquetemosfeitoomantémlongedesseterrenoperigoso.— É realmente para o bem dele — disse outro alquimista com prancheta. —
Estamosfazendoumfavoraele.Uma sensação de terror tomou conta de mim. O objetivo dos alquimistas era
esconderdoshumanosaexistênciadosvampiros.Acreditávamosqueeleseramcriaturasabomináveis e não deveriam ter qualquer relação com humanos como nós. Nossapreocupação principal eram os Strigoi — vampiros assassinos perversos —, quepoderiamludibriarahumanidadeeescravizá-lacompromessasdeimortalidade.MesmoospacíficosMoroieseuscorrespondentessemi-humanos,osdampiros,eramvistoscomdesconfiança.Trabalhávamosmuito com estes dois últimos grupos e, apesar de teremnosensinadoa tratá-loscomdesprezo,era inevitávelquealgunsalquimistasnãoapenasseaproximassemdosMoroiedosdampiros…mastambémacabassemgostandodeles.O estranho era que, apesar do crimede vender sangue de vampiro,Keith era uma
das últimas pessoas que eu imaginaria tendo um relacionamento amigável com eles.Foram várias as vezes em que ele deixou sua aversão aos vampiros muito clara paramim.Naverdade,sealguémmereciaseracusadodesimpatizarcomvampiros……bem,essealguémeraeu.O outro alquimista, um homem com óculos escuros espelhados habilmente
penduradosnocolarinho,deusequênciaaodiscurso:—Você,srta.Sage,éumexemploexcepcionaldealguémcapazdetrabalharmuito
comeles e manter a objetividade. Sua dedicação não passou despercebida por nossossuperiores.—Obrigada, senhor— respondi pouco à vontade,me perguntando quantas vezes
teriadeouvirapalavra“dedicação”naquelanoite.Eraumagrandediferençaemrelaçãoaalgunsmesesantes,quandoentreinumaenrascadaporajudarumadampirafugitivaaescapar. Ela acabou sendo absolvida e meu envolvimento foi descartado e entendidocomo“ambiçãodecarreira”.—E—continuouosr.ÓculosEscuros—,considerandosuaexperiênciacomosr.
Darnell,pensamosqueseriaapessoaidealparanosdarumdepoimento.Voltei a prestar atenção em Keith. Ele esteve esmurrando e gritando quase
ininterruptamente por todo aquele tempo. Os demais tinham conseguido ignorá-lo,entãotenteifazeromesmo.—Umdepoimentosobreoquê?— Estamos considerando se devemos ou não levá-lo de volta à reeducação —
explicou a sra. Coque Grisalho. — Ele teve um progresso excelente lá, mas algunsachamqueémelhorpreveniraté termoscertezadequetodaequalquersimpatiapelosvampirostenhasidoerradicada.Se aquele comportamento de Keith era um “progresso excelente”, não conseguia
imaginarcomoseriaumprogressoruim.Osr.ÓculosEscurossegurouacanetaacimadaprancheta.— Com base no que você presenciou em Palm Springs, srta. Sage, qual é a sua
opiniãosobreoestadomentaldosr.Darnellnoqueconcerneaosvampiros?Ovínculoquevocêpresencioueragraveobastanteparajustificaroutrasmedidascautelares?Supusque“outrasmedidascautelares”significavammaisreeducação.Enquanto Keith continuava a bater com força no vidro, todos os olhos na sala se
voltaramparamim.Osalquimistascompranchetaspareciamatentosecuriosos.TomDarnell suava visivelmente, observando-me com medo e expectativa. Eracompreensível.Odestinodofilhodeleestavanasminhasmãos.Emoções conflitantes se contorciam dentro de mim enquanto eu observava Keith.
Não é que eu não gostasse dele — eu oodiava. E eu não odiava muita gente. Nãoconseguiaperdoá-lopeloque tinha feitocomCarly.Alémdisso, as lembrançasdoqueelefizeracontramimecontraoutraspessoasemPalmSpringsaindaestavamvívidasnaminhamemória.Ele haviamedifamado e tornadominha vida um infernopara tentaracobertarseuesquemadetráficodesangue.Alémdisso,tratavademaneiraabominávelos vampiros e dampiros de quem deveríamos cuidar. Essa atitudeme fazia questionarquemeramosverdadeirosmonstros.Não fazia ideiadoquerealmenteacontecianoscentrosdereeducação.A julgarpela
reaçãodeKeith,pareciaserbemterrível.Partedemimadorariadizeraosalquimistasqueeramelhormandá-lodevoltaporanosafioenuncamaisdeixá-loveraluzdosol.Oscrimesdelemereciamumapuniçãocruel—mas,apesardisso,eunãotinhacertezasemereciamaquelapuniçãoemparticular.—Acho…achoqueKeithDarnell éperverso—dissepor fim.—Eleéegoístae
imoral. Não se preocupa com os outros e prejudica as pessoas para favorecer a simesmo.Estádispostoamentir,manipulareroubarparaconseguiroquequer.Mas…—hesitei antesde continuar—não acreditoque ele tenhaperdido anoçãodoqueosvampirossão.Nãoachoquesejatãoíntimodelesouquepossasealiaraelesnofuturo.Ditoisso,tambémnãoachoquedevaserpermitidoqueelevolteaotrabalhoalquimistanum futuro próximo. Cabe a vocês decidir se isso significaria trancafiá-lo ou apenasdeixá-lo em liberdade assistida. Seuhistóricomostra que elenão levanossasmissões a
sério,masissoéporegoísmo.Nãoporumarelaçãoanormalcomeles.Ele…bem,parasersincera,ésóumapessoaruim.Recebiumsilêncioemresposta,acompanhadopeloescrevinharfrenéticodascanetas
enquanto os alquimistas faziam suas anotações. Ousei olhar na direção deTom, commedodoqueveriadepoisdeterfaladotãomaldofilhodele.Paraminhasurpresa,Tomparecia… aliviado. E agradecido. Na verdade, parecia prestes a chorar. Quando seusolhos encontraram os meus, ele murmurou um obrigado. Impressionante. Eu tinhaacabado de afirmar que Keith era um ser humano horrível em todos os aspectospossíveis.Masnadadaquiloimportavaparaopai,desdequeeunãoacusasseKeithdesealiaraosvampiros.EupoderiaterchamadoKeithdeassassinoeéprovávelquemesmoassimTomagradecesse,casosignificassequeKeithnãoeraíntimodemaisdoinimigo.Aquilome incomodouevolteiameperguntarquemeramosverdadeirosmonstros
naquelasituação.OgrupoquehaviadeixadoemPalmSpringseracemvezesmaisdignodoqueKeith.—Obrigada,srta.Sage—asra.CoqueGrisalhodisse,terminandosuasanotações.
—Vocêajudoumuito.Levaremosseudepoimentoemconsideraçãoquandotomarmosnossadecisão.Podeiragora.VocêencontraráZekenocorredor,esperandoparalevá-laembora.Foiumadispensaabrupta,maseraalgotípicodosalquimistas.Eficientes.Diretosao
ponto.Medespedi comumacenoeducadoedeiumaúltimaolhada emKeith antesdesair. Assim que fechei a porta atrás de mim, o corredor ficou num silênciomisericordioso.NãoconseguiamaisouvirKeith.Zeke,comodescobri,eraomesmoalquimistaquemeacompanhouquandocheguei.—Tudopronto?—perguntou.—Parecequesim—respondi,aindaumtantoatordoadapeloquehaviaacabadode
acontecer.AgoraeusabiaqueorelatórioanteriorsobreminhamissãoemPalmSpringsforaapenasumamaneiradeaproveitaraoportunidade.Jáqueeuestavanaregião,porquenãofazerumareuniãopessoalmente?Nãoeraalgoessencial.VerKeithtinhasidooverdadeiroobjetivoparaeucruzaropaís.Ao caminharmos de volta pelo corredor, uma coisa que eu não tinha notado antes
chamou minha atenção. Uma das portas tinha vários dispositivos de segurança, bemmaisdoqueasalaemqueeuestivera.Alémdas luzesedoteclado,havia tambémumleitordecartão.Acimadaporta,umfechoquesetravavaporfora.Nadaluxuoso,masestava claro que todo aquele aparato pretendia manter bem preso o que quer queestivesseatrásdaporta.Parei involuntariamente e examinei a porta por alguns segundos. Depois segui
andando, sabendo que era melhor não dizer nada. Bons alquimistas não faziamperguntas.Aonotarmeuolhar,Zekesedeteve.Olhouparamim,depoisparaaporta,eentão
devoltaparamim.—Você…quersaberoquetemaídentro?
Lançouumolharrápidoparaaportadeondeeutinhaacabadodesair.Estavaclaroqueele eradobaixo escalão e tinhamedode arrumarproblemas com seus superiores.Aomesmotempo,havianeleumaansiedadequesugeriaumentusiasmopelossegredosqueguardava,segredosquenãopodiarevelaràsoutraspessoas.Euseriaummeiosegurodedarvazãoaeles.—Dependedoquetemaí—respondi.—Éarazãodonossotrabalho—elerespondeu,misterioso.—Dêumaolhadaevai
entenderporquenossosobjetivossãotãoimportantes.Decidindo correr o risco, ele passou um cartão na leitora e digitou outro longo
código.A luz na porta ficou verde e ele abriu o fecho.Eu estava esperandooutra salamaliluminada,masaluzalidentroeratãointensaquetivequeprotegerosolhoscomamão.—Éum tipodebanhode luz—Zeke explicou, em tomdedesculpas.—Sabe as
lâmpadasbronzeadorasqueaspessoasusamemregiõesmuitonubladas?Éomesmotipode raio.Aesperançaéque faça comquepessoas como ele voltemaparecerumpoucomaishumanasou,pelomenos,deixemdeacharquesãoStrigoi.Aprincípio,minhavisãoestavaofuscadademaisparaentenderoqueelequeriadizer.
Até que vi uma cela do outro lado da sala vazia. Grandes barras demetal cobriam aentrada, trancada com outra leitora de cartões e outro teclado.Quando vi o homemdentrodela,mepareceuumexagero.Eleeramaisvelhodoqueeu—chutariaunsvinteepoucosanos—etinhaumaaparênciatãodesmazeladaquefaziaKeithparecerlimpoeasseado.Ohomemesqueléticoestavaencolhidoemumcanto,comosbraçoscobrindoosolhospara seprotegerda luz.Tinhaalgemasnasmãosenospés,eestavaclaroquenãoiriaalugarnenhum.Aoentrarmos,atreveu-seaolharparanós,revelandomaisdeseurosto.Sentiumcalafrio.Eleerahumano,massuaexpressãoeratãofriaeperversacomoa
de qualquer Strigoi que eu já tinha visto. Seus olhos cinzentos eram predadores. Sememoções,comoumassassinosemcompaixãoalgumapelaspessoas.—Trouxeojantar?—perguntoucomumavozroucaquesópodiaserforçada.—
Umalindagarotinha,hein.Preferiaquenãofossetãomagra,mastenhocertezadequeosanguedelaésuculentomesmoassim.—Liam—Zekedisse,comapaciênciaprestesaseesgotar—,vocêsabeondeestá
seujantar.Apontou para uma bandeja de comida intacta, que parecia estar fria havia muito
tempo.Nuggets,vagemeumbiscoito.—Elequasenão comenada—Zeke explicou.—Por isso está tãomagro. Insiste
emquererbebersangue.—Oque…oqueeleé?—perguntei,semconseguirtirarosolhosdeLiam.Eraumaperguntaboba,claro.Liameravisivelmentehumano,mas…algumacoisa
nelenãoestavacerta.— Uma alma corrompida que quer ser Strigoi — Zeke respondeu. —Alguns
guardiões o encontraram servindo àqueles monstros e o trouxeram até nós. Estamostentandoreabilitá-lo,massemsucesso.SóficarepetindoqueosStrigoisãograndiososeque vai voltar para eles umdia e se vingar de nós. Enquanto isso, tenta com todas asforçasfingirqueéumdeles.—Ah—Liamdisse, comum sorrisomalicioso—,eu serei umdeles.E eles vão
merecompensarporminhalealdadeemeusofrimento.Vãomedespertaremeconferirum poder muito maior do que vocês, mortais insignificantes, já ousaram sonhar.Vivereiparasempreevireiatrásdevocês,detodosvocês.Voumebanquetearcomseusangueesaborearatéaúltimagota.Vocês,alquimistas,mexemseuspauzinhoseachamquecontrolamtudo.Purailusão.Nãocontrolamnada.Nãosãonada.— Está vendo?— Zeke apontou, balançando a cabeça.— Patético. Mas é o que
poderiaacontecersenãofizéssemosnossotrabalho.Outroshumanospoderiamsetornarcomoele, vendendo a almaem trocadapromessa vaziade imortalidade—afirmouefez o sinal dos alquimistas contra omal, uma pequena cruz sobre o ombro, que, semperceber, imitei.—Não gosto de entrar aqui,mas, às vezes… às vezes é bom paralembrar por que tentamosmanter osMoroi e os demais nas sombras. E por que nãopodemosnosdeixarlevarporeles.Nofundo,eusabiaqueexistiaumadiferençagigantescanamaneiracomoosMoroie
os Strigoi interagiam com os humanos. Ainda assim, ali, diante de Liam, eu nãoconseguia encontrar argumentos para explicá-la. Eleme deixaramuda— e assustada.Napresençadaquelehomem,erafácilacreditaremtodasaspalavrasqueosalquimistasdiziam.Eracontraaquiloque lutávamos.Eraaquelepesadeloquenãopodíamosdeixaracontecer.Nãosabiaoquedizer,masZekenãopareciaesperarmuito.— Certo, vamos. — E, para Liam, acrescentou: — É melhor você comer essa
refeição aí, porquenão vai recebermais nada até amanhãdemanhã.Nãome importaqueestejafriaedura.— Por que devo me importar com alimentos humanos se logo mais beberei do
néctardosdeuses?—disse,estreitandoosolhos.—Sentireiseusangueaindaquentenosmeuslábios;oseueodagarotinhabonita.Entãocomeçouarir,umsommuitomaisperturbadordoqueosgritosdeKeith.AgargalhadacontinuouenquantoZekemelevavaparaforadasala.Quandofechoua
porta atrás de nós, fiquei paralisada no corredor, estarrecida. Zeke me olhavapreocupado.—Desculpe…Achoquenãodeveriatermostradoissoparavocê.Balanceiacabeçadevagar.—Não…vocêestavacerto.Ébomvermosisso.Paraentenderaimportânciadoque
estamosfazendo.Eusempresoube,mas…jamaisesperavaumacoisaassim.Tenteidesviarmeuspensamentosparaascoisasdodiaadiaetiraraquelehorrorda
cabeça.Volteiosolhosparao café.Não tinha sequer tocadonele, e acabara esfriando.Fizumacareta.
—Possopegarmaiscaféantesdeirmos?Precisavadealgumacoisanormal.Algumacoisahumana.—Claro.Zekemelevoudevoltaaosaguão.Ajarraqueeuhaviapreparadonacafeteiraainda
estavaquente.Jogueiocafédomeucopoforaemeserviumpoucomais.Enquantoisso,a porta se abriu de repente e por ela entrouTomDarnell, visivelmente abalado. Elepareceu surpresoaoperceberquea salanãoestavavaziaedesvioudenós, sentandonosofáecolocandoacabeçaentreasmãos.Zekeeeutrocamosolhareshesitantes.—Sr.Darnell—arrisquei—,osenhorestábem?Elenãorespondeuimediatamente.Manteveacabeçaentreasmãos;seucorpotremia
com soluçosmudos. Eu estava prestes a sair quando ele levantou os olhos paramim,emboraeutivesseasensaçãodeque,naverdade,elenãoestavamevendo.—Elesdecidiram—eledisse.—DecidiramoquevãofazercomKeith.—Já?—perguntei,surpresa.Zekeeeutínhamospassadoapenascincominutoscom
Liam.Tomassentiu,melancólico.—Vãomandá-lodevolta…paraareeducação.Nãopudeacreditar.—Mas eu…eudisse a eles!Disse que ele não estava se aliando aos vampiros. Ele
acredita…noquetodosnósacreditamos.Sófezalgumasescolhaserradas.— Eu sei. Mas eles disseram que não podemos correr o risco. Mesmo que Keith
pareça não se importar com os vampiros,mesmo que acredite que não se importa, ofatoéqueelefezumacordocomumdeles.Elestememqueadisposiçãodeleparaessetipo de parceria possa influenciá-lo de maneira inconsciente. É melhor resolver tudoagora.Elesdevem…devemestarcertos.Éparaobemdetodosnós.AimagemdeKeithbatendocontraovidroeimplorandoparanãovoltarpassoupela
minhacabeça.—Sintomuito,sr.Darnell.OolharperturbadodeTomsefocouumpoucoemmim.—Não sinta, Sydney.Você já fezmuito…muito por Keith. Graças ao que você
disseelesirãoreduzirapenanareeducação.Issosignificamuitoparamim.Obrigado.Senti um embrulho no estômago. Porminha culpa, Keith havia perdido um olho.
Porminhaculpa,tinhaidopararnareeducaçãopelaprimeiravez.Omesmosentimentovoltouatomarcontademim:elemereciasofrerdealgumaforma,masnãodaquela.—Eles tinhamrazãosobrevocê—Tomacrescentou,tentandosorrirsemsucesso.
—Vocêéumexemploexcepcional.Tãodedicada!Seupaideveestarmuitoorgulhoso.Nãoseicomoconsegueconvivercomaquelascriaturase,aindaassim,manteracabeçano lugar. Outros alquimistas poderiam aprender muito com você.Você entende overdadeirosignificadodaresponsabilidadeedodever.Desde que partira dePalm Springs, no dia anterior, vinha pensandomuito sobre o
grupoquedeixarapara trás—anão ser,éclaro,quandoosalquimistasmedistraíam
comosprisioneiros. Jill,Adrian,Eddie, e atémesmoAngeline…Pormais frustranteque às vezes fosse, eram pessoas que se tornaram próximas e com quem eu meimportava, no final das contas.Apesar de toda a correria por causa deles, sentia faltadaquelegrupoheterogêneodesdeosegundoquedeixeiaCalifórnia.Eumesentiavaziaquandoelesnãoestavamporperto.Aquela sensaçãomedeixava desnorteada. Será que eu estava confundindoos limites
entreamizadeedever?SeKeithficaraemmauslençóisporumapequenaassociaçãocomum vampiro, o que dizer demim? Será que algumde nós estava perto de ficar comoLiam?Aspalavras deZeke ecoaramnaminha cabeça:“Nãopodemosnosdeixar levarpor
eles”.E o que Tom acabara de dizer: “Você entende o verdadeiro significado da
responsabilidadeedodever”.Elemeolhavacomexpectativa;conseguiesboçarumsorrisoenquantoafastavameus
medos.—Obrigada,senhor—respondi.—Façooqueposso.
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NÃOPREGUEIOSOLHOSNAQUELANOITE. Emparte, simplesmenteporcausadofusohorário.MeuvoodevoltaparaPalmSpringsestavaprogramadoparaasseisdamanhã,oquecorrespondiaàstrêsdamadrugadanofusohorárioaquemeucorpoestavaacostumado.Dormirpareciainútil.E,claro,haviaodetalhezinhodequeeraumtantodifícilrelaxardepoisdetudooque
euhaviapresenciadonoabrigodosalquimistas.Quandonãoestavavisualizandooolharassustador de Liam, repetia mentalmente os alertas constantes que eu tinha ouvidocontraosqueseaproximavamdemaisdosvampiros.Acaixadeentradacheiadee-mailsdopessoalemPalmSpringsnãomeajudavaem
nada.Costumavachecaroe-mailautomaticamentepelocelularquandoestavafora.Masnaquele momento, no quarto de hotel, diante daquelas mensagens, fiquei cheia dedúvidas. Será que asmensagens eram realmente de cunho profissional? Será que eramamigáveisdemais?Seráqueultrapassavamoslimitesdoprotocoloalquimista?Depoisdeter visto o que acontecera com Keith, ficou mais evidente do que nunca que bastavamuitopoucoparaarranjarproblemascomaorganização.Umadasmensagenserade Jill, comoassunto:“Ai…Angeline”.Nãoeranenhuma
surpresa, e não me dei ao trabalho de ler imediatamente.Angeline Dawes, dampirarecrutadaparaseracolegadequartodeJillegarantirmaisumacamadadesegurança,vinha encontrando problemas para se adaptar aAmberwood. Ela estava sempre emapuros, e eu sabiaque, independentedoqueestivesse acontecendodessa vez,nãohavianadaqueeupudessefazernahora.Outroe-maileradaprópriaAngeline.Tambémnãoli.Oassuntoera“ LEIAISTO!
MUITO ENGRAÇADO!”. Angeline tinha acabado de descobrir os e-mails.Aparentemente, ainda não havia descoberto como desativar a tecla Caps Lock. Eencaminhava indiscriminadamente piadas, spams ou alertas de vírus. Por falar nisso…tivemosdeinstalarumsoftwaredeproteçãoinfantilnolaptopdela,parabloquearcertos
sites e propagandas. Decidimos fazer isso depois que ela baixou quatro vírus poracidente.Sóoúltimoe-mailnacaixadeentradamechamouatenção.EradeAdrianIvashkov,
o único em nosso grupo que não fingia ser estudante na Escola PreparatóriaAmberwood.AdrianeraumMoroidevinteeumanos,então seriaumpouco forçadofazê-lo se passar por aluno do ensino médio. Ele estava no grupo porque sem querercriara um laço psíquico com Jill ao usar suamagia para salvar a vida dela.Todos osMoroi dominavam algum tipo de magia elemental, e a dele era o espírito — umelementomisterioso ligado àmente e à cura.O laço permitia que Jill visualizasse ospensamentoseasemoçõesdeAdrian,oqueeraperturbadorparaambos.Estarempertoumdo outro os ajudava a resolver alguns problemas do laço.Além disso,Adrian nãotinhanadamelhorparafazer.O assunto da mensagem dele era: “MANDE AJUDA IMEDIATAMENTE ”. Ao
contráriodeAngeline,Adrianconheciaasregrassobreousodemaiúsculasesóasusavapara criar umefeito dramático.Eu também sabia que, se tivesse algumadúvida sobrequais e-mails estavam relacionados ao meu trabalho, aquele era, de longe, o menosprofissional do conjunto.Adrian não era minha responsabilidade.Abri a mensagemmesmoassim.
Dia 24. A situação está piorando. Meus captores continuam encontrando novosmétodosterríveisdetortura.Quandonãoestátrabalhando,aagenteEscarlatepassao tempoexaminandoamostrasde tecidoparavestidosdenoivae falando sempararsobre quanto está apaixonada.Normalmente isso leva o agente Borscht Bobo a nosdeliciarcomhistóriasdecasamentosrussosqueconseguemseraindamaischatasdoque suas histórias usuais. Minhas tentativas de fuga fracassaram até o momento.Alémdisso, acabaramos cigarros.Qualquer socorro ou produto contendo nicotinaquepuderenviarserádegrandeajuda.—Prisioneiro24601
Não pude evitar um sorriso. Adrian me enviava um e-mail desse tipo quasediariamente.Naqueleverão, tínhamosdescobertoque,atravésdoespírito,erapossívelreverter a transformação daqueles que se tornaram Strigoi à força. Era um processocomplicado e trabalhoso… ainda mais por existirem tão poucos usuários de espírito.AcontecimentosaindamaisrecenteshaviamsugeridoqueaquelesquefossemrestauradosdatransformaçãoStrigoinuncamaispoderiamsertransformadosnovamente.IssohaviadadoumnovoânimoaosalquimistaseaosMoroi.Seexistisseumamaneiradeevitaraconversão em Strigoi através damagia,monstruosidades comoLiam não seriammaisumproblema.FoiassimqueentraramemcenaSonyaKarpeDimitriBelikov,ou,comoAdrianos
chamavaemseuse-mailsangustiados,“agenteEscarlate”e“agenteBorschtBobo”.SonyaeraumaMoroi;Dimitri,umdampiro.OsdoistinhamsidotransformadosemStrigoie
foramrestauradospelamagiadoespírito.EleshaviamchegadoaPalmSpringsnomêsanterior para trabalhar comAdrian numa espécie de grupo de estudos para encontraruma forma de proteção contra a transformação em Strigoi. Era uma tarefaextremamenteimportanteque,casodessecerto,poderiatrazergrandesfrutos.SonyaeDimitrieramalgumasdaspessoasmaisempenhadasqueeujátinhaconhecido,oquenãocombinavamuitocomoestilodoAdrian.Boa parte do trabalho eram experimentos maçantes e meticulosos, muitos deles
envolvendoEddieCastile,umdampiroque tambémestava infiltradoemAmberwood.Ele servia como cobaia de controle, já que, ao contrário de Dimitri, Eddie era umdampiro que nunca tinha tido experiências com a magia do elemento espírito etampoucopossuíaumhistóricoStrigoi.Eunãopodia fazermuitoparaajudarAdrianesuafrustraçãocomogrupodepesquisa—eelesabiadisso.Sógostavadefazerdramaedesabafar comigo. Cuidadosa com o que era ou não essencial ao mundo alquimista,estavaprestesaexcluiramensagem,mas…Uma coisa me fez hesitar. Adrian tinha assinado com uma referência a Os
miseráveis, deVictorHugo. Era um livro sobre aRevolução Francesa tão grosso quepoderiafacilmenteserusadocomoumaarma.Eutinhalidoaobratantoparaamatériade francêscomoparaade inglês.ComoAdrian ficavaentediadosóde lerumcardápiomaislongoqueonormal,eradifícilimaginarqueeletivesselidoolivrodeVictorHugoindependenteda língua.Entãocomoeleconheciaareferência?“Nãointeressa,Sydney”,disseumavozalquimistarígidadentrodaminhacabeça.“Exclua.Nãoéimportante.OconhecimentoliteráriodeAdrian(ouafaltadele)nãoédasuaconta.”Mas não consegui resistir. Precisava saber.Aquele era o tipo de detalhe que me
deixavamaluca. Respondi com umamensagem rápida: Como você sabe sobre 24601?Merecusoaacreditarquetenhalidoolivro.Viuomusical,nãofoi?Cliqueiem“Enviar”erecebiumarespostaquaseimediata:Lioresumonainternet.Típico. Ri alto,mas logome senti culpada.Não devia ter respondido.Aquela era
minhacontadee-mailpessoal,mas,seumdiaosalquimistasdecidissemmeinvestigar,nãoteriamescrúpulosemacessá-la.Aqueletipodemensagemeracondenável,por issoexcluí a trocadee-mails—nãoque fizesse algumadiferença.Nenhumdado jamais seperdiarealmente.AoaterrissaremPalmSpringsàssetedamanhãdodiaseguinte,ficoudolorosamente
óbvio que meu corpo tinha ultrapassado seus limites e não conseguiria mais viver decafeína. Eu estava muito exausta.O café, emqualquer quantidade, já nãome ajudariamais.Quase caí no sono enquanto aguardavaminha carona na saída do aeroporto. E,quandoelachegou,nãopercebiatéouvirchamaremmeunome.DimitriBelikovsaiudocarroazulalugadoeveionaminhadireção,pegandominha
malaantesqueeupudessedizerumapalavra.Algumasmulheresqueestavamporpertointerromperamaconversaparaadmirá-lo.Eumelevantei.—Vocênãoprecisafazerisso—eudisse,masàquelaalturaelejáestavacolocando
minhabagagemnoporta-malas.
—Claroquepreciso—respondeu,aspalavrasmatizadasporumlevesotaquerussoeumsorriso.—Vocêpareciaestardormindo.—Eratudooqueeuqueria—eudisse,entrandonoladodopassageiro.Sabia que, acordada ou não, Dimitri teria pegado a mala de qualquer jeito. Fazia
partedeleesseresquíciodecavalheirismonomundomoderno;estavasempredispostoaajudarosoutros.Essa era apenas uma das características marcantes de Dimitri. Só a beleza dele já
bastavaparafazermuitasperderemorumo.Seucabelocastanho-escuroestavapresoemumrabodecavalocurto,eosolhosdamesmacorerammisteriososesedutores.Eleeraalto, tinhaquasedoismetros, superandoalgunsMoroi.Paramimeradifícildistinguirdampirosdehumanos,entãoprecisavaadmitirqueeletinhaumapontuaçãobemaltanaescaladebeleza.Alémdisso, ele emanava uma energia que afetava a todos, invariavelmente. Estava
semprealerta,prontoparalidarcomqualquerimprevisto.Nuncaotinhavistobaixaraguarda. Estava sempre pronto para o ataque. Era perigoso, sem dúvida, e metranquilizavaofatodequeestavadonossolado.Sempremesentisegurapertodele,masumpoucodesconfiada.—Obrigadapelacarona—acrescentei.—Eupodiaterchamadoumtáxi.Sabiaqueessaspalavraseramtãoinúteisquantodizerquenãoprecisavadeajudacom
amala.—Nãotemproblemanenhum—garantiu,seguindoparaaárearesidencialdePalm
Springs.Limpouosuordatestae,nãoseicomo,issoofezpareceraindamaisatraente.Apesar de ainda ser cedo, o calor já estava ficando pesado.— Sonya insistiu.Alémdisso,nãotemosexperimentoshoje.Franzi a sobrancelha.Aqueles experimentos, e o potencial espantoso que tinhamde
evitar o surgimento de outros Strigoi, eram de uma importância enorme. Dimitri eSonya sabiamdisso, e sededicavamà causa—aindamais nos fins de semana, quandoAdrianeEddienãotinhamaula—,oquetornavaaquelainformaçãodifícildeentender.Minha própria ética profissional não conseguia compreender por que não haveriapesquisanumdomingo.—Adrian? — presumi, pensando que talvez ele não estivesse “no clima” para
pesquisasnaqueledia.—Também— Dimitri respondeu.— E estamos sem nossa cobaia de controle.
Eddiedissequetevealgunsproblemasenãopôdevir.Franziaindamaisatesta.QueproblemasEddiepoderiater?Eddie também era muito dedicado.Adrian às vezes o chamava de mini-Dimitri.
ApesardeEddieestarcursandooensinomédio,assimcomoeu,eportantotertrabalhosafazer,eutinhacertezadequeelelargariaqualquerliçãodecasapelobemmaior.Eusóconseguiapensaremumacoisaqueseriamaisimportantedoqueajudaraencontraruma“vacina”paraatransformaçãoemStrigoi.Derepentemeucoraçãoacelerou.—Jillestábem?
Ela tinhaqueestar.Oualguémteriamedito,não?Aprincipal funçãodeEddieemPalm Springs, assim como a minha, era mantê-la a salvo. Qualquer perigo que elacorresseteriaprioridadesobrequalqueroutracoisa.— Ela está ótima — Dimitri respondeu. — Falei com ela mais cedo. Não sei
exatamente o que está acontecendo,mas Eddie não teria se ausentado se não fosse porumbommotivo.—Achoquesim—murmurei,aindaapreensiva.—Você se preocupa tanto quanto eu—Dimitri brincou.—Não achava que isso
fossepossível.—Mepreocupar fazpartedomeu trabalho.Tenhoquegarantirque todos estejam
bemotempotodo.—Devezemquandonãofazmalgarantirquevocêtambémesteja.Aliás,vocêvai
perceberqueissoacabaajudandoosoutrostambém.—Rosesempretira sarrodasua“sabedoriademestrezen”—ironizei.—Édisso
que estou tendo uma amostra? Se sim, então agora entendi por que ela não conseguiaresistiraoseucharme.EssarespostamerendeuumadasrarasgargalhadassincerasdeDimitri.—Achoquesim.Seperguntaraela,Rosevaidizerqueforamosempalamentoseas
decapitaçõesqueaseduziram.Mastenhocertezadeque foia sabedoriazenqueganhouseucoração.Meu sorriso em resposta se desfez num bocejo. Conseguir fazer piadas com um
dampiroeranovidadeparamim.Costumavaterataquesdepânicosódeficarnumasalajunto com um deles ou um Moroi. Aos poucos, durante o último semestre, meunervosismocomeçouaabrandar.Jamaismelivrariadasensaçãode“diferença”quesentiaemrelaçãoatodoseles,masjáhaviaavançadomuito.Partedemimsabiaqueerabomainda ser capaz de distingui-los dos humanos,mas aomesmo tempo tambémera bomser flexível, para facilitar meu trabalho. “Mas não flexível demais”, avisou aquela vozalquimistanofundodaminhamente.— Chegamos — Dimitri disse, estacionando em frente ao meu alojamento em
Amberwood. Se ele notou minha mudança de humor, não comentou nada.—Vocêdeviadescansarumpouco.— Vou tentar — respondi. — Mas primeiro preciso descobrir o que está
acontecendocomEddie.— Se o encontrar— disse, assumindo uma expressão profissional—, leve-o para
casahoje ànoite,parapodermos trabalharumpouco.Sonya iria adorar.Elaestá comalgumasideiasnovas.Concordei com a cabeça, lembrando que aquele era o padrão que precisávamos
manter.Trabalho,trabalho,trabalho.Nãopodíamosesquecerdosnossosobjetivosmaiselevados.—Vouveroqueconsigofazer.Agradeci de novo pela carona e entrei, completamente decidida a cumprir minha
missão. Então foimuito frustrante quandomeus objetivos grandiosos logo caíram porterra.—Srta.Melrose?VireinadireçãodochamadopelosobrenomequeeutinhaadotadoemAmberwood.
A sra.Weathers, a velha e rechonchuda responsável pelo alojamento, corria naminhadireção.Seurostopareciacheiodepreocupação,oquenãoeraumbomsinal.—Ficofelizqueestejadevolta—eladisse.—Foiboaavisitafamiliar?—Sim,senhora.—Sepor“boa”elaquisessedizer“assustadoraeinquietante”.Asra.Weathersfezumsinalparaqueeumesentasseàsuamesa.—Precisoconversarcomvocêsobresuaprima.Contiveumacaretaaomelembrardoe-maildeJill.PrimaAngeline.Todosnósque
frequentávamosAmberwoodfingíamosteralgumtipodeparentesco.JilleEddieerammeusirmãos.Angeline,nossaprima.Issoajudavaaexplicarporqueestávamossemprejuntosenosenvolvíamosnosassuntosunsdosoutros.Senteicomasra.Weatherse,saudosa,penseinaminhacama.—Oqueaconteceu?Elasoltouumsuspiro.—Suaprimaestátendoproblemascomnossasregrasdevestuário.Aquilofoiumasurpresa.—Masnósusamososuniformes,senhora.—Claro—elarespondeu.—Masnãoforadasaulas.Eraverdade.Euestavavestindoumacalçacáquieumablusaverdedemangacurta,
alémdapequenacruzdouradaquesempreusava.Fizum inventáriomentaldoguarda-roupa deAngeline, tentando me lembrar de alguma coisa que pudesse ter causadoproblemas.Talvez a partemais preocupante fosse a falta de qualidade.Angeline vieradosConservadores,umacomunidademistadehumanos,Moroiedampirosquevivianacordilheira dosApalaches.Além de não terem luz elétrica nem água encanada, elespreferiamfazersuasprópriasroupasouentãousá-lasemfarrapos.—Nasextaànoite,elaestavausandoumshort jeansterrivelmentecurto—asra.
Weatherscontinuou,comumarrepio.—Euarepreendiimediatamente,eeladissequeaquela era a única maneira de se sentir confortável no calor da rua. Eu lhe fiz umaadvertência e pedi que encontrasse um trajemais apropriado.No sábado, ela apareceuvestindoosmesmos shortseuma regata completamente indecente.Foi aíque suspendisuaprimanodormitóriopelorestodofimdesemana.—Sintomuito, sra.Weathers—respondi.Sinceramente,não fazia amenor ideia
doquedizeralémdisso.Eutinhapassadoofimdesemana inteiroenvolvidanabatalhaépicaparasalvarahumanidade,eagora…umshortjeans?Asra.Weathershesitou.—Eu sei…Eu sei queessaquestãonão tedizmuito respeito.Éumproblemados
paisdela.Mas,vendocomovocêéresponsávelecuidadorestodasuafamília…Suspirei.
—Sim,senhora.Voucuidardisso.Obrigadapornãotomarnenhumamedidamaisdrástica.Subiasescadas,sentindominhamalapequenaficarmaispesadaacadapasso.Quando
cheguei ao segundo andar, parei, sem saber direito para onde ir. Se subisse mais umlance de escadas, daria no meu dormitório. Mas aquele andar me levaria à “primaAngeline”.Relutante, entrei no corredordo segundo andar, sabendoque, quanto antescuidassedaquilo,melhor.—Sydney!—JillMastranoabriuaportadoquarto,comumbrilhodealegrianos
olhosverde-claros.—Vocêvoltou!— É o que parece— respondi, entrando no quarto atrás dela.Angeline estava lá
também,deitadanacamacomumaapostila.Tinhacertezadequeaquelaeraaprimeiravez na vida que eu a via estudando, mas a prisão domiciliar provavelmente havialimitadosuasopçõesderecreação.—O que os alquimistas queriam?— Jill perguntou. Ela sentou na cama com as
pernascruzadase,distraidamente,começouabrincarcomoscachoscastanho-clarosdeseucabelo.Deideombros.—Burocracia.Coisa chata.Parece que as coisas estavamumpoucomais animadas
poraqui—respondi,comumolharincisivoparaAngeline.Adampiralevantoudacamanumpulo,orostofuriosoeosolhosazuisinflamados.— Não foi culpa minha! Aquela Weathers estava completamente louca! —
exclamou,comumlevesotaquesulistaarrastandoaspalavras.DeiumaavaliadarápidaemAngeline,enãohavianadaalarmante.Suacalçajeansera
gasta,masdecente,assimcomoacamiseta.Até suavastacabeleira,deumtom loiro-avermelhado,estavadomada,bempresanumrabodecavalo,paravariarumpouco.—Oquediabosvocêvestiuparadeixaramulhertãoirritada,então?Com a cara fechada,Angeline foi até o guarda-roupa, de onde tirou o short jeans
maisesfarrapadoqueeujátinhavistonavida.Penseiqueelefossesedesfazernaminhafrente.Alémdisso,eratãocurtoqueeunãomesurpreenderiasedeixasseacalcinhadelaàmostra.—Ondevocêcomprouisso?—Euquefiz—disse,quaseparecendoorgulhosa.—Comoquê,umserrote?—Eutinhaduascalçasjeans—elarespondeu,pragmática.—Estavatãoquenteque
tiveaideiadetransformarumadelasemumshort.—Elausouumafacadacantina—Jillinterferiu,prestativa.—Nãoencontreinenhumatesoura—Angelinesejustificou.Ai,minhacama.Ondeestavaaminhacamanaquelahora?—Asra.Weatherstambémmencionouumablusaindecente—eudisse.—Ah—Jilldisse.—Eraminha.—Como assim?— perguntei, erguendo a sobrancelha.— Sei que você não tem
nenhumaroupa“indecente”.No mês anterior, antes deAngeline chegar aAmberwood, eu e Jill dividimos o
quarto.—Eablusanãoéindecentemesmo—Jillconcordou.—Sóquenãoéexatamente
dotamanhodeAngeline.Alterneioolharentreasduaseentendi. Jill era altaemagra,comoquase todosos
Moroi—umasilhuetainvejadapelosestilistashumanos,equeeumatariaparater.Elaaté chegou a trabalhar como modelo por um tempo. Com aquele tipo físico vinhamseiosmodestos. JáosdeAngeline…Bem,nãoeramassim tãomodestos.Seelausasseumaregatado tamanhode Jill, erade seesperarqueomodelodablusa seria alargadoalémdoslimitesdadecência.—Jillusaessaregataotempotodoenuncasemeteemencrenca—Angelinedisse,
nadefensiva.—Nãoacheiqueeufosseterproblemassepegasseemprestada.Euestavacomeçandoa sentirdordecabeça.Aindaassim,acheiqueaquela situação
eramenos problemática do que a vez emqueAngeline foi pega se agarrando comumgarotonobanheiromasculino.—Bom,issoéfácilderesolver.Nóspodemos,querdizer, euposso,jáquevocêestá
presaaqui,ircompraralgumasroupasdoseutamanhohojeànoite.—Ah—Angelinedisse, subitamentemais animada—,nãoprecisa.Eddie já está
cuidandodisso.SeJillnãoestivesseconcordandocomacabeça,eupensariaqueeraumapiada.—Eddie?Eddieestácomprandoroupaspravocê?—Nãoéumamor?—Angelinerespondeucomumsuspirosorridente.Umamor?Não,maseusabiaporqueEddiefariaisso.Comprarroupasdecentespara
Angelinedeviaseraúltimacoisaqueelegostariadefazer,maselefariamesmoassim.Como eu, ele entendia o significado do dever. Então entendi por que Eddie haviacanceladoosexperimentoseporquenãoexplicaraseusmotivos.Namesmahora,pegueiocelulareligueiparaele.Eddieatendeudeimediato,como
sempre.Eutinhacertezadequeelenuncaficavaamaisdeummetrodocelular.—Oi,Sydney.Quebomquevocêvoltou.—Ele fezumapausa.—Você voltou,
né?—Sim,estoucomJilleAngeline.Soubequevocêandoufazendoumascomprinhas.—Nemmefale—dissecomumsuspiro.—Acabeidechegarnomeudormitório.—Nãoquertrazerascomprasparacá?Aliás,precisodocarrodevolta.Houveuminstantedehesitação.—Vocêseimportariadepassaraqui?Istoé,seJillestiverbem.Ela estábem,nãoé?
Nãoprecisademim?Porque,seprecisar…—Elaestáótima.—Oalojamentodelenãoeramuito longe,maseuestava louca
por um cochilo. Mesmo assim, acabei concordando, como sempre fazia. — Tá.Encontrovocênosaguãoemunsquinzeminutos?—Tudobem.Valeu,Sydney.
Assimquedesliguei,Angelinemeperguntou,assanhada:—Eddieestávindo?—Não,euéquevouatélá—respondi.Seusorrisosedesfez.—Ah, tudo bem, tenho que ficar aqui, de qualquer jeito.Mal posso esperar para
podertreinardenovo.Queriapassarmaistempocomele.EunãotinhanotadocomoAngelineestavasededicandoaotreinamento.Elaparecia
realmenteanimadacomaideiadetreinar.SaídoquartoefiqueisurpresaaoperceberJillatrásdemimquandoaportafechou.
Seusolhosestavamarregaladosepreocupados.—Sydney…Desculpa.Olhei para ela, curiosa, me perguntando se ela também tinha feito alguma coisa
errada.—Porquê?Elaapontouparaaporta.—PelaAngeline.Eudeviatermeesforçadomaisparamantê-lalongedeencrenca.—Essenãoéoseutrabalho—respondi,quasedandoumsorriso.—Sim,eusei…—eladisse,baixandoosolhosedeixandoocabelocairnorosto.
—Mesmo assim. Sei que eu devia sermais como você.Emvez disso fico só…Vocêsabe,curtindo.—Vocêestáno seudireito—respondi, tentando ignorarocomentário sutil sobre
mim.—Mesmoassim,eudeviasermaisresponsável—elaargumentou.—Vocêéresponsável—garanti.—AindamaisemcomparaçãocomAngeline.Em Utah, minha família tinha um gato que sem dúvida era mais responsável que
Angeline.O rosto de Jill se iluminou, eme despedi para poder deixar a mala no quarto.A
chegadadeAngelineemeutrabalhonaprisãodeKeithmerenderamumquartosóparamim no alojamento, algo que eu estimava muito. Dentro dele, tudo era calmo eorganizado. Meu mundo perfeito. O único lugar em que o caos da minha vida nãoentrava.A cama perfeitamente arrumada estava pedindo para que eu dormisse ali.Implorando,naverdade.Logomais,prometi.Assimespero.Amberwood era dividida em três campi: leste (onde ficava o alojamento das
meninas), oeste (onde ficava o dos meninos) e central (onde ficavam os prédiosacadêmicos). Um ônibus circulava entre eles seguindo horários fixos, mas as pessoascorajosaspodiamirandandodeumaoutronaquelecalorão.Normalmenteeunãoligavaparaatemperatura,mascaminharpareciatrabalhosodemaisnaqueledia.Entãopegueiocircularatéocampusoesteetenteimemanteracordada.O saguão do alojamento masculino era muito parecido com o das meninas, com
pessoasandandodeumladoparaooutro,estudandoparaentregarostrabalhosdaescolaatempoousimplesmentecurtindoodomingodefolga.Olheiaoredor,masEddieainda
nãotinhachegado.—Oi,Melbourne.Virei e viTrey Juarez vindo em minha direção, com um sorriso largo no rosto
bronzeado.Eleeradoúltimoano,comoeu,emechamavadeMelbournedesdequeumadas nossas professoras se mostrou incapaz de decorar o sobrenome Melrose.Sinceramente, com tantos nomes para decorar, era uma surpresa que eumesma aindalembrassequemeuera.— Oi,Trey — respondi.Trey era uma verdadeira estrela do time de futebol
americanodaescola, e tambémeramuito inteligente,pormaisque tentasseesconder.Então nos dávamosmuito bem, e o fato de eu tê-lo ajudado a restaurar seu status demelhorjogadornomêsanteriorcontribuiuparaqueeutivessemaismoralcomele.Eleestava comamochila penduradanumdosombros.—Finalmente vai terminar aquelerelatóriodolaboratóriodequímica?— Pois é— respondeu.— Eu e metade das líderes de torcida. Quer vir com a
gente?Revireiosolhos.—Não sei por quê, mas tenho a impressão de que não vai rolar muito trabalho.
Alémdomais,vimencontrarEddie.Eledeudeombrosetirouunsfiosrebeldesdecabelopretodosolhos.—Não sabe o que está perdendo.Vejo você amanhã.— Ele deu alguns passos e
entãovoltouameencarar.—Ei,vocêestáficandocomalguém?Eu já ia dizer que não, mas então um pensamento surpreendente me passou pela
cabeça.Eucostumavainterpretarascoisasdeumjeitomuitoliteral.AsminhasamigasdeAmberwood,KristineJulia,estavamtentandometreinarnassutilezasdavidasocialdocolégio.Umadasprincipais liçõeseraqueaquiloqueaspessoasdiziamnemsempreeraoquetinhamemmente,aindamaisemquestõesamorosas.—Você…estámechamandoparasair?—perguntei,surpresa.Erasóoquemefaltava.Oqueeuiriaresponder?Diriaquesim?Quenão?Nãofazia
ideia de que ajudá-lo com as lições de química poderia ser atraente. Eu devia termandadoTreyfazerotrabalhosozinho.Treypareceutãosurpresoquantoeucomaideia.—Quê?Não,claroquenão.—GraçasaDeus—respondi.Gostava doTrey, mas não tinha o menor interesse em sair com ele, ou ter que
descobrirumjeitodelicadodedizer“não”.Elemelançouumolharcontrafeito.—Nãoprecisaficartãoaliviada.— Desculpe — eu disse, tentando disfarçar o embaraço. — Mas por que você
perguntou?— Porque conheci o cara perfeito para você.Tenho certeza de que é a sua alma
gêmea.
Agora tínhamos voltado a um território que eu conhecia: lógica contra falta delógica.—Nãoacreditoemalmagêmea—retruquei.—Éestatisticamenteimprovávelque
existaumaúnicapessoaidealparacadaumnomundo.Mesmoassim,porummilésimodesegundo,desejeiquefossepossível.Seriabomter
alguémqueentendessealgumascoisasquepassavampelaminhacabeça.—Tá—Treydisse,revirandoosolhos.—Nãoumaalmagêmea.Quetalalguém
comquemvocêpoderiasairdevezemquandoesedivertir?—Nãotenhotempoparaisso.E realmente não tinha. Manter o grupo inteiro em ordem e fingir que era uma
estudantejáocupavatodoomeutempo.—Acrediteemmim,tenhocertezadequevocêiriagostardele.Elefrequentauma
escola pública e acabou de começar a trabalhar no Spencer’s.— Spencer’s era o caféondeTreytrabalhava,oquesempremegarantiadescontos.—Umdiadesseseleestavafalando semparar sobre adiferençaentre respiraçãoaeróbicaedisaeróbica,eeu fiqueipensandocomoeleeraigualzinhoavocê.—Éanaeróbica—corrigi.—Econtinuonãotendotempo.Desculpe.Precisava admitir que estava terrivelmente curiosa para saber como aquele assunto
tinhavindoàtonaentreosbaristas,masacheimelhornãoencorajarTrey.—Tudobem—eledisse.—Depoisnãovámedizerquenuncatenteiajudarvocê.—Nememsonho—garanti.—Ah,aliestáEddie.—Bom,euvou indo.Atémais,pessoal.—Trey fezumacontinência irônicapara
mimeEddie.—Nãoesqueçaaminhaofertacasoqueiraumbomficante,Melbourne.TreysaiueEddiemelançouumolharatônito.—Treychamouvocêparasair?—Não.Elesóquermeempurrarparaumcolegadetrabalhodele.—Talveznãosejaumamáideia.—Éumapéssimaideia.Vamosláfora.Sob o calor desértico, que parecia ignorar que estávamos em pleno outono, levei
Eddieatéumbancoaoladodasparedesdoalojamento.Asombrairregulardealgumaspalmeiras próximas nos refrescava um pouco. As pessoas tinham certeza de que atemperaturaestavaprestesadiminuir,maseunãoviaomenorsinaldemudança.Eddiemeentregouaschavesdocarroeumasacoladeumadaslojasdacidade.—Preciseichutarotamanho—eledisse.—Nadúvida,escolhiosmaiores.Achei
queeramaisseguro.—Tambémacho.—Senteinobancoeremexiascomprasdele.Calçajeans,cáqui,
ealgumascamisetascoloridassemestampa.Todasaspeçaserammuitopráticas,dotipoque um menino sem firulas como Eddie escolheria.Aprovei. — O tamanho parececerto.Queolhobomvocêtem!Vamosterquemandá-lofazercomprasmaisvezes.—Seprecisar—respondeu,sério.Nãoconseguiconteroriso.—Euestavabrincando.—Coloqueiascamisetasdevoltanasacola.—Duvidoque
tenhasidodivertido.—OrostodeEddiecontinuavaseríssimo.—Ah,vai.Estátudobem.Nãoprecisabancaroestoicocomigo.Seiquenãofoidivertidoparavocê.—Estouaquiparacumprirminhafunção.Nãoimportaseédivertidoounão.Quaseprotestei,mas acheimelhornão.Afinal, aquela eraminha filosofia também,
não era? Sacrificar minhas próprias vontades por um bem maior? Eddie era muitodedicado àquelamissão.Elenunca saíada linha.E eunãoesperavanadamenosdoqueconcentraçãototalvindodele.— Então isso significa que você está disposto a fazer alguns experimentos hoje à
noite?—perguntei.—Clar…—Eleparouereconsiderou.—JilleAngelinevão?—Não,Angelineaindaestápresanoquarto.—GraçasaDeus—eledisse,visivelmentealiviado.A reação dele deve ter sido minha maior surpresa daquele dia. Não conseguia
imaginarporqueeleestariatãoaliviado.AlémdesualealdadeporserguardiãodeJill,ele era louco por ela. Faria qualquer coisa por ela, mesmo que não fizesse parte dotrabalho, mas se recusava a confessar seus sentimentos. Achava-se indigno de umaprincesa.Umaideiaincômodamepassoupelacabeça.—Vocêestá…evitandoJillporcausadarelaçãodelacomMicah?Micah dividia o quarto com o Eddie. Era um bom rapaz, mas fazia Eddie reviver
traumas dignos de terapia porque se parecia demais com Mason, o falecido melhoramigodeEddie.Alémdisso,Micah tinhauma relação estranhadepseudonamoro comJill. Nenhum de nós estava contente com isso, já que, exceto para os Conservadores,relacionamentosentrehumanoseMoroioudampiroseramumgrandetabu.Nofimdascontas,decidimosquenãodavaparaimpedirqueJilltivesseumavidasocial,eelajurouquenãohavianadasériooufísicoacontecendoentreelaeMicah.Elessópassavammuitotempo juntos.E flertavamsemparar.Elenãosabiaaverdadearespeitodela,eeumeperguntavaatéquepontoeleiriaquereravançarnorelacionamentodeles.Eddieinsistiaqueeramelhor Jill terumrelacionamentocasual comumhumanodoque se envolvercomumdampiro“indigno”comoele,maseutinhacertezadequevê-losjuntosdeviasertorturante.— Claro que não — respondeu, ríspido. — Não é Jill que eu quero evitar. É
Angeline.—Angeline?Oqueelafezdessavez?Eddie passou a mão no cabelo, parecendo frustrado. O tom de seu cabelo loiro-
acastanhado não era muito diferente do meu, loiro-escuro. Nossas semelhançasfacilitavamatarefadefingirqueéramosgêmeos.— Ela não me deixa em paz! Está sempre soltando uns comentários insinuantes
quandoestouporperto…enuncaparadeolharparamim.Àprimeiravista,issopodeaté não parecer assustador,mas é. Ela está sempreme observando. E eu não consigoevitá-laporqueelaestásemprecomJill,eéminhaobrigaçãomanterJillemsegurança.Relembreialgumasinteraçõesrecentesentreeles.
—Vocêtemcertezadequeestáinterpretandoossinaiscorretamente?Nuncapercebinada.—Éporquevocênãopercebeesse tipodecoisa—eledisse.—Vocênão imagina
quantasdesculpaselaencontraparaencostaremmim.Depoisdetervistooshortqueelafez,euconseguiaimaginar,sim.—Hum,talvezeupossaconversarcomela.Comisso,Eddievoltouimediatamenteàposturatotalmenteprofissional:—Não,issoéproblemameu,éminhavidapessoal.Euresolvo.—Temcerteza?Porqueeuposso…— Sydney — ele me interrompeu delicadamente —, você é a pessoa mais
responsávelqueeuconheço,masnãoéessasuafunçãoaqui.Nãoprecisacuidardetudoedetodos.—Eunãomeimporto—respondiautomaticamente.—Eessaéminhafunçãoaqui.Mas, aodizer isso, refleti se eramesmoverdade.Parteda inquietaçãoque senti no
abrigosubterrâneovoltouàtona,fazendo-mequestionarseoqueeufaziaerarealmentepor responsabilidade alquimista ou pelo desejo de ajudar aqueles que, contrariando oprotocolo,tinhamsetornadomeusamigos.—Viu?Agoravocêestáusandoomesmotomqueuseihápouco.—Elelevantoue
abriu um sorriso.—Quer ir comigo até a casa deAdrian? Para sermos responsáveisjuntos?Aspalavrasdelepretendiamserumelogio,massoaramparecidasdemaiscomoque
osalquimistashaviammedito.Easra.Weathers.EJill.Todomundoachavaqueeueratãoadmirável,tãoresponsável,tãocontrolada.Mas,seeueramesmotãoadmirável,porquenuncatinhacertezaseestavafazendoa
coisacerta?
3
APESAR DE EDDIETER ME DITO para não me preocupar comAngeline, minhacuriosidade me obrigou a encher o saco dele com o assunto no caminho para oapartamentodeAdrian.—Comovocêvailidarcomisso?—perguntei.—Vaiterumaconversafrancacom
ela?—Não. Pretendo apenas evitá-la, amenos que seja absolutamente necessário falar
abertamentecomela.Seeutiversorte,elavaiperderointeresse.—Bom,achoqueesseéumcaminhopossível.Mas, sei lá,vocêéumapessoabem
direta.— Se ele se deparasse com uma sala cheia de Strigoi, entraria sem a menorhesitação.—Talvez também devesse tentar uma abordagem direta nesse caso. Ficarcaraacaracomelaedizersinceramentequenãoestáinteressado.—Falaréfácil—eledisse.—Caraacara,nemtanto.—Paramimparecefácil.—Équevocênuncatevedefazerisso—eleretrucou,cético.Para mim, ir ao apartamento deAdrian já era bem mais fácil do que antes. O
apartamento tinha sido de Keith, e um Moroi chamado Lee e duas Strigoi haviammorridoali.Erammemóriasdifíceisdeapagar.Osalquimistas tinhammeoferecidooapartamento, já que eu acabei assumindo plena responsabilidade pela missão de PalmSprings,maseuocediparaAdrian.Nãotinhacerteza sequeriamorar lá,eeleestavadesesperado para ter um lugar só dele.Quando vi a felicidade deAdrian com o novoapartamento,soubequetinhatomadoadecisãocerta.Adrianabriuaportaantesquetivéssemosachancedebater.—Acavalaria!GraçasaDeus!Eddieeeu seguramosorisoeentramos.Aprimeiracoisaque sempremechamava
atenção era a tinta amarelo-ouro usada porAdrian para pintar as paredes. Ele estavaconvencido de que a tonalidade ajudava a melhorar o ambiente e não deixava que
questionássemos sua “sensibilidade artística”. Aparentemente, o fato de o amarelodestoarterrivelmentedosmóveisdesegundamãocomestampaxadrezera irrelevante.Ou talvez eu simplesmente não fosse“artística” o bastante para apreciar a decoração.Masaqueleestilo incoerenteacabavapormeconfortar.Não lembravaemquasenadaadecoraçãodeKeith, o que ajudava umpouco a apagaros acontecimentosdaquelanoitefatídica.Às vezes, quando corria os olhos pelo quarto, ficava sem ar, assombrada porvisões do violento ataque Strigoi e da morte de Lee. A reforma de Adrian noapartamentofuncionaracomoumaluzafugentandosombrashorrendasdopassado.Às vezes, quando eu ficava triste, a personalidade deAdrian causava esse mesmo
efeitoemmim.—Blusalegal,Sage—eledisse,sério.—Realçamuitoocáquidasuacalça.Apesardosarcasmo,elepareciaextremamentecontentecomanossachegada.Eleera
altoemagro,omesmotipofísicodamaiorpartedosMoroi,alémdapeletipicamentepálida(aindaquenãotantoquantoadosStrigoi).Euodiavaadmitir,maseleeramuitomais bonito do que tinha o direito de ser. O cabelo castanho-escuro eramilimetricamente desarrumado e os olhos às vezes pareciam verdes demais para serverdade.Eleestavausandoumadaquelascamisasdeabotoarqueestavamnamoda,comumaestampaazulqueeugostei.Eestavacheirandoacigarro,oquenãogostei.Dimitri e Sonya estavam sentados à mesa da cozinha, remexendo numa pilha de
papéis com anotações escritas à mão.As folhas pareciam espalhadas a esmo, e mepergunteiquantotrabalhoelesrealmenteestavamconseguindofazer.Sefosseeu,aquelasfolhasestariamnumapilhaperfeitamenteorganizadaportópicos.—Quebomquevocêvoltou,Sydney—Sonyadisse.—Euestavaprecisandodeum
poucodeapoiofemininoporaqui.A beleza de seu cabelo ruivo e de suasmaçãs do rosto proeminentes eramaculada
peloscaninosqueelamostravaaosorrir.AmaiorpartedosMoroiaprendiadesdecedoaevitarisso,paraqueoshumanosnãoosreconhecessem.MasSonyanãotinhapudoremmostrá-losemparticular.Eaquiloaindameincomodava.Dimitri deu um sorriso para mim, o que tornava seu rosto ainda mais bonito, a
pontodenãorestaremdúvidasdequea“sabedoriademestrezen”nãoeraomotivoparaRoseterseapaixonadoporele.—Duvidoquevocêtenhatiradoumcochilo.—Muitacoisaparafazer—respondi.SonyavoltouumolharcuriosoparaEddie.—Estávamosnosperguntandoporondevocêandava.—OcupadoemAmberwood—Eddierespondeu,demaneiravaga.Eletinhaditono
carroqueseriamelhornãomencionarmosaindiscriçãodeAngelineouofatodeeletersido obrigado a fazer compras para ela.— Sabe, cuidando de Jill eAngeline.Alémdisso,acheimelhoresperarSydneyvoltar,porqueelaqueriaveroquetemosfeito.Deixeiaquelamentirinhainocentepassar.—EcomoAngelineestá?—Dimitriperguntou.—Elaestámelhorando?
Eddie e eu trocamos um olhar.Tanto trabalho para nãomencionar as indiscriçõesdela…— Melhorando em que aspecto? — perguntei. — No combate, em usar roupas
adequadasouemnãometerobedelhoondenãoéchamada?—OuemdesligaroCapsLock?—Eddieacrescentou.—Vocêtambémpercebeu?—perguntei.—Édifícilnãonotar—respondeu.Dimitripareceuperplexo,oquenãoeramuitocomum.Elenãocostumavaserpego
desurpresa,masaverdadeéqueninguémeracapazdeseprepararparaoqueAngelinepudessefazer.—Não fazia ideiadequeprecisava sermais específico—Dimitri disse, apósuma
pausa.—Estavaperguntandosobreocombate.Eddiedeudeombros.—Houveumpoucodemelhora,sim,masédifícilensinarascoisasparaela.Quer
dizer,elaestácompletamenteempenhadaemprotegerJill,mastambémtemcertezadequejásabecomo.Elacarregaanosdetreinamentomalfeito.Édifícildesfazerisso.Alémdomais,ela…sedistraimuitofácil.Preciseiconteroriso.Dimitriaindapareciapreocupado.—Nãotemostempoparadistrações.Talvezeudevessefalarcomela.—Não—Eddie disse, com firmeza, numa rara demonstração de contrariedade a
Dimitri. — Você já tem coisas demais para fazer aqui. O treinamento dela éresponsabilidademinha.Nãosepreocupe.Adrianpuxouumacadeira,virando-aaocontrárioparaencostaroqueixonoencosto.— E você, Sage? Sei que não precisamos ter medo de que você use roupas
“inadequadas”.Sedivertiunospadosalquimistasnofimdesemana?Coloqueiabolsanochãoefuiatéageladeira.— Se por spa você quer dizer abrigo subterrâneo… E foram só assuntos
profissionais.—Fizumacaretaaoabrirageladeira.—Vocêprometeuqueiacomprarrefrigerantediet!—Verdade, prometi—Adrian disse, semdemonstrar qualquer remorso.—Mas
depois li um artigo dizendo que adoçantes artificiais não fazembem.Então pensei quedeviacuidardasuasaúde.—Fezumapausa.—Nãoprecisaagradecer.Dimitridisseaeleoquetodosestávamospensando.—Sevocêestáinteressadoemhábitossaudáveis,eupoderiasugeriralguns.SeeuouEddietivéssemosditoaquilo,Adrianteriadeixadopassar,aindamaisporque
era verdade.Mas vindo de Dimitri era diferente. Havia uma tensão enorme entre osdois,umatensãoquevinhaseacumulandofaziamuitotempo.AnamoradadeDimitri,umadampirafamosachamadaRoseHathaway,namorouAdrianporumtempo.Elanãoqueriamagoá-lo,masdurante todooperíodoestivera apaixonadaporDimitri.Aquelasituação,portanto,não tevecomoacabarbem.Adrian ainda carregavamuitasmágoas
porissoenutriaumressentimentoparticularcontraDimitri.—Prefironãoincomodá-lo—Adrianrespondeu,tranquilodemais.—Alémdisso,
quando não estou trabalhando duro nessa pesquisa, conduzo um experimento paralelosobrecomogimecigarrosmelhoramocarismadeumapessoa.Comovocêpodever,osresultadossãobempromissores.Dimitriarqueouasobrancelha.—Peraí,voltaumpouco.Vocêdisse“trabalhandoduro”?OtomdeDimitrieraleveebrincalhão,masnovamentefiqueisurpresacomareação
deAdrian. Se eu tivesse feito aquele comentário,Adrian teria respondido algo como:“Comcerteza,Sage.AchoquevouganharoprêmioNobelporisso”.Mas,paraAdrian,as palavras deDimitri eram um convite a um duelo.Vi uma faísca nos olhos dele, oacenderdeumadorantiga,eaquilomeincomodou.Aquelenãoeraojeitodele.Adriansempre tinha um sorriso e uma gracinha na ponta da língua, mesmo que fossemirreverentes ou inapropriados demais. Eu tinha me acostumado com aquilo. Atégostava.Voltei o olhar paraAdrian e sorri, esperando quemeu sorriso parecesse sincero, e
nãoumatentativadesesperadadedistraí-lo.—Pesquisa,é?Penseiquevocêfossemaisumhomemdeapostas.AdrianlevoualgunssegundosparadeixardeencararDimitrieolharparamim.—Souconhecidoporjogarosdadosdevezemquando—respondeu,cauteloso.—
Porquê?—Nada demais. Só estava pensando se você faria umapausa na sua pesquisa sobre
carisma para aceitar um desafio. Se passar vinte e quatro horas sem fumar, eu tomoumalataderefrigerante.Refrigerantenormal.Umalatainteira.VislumbreiobomevelhosorrisodeAdrianvoltar.—Duvido.—Sério.—Meialataiadeixarvocêemcoma.Sonyafranziuatestaemeperguntou:—Vocêtemdiabetes?—Não—Adriandisse—,masSage temcertezadequeumacaloria amais faria
comqueeladeixassedesersupermagraepassasseasersómagra.Umatragédia.—Ei—eudisse.—Vocêéqueachaqueseriaumatragédiapassarumahorasem
cigarro.—Nãoquestioneminhaforçadevontade,Sage.Passeiduashorassemfumarhoje.—Passevinteequatrohoraseaívouficarimpressionada.Elemelançouumolhardesurpresadebochada.—Querdizerquevocêaindanãoestá impressionada?Eeuaquipensandoquevocê
estavadeslumbradadesdeodiaemquemeconheceu.Sonyabalançouacabeça,indulgente,comosefôssemoslindascriancinhas.—Vocênãosabeoqueestáperdendo,Sydney—comentou,pegandoalataabertaà
sua frente.—Precisodeumas trêsdessapordiaparamemanter focadaemtodoessetrabalho.Atéagora,nenhumefeitocolateral.Atéagora,nenhumefeitocolateral?Claroquenão.OsMoroinuncasofriamnenhum
efeitocolateral.Sonya,Jill…Elaspodiamcomeroquequisessemeaindateriamaquelescorpos incríveis.Enquanto issoeusofriaporcadacaloriae,aindaassim,nãoconseguiaatingiraqueleníveldeperfeição.Cabernotamanhodecalçaqueeuestavavestindotinhasidoumagrandevitória.Agora,comparandocomasilhuetaesguiadeSonya,mesentiaenorme. De repente me arrependi da proposta de beber uma lata de refrigerante,mesmo tendo distraídoAdrian. Pensei que podia relaxar, já que seria impossível elepassarumdiainteirosemfumar.Eununcateriadepagarminhaapostasupercalórica.—Achomelhorvoltarmosaotrabalho.Estamosperdendotempo—Dimitridisse,
colocando-nosdevoltanostrilhos.—Certo—Adriandisse.—Lá se foramcincominutosvaliososdepesquisa.Está
prontoparasedivertirumpoucomais,Castile?Seiquevocêadoraficarsentado.Como eles buscavam encontrar alguma coisa especial emDimitri, Sonya eAdrian
costumavam fazer os dois dampiros sentarem lado a lado e examinavam suas aurasdetalhadamente.A esperança era de que a conversão de Dimitri em Strigoi tivessedeixado algum sinal que ajudaria a explicar a imunidade dele contra uma novatransformação.Era ummétodo válido, apesar de não ser prazeroso para alguém ativocomoEddie.Mas é óbvio que ele não reclamava.Tinha omesmo olhar firme e determinado de
Dimitri.—Doquevocêsprecisam?— Queremos fazer outro estudo de aura— Sonya respondeu.Aparentemente, o
pobre Eddie teria de ficar sentado por mais um tempo. — Da última vez nosconcentramos em algum sinal de espírito.Agora queremosmostrar algumas imagensparavocêseverseelascausamalgumamudançadecornassuasauras.Assenti,concordando.Muitosexperimentospsicológicostentavamtécnicasparecidas,
apesardenormalmentemonitoraremreaçõespsicológicas,enãoaurasmísticas.—Ainda acho que é uma perda de tempo—Adrian comentou.— Os dois são
dampiros,mas isso não significa que devemos pressupor que qualquer reação diferenteaconteçaporqueBelikovjáfoiStrigoi.Cadapessoaéúnica.Ecadapessoavairesponderde maneira diferente a fotos de gatinhos ou aranhas. Meu pai, por exemplo, odeiagatinhos.—Quemconsegueodiargatinhos?—Eddieperguntou.—Eleéalérgico—Adriandisse,comumacareta.—Adrian—Sonyadisse—,jáconversamossobre isso.Respeitosuaopinião,mas
aindaassimachoquepodemosaprenderbastantecomisso.Na verdade, eu estava impressionada com o fato deAdrian ter uma opinião.Até
então,achavaqueelesóestavaseguindooqueSonyaeDimitriomandavamfazer,equenão pensavamuito sobre os experimentos. E, embora eu não soubessemuito sobre as
auras que rodeavam os seres vivos, entendia o argumento dele de que diferençasindividuaispoderiamatrapalharapesquisa.—Todasasinformaçõespodemserúteisnessecaso—Dimitridisse.—Aindamais
porquenãoencontramosnadaatéagora.SabemosqueexistealgumacoisadiferenteemquemjáfoiStrigoi.Nãopodemosdescartarnenhumaoportunidadedeanalisá-la.Adrianapertouos lábiosenãoprotestoumais.Talvezporquese sentissederrotado,
mastiveaimpressãodequesimplesmentenãoqueriaentraremconflitocomDimitri.Quandoninguémmaisestavaprestandoatençãoemmim,leveiumlivroparaasalae
tenteimemanteracordada.Elesnãoprecisavamdaminhaajuda.SótinhaidoatéláparaacompanharEddie.Detempoemtempo,verificavaoandamentodascoisas.DimitrieEddie observavam enquanto Sonya mostrava diferentes imagens no laptop.Adrian eSonya,por suavez,observavamosdampiros atentamentee faziamalgumasanotações.Quase desejei ser capaz de ver os feixes de cor e luz, e imaginava se realmente haviadiferenças significativas.ExaminandoEddie eDimitri, às vezes percebia umamudançaem sua expressão facial quando uma imagem particularmente fofa ou horripilanteaparecianatela,masamaiorpartedotrabalhodelescontinuavaummistérioparamim.Curiosa,pergunteibaixinhoparaSonyaquandoestavammaisoumenosnomeiodo
processo:—Oquevocêsestãovendo?—Cores—elarespondeu—quebrilhamaoredordosseresvivos.EddieeDimitri
têm cores diferentes,mas asmesmas reações.—Elamudou a foto na tela para umafábricasoltandofumaçapretacontraumcéuazul.—Nenhumdosdoisgostadisso.Asauras deles ficammais escuras e atribuladas.—Passou para a imagem seguinte, comum sorriso nos lábios.Três gatinhos surgiramna tela.—E agora elas se aquecem.Émuitofácil identificarafetonaaura.Atéagora,elesestãoreagindodamesmamaneira.NãohánenhumsinalnaauradeDimitridequeelesejadiferentedeEddie.Volteiparaosofá.Algumashorasdepois,Sonyasugeriuumapausa.—Achoquejávimostudooqueprecisávamos.Obrigada,Eddie.—Ficofelizemajudar—eledisse,levantandodacadeiraeseespreguiçando.Elepareciaaliviadotantopeloexperimentoteracabadocomoportersidoumpouco
maisinteressantedoqueficarolhandoparaonada.Eleeraativoeenérgico,nãogostavadeficarparado.— Se bem que… nós temos algumas outras ideias— ela acrescentou.—Vocês
achamqueconseguemaguentarmaisumpouco?Éóbvioqueelaperguntouissonomeiodomeubocejo.Eddiemeolhou,compena.— Eu vou ficar, mas você não precisa.Vá dormir. Eu arranjo outra carona para
casa.—Não,não—respondi,contendooutrobocejo.—Eunãoligo.Quaissãoasideias
novas?
—Queriafazerumacoisaparecida—Sonyaexplicou.—Mas,dessavez,usaríamossonsemvezdeimagens.Depoisqueriavercomoelesrespondemaocontatodiretocomoespírito.—Achoqueéumaboaideia—eudisse,semsaberdireitooquesignificavaaúltima
parte.—Vãoemfrente.Euespero.Sonyaolhouaoredorepareceunotarqueeunãoeraaúnicaquepareciacansada.—Talvezdevêssemospegarumpoucodecomidaantes.OrostodoEddieseiluminoucomaideia.— Eu vou—me ofereci. Eu já não ofegava sempre que os vampiros falavam de
comidapertodemim,oque era umgrande avanço. Sabia que eles nãoqueriamdizersangue, pelomenos não se os dampiros e eu estivéssemos envolvidos.Alémdisso, nãohavianenhumfornecedorporperto.FornecedoreseramhumanosquesevoluntariavamparadarosangueaosMoroi,porcausadobaratoqueissocausava.Todosalisabiamqueera melhor nem fazer piada sobre isso perto de mim.—Tem um bom tailandês aalgunsquarteirõesdaqui.Possopedirparaviagem.—Euajudo—Adriandisse,animado.— Eu ajudo— Sonya corrigiu.— Da última vez que você foi comprar alguma
coisa,ficouduashorasfora.—Adrianfezcarafeia,masnãonegouaculpa.—Alémdomais,nossasobservaçõesdeauraforamidênticas.Vocêpodecomeçarcomossonssemmim.Sonyaeeuanotamosospedidosdetodomundoesaímos.Naverdade,eunãoachava
queprecisassede ajuda,mas imaginei que carregar comidapara cincopessoas,mesmoque por poucos quarteirões, podia ser trabalhoso. Mas logo descobri que Sonya tinhaoutrosmotivosparameacompanhar.—Ébomsairumpoucoeesticaraspernas—elacomentou.Erafimdetarde,havia
bemmenos sol e calor, umclimaqueosMoroi adoravam.Caminhamospor uma ruasecundária ladeada de prédios bonitos e pequenos comércios, em direção ao centro dacidade.Ànossavoltaerguiam-sepalmeirasenormes,criandoumcontrasteinteressantecomoecléticoambienteurbano.—Fiqueipresaládentroodiatodo.—PenseiqueAdrianfosseoúnicoquesentisseclaustrofobiacomotrabalhodevocês
—ironizei.—Eleésóquemmaisreclama—elaexplicou—,oqueémeioengraçado,porque
eleéquemacabasaindomais,considerandoasaulaseaspausasparafumar.Tinha quase me esquecido dos dois cursos de arte queAdrian estava frequentando
numafaculdadedacidade.Normalmenteeledeixavaosprojetosmaisrecentesàmostra,masnãohavianenhumnasalanosúltimostempos.Sóentãopercebioquantosentiafaltadeles. Eu podia até encher o saco dele,mas, às vezes, aqueles vislumbres artísticos damaneiracomoelepensavaeramfascinantes.Sonya me atualizou rapidamente sobre seus planos de casamento durante o curto
caminho atéo restaurante tailandês.Eu achavaonamorodela comodampiroMikhailTanner impressionante em vários aspectos. Primeiro porque dampiros e Moroi não
costumavam se envolver em relacionamentos sérios. Em geral, eram só aventurascasuais que resultavam na geração de mais dampiros. Além do escândalo de seuenvolvimento,Mikhail quis caçar Sonya quando ela era Strigoi para libertá-la daqueleestado perverso. Rose fizera o mesmo com Dimitri, acreditando que a morte erapreferível a serumStrigoi.Mikhail fracassou,masoamordelespermaneceu tão forteduranteaqueleperíododifícilque,quandocontratodasasexpectativaselafoirestaurada,elesimediatamentevoltaramaficarjuntos.Eumalconseguiaimaginarumamorcomoaquele.—Ainda estamos escolhendo as flores— ela continuou.— Hortênsias ou lírios.
Achoqueseiemqualvocêvaivotar.—Naverdade,eudiriahortênsias.Játemlíriosdemaisnaminhavida.Elariudaminharespostae,derepente,ajoelhou-sediantedeumcanteirode flores
cheiodegladíolos.—Maisdoquevocêimagina.Temlíriosaquinestecanteiro.—Nãoestánaépocadelírio—observei.—Nadaficaforadeépoca.—Sonyaolhoudeumladoparaooutrodiscretamentee,
então, pousou os dedos na terra. Momentos depois raios verdes surgiram e foramcrescendocadavezmaisalto,atéocopodeumlíriovermelhoseabrirnotopo.—Ah,osdosalquimistassãobrancos…Ei,vocêestábem?Euhaviarecuadotantonacalçadaquequasetinhaidopararnarua.—Você…vocênãodeviafazeressascoisas.Alguémpodever.—Ninguémviu—eladisseaoselevantar.Suaexpressãoficoumaissuave.—Sinto
muito. Às vezes esqueço como você se sente em relação a isso. Foi errado da minhaparte.—Estátudobem—respondi,nãomuitoconvicta.Amagia dos vampiros sempreme dava calafrios. Precisar de sangue já era ruimo
bastante. Mas ser capaz de manipular o mundo através da magia era ainda pior. Pormais bonito que aquele lírio fosse, ele tinha um aspecto sinistro. Não deveria existirnaquelaépocadoano.Nãoconversamosmaissobremagiaelogochegamosàáreaprincipaldocentro,onde
ficavaorestaurantetailandês.Fizemosopedidogigantescoparaviagemenosdisseramque levaria uns quinze minutos para ficar pronto. Aguardamos do lado de fora,admirandoocentrodePalmSpringsnopôrdosol.Osúltimosclientessaíamdas lojasque fechavam, e os restaurantes estavam cheios de pessoas que iam e vinham.Váriostinhammesas na calçada, e conversas entre amigos zuniam à nossa volta.Um grandechafariz, ladrilhado em cores brilhantes, fascinava as crianças e inspirava os turistas aparar para tirar uma foto. Sonya se distraía facilmente com a variedade de plantas eárvores que embelezavam as ruas da cidade. Mesmo se não tivesse a habilidade doespíritodeafetarcoisasvivas,elaaindaseriaumajardineiraetanto.—Ei!Srta.Melrose!Ao me virar, fiquei tensa ao ver Lia DiStefano vindo na minha direção. Lia era
estilistaetinhaumalojanocentrodePalmSprings.Eunãohaviamedadocontadequeestávamos em frente à loja dela. Senão, teria esperado dentro do restaurante. Lia erabaixinha,mastinhaumapresençaavassaladora,realçadapeloestilociganoextravagantequeusavaparasevestir.—Fazsemanasqueestoutentandofalarcomvocê—eladisse,depoisdeatravessara
rua.—Porquenãomeatende?—Andobemocupada—respondi,séria.—Sei.—Liacolocouasmãosnoquadriletentoumeolhardecimaabaixo,oque
foiumtantocurioso,jáqueeuerabemmaisalta.—Quandovocêvaideixarsuairmãdesfilarparamimdenovo?—Sra.DiStefano—respondi,paciente—,eu jáexpliqueiparaasenhora.Elanão
podemais.Nossos pais não gostam.Nossa religião não permite que fotografem nossorosto.Nomêsanterior,asilhuetaperfeitaeosdeslumbrantestraçosetéreosdeJillhaviam
atraídoaatençãodeLia.Comotersuafotoespalhadaporaíerabastanteperigosoparauma foragida, só concordamos em deixar Jill desfilar para Lia porque as modelosusariammáscaras.Desdeentão,Liavinhapegandonomeupéparaqueeudeixasse Jillmodelarnovamente.Eraumasituaçãodifícil,porqueeusabiaqueJillqueriamuito,maselatambémentendiaqueasegurançadeviaviremprimeirolugar.Alegarquefazíamosparte de uma religião obscura já havia explicado nossos comportamentos estranhosmuitasvezes,entãoimagineique,comisso,Liasairiadomeupé.Masnãofoiocaso.— Nunca vi os pais de vocês — Lia disse. —Tenho observado sua família. Já
entendicomofunciona.Vocêéaautoridade.Évocêqueprecisoconvencer.Voupublicarumanúnciodeduaspáginasdosmeuslençosechapéusnumarevistamuitoimportante,eJilléperfeitaparaotrabalho.Oqueprecisofazerparaconseguirqueelamodele?Vocêquerumapartedopagamento?—Não é uma questão financeira— respondi, com um suspiro.—Não podemos
mostrar nosso rosto.Mas, se você quiser colocar umamáscara nela de novo, fique àvontade.—Nãopossofazerisso—Liadisse,fechandoacara.—Entãotemosumimpasse.—Devehaveralgumacoisa.Todomundotemumpreço.—Sintomuito.NenhumdinheironomundomefariafaltaraodevercomJilleosalquimistas.O gerente do restaurante avisou pela janela que nosso pedido estava pronto, o que
felizmentenos livroudeLia.Sonyaesboçouumrisomarotoenquantocarregávamosassacolas rua abaixo em direção à casa deAdrian.O céu ainda estava purpúreo com osúltimos raios de sol, e a luz dos postes atravessava as folhas das palmeiras, criandoformasestranhasnacalçada.—Algum dia você imaginou que sua missão aqui envolveria fugir de estilistas
petulantes?—Sonyaperguntou.
— Não— admiti. — Sinceramente, nunca imaginei metade das coisas que essetrabalh…—Sonya?Umrapazsurgiuaparentementedonada,bloqueandoocaminho.Eunãooconhecia,
eelepareciaumpoucomaisvelhodoqueeu.Seucabelopretoeracortadobemrente,eeleencaravaSonyacomcuriosidade.Elaparouabruptamenteefranziuatesta.—Euconheçovocê?—Claro—elerespondeu,animado.—JeffEubanks.Lembra?—Não— ela respondeu educadamente, após examiná-lo por alguns instantes.—
Vocêdevetermeconfundidocomoutrapessoa.Desculpe.—Não,não—eledisse.—Tenhocertezadequeévocê.SonyaKarp,nãoé?Nós
nosconhecemosnoKentuckynoanopassado.Sonya se empertigou. Ela haviamorado no Kentucky quando era Strigoi. Eu sabia
quenãodeviamsermemóriasagradáveis.—Desculpe—elarepetiu,comavoztensa.—Nãoseidoquevocêestáfalando.Orapaznão sedeupor vencido e continuava sorrindo como se eles fossemgrandes
amigos.—ÉumaviagemetantodoKentuckyparacá,hein.Oquetrazvocêaqui?Acabeide
sertransferidonotrabalho.—Houvealgumengano—interrompi,seca,empurrandoSonyaadiante.Nãosabia
qualenganopoderiaserexatamente,masareaçãodeSonyaeraosuficiente.—Temosqueir.Orapaznãonosseguiu,masSonyapermaneceuemsilêncionocaminhoparacasa.—Deveserdifícil—eudisse,sentindoquedeviafalaralgumacoisa.—Encontrar
pessoasdoseupassado.—Nãoéesseocaso.Tenhocerteza.Nuncaviessecara.Eutinhapensadoqueelasóqueriaevitarqualquerassociaçãocomofatodetersido
Strigoi.—Temcerteza?Elenãoerasóumconhecidocasual?— Os Strigoi não conhecem humanoscasualmente — ela disse, com um olhar
desdenhoso.—Aquelecaranãodeviasaberquemsou.—Eleerahumano?Nãoeradampiro?Eunãoconseguiaperceberadiferença,masosMoroisim.—Humano,semdúvida.Sonyatinhaparadodenovoeolhadoparatrás,nadireçãodovultodorapaz,quese
afastava.Acompanheiseuolhar.—Devehaveralgummotivoparaeletertereconhecido.Eleparecebeminofensivo.Comisso,elasorriunovamente.—Ah, Sydney. Pensei que você já tivesse passado tempo suficiente conosco para
saber.
—Saberoquê?—Quenadaétãoinofensivoquantoparece.
4
SONYANÃODISSENADA sobreoencontromisteriosoparaorestantedogruponoapartamento deAdrian, então respeitei seu silêncio.Todos estavam tão absortos nojantar e nos experimentos que não notaram nada. E, assim que começaram a segundalevadeexperimentos,atéeumedistraíobastanteparanãopensarmaisnaquelerapaz.Sonyahaviaditoquequeria saber comoEddie eDimitri responderiamdiretamente
aoespírito.ElaeAdrianfizeramissoconcentrandosuamagianosdampiros,umdecadavez.—Émeio comoo que faríamos se estivéssemos tentando curá-los ou fazer alguma
coisa crescer— Sonya explicou.— Não se preocupe: não vamos transformá-los emgigantes nem nada do tipo. Émais como se estivéssemos cobrindo cada um com umacamadademagia de espírito. SeDimitri tiver algumamarca remanescentede quandofoicurado,imaginoquepodereagirànossamagia.Adrianeelaajustaramasincroniaentreeles,eEddiefoioprimeiro.Nocomeço,não
dava para ver nada além dos dois usuários de espírito fitando Eddie. Ele pareciadesconfortável sob o exame minucioso. Então notei um brilho prateado tremeluzentepercorrer seu corpo.Dei um passo para trás, atônita— e em pânico— ao ver umamanifestação física do espírito. Eles repetiram o processo em Dimitri, obtendo osmesmos resultados.Aparentemente, num nível invisível, as coisas também foram asmesmas. Não havia nada notável na reação de Dimitri. Todos aceitaram issonaturalmente, comopartedoprocesso científico,masver amagia envolverosdoisdemaneiraconcretamecausouarrepios.À noite, quando Eddie e eu voltamos de carro paraAmberwood,me vi sentada o
maislongepossíveldele,comosealgumresquíciodemagiapudesseescorreretocaremmim.Ele conversoucomigocomamesma simpatiade sempre, eprecisei fazermuitoesforçoparaesconderoqueestavasentindo.Agirassimmefaziasentirculpada.Afinal,aqueleeraEddie.Meuamigo.Amagia,alémdenãosercapazdememachucar,játinha
idoembora.Uma boa noite de sono conseguiu acabar com a ansiedade e a culpa que eu estava
sentindo.Quandoacordeinamanhã seguintee comecei ameprepararpara as aulas, amagia era apenas uma lembrança remota. Embora eu só estivesse emAmberwood atrabalho, com o tempo passei a gostarmuito daquela escola-modelo.Antes, eu haviasidoeducadaemcasae, emborameupai semdúvida tivesse sido rígidoemeensinadotodo o currículo, ele nunca ia além do que achava necessário.Ali, mesmo se eu jásoubesse o que estava sendo dado nas aulas, havia muitos professores dispostos a memotivarparairalém.Nãohaviampermitidoqueeufosseparaafaculdade,masaquelaescolaeraumaboasubstituta.Antesdeirparaaaula,precisavaacompanharumasessãodetreinamentodeEddiee
Angeline.Pormaisqueelequisesseevitá-la,jamaisdeixariadecomparecer—nãocoma segurança de Jill em jogo.Angeline fazia parte da linha de defesa de Jill. Sentei nagramacomumaxícaradecafé,aindacogitandoseointeressedeAngelinenãopassavadefruto da imaginação de Eddie. Pouco tempo antes, eu havia comprado uma cafeteirasimplesparaomeuquartoe,emboranãosecomparasseaocafédeumacafeteria,tinhame ajudado a atravessar várias manhãs difíceis. Um bocejo abafoumeu cumprimentoquandoJillsentouaomeulado.— Eddie nunca mais me treinou — ela disse, saudosa, enquanto assistíamos ao
espetáculode vê-lo tentandoexplicarpacientemente aAngelinequedar cabeçadas, pormais que fosse adequadonuma rixa de bar, nem sempre era amelhor tática contra osStrigoi.—Tenho certeza de que ele vai voltar a treinar você quando tivermais tempo—
respondi, apesar de não ter tanta certeza. Desde que admitira para si mesmo seussentimentos por ela, ficava nervoso com a ideia de tocá-la demais.Além disso, umapartecavalheirescadelenãoqueriaqueJillsearriscassenunca.Erairônico,porqueoqueohavia atraído fora exatamenteo ímpetodela emquerer aprender a sedefender (algoraronumMoroi).—Angelinefoirecrutadacomoproteção.Eleprecisagarantirqueelaconsigadesempenharbemotrabalho.— Eu sei. É que parece que todo mundo fica tentando me mimar — ela disse,
franzindo a testa.—Na educação física,Micah nãome deixa fazer nada. Como tiveaquele probleminha no começo, ele está paranoico achando que vou me machucar.Sempre digo que estou bem, que o problema era só o sol... mas ele continuainterferindo.Éfofo,masàsvezesissomedeixameiomaluca.— Já tinha percebido— admiti, pois era damesma turma de educação física que
eles.—Masnão achoqueépor issoqueEddienão anda treinandovocêultimamente.Elesabequevocêécapaze temorgulhodevocêpor isso…Elesóachaque,seestiverfazendootrabalhodeledireito,vocênemdeveriaterqueaprender.Éumalógicameioestranha.—Não,euentendo.—Odesalentodeantes se transformouemaprovaçãoquando
Jillvoltouaassistirasessãodetreinamento.—Eleétãodedicado…ebomnoquefaz.
—Umjeitofácilde incapacitaralguémépelo joelho—EddiediziaparaAngeline.—Aindamaissevocêforpegadesarmadaetiverque…—Quandovocêvaimeensinaraempalaroudecapitar?—elainterrompeu,comas
mãos no quadril.—O tempo todo é“acerte aqui”,“desvie ali”, blá, blá, blá.O queprecisoaprenderécomomatarosStrigoi.— Não, não é.— Eddie era um exemplo de paciência, e havia retomado aquela
postura preparada e determinada que eu conhecia bem. —Você não está aqui paramatarStrigoi.Talvezagentepossapraticarissodaquiaalgumtempo,mas,agora,suaprioridade émanter os assassinosmortais longede Jill. Isso émais importante do quequalqueroutracoisa, inclusivenossasprópriasvidas.—EledeuumaolhadanadireçãodeJill,paraenfatizar,ehaviaumbrilhodeadmiraçãoemseusolhos.—MasachoquedecapitaçãomataosMoroitambém,né?—Angelineironizou.—
Alémdisso,vocêteveumproblemacomosStrigoinomêspassado.Jill seremexeuaomeu lado,desconfortável,eatémesmoEddie fezumapausa.Era
verdade: ele tivera de matar duas Strigoi pouco tempo antes, na época em que oapartamentodeAdrian ainda era deKeith.LeeDonahue havia levadoduas Strigoi aténós.EleeraumMoroiquetinhasidotransformadoemStrigoi.Depoisdeserrestauradoao seu estado natural, Lee queria desesperadamente voltar a ser Strigoi. Foi por suacausa que descobrimos que aqueles que foram restaurados pelo espírito pareciamadquirir alguma resistência aos Strigoi.As duas Strigoi a quemele havia pedido ajudatentaram convertê-lo, mas acabaram por matá-lo — um destino melhor do que setornarmorto-vivo,naminhaopinião.Emseguida,asStrigoisevoltaramcontranóse,semquerer,trouxeramàtonaalgo
inesperado e alarmante (se não para elas, pelo menos para mim): meu sangue eraimpalatável. Elas tentaram beber e não conseguiram. Em meio a todos osacontecimentosdaquelanoite,nenhumalquimistaouMoroiprestoumuitaatençãoaessepequenodetalhe,oquemedeixoualiviada.Morriademedodequede repente alguémresolvessemecolocarsobomicroscópio.—Oquehouve foiumacaso infeliz—Eddiedisse,por fim.—Époucoprovável
quevolteaacontecer.Agoraobservecomoasminhaspernassemovemelembre-sedequeumMoroiéquasesempremaisaltoquevocê.Ele fez uma demonstração e lancei um olhar rápido para Jill.A expressão dela era
indecifrável.ElanuncafalavasobreLee,comquemhavianamoradobrevemente.Micahestavaconseguindodistraí-lanoquesitoromântico,mastervistoseuúltimonamoradoávido por se transformar nummonstro sanguinário não devia ser fácil de superar. Eutinhaasensaçãodequeelaaindasofria,apesardeescondermuitobem.—Vocêestádurademais—EddiedisseparaAngeline,depoisdeváriastentativas.Elarelaxouocorpoporcompleto,quasecomoumamarionete.—Estábomassim?—Não—Eddierespondeu,comumsuspiro.—Precisadeixarumpoucodetensão.Eddiesecolocouatrásdelaetentouajudá-laaseposicionarcorretamente,mostrando
como dobrar os joelhos e ondemanter os braços.Angeline aproveitou a oportunidadeparainclinarocorpoeseesfregarneledemaneirasugestiva.Arregaleiosolhos.O.k.,talvezelenãoestivesseimaginandocoisas.— Ei!— Ele deu um salto para trás, com uma expressão de pavor no rosto.—
Prestaatenção!Vocêprecisaaprenderisso.Aexpressãodelaeradepurainocênciaangelical.—Estouprestandoatenção.Sóestavatentandousaroseucorpoparaaprenderoque
fazercomomeu—eladissee,juroporDeus,piscouparaele.Eddierecuouaindamais.Percebi que talvez devesse intervir, apesar de Eddie ter dito que lidaria com seus
próprios problemas.Um salvador aindamelhor surgiu quando o sinal tocou, avisandoquefaltavameiahoraparaoiníciodasaulas.Levanteinumsalto.—Ei,precisamosir,senãovamosperderocafédamanhã.Vamos.Angelinemeencarou,desconfiada.—Nãoévocêquecostumapularocafédamanhã?—Sim,masnãosoueuquemestádandodurohoje.Alémdisso,vocêaindaprecisa
trocarderoupae…Espera,vocêjáestádeuniforme?Eu nem havia notado. Sempre que Eddie e Jill treinavam, eles usavam roupas
esportivas, como as que ele estava vestindo.Angeline, por sua vez, estava usando ouniformedeAmberwood—asaiaeablusajáexibiamodesgastedabatalhamatinal.—Sim,edaí?—elaperguntou,colocandoablusaparadentroondetinhacomeçado
adescosturar.Alateralestavatodasujadelama.—Vocêdeviasetrocar—eudisse.—Nah.Assimestábom.Eunãotinhatantacerteza,maspelomenosaquiloeramelhordoqueoshort jeans.
Eddiefoivestirouniformeenãovoltouparaocafédamanhã.Eusabiaqueelegostavadetomarcafée,comotodogaroto,conseguia trocarderouparápido.MeupalpiteeraqueestavasacrificandoarefeiçãoparaficarlongedeAngeline.Ouvi chamaremmeu nome quando entramos no refeitório, e vi Kristin Sawyer e
Julia Cavendish acenando para mim.Além deTrey, elas eram minhas amigas maispróximasemAmberwood.Euaindaprecisava aprendermuitoparadesenvolver algumtraquejo social, mas as duas me ajudavam bastante. E, com todos os elementossobrenaturaisenvolvidosnomeutrabalho,erabemreconfortantemesentirrodeadaporpessoas normais e… bem,humanas. Pormais que eu não pudesse ser completamentesinceracomelas.— Sydney, queríamos a sua opinião sobre o que vestir— Julia disse, jogando o
cabelo loiro para o lado, sinal de que estava prestes a dizer algo extremamenteimportante.—Vocêsqueremminhaopiniãosobre moda?—Quasevireiparatrásparaverificar
se não havia outra Sydney ali.—Acho que ninguém nunca quis saberminha opiniãosobreisso.
—Você tem roupas muito boas — Kristin insistiu. Ela tinha a pele e o cabeloescuros, além de um ar esportista que contrastava com a natureza mais feminina deJulia.—Boasdemais,naverdade.Seminhamãefossedezanosmaisnova,descoladaemuitorica,elasevestiriaigualavocê.Não sabia dizer se tinha sido um elogio ou não,mas Julia nãome deu tempo para
analisar.—Contapraela,Kris.—Lembra aquele estágio empsicologia que eu queria fazer no semestre que vem?
Fuichamadaparaumaentrevista—Kristinexplicou.—Estoutentandodecidirseusocalçaeblazerouumvestido.Ah, isso explicava por que tinham perguntado para mim. Uma entrevista. Para
qualqueroutraocasiãoelaspoderiam ter consultadoumarevistademoda.E apesardeadmitirqueeuprovavelmente eraumaautoridadeemsituaçõespráticascomoaquela…Bem,fiqueimeiodesapontadaporseresseomotivoparateremmechamado.—Dequecorelessão?—Oblazerévermelho,eovestido,azul-marinho.ExamineiKristin,observandoseustraços.Elatinhaumacicatriznopulso,resquício
deumatatuagemperigosaqueeuhaviaajudadoaremovernaépocaemqueoesquemadetatuagensdeKeithhaviasedisseminadopelaescola.—Vácomovestido—declarei.—Espere…Éotipodevestidoquevocêusariana
igrejaounabalada?—Naigreja—elarespondeu,nemumpoucoanimada.—Vestido,então,comcerteza—eudisse.KristinlançouumolhartriunfanteparaJulia.—Viu?Nãofaleiqueelaiadizerisso?Juliapareciaemdúvida.—Oblazerémaisdescontraído.Évermelho-vivo.— É,mas“descontração” não é o que você normalmente precisa transmitir numa
entrevistadeemprego—argumentei.Eradifícilmemantersériaemmeioàdiscussãobobadasduas.—Pelomenosnãoparaessetipodeemprego.Juliaaindanãopareciaconvencida,mastambémnãotentoudissuadirKristin.Pouco
depois,elaseanimounovamente.—Ei,éverdadequeTreyarrumouumcaraparavocê?—Eu…oquê?Não.Ondevocêouviuisso?Como se eu precisasse perguntar…Era óbvio que o próprioTrey havia contado a
ela.—Treydissequeconversoucomvocê—Kristinfalou.—Sobrecomoessemenino
éseuparperfeito.— É uma ótima ideia, Syd— Julia disse, séria, como se estivéssemos discutindo
uma questão de vida ou morte. — Seria bom pra você.Tipo, desde que as aulascomeçaram eu fiquei com…— ela fez uma pausa e contou os nomes nos dedos—
quatro meninos. Sabe com quantos você ficou? — ela mostrou o punho fechado—Zero!— Não preciso ficar com ninguém — argumentei. — Já tenho problemas
suficientes.Tenhocertezadequeessesóseriamaisum.—Queproblemas?—Kristinriu.—Suasnotasexcelentes,seucorpodivinoeseu
cabeloperfeito?Tipo, tudobem, sua família émeiomaluca,maspoxa…todomundotemtempoprasaircomalguémdevezemquando…oucomtodomundo,nocasodaJulia.—Ei!—Juliareagiu,apesardenãonegaraacusação.Kristin insistiu,oquemefezcogitarquetalvezelasesairiamelhornumestágiode
advocaciadoquedepsicologia:—Deixede fazer a liçãodecasaumaveznavida.Dêumachanceparaesse carae
nóspoderemossairtodosjuntosumdiadesses.Vaiserdivertido.Dei um sorriso forçado emurmurei algo semme comprometer. Todomundo tem
tempopra sair comalguémde vez emquando…Todomundomenos eu, claro. Sentiuma surpreendente pontada de nostalgia—não de umnamoro,mas simplesmente dainteraçãosocial.KristineJuliasaíammuitoemumgrupograndedeamigoseinteressesamorosos, e viviam me convidando para ir junto. Elas achavam que eu relutava emaceitar por causa dos trabalhos da escola ou talvez porque não tivesse omenino certoparameacompanhar.Queriaque fosse tão simples assime,de repente, senti como sehouvesseumgigantescoabismomeseparandodeKristine Julia.Eueraamigadelas,eelashaviammedeixadoentrarcompletamenteemsuasvidas,aopassoqueeueracheiadesegredosemeiasverdades.Partedemimdesejavaqueeupudessemeabrircomelaseconfidenciar todososdramasdaminhavidade alquimista.Caramba,partedemimsódesejavaqueeupudesseirnumdessespasseioseabandonarmeusdeveresporumanoite.Nunca daria certo, claro. Se fôssemos ao cinema, sem dúvida eu receberia umamensagemmechamandoparaajudaraacobertaralgumassassinatodeStrigoi.Nãoera raroeume sentirdaquele jeito,mas a sensação se atenuouquandoas aulas
começaram. Entrei no ritmo daminha rotina, confortável com sua familiaridade.Osprofessorespassavamamaiorpartedasliçõesparafazermosduranteofimdesemana,efiquei feliz por poder entregar tudo o que havia feito durante as viagens de avião.Infelizmente,minhaúltimaauladodiaarruinouamelhoradomeuhumor. Aulanãoeraexatamente a palavra. Era um estudo independente que eu fazia junto com a minhaprofessoradehistória,asra.Terwilliger.Pouco tempoantes, a sra.Terwilligerhavia se reveladoumausuáriademagia,um
tipodefeiticeira,ouseilácomoaquelaspessoasseautodenominavam.Osalquimistasjátinham ouvido rumores sobre elas, mas não tínhamos nenhuma informação concreta.Até onde sabíamos, só os Moroi dominavam a magia. Nós a empregávamos nastatuagensdelírio,quecontinhamalgunstraçosdesanguevampiro,masaideiadequeoshumanostambémautilizassemeramalucaeperversa.Portanto,tiveumagrandesurpresaquando,nomêsanterior,asra.Terwilligernão
só se revelou mas também acabou me induzindo a usar um feitiço.Aquilo havia medeixadochocadaemesentindosuja.Humanosnãodeviamusarmagia.Nãotínhamosodireitodemanipularomundodaquelamaneira;eracemvezespiordoqueoqueSonyafizeracomolíriovermelhonarua.Asra.Terwilliger insistiaqueeutinhaumtalentonatural para a magia e até chegou a se oferecer para me treinar. Eu não sabia o queestava por trás dessa insistência. Ela vivia falando sobre omeu potencial,mas eu nãoconseguiaacreditarqueela iriaquerermetreinarsemnenhumamotivaçãoprópria.Euainda não tinha descoberto o que era, mas não importava.Tinha recusado a oferta.Entãoelatinhaencontradoumjeitinho.—Srta.Melbourne,quantotempovocêachaqueaindavaificarnolivrodoKimball?
—elaperguntoudesuaescrivaninha.Treymeapelidarade“Melbourne”porcausadela,mas,aocontráriodele,elaparecia
sempreesquecerqueaquelenãoerameusobrenome.Ela tinhapoucomaisdequarentaanos,ocabelodeumcastanhoopacoeumbrilhosagazpermanentenosolhos.Levanteiosolhosdomeutrabalhoemeforceiasereducada:—Maisdoisdias.Três,nomáximo.—Nãoseesqueçadetraduzirostrêsfeitiçosdosono—eladisse.—Cadaumtem
suasprópriasnuances.—Temquatrofeitiçosdosononestelivro—corrigi.—Ah, é?—elaperguntou, inocente.—Quebomqueeles estão chamando a sua
atenção.Disfarcei uma careta. Fazer comque eu copiasse e traduzisse livrosde feitiçospara
pesquisa era amaneiradelademeensinar.Eu acabava aprendendoos textos conformelia.Odiavaestarpresaàquelaarmadilha,maseratardedemaisparatrancaramatéria.Alémdisso,nãodavaparareclamarnadiretoriaqueeuestavasendoobrigadaaaprendermagia.Então,obediente,eucopiavaoslivrosdefeitiçosefalavaomínimopossíveldurante
nosso tempo juntas.Enquanto isso,meenchiade indignação.Ela estava cientedomeudesconforto,masnãofazianadaparaaliviaratensão,deixando-nosnumbecosemsaída.Sóumacoisaanimavaaquelassessões.—Olhasó.Fazquaseduashorasqueeunãotomoumcappuccino.Éadmirávelque
eu ainda esteja funcionando.Você me faria a gentileza de ir até o Spencer’s? Depoisdisso,estaráliberada.O último sinal já havia tocado quinze minutos antes, mas eu estava fazendo hora
extra.Fechei o livro de feitiços antesmesmo de ela terminar a frase.Quando comecei a
trabalharcomosuaassistente,odiavaaquelassaídasconstantes.Agora,nãoviaahoradeescapar.Semfalarnomeuprópriovícioemcafeína.Quando cheguei ao café, vi queTrey estava começando seu turno,oque eraótimo
— não só porque ele era um rosto amigo, mas também porque sempre me davadesconto. Ele começou a prepararmeu pedido antesmesmo que eu dissesse qual era,
afinal,aessaalturaelejásabiadecor.Outrobaristaseofereceuparaajudar,eTreydeuinstruçõesmeticulosassobreoquefazer.—Lattedebaunilha light—Trey instruiu,pegandoocarameloparaocappuccino
da sra.Terwilliger.—Useoxarope sem açúcar e leite desnatado.Não faça besteira.Elaconseguesentirocheirodeaçúcareleiteintegralaquilômetrosdedistância.Escondiumsorriso.Eunãopodia revelaros segredosalquimistas aosmeusamigos,
masficavafelizaoperceberqueelessabiamminhaspreferênciasdecafédecor.Ooutrobarista,quepareciateranossaidade,lançouumolhardivertidoparaTrey.—Euseioquesignificalight,o.k.?— Quanta atenção aos detalhes — provoqueiTrey. — Não sabia que você se
importavatanto.—Servimosbempara servir sempre—eledisse.—Alémdisso,hojeànoitevou
precisardasuaajudacomaquelerelatóriodolaboratóriodequímica.Vocêsempreachaascoisasqueeudeixopassar.— É para amanhã— recriminei.—Você teve duas semanas.Acho que não fez
muitacoisanaquelasessãodeestudoscomaslíderesdetorcida.—Poisé,poisé.Vocêmeajuda?Possoatéiraoseualojamento.—Vouficaratétardecomumgrupodeestudos.Umdeverdade.—Osexooposto
erabanidodosalojamentosapartirdecertohorário.—Depoispossoencontrarvocênocampuscentral,sequiser.—Quantoscampitemaescoladevocês?—ooutrobaristaperguntou,entregando
meulatte.—Três.—Pegueiocafé,afoita.—ComoaGália.—Comooquê?—Treyperguntou.—Desculpe—respondi.—Éumareferênciaemlatim.—OmniaGalliaintrespartesdivisaest—obaristadisse.Levantei acabeçanumreflexo.Poucascoisasmedistraíamdocafé,masouvir Júlio
CésarcitadonoSpencer’ssemdúvidaeraumadelas.—Vocêsabelatim?—perguntei.—Claro—elerespondeu.—Quemnãosabe?—Sóorestodomundo—Treymurmurou,revirandoosolhos.— Ainda mais latim clássico — o barista continuou. — Quer dizer, é bem
terapêuticosecomparadoaolatimmedieval.—Claro—eudisse.—Todomundo sabedisso.Todas as regras ficaramcaóticas
depoisdadescentralizaçãodoImpério.Eleassentiucomacabeça.—Masquandovocêcomparacomas línguasromânicas,asregrascomeçama fazer
maissentidosevocêasexaminarcomopartedeumquadromaiordeevoluçãodalíngua.—Isso—Treyinterrompeu—éacoisamaiszoadaqueeujávinavida.Eamais
bonitinhatambém.Sydney,esteéBrayden.Brayden,Sydney.Treyquasenuncamechamavapelonome,entãoaquilo foiumpoucoestranho,mas
nãotãoestranhoquantoapiscadelaexageradaqueelemedeu.AperteiamãodeBrayden.—Prazer.—Igualmente—eledisse.—Vocêé fãdeclássicos,então?—Elefezumapausa,
me examinando com os olhos. —Viu a adaptação de Antônio e Cleópatra do ParkTheatreGroup?—Não, nem sabia que eles tinhamencenado.—De repenteme sentimeio idiota
pornãosaberaquilo,comosedevesseestarpordentrode todososeventosartísticoseculturaisda regiãodePalmSprings.Acrescentei, a títulodeexplicação:—Faz sóummêsquememudeiparacá.—Achoqueelesaindavãofazeralgumasapresentaçõesnessatemporada.—Brayden
hesitounovamente.—Euveriadenovosevocêquisesse ir.Mas jávouavisandoqueéumadaquelasadaptaçõesmaislivresdeShakespeare.Comfigurinomoderno.— Não me importo. Esse tipo de reinterpretação é o que torna Shakespeare
atemporal.As palavras saíram da minha boca sem que eu percebesse.Ao pronunciá-las, de
repente tive uma epifania eme dei conta de que haviamais coisas rolando do que euinicialmente tinha percebido. Repeti mentalmente as palavras de Brayden e, ao ver oenorme sorriso deTrey, logo entendi tudo.Aquele era omenino de quemTrey tinhamefalado.Minha“almagêmea”.Eeleestavamechamandoparasair.—Éumaótimaideia—Treydisse.—Crianças,vocêsrealmentedeviamsairpara
brincarjuntos.Umdiainteiro.Aproveitemparajantar,passearnabibliotecaouseiláoquevocêsfazemparasedivertir.Brayden voltou os olhos paramim.Tinham cor de avelã, quase comoos deEddie,
mas com um pouco de verde. Não tão verdes quanto os deAdrian, claro. Ninguémtinhaolhostãoincrivelmenteverdes.OcabelocastanhodeBraydenàsvezesrefletiaemtons dourados, dependendo da luz, e tinha um corte prático que salientava seusmaxilares.Precisavaadmitirqueeleerabembonito.—Eles se apresentam de quinta a domingo— ele disse.—Tenho um torneio de
debatesduranteofimdesemana…Vocêpodenaquintaànoite?—Eu…Podia?Nãotinhanadaplanejado,atéondeeusabia.Cercadeduasvezesporsemana
eulevavaJillàcasadeClarenceDonahue,umvelhoMoroiquetinhaumafornecedora.No entanto, quinta não era uma das noites programadas para o fornecimento e,tecnicamente,eunãoeraobrigadaacompareceraosexperimentosànoite.—Claroqueelaestá livre—Treyseadiantouantesqueeupudesseresponder.—
Nãoé,Sydney?—Sim—respondi,disparandoumolharparaele.—Estoulivre.Braydensorriu.Sorridevolta.Sobrouumsilêncionervoso.Elepareciatãoinseguro
quanto eu sobre o que fazer a seguir. Eu teria pensado como aquilo era fofo se nãoestivessetãopreocupadaemnãoparecerridícula.
Treydeuumacotoveladaincisivanele.—Agoraéaparteemquevocêpedeonúmerodela.Braydenassentiu,apesardeparecerdescontentecomacotovelada.—Certo,certo.—Eletirouocelulardobolso.—ÉSydneycom“y”oucom“i”?
—Treyrevirouosolhos.—Oquefoi?Euchutariacom“y”,mascomoosnomesestãocadavezmenosconvencionais,nuncasesabe.Sóqueriacolocarcertonomeucelular.—Euteriafeitoomesmo—concordei,eentãopasseimeunúmero.Elelevantouosolhoseabriuumsorrisoparamim.—Ótimo.Malpossoesperar.—Eutambém—respondi,eestavasendosincera.SaídoSpencer’scompletamentepasma.Eutinhaumencontromarcado.Comoisso
tinhaacontecido?Algunssegundosdepois,Treyveiocorrendoatrásdemim,aindausandooaventalde
barista,emealcançouquandoeudestravavaocarro.—Eentão?—perguntou.—Euestavacertooucompletamentecerto?—Sobreoquê?—retorqui,apesardesaberoqueestavaporvir.—SobreBraydensersuaalmagêmea.—Eufaleipravocê…—Eusei,eusei.Vocênãoacreditaemalmasgêmeas.Mesmoassim—disse,com
umsorriso—,seaquelegarotonãoéperfeitopravocê,entãonãoseiquemé.— Bem, vamos ver.— Equilibrei o copo da sra.Terwilliger sobre o carro para
poder beber o meu. — O fato de ele não gostar de interpretações modernas deShakespearedefinitivamentepodeserumproblema.—Sério?—Treyperguntou,meencarandoincrédulo.—Não—respondi,olhandofeioparaele.—Euestavabrincando.Bem,talvez.—
OlattequeBraydenhaviafeitoparamimestavamuitobom,entãoeuestavadispostaaconceder a ele o benefício da dúvida na questão do Shakespeare.— Por que você seimportatantocomaminhavidaamorosa,afinal?Treydeudeombroseenfiouasmãosnobolso.Gotasdesuorjáseformavamsobre
suapelebronzeadaporcausadosoldofinaldatarde.—Nãosei.Sintoquedevoumapravocêdepoisdetudoqueroloucomastatuagens.
Etambémportodasuaajudacomostrabalhosdaescola.—Naverdade,vocênemprecisadaminhaajuda.Equantoàstatuagens…—Franzi
a testaenquantoa imagemdeKeithesmurrandoovidrovoltavaa se formarnaminhacabeça. O sangue de vampiro que Keith havia traficado resultara em tatuagensanabolizantesquecausarambastanteestragoemAmberwood.ClaroqueTreynãosabiadomeuinteressepessoalnaquestão.Sósabiaqueeuhaviadadoumjeitonaspessoasquese aproveitavam das tatuagens para ganhar vantagens esportivas.—Fiz aquilo porqueeraacoisacertaafazer.Eleabriuumsorriso.—Claro.Mesmoassim,evitoumuitodesgostodomeupai.
—Esperoque sim.Agoravocênão temmaisnenhumrivalnaequipe.Oquemaisseupaiquer?—Ah,sempretemalgumacoisaemqueeleachaqueeupodiasermelhor.Nãoésó
comofutebolamericano.Treyjáhaviafeitoalusãoaissoantes.—Seicomoé—eudisse,pensandoemmeuprópriopai.Ummomentodesilêncioseestabeleceuentrenós.Depoisdeumtempo,eledisse:— Para piorar,meu primo perfeito está vindo para a cidade.Tudo o que eu faço
parecelixopertodele.Vocêtemumprimoassimtambém?—Humm.Naverdade,não.A maioria dos meus primos era por parte de mãe, e meu pai costumava evitar a
famíliadela.—Vocêdeve ser aprimaperfeita—Trey resmungou.—Enfim, sempreexistem
essasexpectativasnafamília…essestestes.Ofutebolmegarantiucertorespeitoagora.—Elepiscouparamim.—Eminhaótimanotadequímicatambém.Essaúltimaindiretanãopassoubatida.—Tudobem.Mandoumamensagempravocêquandovoltar,eagentedáumjeito
norelatório.—Valeu. E vou ter uma conversinha com Brayden pra ele não avançar o sinal na
quinta.MinhacabeçaaindaestavapensandoemlatimeShakespeare.—Quesinal?Treybalançouacabeça.—Sinceramente,Melbourne,nãoseicomovocêsobreviveutantotemposemmim.—Ah—eudisse,corando.—Aquilo.Ótimo.Agoraeutinhamaisumacoisacomquemepreocupar.Treyachougraçada
situação.—Cáentrenós,Braydendeveseroúltimocaranomundocomquemvocêprecisa
sepreocupar.Achoqueele é tãoperdidoquantovocê. Se eunãome importasse tantocom a sua castidade, provavelmente daria uma aula pra ele sobre como tentar algumacoisa.—Bem,obrigadapormantermeusmelhoresinteressesemmente—respondi,seca.
—Semprequisumirmãoparacuidardemim.Elemeolhou,curioso.—Vocênãotem,seilá,trêsirmãos?Ah,não.—Hum,quisdizeremsentidofigurado.—Tenteinãoentrarempânico.Erararo
eu soltar um fora sobre a história que tínhamos inventado para nossa família. Eddie,AdrianeKeithjátinhamsepassadopormeusirmãosemalgummomento.—Nenhumdelesseinteressatantopelaminhavidaamorosa.Eagora euestoumuitointeressadaemficarnoar-condicionado.—Abriaportadocarro,deondeveioumaondadecalor.—
Hojeànoitefalocomvocêeajudocomseurelatório.Treyassentiu,parecendoquerervoltarparaocafétambém.—Eeuajudovocêsetiveralgumaoutradúvidasobreencontrosromânticos.Eu esperava que meu olhar taxativo deixasse clara minha opinião sobre o assunto,
masdepoisqueelefoiemboraeligueioar-condicionadonomáximo,minhapetulânciase desfez, dando lugar a preocupação.A pergunta que não queria calar se repetiu naminhacabeça.Comoeupretendiasairvivadoencontro?
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ANOTÍCIADOENCONTROLOGOSEESPALHOU.SóconseguiaimaginarqueTreyhaviacontadoparaKristineJulia,que,porsuavez,
contarampara Jill,Eddiee sabe láDeusquemmais…Entãoeunãodeveria ter ficadosurpresaquandoAdrianme ligou logodepoisdo jantarecomeçoua falarantesmesmoqueeupudessedizer“alô”.—Sério,Sage?Umencontro?Solteiumsuspiro.—Sim,Adrian.Umencontro.—Você vai a umencontrode verdade, e não tipo fazer um trabalhoda escola em
dupla?—elecontinuou.—Digo,vaiverumfilmeoualgumacoisaassimcomalguém?Eumfilmedivertido,quenãotemavercomnenhumaliçãodecasa?—Vou a um encontro de verdade.—Achei que era melhor não especificar que
íamosverumapeçadeShakespeare.—Qualéonomedosortudo?—Brayden.Houveumapausa.—Brayden?Esseéonomedeledeverdade?—Porquevocêestáperguntandoseétudodeverdade?Achaqueeuinventariatudo
isso?—Não,não—Adrianassegurou.—Eéissoquetornatudotãoinacreditável.Eleé
bonito?Deiumaolhadanorelógio.Jáerahoradeencontrarmeugrupodeestudos.—Caramba,achoqueémelhoreumandarlogoumafotopravocêavaliar.— Sim, por favor. E um dossiê completo com os antecedentes criminais e um
históricodavidadele.—Precisoir.Porquevocêestáligandotanto,afinal?—perguntei,irritada.
Eledemorouumtempopararesponder,oqueerararo.Adriancostumava terumadúzia de gracinhas na ponta da língua para tudo.Talvez não conseguisse decidir qualdelasusar.Quandofinalmenterespondeu,foidoseujeitosarcásticodesempre,emborasuadescontraçãosoasseumpoucoforçadademais.—Porqueéumadaquelascoisasqueeununcapenseiqueverianavida—eledisse.
—Como um cometa.Ou a pazmundial.Acho que só estou acostumado a ver vocêsolteira.Poralgummotivo,aquilomeincomodou.—Porquê?Vocêachaquenenhumcaraseinteressariapormim?—Naverdade—Adriandisse,comavozestranhamenteséria—,consigoimaginar
várioscarasinteressadosporvocê.Eutinhacertezadequeeleestavatirandoondacomaminhacaraenãotinhatempo
parasuaspiadas.Medespedieseguiparaogrupodeestudos,quefelizmenteeramuitodedicado, e conseguimos trabalhar bastante.Mas quando encontreiTrey na bibliotecamaistarde,elenãoestavanemumpoucoconcentrado.NãoparavadefalarsobrecomotinhasidogenialemmejuntarcomBrayden.—Nósaindanemsaímosejáestoucansadadessahistória—falei.Espalheiospapéis
deTrey na mesa à nossa frente. Os números e fórmulas eram reconfortantes, muitomais concretos e ordenados do que os mistérios da interação social.Apontei para orelatóriocomacaneta.—Presteatenção.Nãotemosmuitotempo.—Vocênãopodesimplesmenteterminarparamim?—eledisse,dandodeombros.—Não!Temostemposuficientepravocêterminar.Euajudo,sóisso.Treyeracapazdeentenderquase tudosozinho.Mepedirajudaera sóumamaneira
de fingirquenãoera inteligente.Eleesqueceuoencontroe seconcentrouno trabalho.Pensei que estava livre do interrogatório sobre Brayden até que, quando estávamosterminandoorelatório,JilleMicahpassaramdemãosdadas.Eles estavam em um grupo com várias pessoas, o que não era nenhuma surpresa.
Micaherasimpáticoepopular,oquerenderaaJillumgrandecírculodeamigosquandocomeçaram a sair juntos. Os olhos dela brilhavam de felicidade enquanto alguémcontava umahistória engraçada e todos riam.Eumesmanãopude conter um sorriso.Era umgrande avançodesde que Jill chegara aAmberwood, quando fora excluída porter um visual excêntrico e um comportamento peculiar. Seu status social estavaprogredindo.Talvez isso a ajudasse a aceitar melhor sua origem nobre. Meu sorrisoesmaeceu quando ela puxouMicah de lado e caminhou apressada até nossa mesa. Suaexpressãoansiosamedeixoupreocupada.—Éverdade?—elaperguntou.—Vocêvaisaircomalguém?— Pelo amor de…Você sabe que é verdade! E contou paraAdrian, não foi?—
perguntei,lançandoumolharfulminante.O laço psíquico não ficava ativo o tempo todo,mas algomedizia que ela sabia do
telefonemadelemaiscedo.Quandoolaçoestava“ligado”,elaconseguiaenxergaroquese passava dentro da cabeça dele, observando seus sentimentos e ações.No entanto, o
laçosófuncionavaporumavia.Adriannãotinhaessasvisões.Elaficouencabulada.—É.NãopudeevitarquandoMicahmecontou…—FoiEddiequemedisse—Micahacrescentourápido,comose isso fosse livrá-lo
daculpa.Eleeraruivoetinhaolhosazuisquepareciamsemprealegresesimpáticos.Erao tipo de pessoa de quem era impossível não gostar, o que tornava aindamais difícildesfazeracomplicadatramaqueJillteceraaocomeçaranamorarcomele.—Ei,eunãoconteiparaoEddie—Treydisse,nadefensiva.Vireiparaencará-lo.—Mascontouparaoutraspessoas,quecontaramparaoEddie.Eledeudeombros.—Possotermencionadoaquieali.—Inacreditável.—Comoeleé?—Jillperguntou.—Ébonitinho?Penseiumpoucosobreapergunta.—Bembonitinho.—Promissor—eladisse,animada.—Aondeelevai te levar?Algumlugar legal?
Curtiranoitenacidade?Umjantarchique?EueMicahadoramosoSaltonSea.Ébembonitolá.Vocêspodemirefazerumpiqueniqueromântico.—Suasbochechascorarameelaparoupara retomaro fôlego,notandoqueestava falando semparar.Divagar eraumdostraçosmaisadoráveisdela.—VamosverShakespearenoparque—eudisse.Caiuumsilêncioabsoluto.—AntônioeCleópatra.Éumapeçamuitoboa.—Derepente sentiqueprecisava
medefender.—Éumclássico.BraydeneeugostamosmuitodeShakespeare.—Onomedeleé“Brayden”?—Micahperguntou,incrédulo.—Quetipodenome
éesse?Jillfranziuatesta.—AntônioeCleópatra…éumapeçaromântica?—Maisoumenos—respondi.—Nocomeço,sim.Depoistodomundomorre.AexpressãohorrorizadadeJilldeixouclaroqueeunãoestavamelhorandomuitoas
coisas.— Bem— ela disse —, espero que vocês... se divirtam. —Alguns momentos
constrangedores depois, seus olhos voltaram a se iluminar.—Ah!Liame ligou hoje.Dissequevocêsduasconversaramsobreeuvoltaramodelarparaela!—Quê?—exclamei.—Nãofoinadadissoqueconverseicomela.Elaperguntouse
vocêpoderiafazeralgunsanúnciosimpressos.Eeurespondiquenão.—Ah. —A expressão de Jill esmoreceu um pouco. — Entendo. Pelo que ela
disse…eusópenseique…Bem,penseiquetalvezhouvesseumjeito…Lanceiaelaumolharcheiodesignificados.—Desculpe,Jill.Queriaquehouvesseumjeito.Masvocêsabequenãodá.Elaconcordou,chateada.
—Euentendo.Tudobem.—Você não precisa aparecer em anúncios para eu te achar bonita—Micah disse,
galante.Isso fez voltar o sorriso dela, que se desfez quando Jill olhou para um relógio por
perto.Suasmudançasdehumorme lembravamdeAdrian, e eumeperguntava se emparteelasnãoseriamefeitodolaço.—Argh. O toque de recolher já está para tocar. É melhor irmos embora.Você
vem,Sydney?Olhei para o relatório deTrey, que estava pronto e, com certeza, absolutamente
perfeito.—Voudaquiapouco.Micah e ela saíram.Voltando o olhar paraTrey, fiquei surpresa ao encontrá-lo
fitandoatentamenteasilhuetadela,queseafastava.Deiumacutucadanele.—Ei.Não se esqueçade colocaronomenisso aí,ouo trabalhonãovai servirpra
nada.ElelevoualgunssegundosparadesviarosolhosdeJill.—Aquelaésuairmã,né?Seutomabatidofaziaaquilosoarmaiscomoumaconstataçãodoqueumapergunta,
comoseeleestivessesedandocontadeumadesgraça.—Hum,sim.VocêjáviuJillmilharesdevezes.Elafrequentaaescolaháummês.—Eusei,sóquenuncatinhapensadomuitonisso…—eledisse,franzindoatesta.
—Nuncatinhaolhadodireitoparaela.Nãofazemosnenhumaaulajuntos.—Elafoiocentrodasatençõesnaqueleeventodemoda.—Elaestavademáscara.—Seusolhosescurosmeexaminaram.—Vocêsduasnão
sãonemumpoucoparecidas.—Todomundodizisso.Treyaindapareciainquieto,enãoentendiporquê.—É bommesmo que você amantenha longe da vida demodelo—ele disse, por
fim.—Elaémuitojovempraisso.—Éumaquestãodereligião—eudisse, sabendoqueTreynãomepediriamuitos
detalhessobrenossa“fé”.— Seja lá o que for, mantenha Jill fora das vistas. — Ele rabiscou o nome no
relatórioe fechouo livro.—Vocênão iaquerervê-laestampadaemtodasas revistasoucoisaassim.Temmuitagenteloucaporaí.Dessavez fuieuque fiqueiolhando,pasma.Concordavacomele.Exposiçãodemais
significavaqueosMoroidissidentespoderiamencontrá-la.MasporqueTreypensariaomesmo?Oargumentodequeelaera jovemdemaiserasensato,pensei,mashaviaalgoum tanto perturbador naquela conversa.Amaneira como ele a observou indo emboraerabastanteinquietante.Mas,enfim,queoutromotivoalémdeumamerapreocupaçãoelepoderiater?A normalidade dos dias seguintes foi bem-vinda, considerando, claro, que
normalidadeeraumconceitorelativoporali.Adriancontinuavamemandandoe-mailspedindoresgate(aomesmotempoque,semqueeupedisse,medavaconselhossobreoencontro).Asra.Terwilliger insistiaemsuas tentativasmeioagressivasdemeensinarfeitiçaria.EddiemantinhasuadedicaçãoferrenhaaJill.EAngelinecontinuavaainvestirneledeumjeitonadadiscreto.Depois de vê-la derrubar um copo de água “acidentalmente” na própria camiseta
durante um treino, percebi que alguma coisa precisava ser feita, independente do queEddietinhaditosobresuavidapessoal.Assimcomoaconteciacomquasetodasastarefasembaraçosas e desagradáveis do grupo, tive a sensação de que era eu quem teria quecumprir esse papel. Imaginei que teria algum tipo de conversa rígida e franca sobre amaneira certa de chamar a atenção de alguém, mas, na noite do meu encontro comBrayden, logo ficou claro que eu era a última pessoa que deveria dar conselhosamorosos.—Você vai usar isso?—Kristinperguntou, apontandoumdedo acusatóriopara a
roupaqueeuhaviaseparadocomcuidadosobreacama.Ela e Julia haviam se encarregado de me inspecionar antes que eu saísse. Jill e
Angeline tinham vindo também, sem serem convidadas, e notei que todas pareciammuitomaisanimadascomaquilodoqueeu.Namaiorpartedotempoeueraummistodenervosismoemedo.Penseiquedeviaseressaasensaçãodeirparaumaprovasemterestudadoantes.Eraumaexperiêncianovaparamim.—Nãoéumuniformedeescola—eudisse.Tinhanoçãosuficientepara saberque
issoseriainaceitável.—Eécolorido.Bem,maisoumenos.Juliapegouablusaqueeutinhaescolhido,umadealgodãobemfresquinha,demanga
curtaecolarinhoalto.Otomeraamarelo-limão,epenseiqueelasfossemgostar,jáquetodasmeacusavamdenãousarroupascoloridas.Euatétinhaseparadoumacalça jeansparausarjunto.Elafezquenãocomacabeça.—Esseéotipodeblusaquediz:“Vocênuncavaipôrasmãosaquidentro”.—Eporqueeletentariaisso?—perguntei.Kristin, sentada na minha cadeira com as pernas cruzadas, inclinou a cabeça,
pensativa,estudandoacamisa.—Achoqueablusadizmais:“Vouterquevoltarcedoparafazerumaapresentação
noPowerPoint”.Issocausouumataquederisoemtodaselas.Euestavaprestesaprotestarquandovi
JilleAngelinerevirandomeuguarda-roupa.—Ei!Vocêsdeviampelomenospedirlicença!—Todos os seus vestidos são pesados demais — Jill disse. — Ela tirou um de
caxemira cinza-claro.—Tipo, esse pelo menos não tem manga, mas ainda assim épesadodemaisparaesteclima.— Metade do meu guarda-roupa é assim— eu disse. — É feito para as quatro
estações.Nãotivemuitotempoparapegartodasasroupasdeverãoantesdevirparacá.—Viu?—Angelineexclamou,triunfante.—Agoravocêentendeomeuproblema.
Possocortaralgunscentímetrosdessevestidosequiser.—Não!Paraomeualívio,Jillguardouovestido.Algunsinstantesdepois,tirououtroachado
doarmário.—Eessa?—elaperguntou,segurandoumcabidecomumalongaregatabrancafeita
deumtecidoleveeondulado,comdecoteemU.KristinsevirouparaAngeline.—Vocêachaqueconsegueaumentarodecote?—Otamanhododecote jáé suficiente.Eessanãoéumablusaparavestir sozinha
—protestei.—Éfeitaparausarembaixodeumblazer.Julia se levantou da cadeira e jogou o cabelo para o lado— aquele era um assunto
sério.—Não,não…issopodedarcerto.—ElapegouablusadasmãosdeJilleacolocou
sobreojeansqueeuhaviaseparado.Analisouporalgunsinstantesedepoisvoltouparaomeuguarda-roupa,quepelovistoestavaabertoparatodomundo.Depoisdeumabuscarápida,tirouumcintofinodecouromarrom-claro,comestampadecobra.—Bemqueeumelembravadevervocêusandoisso.—Elacolocouocintosobreablusabrancaedeuumpassopara trás.Depoisdemaisumexameminucioso, assentiuemaprovação.Asoutrasseaproximaramparaolhar.—Boaideia—Kristindisse.—Ei,quemencontrouablusafuieu—Jilllembrou.—Eunãopossousarablusasemnadaporcima—reiterei.Tinha esperanças de que meus protestos ocultassem minha ansiedade. Será que eu
estavatãoerradasobreacamisaamarela?Tinhacertezadequeelaeraadequadaparaumencontro.Comoeupoderiasobreviveràquelanoitesenemsabiacomomevestir?—Sequiserusarumblazeremcimadelacomessatemperatura,fiqueàvontade—
Julia zombou.—Mas não acho que você deva se preocupar emmostrar demais.Nãochamariaaatençãonemdasra.Weathers.—Ablusaamarelatambémnão—ressaltei.Elasdecretaramqueminharoupaestavadecididaepassaramaosconselhosdecabelo
e maquiagem. Nessa parte, estabeleci limites. Usava maquiagem todo dia —maquiagemmuito boa e cara, aplicada para tirar omelhor proveito dosmeus traços,dandoaimpressãodequeeunãotinhapassadonada.Eunãomudariaessevisualnatural,pormaisqueJuliainsistissequeumasombrarosamedeixariamais“sexy”.Nenhumadelasbrigoumuitosobremeucabelo.Eleestavapoucoabaixodoombro,
cortadoemcamadas.Havia sóumamaneirade arrumá-lo:deixá-lo solto, ajeitandoascamadascuidadosamentecomosecador.Dequalqueroutrojeitopareceriabagunçadoe,claro,eujáohaviadeixadonaformaperfeita.Nãotinhaporquemexernoquejáestavabom.Alémdisso, achoqueelas já estavammuito animadasporeu ter topadovestir aregatabranca—depoisdetê-laexperimentadoeconferidoquenãoficavatransparente.A única joia que concordei emusar foiminha cruz dourada. Prendi-a em torno do
pescoço e fiz uma oração em silêncio, pedindo para sobreviver àquilo.Apesar de osalquimistas usarem crucifixos com frequência, não seguíamos nenhuma fé ou práticacristã tradicional.Tínhamos nossas próprias cerimônias religiosas e acreditávamos emDeus,equeEleeraagrandeforçadeluzebondadequeinspiravatodoouniverso.Comtoda essa responsabilidade, era provável que Ele não se importasse muito com umameninaqueiasaircomumgaroto,mastalvezpudessegastarumsegundinhogarantindoqueaquilonãofossetãodifícilassim.ChegadaahoradeBraydenmebuscar,elasdesceramasescadascomigo.(Naverdade
era um pouco antes da hora marcada, porque eu odiava a ideia de chegar atrasada.)Todas inventarammotivosparaconhecê-lo—desdeJill,queafirmouser“umlancedefamília”, atéKristin, que alegou conseguir“identificar umbabaca em cinco segundos”.Eu não tinha tanta certeza disso, já que certa vez ela disse queKeith parecia uma boapessoa.Todasestavamdispostasadarconselhos,mesmoqueeunãotivessepedido.—Vocêspodemdividiracontadojantar ouosingressosparaapeça—Juliadisse.
—Osdoisnão.Eleprecisapagaracontainteiradeumdeles.—Masémelhorseelepagartudo—Kristindisse.—Epeçaalgumacoisamesmosenãoestivercom fome—Jill acrescentou.—Se
ele for pagar o jantar todo, você não vai querer que ele pague barato. Ele precisa seesforçarparaconquistarvocê.—Deondevocêstiramtudoisso?—perguntei.—Qualéoproblemaseeu…Ah,
não.Chegando ao saguão, encontramos Eddie eMicah sentados num banco. Pelomenos
elestiveramadecênciadeparecerenvergonhados.—Vocêstambém?!—exclamei.—SóestouaquiparaverJill—Micahdisse,numtomnadaconvincente.—E eu estava aqui para, hum…—Eddie hesitou, ao que eu levantei amãopara
detê-lo.—Não precisa nem tentar explicar. Sério, estou surpresa porTrey não estar aqui
também,comumacâmeraoualgoassim.Imagineiqueeleiriaquererimortalizartodososmomentosdessedesastrede…ah.Ei,aqui!Abri um sorriso quando Brayden entrou no saguão.Aparentemente, eu não era a
únicaquegostavadechegarcedo.Brayden pareceu um pouco surpreso com meu séquito de acompanhantes. Eu não
podiaculpá-lo—afinal,estavasurpresatambém.— É um prazer conhecer todos vocês — Brayden disse, simpático, e um pouco
desconcertado.Embora ficasse incomodado com os avanços de Angeline, Eddie conseguia ser
perfeitamenteextrovertidoemsituaçõessociaismenosbizarras.ElerepresentouopapeldeirmãoecumprimentouBrayden.—Fiqueisabendoquevocêsvãoaumapeçahoje.
—Sim—Braydendisse.—Emboraeuprefiraotermo drama.Naverdade,eu jávi essa adaptação, mas queria assistir de novo com o olhar voltado para formasalternativas de análise dramática. O método Freytag tradicional pode se tornar umclichêdepoisdeumtempo.Todos ficaram sem palavras. Ou talvez só estivessem tentando entender o que ele
tinhaacabadodedizer.EddievoltouoolharparamimedepoisparaBrayden.—Bom,algomedizquevocêsvãosedivertirbastantejuntos.Depoisqueconseguimosnoslivrardosmeusentesqueridos,Braydencomentou:—Vocêtemamigoseparentesmuito…dedicados.—Ah—respondi.—Poisé.Porcoincidênciaelestambémiamsairjuntosnaquela
hora.Paraestudar.Braydenolhouorelógio.—Aindadá tempo,acho.Semprequeposso, façoos trabalhos logodepoisdaaula,
porque…—Sedeixarparadepois,nuncasesabequandoalgumimprevistopodeacontecer?—Exato—eledisse.Sorriuparamim,eretribuíosorriso.Acompanhei Brayden até o estacionamento de visitantes, onde havia um reluzente
FordMustang prateado. Quase desmaiei. De imediato, estendi a mão e a passei pelasuperfíciesuavedocarro.—Quelindo—falei.—Modelonovo,doanoquevem.Essesmaismodernosnunca
vãoteramesmapersonalidadedosclássicos,massemdúvidacompensamemsegurançaeeconomiadecombustível.Braydenpareciapositivamentesurpreso.—Vocêentendedecarros.—Éumhobby—admiti.—Minhamãeémuitofãdecarros.—Quandoconheci
RoseHathaway, tive a experiência incrível de dirigir umCitroën de 1972. Em PalmSprings,eutinhaumaperuaSubaruqueapelideidePingado,emreferênciaàsuacorcafécomleite.Gostavamuitodela,masnãoeraexatamenteglamorosa.—Sãoverdadeirasobrasdearteeengenharia.Percebi que Brayden tinha me acompanhado para o lado do passageiro. Por meio
segundo,cogitei seeleestavaesperandoqueeudirigisse.Talvezporeugostar tantodecarros? Mas então ele abriu a porta, e me dei conta de que estava esperando que euentrasse.Entrei, tentandome lembrardaúltimavezemqueumgaroto tinhaabertoaportadocarroparamim.Conclusão:nunca.O jantar não foi num fast-food, mas também não foi nada muito chique. Fiquei
curiosa para saber qual seria a opinião de Julia e Kristin sobre isso. Comemos numrestaurante típicodaCalifórnia que servia todo tipode saladas e sanduíches orgânicos.Todosositensdocardápiopareciamterabacate.—Eu levariavocê aum lugarmais legal—eledisse.—Masnãoqueria correro
riscodechegaratrasadoàpeça.Oparqueéaalgunsquarteirõesdaqui,entãodátempo
depegarumbom lugar.Eu…esperoqueesteja tudobem.—Derepenteelepareceuapreensivo.EraumgrandecontrasteemrelaçãoàconfiançaquehaviademonstradoaofalardeShakespeare.Euprecisavaadmitirqueaquiloeraumtantoreconfortante,emevirelaxarumpouco.—Senão,possoencontrarumlugarmelhor…—Não,aquiestáótimo—eudisse,passandoosolhospelorestaurante fortemente
iluminado.Eraumdaqueleslugaresemqueopedidoéfeitonobalcãoedepoislevamoso número para a mesa. — Prefiro chegar cedo também. — Ele tinha pagado pelarefeição.Tentei seguir as regras daquele tipo de encontro, queminhas amigas haviamdespejadoemcimademim.—Quantotedevopeloingresso?—perguntei,hesitante.Braydenpareceusurpreso.—Nada.Éporminhaconta—respondeucomumsorriso,tambémhesitante.—Obrigada—agradeci.Então, era ele quem estava pagando. Isso deixaria Kristin contente, apesar de me
incomodarumpouco.Comosalquimistas,erasempreeuquemcuidavadascontasedaburocracia.Nãoestavaacostumadaa teroutrapessoa fazendo issopormim.Achoquenão conseguiame livrar da sensação de que precisava cuidar de tudo porque ninguémmaisconseguiriafazerascoisasdireito.Osestudosnunca foramumproblemaparamim.MasemAmberwood,aprendera
lidar compessoasdaminhaprópria idadedeumamaneiranormal vinha semostrandoumatarefamuitomaisárdua.Euestavaprogredindo,masaindamecustavaumgrandeesforçodescobriracoisacertaadizerparameuscolegas.ComBrayden,issonãoeraumproblema.Tínhamosumestoqueinfinitodeassuntos,ambosansiososparadizertudooquesabíamossobre todaequalquercoisa.Passamosamaiorpartedo jantardiscutindoascomplicaçõesdoprocessodecertificaçãodeprodutosorgânicos.Foibemlegal.OproblemaveioquandoestávamosterminandodecomereBraydenperguntouseeu
queria sobremesa. Fiquei paralisada, de repente nomeio de um dilema. Jill tinhameditoparapedirosuficienteparaqueoencontronãosaíssebarato.Semnempensarnisso,eupediraumasaladanemumpoucocara,simplesmenteporquepareciaboa.Seráqueeudevia pedirmais alguma coisa só para queBrayden tivesse que“se esforçar” para ficarcomigo?Seráquevaliaapenaquebrartodasasminhasregrassobreaçúcaresobremesa?E, sinceramente, o que a Jill sabia sobre regras de etiqueta em encontros românticos,afinal?Oúltimonamoradodelaforaumhomicidaeoatualnãofaziaamenorideiaqueelaeravampira.—Não,obrigada—respondi,finalmente.—Prefirogarantirquevamoschegarao
parqueatempo.Eleconcordou,levantando-se,emeabriuoutrosorriso.— Estava pensando a mesma coisa.A maior parte das pessoas não considera a
pontualidadeimportante.— Importante? É essencial— respondi.—Sempre estou pelomenos dezminutos
adiantada.OsorrisodeBraydensealargou.
—Eutentomeadiantarquinze.Prafalaraverdade…nãoqueriasobremesamesmo.—Eleabriuaportaparaeusair.—Costumoevitarmuitoaçúcar.Perplexa,quasepareiemchoque.—Concordoplenamente,masmeusamigossempremeenchemporcausadisso.Braydenconcordoucomacabeça.—Poisé.Motivosnãofaltam,masaspessoasnãoentendem.Eu caminhava pelo parque, atordoada. Ninguém jamais havia me entendido tão
rápidoecomtantafacilidade.Elepareciaestarlendominhamente.PalmSprings ficavanumaáreadedeserto,com longaspaisagensdeareiaeencostas
demontanhasrochosas.Mastambémeraumaregiãoqueahumanidadevinhamoldandofaziatempo,demodoquemuitoslugares,comoAmberwood,foramtransformadosemáreas verdes viçosas que desafiavam o clima natural.Aquele parque não era diferente.Consistianumagrandeextensãodegramaverde,rodeadaporárvoresfrondosas,emvezdaspalmeiras tradicionais.Umpalcohavia sidomontadonumadasextremidades, e aspessoas já estavam à caça dos melhores lugares. Escolhemos um à sombra, com umaexcelentevistaparaopalco.Braydentirouumcobertordamochilaparanossentarmos,e também um exemplar gasto deAntônio e Cleópatra, marcado com anotações eadesivos.—Vocêtrouxeoseu?—eleperguntou.—Não—respondi,umtanto impressionada.—Nãotrouxemuitos livrosdecasa
quandomemudeipracá.Elehesitou,parecendoinsegurocomoqueestavapensando.—Queracompanharapeçacomigo?Sinceramente,eutinhapensadoqueiriaapenasassistiràpeça,masaestudiosadentro
demim certamente enxergava vantagens em acompanhar com o texto original.Alémdisso, estava curiosa para ver que tipode anotações ele havia feito.Assimque aceitei,percebiporqueeleparecianervoso.Lercomelesignificavaqueteríamosdenossentarmuito,masmuitopróximosumdooutro.— Eu não mordo — ele disse, com um sorriso, quando não me aproximei
imediatamente.Aquiloaliviouatensãoeprocuramosposiçõesquenospermitissemlerolivrojuntos
quasesemnostocar.Nãohaviacomoimpedirquenossosjoelhosroçassemumnooutro,mas como nós dois estávamos de calça jeans, aquilo não me fazia sentir que minhacastidadeestivesseemrisco.Alémdomais,nãopudeevitarperceberqueelecheiravaacafé,meuvíciofavorito.Nãoeranadamau.Nadamaumesmo.Ainda assim, eu estava completamente ciente daquela proximidade. Não achei que
estivesse sentindonenhumclima romântico.Meupulsonão acelerou;meucoraçãonãoficoupalpitante.Oquemais senti foiquenuncahavia sentado tãopertodealguém—achoqueemtodaaminhavida.Nãoestavaacostumadaadividirmeuespaçopessoal.Quando começou a peça, logo parei de pensar nisso. Brayden podia não gostar de
encenações de Shakespeare com figurinos modernos, mas achei que tinham feito um
trabalho admirável.Acompanhando o texto, encontramos alguns pontos em que osatores se atrapalharam com as falas.Trocamos olhares secretos triunfantes, contentespor sabermos algo que os outros nem imaginavam.Acompanhei também as anotaçõesdele, concordando com algumas e balançando a cabeça para outras.Mal podia esperarparadiscuti-lasnocaminhodevoltaparacasa.A plateia atenta inclinava-se para a frente durante a cena dramática da morte de
Cleópatra,todosconcentradosnasúltimasfalas.Aomeulado,ouviumbarulhodepapelsendo amassado. Ignorei e me debrucei ainda mais. Ouvi o som de novo, dessa vezmuitomaisalto.Mevireiparaolhareviporpertoumgrupoderapazesquepareciamuniversitários.Amaioria assistia à apresentação,mas um deles segurava alguma coisadentrodeumsacodepapel.Osacoeramuitomaiordoqueoobjetodentrodeleetinhasidoenroladováriasvezes.Elelançouumolharemvolta,nervoso,tentandoserdiscretoao desenrolar o papel lentamente. Era óbvio que, assim, estava fazendo muito maisbarulhodoquesesimplesmentetivessedesenroladoosacodeumasóvez.Isso levoumais umminuto e, a essa altura, outras pessoas já estavam olhando feio
paraele.Porfim,eleconseguiuabrirosacoe,então,aindaemcâmeralenta,colocouamão dentro. Ouvi o estalar de uma tampa e a expressão do garoto se iluminou,triunfante.Aindacomoobjetoescondido, levouo sacoaté abocaebebeudoqueera,obviamente, uma garrafa de cerveja oude algumaoutra bebida alcoólica, o que já eraevidentedesdeocomeçoporcausadoformatodosacodepapel.Coloqueiamãonaboca,tentandoabafaroriso.ElemelembravamuitoAdrian.Era
muito fácil imaginarAdrian levando uma bebida alcoólica escondida para um eventocomo aquele e passando por toda sorte de sofrimento para ser discreto, na certeza deque, se fizesse tudomuitodevagar,ninguémnotaria.TambémeramuitoprovávelqueAdrian tivesse o azar de abrir a garrafa bem no meio da cena mais tensa da peça.Conseguiaatéimaginaraexpressãoigualmentesatisfeitaemseurosto,comosedissesse:“Ninguémsabeoqueeuestoufazendo!”,quando,naverdade,todomundosabia.Eunãoentendiaporquê,masimaginaraquilomefaziarir.Braydenestavaconcentradodemaisnapeçaparaperceber.—Ah—ele sussurrou.—Essa é uma partemuito boa, quando as servas dela se
matam.NóstivemosmuitooquedebatereanalisarnocaminhodevoltaparaAmberwood.
Fiquei quase decepcionada quando o carro estacionou à porta do alojamento. Sentadosali, percebi que tínhamos atingido outro momento crucial do encontro. Qual seria oprocedimentoadequado?Eledeviamebeijar?Eudeviadeixar?Aqueleseriaoverdadeiropreçodasalada?Brayden tambémparecianervoso,emeprepareiparaopior.Quandoolheipara as
minhasmãosrepousadasnocolo,percebiqueestavamtremendo. Vocêpodefazer isso ,disse a mimmesma.É um rito de passagem.Comecei a fechar os olhos,mas quandoBraydenfalou,euosabrirapidamente.Comoficouevidente,Braydennãoestavajuntandocoragemparamebeijar,maspara
fazerumapergunta.—Você…gostariadesairdenovo?—eleperguntou,comumsorrisotímido.Fiqueisurpresacomomistodeemoçõesqueessaperguntaprovocouemmim.Alívio
foiaprincipal,claro.Agorateriatempoparapesquisaralgunslivrossobrecomobeijar.Mas também estava um pouco desapontada por toda a presunção e confiança que eledemonstraranaanálisedramáticanãotercontinuidadenaquelemomento.Partedemimpensavaqueeledeveriaterditoalgocomo:“Bem,depoisdessanoiteperfeita,achoquenãotemosoutraescolhasenãosairdenovo”.Namesmahora,mesentiidiotaporpensarisso.Eunãotinhaodireitodeesperarqueeleficassemaisàvontadecomaquelasituaçãoseeumesmaestavaalisentadacomasmãostremendo.—Claro—disparei.Elesoltouumsuspirodealívio.—Legal—eledisse.—Agentesefalapore-mail.—Ótimo—respondi,sorrindo.Outrosilêncioconstrangedorpairounoar,emepergunteiseobeijoiriaacontecer,
afinal.—Vocêquer…queeuteleveatéaporta?—eleperguntou.—Quê?Ah,não.Obrigada.É logoali.Nãotemproblema.Obrigada.—Percebi
queestavaquasefalandosempararcomoJill.—Tudo bem, então— Brayden disse. — Foi uma noite muito boa. Mal posso
esperarpelapróxima.—Eutambém.Eleestendeuamão.Euapertei.Entãosaídocarroeentreinoprédio.Euaperteiamãodele?Reviomomentonaminhacabeça,sentindo-mecadavezmais
idiota.Qualéomeuproblema?Atravessandoo saguão,meio atarantada, peguei o celular para ver se havia alguma
mensagem. Eu tinha deixado desligado durante a noite, imaginando que aquele era omomentoemqueeumaismereciapaz.Paraomeuespanto,ninguémtinhaprecisadodenadanaminhaausência,apesardehaverumamensagemdetextodeJill,enviadaquinzeminutosantes:ComofoicomBrandon?Comoeleé?Destranquei a porta do quarto e entrei. O nome dele é Brayden, respondi. Fiquei
pensandosobreasegundaperguntaeleveiumbomtempoparadecidiraresposta.Eleéigualamim.
6
—UMAPERTODEMÃOS?—Adrianperguntou,incrédulo.LanceiumolharacusatórioparaEddieeAngeline.—Nãoexistemsegredosporaqui?— Não —Angeline respondeu, com a franqueza de sempre. Eddie soltou uma
risadinha.Eraumraromomentodecamaradagementreosdois.—Eraparasersegredo?—eleperguntou.Estávamos na casa deClarenceDonahue para o fornecimento de Jill eAdrian, que
acontecia duas vezes por semana. Naquele momento, Jill estava com Dorothy, aempregada humana de Clarence, e também sua fornecedora. Àquela altura, eu játoleravamuitoshábitosMoroi,masbeber sangue, sangue humano, sempremecausavaarrepios. Meu mecanismo para lidar com aquilo era tentar esquecer o motivo deestarmosali.—Não— admiti. Julia e Kristin haviamme interrogado sobre todos os detalhes
doisdiasantes,entãoacabeicontandoalguns.Imagineiqueteriaqueaceitarque,depoisde contar alguma coisa a elas, era inevitável que chegasse aos ouvidos de todos. E eraóbvioqueminhafamíliaemAmberwoodjácontaratudoparaAdrian.— Sério?—Adrian perguntou, ainda atônito com o jeito quemeu encontro com
Braydentinhaterminado.—Apertodemãos?Soltei um suspiro e me afundei no sofá de couro macio.Vista de fora, a casa de
Clarencesempremelembravaumatípicamansãomal-assombrada,maspordentroeramuitomodernaebemmobiliada.—Veja bem, o que aconteceu foi que…Ah, quer saber? Esquece. Não é da sua
conta.Desencana.Masalgoemsuaexpressãomediziaqueelenãodesencanariatãofácil.—Comtodaessapaixãoardente,éumasurpresavocêsconseguiremficarlongeum
dooutro—Adriandisse,inexpressivo.—Vãoterumsegundoencontro?
EddieeAngelinemeencararam,naexpectativa.Hesitei.AquelaeraumainformaçãoqueeuaindanãotinhadadoparaJuliaeKristin,porquetínhamosacabadodemarcar.—Sim—respondifinalmente.—Vamos…vermoinhosdeventoestasemana.Se meu objetivo era calar a boca de todos, tinha conseguido. Os três pareciam
atordoados.Adrianfoioprimeiroafalar.— Vou supor que isso significa que ele vai levá-la para Amsterdã no jatinho
particulardele.Seforisso,gostariadeirjunto.Masnãoporcausadosmoinhos.—TemumparqueeólicoenormeaonortedePalmSprings—expliquei.—Éum
dospoucosnomundoquepromoveexcursõesabertas.Maisolharesatordoados.— Energia eólica é uma excelente fonte de energia renovável que pode ter um
impactoimensonofuturodopaís!—exclamei,irritada.—Élegal.—Legal—Adriandisse.—Jáentenditudo.Boabrisapravocês,Sage.—Issonãotemnadaavercom…Asportas de vidro da sala se abriram eDimitri e Sonya entraram, trazendo nosso
anfitrião,Clarence.Eu aindanãoo tinha vistodesdeque chegara e esbocei um sorrisoeducado,felizpeladistraçãodaminhavida“amorosa”.—Olá,sr.Donahue—eudisse.—Éumprazervê-lodenovo.— Hein? — O velho Moroi estreitou os olhos para mim e, depois de alguns
instantes, pareceume reconhecer. Ele tinha cabelo branco e sempre se vestia como seestivessenum jantar formalde cinquenta anos atrás.—Ah, você.Quebomquevocêveio,minhafilha.Oqueatrazaqui?—OfornecimentodeJill,senhor.Fazíamosissoduasvezesporsemana,masamemóriadeClarencejánãoeraamesma
de antigamente. Ele já eramuito dispersivo quando nos conhecemos,mas amorte dofilho,Lee,parecia ter levadoovelhoao limite,aindamaisporque,aparentemente,elenãoacreditavanamortedofilho.MaisdeumavezcontamoscomtodaadelicadezaqueLee havia morrido, deixando de fora a parte da história com as Strigoi. Sempre quefazíamosisso,ClarenceinsistiaqueLeetinha“dadoumasaída”equevoltariamaistarde.Dispersivo ou não,Clarence era sempre gentil e relativamente inofensivo—para umvampiro,óbvio.—Ah, sim, claro.—Ele se acomodou na enorme poltrona e voltou o olhar para
Dimitri e Sonya.—E então?Vocês conseguem consertar as fechaduras da janela?—Aparentementeelesvinhamtendoumadiscussãoàparteantesdesejuntaremanós.Dimitripareciaestarprocurandoumamaneiragentilderesponder.Suabelezaestava
deslumbrante como sempre; vestia jeans e camiseta, com um sobretudo de couro porcima. Eu não podia imaginar como alguém conseguia sobreviver em Palm Springsusandoumsobretudocomoaquele,masachoquesealguémeracapaz,essealguémeraele.Normalmenteeleusavadentrodecasa,maseujáotinhavistocomosobretudonarua. Eu tinha mencionado aquela escolha inusitada de roupa para Adrian algumas
semanas antes: “Dimitri é muito sexy, né?”.A resposta deAdrian não fora de todosurpreendente:“Bem,sim,pelomenosdeacordocomamaioriadasmulheres”.A expressão de Dimitri era a pura imagem da cortesia quando respondeu às
preocupaçõesdoClarence.—Nãoacreditoquehajaalgumproblemanasfechadurasdestacasa—Dimitridisse.
—Todasestãomuitobemfechadas.—Éoqueparece—Clarence retrucou, sombrio.—Masnunca se sabeoquanto
eles estão preparados. Eu não estou tão desatualizado assim. Sei que existem váriastecnologias por aí que podem ser instaladas. Como lasers que avisam se alguém estátentandoinvadirsuacasa.—Osenhorquerdizerumsistemadesegurança?—Dimitriperguntou,arqueando
asobrancelha.—Sim,issomesmo—Clarencerespondeu.—Vaimanteroscaçadoresbemlonge.Osurgimentodesse assuntonão foi exatamente inesperado.AparanoiadeClarence
também havia se agravado, ainda mais, nos últimos tempos. Ele vivia sob o medoconstante do que afirmava serem “caçadores de vampiros”, humanos que… bem,caçavam vampiros. Havia muito tempo, ele alegava serem eles os responsáveis pelamorte de sua sobrinha, e que os relatos de que ela fora morta por um Strigoi eramfalsos.Descobriu-se,nofim,queemparteeletinharazão.Amortedelanãotinhasidocausada por um Strigoi, mas por Lee, numa tentativa desesperada de deixar de serMoroi e voltar a ser Strigoi.No entanto,Clarence se recusava a aceitar isso e insistiaem suas crenças sobre caçadores de vampiros.Meus argumentos de que os alquimistasnãotinhamregistrodaexistênciadenenhumgrupocomoessedesdeaIdadeMédiaeraminúteis. Por isso,Clarence estava semprepedindoque as pessoas fizessem“verificaçõesde segurança”na casadele.ComoDimitri e Sonya estavamhospedados ali, essa tarefamaçantecostumavarecairsobreeles.—Nãosouqualificadoparainstalarumsistemadesegurança—Dimitridisse.—Sério?Entãoexistealgumacoisaquevocênãoconseguefazer?Adrian falou tão baixo que eu, que estava sentada ao seu lado,mal consegui ouvir.
Duvidei até que os outros,mesmo com sua audição excepcional, tivessem entendido oqueelehaviadito.PorqueDimitriaindaoafetatanto?,meperguntei.— Seria preciso contratar profissionais — Dimitri continuou, dirigindo-se a
Clarence—,mas imaginoqueo senhornão iria gostarde terummontedeestranhosentrandoesaindodasuacasa.— É verdade — Clarence disse, franzindo a testa. — Seria muito fácil para os
caçadoresseinfiltrarem.Dimitrieraaimagemdapaciência.—Enquantoeuestiveraqui,vouchecartodasasportasejanelasdiariamente,sópara
garantir.—Ótimo—Clarence concordou, relaxando um pouco.—Admito que não faço
muitootipodoscaçadores.Nãosoutãoperigoso.Nãomais,pelomenos—eledisse,
rindopara simesmo.—Mesmoassim,nuncase sabeoquepodeacontecer.Émelhorprevenirdoqueremediar.Sonyaabriuumsorrisobrando.—Tenhocertezadequetudovaificarbem.Osenhornãoprecisasepreocuparcom
nada.OsolhosdeClarencefitaramosdelae,apósalgunsinstantes,lentamenteeletambém
abriuumsorriso.Suaposturarígidarelaxou.—Sim,sim.Vocêestácerta.Nãoprecisomepreocuparcomnada.Sentiumarrepio.ConviviacomosMoroihaviatemposuficienteparaentenderoque
acabara de acontecer. Sonya usara a compulsão— apenas umpouquinho dela—paraacalmar Clarence.A compulsão, o poder de forçar sua vontade aos outros, era umahabilidadequetodososMoroipossuíam,emgrausvariados.Adosusuáriosdeespíritoeraamais forte, igualando-seàdosStrigoi.UsarcompulsãoemoutraspessoaseraumtabuentreosMoroi,eosqueabusavamdessahabilidadesofriamgravesconsequências.Supusque as autoridadesMoroi fariamvista grossapor ela estar tranquilizandoum
velhinho ansioso, mas aquela ação, ainda que pequena, me incomodava. Sempreconsidereiacompulsãoumdospoderesmais traiçoeirosdosMoroi.ESonya realmenteprecisava tê-la usado? Ela já era tão doce e calma. Será que isso não bastaria paratranquilizarClarence?Às vezes eu tinha a impressãode que eles usavammagia só porusar.Àsvezes,meperguntavaseausavampertodemim…semqueeupercebesse.A insistência deClarence sobre caçadores de vampiros sempre gerava ummisto de
deboche e mal-estar em todos nós. Depois que ele se acalmou (ainda que eu nãoaprovasseamaneiracomoissotinhasido feito),conseguimosrelaxarumpouco.Sonyaserecostounosofá,bebendoumcoquetelde frutasquepareciaperfeitoparaaquelediaquente.Por suas roupas sujas e seu cabelodesgrenhado, eupodia apostarque ela haviapassado um tempo no jardim—mesmo assim, continuava linda. Em suamaioria, osMoroi evitavam o sol forte,mas o amor dela pelas plantas era tão grande que não seimportava de correr o risco para cuidar de algumas das pobres flores abandonadas dojardimdoClarence.Umfortefiltrosolarpodiafazermilagres.— Não vou poder ficar muito mais tempo — ela disse. — Só mais algumas
semanas,nomáximo.PrecisovoltarparaplanejarmeucasamentocomMikhail.—Quandoéograndediamesmo?—Adrianperguntou.Elasorriu.— Em dezembro.— O que me surpreendeu, até ela acrescentar: —Tem uma
estufatropicalgigantescapertodaCorte,quevamosusar.Émagnífica,masnaverdadeissonãoimporta.Mikhaileeupoderíamosnoscasaremqualquerlugar.Oqueimportaéestarmos juntos.Mas,claro, sedápraescolher,melhorque sejacomtodaapompa,né?Atéeu sorri.SómesmoSonyaparaencontrarumaáreaverdeempleno invernoda
Pensilvânia.—Dimitritalvezfique—elacontinuou.—Masseriabomseconseguíssemosfazer
algumprogressoantesdaminhapartida.Ostestesdeauraatéagoraforam…—Inúteis?—Adriansugeriu.—Euiadizerinconclusivos—elarespondeu.Adrianmeneouacabeça.—Entãoagenteperdeutodoessetempo?Sonya não respondeu; emvez disso, preferiu tomar outro gole da bebida.Eupodia
apostarquenãoeraalcoólica—afinal,SonyanãocostumavaseintoxicarcomoAdrian—,equeDorothymefariaumaseeupedisse.Mesmoassim,tambémpodiaapostarqueseriapéssimoparamim.TalvezeudevesseversetinhaalgumaCocaDietnageladeira.Sonyaseinclinouparaafrente,comumlampejodeentusiasmonosolhos.—Dimitrieeuestávamosconversandoepercebemosquetemumacoisaóbviaque
deixamos passar. Na verdade, que temos evitado, mas não ir atrás disso seria umdesperdício.—Oquê?—Adrianperguntou.—Sangue—Dimitrirespondeu.Estremeci.Nãogostavaquandoesse assuntovinhaà tona.Me lembravaexatamente
dotipodepessoascomquemeuestavaconvivendo.— É óbvio que existe alguma coisa nos Strigoi restaurados que protege a sua
condição…anossacondição—Dimitricontinuou.—Procuramosporsinaismágicos,masarespostapodeestarnumnívelmaisfísico.E,deacordocomorelatórioqueli,asStrigoitiveramproblemasparabeberosanguedeL… dele.—Dimitriestavaprestesadizer Lee, mas se conteve por respeito a Clarence. O olhar vago e alegre do velhotornavadifícilperceberseeleestavaentendendoalgumacoisadaconversa.—Elasreclamaram—concordei.—Masissonãoasimpediudebeber.ErapossíveltransformaralguémemStrigoiàforçaseumdessesvampirosmacabros
drenasseosanguedavítimaeentãolhedessesangueStrigoiparabeber.Leehaviapedidoque uma Strigoi fizesse isso com ele, mas tudo que a drenagem lhe rendeu foi suaprópriamorte.—Queríamos pegar uma amostra do sangue deDimitri e então comparar com o
seu,Eddie.—Sonyadisse.—Osanguepodecontertodotipodepropriedadesmágicas,etalvezelasnosmostremcomocombaterosStrigoi.Procurei me manter o mais inexpressiva possível, torcendo para que ninguém me
notasse.Osanguepodecontertodotipodepropriedadesmágicas. Comsorte,duranteaconversa ninguém lembraria que meu sangue era inexplicavelmente repulsivo para osStrigoi.E,sinceramente,porqueeleslembrariam?Eununcahaviasidorestaurada.Nãoera uma dampira. Não havia motivo nenhum para desejarem minha participaçãonaquelesexperimentos.Masseissoeraverdade,porquederepentecomeceiasuar?— Podemos enviar a um laboratório para analisar a parte química e tentar ler
alguma propriedade mágica também— Sonya continuou. Seu tom era de desculpas,masEddienãopareceuincomodado.—Semproblemas—eledisse.—Estou à disposição.—Eu tinha certezadeque
estava sendo sincero.Para ele,perderumpoucode sangueeramil vezesmais fácil doqueficarparadosempoderfazernada.Alémdisso,eledeviaperdermuitomaissanguenotreinamentodiáriodoquechegariaadaràqueleexperimento.— Se precisar de mais uma dampira—Angeline disse—, pode contar comigo.
Eddie e eu podemos ajudá-la juntos. Formaríamos uma equipe. Sydney não precisariamaisnosacompanhar,aindamaisagoraqueestánamorando.Havia tantas coisas erradas no que ela disse que eu não sabia por onde começar.A
convicçãoqueEddiehaviademonstradoquantoacederseusanguedesapareceuaosomde“formaríamosumaequipe”.—Vamos pensar a respeito — Sonya disse. Havia uma faísca em seu olhar, e
lembrei de ouvi-la dizer que era fácil enxergar afeto nas auras. Será que conseguiadetectar a paixonite daAngeline? — Por enquanto, acho melhor não atrapalhar osestudos de vocês. Como Eddie já se formou, para ele a escola não tem tantaimportância,masvocênãopodeficarparatrás.Angeline pareceu contrariada. Ela vinha tendo muitas dificuldades na escola, sem
mencionaralgunsvexamesabsolutos,comoquandoamandaramdesenharummapadaAméricaCentral e ela apareceu comumdeNebraska e doKansas. Elamantinha umaposturaarrogante,maseusabiaqueAmberwoodasobrecarregavadevezemquando.Jill se juntou a nós, parecendo reluzente e revigorada. O ideal para os Moroi era
bebersanguediariamente.Elesconseguiamsobrevivernesseesquemadeduasvezesporsemana,maseupercebiaqueJilliaficandocadavezmaiscansadaedesgastadaatéchegaropróximofornecimento.—Adrian,suavez—eladisse.Ele estava bocejando epareceu sobressaltado ao ser notado.Não achei que estivesse
muito interessado nos experimentos com sangue de que Sonya estava falando.Ao selevantar,voltouosolhosparamim.—Querdarumavoltinha,Sage?—Antesqueeupudesseprotestar,eleacrescentou:
— Não se preocupe, não vou levar você para o fornecimento. Só quero fazer umapergunta.Assentieoseguiparaforadasala.Assimqueficamoslongedosoutros,eudisse:—Nãoqueroouvirmaisnenhumcomentário“espertinho”sobreBrayden.— Meus comentários são hilários, não espertinhos. Mas não é sobre isso que eu
queriaconversar.—Eleparounomeiodocorredor,emfrenteàportaquesupusserdoquartodeDorothy.—Então,parecequemeupaiviráaSanDiegoanegóciosnofimdesemana. — Me encostei à parede e cruzei os braços, já sentindo um maupressentimento.—Éclaroqueelenãosabeporqueestouaqui,nemmesmoqueestoucom Jill. Ele nem sabe em que cidade estou morando.Acha que estou curtindo aCalifórnia,fazendobesteiracomosempre.Não fiquei surpresa ao descobrir que o sr. Ivashkov não sabia o verdadeiromotivo
para Adrian estar ali. A “ressurreição” de Jill era ultrassecreta, assim como sualocalização.Nãopodíamoscorrero riscodequeoutrapessoa,mesmoalguémquenão
representasseumaameaçaparaJill,descobrisseondeelaestava.OquemesurpreendiaeraAdrianseesforçartantoparafingirquenãoligavaparao
queopaipensava,quandoeraóbvioque se importava. Sua expressãoera convincente,mashaviaumaamarguraemsuavozqueacabouporentregá-lo.—Enfim—Adrian continuou.—Ele disse que almoçaria comigo se eu quisesse.
Normalmente, eu diria que não… mas gostaria de saber como minha mãe está; elenuncamefalanadaquandoligooumandoe-mail.Maisumavezpercebisentimentosconflitantes.AmãedeAdriancumpriapenanuma
prisãoMoroi por crimes de conspiração. Era difícil perceber pela atitude arrogante epelosensodehumordele,masdeviatersidoumgolpeduroparaAdrian.—Medeixeadivinhar—eudisse.—Vocêquermeucarroemprestado?Euerasolidáriacompessoasquetinhamproblemascomospais,atémesmoAdrian.
Masminha compaixão tinha limites e não se estendia ao Pingado. Não podia arriscarnenhumabatida.Alémdomais,aideiadeficarpresa,sempoderdirigirporaí,medavamedo,aindamaiscomvampirosenvolvidosnahistória.—Não, de jeito nenhum— ele disse.— Sei que você não emprestaria por nada
nessemundo.Ah,é?—Entãooquevocêquer?—perguntei,surpresa.—Queriaquevocêmelevasseatélá.—Adrian—resmunguei—,sãoduashorasdeviagem.—Ocaminhoépraticamenteumaretasó—eleressaltou.—Eimagineiquevocê
prefeririadirigirporquatrohoras,idaevolta,aemprestarocarroparaalguém.Olheiparaele.—Issoéverdade.Eleseaproximou,comumaexpressãotãosinceraquemedeixoudesconcertada.—Por favor, Sage. Eu sei que é pedir demais, então nem vou fingir que você vai
ganhar alguma coisa com isso. Quer dizer, você pode passar o dia inteiro lá em SanDiego,fazendooquequiser.Seiquenãoéamesmacoisadoqueverpainéissolaresousei lá o quê comBrady,mas vou ficar devendo uma para você, em todos os sentidos.Depoistepagoodinheirodagasolina.—ÉBrayden,eondediabosvocêconseguiriadinheiroparaagasolina?Adrian vivia com uma pequena mesada que o pai lhe mandava. Esse era um dos
motivos para ele assistir às aulas na faculdade, com a esperança de conseguir algumauxílio financeiro no semestre seguinte e aumentar um pouco a renda. Eu admiravaaquilo,massetodosaindaestivéssemosemPalmSpringsemjaneiro,significariaqueosMoroiestariamcomgravesproblemaspolíticos.— Eu… eu cortaria algumas coisas para conseguir o dinheiro extra— ele disse,
depoisdealgunssegundosdehesitação.Não me esforcei para esconder a surpresa. “Coisas” provavelmente significavam
álcoolecigarros,paraondeiaamaiorpartedesuaminúsculamesada.
—Sério?—indaguei.—Vocêparariadebeberparaverseupai?— Bem, não para sempre — ele admitiu. — Isso seria ridículo. Mas talvez eu
consigatrocarporalgumacoisamaisbarataporumtempo.Tipo…raspadinhas.Vocênãoimaginaoquantoeugostodaquilo.Decereja,principalmente.— Humm, não mesmo — eu disse.Adrian se distraía facilmente com assuntos
malucoseobjetosbrilhantes.—Sãoaçúcarpuro.—Delíciapura,vocêquerdizer.Nãobeboumadasboasháséculos.—Vocêestáfugindodoassunto—alertei.—Ah,é.Então,mesmoqueeutenhaquemealimentaràbasederaspadinhasousei
láoquê,você vaiveracordessedinheiro.Eissonoslevaaooutromotivo…Eumeioque estou esperando que ele aceite aumentar minha mesada. Pode até ser difícil deacreditar,maseuodeiopegardinheiroemprestado.Paraomeupai,émaisfácilfugirdoassuntoportelefone,mascaraacara…Elenãotemcomoescapar.Alémdisso,eleachamais“viril” e“respeitável” pedir as coisas diretamente.A clássica condutadehonradeNathanIvashkov.De novo a amargura.Talvez um pouco de raiva também. EstudeiAdrian por um
tempo antes de responder. O corredor estava escuro, o que lhe dava vantagem. Eraprovável que ele estivesse enxergando perfeitamente enquanto alguns detalhes eramdifíceis para eu distinguir.Aqueles olhos verdíssimos que eu tanto admirava pareciamescuros agora.A dor no seu rosto, porém, era completamente visível. Ele ainda nãotinhaaprendidoaesconder seus sentimentosde Jilledo laço,maseu sabiaque tentavamanteraquelaatitudedesleixadae inconsequenteparaorestodomundo…excetoparamim,nosúltimostempos.Aquelanãoeraaprimeiravezemqueeuoviavulnerável,eme parecia estranho que era para mim, entre todas as pessoas, que ele expunha seussentimentos. Será que era mesmo estranho?Talvez fosse só minha falta de traquejosocialmeconfundindodenovo.Fosseoquefosse,aquilomexiacomigo.—Éessaaquestãomesmo?Dinheiro?—perguntei,deixandodeladominhasoutras
inquietações.—Vocênãogostadele.Devehaveralgumaoutracoisa.—Emgrandeparteépelodinheiro.Maseuestavafalandoaverdadeantes…sobrea
minhamãe.Preciso sabercomoelaestá,eelenuncame faladela.Sério,ele fingequeaquilonuncaaconteceu,sejaparamanterareputaçãooutalvez…talvezporqueaquiloomagoe. Não sei, mas, como eu disse, ele não poderá fugir quando estivermos cara acara.Alémdisso…—Adriandesviouoolharporuminstanteantesdereunircoragemparavoltarameencarar.—Nãosei.Éidiota.Masacheique…bem,talvezeleficasseimpressionado por eu estar levando a faculdade a sério dessa vez.Mas provavelmentenão.Senti um aperto no coração por ele e suspeitei que essa última parte— ganhar a
aprovação do pai—eramuitomais importante do queAdrian conseguia admitir. Eusabiacomoeraterumpaiqueestavasempretejulgando,eparaquemnadaerabomobastante. Entendia também seus sentimentos conflitantes… Como, num dia, vocêpoderia dizer que não se importava, e no dia seguinte ansiar por uma espécie de
aprovação.E,semdúvida,entendiaseuapegoàmãe.UmadasmaioresdificuldadesparamimemPalmSpringseraadistânciaqueeuficavaemrelaçãoàminhamãeeàsminhasirmãs.—Porqueeu?—deixeiescapar.Nãoqueriatocarnesseassunto,masderepentenão
conseguimeconter.Haviatantatensãoali,tantosentimento.—Vocêpodiaterpedidopara Sonya ouDimitri levaremvocê.Talvez eles até o deixassempegar emprestadoocarroalugadodeles.AsombradeumsorrisoperpassouorostodeAdrian.—Nãotenhomuitacertezadisso.Eachoquevocêsabemuitobemporqueeunão
gostariade ficarpresonumcarrocomnossoamigo russo.Quantoao resto…não sei,Sage.Tem alguma coisa em você…Você não critica como os outros. Quer dizer,critica,sim.Vocêéapessoaquemaiscriticaaquiemalgunsaspectos.Maséhonestaemrelação a isso. Eume sinto…—O sorriso foi se desfazendo conforme ele buscava apalavracerta.—Àvontadecomvocê,acho.Nãotinhacomorefutaraquilo,apesardeeuacharirônicoelesedizeràvontadeperto
de mim, ao passo que eu ainda tinha ataques de pânico perto dosMoroi. Você não éobrigadaaajudá-lo, alertou uma voz dentro demim. Você não deve nada a ele.VocênãodevenadaanenhumMoroialémdoestritamentenecessário.EsqueceudoKeith?Issonãofazpartedoseutrabalho.AimagemdoabrigosubterrâneovoltouàminhamemóriaemelembreidecomoumatransaçãocomvampirostinhalevadoKeithàreeducação.Oquepodiadizerdemim?Ainteraçãosocialeraparteinevitáveldaminhamissão,maseuestavaultrapassandooslimitesoutravez.— Certo — concordei. — Levo você. Me avise por e-mail o horário em que
precisaráir.Foiaíqueveioapartemaisengraçada.Elepareceucompletamenteembasbacado.—Sériomesmo?Nãoconseguiconteroriso.—Vocêfeztodoessediscursoerealmentenãoesperavaqueeufosseaceitar,nãoé?—Não—eleadmitiu, aindavisivelmenteadmirado.—Quandose tratadevocê,
nuncatenhocerteza.Sabe,eutrapaceiocomaspessoas.Querdizer,soubomemlerasexpressões faciais,mas percebomuita coisa pelas auras também e finjo que é graças àminha boa intuição. Mas ainda não aprendi a compreender os humanos totalmente.Vocêstêmasmesmascores,masumquêdediferente.Auras não me causavam tanto estranhamento quanto outras magias dos vampiros,
maseuaindanãomesentiaàvontadecomelas.—Dequecoréaminha?—Amarela,óbvio.—Porque“óbvio”?—Asdepessoas inteligenteseanalíticascostumamseramarelas.Masvocêtemum
pouquinhoderoxoaquieali.—Mesmonapenumbra,pudenotarumafaíscamaliciosaemseuolhar.—Éissoquetornavocêinteressante.
—Oqueoroxosignifica?Adrianencostouamãonaporta.—Precisoir,Sage.NãopossodeixarDorothyesperando.—Ah, vamos lá! O que o roxo significa?— perguntei, tão curiosa que quase o
segureipelobraço.Elegirouamaçaneta.—Sósevocêsejuntaranós.—Adrian…Eleentrounoquartorindoefechouaporta.Merecompusecomeceiavoltarparaa
sala, mas decidi procurar minha Coca Diet antes. Fiquei na cozinha bebendo por umtempo, encostada no balcão de granito, fitando distraidamente as panelas de cobrebrilhantes penduradas em cima. Por que eu tinha aceitado levarAdrian?O que havianele que conseguia quebrar toda a retidão e lógica em torno das quais eu construíraminhavida?EuentendiaporquemuitasvezestinhaumfracoporJill.Elamelembravaminhairmãmaisnova,Zoe.MasAdrian?Elenãosepareciaemnadacomninguémqueeuconhecesse.Naverdade,eutinhaquasecertezadequenãohavia ninguémnomundoqueparecessecomAdrianIvashkov.Passei tanto tempo ali que, ao voltar para a sala,Adrian também estava voltando.
Sentei no sofá, bebendo lentamente os últimos goles do refrigerante. Sonya abriu umsorrisoaomever.—Sydney,acabamosdeterumaideiaótima.Apesardenem sempre ser boa emcaptar os sinais das pessoas, notei que essa ideia
ótimaeradirecionadaamim,enãoamimeAdrian.—Estávamos falando sobre os relatos daquela noite do… incidente.—Ela lançou
um olhar significativo para Clarence, e eu assenti, compreensiva.—Tanto osMoroicomo os alquimistas disseram que as Strigoi tiveram problemas com o seu sanguetambém,certo?Fiqueitensa;nãoestavagostandonadadaquilo.Temiaaquelaconversafaziasemanas.
AsStrigoiquemataramLeenãotiveramapenas“problemas”comomeusangue.OdeLee tinhaumgostoestranhoparaelas.Masomeuera repulsivo.AStrigoique tentoubeberdemimnãotinhaconseguidonemdarumgole.Chegouatéacuspir.—Sim…—eudisse,cautelosa.—ClaroquevocênãoéumaStrigoirestaurada—Sonyadisse.—Masqueríamos
dar uma olhada no seu sangue também.Talvez alguma coisa possa nos ajudar. Umaamostrapequenajáseriasuficiente.Todososolhossevoltaramparamim,atémesmoosdeClarence.Asalapareciase
fecharaomeuredorconformeumpânicoconhecidotomavacontadomeucorpo.NuncatinhapensadomuitosobreporqueasStrigoinãotinhamgostadodomeusangue—naverdade, até evitava pensar sobre isso. Não queria acreditar que havia alguma coisaespecial em mim. Não era possível que houvesse. Eu não queria atrair a atenção deninguém. Uma coisa era ajudar nos experimentos, outra era virar cobaia. Se me
quisessemparaumteste,poderiammequererparaoutro.Edepoisoutro.Eeuacabariatrancafiada,esquadrinhadaefutucada.Somava-se a issoo fatodeeunãoquererdarmeu sangue.Não importavaoquanto
gostasse de Sonya e Dimitri. Não importava que o sangue seria retirado com umaagulhaenãocomosdentes.Oconceitobásicoeraomesmo,eviolavaumdosprincípiosprimordiais dos alquimistas: dar sangue aos vampiros era errado.Aquele era o meusangue.Meu.Ninguém,muitomenososvampiros,tinhanadaavercomele.Engoli em seco, com a esperança de não dar na cara que meu desejo era sair
correndo.—FoiaopiniãodeapenasumaStrigoi.Evocêssabemqueelesnãogostamtantode
humanosquantode…vocês.—EsseeraumdosmotivospelosquaisosMoroiviviamcommedoetiveramseunúmeroreduzidoaolongodotempo.EleseramumaespeciariadaculináriaStrigoi.—Devesersóisso.—Talvez— Sonya disse.—Mas não faz mal dar uma olhadinha.— Seu rosto
estava iluminado com essa nova ideia. Eu odiava desapontá-la…mas meus princípiosnessaquestãoeramfortesdemais.Tinhasidocriadaparaacreditarneles.—Achoqueéperdade tempo—eudisse.—Agente sabequeoespíritoprecisa
estarenvolvidoeeunãotenhonenhumaligaçãocomisso.—Eurealmenteachoquepodeserútil—eladisse.—Porfavor.Útil?Dopontodevistadela, sim.Elaqueriadescartar todas aspossibilidades.Mas
meusanguenãotinhanadaavercomasconversõesdeStrigoi.Nãotinhacomo.—Eu…achomelhornão.Umarespostacontrolada,considerandoaviolênciadasemoçõesqueseengalfinhavam
dentrodemim.Meucoraçãocomeçouabatermaisforteeasparedesdasalapareciamse fechar cada vez mais. Minha ansiedade crescia conforme eu era tomada por umsentimento conhecido, a terrível percepção de que eu estava em minoria na casa deClarence. Era eu e uma sala cheia de vampiros e dampiros. Criaturas antinaturais.Criaturasantinaturaisquequeriammeusangue…Dimitrimeexaminou,curioso.—Nãovaidoer,seédissoquevocêtemmedo.Nãovamosretirarnadaalémdoque
ummédicotiraria.Balanceiacabeça,inflexível.—Sonyae eu somos treinadosnesse tipode coisa—ele acrescentou, tentandome
transmitirsegurança.—Vocênãoprecisasepreocuparem…—Eladissequenão,tudobem?Todososolhosqueestavamvoltadosparamimderepenteselançaramnadireçãode
Adrian.Eleseinclinaraparaafrente,fixandooolharemSonyaeDimitri,evinaquelesbelosolhosumacoisaquenuncatinhavistoantes:ira.Pareciamesmeraldasemchamas.—Quantasvezeselaprecisarecusar?—eleinterpelou.—Seelanãoquer,nãoquer
eponto final. Issonão temnada a ver comela.Éo nossoprojetode ciências.Ela estáaquiparaprotegerJillejátemcoisademaisparafazer.Entãoparemdeatormentá-la!
— “Atormentar” é uma palavra meio forte — Dimitri disse, calmo apesar daexplosãodoAdrian.— Não quando você fica pressionando alguém que quer ser deixada em paz —
Adrianrebateu.Elemelançouumolhardepreocupação,antesdevoltara fúriacontraSonyaeDimitri.—Paremdeseunircontraela.Sonyaolhoudemimparaele,emdúvida.Elapareciarealmentemagoada.Pormais
astutaquefosse,achoquenuncatinhapercebidooquantoaquilomeincomodava.—Adrian…Sydney…nãoestamos tentando irritarninguém.Sóqueríamosmuito
levarissoacabo.Penseiquevocêstodostambémquisessem.Sydneysemprenosapoioumuito.— Não importa —Adrian vociferou. — Pegue o sangue de Eddie. Pegue o de
Belikov.Pegueo seu tambémquepoucome importo.Mas se elanãoquerdarodela,então pronto. Ela disse que não. Fim de papo. —Alguma parte remota de mimpercebeu que aquela era a primeira vez que eu via Adrian confrontar Dimitri.NormalmenteAdriansimplesmenteoignorava,eesperavaserignoradodevolta.—Mas…—Sonyacomeçou.—Deixa pra lá—Dimitri disse. Era sempre difícil interpretá-lo,mas havia uma
suavidadeemsuavoz.—Adrianestácerto.Comoeradeseesperar,oambienteficouumpoucotensodepoisdissotudo.Houvealgumastentativasfracassadasdeconversacasualquemalnotei.Meucoração
ainda estava acelerado, e eu ainda não tinha recuperado o fôlego.Me esforçavamuitopara ficar calma,garantindo amimmesmaque aquela conversa tinha chegado ao fim,que Sonya e Dimitri não iriamme interrogar ou drenar meu sangue à força.Tomeicoragem e olhei paraAdrian. Ele não parecia mais nervoso, mas ainda havia certaferocidade ali.Eraquase…protetora.Uma sensaçãoestranhaequente se retorceuemmeupeito,e,porumbreveinstante,enquantoolhavaparaele,mesenti…segura.Essanão era minha sensação usual perto dele. Lancei a ele um olhar tentando demonstrargratidão.Eledeuumbreveacenoemretorno.Elesabe,percebi.Sabecomomesintoemrelaçãoaosvampiros. Claroquetodoseles
sabiam. Os alquimistas não escondiam nossa convicção de que, em sua maioria,vampirosedampiroseramcriaturasdastrevasquenãotinhamporqueinteragircomoshumanos.Mas,comoeupassavamuitotempocomeles,nãoacreditavaqueogrupoemPalmSpringsrealmenteentendesseaprofundidadedessacrença.Elesentendiamemtese,masnãosentiamnapele.Nãotinhamporquê, jáqueraramenteviamevidênciasdissoemmim.MasAdrianentendia.Eunãosabiacomo,maseleentendia.Lembreidaspoucasvezes
emqueeuhaviaperdidoocontrolepertodelesdesdequechegaraaPalmSprings.Umafoinumpercursodeminigolfe,quandoJillusousuamagiadeágua.OutracomLeeeasStrigoi, quandoAdrian se ofereceu para me curar com sua magia. Aqueles forampequenoslapsosdecontrolequeninguémmaisnotou.ExcetoAdrian.ComoseriapossívelqueAdrianIvashkov,queparecianuncalevarnadaasério,erao
únicoentreaspessoas“responsáveis”aliqueprestavaatençãoaessesdetalhes?Comoerapossívelqueelefosseoúnicoquerealmenteentendiaaintensidadedomeusentimento?Chegadaahorade irmos, leveiAdrianparacasaeosoutrosqueestudavamcomigo
paraAmberwood. O silêncio continuou no carro. Depois queAdrian desceu, Eddierelaxouumpoucoebalançouacabeça.—Nossa!AchoquenuncatinhavistoAdriantãobravo.Naverdade,achoquenunca
tinhavistoAdrianbravoantes.—Elenãoestavatãobravoassim—eudisse,evasiva,comosolhosfixosnaestrada.—Pramim,elepareciafurioso—Angelineretorquiu.—Penseiquefossepularem
cimadeDimitri.—Achoqueelenãochegariaaesseponto—Eddiezombou.—Seinão—elacismou.—Achoqueeleestavadispostoaencararqualquerumque
mexessecomvocê,Sydney.Continueicomoolharfixonarodovia,recusando-meaolharparaeles.Oconfronto
todohaviamedeixadoconfusa.PorqueAdriantinhameprotegido?—Eumeofereciparafazerumfavoraelenasemanaquevem—eudisse.—Acho
queelesentequeestámedevendouma.Jill, sentada ao meu lado no banco do passageiro, estivera em silêncio até aquele
momento.Porcausadolaço,talvezelasoubessearesposta.—Não—eladisse,comumtomintrigadonavoz.—Eleteriafeitoissoporvocê
dequalquerjeito.
7
PASSEIA MAIOR PARTE DO DIA SEGUINTE lutando contra minha recusa emajudar Sonya, refletindo sobreminha decisão enquanto ia de uma aula para outra. Emparte, me sentia muitomal por não cedermeu sangue para os experimentos.Afinal,sabia da importânciadeles. Se houvesseumamaneira de impedir queosMoroi fossemtransformados em Strigoi, teoricamente também seria possível aplicá-la aos sereshumanos,oquepoderiarevolucionarasoperaçõesalquimistas.PessoasmedonhascomoLiam, o prisioneiro do abrigo subterrâneo, não seriammais uma ameaça. Ele poderiaser “esterilizado” e liberado, sem o risco de que se tornasse vítima da maldade dosStrigoi. Eu sabia tambémque Sonya e os outros não estavam chegando a lugar algumcom a pesquisa. Eles não conseguiam descobrir o motivo que impedira Lee de setransformaremStrigoinovamente.Aomesmotempo,apesardaimportânciadacausa,mesentiafortementecontráriaà
ideiadecedermeusangue.Eurealmentetemiaque,aoaceitar isso,acabariatendoquemesujeitaramaisemaisexperimentos.Eeunãoconseguialidarcomisso.Eunãotinhanadadeespecial.Nãotinhapassadopornenhumatransformaçãoatravésdoespírito.Eue Lee nunca tivemos nada em comum. Eu era igual a qualquer outro ser humano, aqualqueroutroalquimista.Meusanguesimplesmentepareciatergostoruim,oquenãoimportavaparamim.—Fale-mesobreofeitiçodeencantamento—asra.Terwilligerpediu,numatarde
algunsdiasdepoisdoseventosnacasadeClarence.Euaindaestavapensandosobreoquetinhaacontecidoenquanto,teoricamente,trabalhavanoestudoindependentecomela.Levanteiosolhosdolivronaminhafrente.—Qualversão?Adecarismaouameta?Elaestavasentadaàsuamesaeabriuumsorriso.—Paraalguémqueétãocontratudoisso,vocêestáaprendendomuitobem.Estou
falandodaversãometa.
Eu aprendera aquele feitiço recentemente.Ainda estava fresco naminhamemória,masfizquestãodesoltarumfortesuspiroparaqueelasoubesse—aindaquedeformasutil—oquantoaquilomeincomodava.—Elepermitequequemlançaofeitiçotenhaumcontrolebrevesobreoutrapessoa.
Para isso é necessário criar um amuleto, usá-lo…— franzi a testa, considerando essaparte do feitiço. — E então recitar um pequeno encantamento sobre a pessoa a sercontrolada.—Porqueahesitação?—asra.Terwilligerquissaber,ajeitandoosóculos.Ela notava qualquer vacilo. Eu não queriame dedicar àqueles estudos,mas ela era
minhaprofessoraeaquilofaziapartedasminhastarefasenquantoestivessepresaàquelaaulamiserável.— Não faz sentido. Bom, nada disso faz sentido, claro. Mas, do ponto de vista
lógico, acho que falta alguma coisa tangível na vítim… no enfeitiçado. Talvez eletambémpreciseusarumamuleto.Oubeberalgumacoisa,seilá.Édifícilacreditarquesóquemlançaofeitiçoprecisariadeumreforço.Achoqueserianecessárioseconectarcomaoutrapessoa.—Vocêusouapalavra-chave—eladisse.—Reforço.Oamuletoreforçaodesejo
dequemlançaofeitiço,assimcomorecitaroencantamento.Seissoforfeitodamaneiracorreta, e quem lançar o feitiço estiver num grau avançado e poderoso o suficiente, opoder de comando é impelido sobre o enfeitiçado.Talvez não pareça tangível, mas amenteéumaferramentapoderosa.—Poderdecomando—murmurei.Sempensar,fizosinalalquimistacontraomal.
—Issonãoparecenadacerto.—Existealgumadiferençaemrelaçãoàcompulsãoqueseusamigosvampirosusam?Congelei. Fazia muito tempo que a sra. Terwilliger tinha admitido conhecer o
mundodosMoroieStrigoi,masaqueleaindaeraumassuntoqueeuevitavacomentarcomela.Amagiadaminhatatuagemnãomeimpediadediscutiromundodosvampiroscompessoasquejásoubessemarespeitodele,maseunãoqueriarevelaracidentalmentenenhumdetalhe sobreminhamissão específica com Jill.Mesmo assim, o que ela dissemecausouumsobressalto.Aquele feitiçoeramuitoparecidocomacompulsão,comoqueviSonyausarparatranquilizarClarence.Osvampirospodiamsimplesmenteusá-la,semnenhumaformadeauxílio.Jáaquelefeitiçoexigiaumcomponentefísico,masasra.Terwilligerhaviameditoque issoeranormalparaoshumanos.Eladissequeamagiaera inataparaosMoroi,masquenósprecisávamos arrancá-ladomundoà força.Paramim,sópareciaseroutromotivoparaoshumanosnãosemeteremnessesassuntos.—O que eles fazem também é errado— retorqui, numa das raras vezes em que
admitiaexistênciadosMoroidiantedela.Nãogostavanadada ideiadequeospoderesque eu considerava tão perversos e intoleráveis também estivessem ao alcance doshumanos.—Ninguémdeveriateressetipodepodersobreninguém.—Vocêseachamuitosuperioraalgoquesequerexperimentou—elaironizou.—Nem sempre é preciso experimentar para saber. Eu nuncamatei ninguém,mas
seiqueéerrado.—Nãofaçapouco-casodessesfeitiços.Elespodemserumadefesamuitoútil—ela
disse,dandodeombros.—Talvezdependadequemusa, assimcomoumrevólverouqualqueroutraarma.—Tambémnãogostonemumpoucodearmas—respondi,fazendocarafeia.—Exatamenteporissovocêdeviaacharamagiaumaopçãomelhor.—Elafezum
pequenogestograciosocomasmãoseumpotedebarronoparapeitodajanelaexplodiu.Estilhaços cortantes se espalharam pelo chão. Pulei da cadeira e recuei alguns passos.Então ela era capazde fazer aquilodurante todo aquele tempo?Eparecia não ter feitoesforçonenhum.Quetipodedanoconseguiriacausarserealmentequisesse?Elasorriu.—Viu?Muitoeficaz.Eficazesimples—tãofácilquantoumvampirousandomagiaelementalcomaforça
dopensamento.Depoisdetodososfeitiçostrabalhososqueeuandavavendonoslivros,fiquei pasma ao ver uma magia tão “fácil”.Aquilo levava o que a sra.Terwilligerdefendiaaumnívelinteiramentenovo—eperigoso.Todoomeucorpoestavatensoàesperademaisalgumatoterrível,mas,ajulgarpeloolharserenonorostodela,aquelapareciaseraúnicademonstraçãodepoderquetinhaemmente—porora.Sentindo-meumpoucoridículacomaminhareação,volteiamesentar.Respireifundoeescolhiaspalavrascomcuidado,buscandoesconderminharaiva—
emeumedo.Nãoserianadabomterumataquenafrentedeumaprofessora.—Porqueasenhoracontinuafazendoisso?Asra.Terwilligerinclinouacabeçadelado,comoumpassarinho.—Fazendooquê,querida?—Isto—respondi,batendonolivroàminhafrente.—Porqueasenhoracontinua
meobrigandoatrabalharcomisso,contraaminhavontade?Euodeio,easenhorasabe.Nãoqueromemeteremnadadisso!Porqueasenhoramefazaprenderessesfeitiços?Oqueasenhoraganhacomisso?Existeumclubeemquevocêrecebeumbônusportrazerumnovorecruta?Elaretomouosorrisodedeboche.—Preferimos o termoclã, e não clube de bruxas. Embora até que soe bem.Mas,
voltandoàpergunta,não,eunãoganhonadacomisso,pelomenosnãodojeitoquevocêestá pensando. Membros poderosos são sempre úteis para o clã, e você possui umpotencialparaagrandeza.Masnaverdadeémaisdoque isso.Vocêsempreargumentaqueéerradooshumanosteremessetipodepoder,certo?—Certo—eudisse,cerrandoosdentes.Tinhaditoaquiloummilhãodevezes.— Bem, essa é uma grande verdade… em relação a algumas pessoas.Você tem
medodeque abusemdesse tipodepoder, com razão. Isso aconteceo tempo todo, e éporissoqueprecisamosdepessoasboasevirtuosasquepossamseoporàquelasqueusamamagiaparafinsegoístasenefastos.Osinaltocou,indicandoqueeuestavalivre.Eumelevanteiearrumeiminhascoisas.— Desculpe, sra.Terwilliger. Fico lisonjeada por me considerar uma pessoa tão
honrada,masjáestouenvolvidaemumagrandebatalhaépicadobemcontraomal.Nãoprecisodeoutra.Saí da aula me sentindo ao mesmo tempo aflita e furiosa, torcendo para que os
últimosdoismesesdosemestrepassassemlogo.Seaquelamissãoalquimistacontinuasseno ano seguinte, escrita criativa ou alguma outra matéria eletiva seriam opções maisviáveisparaminhaagendaescolar.Eraumapena,porqueeurealmentetinhagostadodasra.Terwilliger no começo. Ela era muito inteligente e conhecia muito sua área deestudo—história,nãomagia—etinhameestimuladocomaqueletema.Seelativessedemonstradoomesmoentusiasmoquesentiacomamagiaparameensinarhistória,nãoteríamosacabadonaquelaconfusão.Eucostumava jantarcomJuliaeKristinoucomaminha“família”.Aquelaerauma
noiteemfamília.EncontreiEddieeAngelinejáàmesaquandoentreinorestaurantedocampuslestee,comosempre,elepareceugratopelaminhachegada.—Então,porquenão?—Angelinediziaquandosenteicomabandeja.Eranoitede
comida chinesa e ela seguravaumpardehashis, oquenunca eraumaboa ideia.Umavez tentei ensinar a ela como comer com os pauzinhos, semmuito sucesso. Ela ficoucomraivaeacabouapunhalandoumrolinhoprimaveracomtantaforçaqueoshashissepartiramaomeio.—Eusó…équenãotemmuitoavercomigo—Eddiedisse,procurandoresponder
àperguntaqueelatinhafeito.—Eunãovou.Comninguém.— Jill vai com Micah—Angeline observou, dissimulada.— Será que você não
precisaficardeolhonela,jáquevaiserforadaescola?Eddierespondeuapenascomumolharangustiado.—Doquevocêsestãofalando?—perguntei,finalmente.—DafestadoDiadasBruxas—Angelinedisse.Aquiloeranovidadeparamim.—VaiterumafestanoDiadasBruxas?Eddie deixou seu tormento de lado por um instante e me lançou um olhar de
surpresa.—Comovocênãosabe?Temcartazesemtodolugar!Remeximeuslegumescozidosnovapor.—Nãotinhanenhumporondepassei.Eddieapontoucomogarfoparaumlugaratrásdemim.Aomevirar,olheiparao
balcão de comida por onde passara pouco antes. Lá, pendurado na parede, havia umcartaz enorme que dizia:FESTA DO DIA DAS BRUXAS. Especificava a data e ohorário,eeradecoradocomabóborasmaldesenhadas.—Ah—eudisse.—Comovocêconseguedecorar livros inteiros,masdeixapassarumacoisadessas?
—Angelineperguntou.—ÉqueocérebrodaSydneysóregistrainformações úteis—Eddiedisse,comum
sorriso.Eunãoneguei.
—VocênãoachaqueEddiedeveriair?—Angelineinsistiu.—EleprecisacuidardeJill.E,seelefor,nóspodemosirjuntos.Eddiemelançouumolhardesesperado,ecoubeamimtentarencontrarumasaída.—Bom,claroqueeletemqueir…especialmenteporserlongedaqui.—Ocartaz
mencionavaumlugardequenuncatinhaouvidofalar.NãotínhamosvistonenhumsinaldeMoroivindoatrásdaJill,masumlugardesconhecidoapresentavanovosriscos,oqueme inspiroupara acrescentar:—Mas aí équeestáoproblema.Eleestarádeplantão.Vaipassarotempotodochecandoolugar,atentoparaversealguémsuspeitoaparece.Seria uma perda de tempo se ele fosse com você.Você não iria se divertir muito. Émelhorircomoutrapessoa.—MaseutambémprecisoprotegerJill—elaargumentou.—Nãoépor issoque
estouaqui?Precisoaprenderoquefazer.—Bem,sim—eledisse,visivelmenteencurraladopelalógicadela.—Vocêvaiter
queircomigoparacuidardela.—Sério?—eladisse,abrindoumsorriso.—Entãopodemosirjuntos!—Não—Eddiedisse,retomandooolharangustiado.—Nósvamosumjuntocom
ooutro.Masnãojuntos.Angelinepareceunãoseincomodarcomasnuances.—Nunca fui a uma festa—ela admitiu.—Quer dizer, lá em casa nós fazíamos
festasotempotodo.Masachoqueasdaquidevemserdiferentes.Com isso era preciso concordar. Eu sabia como eram os eventos sociais dos
Conservadores. Eles costumavam dançar ao redor de fogueiras ao som de músicasestridentes,tomandoumabebidaalcoólicaintoxicantefeitaporelesmesmos,emqueeuachava que nemAdrian tocaria. Os Conservadores também não consideravam umevento social um sucesso se não houvesse pelomenos uma briga.Na verdade, era atéimpressionanteAngelineaindanãotersemetidoemnenhumaemAmberwood.Eutinhasortequesuasúnicastransgressõestinhamsidoviolarasregrasdevestuárioeresponderparaosprofessores.—É,provavelmente—eudisse,deformaneutra.—Nãosei.Tambémnuncafuia
umafesta.—Vocêvainessa,nãoé?—Eddieperguntou.—ComBrody?—Brayden.Enãosei.Nemtivemososegundoencontroainda.Nãoqueroacelerar
ascoisas.— Claro — Eddie disse. —Afinal, ir a uma festa de Dia das Bruxas juntos é
realmenteumgrandepassononamoro.EuestavaprestesaretrucarsugerindoquetalvezeleeAngelinedevessemirjuntosno
finaldascontasquandoJilleMicahsentaramcomagente.Osdoisestavamrindotantoquemalconseguiamseacalmarparaexplicaroqueeratãoengraçado.—JannaHall terminouum ternomasculinono clubede costurahoje—Jill disse,
entre risadinhas.Voltei a sentirumaondadealegria aovê-la tãocontente.—Asrta.Yamanidissequeeraaprimeirapeçaderoupamasculinaqueelavialánosúltimoscinco
anos.Obviamente,Jannaprecisavadeummodeloesótinhaumgarotolá…Micahensaiouumolharaborrecido,maslogovoltouasorrir.—Poisé.Escolhiaatitudemásculaemeofereci.Oternoerahorrível!—Ah—Jill disse.—Nãoera tãohorrível…Tudobem,realmenteerahorrível.
Janna não seguiu nenhuma das diretrizes de tamanho, então a calça ficou gigantesca.Parecia uma barraca. E como ela não fez nenhum passador de cinto, ele precisouamarraracalçacomumafaixa.— Que quase não aguentou quando elas me mandaram desfilar — Micah disse,
balançandoacabeça.Jilldeuumacutucadazombeteiranele.—Achoquetodomundoiriagostarseacalçativessecaído.—Melembredenuncamaismeinscrevernumclubesódemeninas—Micahdisse.
—Semestrequevem,voumeinscreveremalgumacoisacomomarcenariaoucaratê.—Vocênãovaifazerdenovo?Nempormim?—Jillolhouparaeledeumjeitoque
incrivelmenteconseguiaseraomesmotempozangadoesedutor.Percebiqueaquiloeramuitomaiseficazdoquequalquercompulsãooufeitiçodeencantamento.Micahsoltouumsuspiro:—Estouperdido.Nunca me considerei especialmente sentimental, e ainda desaprovava o romance
acanhadodaquelesdois,masatéeusorricomaquelesgracejos. Issoatéveraexpressãono rosto de Eddie. Não estava transparecendo muito, para falar a verdade.Talvez oconvívio com Dimitri tivesse rendido algumas dicas sobre como manter a expressãoimpassíveldeguardião.MasEddieaindanãoeracomoDimitri,eeuconseguianotarossinaismaistênuesdetristezaesofrimento.Por que ele fazia aquilo consigo mesmo? Ele se recusava a confessar a Jill seus
sentimentos.Assumiaaposturanobredequemprecisavaapenasprotegê-laenadamais.Parte demim conseguia entender isso.O que eu não conseguia entender era por queEddiecontinuavaasetorturarapoiandoqueelasaíssejustocomocolegadequartodele.MesmocomseutraumaemrelaçãoàsemelhançaentreMicaheMason,Eddieestavaseforçandoaver,todososdias,agarotadeseussonhoscomoutrapessoa.Eununcatinhapassadopornadaparecido,masdeviaserterrível.Nossos olhos se cruzaram e Eddie balançou a cabeça discretamente. Não encana,
pareciadizer.Nãosepreocupecomigo.Vouficarbem.LogoAngelinedisparoua falar sobrea festa,perguntandose JilleMicah iriam.Ela
tambémmencionouseusplanosdeir“com”Eddie.Issootiroudohumormelancólicoe,emboraeusoubessequeelaoimportunava,fiqueipensandoseaquilonãoeramelhordoqueseratormentadoconstantementeporcausadonamoroentreJilleMicah.A conversa parou abruptamente quandoMicah franziu a testa e comentou algo que
todosnóshavíamosdeixadopassar,equeresolveriaosproblemasdeEddie.—Porquevocêsvãoàfestajuntos?Vocêsnãosãoprimos?Eddie, Jill e eu ficamos paralisados. Mais um furo na nossa história. Não podia
acreditarquetinhadeixadoissopassarnãouma,masduasvezes.Deviatermencionadoassim queAngeline surgiu com o assunto da festa.Aos olhos da escola, todos éramosparentes.—Edaí?—Angelineperguntou,sementender.Eddiepigarreou.—Hum,somosprimosdeterceirograu.Mas,enfim.Nãovamosjuntosdeverdade.
Ésóumabrincadeira.Issofezoassuntomorrer,eelenãopôdeconterumsorrisotriunfante.No dia seguinte, Braydenme buscou logo após a aula para chegarmos a tempo do
tour pelos moinhos.A sra.Terwilliger até me deixou sair uns minutos mais cedo,depois que prometi que traria um cappuccino para ela no caminho de volta aAmberwood.Euestavaanimadacomopasseioecoma ideiadeverBrayden,mas, aoentrarno carro, senti umapontadadedúvida. Seráque tinhaodireitodemedivertirassim, em atividades pessoais?Ainda mais depois dos novos deslizes na nossa história“familiar”?Talvezeuestivessededicandotempodemaisamimmesmaetempodemenosàmissão.Brayden tinha muito a dizer sobre o torneio de debates do qual havia participado
durante o fim de semana.Analisamos alguns dos temas mais difíceis que ele teve deenfrentarerimoscomtemasfáceisqueatrapalharamaequiperival.Haviaanosqueeutinhamedodeficarcomalguém,maseraumagratasurpresaafacilidadequetínhamosparaconversar.FoimuitoparecidocomoencontroparaverapeçadeShakespeare:umafonte inesgotável de assuntos sobre os quais nós dois sabíamos muito. Era o resto daexperiênciaqueaindamedeixavaangustiada—apartede“ficar”propriamentedita.Oslivros sobre namoro que eu havia lido depois do nosso primeiro encontro davamconselhos principalmente sobre sexo, o que era completamente inútil, já que eu nemsabiacomoficardemãosdadas.Fiquei fascinada pelos moinhos gigantes. Por mais que não tivessem a beleza e
elegânciadoscarrosdequeeutantogostava,eusentiaomesmodeslumbramentodiantedaengenhariaqueelesrepresentavam.Algunsmoinhostinhammaisdetrintametrosdealtura, com pás do tamanho de meio campo de futebol americano. Momentos comoaquele me deixavam maravilhada com a engenhosidade humana. Quem precisava demagiasepodíamoscriarmaravilhascomoaquela?Nossaguiaeraumamoçasimpáticadevinteepoucosanos,queclaramenteadoravao
trabalho dela e tudo o que a energia eólica representava. Ela sabia todo tipo decuriosidadessobreosmoinhos,masnãoobastanteparasatisfazerBrayden.—Comovocês lidam com a ineficiência de energia provocada pela necessidade das
turbinasdeventosemvelocidadestãoespecíficas?Depois:—O que você acha dos estudos que mostram que o simples aperfeiçoamento dos
filtrosnaqueimadecombustíveisfósseisreduziriamaisasemissõesdegáscarbônicodoqueaimplantaçãodessetipoalternativodegeraçãodeenergia?
Edepois:—Podemosenxergaraenergiaeólicacomoopçãoviávelse,considerandoocustoda
construçãoedamanutenção,osconsumidoresacabampagandomaisdoquepelasformastradicionaisdeeletricidade?Não havia como ter certeza,mas tive a impressão de que a nossa guia encerrou o
tourmaiscedo.Elaincentivouosoutrosturistasavoltaremquandoquisessem,masnãodissenadaparamimouBraydenquandopassamosporela.— É uma pena, mas ela estava muitomal informada— ele me disse, de volta à
estrada.—Elasabiamuitosobreosmoinhosesuasinstalações—argumentei.—Achoque
osdebatesmaisrecentessobreoassuntonãocostumamserlevantadosnessestours.Ou—fizumapausa,comumsorriso—comolidarcomturistas…impertinentes.—Eu fui impertinente?—eleperguntou,parecendo realmente surpreso.Ele tinha
ficadotãoenvolvidocomsuasideiasquenemmesmopercebeu.Erafofo.Tenteinãodarrisada.—Vocêsófoiimpetuosodemais.Achoqueelesnãoestavampreparadosparaalguém
comovocê.—Masdeveriamestar.Aenergiaeólicaérealmentepromissora,masporenquanto
existem vários tipos de gastos e ineficiências que precisam ser resolvidos. Senão ela setornainútil.Recostei-me por algum tempo, tentando decidir a melhor maneira de responder
àquilo. Nenhum dos conselhos que recebi dos livros ou dos meus amigos tinha mepreparadoparalidarcomdiscussõessobrefontesalternativasdeenergia.Umdoslivros,queeuacheimelhornemterminar,tinhaumavisãoclaramentemachistaquediziaqueeraobrigaçãodasmulheres fazercomqueoshomens se sentissem importantesduranteumencontro.SuspeiteiqueKristineJuliameaconselhariamarirejogarocabeloparaolado,pondofimàdiscussão.Maseusimplesmentenãoconseguia.—Vocêestáerrado—eudisse.Brayden, que era umgrandedefensorda direção segura, chegou a tirar os olhos da
estradaporalgunssegundosemeencarar.—Oquevocêdisse?Alémdedescobrirque,assimcomoeu,eletinhaumvastoestoquedeconhecimentos
profundosealeatórios, tambémhavianotadoumacoisadominantenapersonalidadedeBrayden.Elenãogostavadeestarerrado.Nãoeranenhuma surpresa.Eu tambémnãogostava,enósdoistínhamosmuitoemcomumnesseaspecto.E,pelojeitoqueelefalavadaescolaeatémesmodotorneiodedebates,deduziqueaspessoasnuncalhediziamqueeleestavaerrado—mesmoqueporacasoeleestivesse.Talvez não fosse tardedemais para fazer a jogadinha de cabelo.Mas, emvez disso,
dispareiafalar.—Vocêestáerrado.Talvezaenergiaeólicanãosejatãoeficientequantopoderiaser,
mas o simples fato de estar sendo desenvolvida já é um grande avanço em relação àsfontesdeenergiaarcaicaseultrapassadasdequeanossasociedadeaindadepende.Esperarqueocusto-benefíciosejatãobomquantoodeumaoutraqueéusadahámuito,muitotempoéumaideiaingênua.—Mas…— Não se pode negar que os benefícios compensam os gastos. As mudanças
climáticasestãosetornandoumproblemacadavezmaior,eareduçãodasemissõesdegáscarbônicopelaenergiaeólicapodeterumimpactosignificativo.Alémdisso,omaisimportante é que o vento é renovável.As fontes baratas não valerão nada quando seesgotarem.—Mas…— Precisamos ser progressistas e pensar naquilo que irá nos salvar no futuro.
Concentrar-se exclusivamente no custo-benefício que temos agora e ignorar asconsequências demonstra falta de visão a longo prazo, o que acabará levando a espéciehumana à destruição.Quem não considerar isso só estará perpetuando o problema, amenosquecrieoutrassoluções.Amaiorianãofazisso.Sóreclama.Éporissoquevocêestáerrado.Fiz umapausapara recuperaro fôlego e entãome atrevi a olhar paraBrayden.Ele
estava com os olhos fixos na estrada, incrivelmente arregalados.Achei que ele estariamenoschocadoseeutivessedadoumtapanacaradele.Imediatamentemearrependidoquehaviadito.Sydney,porquevocênãodeusóumarisadinhaepronto?— Brayden? — arrisquei, hesitante, depois de quase um minuto sem resposta.
Atônito,elecontinuavaemsilêncio.De repente, sem nenhum aviso, ele fez uma curva brusca e jogou o carro no
acostamento, fazendovoarpoeirae cascalho aonosso redor.Naquelemomento, tive acertezaabsolutadequeelememandariasairdocarroeeuteriaquecaminhardevoltaatéPalmSprings.Eestávamosaquilômetrosdedistânciadacidade.Emvezdisso,elepegouaminhamãoeseinclinounaminhadireção.—Você—eledisse,quasesemar—éincrível.Absolutamente,indiscutivelmente
eperfeitamenteincrível.Eentãoelemebeijou.Fiqueitãosurpresaquemalconseguimemexer.Meucoraçãoacelerou,maseramais
pornervosismodoquequalqueroutra coisa.Eu estava beijando certo?Tentei relaxar,abrindoumpoucoos lábios,masmeucorpocontinuava tenso.Braydennãorecuouemrepulsa, o que era um bom sinal. Eu nunca havia beijado ninguém e sempre mepreocupara sobre como seria.A mecânica do beijo se revelou mais fácil do que euimaginava.Quando ele finalmente se afastou, estava com um sorriso nos lábios. Bomsinal, pensei. Retribuí o sorriso, hesitante, porque sabia que era o que se esperava demim.Mas,sinceramente,umapartesecretademimestavaumtantodesapontada.Erasó isso?Nãotinhanadademais?Nãoquetivesse sidohorrível,mas tambémnãotinhamemandadoàsalturas.Tinhasidoexatamentecomoparecia,lábiossobrelábios.
Comumgrandesuspirodefelicidade,elesevirouevoltouadirigir.Eusóconseguiaobservá-lo com assombro e perplexidade, incapaz de esboçar qualquer reação. O quetinhaacabadodeacontecer?Aqueletinhasidomeuprimeirobeijo?—Spencer’s,certo?—Braydenmeperguntou,quandoviramosnasaídaquedavano
centrodacidade,poucodepois.Aindaestavatãoatordoadaporcausadobeijoqueleveiumtempoparalembrarque
haviaprometidoumcappuccinoparaasra.Terwilliger.—Isso.Pouco antes de entrarmos na rua do Spencer’s, Brayden estacionou de repente em
frenteaumafloricultura.—Jávolto—eledisse.Assenti,semsaberoquedizer,ecincominutosdepoiselevoltouemeofereceuum
grandebuquêderosasdelicadas,numtomrosapálido.—Obrigada?—eudisse,soandomaisinterrogativadoqueagradecida.Agora,alémdobeijoedadeclaraçãodequeeuera“incrível”, tinhamerecidoflores
também.—Elasnãosãoadequadas—eleadmitiu.—Nosimbolismotradicionaldasflores,
vermelhooularanjaseriamcoresmaisapropriadas.Maselessótinhamessaseumtomdelavanda,evocênãopareceotipodepessoaquegostaderoxo.—Obrigada—respondi,dessavezmaisfirme.AosentirodocearomadasrosasacaminhodoSpencer’s,medeicontadequenunca
tinhammedadofloresnavida.Chegamosaocafépoucodepois.Saídocarroe,comoumraio,Braydenapareceuao
meu lado para fechar a porta atrás de mim. Entramos e fiquei aliviada ao verTreytrabalhando.Aimplicânciadeleseriaumbomretornoànormalidade,jáqueminhavidatinhaacabadodesofrerumareviravoltamaluca.Trey pareceu não nos notar. Estava compenetrado numa conversa com alguém do
outro ladodobalcão,umrapazmaisvelhodoqueagente.Apelebronzeada,ocabelopreto e alguns traços do rosto me indicaram que ele eTrey deviam ser parentes.BraydeneeuesperamosemsilêncioatrásdorapazatéTrey finalmenteolharparanós,com o semblante surpreendentemente tristonho, muito diferente de como costumavaser.Elepareceusurpresoaonosver,masdepoisrelaxouumpouco.—Melbourne, Cartwright. Passaram para pegar um pouco de cafeína depois dos
moinhos?—Você sabe que nunca bebo cafeína depois das quatro— Brayden disse.—Mas
Sydneyveiobuscarumabebidaparaaprofessora.—Ah—Treydisse.—Odesempreparavocêeparaasra.T?—Sim,masomeuégeladodestavez.Treymeolhoucomardeespertalhão.—Precisandoserefrescarumpouco,então?Revireiosolhos.
Orapazqueantesestavananossafrentecontinuavaporali,eTreyapontouparaeleenquantopegavadoiscopos.—Esteémeuprimo,Chris.Chris,SydneyeBrayden.Aquele devia ser o “primo perfeito” deTrey. Em uma olhada rápida, vi poucos
indíciosdequeelefossemelhordoqueTrey,excetotalvezsuaaltura.Chriseramuitoalto. Não tanto quanto Dimitri, mas muito alto. Fora isso, os dois tinham traçosparecidos e o corpo atlético.Chris até tinha algunsmachucados e arranhões parecidoscom os queTrey costumava exibir,me fazendo supor que havia uma relação familiarcom os esportes. Independente disso, Chris não parecia uma pessoa por quemTreydeveriasesentirintimidado,mastalvezeuestivessetomandopartidodanossaamizade.—Deondevocêé?—perguntei.—SanFrancisco—Chrisrespondeu.—Porquantotempoficaránacidade?—Braydenperguntou.ChrisencarouBrayden,desconfiado.—Porquequersaber?Brayden pareceu surpreso e não o culpei por isso.Antes que qualquer um de nós
pudesse imaginar qual seria o próximo passo no manual de conversas casuais,Treyinterferiudepressa:—Relaxe,C.Eles só estão sendo simpáticos.Não trabalhampranenhuma agência
secreta.PelomenosBraydennão.—Desculpe—Chrisdisse,semparecerrealmentearrependido.Essaeraadiferença
entre os primos, percebi.Trey teria rido daquele engano. Na verdade, nunca teriacometidoaqueleengano.Definitivamentehavianíveisdiferentesde simpatiana famíliadele.—Algumassemanas.NemeunemBraydennos atrevemos aperguntarmais algumacoisadepoisdisso e,
felizmente, Chris aproveitou a oportunidade para ir embora, prometendo ligar paraTrey mais tarde. Quando ele se foi, Trey balançou a cabeça como se estivesse sedesculpandoecolocouoscafésprontosnobalcão.Quandopusamãonobolsoparapegarminhacarteira,Braydenseadiantouepagouparamim.EnquantodavaotrocoparaBrayden,Treydisse:—Oshoráriosdasemanaquevemjáestãonomural.—Ah,é?—Braydenvirouparamim.—Vocêse importa seeu for lános fundos
porumsegundo?Nosentidofigurado,claro.—Vai lá — eu disse.Assim que ele saiu, me virei paraTrey, desesperada.—
Precisodasuaajuda.Treyarqueouassobrancelhas.—Penseiquenuncafosseouvirissodevocê.Eu também não, mas estava completamente perdida, e Trey era minha única
possibilidadedeajudanaquelemomento.—Braydenmedeuflores—declarei.Eunãopretendiamencionarobeijo.
—E?—Porqueelefezisso?— Porque ele gosta de você, Melbourne. É isso que os garotos fazem. Pagam o
jantar, dão presentes e torcem para que, em troca, vocês, hum… gostem delestambém.— Mas eu discuti com ele — sussurrei, olhando apreensiva para a porta onde
Braydenhaviaentrado.—Poucoantesdeelemedarflores,fizumdiscursosobrecomoeleestavaerradoemrelaçãoàsfontesalternativasdeenergia.—Peraí—Treyinterrompeu.—Vocêdisse…vocêdisseparaBraydenCartwright
queeleestavaerrado?Assenti.—Porqueelereagiriadessejeito?TreysoltouumagargalhadatãosonoraquetivecertezadequefariaBraydenvoltar.—Aspessoasnãocostumamdizerparaelequeeleestáerrado.—É,imaginei.—Aindamaisasmeninas.Elasnuncadizemqueeleestáerrado.Vocêdevetersidoa
primeiraafazerisso.Devetersidoaúnicagarotainteligenteobastanteparadiscordardele.Euestavaficandoimpaciente.—Issoeuentendo.Masporqueasflores?Porqueoselogios?Treymeneouacabeçaepareceuprestesarirdenovo.—Melbourne,sevocênãosabe,nãosoueuquemvaitedizer.Eu estava tão preocupada que Brayden fosse voltar a qualquer instante que achei
melhormudardeassuntoenãocomentaroconselhoinútilqueTreyhaviamedado.—Chriséoprimoperfeitodequemvocêmefalou?Osorrisodeledesapareceu.—Emcarneeosso.Tudooqueeufaço,elefazmelhor.Imediatamentemearrependideter feitoapergunta.Trey,assimcomoAdrian,era
daquelaspessoasqueeunãogostavadevertristes.— Bem. Ele não me pareceu tão perfeito.Talvez eu esteja sendo tendenciosa por
passartantotempocomvocê.Vocêdefiniuomodelodeperfeição.Issotrouxeseusorrisodevolta.—Desculpepelagrosseriadele.Chrissempresecomportoudessejeito.Nuncafoio
maischarmosodafamíliaJuarez.Essesoueu,claro.—Claro—concordei.Quando Brayden voltou,Trey ainda estava sorrindo, mas quando olhei para trás
antesdesairdocafé,aexpressãodeletinhavoltadoase fechar.Eleestavaconcentradoemseuspensamentoseeuqueriasabercomopoderiaajudar.NocaminhodevoltaaAmberwood,Braydendisse,tímido:—Bom,agoraeuseimeushoráriosdaspróximasduassemanas.—Ah,que…bom—eudisse.
Elehesitou.—Então…euseiquandopossosairdenovo.Querdizer,digo,se…sevocêquiser
sairdenovo.Aquilo teria me surpreendido se eu já não estivesse pasma com todos os outros
acontecimentosdaqueledia.Braydenqueria saircomigodenovo?Porquê? Aindamaisasmeninas.Elasnuncadizemqueeleestáerrado.Vocêdevetersidoaprimeiraafazerisso.Deve ter sidoaúnicagarota inteligenteobastanteparadiscordardele. E,omaisimportante,seráqueeuqueriasaircomBraydendenovo?Deiumaolhadaneleeentãonasrosas.LembreidojeitocomoBraydenmeolhounosolhosnocarroparado.Percebi,então, que as chances de eu encontrar outro garoto que achasse Shakespeare e parqueseólicosdivertidoseramminúsculas.—Tudobem—eudisse.Eleestreitouosolhosenquantopensava.—Vaiterumafestadasuaescola,nãovai?Vocêquerir?Aspessoascostumamira
essetipodecoisa,né?—Éoqueparece.Comovocêficousabendo?—Pelocartaz—eledisse.Enaqueleexatomomento,comosetivessesidocombinado,eleestacionounaentrada
domeualojamento.Penduradonaportaprincipal,haviaumcartazdecoradocomteiasdearanhaemorcegos.VAISERDEARREPIAR!FESTADODIADASBRUXAS.—Ah — eu disse. — Este cartaz. — Eddie estava certo. Eu realmente tinha
memóriaseletiva.—Achoqueagentepodeir,sim.Sevocêquiser.—Claro.Querdizer,sevocêquiser.Silêncio.Então,nósdoisrimos.—Bom,então—eudisse—,achoquevamos.Brayden se inclinou na minha direção e entrei em pânico até perceber que ele só
estavatentandodarumaolhadamelhornocartaz.—Daquiaumasemanaemeia.—Temposuficienteparaarranjarfantasias,acho.—Achoquesim.Apesarde…Efoinessemomentoqueaconteceumaisumacoisalouca.Elesegurouaminhamão.Confesso que não estava esperandomuita coisa, aindamais depois daminha reação
dúbia depois do beijo no acostamento.Ainda assim, com a mão dele sobre a minha,fiquei surpresapela sensaçãode…bem,de simplesmente tocaramãodeoutrapessoa.Achava que sentiria pelomenos algum arrepio ou o coração batendomais forte.Masminha maior reação emocional foi ficar preocupada em relação ao que fazer com aminhamão.Entrelaçarosdedos?Apertaramãodeledevolta?—Queriasaircomvocêantes—eledisse.Evoltouahesitar.—Sevocêquiser.Baixei os olhos para nossas mãos, tentando entender o que eu estava sentindo. Ele
tinhamãos gostosas.Macias, quentinhas. Eu poderiame acostumar a segurar asmãosdele. E, claro, ele cheirava a café. Será que aquilo era o bastante para desenvolver o
amor?Aquelavelhaincertezavoltouameincomodar.Quedireitoeutinhaàquilotudo?EunãoestavaemPalmSpringspordiversão.Nãohaviaespaçopara interessespessoaisentreosalquimistas.Sabiaquemeussuperioresnãoaprovariamnadadaquilo.Mesmo assim, quando eu voltaria a ter aquela chance? Quando eu ganharia flores
novamente?Quandoalguémvoltariaameolharcomaquelefervor?Decidiarriscar.—Claro—eudisse.—Vamossairdenovo.
8
SÓSAÍMOSNOVAMENTENOFIMDESEMANA. Braydeneeuéramoscapazesdesair à noite durante a semana e ainda assim dar conta de terminar os trabalhos, maspreferíamos não fazer isso.Além disso,minhas noites durante a semana normalmentetinham algum compromisso com o grupo, fosse o fornecimento ou os experimentos.Eddie tinha cedido o sangue dele naquela semana, e fiz questão de não estar por pertoparaqueSonyanãotentassemeconvencermaisumavez.Brayden queria sair no sábado, mas aquele era o dia em que eu prometera levar
AdrianaSanDiego.Braydendeuaideiadetomarmoscafédamanhãantesdeeupegaraestrada, e fomos a um restaurante que ficava junto a umdos resortsmais luxuosos dePalm Springs. Por mais que eume oferecesse para dividir a conta, Brayden voltou ainsistir em pagar tudo e dirigir todo o trajeto. Quando ele estacionou em frente aoalojamento,tiveumavisãosurpreendenteenadaagradável:Adriansentadonumbanco,parecendoentediado.—Ah,não—eudisse.—Quefoi?—Braydenperguntou.—Aqueleéomeuirmão.—Sabiaquenãotinhacomoevitaraquilo.Eoinevitável
acontecera.Adrianprovavelmenteseagarrariaaopara-choquedeBraydenatéqueeuosapresentasse.—Vem,vouapresentá-lo.Brayden saiu do carro devagar, lançando um olhar de preocupação para a placa de
PROIBIDO ESTACIONAR . Adrian levantou num pulo, com uma expressãoextremamentesatisfeita.—Nãoeraparaeubuscarvocê?—perguntei.— Sonya tinha algumas coisas para fazer e se ofereceu para me deixar aqui no
caminho—explicou.—Imagineiquepoupariaumpoucodetrabalhopravocê.Adriansabiaexatamenteoqueeuestaria fazendodemanhã,entãoeususpeitavaque
osmotivosdelenãoeramtãoaltruístasassim.
—EsteéBrayden—apresentei.—Brayden,Adrian.Adrianapertouamãodele.—Ouvifalarmuitodevocê.—Nãoduvidei,masfiqueipensandodabocadequem
exatamenteeletinhaouvido.Braydenrespondeucomumsorrisoamigável.—Na verdade, eu nunca tinha ouvido falar de você. Nem sabia que Sydney tinha
outroirmão.—Vocênunca faloudemim?—Adriandisse, lançando-meumolharmagoadode
deboche.—Nãosurgiuumaoportunidade—respondi.—Vocêaindaestánoensinomédio,certo?—AdrianperguntouparaBrayden.Em
seguida,apontoucomacabeçaparaoMustang.—Masdeve terumtrabalhodemeioperíodo para dar conta das prestações do carro. A menos que seja um daquelesvagabundosqueficamtentandotirardinheirodospais.Braydenpareceuindignado.—Claroquenão.Trabalhoquasetododianumcafé.—Numcafé—Adrianrepetiu,conseguindoexpressarvários tonsdedesaprovação
navoz.—Entendi.—Eleolhouparamim.—Bom,podiaserpior.—Adrian…—É,masnãovoutrabalhar láparasempre—Braydenprotestou.—Já fuiaceito
naUSC,StanfordeDartmouth.Adrianassentiu,pensativo.— Imagino que isso seja admirável. Embora eu sempre tenha pensado que
Dartmouth era o tipo de universidade para onde iam as pessoas que não conseguiramentraremYaleouHarv…—Nósrealmenteprecisamosir—interrompi,segurandoobraçodeAdrian.Tentei
arrastá-loemdireçãoaoestacionamento,semsucesso.—Nãoqueremosficarpresosnotrânsito.Braydendeuumaolhadanocelular.—Aessahora,otrânsitocostumaserrelativamentetranquilonosentidooeste,mas
como é fim de semana nunca se sabe como os turistas podem alterar as coisas, aindamais com tantas atrações em San Diego. Se você analisar os padrões de trânsitoaplicandoateoriadocaos…—Exatamente— interrompi.—Melhor prevenir do que remediar.Mando uma
mensagempravocêquandovoltar,tá?Aídecidimoscomovaiserorestodasemana.Pelaprimeira veznãopreciseimepreocupar comapertodemãos,beijo,nemnada
dessetipo.EstavaconcentradademaisemtirarAdriandaliantesqueeleabrisseabocaesoltasse outra provocação.Apesar de adorar discutir assuntos acadêmicos e que eudiscordasse do que ele dizia, Brayden costumava ser bastante pacífico. Ele não tinhaficadopropriamentebravocomAdrian,mascertamenteaquelafoiavezemqueeuovimaisirritado.Adrianeracapazdetirardosérioatéaspessoasmaistranquilas.
—Sériomesmo?—perguntei, quando já estávamos seguros noPingado.—Vocênãopodiasimplesmenteterdito“prazeremconhecê-lo”epronto?Adrian reclinou o assento, tentando encontrar a posição mais horizontal possível
usandoocintodesegurança.— Só estou cuidando de você, irmãzinha. Não quero que você acabe com algum
folgado.Acrediteemmim,souespecialistanoassunto.—Obrigadaporoferecersuaexpertise,masconsigomevirarsozinha.—Sério,umbarista?Porquenãoumestagiáriodeadministração?—Eugostodofatodeeleserbarista.Eleestásemprecheirandoacafé.Adrianabaixouovidro,deixandoqueoventobagunçasseseucabelo.—Estou surpreso que vocêdeixe ele te levar deum ladoprooutrono carrodele.
Aindamais considerandocomovocê ficahistérica sempreque alguémmexeemalgumcomandodoseucarro.—Comoodebaixarovidroda janela?—perguntei, acusatoriamente.—Como
ar-condicionado ligado?—Adrian entendeu a indireta e subiu o vidro.— Ele querdirigir.Entãoeudeixoqueeledirija.Alémdisso,gostodaquelecarro.—É um carro legalmesmo—Adrian admitiu.—Mas nunca imaginei que você
fosseotipodepessoaquecorreatrásdesímbolosdestatus.—Eunãocorro.Eugostoporqueéumcarrointeressantecomumalongahistória.—Tradução:símbolodestatus.—Adrian.—Suspirei.—Essavaiserumaviagemlonga.Naverdade,aviagemfoirelativamenterápida.ApesardasespeculaçõesdeBrayden,
o trânsito estava tranquilo, o suficiente para eu decidir quemerecia umapausa para ocafénomeiodocaminho.Adrianpegouummoca—“Vocêpodepagar,Sage?Sódessavez?” — e manteve o estilo debochado usual durante a maior parte da viagem. Noentanto,nãopudedeixardenotarque,faltandocercademeiahoraparachegarmos,elefoi ficando cada vez mais retraído e pensativo.As brincadeirinhas diminuíram e elepassoumuitotempoolhandofixamentepelajanela.Supusqueestavacaindoafichadequelogoveriaopai.Eusemdúvidaconseguiame
identificarcomaquilo.Ficariaigualmentenervosaseestivesseprestesaveromeu.Mas,comoachavaqueAdriannãoiriagostardeumasessãodeterapiaconjunta,procureiumassuntomaisinofensivoparatirá-lodamelancolia.—DescobriramalgumacoisacomosanguedeEddieeDimitri?—perguntei.Adrianolhouparamim,surpreso.—Nãoesperavaquevocêfossetocarnesseassunto.—Ei,estouinteressadanapartecientífica.Sónãoqueriaparticipar.Eleentendeu.—Nada de novo, por enquanto.Mandaram as amostras para um laboratório, um
dosnossos,acho,paraversehaviaalgumacoisadiferenteentreosdoisdopontodevistafísico.Sonyaeeuidentificamosum…ah,nãoseiexplicar.Algocomoum“zumbido”deespírito no sangue de Belikov. Não que o fato de ele ter sangue mágico seja alguma
surpresa.Quasetodomundoachatudooqueelefazmágico.—Ah,vai—eudisse.—Vocêestásendoinjusto.—Injusto?VocêviucomoCastileveneraaquelecara.Equerser igualaelequando
crescer.E pormais que Sonya normalmente seja a porta-voz do experimento, ela nãoconsegue nem respirar direito sem pedir a opinião dele antes. “O que você acha,Dimitri?”, “É uma boa ideia, Dimitri?”, “Por favor, dai-nos vossa bênção para quepossamosnosajoelhardiantedevósevosadorar,Dimitri.”—Aindaachoqueestásendoinjusto—respondi,balançandoacabeça,irritada.—
Elessãocolegasdepesquisa.Claroqueelaprecisaconsultá-lo.—É,maselaconsultaaelemuitomaisdoqueconsultaamim.Talvez fosse porque Adrian sempre parecia entediado durante a pesquisa, mas
imagineiquenãoajudariamuitotocarnesseponto.—OsdoisforamStrigoi.Elesmeioquetêmumavisãoprivilegiadadoassunto.Eleficouumtempoemsilêncio.—Tudobem.Com issoeuconcordo.Masvocê temqueadmitirqueacompetição
nuncafoi justaentremimeeleemrelaçãoaRose.Vocêosviujuntos.Eununcativeamínimachance.Nãodánemparacomparar.—Eporquevocêtemquecomparar?PartedemimtambémqueriaperguntaroqueaRosetinhaavercomaquilo,masJill
jámedisseramuitasvezesque,paraAdrian,absolutamentetudotinhaavercomRose.—Porqueeuqueriaficarcomela—Adrianrespondeu.—Eaindaquer?Elenãorespondeu.Roseeraumassuntodelicado,emqueeupreferianãoterentrado
demaneiratãoestabanada.—Vejabem—eudisse.—VocêeDimitri sãopessoasdiferentes.Vocênão tem
que ficar secomparandoaele.Não temque tentar ser igual aele.Querdizer,eunãovouficaraquisentadafalandomaldele.Eugostodele.Dimitrié inteligente,dedicado,extremamentecorajosoeguerreiro.Ébomdeluta.Eéumcaralegal.—Você esqueceu de mencionar que é romântico e terrivelmente bonito — ele
escarneceu.—Ei,vocêtambémfazbemparaosolhos—brinquei,fazendoreferênciaaalgoque
eletinhameditoumtempoantes.Elenãosorriu.—Enãosesubestime.Vocêtambémé inteligente e consegue convencer todo mundo do que quer.Você nem precisa decarismamágicoparaisso.—Até agora não estou vendomuita diferença entremim e um vigarista demeia-
tigela.—Ah, para com isso— eu disse. Ele conseguiame fazer rir até com os assuntos
mais sérios.—Vocêentendeuoqueeuquisdizer.Evocê tambéméumadaspessoasmaisleaisqueeuconheço.Alémdesermuitoatencioso,pormaisquefinjanãoser.EuvejocomovocêcuidadeJill.Poucaspessoas teriamatravessadoopaísparaajudá-la.Equaseninguémteriafeitooquevocêfezparasalvaravidadela.
Maisumavez,Adrianlevouumtempopararesponder.—Masdequeadiantaserlealeatencioso?—Pramim,issosignificatudo.Não hesitei em responder. Já lidara com pessoas traiçoeiras e calculistas demais
duranteavida.Meuprópriopainãojulgavaaspessoaspeloqueelaseram,maspeloquepodiamfazerporele,enquantoAdrian,portrásdafachadadearrogânciaeirreverência,se importava muito com as outras pessoas. Eu já o vira arriscar a própria vida paraprovar isso. Considerando que eu já havia mandado arrancar o olho de alguém paravingarminhairmã…Bem,lealdadeeraalgoqueeurealmenteapreciava.Adrian não disse mais nada durante o resto da viagem, mas pelo menos tive a
impressão de que ele já não estava melancólico. Na maior parte do tempo pareciapensativo,oquenãoeratãopreocupante.Oquemedeixouumtantodesconfortávelfoiflagrá-lováriasvezes,pelaminhavisãoperiférica,meobservando.Repetimentalmenteo que havia dito várias e várias vezes, tentando entender se havia algo que justificassetamanhaatenção.OpaideAdrianestavahospedadoemumgrandehoteldeSanDiego,cujaatmosfera
eraparecidacomadoresortemqueeuhaviatomadocafécomBrayden.Executivosdeternosemisturavamaturistasusandoestampastropicaisechinelos.Quasetinhavestidoumacalçajeansparatomarcafédamanhã,masagoraestavacontenteporterescolhidouma saia cinza eumablusademanga curta comumaestampa simples azul e cinza.Abarradablusaeralevementeondulada,easaiatinhaumpadrãoemzigue-zaguemuito,mas muito sutil. Normalmente eu não usaria texturas tão contrastantes juntas, masgostavadaousadiadolook.EutinhachamadoaatençãodeJillparaissoantesdesairdoalojamento para o café. Ela levou um tempo para notar o contraste das texturas e,quando finalmente percebeu, revirou os olhos e disse: “Nossa, Sydney. Como você érebelde”.Adrian, por sua vez, estava usando um de seus trajes típicos de verão— jeans e
camisadeabotoar—,apesarde,claro,acamisaestarparaforadacalça,comasmangasarregaçadasealgunsbotõesdecimaabertos.Eleusavaessetipoderoupaotempotodoe,apesardoarcasual,muitasvezesconseguiaparecerestilosoemoderno.Masessenãoeraocasodessavez.Aqueleerao jeansmaisgastoqueeu jáovirausando—estavaaponto de rasgar na altura dos joelhos. E, embora fosse de boa qualidade e combinasseperfeitamente com seus olhos, a camisa verde-escura estava amarrotada num grauinexplicável. Mesmo se tivesse dormido com ela ou a atirado no chão, não teriaconseguidodeixá-ladaquelejeito.Desconfiavaqueseriaprecisoamassá-lanumabolotaesentar em cima dela para que ficasse com uma aparência tão terrível. Se eu tivessenotado aquilo emAmberwood (em vez de estar tão distraída tentando afastá-lo deBrayden),teriainsistindoempassaracamisaantesdepartirmos.Claroque,mesmoassim,eleestavabonito.Ele sempreestavabonito, independente
do estado de seu cabelo ou de suas roupas. Era uma das coisas mais irritantes nele.Aquele visual desalinhado fazia ele se passar por um modelo europeu pensativo.
Examinando-oenquantotomávamosoelevadorparaosaguãodosegundoandar,concluíquenãopodia sercoincidênciaeleestarusandoseu trajemaisdesmazelado justonodiaemque visitaria o pai.A questão era: por quê? Ele sempre reclamava que o pai viviaencontrandodefeitosnele.Vestindo-sedaquelejeito,Adriansódariamaisummotivo.Oelevadorseabriuequaseperdiofôlegoaosairmos.Aparedenofundodosaguão
era quase totalmente coberta por janelas que davam para uma vista espetacular dooceanoPacífico.Adrianriudaminhareaçãoepegouocelular.—Vaidarumaolhadamaisdepertoenquantoligoparaomeuvelho.Elenãoprecisoudizerduasvezes.Caminheiatéumadasparedesdevidro,admirando
a vasta extensão azul-acinzentada.Pensei que, emdias nublados, seria difícil distinguironde terminava o céu e começava omar.O clima estavamagnífico naquele dia, commuitosoleumcéuazulperfeitamentelimpo.Àdireitadosaguãoumaportadavaparaumterraçoemestilomediterrâneo,ondeaspessoasdesfrutavamdoalmoçoàluzdosol.Olhandoparao térreo,avisteiumapiscinareluzente tãoazulquantoocéu,cercadadepalmeiras e banhistas. Eu não sentia tanta saudade da água quanto usuários de magiacomoJill,mas,querendoounão,estavamorandonumdesertohaviaquasedoismeses.Aquiloerafascinante.EstavatãoparalisadacomabelezadapaisagemquenãonoteiquandoAdrianvoltou.
Na verdade, não percebi que ele estava parado aomeu lado até umamãe chamar pelafilha—cujonometambémeraSydney—,mefazendoolharnaqueladireção.AliestavaAdrian,aalgunscentímetrosdemim,meobservandocomdeleite.Tiveumsobressaltoerecuei.—Quetalavisardapróximavez?—Não queria interromper— ele disse, sorrindo.—Você parecia feliz, o que é
poucousual.—Poucousual?Estousemprefeliz.EuconheciaAdrianhaviatemposuficienteparareconhecerquandoeleestavaprestes
a fazer um comentário sarcástico. No último segundo, porém, mudou de ideia e suaexpressãoficouséria.—Aquelecara…oBrendan…—Brayden.—Elefazvocêfeliz?Olhei para Adrian, surpresa. Aquele tipo de pergunta era quase sempre uma
armadilhadele,massuaexpressãoneutradificultavaqueeuidentificasseseusmotivos.—Achoquesim—respondi,finalmente.—Querdizer,infeliznãomefaz.Adrianvoltouasorrir.—Quantoentusiasmo!Oquevocêgostanele?Alémdocarro?Edocheirodecafé?—Gostodo fatodeele ser inteligente—respondi.—Gostodenão terque fingir
quesoutontapertodele.—Vocêfazmuitoisso?—Adrianperguntou,franzindoasobrancelha.Fiqueisurpresacomotomdeamarguradaminhaprópriarisada.
— Muito? Praticamente o tempo todo. Acho que a coisa mais importante queaprendi emAmberwood é que as pessoas não gostam de saber o quanto você sabe.QuandoestoucomBrayden,nãoficamosnoscensurandootempotodo.Hojedemanhã,porexemplo:numminutoestávamosdiscutindonossasfantasiasparaoDiadasBruxas,enooutroasorigensdademocracianaantigaAtenas.—Nãovoufingirquesounenhumgênio,mascomovocêspassaramdeumassunto
paraooutro?—Ah—eudisse.—NossasfantasiasdoDiadasBruxas.Vamosvestidosdegregos.
Daeraateniense.—Claro— ele disse. E dessa vez deu para perceber que o tom sarcástico estava
prestes a voltar. — Nada de fantasias de gatinha sexy pra você. Só o traje maisdignificanteefeminista.— Feminista?— discordei, abanando a cabeça.—Ah, não. Não as mulheres de
Atenas.Elasestãomuito longedoqueagenteconsidera feminista…Ah,deixapra lá.Nãoétãoimportante.Adrianesfregouosolhos.—Éisso,nãoé?Eleseinclinounaminhadireçãoequaserecuei…masalgomemanteveondeestava,
algonaintensidadedeseuolhar.—Oquê?—perguntei.—Você acabou de se interromper—ele disse, apontando umdedo acusador para
mim.—Vocêacaboudesefazerdetontacomigo.Hesiteiporummomento.—É,meioquesim.—Porquê?— Porque você não quer saber da Grécia antiga, assim como não queria ouvir
Braydenfalardateoriadocaos.— É diferente —Adrian disse. Ele não havia se afastado e ainda estava parado
muito,masmuito perto, a ponto de eu sentir que deviame incomodar,mas nãomeincomodava.—Eleéchato.Aprendercomvocêédivertido.Comonumlivro infantilounumespecialdeTV.Fale-memaissobreas…hum,mulheresdeAtenas.Tentei não sorrir.Admirava as intenções dele, mas sabia que ele realmente não
estavadispostoaouvirumaauladehistória.Volteiameperguntarquetipodejoguinhoera aquele. Por que ele estava fingindo interesse?Tentei formular uma resposta quedurassemenosdesessentasegundos.—AmaioriadasmulheresdeAtenasnãoera instruída.Elas costumavam ficar em
casa, cuidando dos filhos e do lar.As mulheres mais progressistas eram as chamadasheteras, que eram como cortesãs e prostitutas de luxo. Elas eram cultas e meioextravagantes.Oshomenspoderososdeixavamasmulheresemcasacuidandodosfilhosesaíamcomasheterasparasedivertir.—Pareiporuminstante,semsaberseeletinhaacompanhadoalgumacoisadoquetinhadito.—Comoeudisse,nãoétãoimportante.
—Seinão—Adriandisse,pensativo.—Achoasprostitutasmuitoimportantes.—Quebomqueascoisasnãomudaram—umanovavozinterrompeu.Nós dois tomamos um susto e levantamos o olhar para o homem carrancudo que
acabaradesejuntaranós.OpaideAdriantinhachegado.
9
AQUELES QUE SOUBESSEM O QUE PROCURAR conseguiriam identificar umMoroi instantaneamente pelo semblante pálido e pela silhueta alta e magra. Para amaioria dos humanos, essas características se destacavam, mas não eram o suficienteparadesmascararumvampiro.Oshumanossimplesmenteconsideravamaquelestraçosatraentes e inusitados, assim comoLia considerava Jill o arquétipoda beleza etérea depassarela. Eu não queria pensar em termos de estereótipos,mas depois de um rápidoexamedapalidez,dorostolongo,doolharseveroedocabelogrisalhodosr.Ivashkov,me perguntei se as pessoas não o tomavam como um vampiro commais frequência.Não,vampironãoeraotermoadequado,concluí.Elepareciamaisumagentefunerário.—Pai—Adriandisse,rígido.—Ésempreumprazer.—Paraalgunsdenós,sim.—Opaidelemeexaminoueviseusolhossefixaremna
minha bochecha. Ele estendeu a mão, que eu apertei, orgulhosa pelo fato decumprimentar um vampiro não ser mais um grande acontecimento para mim. —NathanIvashkov.—SydneySage—falei.—Éumprazerconhecerosenhor.—ConheciSageenquantoestavavadiandoporaí—Adrianexplicou.—Comonão
tenhocarro,elafezofavordemedarumacaronadeLosAngelesparacá.Nathanmeobservou,perplexo.—Éumaviagemlonga.Não tão longa quanto de Palm Springs, mas imaginei que seria mais seguro— e
crível—fazê-lopensarqueAdrianestavaemLosAngeles.— Não é incômodo nenhum, senhor — eu disse. Virei para Adrian. —Vou
trabalharumpouco.Vocêmemandaumamensagemquandoestiverprontoparair?—Trabalhar? — ele perguntou, enojado. —Ah, Sage. Vá pôr um biquíni e
aproveitarapiscinaenquantoestáporaqui.Nathanolhoudemimparaele,incrédulo.
—Vocêafezdirigiratéaquieagoravaideixá-laesperandoaseubel-prazer?—Sério—eudisse.—Nãoéincô…—Ela é uma alquimista—Nathan continuou—, não suamotorista. Existe uma
grandediferença.—Naverdade,haviadiasemAmberwoodemqueeunãotinhatantacertezadisso.—Venha,srta.Sage.Sevocêjáperdeuodiatrazendomeufilhoparacá,omínimoquepossofazerporvocêépagarseualmoço.LanceiumolhardepânicoparaAdrian.NãopormedodeficarsozinhacomosMoroi
— fazia tempo que já me acostumara a situações como aquela. O que eu não estavacerta era seAdrian realmente queriame ter por perto durante seu encontro familiar.Aquilo não era parte doplano.Alémdomais, eu tambémnão tinha certeza se queriaestarpresentenaquelareunião.—Pai…—Adrianarriscou.—Eu insisto—Nathan disse, ríspido.— Preste atenção e aprenda um pouco de
cortesia.Ele deu as costas e começou a se afastar, supondo que o seguiríamos. Foi o que
fizemos.—Talvezeudevainventarummotivoparasair?—murmureiparaAdrian.—Nãodepoisqueeleusouavozdo“euinsisto”—elerespondeunumsussurro.Porummomento, ao avistar o restaurantemagníficono terraço e sua vista para o
oceano ensolarado, pensei que iria conseguir aguentar a família Ivashkov. Sentar sobaquele calor, diante daquela magnificência, valeria o drama familiar. Mas, então,Nathanpassouretopelasportasdoterraçoenosguiouatéoelevador.Resignados,nósoseguimos.Elenos levouatéotérreo,aumbarchamadoOSaca-Rolhas.Eraumlugarescuroesemjanelas,comvigasdemadeirabaixasepoltronasdecouropreto.Barrisdecarvalholadeavamasparedesealuzerafiltradaporlâmpadasdevidrovermelho.Foraogarçomsolitário,obarestavavazio,oquenãoeranenhumasurpresaàquelahoradodia.SurpreendenteeraNathanternosconduzidoatéláemvezdenoslevaraorestaurante
sofisticadoacéuaberto.Elevestiaumternocaro,quepareciatervindodiretodeumareuniãodeexecutivosemManhattan.Porqueteriaignoradoumrestaurantemodernoesofisticadoemfavordeumbarabafadiço,sombrioe…Sombrio.Quasesolteiumgemido.Claroqueoterraçonãoeraumaboaopção—pelomenos
nãoparaumMoroi.Pormaisqueascondiçõesparecessemencantadorasparamim,osolvespertinoteriatransformadooalmoçodosIvashkovnumsuplício—aindaquenenhumdosdoisparecesseestarplanejandoumatardeagradável.—Sr.Ivashkov—ogarçomdisse.—Éumprazerrecebê-lonovamente.— Posso pedir para entregarem a comida aqui embaixo outra vez? — Nathan
perguntou.—Claro.Outra vez. Provavelmente aquela caverna subterrânea era o local preferido de
NathanparacomerdesdequechegaraaSanDiego.Melancólica,penseiumaúltimaveznoterraçoeentãoentreiatrásdeNathaneAdrian.Nathanescolheuumamesanocantoparaoitopessoas.Talvezelegostassedeespaço.Ou talvez adorasse fingirquepresidiaalguma reunião corporativa. O garçom nos entregou os cardápios e anotou nossospedidosparabebida.EscolhiumcaféeAdrianpediuummartíni, recebendoolharesdedesaprovaçãotantodemimcomodopai.—Maldeumeio-dia—Nathanfalou.— Eu sei —Adrian disse. —Também estou surpreso por ter aguentado tanto
tempo.Nathanignorouocomentárioesedirigiuamim.—Vocêémuitojovem.Deveteracabadodeentrarparaosalquimistas.—Todos começamos cedo— concordei.— Estou trabalhando sozinha faz pouco
maisdeumano.— Isso é bem admirável. Denota grande responsabilidade e iniciativa. — Ele
agradeceu aogarçom,que lhe serviuumagarrafade água comgás.—Nãoénenhumsegredooqueosalquimistaspensamarespeitodenósmas,aomesmotempo,seugruponosfazmuitobem.Aeficiênciadevocêséparticularmenteextraordinária.Éumapenaquemeuprópriopovonãosigaesseexemplo.—EcomovãoascoisasentreosMoroi?—perguntei.—Comarainha?Nathanquasesorriu.—Querdizerquevocênãosabe?Eusabia…Oumelhor,sabiaoqueosalquimistassabiam.—Ésemprediferenteouvirumaperspectivainterna.Ele soltouum riso abafado. Sua risada tinhaum somáspero, como se rir não fosse
algoemqueNathanIvashkovtivessemuitaprática.—Asituaçãoestámelhoragora.Maslongedoideal.Aquelameninaéesperta,devo
admitir. — Supus que “aquela menina” fosseVasilisa Dragomir, jovem rainha dosMoroiemelhoramigadeRose.—Tenhocertezadequeelagostariadeaprovarasleisdos dampiros e da hereditariedade, mas sabe que só causariam mais revolta em seusopositores. Então está encontrando meios de negociar sobre outras questões e jáconquistouoapoiodealgunsinimigos.As leis da hereditariedade. Essas me interessavam em particular. Havia doze
linhagens reaisentreosMoroi;Vasilisae Jill eramasúltimasde sua linhagem.As leisMoroidiziamqueummonarcaprecisava terpelomenosumoutromembroda famíliavivo; por isso Jill havia se tornado uma peça política tão importante.Até para osassassinosmaisterríveisseriadifícilmatarumarainhabemprotegida.Maseliminarsuameia-irmãcausariaosmesmosresultadoseinvalidariaaregênciadeVasilisa.FoiassimqueJillacabouindoparaumesconderijo.OraciocíniodeNathanseguiunamesmalinha:—Ela tambémé inteligenteporesconder a irmãbastarda.—Sabiaqueelequeria
dizer “bastarda” no sentido de filha ilegítima, e não como um insulto; mesmo assim
estremeci.—Dizemquevocês sabemalgumacoisa a respeitodisso.Mas suponhoquevocênãovaimedarnenhuma“perspectivainterna”,nãoémesmo?Fizquenãoebusqueimanterotomamigável.—Desculpe,senhor.Minhasinformaçõessóvãoatéaí.Depoisdealgunssegundosdesilêncio,Nathanpigarreouedisse:—Então,Adrian.Oquevocêqueria?Adriantomouumgoledomartíni.—Ah,vocênotouqueestouaqui?PenseiquetinhavindoencontrarSydney.Afundeiumpouconacadeira.Aquelaeraexatamenteasituaçãoqueeuqueriaevitar.—Porquevocê responde todaequalquerpergunta comalguma impertinência?—
Nathanperguntou,cansado.—Talvezaculpasejadassuasperguntas,pai.Aquelebarnãoeragrandeobastanteparaconteratensãoquecresciacadavezmais.
Todososmeusinstintosmediziamparafingirqueeuerainvisível,masemvezdissomeviinterrompendoosdois.—Adrian está na faculdade— falei.—Assistindo a aulas de arte. Ele é muito
talentoso.Adrianme lançou um olhar intrigado,mas radiante.Algumas de suas obras eram
realmente boas. Em outras, especialmente as que pintava quando ele estava bêbado,pareciaquetinhaderrubadotintanatelasemquerer.Jáhaviaditoissoparaelediversasvezes.Nathannãopareceuimpressionado.—Sim.Elejátentouissoantes.Nãoduroumuito.—Masagoraolugareotemposãooutros—eudisse.—Ascoisaspodemmudar.
Pessoaspodemmudar.—Masnormalmentenãomudam—Nathanopinou.Ogarçomvoltouparaanotar
nossospedidos,emboranenhumdenóssequertivesseolhadoocardápio.—Voupedirparatodomundo,tudobem?—Nathanabriuocardápioeoexaminourapidamente.—Traga umprato de cogumelos com alho namanteiga, o fondue de queijo de cabra, asvieirasenroladasembaconeasaladaCaesarcomostrasfritas.Osuficienteparatrêsnasalada,claro.O garçom fez algumas anotações rápidas e foi embora antes que eu pudesse dizer
qualquercoisa.—Pegoupesado,hein,pai?—Adriancomentou.—Nemperguntouseagente se
importavaquevocêescolhesse.Nathannãopareciapreocupado.—Jácomiaquiantes.Seioqueébom.Confiememmim,vocêsvãogostar.—Sagenãovaicomernadadisso.Concluíqueaquiloseriamuitomaisfácilseosdoissimplesmenteignorassemaminha
existência.— Por que não?— Nathan perguntou, olhando-me com curiosidade.—Você é
alérgicaafrutosdomar?—Ela só come comida saudável—Adriandisse.—Tudooque vocêpediupinga
gordura.—Um pouco de manteiga não vai fazer mal nenhum a ela.Vocês vão ver como
estou certo. É tudo muito gostoso. Além do mais — Nathan acrescentou,interrompendo-se para beber um gole de água—, eu pedi uma salada para a mesa.Alfaceésaudável.Nemtenteiargumentarquenenhumaalfacecompensariaasostrasfritasouomolho
Caesar. De qualquer forma, eu não teria chance de abrir a boca, já que Adriandesembestou a falar e— notei com certa perplexidade— já tinha bebidometade domartíni.—Viu?—eledisse,revoltado.—Éexatamenteassimquevocêage.Achaquesabe
o que é melhor para todo mundo. Simplesmente segue em frente e toma todas asdecisões,semseimportaremconsultaralguém,porquetemtotalsegurançadequeestácerto.—Naminha vasta experiência—Nathan respondeu friamente—, costumo, sim,
estar certo.Quandovocê tiveresse tipodeexperiência,quando realmentepuderdizerque tem autoridade em, bem, alguma coisa, então vou poder confiar em você paratomardecisõesimportantes.— Isto éumalmoço—Adrian rebateu.—Nãoéumadecisãodevidaoumorte.
Tudo o que estou dizendo é que você podia pelo menos ter feito algum esforço paraincluirasoutraspessoas.Obviamente,sua“vastaexperiência”nãoseaplicaagentilezascomuns,nãoé?Nathanvoltouoolharparamim.—Emalgummomentodeixeidesergentilcomvocê,srta.Sage?Pormaisqueeuquisesse,nãohaviaondeenfiaracabeça.Adrian terminouomartíni numgole só e levantouo copopara chamar atençãodo
garçom.—Deixe Sydney fora disso—Adrian interpelou.—Não tente manipulá-la para
provarseuargumento.—Nãoprecisomanipularninguémparaprovarmeuargumento—Nathanreplicou.
—Achoquejáestáprovado.—Nãotemproblemaquantoaoalmoço—deixeiescapar,sabendobemqueaquela
discussão entre pai e filho não tinha nada a ver com meus hábitos alimentares. —Precisomesmoexperimentarcoisasnovas.—Nãocedaaele,Sydney—Adrianadvertiu.—Éassimqueelesempreconsegue
passarporcimadosoutros,especialmentedasmulheres.Ele fez issocomaminhamãeduranteanos.Emsilêncio,ogarçomseaproximouetrocouocopovaziodemartíniporumcheio.—Ah, por favor—Nathan disse, com um suspiro pesado.—Vamos deixar sua
mãeforadisso.
—Éfácilpravocê—Adrianretrucou.Havialinhasdetensãovisíveisemseurosto.Amãedele eraumassuntodelicado.—É issooquevocê sempre faz.Estou tentandoarrancarumarespostasuahásemanassobrecomoelaestá!Caramba,sóestoutentandosaber onde ela está. É tão difícil assim responder? Ela não deve estar em segurançamáxima.Devemdeixá-larecebercartas,pelomenos.—Émelhorvocêsnãoteremcontatonenhumenquantoelaestiverpresa—Nathan
disse.Atéeumeespanteicomafriezacomqueelefalavadaprópriaesposa.Adriansorriucomdesdémetomououtrogoledomartíni.—Lávemvocêdenovo:achandoquesabeoqueémelhorpratodomundo.Sabe,eu
queriamuito,muitomesmo,acreditarquevocêevita falardelaporque isso temagoa.Tenhocertezadeque, seumamulherque euamasseestivessepresa,euestaria fazendotodoopossívelparamecomunicarcomela.Masparavocêissodeveserdifícildemais.Talvez sua única maneira de lidar com a situação seja mantendo-a afastada, e memantendoafastadotambém.Quaseconseguiriaentenderisso.—Adrian…—Nathancomeçou.— Mas não é esse o caso, né?Você não quer que eu tenha nenhum contato, e
provavelmentenãoestátendonenhumcontatocomelatambém,porquetemvergonha.—Adrianestavaficandorealmentenervoso.—Vocêquerafastaragenteefingirqueoque ela fez nunca existiu.Você quer fingir que ela não existe. Porque ela arruinou areputaçãodafamília.Nathanfixouoolharincisivonofilho.—Considerandosuaprópriareputação,acheiqueentenderiaobomsensodenãoter
nenhumaassociaçãocomoqueelafez.— E o que ela fez? Uma grande besteira? —Adrian perguntou. —Todos nós
fazemos besteiras.Todomundo erra. Foi isso que ela fez. Foi falta de discernimento,simplesassim.Nãoserompemrelaçõescomumapessoaqueseamaporcausadeerroscomoesse.—Elafezaquiloporsuaculpa—Nathandisse.Seutomdevoznãodeixavadúvidas
dequerealmenteacreditavanaquilo.—Porquevocênãoconseguiu ficarquietonoseucantocomaqueladampira.Tinhaque ficar alardeando seu relacionamentocomela aosquatro ventos, e quase entrou numa enrascada tão grande quanto ela depois doassassinatodesuatia.Foiporissoquesuamãefezoquefez:paraprotegervocê.Elaestápresaporcausadasuairresponsabilidade.Tudoissoéculpasua.Adrianficoumaispálidodoquedecostume,epareciachocadodemaisparaformular
qualquer resposta.Voltou a pegar o martíni e tive quase certeza de ver suas mãostremerem. Nesse momento, dois garçons do restaurante de cima apareceram com acomida. Fitamos em silêncio enquanto arrumavam nossos pratos e dispunham asbandejas habilidosamente.Olhar toda aquela refeiçãome fez sentir umenjooquenadatinhaavercomoteordesalougordura.—Sr. Ivashkov—comecei, ignorandoavozdarazãonaminhacabeçaquegritava
para que eu me mantivesse calada —, é injusto culparAdrian pelas escolhas dela,
especialmente seelenemsabiaoqueelaestava fazendo.Tenhocertezadequeele fariaqualquercoisaporela.Sepudessefazeralgoparaimpedir,ouassumirolugardela,eleteriafeito.—Você parece muito convicta, hein? — Nathan estava abarrotando o prato de
comidaepareciamuitocontentecomisso.Adrianeeuhavíamosperdidooapetite.—Bom,srta.Sage,sintomuitoporacabarcomassuasilusões,masparecequevocê,assimcomotantasoutras,caiunalábiadomeufilho.Possolhegarantirqueelenuncafeznadasemvisar seuspróprios interessesemprimeiro lugar.Elenão temnenhuma iniciativa,nenhuma ambição, e não leva nada adiante. Desde muito novo, sempre quebrava asregrase ignoravaoqueosoutrosdiziamquandonãolheconvinha.Nãomesurpreendequesuastentativasdecursarumafaculdadetenhamfracassado.Possogarantiravocêqueessatambémiráfracassar,jáqueelemalconseguiuterminaroensinomédio.Enemfoiporcausadabebida,dasgarotasoudasbesteirasqueelefazia…Elesimplesmentenãoseimportava. Ignoravaos estudos.Ele só conseguiu se formar graças à nossa influência enossascontribuiçõesfinanceiras.Desdeentão,asituaçãosósedeteriorou.Adrianparecia ter levadoumtapa.Sentivontadedemeaproximarereconfortá-lo,
mas ainda estava em choque com as palavras de Nathan.Adrian claramente tambémestava.Umacoisaeradiscorrersobrecomovocêachavaqueseupaiestavadecepcionadocomvocê.Outra coisa bemdiferente era ouvir seu próprio pai explicar essa decepçãocom tamanha riquezadedetalhes.Eu sabiadissoporque já tinhapassadopor ambas assituações.—Sinceramente,nãomeimportomuitocomabebida,contantoqueoderrubeeo
mantenhaquieto.—Nathancontinuou,comabocacheiadequeijodecabra.—Vocêachaqueamãedeleestásofrendoagora?Garantoqueelaestámuitomelhor.Elapassouinúmerasnoitesemclarochorandoporcausade todosos apurosemqueele semeteu.Eunãoo estoumantendo longedela porminha causa oupor causa dele. Faço isso porela.Pelomenosagoraelanãoprecisaouvirsobreaúltimapalhaçadaqueelefez,nemsepreocuparcomele.Ignorânciaéumabênção.Elaestáemumlugarmelhorexatamentepor não ter contato com ele, e eu pretendo manter as coisas desse jeito.— Ele meofereceu as vieiras como se não tivesse acabado de dar um imenso sermão sem nempararparatomarfôlego.—Vocêrealmenteprecisaexperimentar.Proteínavaitefazerbem,sabia?Fizquenãocomacabeça,semconseguirencontrarpalavras.Adrianrespiroufundo.—Sério, pai?Eu vim até aqui para ver você, para tentar descobrir algum jeitode
entrar em contato com ela…e tudo o que eu ganho é isso?Que ela estámelhor semmim?Aoolharparaele,tiveaimpressãodequeestavaseesforçandomuitoparasemanter
calmoeracional.Irromperemsuastípicasrespostassarcásticasnãooajudariaemnada,eelesabiadisso.Nathanpareciaperplexo.
—Esteéoúnicomotivoquetetrouxeatéaqui?—Pelotomdele,estavaclaroqueconsideravaomotivoridículo.Adrianmordeu o lábio, provavelmente para continuar escondendo seus verdadeiros
sentimentos.Seuautocontrolemeimpressionou.—Tambémpensei…quetalvezvocêquisessesaberoqueeuandavafazendo.Pensei
quepoderiaficarfelizporeuestarfazendoalgumacoisaútil.Porummomento,Nathansimplesmentefixouosolhosnele.Entãosuaperplexidade
sedesfeznumadaquelasgargalhadasconstrangedoras.—Ah,foiumapiada.Nãotinhaentendido.—Pramimjáchega—Adriandisse.Comoum raio, ele bebeu o resto domartíni e se levantou, seguindo apressado em
direção à porta. Nathan continuou a comer tranquilamente, enquanto eu tambémmelevantava.Sóquandochegueiàmetadedobar,tentandoalcançarAdrian,Nathansedeuaotrabalhodeabriraboca.—Srta.Sage?—CadacentímetrodemimqueriacorreratrásdeAdrian,masparei
eolheiparaopaidele.Nathanestavaremexendonummaçodenotasquetinhatiradodacarteira.—Tome.Permita-mecompensá-lapelagasolinaepelotempo.Ele estendeuodinheiroparamimequasedei risada.Adrian seobrigara a ir até lá
por vários motivos, entre eles o dinheiro. Ele sequer havia tido a chance de pedir e,agora,láestavaNathanmeoferecendo.Nãomemexi.— Não quero nada de você — eu disse. —A não ser que seja um pedido de
desculpasaAdrian.Nathanmelançououtroolharinexpressivo.Elepareciasinceramenteconfuso.—Peloqueeuprecisariamedesculpar?Fuiembora.Adrian havia ou descido a escada, ou tomado o elevador assim que saiu, pois não
haviasinaldeledoladodeforadobar.Volteiaosaguãonoandardecimaeprocureideumladoparaooutro,aflita.Pareiumcarregadordemalasquepassava.—Comlicença,ondeéolugarmaispertoemquedáprafumar?—Dooutro ladodaentradados carros—ele respondeu, apontandocoma cabeça
paraaportadeentrada.Agradeciequasecorripara fora.Defato,naáreareservadaaos fumantes, láestava
Adrian, encostado a uma cerca demetal, à sombra de uma laranjeira, acendendo umcigarro.Corriemsuadireção.—Adrian—exclamei—,vocêestábem?Eledeuumlongotragonocigarro.—Vocêrealmentequerfazeressapergunta,Sage?—Eleestavaforadesi—eudisse,convicta.—Nãotinhaodireitodedizeraquelas
coisas.Adrian deumais uma tragada, e então jogouo cigarro na calçada e pisou sobre ele
comapontadosapato.
—VamosvoltarparaPalmSprings.Volteioolharparahotel.—Devíamos pegar uma água ou alguma outra coisa pra você.Você tomou aquela
vodcarápidodemais.Elequaseabriuumsorriso.Quase.—Éprecisomuitomais vodcaparame fazermal.Nãovouvomitarno seucarro.
Juro.Sónãoqueroficarecorreroriscodeverovelhodenovo.Assenti e, pouco depois, estávamos de volta à estrada. Passamosmenos tempo em
SanDiegodoquenocaminhoparalá.Adrianpermaneceuemsilêncioe,dessavez,nãotentei tirá-lo de sua melancolia nem distraí-lo com conversas banais. Nada que eupudessedizeririaajudá-lo.Duvidavaquealguémpudessedizeralgumacoisaparaajudá-lo. Não culpavaAdrian pelo humor em que ele estava. Me sentiria igual se meu paitivesseacabadocomigodaquele jeitona frentedeoutraspessoas.Mesmoassim,desejeipoder fazer algo para abrandar a dor que ele estava sentindo.Algum pequeno consoloparalhedaruminstantedepaz.Minhaoportunidadesurgiuaoavistarumpequenopostodegasolinapertodacidade
de Escondido, com um cartaz que dizia: AS MELHORES RASPADINHAS DO SULDA CALIFÓRNIAAQUI NO JUMBO JIM’S! Lembrei da piada que ele havia feitosobreentrarnumadietaàbasederaspadinhas.Fizumacurvabrusca,saindodarodovia,mesmosabendoqueseriainútil.Afinal,oqueeraumaraspadinhapertododesastrequetínhamos acabado de deixar para trás?Ainda assim, eu precisava fazer alguma coisa,qualquercoisa,paraqueAdrian se sentissemelhor.Ele sópareceunotarquehavíamosparadoquandoeucomeceiasairdocarro.— Que foi? — ele perguntou, abandonando forçosamente seus pensamentos
sombrios.Atristezanoseurostoacaboucomigo.—Aindatemmeiotanque.—Jávolto—respondi.Volteicincominutosdepoise,mesmocomumcopoemcadamão,conseguibaterna
janeladele.Elesaiudocarro,realmenteconfuso.—Oqueaconteceu?—Raspadinhas—eudisse.—Decerejapravocê.Masprecisabeberaquifora.Não
querocorreroriscodesujarocarro.Adrianpiscoualgumasvezes,comoseeufosseumamiragemcausadapeloexcessode
sol.—Oqueéisso?Festinhadepiedadeparamim?Porqueeusoupatético?—Nãoépor sua causa—repreendi.—Vio cartaz e fiquei comvontade.Pensei
quetambémfossequereruma.Senãoquiser,jogoasuaforaebebosóaminha.Tinha dado apenas um passo em direção ao lixo quando ele me deteve e pegou a
raspadinhavermelho-vivo.Nosencostamosnocarroebebemossemdizernadaporumtempo.—Cara—elefinalmentedisse,comoolharfascinado,depoisdebebermetade.—
Tinhameesquecidodecomoissoerabom.Qualvocêpegou?
—Deamora.Adrian assentiu e deu umgole ruidoso na raspadinha dele.Aquele ar soturno ainda
pairava ao seu redor, e sabia que uma bebida infantil não iria desfazer tão rápido oestrago que o pai dele havia feito.Omelhor que eu podia esperar era que ele tivessealgunsmomentosdepaz.Terminamospouco tempodepoise jogamososcoposno lixo.Devolta aoPingado,
Adriansoltouumsuspiroexauridoeesfregouosolhos.—Nossa,raspadinhassãoincríveis.Achoqueestavaprecisandodisso.Talvezavodca
tenha batidomais do que eu pensei.Que bom que você escolheu outra coisa além decafé,paravariarumpouco.—Ei,seelestivessemcomsabordecafé,euteriapedido,vocêsabedisso.—Quenojo—eledisse.—Nenhumaçúcarnomundo faria issominimamente…
—Eleparounomeiodafraseemelançouumolharespantado.Pareciatãochocadoquepareidedarrénocarroevolteiaestacionar.—Qualéoproblema?—perguntei.—Araspadinha.Aquiloénoventaenoveporcentoaçúcar.Evocêacaboudetomar
uma,Sage.—Elepareciainterpretarmeusilênciocomoseeunãotivesseentendido.—Vocêacaboudebeberaçúcarlíquido.—Vocêéquebebeuaçúcar líquido.Aminhaerasemaçúcar—eudisse, torcendo
parasoarconvincente.—Ah.—Nãoconseguisaberseeleestavaaliviadooudesapontado.—Quasetive
umataqueagora.—Parecequenãomeconhece.— Pois é.— Seu humormelancólico voltara; as raspadinhas só tinham sido uma
distraçãotemporária.—Sabeoquefoiopiordetudo?—Oquê?—perguntei,sabendoqueelesereferiaaopai,enãoàsraspadinhas.—Vocêimaginariaquefoieunãoterconseguidoodinheiro,oueleteracabadocom
aminhavida,ouelenãoacreditarqueestou levandoa faculdadea sério.Masquantoaisso tudo bem.Vindo dele, estou acostumado. O queme incomodamesmo é que eurealmentedestruíavidadaminhamãe.— Não acredito nisso — respondi, atônita. — Como você mesmo disse, nós
continuamosamandoaspessoas,mesmoqueelascometamerros.Tenhocertezadequeelaamavocê também.Dequalquer forma, issoéumacoisaquevocê temquediscutircomela,nãocomele.—Sim.Masoutracoisaquemeincomodou…foieledizertudoaquilonasuafrente.Issotambémfoiumchoque.Nãoreagi,mesentindoumtantodesconcertadaporele
sepreocupartantocomaminhaopinião.Porqueelehaveriadeseimportar?—Nãosepreocupecomigo.Jáestivecompessoasmuitomaisenervantesdoqueele.— Não, não… O que quero dizer…—Adrian olhou para mim e logo depois
desviouoolhar.—Équedepoisdoqueeledisseameurespeito,nãosuportoaideiadequevocêmedespreze.
Fiquei tão surpresa com aquilo que não pude formular uma resposta de imediato.Quandoconsegui,apenasdispareiaprimeiracoisaquemeveioàmente:—Claroquenãodesprezovocê.—Elecontinuou semmeencarar, aparentemente
não acreditandonasminhaspalavras.—Adrian.—Pousei amão sobre adelee sentiumafaíscaquentecomaconexão.Elevirouacabeçaparamimnummovimentosúbitodesurpresa.—Nadadoqueeledissepoderiamudaroquepensodevocê.Jáfaztempoqueformeiumaideiasobrevocê…eéumaideiamuitoboa.—Adriandesviouoolharparabaixo,ondeminhamãocobriaadele.Enrubesciesoltei.—Desculpe.—Imagineiquetivessefeitoelesurtarcomaquilo.Elevoltouameolharnosolhos.—Foiamelhorcoisaquemeaconteceuhoje.Vamospegaraestrada.Voltamosparaapistaemevidistraídaporduascoisas.Primeiro,minhamão,que
formigava e ainda estava quente no ponto em que tocara a dele, o que era meioengraçado.Aspessoassemprepensavamqueosvampiroseramfrios,maselesnãoeram.PelomenosnãoAdrian.Asensaçãocomeçouadesvanecerconformeeudirigia,masbemquegostariaqueelapermanecesse.Aoutracoisaqueestavamedistraindoera todoaqueleaçúcarqueeuhavia acabado
debeber.Ficavapassandoa línguanosdenteso tempotodo.Todaaminhabocaestavarevestidadeumadoçura enjoativa.Queriamuitoescovarosdentes edepoisbeberumfrasco inteiro de enxaguante bucal. Açúcar líquido. Sim, era exatamente isso que eutinhabebido.Nãoqueriatertomado,massabiaque,selevasseumasóparaAdrian,eleteria interpretado comoumademonstraçãodepiedade e acabaria recusando.Precisavafingir que também queria uma e que só tinha pensado nele depois. Ele parecia teracreditadonamentirasobreoteordeaçúcardaminha,emboraemumarápidavisitaaoposto de gasolina ele descobriria que o Jumbo Jim’s definitivamente não vendiaraspadinhassemaçúcar.Euchegueiaperguntar.Elesriramnaminhacara.Não ter almoçado não compensava aquelas calorias, pensei, triste. E eu não
conseguiria tirar aquele gostodocedaboca tão cedo.Considerando a rapidez comqueAdrian retornou à sua depressão, subitamente me senti idiota por ter chegado a usaraqueleartifício.Umaraspadinhanãoeracapazdemudaroqueopaideletinhadito,eeuestariameioquilomaisgordanodiaseguinte.Talveznãotivessevalidoapena.Então relembrei o breve instante em que ficamos encostados no carro e o olhar
efêmero de felicidade no rosto do Adrian, seguidos pelo: “Nossa, raspadinhas sãoincríveis.Achoqueestavaprecisandodisso”.Um curto momento de paz emmeio à escuridão do desespero. Era aquilo que eu
queria e era aquilo que tinha conseguido.Tinha valido a pena? Esfreguei as pontas dosdedosumasnasoutras,aindasentindoaquelecalor.Sim,concluí.Tinhavalidoapena.
10
AVIAGEMA SANDIEGO continuavame incomodando, pormais que soubesse quedeviadeixarpralá.Comoviviamerelembrando,Adriannãoeraproblemameu—nãonamesmamedida que Jill e os outros.Mesmo assim, não conseguia tirar da cabeça oconfronto terrível entre ele e Nathan, muito menos a expressão no rosto deAdriandepois.Me senti ainda pior quandoEddie, preocupado, veio falar comigo sobre Jill nasegunda-feira,duranteocafédamanhã.—Temalgumacoisaerradacomela—eledisse.Olhei imediatamentepara a filado restaurante,onde Jill aguardava comabandeja.
Seuolhareravago,comoseelamalestivesseconscientede tudoao seuredor.Mesmosemnenhumdommágicodeenxergarauras,conseguiapraticamenteveraangústiaqueelairradiava.— Micah também percebeu — Eddie acrescentou. — Mas não sabemos o que
poderiadeixá-latãochateada.SeráqueéporcausadeLia?Ouseráquevoltaramapegarnopédelaaquinaescola?Naquele momento, não soube por quem me sentia pior:Adrian, Jill… ou Eddie.
HaviaquasetantosofrimentonorostodelequantonodaprópriaJill. Ah,Eddie,pensei.Porquevocêcontinuafazendoissoconsigomesmo? Eleestavavisivelmentepreocupado,masnãoseatreveriaaabordá-la,nemaoferecerconforto.—NãotemnadadeerradocomJill.OproblemaécomAdrian,eelaestásentindo
porcausadolaço.Eleestápassandoporummomentomuitodifícil.NãodeimaisdetalhessobreasituaçãodeAdrian;nãotinhaessedireito.OsemblantedeEddieescureceuumpouco.—Nãoéjustoelaterdeaturarasmudançasdehumordele.—Nãosei—eudisse.—Pareceumatrocajustapelavidadela.O fatodeAdrian terusadooespíritopara trazer Jilldevolta àvidaaindaerauma
questãocomplicadaparamim.Durante todoomeutreinamentoalquimista,disseram-
mequeaqueletipodemagiaeraerrado,muitopiorquequalqueroutroqueeujátivessepresenciado. Seria possível até argumentar que o que ele fez estava a poucos passos daimortalidade dos Strigoi. Por outro lado, sempre que via Jill viva e radiante, tinhacertezadequeAdrianfizeraacoisacerta.EuhaviafaladoaverdadequandolhedisseissoemSanDiego.—Achoquesim—Eddiedisse.—Queriaqueela tivesseum jeitodebloqueá-lo.
Oupelomenosdefazê-loficarmenostemperamental.—Peloqueouvidizer—eudisse,meneandoacabeça—,Adrianjáeraassimmuito
antesdeJillserbeijadapelassombras.Mesmo assim, aquela conversa ficou na minha cabeça e passei o resto do dia me
perguntando o que podia fazer para deixarAdrian mais contente. Obviamente, nãopoderia arranjar outro pai para ele. Se pudesse, teria tentado conseguir umparamimmesmamuitosanosantes.Raspadinhastambémnãoeramumaopção,emparteporquesóofereciamdezminutosdealívio,etambémporqueeuaindaestavamerecuperandodaúltima.Mais tarde finalmentetiveuma ideia,emboranão fossenada fácilcolocá-laemprática. Na verdade, tinha certeza de que meus superiores diriam que eu não deviatentar fazer isso, razãopelaqualdecidinãodeixar rastronenhumeme-mailoupapel.Porém, não podia executar isso naquele dia, então fiz umanotamental para tratar doassunto depois.Além disso, quem sabeAdrian não conseguiria superar os efeitos doencontrocomopaiporcontaprópria?EssasesperançasacabaramganhandoforçaquandoviJillnodiaseguinte,duranteuma
assembleiada escola.Assembleias comoaquela ainda eramumanovidadeparamim,ehavíamos tido exatamente duas desde o início das aulas.A primeira tinha sido umareunião de boas-vindas na nossa primeira semana.A segunda, um agrupamento parafestejar o retorno do time de futebol americano.A daquele dia se chamava Estilos deVidaSaudáveis.Nãoconseguiaentendersobreoqueeraouporqueseriatãoimportanteapontodeinterromperminhaauladequímica.Mandaramquenossentássemosagrupadosemturmasnoginásiodaescola,demodo
queeueJill fomoscolocadasemseçõesdistintasdaarquibancada.Aoesticaropescoçoparavê-la,percebiqueelatinhaficadopertodaquadra,comAngelineealgunsamigosquefezatravésdeMicah.Elesareceberambemdepoisqueaconhecerammelhor,oquenãoeranenhumasurpresaconsiderandosuadoçura.AtémesmoLaurel,umameninaqueantes lhe atormentava a vida, agora lhe sorria, simpática.Angelinedisse alguma coisaqueafezrire,nogeral,haviaumamelhoraemsuadisposição.Umagrandemelhora,ajulgar pelo tanto que ela ria. Fiquei contente. Talvez Adrian realmente tivesse serecuperado.—Alguémsabemedizeroqueé isso?—perguntei aEddieeMicah,queestavam
sentadosdeumlado,eaTrey,queestavadooutro.— É um grupo que vem para a escola fazer apresentações sobre questões como
drogasesexocomsegurança—Micahexplicou.Eleerabemativonogrêmioestudantil,entãonãofoiumasurpresaelesaberdapauta
dodia.—São assuntos bem importantes—eudisse.— Isso não é para durar uma hora?
Nãoachoquevãoconseguirtratardetudoissoemtãopoucotempo.—Achoqueésóumarevisãogeralbemrápida—Treydisse.—Nãoqueremfazer
nenhumsemináriooucoisaassim.—Poisdeveriam—argumentei.—Perdemosalgumacoisa?—JuliaeKristinabriramcaminhoaosempurrões,ese
encaixaramentremimeTrey.Treynãopareceuseimportar.—EstamostentandoexplicaroobjetivodissoparaSydney—elecontouaelas.—Achoqueoobjetivoeraescapardaaula—Juliadisse.Kristinrevirouosolhos.—Issovaimostraroquevocêperdeusendoeducadaemcasa,Sydney.Nada poderia ter me preparado para o espetáculo que se desenrolou, sobretudo
porquenemnosmeus sonhosmais loucos eu imaginaria questões sociais depeso sendotratadasemnúmerosmusicais.Ogrupoqueseapresentouchamava-seKatarGeral,eousoinapropriadodoKquasefoisuficienteparamefazersairdalinahora.Antesdecadamúsica eles faziamum resumo rápido e completamente vago sobre o tópico ou, aindapior,encenavamumesquete.Essesdiscursosrápidossemprecomeçavamcomum“Alô,criançada!”.Aprimeiramúsica se chamava“ DSTs não são pra vocês”. Foi então que comecei a
fazerminhatarefadematemática.—Ah—Eddiemedisse.—Nãoétãoruim.Easpessoasprecisamsaberessetipo
decoisa.— Exatamente — respondi, sem levantar os olhos. —Ao tentarem usar uma
linguagem“descolada”e“acessível”,estãotransformandoquestõessériasembrincadeirasidiotas.OúnicomomentoemquevolteiaprestaratençãofoiquandoaKatarGeralcomeçou
a falar sobre os males do álcool. Um dos versos daquela canção particularmentehorrendaera:“Nãoouveoteuamigo/Uísquevaiacabarcontigo”.—Argh.Jádeu—murmurei,voltandoaprocurarJillcomosolhos.Elaestavaassistindo,incrédulaeperplexa,masassimcomoantesnãohavianemsinal
daquele desespero oumelancolia. Meus instintos sugeriram ummotivo diferente paraaquelavariaçãodehumor.Adriannãotinhasuperadoatristeza.Eramaisprovávelqueestivessebebendoparaafogarasmágoas.Àsvezes,Jillsentiaalgunsdosefeitoscolateraisda embriaguez, como as risadinhas que eu tinha visto, mas eventualmente o álcoolacabava enfraquecendo o laço de espírito.O lado positivo do comportamento dele eraque a poupava um pouco da depressão.O lado negativo era que ela poderia sentir osefeitosfísicosdaressacanodiaseguinte.Felizmente a Katar Geral tocou sua última música, um grande número musical
celebrando os prazeres de se sentir bem e ter um estilo de vida feliz e saudável. Eleschamaram membros do corpo discente para dançar com eles, o que gerou reações
diversas.Alguns alunos simplesmente ficaram parados, morrendo de vergonha, comexpressõesquedenotavamqueestavamcontandoossegundosatéaquiloacabar.Outros,sobretudo os que já costumavam chamar atenção na aula, davam os espetáculos maisesdrúxulospossíveis.—Sydney.O tom de alerta na voz de Eddie me impediu de voltar à lição. Esse tipo de
preocupação era reservado apenas a Jill e, no mesmo instante, olhei para ela. Jill,porém, não era o problema.Angeline era. Um dos membros da Katar Geral estavatentandoconvencê-laadançarechegouapegaramãodela.Angelinebalançouacabeçaenfática, mas o rapaz parecia ignorar.Angeline podia se sentir à vontade em dançasselvagensnomeiodasflorestasdaVirgíniaOcidental,masaquelanãoeraumasituaçãoemquesesentiriaconfortável.Para ser justa, o que aconteceu em seguidanão foi inteiramente culpa dela.O cara
realmente devia tê-la deixado em paz quando ela se recusou,mas imagino que estavaabsortodemaisnaquelehumordescontraído.Eledeuumjeitodelevantá-laàforça,efoientãoqueAngelinedeixousuarecusaperfeitamenteclara.Dandoumsoconacaradele.Foi impressionante, jáqueocaraeraquase trintacentímetrosmaisaltodoqueela.
SupusqueelahaviaaprendidoaquilocomotreinamentodeEddiesobrecomonocautearumMoroimaisalto.Ocaracambaleouparatrásecaiu,comumbaquenochão.Quasetodososalunosporpertoabafaramumgritodeespanto,emboraapenasumadaspessoasda banda, a guitarrista, tivesse notado.O restante continuou cantando e dançando.Aguitarrista correu até o colega caído eAngeline deve ter sentido seu espaço pessoalameaçado,porquetambémasocou.—Eddie,façaalgumacoisa!—exclamei.Elevirouparamim,perplexo.—Oquê?Nuncachegarialáatempo.Era verdade. Estávamos a uma altura de dois terços da arquibancada, cercados por
outras pessoas. De mãos atadas, só me coube assistir à continuação do espetáculo.Abandanãodemorouaperceberquealgoestavaterrivelmenteerradoeamúsicacomeçouavacilaratéque,porfim,deulugaraosilêncio.Enquantoisso,umgrupodeprofessoresfoicorrendoatéaquadra,tentandoafastarAngelinedobaixistadaKatarGeral.Oolhardelaera selvagem,comoodeumanimalencurraladoqueperderaacabeçae sóqueriaescapar. Os professores finalmente conseguiram controlá-la, mas não antes que elaatirasseumacaixadesomcontraovocalista(eerrasse)edesseumsoconoprofessordemarcenaria.Treymecochichou,boquiaberto.—Aquelaéasuaprima?Uau.Nemmedeiaotrabalhoderesponder.Tudoemqueconseguiapensareracomoiria
controlar os danos dessa vez. Meter-se em brigas era uma infração grave por si só.Sequerconseguiaimaginaroqueatacarumgrupomusicaleducativoacarretaria.
— Ela derrubou, tipo, três pessoas com o dobro do tamanho dela! — Kristinexclamou.—E,tipo,derruboumesmo.Nocauteoutotal.—É,eusei—respondi,desolada.—Estouaqui.Euvitudo.—Comoelaconseguiufazerisso?—Juliaquestionou.—Ensineiunsgolpesaela—Eddiecomentou,incrédulo.Comoeradeseesperar,ninguémsequersedeuaotrabalhoderemeteroacontecido
à sra.Weathers.Angeline foi mandada diretamente para a diretora e o vice-diretor.Depoisdesuademonstração,achoquesesentiriammaissegurosemumnúmeromaior.Talvez por recomendação da sra. Weathers, ou simplesmente porque nossos paisfictícios(assimcomoosdanossa“prima”Angeline)eramconhecidospeladificuldadedesecontatar,pediramqueeuaacompanhasseatéadiretoria.Meusconselhospréviosaelaforamcurtosediretos:—Você tem que agir de maneira arrependida e contrita— disse a ela enquanto
esperávamosnafrentedasaladadiretora.—Oquequerdizer“contrita”?—Arrependida.—Entãoporquevocênãodissesó…—E—continuei—,seperguntaremseusmotivos,vocêdizqueperdeuocontrole
eentrouempânico.Digaquenãosabeoquedeuemvocê.—Maseunão…—Enãovaimencionaroquantoeleseram idiotasnemdizernadanegativo, sejao
quefor.—Maseleseram…—Naverdade,nãofalenadaamenosqueperguntemdiretamenteparavocê.Seme
deixarcuidardisso,tudovaiacabarrápido.AparentementeAngeline levou isso ao pé da letra, porque cruzou os braços e me
encarou,recusando-seadizerqualqueroutracoisa.Quando fomos chamadas no escritório, a diretora e o vice — sra.Welch e sr.
Redding,respectivamente—estavamsentadosdomesmoladodamesa,umaoladodooutro, emum fronteunidoquemaisumavezme levou apensarqueeles temiamporsuasvidas.—Srta.McCormick—asra.Welchcomeçou—,esperoquetenhaconsciênciade
queasenhoritaperdeualinhacompletamente.—McCormickeraosobrenomefalsodeAngeline.—ViolênciaebrigasdequalquerespécienãosãotoleradasemAmberwood—osr.
Redding disse.—Temos normas severas, normas que visam garantir a segurança detodosnestaescola,eesperamosquenossosalunosasobedeçam.Nenhumadesuasoutrasviolaçõesàsregrasdaescolachegoupertodoquevocêfezhoje.—Mesmoquesuafichafosselimpa,nãorestamdúvidasaqui—asra.Welchdisse.
—NãotemoslugarparavocêemAmberwood.Senti um frio na barriga. Expulsão. Apesar de os Conservadores não serem
inteiramente incultos, a bagagem de conhecimentos dela nem chegava perto damédiadosestudantesdeensinomédiodomundomoderno.Ela tinhaque fazerváriasaulasderecuperação,econseguirqueentrasseemAmberwoodtinhasidoumagrandefaçanha.Aexpulsão não era tão terrível quanto uma investigação sobre como era possível umamenina delicada como ela causar tanto estrago,mas ainda não era o resultado que euqueria.Jápodia imaginarmeussuperioresmeperguntando: Comovocêpôdedeixardeperceber que a escola a estava deixando tão explosiva? Minha única resposta possívelseria:Desculpe, euestavamuitoocupadanamorandoe ajudandovampirosquenão sãodeminharesponsabilidade.—Vocêtemalgumacoisaadizeremsuadefesaantesquenotifiquemosseuspais?—
asra.Welchperguntou.ElesolharamparaAngeline,comexpectativa.Me preparei para um discurso irracional. Mas, em vez disso,Angeline conseguiu
derramaralgumaslágrimasque,admito,realmentepareciamdearrependimento.—Eu…euentreiempânico—elagaguejou.—Nãoseioquedeuemmim.Tanta
coisa aconteceu de uma só vez e aquele cara era assustador e eu surtei. Me sentiameaçada.Queriaquetodomundoficasselongedemim…Quasemeconvenceu,talvezporquehouvesseumfundodeverdadenaquilo.Angeline
vinha tendomomentos conturbados emAmberwood, apesar de toda a sua presunção.Haviamais pessoas na escola do que em toda a sua comunidade nasmontanhas, e elaficaratãoatordoadaduranteaprimeirasemanaquetivemosdenosrevezarparaescoltá-laatéasaulas.Eurealmentedeviaterprestadomaisatençãonela.O sr.Reedingpareceuumpouquinho solidário,mas não o bastante paramudar de
ideia.—Tenho certeza de que foi difícil, mas isso não justifica o seu comportamento.
Machucar trêspessoasedanificarequipamentos carosde audiovisualnão são,de formaalguma,reaçõesadequadas.Queeufemismo.Estava cansada das formalidades e precisava consertar as coisas antes que se
agravassemaindamais.Meinclineiparaafrentenacadeira.— Sabem o que também não é adequado? Um sujeito de trinta e poucos anos—
porque essa era a idade dele, apesar de tentarem parecer jovens e descolados —agarrando umamenina de quinze. Ele ter insistido quando ela demonstrou claramentequenãoqueriaacompanhá-lojáteriasidoruimobastante.Masaquestãoéqueelenemdevia ter tocadonela,pracomeçodeconversa.Elaémenorde idade.Seumprofessorfizesseisso,teriasidodemitido.Litodososlivrosqueodepartamentode RHdáparaosprofessores.—Tinha tentadodescobrir se a sra.Terwilliger estava cometendo algumabuso comigo.—As únicas situações em que os professores podem pôr as mãos nosalunos são emcasode emergênciamédica e para separar umabriga.Vocês podem atéargumentarqueaquelesujeitonãoeraprofessornemempregadodeAmberwood,masogrupo dele foi convidado a vir até aquipelaescola, que tem a obrigação demanter a
segurança dos alunos. Esta é uma escola particular, mas eu tenho certeza de que aSecretaria de Educação da Califórnia teria algumas coisinhas a dizer sobre o queaconteceuhoje,assimcomoopaidaAngeline,queéadvogado.—Naverdade,eleeraolíder polígamo de um bando de vampiros dasmontanhas,mas essa não era a questão.Alternei o olhar entre o rosto da sra.Welch e do sr. Redding.—Agora, será quepodemosrenegociaradecisãodevocês?Angelineestavaemêxtasenocaminhodevoltadadiretoriaparaoalojamento.—Suspensão!—elaexclamou,felizdemaisparaomeugosto.—Eurealmentevou
podermataraula?Parecemaisumarecompensa.—Masvocênãopodedeixardefazerasliçõesdecasa—adverti.—Enãopodesair
doalojamento.Nempenseemsairàsescondidas,porqueissocausariasuaexpulsãoenãoteriacomoeusalvarvocêdenovo.—Mesmoassim—eladisse,quasesaltitante—,essafoifácil.Pareinafrentedela,forçando-aameencarar.—Nãofoifácil.Vocêselivrouporcausadeumabrechatécnica.Vocêsemprereluta
emseguirasregrasporaqui,ehoje…bem,hojevocêsesuperou.Vocênãoestánasuacasa.SódeveriapensaremsemeternumabrigaaquiseJillfosseatacada.Éparaissoquevocêestáaqui.Nãoparafazeroquequiser.Vocêdissequeestavaàalturadodesafiodeprotegê-la.Sevocêforexpulsa,eéummilagrenãotersido,elaestarácorrendoriscodevida.Entãoentrenalinhaoucomeceafazerasmalaspravoltarpracasa.E,peloamordeDeus,deixeEddieempaz.Orostodelaseinflamavadefúriaconformeeuiafalando,masminhaúltimafrasea
pegoudesurpresa.—Oquevocêquerdizercomisso?—Querodizerquevocênãoparadeseatirarpracimadele.Elatorceuonariz:—Éassimquesemostraparaumgarotoquevocêestáafimdele.—Talvez entre os não civilizados seja sim!Aqui, você precisa recuar e começar a
agir como um ser humano… quer dizer, uma dampira responsável. Você estátransformando a vida dele num inferno!Além disso, as pessoas acham que vocês sãoprimos.Vocêestáestragandonossodisfarce.—Eu…estoutransformandoavidadelenuminferno?—elaperguntou,dequeixo
caído.Quasemesentimalporela.Asurpresaemseurostoeratamanhaqueficouclaroque
elarealmentenãofaziaideiadequeseucomportamentocomEddieerainadequado.Noentanto, estava irritada demais para sentir pena dela naquele momento. Jill tambémhaviasecomportadodeformaimpulsivaquandochegamos,oquetinhasidoigualmentefrustrante. Depois chegamos a desfrutar certa paz, mas agora Angeline ameaçavaestragar tudo.Aocontráriode Jill, elanãoparecia sedarcontade tudo isso,oqueeunãosabiasemelhoravaoupioravaasituação.Tristee frustrada,Angelinemeacompanhouatéo alojamento,ondeverifiquei com
JillqueAdrianrealmentevinhabebendo.Somadoàminhaagitação,aquiloeramaisdoque o suficiente parame fazer querer fugir do campus.Mais cedo, Brayden haviameperguntado seeuqueria sair comele,maseunãoestavacomânimopara isso.Mandeiuma mensagem rápida:Hoje não posso. Coisa de família. Então, fui para a casa deClarence.Liguei antes para garantir queDimitri e Sonya estariam lá, afinal, não queria ficar
sozinhacomovelhoMoroi.Elenãoestavapor láquandocheguei.EncontreiDimitrieSonyadebruçadossobrealgunscartõescomgotasdesanguesecas,cogitandosobrecomoproceder.—Seria interessanteconseguirmossangueStrigoiparavermosoqueaconteceria se
euaplicasseoespírito—eladizia.—Vocêachaqueconsegue?—Comprazer—Dimitrirespondeu.Elesmenotaram.Assimquelevantouosolhos,Sonyaperguntou:—Qualéoproblema?Nemmedeiaotrabalhodeperguntarcomoelasabia.Eraprovávelqueaminhacara
mostrassemaisqueaminhaaura.—Angelinesemeteunumabrigacomumgrupomusicaleducativonaescola.DimitrieSonyatrocaramolhares.—Achoqueagentedevia sairpra jantar—ele sugeriu.Pegouochaveiro sobrea
mesa.—Vamosparaocentro.NuncateriaimaginadoquealgumdiaestariaansiosaparasaircomumMoroieuma
dampira.Eraoutrosinaldequeeuhaviaprogredido—ouregredido,deacordocomospadrõesalquimistas.Comparadosàmaioriadaspessoasdaminhavida,DimitrieSonyaeramrealistasefirmes,oquemereconfortava.Fiz um resumo do comportamento deAngeline, bem comominha falsa ameaça de
processo.Sonyapareceusedivertircomessaparte.—Foibastanteesperto—eladisse,enrolandooespaguetecomogarfo.—Talvez
vocêdevesseestudardireitoemvezdetrabalharparaosalquimistas.Dimitrinãoachoutantagraça.— Angeline veio para cá para cumprir uma missão. Ela queria deixar os
ConservadoresejurouquedevotariatodososminutosdesuavidaparaprotegerJill.—Houveumpoucodechoquecultural—admiti,semsaberbemporqueaestava
defendendo.—E aqueles caras, hoje…Se eles tivessem tentadome fazer cantar comeles,talveztambémtivessedadounssocosneles.—Inaceitável—Dimitridisse.Elejátinhaatuadocomoinstrutordecombateeeu
entendia por quê. — Ela está aqui em uma missão. O que fez foi insensato eirresponsável.Sôniadeuumsorrisoirônico.—Eeuachandoquevocêtivesseumfracoporgarotasjovenseinsensatas.— Rose nunca teria feito algo assim — ele rebateu. Então fez uma pausa para
reconsiderar,epude jurarquevi a sombradeumsorrisoemseurosto.—Bem,pelo
menosnãonafrentedetodomundo.QuandodeixamosoassuntoAngelinedelado,trouxeàtonaomotivoporquetinha
idoatéeles.—Então…nadadeexperimentoshoje?AtémesmoadisposiçãodeSonyavacilou.—Ah. Não, não exatamente. Fizemos algumas anotações por conta própria, mas
Adriannãoestá…Elenãoestámuitodispostoapesquisarestasemana.Ouaassistiràsaulas.Dimitriconcordou.—Passei lámaiscedo.Elemalconseguiuabriraporta.Nãofaçoideiadoqueanda
bebendomas,sejaláoquefor,tembebidomuito.Considerando o relacionamento complicado entre eles, eu esperaria um tom de
desprezo ao discutir os vícios deAdrian. Em vez disso, Dimitri parecia desapontado,comoseesperassemaisdele.—Erasobreissoqueeuqueriaconversar—eudisse.Tinhacomidopouconojantar
e agora estava esmigalhando um pão, nervosa. — O humor atual deAdrian não éinteiramenteculpadele.Digo,é,maseucompreendo.Vocêssabemquefomosveropaidelenoúltimofimdesemana,certo?Então…nãodeumuitocerto.— Não fico surpreso — Dimitri disse, com um brilho compreensivo nos olhos
pretos.—NathanIvashkovnãoéumapessoafácil.—ElemeioquedestruiutudooqueAdrianvemtentandofazer.Tenteidefendê-lo,
masosr.Ivashkovnãoquisouvir.Porissoeuestavameperguntandosevocêspoderiamajudar.Sonyanãoconseguiuconterasurpresa.—EuajudariaAdriancomprazer,masalgomedizqueNathannãovaidarouvidos
aoquetemosadizer.—Nãoeraissoqueeutinhaemmente.—Desistidopãoesolteitodasasmigalhas
noprato.—Vocêsdoissãopróximosdarainha.TalvezpudessempediraelaquefalassecomopaideAdrian…seilá.Sobrecomoeletemsidoútil.Comotemajudado.Claroque ela não poderia explicar o queexatamente ele tem feito, mas qualquer coisa jáajudaria.Osr.IvashkovnãodariaouvidosaAdriannemamaisninguém,masteriadelevarumelogiodarainhaasério.Seelapuderfazerisso.—Ah,achoqueelafaria—Dimitridisse,pensativo.—Elasempreteveumfraco
porele.Todomundotem,aoqueparece.—Não—respondi, teimosa.—Nemtodomundo.Existeumadivisão.Metadeo
condenaeoconsiderainútil,comoopaidele.Aoutrametadesimplesmenteignoraeotolera,pensando“Ah,éoAdrian”.Sonyameexaminoucomcuidado,retomandooardedivertimento.—Evocê?—Não acho que ele precise ser mimado nem desprezado. Se você esperar muito
dele,elenãoodesapontará.
Sonya não disse nada de imediato, e me senti desconfortável sob seu exame. Nãogostavaquandoelameolhavadaquelejeito.Eraalgoqueultrapassavaasauras,comosepudesseverdentrodomeucoraçãoedaminhaalma.—Vou falar com Lissa— ela disse, por fim.—Tenho certeza de que Dimitri
tambémfalará.Nessemeio-tempo,vamostorcerparaque,seseguirmosseuconselhoeesperarmosqueAdrianfiquesóbrio,elerealmentefique.TínhamosacabadodepagaracontaquandoocelulardeDimitritocou.— Alô? — ele atendeu. E assim, de repente, sua expressão mudou. Aquela
ferocidadequeeucostumavaassociaraeleseabrandou,eseurostoseencheudeluz.—Não,não.Ésempreumaboahoraparavocêligar,Rose.Qualquerquefossearespostadooutrolado,ofizerasorrir.—Rose—Sonyamedisse.Elaselevantou.—Vamosdarumpoucodeprivacidade
aeles.Querdarumavolta?—Claro—respondi,melevantandotambém.Osolestavasepondoláfora.—Na
verdade, temuma loja de fantasias aqui perto que eu queria dar uma olhada, se aindaestiveraberta.SonyasevirouparaDimitri.—Você encontra a gente lá?—ela sussurroupara ele.Ele fez que sim,distraído.
Assim que saímos para o ar morno do fim de tarde, ela sorriu.—Aqueles dois…Numaluta,sãomortíferos,maspertoumdooutrosederretemtodos.— Você e Mikhail são assim? — perguntei, pensando que não havia tanto
derretimentoentremimeBrayden,pormaisqueeugostassedeestarcomele.Elavoltouasorrireolheiparaocéu,coloridoemtonsdelaranjaeazul.—Nãoexatamente—eladisse.—Cadarelacionamentoédiferente.Cadaumama
deumjeito.—Houveumalongapausaenquantoelaescolhiaaspróximaspalavras.—FoiumaatitudebonitaoquevocêdecidiufazerporAdrian.—Nãotinhaoquedecidir—argumentei.Atravessávamosumaruamovimentada,
repleta de lojas muito iluminadas e com vaporizadores na frente para refrescar osclientes.Estremeciaonotaroqueaquelevaporestavafazendocomomeucabelo.—Euprecisavaajudar.Elenãomereciasertratadodaquelejeito.Nemconsigoimaginarcomosuportouissoavidatoda.Evocêacreditaqueoquemaiso incomodavaerapensarquedepoisdissoelecairianomeuconceito?—Naverdade—Sonyadisse,demaneiravaga—,possoacreditar,sim.Alojadefantasiasaindaestavaaberta,graçasaohorárioestendidodeDiadasBruxas,
mas faltavam apenas dez minutos para fechar. Sonya circulou pelos corredores semnenhumobjetivoreal,enquantoeuseguidiretamenteparaaseçãohistórica.Elestinhamapenas um vestido grego no estoque, uma toga toda branca com um cinto de plásticodourado.Eravagabundo,talvezatéinflamável.Otamanhoera GGecogiteiseJilltinhaaprendidoosuficientenoclubedecosturaparaajustá-loparamim.Commenosdeumasemanaatéafesta,minhasopçõeseramlimitadas.—Sério?—disseumavozatrásdemim.—Vocêjánãomeinsultouobastantesem
recorreraesselixo?Em pé atrás demim estava LiaDiStefano, com o cabelo encaracolado coberto por
umlençovermelho-vivo.Ovolumedesuablusarústicafaziaparecerqueseuminúsculocorpinho tinha asas. Ela me olhou de cima a baixo com desaprovação nos olhosdelineados.—Vocêestámeseguindo?—perguntei,nadefensiva.—Semprequevenhoparao
centro,encontrovocê.—Pracomeçodeconversa,seeuestivesseseguindovocê,nuncaateriadeixadopôr
ospésaqui.—Elaapontouparaafantasia.—Oqueéisso?—MinhafantasiadeDiadasBruxas—respondi.—Voudegrega.—Nemédotamanhocerto.—Voumandarajustar.—Tsc, tsc. Estou tão horrorizada que nem sei por onde começar.Você quer um
vestidogrego?Façoumparavocê.Umdosbons.Nãoessamonstruosidade.MeuDeus.As pessoas sabem que você me conhece. Se virem você usando isso, minha carreiraestaráarruinada.—É,porqueminharoupanumafestadaescolaérealmenteumfatordecisivonasua
carreira.—Quandoéafesta?—elaperguntou.—Sábado.—Fácil—declarou.Deuumaolhada rápidaemmim.—Suasmedidas são fáceis
também.Suairmãvaisevestirtãomalassim?— Não sei— admiti.— Ela disse que ia fazer um vestido de fada no clube de
costura.Azul,acho.Liaficoupálida.—Piorainda.Façoumvestidopraelatambém.Játenhoasmedidas.Suspirei.—Lia, sei o que você está tentando fazer, e já adianto que não vai dar certo. Jill
definitivamentenãopodevoltaramodelarparavocê.Nãoimportaoquantovocêtentenossubornar.Liaforçouumolharinocentequenãomeconvenceunemumpouco.—Quem falou em suborno? Estou fazendo isso por caridade. Seria uma desgraça
deixarvocêsduasiremaumafestavestindoqualquercoisaquenãoomelhor.—Lia…— Não compre isso — ela advertiu, apontando para a fantasia. — Seria um
desperdício.Valeriamaisapenaatearfogonoseudinheiro,apesardequeodinheironãoiria queimar tão rápido quanto esse vestido.Aviso quando suas fantasias estiveremprontas.Com isso,deumeia-voltaemseus saltosdemadeirae foi embora,medeixando lá,
perplexa.—Conseguiuafantasia?—Sonyameperguntoudepois,assimquealojanosobrigou
asairparafecharasportas.—Estranhamente,sim—respondi.—Masnãodaqui.TudoindicavaqueotelefonemadeDimitrinãohaviaterminado,jáqueeleaindanão
tinha aparecido.Voltamos devagar para o restaurante, querendo lhe dar mais tempocom Rose. Outras lojas estavam fechando e os turistas começavam a rarear. ConteisobreoencontrocomLia,eSonyaachoumaisgraçadoqueeu.—Aceita,boba—eladisse.—Seaestilista seofereceupra fazer a fantasia,você
não é obrigada a dar algo em troca.Talvez ela possa me ajudar com os vestidos dasdamasdehonra.Atravessamos uma rua menos movimentada e cortamos caminho por um beco
estreito entre umprédio de tijolos e umgramado arborizado ao redor de uma igreja.Tinhaachadoaigrejabonitaduranteaida,masagora,poucotempodepois,ocrepúsculoacarregarade sombras,conferindo-lheumaspectodemauagouro.Erabomnãoestarpassandoporalisozinha,apesardeserestranhomesentirtranquilizadapelapresençadeumavampira.— Liarealmente fazcoisas fantásticas—admiti.—Masnãoachoquedevêssemos
encorajá-la.— É verdade — Sonya disse. — Qualquer dia desses você poderia me ajudar a
procuraralgunsvestidos?Vocêtemumótimosensode…Derepenteelasevirouparaoterrenoescuroemtornodaigrejacomumaexpressão
demedo no rosto. Eu não vi nada— a princípio. Segundos depois, quatro vultos depreto surgiram de trás das árvores. Enquanto um me prensava contra a parede detijolos, os outros três jogaram Sonya no chão. Empurrei meu captor, mas seu braçoforte me segurava firme. Sob a luz fraca, vislumbrei o brilho de algo que nuncaesperariavernasruasdePalmSprings:umaespada.OvultonegroaempunhousobreopescoçodeSonya.—HoradevoltarparaoInferno—eledisse.
11
NÃOSOUNENHUMAATLETA. Até sei jogar vôlei, e uma vez Eddieme ensinoucomodarumsoco.Masnãotinharecebidootipodetreinamentodosguardiões.E,semdúvida, não tinha os reflexos deles. Então, numa situação como aquela, sem conseguirmelivrardaquelachavedebraço,fizaúnicacoisaaomeualcance.Gritei.—Socorro!Alguémmeajude!Minha esperança era impedir que os agressores de Sonya a decapitassem, ou o que
quer que tivessem planejado fazer com ela.Também esperava que, bem, alguém nossocorresse.Tínhamosabandonadoasavenidasprincipaisdocentro,masaindaestávamospertoobastanteparaalguémnosouvir,aindamaisporqueatépoucotempoanteshaviaumnúmerorazoáveldepessoascirculandopelasrua.Umdoshomensque seguravamSonya vacilou,oqueme fez suporquepelomenos
issoeutinhaconseguido.Meucaptorcolocouamãonaminhabocaemeempurroucommaisforçacontraaparede.Entãoalgoestranhoaconteceu.Ohomem—aindaquenãopudesse ver seu rosto, seu tipo físico era obviamente masculino— ficou paralisado.Aindaestavamesegurando,masseucorpoficararígido.Eracomoseestivessesurpresoouemchoque.Nãoentendiporquê.Afinal,gritarporajudaquandoseéatacadonãoétão incomumassim.Nãopenseiqueseriacapazdederrubá-lo,mas julgueiquepoderiatirarvantagemdesuainação.Volteiaempurrar,tentandomelivrardeseucontrole.Sóconseguimemoveralgunscentímetrosatéelevoltaramesegurarcommaisforça.—Precisamosir!—umdoscaptoresdeSonyaexclamou.Outrohomem.Peloque
pudeperceber,eramtodoshomens.—Alguémvaichegar.—Issosóvailevarumsegundo—oqueseguravaaespadagrunhiu.—Precisamos
livraromundodestemal.Observei aterrorizada, com o coração disparado no peito.Temia por mim, mas
especialmenteporSonya.Nuncatinhavistoumadecapitaçãoantes,enãoeraagoraque
queriacomeçar.Meiosegundodepois,mevisubitamentelivre.Outrapessoahaviasejuntadoàbriga,
alguém que agarroumeu captor e o atirou ao chão sem dificuldade.Aquilo devia terdoído, e o cara caiu com um gemido.Mesmo sob a luz fraca, a altura e o sobretudoentregarammeusalvador:Dimitri.Eujáoviralutarantes,masnuncamecansava.Erafascinante.Elenãoparavadese
mover nem por um segundo. Cada ação era elegante e mortal. Ele era como umdançarinodamorte.Deixandode lado aquele que acabara de lançar ao longe,Dimitricorreunadireçãodosdemais.De imediato,partiuparaohomemcomaespada.Comum chute veloz, lançou o agressor voando para trás, fazendo com que derrubasse aespadaemalconseguisseseagarraraumadasárvoresemvoltadaigreja.Enquanto isso, um dos homens que até então segurava Sonya simplesmente deu as
costas e saiu correndo para o centro. Dimitri não o seguiu. Sua atenção estava todavoltada para o último rapaz, que, imprudente, tentava revidar. Isso, porém, deixouSonyalivre,esemperdertempoelaselevantouecorreunaminhadireção.Erararoeuficarsentimentalcomalguém,principalmenteosMoroi,masaabraceisempensarduasvezes.Elaretribuiuoabraço,epudesentirquetremia.Antes,emseuperíodoStrigoi,elahaviasidoincrivelmentepoderosa.MascomoagoraeraapenasumaMoroiquehaviapoucoforaameaçadacomumaespadanopescoço,asituaçãoerabemdistinta.OrapazqueenfrentavaDimitriatéconseguiudesviardealgunsgolpes.Seuerrofoi
tentar acertá-lo— issoo fez abrir aguarda,e lhe rendeuum fortemurronacara.Omais alto, que havia sido lançado contra a árvore, tentou atacar,mas seria ingênuo seachassequeDimitri tinha sedistraído.Dimitriodespachousemdificuldade, fazendo-ocair ao lado do rapaz que tinha acabado de socar. O mais alto tentou se levantar eparecia querer atacar novamente. Seu amigo o conteve e o puxou para trás.Após umimpassemomentâneoentreosdois,eles finalmentefugiram.Dimitrinãoosperseguiu.SuaatençãoestavatodavoltadaparamimeSonya.—Vocêsestãobem?—eleperguntou,vindorápidoaténós.Comesforço,fizquesimcomacabeça,enquantomeucorpotremiasemparar.—Vamosdaroforadaqui—Dimitridisse.Elecolocouasmãossobrenossosombrosecomeçouanoslevardali.—Espere—eudisse,virandonadireçãodaigreja.—Devíamospegaraespada.Procurei à minha frente, mas estava ainda mais escuro do que antes. Dimitri a
encontrourapidamentecomsuavisãoexcepcional.Escondeu-asobosobretudoesaímosrápidodali.CaminhamosatéoapartamentodeAdrian,queeramuitomaispertodoqueamansãodeClarence,foradacidade.Mesmoassim,ocurtotrajetopareceudurarumaeternidade. Sentia que poderíamos ser atacados a qualquermomento, emboraDimitricontinuassenostranquilizandoenquantonosguiavanumritmoquaseacelerado.Adrian ficou surpreso ao nos ver diante da porta.Também parecia muito bêbado,
masnãomeimportei.Tudooqueeuqueriaeraasegurançadesuasquatroparedes.— O que… o que está acontecendo? — ele perguntou, enquanto Dimitri nos
apressava para entrar.Osolhos deAdrian se voltarampara cada umdenós, recaindoemmimpormaistempo.—Vocêsestãobem?Oqueaconteceu?Dimitri nos examinou, verificando se tínhamos algum ferimento, apesar de nossos
protestos.Estendeuamãoeseguroumeuqueixo,gentil,voltandominhabochechanãotatuadanadireçãodele.— Um pequeno arranhão— ele disse. — Nada sério, mas você devia dar uma
lavadanele.Toqueiondeelehaviaindicadoemesurpreendiaoversanguenasminhasmãos.Não
melembravadetermeferido,masimagineiquefosseporcausadaparededetijolos.Sonya não tinha nenhum ferimento físico, mas admitiu estar com uma dor muito
fortenacabeça,ondetinhabatidonochão.—Oqueaconteceu?—Adrianperguntounovamente.Dimitrimostrouaespadaquehaviarecolhidonacenadocrime.—Algoumpoucomaisgravequeumassalto,imaginoeu.— Acho que sim — Sonya disse, sentando no sofá. Sua atitude era
surpreendentemente calma, considerando tudo por que tinha acabado de passar. Elatocounanucaeseencolheudedor.—Aindamaisporquemechamaramde“criaturadomal”antesdeaparecerem.—Chamaram?—Dimitriperguntou,arqueandoasobrancelha.Eunãohaviamemovidodesdequeentrarana sala. Simplesmente fiquei lá, empé,
encolhida, perdida. Me mexer parecia difícil demais. Pensar parecia difícil demais.EnquantoDimitri examinava a espada, porém, algo chamouminha atenção e fezmeucérebrolentovoltarafuncionaraospoucos.Aonotarmeuinteresse,elemeentregouaespada.Peguei-a,tomandocuidadocoma
lâmina,eexamineiocabo,cobertodegravuras.—Elaslembramvocêdealgumacoisa?—perguntou.Minha mente ainda estava enevoada pelo medo e pela adrenalina, mas tentei
desenterraralgumasinformações.—Sãosímbolosdealquimiaantiga—respondi.—DaIdadeMédia,dotempoem
quenossogrupoeraumbandodecientistasmedievaistentandotransformarchumboemouro.Issoeratudoqueoslivrosdehistóriacomunssabiamsobrenossasociedade.Issoeo
fato de que, com o tempo, acabamos desistindo do ouro.A organização encontroucompostos mais sofisticados, como sangue de vampiro.A interação com eles levou anossacausaatual,conformeosantigosalquimistasdescobriramas tentaçõessombriaseterríveis que os vampiros representavam. Nossa causa se transformou numa causasagrada.A química e as fórmulas em queminha sociedade trabalhara, até então paraganho pessoal, tornaram-se instrumentos essenciais para esconder a existência dosvampiros,instrumentosessesqueagoracomplementávamoscomatecnologia.Toqueinosímbolomaior,umcírculocomumpontonocentro.— Na verdade, este é o símbolo do ouro. Este, o da prata. Essas quatro formas
triangularessãooselementosbásicos,terra,ar,águaefogo.Eestes…MarteeJúpiter,planetas ligados ao aço e ao estanho.Talvez seja a composição da espada?—Franzi asobrancelhaeexamineiorestantedometal.—Masnãotemouronemprataaqui.Seussímbolos também podem representar o Sol e a Lua.Talvez não representem coisasfísicas.Nãosei.Devolvi a espada para Dimitri. Sonya a pegou damão dele, examinando o que eu
tinharessaltado.—Entãovocêestádizendoqueestaéumaarmaalquimista?Balanceiacabeça.—Osalquimistasjamaisusariamumacoisaassim.Émaisfácilusarumrevólver.E
os símbolos são muito arcaicos. Nós usamos a tabela periódica agora. É mais fácilescrever“Au”doquedesenharosímbolodoSolpararepresentaroouro.—Existealgummotivoparaessas figurasestaremnumaarma?Algumsimbolismo
ousignificadomaior?—Dimitriperguntou.—Então,novamente,sevocêpensarnopassado,oSoleoouroeramascoisasmais
importantes para os antigos alquimistas. Eles se concentravam nessa ideia de luz eclaridade.—Toqueiminha bochecha.—Essas coisas ainda são importantes, de certaforma. É por isso que usamos a tinta dourada.Além dos benefícios, o dourado nosmarca como… puros. Santificados. Parte de uma causa sagrada.Mas numa espada…não sei. Se quem fez isso estava seguindo o mesmo simbolismo, talvez a espada sejasantificada.—Relembrei as palavras dos agressores, sobre voltar para o Inferno. Fizumacareta.—Ou talvezosdonosda espada achassemque estavam servindo a algumtipodedeversagrado.—Quem eram esses caras, afinal?—Adrian perguntou.—Vocês acham que Jill
estácorrendoperigo?—Elessabiamsobreosvampiros,maseramhumanos—Dimitridisse.—Atéeupudeperceberisso—concordei.—Umdeleserabemalto,masnãoera
Moroi.Para mim, era difícil e intrigante admitir que nossos agressores fossem humanos.
Sempre acreditei que os Strigoi erammalignos. Isso era fácil. E como atémesmo osMoroinãoeramtotalmenteconfiáveis,aideiadehaverassassinosMoroiatrásdeJillnãoparecianadaimprovável.Mas,oshumanos…aspessoasqueeudeviaestarprotegendo?Aquilo era difícil. Eu havia sido atacada pelos meus semelhantes, os supostos“mocinhos”, e nãopelos demônios compresas que eu tinha sido ensinada a temer.Eraumdurogolpenaminhavisãodemundo.OrostodeDimitrificouaindamaissombrio.—Nunca ouvi falar de nada assim antes. Principalmente porque nenhum humano
sabesobreosMoroi.Excetoosalquimistas.Lanceiumolharincisivoparaele.—Issonãotemnadaavercomagente.Eudisseavocêsqueespadasnãosãoonosso
estilo.Muitomenosataques.
Sonyacolocouaespadasobreamesadecentro.—Ninguém está acusando ninguém aqui.Acredito que essa seja uma questão que
vocês dois vão querer levar aos seus superiores.—Dimitri e eu assentimos.—Masestamos deixando passar um pontomuito importante aqui. Eles estavamme tratandocomoStrigoi.Umaespadanãoéamaneiramaisfácildemataralguém.Devehaverummotivo.—É tambémaúnicamaneiradeumhumanomatarumStrigoi—murmurei.—
Os humanos não conseguem enfeitiçar uma estaca de prata.Acho que conseguiriamatearfogoemvocê,masissonãoseriamuitopráticonaquelebeco.O silêncio se instalou enquanto pensávamos sobre isso. Por fim, Sonya suspirou e
disse:— Não acho que vamos chegar a lugar nenhum hoje, não sem falarmos com os
outros.Querqueeucureisso?Levei um instante para entender que ela estava falando comigo. Toquei minha
bochecha.—Não,vaicicatrizarrápidosozinho.—Eraumdosefeitoscolateraisdosanguede
vampironastatuagensdelírio.—Voulavarantesdeirembora.Seguiparaobanheirocomamaiorconfiançaquepudereunir.Quandochegueievi
meu reflexo no espelho, perdi o controle sobre mim. O arranhão não era nadaassustador.Oquemaismeafligiaeraoqueelerepresentava.Sonyaestiveraàbeiradamorte,masminhavidatambémficaraemrisco.Euhaviasidoatacadaeficadoindefesa.Umedeciumatoalhaetenteilevá-laaorosto,masminhasmãostremiamdemais.—Sage?Adrianapareceunobatentedaportae tenteicontrolarrapidamenteas lágrimasque
começavamaenchermeusolhos.—Sim?—Vocêestábem?—Nãoconseguedizerpelaminhaaura?Ele não respondeu; em vez disso, tomou a toalha da minha mão antes que eu a
derrubasse.—Vire-se—ordenou.Obedecieeleencostouatoalhanoarranhãocomsuavidade.
Tãopertodele,podiaverqueseusolhosestavamavermelhados.Tambémpodiasentirohálitodeálcool.Aindaassim,amãodeleestavamais firmequeaminha.Elevoltouaperguntar:—Vocêestábem?—Nãofuieuquemficoucomumaespadanopescoço.—Nãofoiissooqueperguntei.Vocêtemalgumoutroferimento?—Não—respondi,baixandoosolhos.—Talvezsó…nomeuorgulho.—Orgulho?—Elefezumapausaparaenxaguaratoalha.—Oqueissotemaver
comoqueaconteceu?Levanteiosolhos,masnãooolheidiretamente.—Adrian,euseifazermuitascoisas.E,modéstiaàparte,consigofazerváriascoisas
incríveisqueamaiorpartedaspessoasnãoconsegue.—Eeunãosei?—eledisse,comumtomdivertido.—Vocêconseguetrocarum
pneuemdezminutosfalandoemgrego.—Cincominutos—corrigi.—Masquandominhavidaestáemriscoouquandoa
vidadosoutrosestáemrisco,oqueeupossofazer?Nãoseilutar.Fiqueicompletamenteindefesa lá.Assimcomoquandoos Strigoi atacaramLeee a gente. Só sei ficarparadaassistindo,esperandoalguémcomoRoseouDimitrivirmesalvar.Eu…eusoucomoumadonzelaindefesadoscontosdefada.Eleterminoudelimparoferimentoepousouatoalhasobreapia.Colocouasmãos
emvoltadomeurostoedisse:—A única verdade no que você acabou de dizer é a parte sobre ser a donzela dos
contos de fada,mas só porque você é linda o bastante para ser uma.Não pelo resto.Tudoomaisquevocêacaboudedizeréridículo.Vocênãoéindefesa.Finalmenteolheiparaele.Nasnossasconversas,eraeuquemcostumavaacusá-lode
serridículo.—Ah,é?EntãosouigualaRoseeDimitri?—Não.Nãomaisdoqueeu.E,sebemmelembro, alguémmedisseumdiadesses
queéinútiltentarserigualaosoutros.Quetemosdesernósmesmos.Franziasobrancelhaaoouvirminhasprópriaspalavrassendousadascontramim.—Essa situação é completamente diferente. Estou falando de saber cuidar demim
mesma,nãodeimpressionaralguém.—Aíestáseuoutroproblema,Sage.“Cuidardesimesma.”Essesataquesquevocê
tevedeenfrentar,comStrigoieloucoscomespadas,nãosãoexatamentenormais.Nãoacho que você tenha de se culpar por não conseguir combatê-los.A maior parte daspessoasnãoconseguiria.—Maseudeveriasercapaz—murmurei.Seuolhareracompreensivo.—Entãoaprenda.Essamesmapessoaqueadoramedarconselhosumavezmedisse
para nãome fazer de vítima. Então não se faça.Você aprendeu a fazer ummilhão decoisas.Aprendaissotambém.Façaumcursodedefesapessoal.Arranjeumaarma.Vocênãopodesetornarguardiã,masessanãoéaúnicamaneiradeaprenderaseproteger.Um turbilhão de sentimentos fervilhava dentro de mim. Raiva. Vergonha.
Reconforto.—Vocêtemmuitoadizerparaumcaraqueestábêbado.—Ah,Sage.Sempretenhomuitoadizer,bêbadoousóbrio.—Elemesoltouedeu
umpassoparatrás.Mesentiestranhamentevulnerávelsemsuaproximidade.—Oqueamaioria das pessoas não entende é que ficomuitomais coerente assim.Temmenoschancedeoespíritomedeixarmaluco—eledisse,girandoodedoaoladodacabeça.—Porfalarnisso…nãovoudarnenhumsermãosobreisso—eudisse,contentepor
desviarotemadaconversademimmesma.—Oalmoçocomseupaifoipéssimo.Euentendo.Sevocêquer afogar asmágoas, tudobem.Mas,por favor,não seesqueçade
Jill.Vocêsabeoqueissofazcomela.Talveznãoagora,masdepois.Asombradeumsorrisoperpassouseuslábios.—Vocêésempreavozdarazão.Sótenteouvirasimesmadevezemquando.Já tinha ouvido aquelas palavras antes. Dimitri havia dito algo semelhante: que eu
nãopoderiatomarcontadosoutrossenãotomassecontademimmesmaprimeiro.Seduas pessoas tão absurdamente diferentes comoAdrian e Dimitri tinham a mesmaopinião, talvez eu devesse fazer alguma coisa sobre isso. Fiquei pensandomuito sobreissoquandovolteiaAmberwooddepois.UmadascoisasboassobreaembriaguezdeAdrianeraqueJillnãotevecomosaber
de nossa conversa.Assim, no almoço do dia seguinte, ao narrar para Jill, Eddie eAngeline os acontecimentos da noite anterior, pude editar a história e deixar de ladomeu colapso nervoso. As reações de Jill e Angeline foram as esperadas. Jill ficoupreocupadaeperguntouváriasvezesseeueSonyaestávamosbem.Angelinenoscontoucomdetalhesoqueteriafeitocontraosagressoresecomo,aocontráriodeDimitri,osteria perseguido rua afora. Eddie ficou em silêncio e não disse nada até que as duasfossemembora—AngelineparaoquartoeJillparasearrumarparaaaula.— Imaginei que havia alguma coisa errada com você hoje — ele disse. —
Especialmentenocafédamanhã,quandoAngelinedissequeotomateeraumlegumeevocênãoacorrigiu.Quasesorricomapiadadele.—Poisé.Esseéo tipodecoisaqueafetaaspessoas.Querdizer, talveznãovocês.
Ataquesaleatórioscomespadasembecosescurossãocomunsparavocês,não?Sério,elefezquenão.— Nunca se pode subestimar um ataque.As pessoas que fazem isso se tornam
descuidadas.Vocênãotemporquesesentirmal.Eu estava remexendo umpurê de batatas nada apetitoso como garfo, e finalmente
desisti.—Nãogostodeestardespreparada.Paraoquequerque seja.Nãome leveamal,
mas eu já estive juntoquandovocê eRose lutaramcontra Strigoi.Nessasocasiões, eutambém fiquei indefesa…mas era diferente. Eles são assombrosos… além do alcancehumano.Realmentenãoesperoconseguirlutarcontraeles.Masoqueaconteceuontemà noite, mesmo com a espada, foi quase como um assalto comum. Mundano. E eleseramhumanos,assimcomoeu.Eunãodeviatersidotãoinútil.—Vocêquerqueeuensinealgunsgolpesavocê?—eleperguntou,gentilmente.—Oquevocêfaztambéméassombroso—respondi,voltandoasorrir.—Talvez
eudevessefazeralgumacoisamaisnomeunível.Adriandissequeeudeviaarranjarumrevólveroufazerumcursodedefesapessoal.—Éumbomconselho.—Pois é.Estranho,né?Os alquimistas fornecem treinamentoemarmas,masnão
soumuitofãdelas.Emboramesaiamuitobememaulasenateoria.Eleriu.
—Verdade.Mas, se vocêmudar de ideia,me avise. Depois do desafio de treinarAngeline,estouprontopratudo.Apesardeque…prasersincero,elaestásecontendoumpoucomais.Relembreiminhaúltimaconversacomela.Abrigaeasuspensãotinhamsidonodia
anterior,maspareciamteracontecidoanosantes.—Ah,eumeioquetiveumaconversinhacomela.—Quetipodeconversa?—eleperguntou,surpreso.—Faleiparanãosepreocupar
comaminhavidapessoal.Issoéproblemameu.—Eusei,eusei.Masmeioqueaconteceu.Eudisseaelaqueaquelecomportamento
era inconvenienteequeelaprecisavaparar.Ela ficou irada comigo, entãonão sabia seelatinhachegadoaentender.—Hum, parece que ela entendeu.—O que ele disse em seguida foi obviamente
umagrandeconcessão.—Talvezelanãosejatãoterrívelquantoeupensava.—Talvez— concordei.— E veja por este ângulo: pelo menos a suspensão dela
significaquevocênãoteráquesepreocuparcomelanafesta.Pelamaneiracomoorostodeleseiluminou,ficouclaroparamimqueeleaindanão
tinhasedadocontadisso.Algunsinstantesdepois,voltouaficarsério:— Se estão acontecendo ataques como o que você sofreu, vou precisar ter um
cuidado extra com Jill, especialmente durante a festa.—Não achava que tinha comoEddie ser aindamais cauteloso,mas provavelmente ele provaria que eu estava errada.—AtéquepreferiaqueAngelinefosse.A maioria das minhas aulas desviou meus pensamentos da noite anterior, mas o
estudo independente com a sra.Terwilliger era outra história. Era silencioso demais,sériodemais.Mefezpassarmuitotempopensandosozinha,relembrandotodoomedoeainsegurançaqueeuvinhatentandoignorar.Daquelavez,copieieanoteiosfeitiçossemrealmente decorá-los. Em geral, não conseguia evitar, mas naquele dia minha cabeçaestavaemoutrolugar.Estávamos quase nomeio da aula quando finalmente prestei atenção no que estava
fazendo. Era um feitiço daAntiguidade tardia que supostamente fazia a vítima pensarque havia escorpiões por todo o seu corpo.Como emmuitos dos livros de feitiços dasra.Terwilliger,apreparaçãoeracomplexaedemorada.—Sra.Terwilliger?Por mais que odiasse fazer perguntas a ela, os acontecimentos recentes estavam
pesandodemaissobremim.Elalevantouosolhosdeseuspapéis,surpresa.Depoisdaguerrafriaemquetínhamos
nos metido, ela se acostumara ao fato de que eu só me pronunciava quando meperguntavaalgumacoisa.—Sim?—Pra que servem esses feitiços ditos“ofensivos”?— perguntei, apontando para o
livro.—Comopoderiamserúteisnumalutaseprepará-lospodelevardias?Quandoseéatacado,nãohátempoparaumacoisadessas.Malsetemtempoparapensar.
—Dequaldelesvocêestáfalando?—elaperguntou.—Odosescorpiões.—Ah, sim.Bem, esse é do tipo premeditado.Quando você não gosta de alguém,
trabalhanessefeitiçoedepois lança.Ébemútilparaex-namorados,eudiria.—Elasedistraiu por um instante, e depois voltou a se concentrar emmim.—Claro que háoutros que poderiam sermais úteis numa situação como a que você descreveu.O seuamuleto de fogo, se bemme lembro, requeria bastante trabalho prévio,mas pôde serusadorelativamenterápido.Háoutrosquepodemserlançadosempouquíssimotempo,compoucos ingredientes.Mas como eu já disse em várias ocasiões, esse tipo demandamuita habilidade. Quanto mais avançada estiver, de menos ingredientes irá precisar.Vocêprecisademuitaexperiênciaparachegaraoníveldeaprenderalgoassim.— Nunca disse que queria aprender algo assim — argumentei, ríspida. — Só
estava…fazendoumapergunta.—Ah, é? Enganomeu.Por ummomento tive a impressão que você estava, hum,
interessada.— Não! — Estava contente que a magia curativa da minha tatuagem já havia
cicatrizado o arranhão da noite anterior quase por completo. Não queria que elasuspeitassequeeutinhamotivossériosparaquerermeproteger.—Viu?Éporissoquenunca abro a boca aqui.Você fica interpretando e distorcendo tudo o que eu digo pralevaradianteoseuplanodemeatormentar.—Atormentar?Tudooque você faz é ler e tomar café, exatamenteoque faria se
nãoestivesseaqui.— Exceto que aqui estou infeliz— eu disse.— Odeio todos os segundos desses
estudos.Estouprestesaparardevirecorreroriscodeumdesastreacadêmico. Issoétudodoentioeproblemáticoe…Oúltimosinaldodia tocoueme interrompeuantesqueeudissessealgodequeme
arrependeria. Quase no mesmo instante, Trey surgiu à porta. A sra. Terwilligercomeçou a arrumar as coisas e dirigiu-lhe um sorriso, como se tudo estivesseperfeitamentenormal.—Veja só senãoéo sr. Juarez.Quebomque apareceupor aqui, jáquenãopôde
compareceràaula.Relembrando a manhã, percebi que ela estava certa.Trey não tinha ido à aula de
história,nemànossaauladequímica.—Desculpe—eledisse.—Tiveunsproblemasdefamília.“Problemas de família” era uma desculpa que eu usava o tempo todo, embora
duvidassequeomotivodeleenvolvesselevarvampirosparaumfornecimentodesangue.—Asenhorapoderiamedizeroqueperdi?—eleperguntou.—Tenho um compromisso — ela respondeu, colocando a bolsa a tiracolo. —
PergunteaMelbourne;elaprovavelmentevaipoderexplicarcommaisdetalhesdoqueeu.Aportatrancasozinhadepoisquevocêssaírem.Trey puxou uma carteira para perto de mim enquanto eu pegava as anotações de
história e as de química, pois imaginei que ele também iria precisar.Apontei com acabeçaparaamochilaesportivaaoladodele.—Vaiparaotreino?Ele sedebruçoupara copiar as lições, fazendoo cabelo castanho-escuro cair sobreo
rosto.—Nãopodiaperder—eledisse,semlevantarosolhosenquantoescrevia.—Certo.Vocêsópodeperderasaulas.—Nãomejulgue—eledisse.—Teriaidosepudesse.Deixei para lá. Sem dúvida, já havia tido minha própria cota de complicações
pessoais. Enquanto ele escrevia, peguei o celular e vi que tinha uma mensagem deBrayden.Continhaapenasumapalavra,umrecordeparaele:Jantar?Hesitei.Aindaestavaabaladaporcausadanoiteanterior,epormaisquegostassede
Brayden, ele não era o consolo de que eu precisava naquelemomento. Respondi: Nãosei.Tenho umas coisas para fazer hoje à noite . Queria pesquisar onde fazer aulas dedefesa pessoal. Aquele era o consolo de que eu precisava. Fatos. Opções. Braydenrespondeu rápido: Podemos ir depois. Que tal o Stone Grill às 20h? Pensei, e entãorespondiqueestarialá.Tinha acabado de colocar o celular na mesa quando outra mensagem apitou.
Surpreendentemente,eradeAdrian. Comovctádpsdeontem?Tôpreocupadocomvc.Adrianeraarticuladonose-mails,masviviarecorrendoaabreviaturasnasmensagensdetexto—algoqueeununcaconseguiafazer.Sódelê-lastinhaasensaçãodequealguémarranhavaumalousa,emboraalgotenhamecomovidonointeressedele,osimplesfatodeestarpreocupadocommeubem-estar.Erareconfortante.Respondi:Melhor.Vouprocurarumcursodedefesapessoal .Elerespondeuquasetão
rápido quanto Brayden:Meavisa se encontrar.Talvezeu faça tb . Pestanejei, surpresa.Poressaeunãoesperava.Sóconseguiresponder:Porquê?—Céus—Treycomentou,fechandoocaderno.—MissPopularidade.—Coisadefamília—respondi.Eleriu,zombeteiro,eguardouocadernonamochila.—Valeu pelas anotações. E por falar em coisa de família… É verdade que a sua
primafoiexpulsa?—Suspensaporduassemanas.—Sério?—eledisse,levantando-se.—Sóisso?Penseiqueseriabemmaisgrave.—É,quasefoi.Convenciosdiretoresapegaremlevecomela.Treyriuabertamenteaoouvirisso.—Imagino.Bem,achoquevouterqueesperarmaisduassemanasentão.—Praquê?—perguntei,franzindoasobrancelha.—Prachamá-laparasair.Fiqueimudaporalgunsinstantes.—Angeline?—perguntei, caso ele pensasse que eu tinha algumaoutra prima.—
Vocêquersaircom…Angeline?—É,ué—eledisse.—Elaégatinha.Enocauteartrêscaraseumacaixadesom?
Bem…nãovoumentir:aquilofoibemsexy.—Consigopensaremváriaspalavrasparadescreveroqueelafez,mas“sexy”nãoé
umadelas.Eledeudeombroseseguiuparaaporta.—Ei,cadaqualcomassuastaras.Vocêgostademoinhosdevento,eeudeporrada.—Nãoacreditoquevocêacaboudedizerisso—falei.No entanto, cogitei se não era mesmo verdade, e concluí que, de fato, todos nós
tínhamos nossas“taras”.O estilo de vida deTrey eramuito diferente domeu. Ele sededicavamuitoaoesporteeestavasemprecommachucadosdotreino,inclusivenaqueledia. Estavam, aliás, mais graves do que de costume. Jamais conseguiria entender apaixão dele pelo esporte, assim como ele jamais conseguiria entendermeu amor peloconhecimento.Meucelularvoltouavibrar.—Melhorvoltarparaoseufã-clube—eledisse,eentãofoiembora.Um pensamento estranho me ocorreu. Será que todos os machucados recentes de
Treyeramcausadospeloesporte?Elevinhafazendováriasreferênciasàfamíliadelee,derepente,meperguntei se algomuitopiornão estariapor trásde seu afastamento.Erauma ideia perturbadora, com a qual eu não tinha muita experiência. Outro apito docelularmetiroudasminhaspreocupações.Olhei para a tela e vimais umamensagem deAdrian, tão grande que teve de ser
divididaemduas.Eraarespostaparaminhaperguntasobreporqueelefariaocursodedefesapessoaltambém.Vaimedar1motivop/evitarS&D.Alémdisso,vcnéaúnicaqpodeprecisarde
proteção.AquelescaraseramhumanosesabiamqueSeravampira.Talvezoscaçadoresdevampirosexistammsm.JápensouqClarencepodeestarfalandoavdd?Fitei o celular, incrédula, processando as palavras deAdrian e as implicações do
ataquedanoiteanterior.JápensouqClarencepodeestarfalandoavdd?Não.Atéaquelemomento,não.
12
QUANDO CHEGUEIAO RESTAURANTE, Brayden estava sentado à mesa com olaptop.—Chegueimais cedo—ele explicou.—Pensei em adiantar umpouco as lições.
Fezoquetinhaquefazer?—Naverdade, sim.Estavapesquisandouns cursosdedefesapessoal.Vocênão vai
acreditaroqueeuencontrei.Sentei ao ladodelenamesaparapoderusaro laptop.Comosempre,elecheiravaa
café.Chegueiàconclusãodequenuncamecansariadaquilo.Mostrei-lheositequehaviaencontradoantesdeirparalá.OsitepareciatersidofeitodezanosanteseeradecoradoporváriosGIFsanimados.EscoladeDefesaWolfe—MalachiWolfe,instrutor.—Sério?—Braydenperguntou.—MalachiWolfe?— Ele não tem culpa do nome dele — eu disse. — E, veja, ele recebeu vários
prêmios e recomendações.—Alguns eram relativamente recentes,mas amaioria eradealgunsanosatrás.—Eestaéamelhorparte.Cliquei num link intitulado “Próximos cursos”. MalachiWolfe tinha uma agenda
muitocheia,mashaviaumapartepromissora.Nodiaseguinteelecomeçariaadarumcursodeummêsdeduração,comaulassemanais.—Estenãoéexatamenteotipode instrutorqueeutinhaemmente—admiti—,
masasaulasjáestãoparacomeçar.—Nãoéumcurso longo—Braydenacrescentou.—Maspodedarumabaseboa.
Porqueointeresserepentino?A imagemdobecomeveiona cabeça, comosquatrovultosnaescuridão,eminha
sensação de impotência ao ser jogada contra a parede. Minha respiração começou aacelerar e tive de me lembrar que não estava mais lá. Estava num restauranteiluminado,comumgarotoquegostavademim.Estavaemsegurança.— É só uma coisa que acho importante as mulheres saberem — justifiquei. —
Apesarde…serabertotantoparahomensquantoparamulheres.—Isso foiuma indiretaparaeume inscrever?—Aprincípiopenseiqueeleestava
falandosério,masaomevirarparaeleviqueestavasorrindo.— Se você quiser — respondi, abrindo um sorriso. — Na verdade, eu estava
pensandono…meuirmão.Eletambémqueriafazer.—Achomelhor eunãome inscrever, embora euqueira fazer artesmarciais como
eletivanafaculdade.—Braydenfechouolaptop,evolteiparaooutroladodamesa.—Enfim,suafamíliaémuitopróxima.Nãoseisedeveriameintrometer.—Talvezsejamelhormesmo—concordei,pensandoqueelenãosabianemmetade
dahistória.O jantar foibom,assimcomoaconversaquese seguiu, sobre termodinâmica.Mas
apesardeoassuntoserextremamenteinteressante,mepegueidivagandomuito.Atodomomento precisava me reconcentrar no que Brayden estava falando. O ataque e ocomentárioespontâneodeAdriansobrecaçadoresdevampiroshaviammedadomuitooquepensar.Mesmoassim, ficamosnorestaurantebastante tempo, tantoque,quandosaímos, já
estava completamente escuro. Eu não havia estacionado muito longe, tampouco numlugarmuitodeserto,masde repente a ideiade caminhar sozinhano escurome causouarrepios.Braydenestavafalandoalgosobrevoltaramevernafestaquandonotouminhaexpressão.—Quefoi?—eleperguntou.—Eu…—Lanceioolharruaabaixo.Doisquarteirões.Eraessaadistânciaqueme
separavadocarro.Haviapessoasnarua.E,mesmoassim,eumesentia sufocando.—Vocêmeacompanhaatéocarro?—Claro—eledissesempensarduasvezes.Masmesentihumilhadadurantetodoo
caminho.Conforme tinha dito a Eddie eAdrian, não costumava precisar da ajuda dosoutros. Precisar de alguém para algo tão simples como aquilo era especialmentehumilhante.Rosenãoprecisariadeescolta,pensei. AtémesmoAngelinenãoprecisaria.Elaprovavelmenteesmurrariameiadúziadepedestressóparanãoperderaprática.—Estáentregue—BraydendissequandochegamosaoPingado.Fiqueipensandose
eleestariameachandoridículaporprecisardeescolta.—Obrigada.Vejovocênosábado?Eleassentiu.—Temcertezadequequermeencontrarlá?Possobuscarvocê,sequiser.—Seidisso.Eeunãome importariade irnoseucarro.Semofensas,Pingado.—
Deiumafagodeconsolaçãonocarro.—Masprecisolevarmeusirmãos.Ficamaisfácilassim.—Tudobem—eledisse.Osorrisoquemedeupareciatímido,emcontrastecom
suaconfiançapréviaemassuntosacadêmicos.—Malpossoesperarparaversuafantasia.Conseguiaminhanumacompanhiadeteatro.Claroquenãoéumareproduçãoperfeitadeumtrajeateniense,masfoiomelhorquepudeencontrar.
TinhaquaseesquecidoquehaviadeixadominhafantasianasmãosdaLia.Braydennãoeraoúnicointeressadoemveroqueeuiriavestir.—Tambémestouansiosa—eudisse.Após alguns instantes, comecei a estranharporqueele aindanão tinha idoembora.
Ainda estampava a mesma timidez e incerteza no rosto, como se estivesse reunindocoragemparadizeralgo.Sóque,comovimadescobrir,falarnãoeraexatamenteoqueelequeria.Comumagrandedemonstraçãodebravura,eledeuumpassoàfrenteemebeijou.Foibom,masdenovonãofoinadaimpressionante.Pelaexpressãoemseurosto,porém,elepareciatersidoenviadoàsalturas.Porque
eunãotinhaamesmareação?Talvezestivessefazendoalgumacoisaerrada.Seráqueeutinhaalgumproblema?—Vejovocênosábado—elesedespediu.Fizumanotamentalparapesquisarsobrereaçãoabeijosdepois.Voltei para o alojamento emAmberwood e mandei uma mensagem paraAdrian
enquantoentrava.Temumcursodedefesapessoalquecomeçaamanhãànoite.Setentaecinco dólares.Apesar de ter demonstrado interesse na noite anterior, eu não botavamuitafédequeeletinhaselivradoosuficientedadepressãoparasedisporafazeralgoassim.Nemsabiaseeleaindaestavafrequentandoocursodearte.Umminutodepois,chegouaresposta:Estareilá.E,logodepois:Vcpodemearranjaragrana?Jill tambémestava entrandono alojamento,nósduas emcimadahorado toquede
recolher.Elasequermenotara,epareciacismadaepensativa.—Ei—gritei.—Jill?Elaparounomeiodosaguãoepestanejou,surpresapormever.—Ah,oi.Estavacomonamorado?—Nãoseisejáochamariaassim—respondi.—Quantasvezesvocêssaíram?—Quatro.—Elevailevarvocêàfesta?—Agentecombinoudeseencontrarlá.Eladeudeombros.—Pramim,estãonamorando.—Pramim,vocêestácitandooguiadenamorodaKristinedaJulia.Elavoltouasorrir,masnãopormuitotempo.—Achoqueéosensocomummesmo.Examinei-a,aindatentandoentenderoqueaestavadeixandodaquelejeito.—Vocêestábem?Pareceincomodadacomalgumacoisa.É…porcausadeAdrian?
Eleaindaestáchateado?Porummomento,estavamaispreocupadacomAdriandoquecomela.— Não— ela disse. — Quer dizer, sim. Mas ele está um pouco melhor. Está
animadocomaideiadefazerocursodedefesapessoalcomvocê.O laço sempre me impressionava.Tinha mandado a mensagem paraAdrian havia
menosdeumminuto.—Animado?—perguntei.Aquelapareciaumareaçãomuitoforte.— É uma distração. E o melhor que ele pode fazer quando está nesse estado é se
distrair—elaexplicou.—Maseleaindaestátriste.Aindaestádeprimidoporcausadopai.—Nãodeviatê-lolevadoaSanDiego—murmurei,maisparamimmesmadoque
paraela.—Setivessemerecusado,elenãoteriaconseguidoir.Jillpareciacética.— Não sei…Acho que ele teria encontrado um jeito, com ou sem você. O que
aconteceuentreelesaconteceriamaiscedooumaistarde.Suasabedoriaerasurpreendente.—ÉquemesintopéssimaporverAdrianassim—comentei.—Ohumordelevariaconstantemente.Semprefoiassim—Jilldisse,comoolhar
distante. — Ele parou de beber um pouco, por minha causa. Mas isso abre espaçopara… bem, é difícil explicar.Você sabe que o espírito pode enlouquecer as pessoas,certo?Entãoquandoeleestátristedessejeitoeficasóbrio,setornavulnerável.—VocêquerdizerqueAdrianestáficandolouco?Aquelanãoeraumacomplicaçãoparaaqualeuestivessepreparada.—Não,nãoexatamente.—Elamordiscouolábioenquantoprocuravaaspalavras.
—Elesóficaumpoucodisperso…deumjeitoesquisito.Vocêvaientenderquandovir.Elemeioquefazsentido,meioquenão.Ficaalheio,divagando.Masnãocomoeu.Temum…não sei dizer… um quêmeiomístico.Mas não é exatamentemágico. É comose… como se ele perdesse o controle por um tempo. Nunca dura muito, e como eudisse,vocêvaiperceberquandovir.—Acho que já vi acontecer… — eu disse, arrebatada pela lembrança de um
momento pouco antes de Sonya e Dimitri chegarem à cidade. Eu estava na casa deAdrianeelemeolhoudeumjeitoestranho,comosefosseaprimeiravezqueprestavaatençãoemmim.Pensarnaquiloaindamedavaarrepios.MeuDeus,Sage.Osseusolhos.Comofoiqueeununcarepareineles?Acor…como
ouroderretido.Eupoderiapintá-los.—Mocinhas?—A sra.Weathers estava à mesa dela, guardando as coisas para a
noite.—Estánahoradeirparaoquarto.Assentimos, resignadas, e subimos a escada. Ao chegarmos ao andar de Jill, a
interrompiantesquepudesseentrar.— Ei… se o problema não é oAdrian, então o que estava incomodando você lá
embaixo?Estátudobem?—Hum?Ah, aquilo.—Ela corou,de seu jeito fofo.—Sim.Achoque está tudo
bem.Nãosei.Micah…mebeijouhoje.Pelaprimeiravez.Eachoquefiqueiumpoucosurpresacomoquesenti.Fiquei admirada por eles nunca terem se beijado antes e imaginei que devia ficar
contenteporisso.Aspalavrasdelarepercutiramdentrodemim.
—Comoassim?Vocêachoumuitomenosemocionantedoqueesperava?Comosesóestivessetocandooslábiosdealguém?Comoseestivessebeijandoumprimo?Elameolhou,confusa.—Não.Queloucura.Porquevocêpensariaisso?—Hum,sóestavachutando.Derepentemesentiumaidiota.Porquesócomigobeijareraassim?—Naverdade,foimuitobom.—Seuolharpareciadistante.—Querdizer,quase.
Eu não consegui me deixar envolver tanto quanto queria porque estava muitopreocupadacomoscaninos.Éfácilescondê-losquandoestourindoouconversandocomalguém.Masnãoduranteumbeijo.Etudoemqueeupensavaera:“Oqueeuvoudizerse ele perceber?”. Então comecei a lembrar do que você e todomundodisseram.QueessahistóriacomMicahnãoeraumaboaideiaequenãodariaparamanterascoisassemcontato físico pra sempre.Eu gosto dele, sabe.Gostomuito.Mas não o bastante paraarriscarexporosMoroi…oucolocaraLissaemrisco.—Éumaatitudemuitonobre.—Achoquesim.Masnãoqueroterminarcomeleagora.Micahémuito legal…e
adoro todos os amigos que fiz graças a ele.Acho que vou esperar pra ver no que vaidar…Masédifícil.Issovaleucomoalerta.Elapareciamuitotristeaoentrarnodormitório.No caminho para o meu, me senti mal por ela…mas ao mesmo tempo aliviada.
VinhamepreocupandocomaquelerelacionamentoentreelaeMicah,commedodequelogo enfrentaríamos uma situação dramática: ela se recusando a desistir dele porqueaqueleamoreratãograndequetranscenderiaasraças.Emvezdisso,deviaterconfiadomaisnela.Elanãoeratãoimaturacomoeuàsvezesimaginava.Jillentenderiaaverdadeeresolveriaasituaçãoporcontaprópria.Suas palavras sobreAdrian grudaramnaminha cabeça, particularmentequando,na
noiteseguinte,obusqueiemcasaparanossaprimeiraauladedefesapessoal.Eleentrounocarrocomumaatitudejovial,semparecerdeprimidooulouco.Estava,comonotei,muitobemvestido,comroupasqueteriamsidoumaexcelenteescolhaparaavisitaaopai.Etambémreparounaminharoupa.—Nossa,achoquenuncavivocêusandoumacoisatão…casual.Estavacomumacalçadeginásticaverde-olivaeumacamisetadeAmberwood.—Adescriçãodocursodiziaparausarroupasconfortáveis…conformemandeipor
mensagemparavocê—comentei,comumolharsignificativoparasuacamisadeseda.—Esta camisa émuito confortável—eleme garantiu.—Alémdisso, não tenho
nenhumaroupadeexercício.Ao dar partida no carro, a mão esquerda deAdrian chamou minha atenção.A
princípio,penseiqueestivessesangrando,masentãopercebiqueeratintavermelha.—Vocêvoltouapintar—eudisse,radiante.—Penseiquetivesseparado.—É,Sage.Nãodáparaassistiràsaulasdepinturaenãopintar.—Penseiquetivesseparadodeiràsaulastambém.
—Quaseparei—eledisse,meolhandodecanto.—Masentão lembreique tinhaconvencido uma garota de que, se ela me desse uma chance e me colocasse naquelecurso,eufariatudodireitinho.Bemfeitopramim.Abriumsorrisoeacelereiocarro.Havia saído com antecedência para termos tempo de cuidar damatrícula.Quando
liguei para aEscola deDefesaWolfemais cedonaquele dia, umhomemagitado haviameditoparaaparecercomopagamentoemdinheiro,porqueestávamosmuitoemcimada hora.O endereço era uma casa afastada do centro, instalada em um terreno vastosemnenhumverdepara amenizaro clima.Odesertodominava ali, dando à casaumaaparência triste e desolada. Se não fosse peloWOLFE gravado na caixa de correio,achariaqueestávamosnolugarerrado.—Esseéotipodelugarquevemosnosfilmes—Adriandisse—,quandoasvítimas
ingênuasencontramassassinosemsérie.—Pelomenosaindaestáclaro—falei.Desdeanoitenobeco,aescuridãohaviase
tornadoumaameaçainteiramentenovaparamim.—Nãopodesertãoruim.Adrianabriuaportadocarro.—Éoquenósvamosdescobrir.Tocamos a campainha e fomos recebidos pelo som de latidos e passos acelerados.
Recuei,incomodada.—Detestocachorrosmaladestrados—sussurreiparaAdrian.—Elesprecisamse
comportareandarnalinha.—Assimcomoaspessoasnasuavida,né?—Adrianzombou.Aporta se abriu edemosde cara comum senhorde cinquenta epoucos anos, com
uma barba loira desgrenhada, vestindo bermuda e uma camiseta da banda LynyrdSkynyrd.Paracompletar,eleusavaumtapa-olho.—Impressionante—ouviAdrianmurmurar.—Superoumeussonhosmaisloucos.Fiqueiassustada.Aqueletapa-olhomefezpensarnoolhodevidrodeKeith,quepor
sua vezme lembroudomeu envolvimentono“acidente” emque ele o conseguiu.Nãoeraalgoqueeugostassedelembrar,oquemefezimaginarquaiseramaschancesdeterdadodecaracomoutrohomemdeumolhosó.Eleempurrouoscachorrosde lado—aparentementedeumaraçamestiçadeChihuahua—,queporpouconãoconseguiramescaparantesdeelefecharaporta.—Poisnão?—perguntou.— Nós… estamos aqui para o curso. De defesa pessoal. — Achei necessário
especificar, afinal, vai que ele também ensinasse a cuidar de cães e navegar os setemares.—MeunomeéSydney;esteéAdrian.Euligueihojedemanhã…—Ah, sim, sim—ele assentiu, coçando a barba.—Você trouxe o dinheiro? Só
aceitodinheirovivo.Tireidobolsocentoecinquentadólarese lheentreguei.Por forçadohábito,quase
pediumrecibo,masacheimelhornão.Eleenfiouodinheironobolsodabermuda.—Estábem.Vocêsestãodentro.Vãoemfrenteeesperemnagaragematéosoutros
chegarem.Aportalateralestáaberta.Eleapontouparaumagrandeconstruçãodeaparênciaindustrial,duasvezesmaiordo
queacasa,dooutro ladodoterreno.Semesperarparaverse iríamosobedecer,eleseesgueirouparadentro,ondeestavamseuscãesbarulhentos.Fiquei aliviada ao ver que a parte interna da garagem era a única coisa que parecia
legítima.Haviacolchonetesnochãoeespelhosemalgumasparedes.Umatelevisãoeumvideocassete ficavam num carrinho, ao lado de uma pilha de fitas empoeiradas sobredefesapessoal.Umpoucomaisdesconcertanteeramalgunsitensdadecoração,comoumpardenunchakus,armacompostapordoisbastõespequenos ligadosporumacorrente,queestavapenduradanaparede.—Não toque nisso!— advertiAdrian ao vê-lo seguir naquela direção.—Não é
prudentemexernascoisasdeumcaradaqueles.Adriannãoencostou.—Vocêachaqueagentevaiaprenderausarisso?—Adescriçãodocursonãodizianadasobrearmas.Sósobredefesapessoalbásicae
combatecorpoacorpo.—Porqueviratéaqui,então?—Adrianperguntou,caminhandoatéumexpositor
devidroquecontinhaváriostiposdesocos-ingleses.—EsseéotipodecoisaqueCastilefazodiainteiro.Elepoderiaternosensinado.—Queriaalgumacoisamaisacessível—expliquei.—ComoocapitãoMcBermudaTropical?Aliás,ondevocêencontrouessecara?—Nainternet.—Sentindoqueprecisavadefenderminhabusca,acrescentei:—Ele
eramuitobemrecomendado.—Porquem?PelocapitãoGancho?Nãoconseguiseguraroriso.O resto da turma foi chegando aos poucos ao longo da meia hora seguinte. A
primeirafoiumasenhoradeunssetentaanos.Asegunda,umamulherquehaviaacabadodedarà luz seuquarto filhoedecidiraqueprecisava“aprenderaprotegê-los”.Asduasúltimasmulheresdaturmatinhamvinteepoucosanoseusavamcamisetascomslogansfeministasradicais.Adrianeeuéramososmaisjovensali.Eeleeraoúnicohomem—alémdoinstrutor,quepediuparaserchamadosimplesmentedeWolfe.Estava começando a ter um mau pressentimento, especialmente quando a aula
começou.NósseisnossentamosnochãoenquantoWolfe,apoiadoemumdosespelhos,nosencarava.— Se vocês estão aqui— começou—, provavelmente já querem aprender a usar
aquilo—eledisse,apontandoparaosnunchakus.VislumbreiorostodoAdrianpeloespelho,cujaexpressãodizia: Sim,éexatamente
issoqueeuqueroaprender.—Bem,éumapena—Wolfedisse.—Vocêsnuncavãousar.Pelomenosnãoneste
curso.Ah,nãonegoqueeles tenhamsuautilidade.Salvaramminhavidamaisdeumavez quando eu caçava noAlasca há alguns anos.Mas se prestarem atenção no que vou
ensinaravocês,nuncaprecisarãodeumdesses.Afinal,nãotemosalcesraivososaquiemPalmSprings.Aquetinhaacabadodeterumfilholevantouamão.—Vocêusoununchakuscontraumalce?OsolhosdeWolfeescureceram.—Usei todo tipo de coisa contra aquele canalha.Mas não é esse o ponto agora…
Ouçamoquevoudizer.Comumpoucodebomsenso,vocêsnãoprecisamdearmas.Ou punhos.Você — ele disse, para a minha surpresa apontando para mim, meencarandocomseuolharcaolhodeaço.—Oqueeudissequandovocêchegou?Engoliemseco.—Paradarodinheiro,senhor.—Edepois?—Paraesperarmosaqui.Eleassentiu,satisfeito—então,aparentemente,minharespostaóbviaestavacerta.—Estamos a três quilômetros de qualquer outra casa e a quase umquilômetro da
rodovia.Vocênãomeconhecee,convenhamos,estelugarparecesaídodeumfilmedeterrorcomassassinosemsérie.—Pelocantodoolho,viAdrianmelançandoumolhartriunfante. — Mandei vocês entrarem numa construção distante com pouquíssimasjanelas.Vocêsentraram.Olharamemvoltaaoviremparacá?Examinaramosarredoresantesdeentrar?Verificaramassaídas?—Eu…—Não, claro quenão—ele interrompeu.—Ninguémnunca faz isso.E essa é a
primeiraregradedefesapessoal.Nãopresumanada.Vocênãoprecisavivermorrendode medo de tudo, mas saiba o que está ao seu redor. Sejam espertos. Não entremincautosembecosouestacionamentosescuros.E,apartirdaí,nãodespregueiosolhosdele.Wolfe era surpreendentemente bem preparado. Trouxe inúmeras histórias e
exemplos de agressões, queme faziam pensar que os humanos eram as criaturasmaisperversasnomundo,nãoosvampiros.Elenosmostrouimagensediagramasdelugaresperigosos, destacando suas vulnerabilidades e dando conselhos muito práticos quedeveriamseróbviosparaamaiorpartedaspessoas—masnãoeram.Quantomaiselefalava,maisidiotaeumesentiapeloquetinhaacontecidocomSonya.Seaqueleshomensquisessemmesmo atacá-la, teriam encontrado um jeito, de umamaneira ou de outra.Mas haviamilhões de coisas que eu poderia ter feito para sermais cuidadosa e, quemsabe, evitaro confrontoque aconteceunaquela noite.Essa ideia semostrouumaparteimportantíssimadafilosofiadeWolfe:evitaroperigoemprimeirolugar.Mesmoquandofinalmentepassamosadiscutiralgunsgolpesbásicos,aênfaseeraem
usá-los para poder fugir, não para ficar e tentar derrotar o agressor. Ele nos deixoupraticar algunsgolpesnaúltimameiahorade aula, formandoparespara trabalharmosjuntoscontraumboneco,jáquenãoqueríamosmachucarunsaosoutros.—GraçasaDeus—Adriandisse,quandocomeçamososexercícioscomoparceiros.
—Penseiquetinhavindoparaumcursodelutaparaaprenderanãolutar.—Maseletemrazão—eudisse.—Sederparaevitarabriga,tantomelhor.—Esenãoder?—Adrianperguntou.—Comocomseusamiguinhosespadachins?
Oquevocêfazquantoestánumaenrascada?Deiumtapinhaemnossobonecoinexpressivo.—Essaéafunçãodisto.OprincipalgolpequeWolfehavianosensinadoeracomoselivrardeumachavede
braçosealguémnosagarrasseportrás.Eletinhaalgumastécnicasquenãoerammuitomaiscomplexasdoquecabecearoupisotear.Adrianeeunosrevezamoscomoagressorenquantoavítimapraticavaasmanobras—emcâmeralentaequasesemcontatofísicocomoparceiro.Eraparaissoqueserviamosbonecos.EueraunsdezcentímetrosmaisbaixadoqueAdrianeportantoumaagressorabemimprovável,oquenosfaziarirtodavez que eu lhe dava um golpe. Wolfe nos repreendeu por não estarmos sendosuficientementesérios,masnoselogiouportermosaprendidoastécnicasrápido.Issomedeixou tão convencidaque,quandoAdrianvirou as costasparapegar água,
memovifurtivamenteatrásdeleelanceiosbraçosemvoltadeseupescoço.Wolfehavianosensinadocomoselivrardaqueletipodechavedebraçoe,sinceramente,penseiqueAdrian tivesse visto que eu estava atrás dele e que desviaria antes mesmo que euencostasse nele.Aparentemente não. Ele congelou e, por um momento, paramos notempo.Eu sentia a sedada camisa dele roçandominhapele e o calor de seu corpo.Operfume remanescente da colônia caríssima que ele usava pairou no ar aomeu redor.Incrivelmente,nãocheiravaacigarro.Eusemprediziaqueacolônianãopoderiavaleroquantoelegastavacomela,mas,naquelemomento,eureconsiderei.Eramaravilhosa.Estava tão absorta por aquela sobrecarga sensorial que fui pega completamente de
surpresaquandoelemeempurrou.—Oquevocêestáfazendo?—esbravejou.Pensei que ele ficaria impressionado commeu ataque surpresa,mas não havia nem
aprovaçãonembomhumoremseurosto.Meusorrisosedesfez.—Testando se você conseguia lidar com um ataque surpresa. — Meu tom era
hesitante. Não sabia o que tinha feito de errado. Ele parecia desconfortável. Quaseangustiado.—Qualéoproblema?—Nenhum— ele respondeu, áspero. Por um instante, seus olhos se fixaram nos
meuscomumaintensidadequemefezperderoar.Entãoeledesviouoolhar,comosenão suportasse olhar paramim.Me sentimais confusa do que antes.—Nunca penseiqueveriaodiaemquevocê fossecolocarosbraçosemvoltadeumvam…dealguémcomoeu.Mal notei que ele quase deixara passar a palavra“vampiro” em público.O que ele
dissemesobressaltou.Eletinharazão:euohaviatocadosemnemmesmopensarsobreisso— e não num aperto demão formal como de costume. Claro que estávamos nocontextodocurso,massabiaque,mesesantes,nãoteriafeitoissoemhipótesealguma.Tocá-lo agora parecia perfeitamente natural. Teria sido esse o motivo para ficar
angustiado?Seráqueestavapreocupadocomaminharelaçãocomosalquimistas?Wolfepassoupornós.— Bom trabalho, garota.— Em seguida, deu um tapa nas costas deAdrian que
quaseofezcairparaafrente.—Vocêestavacompletamentedespreparadoparaela.IssopareceudeixarAdrian aindamais aflito,epude jurarqueoouvimurmurando:
“Comcerteza”.PartedapresunçãodeAdrianvoltouduranteotrajetodevolta,maseleaindaestava
pensativoeemsilêncio.Fiqueitentandoentendermaisessamudançadehumor.—PrecisapassarnoClarenceparasealimentar?Talvezaaulaotivesseexaurido.—Não—eledisse.—Nãoqueroatrasarvocê.Mas,talvez…vocêpossavirnofim
desemanaevamostodosjuntosparalá?—Tenho a festa no sábado—eu disse,me justificando.—E acho que Sonya vai
levarJillparaacasadoClarenceamanhã,depoisdaaula.Achoqueelapodepegarvocêtambém.—Acho que sim— ele respondeu. Ele parecia desapontado,mas um dia não era
tanto tempo assim para esperar pelo sangue.Talvez ele estivesse com medo de queSonyavoltasseachamá-loparaosexperimentos,oquenãoseriaumamáideia,pensei.Derepente,eleabandonouaposturarelaxadaeseendireitou.—PorfalaremSonya…fiqueipensandoumacoisaagorahápouco.UmacoisaqueWolfedisse.—Ora,ora,Adrian.Entãovocêestavaprestandoatenção?—Não comece, Sage—ele advertiu.—Wolfe émaluco, e você sabedisso.Mas
quando estava discorrendo suas palavras de sabedoria, elemencionou aquilo sobre nãodar informaçõespessoaisaestranhos,esobrecomoasvítimascostumamserescolhidasantesdaagressão.Lembra?—Sim,euestavalá—respondi.—Nãofaznemumahora.—Certo.Então.AqueleshomensqueatacaramvocêeSonyapareciamsaberqueela
era uma vampira… Do tipo errado, mas ainda assim. O simples fato de teremaparecido comumaespada significa que eles tinham feitoumapesquisa.Querdizer, épossível que eles a tenham visto na rua um dia, por acaso, e pensaram: “Ah, umavampira”.Mastalvezelesjáaestivessemseguindoporumtempo.Tenham visto na rua… Prendi a respiração enquanto mil peças se encaixavam na
minhacabeçadeumasóvez.—Adrian,vocêéumgênio.Elesesobressaltou.—Hein?Oquevocêdisse?— Uma semana antes do ataque, Sonya e eu saímos para buscar comida e
encontramos um cara aleatório que afirmou conhecê-la do Kentucky. Ela ficou beminquieta,porquedurante todoo tempoqueesteve láelaeraStrigoie,claro,não tinhamuitosamigoshumanos.Adrianlevoualgunsinstantesparadigerirahistória.
—Então…vocêquerdizerqueelesjáestavampesquisandoSonyahaviaumtempo.—Naverdade,foivocêquemdisseisso.— Certo. Porque eu sou um gênio. — O silêncio voltou a reinar enquanto
avaliávamosasimplicaçõesdasituaçãodeSonya.QuandoAdrianvoltouasepronunciar,seutomnãoeranadabrincalhão.—Sage…Ontemànoite,vocênãorespondeuminhamensagemsobrecaçadoresdevampiros.— Os alquimistas não têm registros sobre caçadores de vampiros modernos —
respondiautomaticamente.—Meupaimedisseumavezque,devezemquando,algunshumanosdescobremaverdade.Penseiqueoataquecontraelafossealgumacoisaassim,enãoumgrupoorganizadoouumaconspiração.— Existe a possibilidade remota de que, de algum jeito, em algum ponto, os
alquimistas deixaram passar alguma coisa? E o que você quer dizer exatamente por“moderno”?Ahistóriadosalquimistasestavaquasetãoincrustadaemmimquantoascrençasque
regiamnossosatos.— Há muito tempo, tipo, na Idade Média, quando os alquimistas estavam se
formando,muitas facções tinham ideias diferentes sobre como lidar comos vampiros.Nenhuma acreditava que os humanos deviam ter contato com eles. Os que, temposdepois,formarammeugrupoconcluíramqueamelhormaneiradelidarcomosMoroiera simplesmente mantê-los longe dos humanos. Mas havia outros que não gostavamdessaideia:elesachavamqueamelhormaneirademanteroshumanosemsegurançaeraerradicandoosvampiros,detodososmeiospossíveis.Mais uma vez estavame baseando em fatos,minha velha armadura. Se eu pudesse
encontrar alguma maneira racional de descartar a possibilidade de que um grupo decaçadoresdeMoroirealmenteexistisse,nãoprecisariareconhecerasimplicaçõesdisso.—Entãoeleseramcaçadoresdevampiros—Adrianressaltou.— Sim,mas eles fracassaram. Eram vampiros demais, contandoMoroi e Strigoi,
contraumgrupotãopequenocomoaquele.AchoqueosúltimosregistrosquetemossãodaRenascença.Oscaçadoresacabaramdesaparecendo.Atéeupodiaouvirainsegurançanaminhavoz.—Vocêdissequeaespadatinhasímbolosalquimistasnela.—Símbolosantigos.—Antigososuficienteparaseremdotempoemqueotalgrupodissidenteestavase
dissolvendo?—Sim—respondicomumsuspiro.—Osuficiente.Queriafecharosolhosemeafundarnoassento.Minhaarmaduracomeçavaarachar.
Aindanãotinhacertezaabsolutadequepodiaaceitara ideiadecaçadoresdevampiros,masnãopodiadescartaressapossibilidade.Pelocantodoolho,conseguiaverAdrianmeexaminando.—Porqueosuspiro?—Porqueeudeviaterligadoessascoisasantes.
Elepareciamuitosatisfeitoporeuterreconhecido.— Bem, mas você não acredita em caçadores de vampiros. É realmente difícil
acreditar que eles possam representar uma ameaça real quando se vive num mundobaseado em dados e fatos concretos, não é? E como eles poderiam ter passadodespercebidosporvocêsdurantetantotempo?DepoisqueAdrianmederaasemente,aideiajáestavagerminandonaminhacabeça.— Porque, se eles existirem, só estão matando Strigoi. Se algum grupo estivesse
acabandocomosMoroi,seupovojáterianotado.OsStrigoinãosãotãoorganizadose,mesmo se notassem, não reportariam esses assassinatos para nós de maneira alguma.Alémdisso,osStrigoivivemmorrendopelasmãosdeMoroiedampiros.Semaisalgunsaparecessemmortos, eles culpariam vocês… Isso se alguém descobrisse, porque bastadescartar o corpodeumStrigoi emplena luzdo sol queninguémnunca vai descobrirqueeleestevelá.Respirei aliviada com essa conclusão. Se esse grupo de pessoas realmente existisse,
elasnãoestavammatandoMoroi.Mesmoassim,caçarStrigoieraperigoso.Apenasosalquimistassabiamlidardireitocomadestruiçãodaquelesdemôniosemanterasmortesemsegredodamaioriadoshumanos.—Você poderia perguntar a outros alquimistas sobre os caçadores? —Adrian
indagou.—Não, não por enquanto. Consigo fuçar uns arquivos, mas nunca poderia trazer
issoà tonaoficialmente.Eles semanteriam firmesàmesma teoriadomeupai,dequefoi apenas um grupo aleatório de humanos esquisitos. E me dispensariam, rindo daminhacara.—Sabequemnãoiriarirdasuacara?—Clarence—dissemosaomesmotempo.—Taí uma conversa pela qual não estou ansiosa — eu disse, abatida. — Mas,
querendoounão,elerealmentepodesaberalgumacoisa.Eessaparanoiadelepodeserútil. Por exemplo, toda aquela segurança que ele quer instalar em casa. Se esse gruporealmentetiverenfiadonacabeçaqueprecisairatrásdeSonya,elapodeestarcorrendomuitomaisperigodoqueimaginávamos.—PrecisamosfalarcomBelikov.Eleémuitobomemprotegeraspessoas.Enãovai
dormirseoconvencermosdequeelaestáemperigo,oqueparecebemprováveldepoisdoataquecomaespada.Notei que, pela primeira vez, Adrian havia falado de Dimitri sem nenhuma
amargura.Naverdade,o elogio soava sincero.Ele realmente acreditavana capacidadedeDimitri.Noentanto,nãocomenteinadasobreisso.ParaAdriansuperaroódioquesentiaporDimitri,eleprecisariairaospoucosesemnenhumaajudaexterna.DeixeiAdriannacasadelecomplanosparaconversarmosdepois.Assimquecheguei
aAmberwood,a sra.Weathersmechamou. Oqueserádessavez?,pensei.Estavamepreparando para ouvir queAngeline tinha botado fogo em alguma coisa.Mas, em vezdisso,orostodasra.Weathersestavaplácidoeatéagradável,entãomeatreviaesperar
pelomelhor.—Chegouumacoisaparavocê,querida—eladisse.Dopequenogabineteatrásde
suamesa, ela retirou dois cabides com roupas envoltas num saco com zíper.—Umabaixinhaagitadadeixouissoaqui.—Lia— eu disse, pegando os cabides, curiosa para ver o que tinham dentro.—
Obrigada.Estavaprestesairemboraquandoasra.Weatherscontinuouafalar.—Maisumacoisa.Asra.Terwilligerdeixouistoparavocê.Tentei manter a expressão neutra. Já estava com tarefas da sra.Terwilliger até o
pescoço.Oqueseriadessavez?Asra.Weathersmeentregouumgrandeenvelope,dotamanhodeumlivro,emqueestavaescrito: Istonãofazpartedosestudos.Talvezvocênão odeie.Voltei a agradecer a sra.Weathers e segui meu caminho para o quarto.Depois de colocar os sacos com as roupas na cama sem abrir, rasguei o envelope deimediato.Algonobilhetedelameincomodara.Não fiquei surpresa ao ver que se tratava de outro livro de feitiços. O que me
surpreendeu foi o fato de aquele ser diferente dos outros livros que ela costumavamepassar para os estudos. Era recente, moderno. Não havia o nome da editora, entãoimaginei que fosse uma publicação independente, mas estava claro que tinha sidoimpressoeencadernadonosúltimosanos.Eraespantoso.Propositalmente,nuncahaviaperguntadoàsra.Terwilligersobreseusamigosbruxosousobreoestilodevidadeles,mas sempre supus que eles lessem aqueles velhos livros empoeirados que elame davaparatraduzirecopiar.Aideiadequepudessemestartrabalhandoporcontaprópriaemlivrosnovoseatualizadosnuncahaviamepassadopelacabeça—emboradevesse.Contudo, não tive tempo para me culpar, não depois de ver o título do livro: A
adagainvisível:Feitiçospráticosdeataqueedefesa. Aofolheá-lo,viqueosfeitiçoseramexatamentecomootítulosugeria,masescritosemumestilomaismodernodoqueeuestavaacostumada.Haviareferênciasàsorigensdecadaum,quevariavammuito,massua eficácia dos feitiços era sempre a mesma. Todos podiam ser lançados empouquíssimo tempo, ou então poderiam ser feitos previamente e produziriam efeitosdestrutivosimediatos,comooamuletodefogo.Eraexatamenteotipodefeitiçosobreoqualeutinhaperguntadoàsra.Terwilliger.Furiosa,enfieiolivrodevoltanoenvelope.Queaudáciaadelatentarmeatrairdesse
jeito! Será que ela achava que aquilo compensaria tudo o que me fez passar?A sra.Weathersaindadeviaestar láembaixo,eeuestavaquasedecididaadeixarolivrocomela dizendo que me enviaram por engano. Ou eu poderia simplesmente deixar naescrivaninha da sra.Terwilliger logo na manhã seguinte. Desejei nem ter aberto oenvelope.Devolvê-lo à remetente fechado teria sidouma reafirmaçãopoderosa de queelanãomeconvenceriaaentraremnenhumgrupodemagia sóporqueencontraraumtópicodomeuinteresse.Noentanto,asra.Weatherssabiadaminhaligaçãocomasra.Terwilligere,casoeu
tentassedevolvê-loaindanaquelanoite,elasimplesmentediriaparaeuentregá-loàsra.
Terwilliger na manhã seguinte. Então eu teria de ficar com aquilo até de manhã dequalquer jeito.Meconsoleipegandouma fitaadesiva.Afinal, senão tinhacomovoltaratrásenãoabriroenvelope,pelomenoshaviaalgopsicologicamentereconfortanteemlacrá-lonovamente.Porém,quandocomeceiadesenrolara fita,minhamenteme levoudevoltaànoite
com Adrian e Wolfe. Wolfe havia me acalmado um pouco com seus lembretesconstantesdeque,emsuamaioria,osataqueseramfortuitosecausadospordescuidosdavítima.Saberdaquiloeaprenderaquedeveriameatentarmefizerasentirnocontroleda situação. Ele havia mencionado alguns ataques de caráter mais premeditado oupessoal, mas esses obviamente não eram seu foco. Entretanto, eles me lembraram daconversacomAdrian.EseashistóriasdeClarencefossemverdadeiras?Eseoscaçadoresde vampiros realmente existissem? Sabíamosqueo ataque contra Sonyanão tinha sidoporacaso,masseelarealmenteestavalidandocomumafacçãoqueexistiadesdeaIdadeMédia… então meus temores e os deAdrian estavam certos. Eles iriam atrás delanovamente, e não se deteriam mesmo que evitássemos estacionamentos escuros eisoladosoucaminhássemoscomconfiança.Olheiparaoenvelopeedecidiqueeramelhornãolacrarporenquanto.
13
NODIADAFESTA, considerei seriamentevoltarà lojade fantasiasecompraraquelevestidobrancoinflamável.OvestidodaLiaera…umpoucoalémdoqueeuesperava.Ela tinha feito um trabalho aceitável copiando o estilo da túnica usada na Grécia
antiga,issoeuadmiti.Ovestidonãotinhamangaseerapresoporalfinetesnosombros,formandoumdecotedrapeadomaiordoqueoqueeuconsideravaconfortável.Ovestidoia até o chão, e eu não sabia como ela tinha acertado minha altura com tamanhaperfeiçãosemmemedir.Masassemelhançashistóricasacabavamporaí.Omaterialeraumaespéciedeseda,umtecidolevequefluíaemvoltademim,ressaltandomaisminhasilhuetadoqueseesperariadeumvestidocomoaquele.Qualquerquefosseomaterial,nãoeranadaqueosgregosteriamproduzido,eera…vermelho.Nem conseguia lembrar a última vez que vestira alguma peça vermelha.Talvez
quandocriança.Claro,algumasvariaçõesdouniformedeAmberwoodtinhamdetalhesemvinho,masnumtomsuave.Aquiloeradeumescarlatevivoeflamejante.Eununcausava cores tão intensas. Não gostava de chamar atenção. Para reforçar, ela tinhaacrescentadováriosdetalhesemdourado.Umfiodouradodançavaao longodasbordasdo vestido, reluzindo sob a luz. O cinto também era dourado, mas bem diferentedaqueledeplásticovagabundodafantasia.Osalfinetesqueseguravamovestidoeramdeouro (ou,pelomenos,de algummetalde altaqualidadequeparecia comouro), assimcomo os acessórios que ela tinha mandado: um colar e brincos feitos de pequenasmoedas.Eatéumapresilhadouradacravejadadecristaisvermelhos.Experimentei o vestido no dormitório e fitei no espelho a criatura vermelha e
cintilantequeeuhaviametornado.—Não—eudisseemvozalta.Alguémbateuàportaefizumacareta.Levariaumaeternidadeparatrocarovestido,
então não tive escolha senão atender usando a fantasia. Felizmente, era Jill. Ela estava
abrindoabocaparafalaralgumacoisamas,aomever,ficouparadaemsilêncio.—Eusei—eudisse.—Éridículo.Elaserecuperoudepoisdealgunsinstanteserespondeu:—Não…não!Émaravilhoso.Ai,meuDeus.Fizcomqueelaentrasse rápidonoquartoantesquealgumacolegapudessemever.
Ela também estava vestida para a festa, numa roupa azul-clara de fada, feita de umtecidolevequecaíaperfeitamenteemsuasilhuetaesguiadeMoroi.— É vermelho— eu disse. Caso não estivesse óbvio, acrescentei:— Nunca uso
vermelho.—Eu sei— ela disse, de olhos arregalados.—Mas deveria. Fica lindo em você.
Vocêdeviaqueimartodasassuasroupascinzaemarrons.—Nãopossousar isso—respondi,abanandoacabeça.—Sesairmosagora,ainda
dátempodeirmosàlojadefantasiasparacompraroutracoisa.Jilldeixouaperplexidadede ladoeassumiuumaexpressãodecididaeobstinadaque
pareciaumpoucoexageradaparaasituação.—Não.De jeitonenhum.Vocêprecisausar isso. Seunamoradovai ficar louco.E
precisa pôr umpouco demaquiagem também.Eu sei, eu sei.Você não gosta de nadamuito exagerado,mas só umdelineadormais escuro e um batonzinho. Precisa ficar àalturadaintensidadedovestido.—Viu?Estacorjáestácausandoproblemas.Elanãoiadesistir.—Vailevarsóumminuto.Eétodootempoquetemos.Senãosairmoslogo,você
vaiseatrasar.Seunamoradoestásempreadiantado,nãoé?Nãorespondinahora.Masela tinharazão.Braydenestava sempre adiantadoe,por
mais que aquela fantasia me angustiasse, não podia suportar a ideia de deixá-loesperando,aindamaisporqueelenãopoderiaentrarnafestasemestaracompanhadoporumaestudantedeAmberwood.—Tudobem—assenti,comumsuspiro.—Vamos.Jillsorriu,triunfante.—Mas,primeiro,amaquiagem.Aquiesci e,noúltimominuto, coloqueiminhacruznopescoço,quenãocombinava
emnadacomotemadafantasiaefoiinstantaneamenteescondidapelajoiadouradamaischamativa,masmefezsentirmelhor.Eraumtoquedenormalidade.Quando finalmente saímos, encontramos Eddie esperando por nós no saguão. Ele
estava usando roupas normais e seuúnico adereçodeDia dasBruxas era umamáscaraque lembravaO fantasma da ópera. Fiquei tentada a perguntar se ele tinhamais umadaquelasparaeupodermetrocarrápidoesimplesmenteirdemáscara.Ele pulou da cadeira, com o olhar embevecido ao ver Jill em sua glória celestial
azulada. Sinceramente, como ninguém conseguia ver o quanto ele era apaixonado porela? Era dolorosamente óbvio. Ele a bebia com o olhar, como se estivesse prestes adesmaiaralimesmo.Então,voltou-separamimeesfregouosolhos.Suaexpressãoera
maisestupefataqueapaixonada.— Eu sei, eu sei.— Já pude notar um padrão se formando naquela noite.— É
vermelho.Nuncausovermelho.—Mas deveria— ele disse, repetindo as palavras de Jill. Ele alternou o olhar de
mimparaelaeentãochacoalhouacabeça.—Éumapenaquesomos“parentes”.Senãotirariavocêsparadançar.Mas,comoaminhaprimajáquersaircomigo,achomelhornãoprovocarmosmaisboatos.—CoitadadaAngeline—Jilldisse,nocaminhoparaocarro.—Elaqueria tanto
ir.—Émelhorassim.Alguémdaadministraçãodaescolapoderiavê-la—eudisse.EddieparouaochegarmosaoPingado.—Possodirigir?Sintoqueeupreciso serochoferhoje.Vocêsparecemdarealeza.
—ElesorriuparaJill.—Querdizer,você sempreédarealeza.—Emseguida,abriuumadasportas traseirasechegoua fazerumareverência.—Depoisdevocê,milady.Estouaquiparaservi-la.OpráticoeestoicoEddieraramentebrincavaassimepudeverqueissopegouJillde
surpresa.—O…obrigada—eladisse,entrandonocarro.Eleaajudouacolocaracaudadovestidoparadentroeelaoobservoudeslumbrada,
como se nunca tivesse prestado atenção nele antes.Depois disso, não tive como negarseupedidoelheentregueiaschaves.AfestadeDiadasBruxasacontecerianumsalãomuitobonitoaoladodeumjardim
botânico. Eu e Eddie tínhamos dado uma checada no lugar antes para verificar se eraseguro.Micah encontraria Jill lá,mas pormotivos diferentes dos de Brayden.Ônibussupervisionados estavam levando a maioria dos estudantes da escola para a festa.Estudantesmaisvelhos,comoeueEddie,tinhampermissãodeircomseuprópriocarroe de levar seus parentes, como Jill.Tecnicamente, ninguém ficaria sabendo se ele alevasseparacasamaistarde,mas,porenquanto,elasópodiasairdocampusdecaronacomafamília.—Esperoestarprontaparaisso—murmurei,aopararmosnoestacionamento.O vestido havia me incomodado tanto que não tivera tempo de pensar na minha
outrapreocupação:a festa.Todasasminhas inseguranças sociaisvieramà tona.Oqueeuiriafazer?Oqueeranormalali?Nãohaviatidocoragemdeperguntaranenhumdosmeusamigos.—Vaificartudobem—Eddiedisse.—SeunamoradoeMicahvãoficardequeixo
caído.—Estaéaterceiravezqueouço“seunamorado”—resmunguei,tirandoocintode
segurança. — O que está acontecendo? Por que ninguém consegue falar o nome doBrayden?Nenhumdosdoisrespondeuimediatamente.Porfim,Jilldisse,inocente:—Porqueagentenuncalembraonomedele.
—Ah,vai!EsperavaissodeAdrian,masnãodevocês.Nãoéumnometãoestranhoassim.—Não—Eddie admitiu.—Mas algumacoisaneleé tão…Não seidizer.Pouco
memorável. Fico contenteque ele faça você feliz,masnão consigoprestar atenção emnadaqueelefala.—Nãoacreditonisso—eudisse.Brayden estava nos esperando na porta, semdúvida havia pelomenos dezminutos.
Senti um frio na barriga quando ele me olhou de cima a baixo. Não fez nenhumcomentário,masseusolhossearregalaramumpouco.Aquiloerabomouruim?Mostreiminhacarteiradeestudanteparaquepudéssemosentrar, e Jill quase imediatamente sejuntou aMicah.Obreve acesso românticodeEddiedesapareceu conformeele assumiasuaposturaprofissional.Umaexpressãomomentâneadesofrimentoperpassouseurosto,desaparecendo tão rapidamente quanto surgiu. Toquei no braço dele e perguntei,baixinho:—Vocêvaificarbem?—Vou,sim—elerespondeu,comumsorriso.—Divirta-se.Ele se afastou, desaparecendo na multidão de alunos, me deixando sozinha com
Brayden. O silêncio caiu entre nós, o que não era raro. Às vezes levávamos algunsminutosparanosaquecermoseaconversafluir.— Então — ele disse, avançando mais pelo salão —, vocês têm um DJ. Estava
curiosoparasaberseseriaDJoubanda.—A escola acabou de ter uma experiência bem ruim com uma banda— disse,
pensandoemAngeline.Brayden não pediu detalhes; em vez disso, ficou observando a decoração.Teias de
aranha falsas e luzes pisca-pisca cobriam o teto. Esqueletos e bruxas de papel estavamdependuradosnaparede.Emumamesaaolonge,algunsalunosseserviamdoponcheemumimensocaldeirãodeplástico.— Incrível, né? — Brayden disse. — Como uma festa pagã celta se tornou um
eventotãocomercial.Assenti.—Eumeventocompletamentelaico.Querdizer,tirandoastentativasdemisturar
comoDiadeTodososSantos.Elesorriu.Sorridevolta.Estávamossegurosemterritórioacadêmicoconhecido.—Querexperimentaroponche?—perguntei.Umamúsicaagitadaestava tocandoemuitaspessoas seencaminhavamparaapista.
Esse tipodemúsicanão faziamuitomeuestilo.Nãosabia seBraydengostava,e temiaqueelequisessesejuntaraosoutros.—Claro—eledisse,parecendoaliviadoporteroquefazer.Algomediziaqueele
tinhaidoatantasfestasquantoeu,ouseja,nenhuma.O ponche nos deu a chance de discutir a diferença entre açúcares e adoçantes
artificiais, mas eu não estava muito concentrada na conversa porque outra coisa me
incomodava. Brayden não havia dito uma palavra sobre meu vestido, e isso meangustiava.Seráqueeleestavatãoemchoquequantoeu?Seráqueestavaescondendosuaopinião?Eunãotinhaodireitodeesperarumelogioseeumesmanãofizesseum,entãodecidimearriscar.—Suafantasiaéótima—comentei.—Édeumacompanhiadeteatro,né?—Sim.—Eleolhouparaatúnicaealisouasdobras.—Nãoécompletamentefiel,
claro,masserve.Atúnicaiaatéosjoelhoseerapresaporumalfineteemumdosombros.Erafeitade
uma lã cor de creme, muito leve. Sobre a túnica usava uma capa de lã tingida demarrom-escuro, fiel àépoca.Mesmocomacapa,boapartedosbraçosedopeitodeleficavaexposta,mostrandoumcorpodequempraticavacorrida, levementemusculoso.Sempre o achei fofo, mas até aquele momento nunca havia pensado nele como sexy.Esperavaqueaquilodesencadeassealgumsentimentomaisforteemmim,masnãofoiocaso.Eleestavaesperandoqueeudissessealgumacoisa.—Aminhatambémnãoétotalmente…fiel.Braydenexaminouovestidovermelhodemaneirainexpressiva.— Não— ele concordou.— Não mesmo. Quer dizer, o corte não é assim tão
diferente,acho.—Eleficoupensandopormaisalgunsinstantes.—Mesmoassim,achoqueficamuitobonitoemvocê.Relaxei um pouco.Vindo dele, “muito bonito” era um grande elogio.Apesar de
geralmente ser muito eloquente em quase todos os outros assuntos, ele economizavapalavrasemquestõessentimentais.Eunãodeveriateresperadoalgoalémdeumameraconstataçãodosfatos,entãoaquiloeragrandecoisa.—Uau,Melbourne.Ondevocêseescondeuessetempotodo?—Treycaminhouaté
nósecomeçouaencherseucopocomumadosegenerosadoponcheverdefluorescente.—Vocêparecedurona.Egostosa.—Ele lançouumolhardedesculpasparaBrayden.—Nãomeentendamal.Sóestoujogandoareal.—Entendi—Braydendisse.Mal pude conter o riso.Trey vinha se comportando de umamaneira estranha nos
últimosdiaseerabomvê-lodevoltaaonormal.ElemelançoumaisumolhardeadmiraçãoeentãovirouparaBrayden.— Ei, saca só. Nós dois viemos de toga.Toca aqui, romano! — ele exclamou,
levantandoamão,masBraydenodeixounovácuo.—Este é umquitão grego—Brayden explicou, paciente. Ele examinou a toga de
Trey,quepareciatersidofeitaemcasacomumlençol.—Issodaí,hum,não.—Gregos,romanos—Treydeudeombros.—Qualadiferença?Brayden abriu a boca e eu sabia que ele estava prestes a explicar exatamente a
diferença.Meapresseiementrarnaconversa.— Fica bem em você— eu disse aTrey.— Parece que todas aquelas horas de
treinamentoestãodandoresultado…efinalmentepossoveratatuagem.
A túnica deTrey também era amarrada num dos ombros, mostrando parte dascostas.Trey,assimcomometadedaescola,tinhaumatatuagem.Mas,aocontráriodoresto, a dele não era umadas tatuagens sombrias e anabolizantes feitas com sangue devampiroquehaviamtomadocontadocorpoestudantil.AdeTreyeraumsolcomraiosmuito estilizados, feita com tinta comum de tatuagem azul-escura. Eddie havia mefaladodela,maseununcaaviraantes,jáqueTreynãoficavasemcamisapertodemim.PartedoentusiasmodeTreydiminuiueele sevirouumpouco,mantendoascostas
longedasnossasvistas.—Ébemsuavecomparadacomasua.Ébomvê-ladenovo,aliás.Distraída, toquei a bochecha. Costumava cobrir o lírio dourado commaquiagem,
mas imaginei que, ali no baile, poderia dizer que fazia parte da fantasia caso algumprofessorperguntasse.OutramúsicaagitadacomeçouatocareTreyabriuumsorriso.—Horadeexibirmeuspassosnapista.Vocêsvêm?Ouvãoficarvigiandooponche
anoitetoda?— Não costumo dançar essas músicas — Brayden disse, fazendo-me relaxar,
aliviada.—Eutambémnão—concordei.—Nossa,quesurpresa—Treyironizou,comumsorrisoconformadoantesdesair.No fim das contas, Brayden e eu passamos boa parte da noite perto do ponche,
continuando nossa discussão sobre as origens doDia das Bruxas e a sujeição imposta atantasoutrasfestaspagãs.Algunsamigospassavamdevezemquando,eKristineJuliaem particular não conseguiam parar de elogiar meu vestido. De quando em quando,avistava Eddie patrulhando a multidão, silencioso e discreto. Talvez devesse ter sefantasiadodefantasma.Quasetodootempo,eleestavaondepodiaverJilleMicah,masfocar-senafunçãodeguardiãopareceuevitarqueelesofressetanto.Brayden e eu paramos de falar quando finalmente tocaram uma música lenta.
Trocamosalgunsolharestensos,sabendooqueestavaporvir.—Certo—eledisse.—Nãopodemosevitarissoprasempre.Quase caí numa gargalhada, que Brayden respondeu com um sorriso tímido. Ele
tambémtinhaplenaconsciênciadanossainaptidãosocial.Poralgummotivo,aquiloerareconfortante.—Éagoraoununca—concordei.Fomosparaapistadedança,juntoaoutroscasaisabraçados.Chamaroqueamaioria
deles faziade“dança”eraumpoucoforçado.Amaioriaapenasbalançava,comocorpoduro,deumladoparaooutro,dandoumasvoltinhaspelosalão.Outrossimplesmenteaproveitavam a oportunidade para se agarrar e dar uns amassos. Os monitores eramrápidosemsepará-los.SegureiumadasmãosdeBraydeneelepousouaoutranomeuquadril.Comexceção
dobeijo,aqueleprovavelmenteeraocontatomaisíntimoquehavíamostidoatéentão.Poucoscentímetrosnosdistanciavam,eeunãopudedeixardemesentiroprimidacoma
redução dos limites do meu espaço pessoal. Precisei me lembrar de que gostava deBraydeneconfiavanele,edequenãohavianadadeestranhonaquilo.Comosempre,nãome sentia cercada por corações ou arco-íris, mas também não me sentia ameaçada.Tentandonãopensaremnossaproximidade,presteiatençãonamúsicaeimediatamenteentendiacontagemdospassos.Cercadeumminutodepois,Braydenpercebeuoqueeuestavafazendo.—Você…vocêsabedançar—eledisse,abismado.—Claro—respondi,levantandoosolhos.Nãoestavaexatamentedeslizandonuma
grande valsa pelo salão, mas todos os meus movimentos eram sincronizados com asbatidas damúsica.Não concebia outramaneira de dançar. Brayden, por sua vez, nãodiferia muito dos movimentos rígidos da maioria dos casais. — Não é difícil —acrescentei.—Éumpoucomatemático.Depoisquecoloqueinesses termos,Braydenentrounoclima.Eleaprendeurápidoe
passouacontarasbatidascomigo.Logopareciaquetínhamosfeitoaulasdedançaavidatoda.Maissurpreendenteaindafoiquando,aoolharparaele,esperandovê-locontando,concentrado,vique,naverdade,eleestavacomumaexpressãoterna…carinhosa,até.Envergonhada,desvieioolhar.Por incrível que pareça, ele ainda exalava aquele cheiro de café, mesmo sem ter
trabalhadonaqueledia. Supusquenenhumbanho fosse suficientepara se livrardaquelearoma.Noentanto,pormaisqueadorasse eaudecafé,mepegueipensandonocheirodacolôniadeAdrianduranteaauladeWolfe.Quandoapróximamúsicaagitadacomeçou,Braydeneeuparamosumpouco,eele
saiu para falar comoDJ.Quandovoltou, recusou-se a explicar a conversamisteriosa,mas parecia extremamente satisfeito consigo mesmo. Uma música lenta tocou emseguidaevoltamosparaapista.E,novamente,nossaconversasilenciou.Bastavadançarporumtempo. Éassimque
se leva uma vida comum , pensei. É isso que as pessoas da minha idade fazem. Semgrandesmaquinaçõesouembatesentreobemeo…—Sydney?Jillestavaatrásdemim,comorostoapreensivo.Meusalarmesinternosdispararam
de imediato, tentando adivinhar o que a fizera sair tão rapidamente daquela atitudealegreedespreocupadadeantes.—Oquehouve?—perguntei.Minha primeira reação foi temer queAdrian não estivesse bem e que ela sentira
alguma coisa através do laço.Tentei afastar essa ideia. Precisava me preocupar comMoroiassassinos,nãocomobem-estardele.Jill não disse nada; em vez disso, apenas apontou com a cabeça para a mesa do
ponche,quasenomesmolocalemqueeueBraydenestávamoshaviapoucotempo.Treytinhavoltadoparalá,econversavaalegrementecomumameninademáscaraveneziana.Eraumamáscara azulmuitobonita, decorada com folhas e floresprateadas, que eu jáviraemalgumlugar.JilltinhausadoumaigualnodesfiledeLia,quelhederaamáscara
de presente.Também já tinha visto a roupa da menina mascarada— uma camisetaamarrotadaeumshortjeansrasgado…— Ah, não — eu disse, reconhecendo o longo cabelo loiro-avermelhado. —
Angeline. Como ela conseguiu entrar aqui? Bem, não importa. — Havia inúmeraspessoascomquemelapoderiaentrardespercebida.Eosmonitoresprovavelmentenemateriamnotadonoônibus de excursão.—Precisamos tirá-la daqui. Se a pegarem, vãoexpulsá-la,semdúvida.—Amáscara consegue esconder o rosto dela— Jill apontou.—Talvez ninguém
note.—Asra.Weathersvainotar—retruquei,suspirando.—Aquelamulhertemum
sextosentidopra…Ai.Tardedemais.A sra.Weathers monitorava o outro lado do salão, mas seus olhos de águia não
deixavamescaparnada.Dooutroladodatumultuadapistadedança,avistei-aseguindoemdireçãoaoponche.NãoachavaquejátivessereconhecidoAngeline,massuasuspeitasemdúvidaestavacrescendo.—Qualéoproblema?—Braydenperguntou,alternandooolharentremimeJill,
ambas,semdúvida,comamesmaexpressãoapreensiva.—Nossaprimaestáprestesaentrarnumagrandeenrascada—respondi.—Precisamosfazeralgumacoisa—Jilldisse,comosolhosinquietosearregalados.
—Precisamostirá-ladaqui.—Como?—exclamei.A sra.Weathers chegou à mesa de bebidas no mesmo instante em queTrey e
Angelinesaíramemdireçãoàpistadedança.Elaestavacomeçandoasegui-los,masnãofoimuitolonge…porqueocaldeirãodeponcheexplodiuderepente.Bem, não o caldeirão em si. O ponche dentro dele explodiu, espalhando-se numa
chuvaespetaculardelíquidoverde-claro.Váriaspessoasqueestavamporpertogritaramquandoosrespingoscaíramsobreelas,masfoiasra.Weathersquemlevouapior.Braydenrecuperouofôlegoedisse:—Comoéqueissofoiacontecer?Deveter…Sydney?Eutinhadadoumgritoeumpuloparatrás,sabendoexatamenteoquehaviafeitoo
caldeirão explodir. Brayden imaginou que minha reação fosse por medo de memachucar.—Estátudobem—eledisse.—Estamosmuitolongeparaquealgumcacochegue
atéaqui.Namesmahora,olheiparaJill,quedeudeombros levemente,comosedissesse: O
quemaiseupoderiafazer?MinhareaçãonormalàmagiaMoroieraderepulsaemedo.Naquelanoite,porém,choqueeconsternaçãosejuntaramaisso.Nãopodíamosatrairaatençãopara nós.Tudobemqueninguém sabia oupoderia imaginar que Jill usara suamagiadeáguaparacriaradistraçãodoponche,masissonãoimportava.Nãoqueriaquenenhumanotícia sobre fenômenosestranhosou inexplicáveisvazassemdeAmberwood.Precisávamospermanecerforadoradar.
—Vocêsestãobem?—Eddieapareceraaonossolado…oumelhor,aoladodeJill.—Oqueaconteceu?Ele sequer olhava para o ponche. Sua atenção estava totalmente voltada para Jill e,
comodaoutravez,elarealmentepareceunotar.QuemrespondeufoiBrayden,comosolhosacesospelacuriosidadeintelectualenquantoobservavaosprofessorescorrendoparatentarlimparabagunça.—Algumtipodereaçãoquímica,eudiria.Podesertãosimplesquantorefrigerante
quente.Oualgumtipodedispositivomecânico,talvez?—Alguémarmouumapegadinha—eudisse,comumolharincisivoparaEddie.—
Qualquerumpodeterfeitoisso.EddieolhouparamimeentãoparaJill.Acenoulentamentecomacabeça.—Entendi.Melhortirarvocêdaqui—eledisseaJill.—Nuncasesabeoque…—Não,não—intervi.—TireAngelinedaqui.—Angeline?—OrostodoEddiepareciaincrédulo.—Mascomo…?Apontei para onde ela estava comTrey na pista de dança.Assim como muitos
outros,elesolhavamassombradosparaoresultadodaexplosãodoponche.— Não sei como ela conseguiu chegar aqui — eu disse —, mas isso não tem
importânciaagora.Elaprecisair.Asra.Weathersquaseapegou.UmbrilhodecompreensãoperpassouosolhosdeEddie.—Masoponcheadistraiu?—Exatamente.Suaatençãovoltou-separaJilleelesorriu.—Bematempo.Elaretribuiuosorriso.—Achoquetivemossortedestavez.Seusolharesseentrelaçaram,equasesentiremorsoaointerromper.—Vá—eudisseaEddie.—LeveAngeline.EledeuumaúltimaolhadaemJilleemseguidapartiuparaaação.Nãopudeouvira
conversaentreele,TreyeAngeline,maspelaexpressãoemseurostoelenãoaceitarianenhumargumento.PudeverqueTreycedeuàautoridadefamiliare,depoisdediscutirmais um pouco,Angeline acabou cedendo também. Rapidamente, Eddie a levou paraforae,paraomeualívio,nemasra.Weathersnemninguémpareceunotar.—Jill—eudisse.—TalvezsejamelhorvocêeMicahirememboralogotambém.
Nãoprecisaserjá…masquantoantes,melhor.Jillassentiu,chateada.—Euentendo.Mesmo que ninguém pudesse associar aquilo a Jill, seria melhor ela não estar por
perto.Algumas pessoas já se agrupavamem torno damesa, tentando, comoBrayden,entender o que poderia ter causado aquele estranho fenômeno. Ela desapareceu namultidão.Porfim,Braydendesviouosolhosdaconfusão.Eleestavaprestesamedizeralgo,quandoderepentevoltouacabeçaparaoDJ.
—Ah,não—eledisse,pesaroso.— Quê?— perguntei, preparando-me para ver o equipamento do DJ caindo em
cimadealguémoualgumacaixadesompegandofogo.—Estamúsica.Eupedipravocê…masjáestáquaseterminando.Inclineiacabeçaparaouvir.Nãoconheciaamúsica,maseralentaeromântica,eme
fez sentir… bem, um pouco culpada. Quando finalmente Brayden fazia um gestosentimental, ele acabava arruinado pelas loucuras da minha “família”. Segurei a mãodele.—Masaindanãoterminou.Vem.Conseguimos dançar ao som do último minuto da música, mas Brayden ficou
visivelmentedesapontado.Queriacompensá-loe,apesardetudooquehaviaacontecido,viveraexperiênciadeumafestanormaldeescola.—Anoiteéumacriança—provoquei.—Voupedirumaparavocêtambém,eaí
vocêpodetentaradivinharqualéquandotocar.Comoeunãocostumavaouvirrádio,imagineiquenãoseriamuitodifíciladivinhar.
Fiz o pedido e então continuei a dançar outramúsica lenta com ele.Ainda estava umpouco preocupada com o que havia acontecido, mas repeti a mim mesma que agoraestavatudobem.Jilltinhaidoembora.EddietinhatomadocontadeAngeline.Tudoqueeuqueriaerarelaxare…Nomeiodadança, fuipegadesurpresaporumavibração.Estavausandoumabolsa
vermelha,perdidanasdobrasdomeuvestido,masosomdemensagemdomeucelularera inconfundível. Pedi desculpas a Brayden e parei de dançar para verificar. Era deAdrian:Agenteprecisaconversar.Ótimo, pensei, sentindo o coração afundar. Será que esta noite pode virar um
desastreaindapior?Respondi:Estouocupada.Arespostadele:Vaiserrápido.Tôpertodaí.Umasensaçãodepavortomoucontademim:Perto,onde?Arespostafoiquasetãoruimquantoeuesperava:Noestacionamento.
14
—AI,DEUS—exclamei.—Quefoi?—Braydenperguntou.—Estátudobem?—Nãoseidizer.—Coloqueiocelulardevoltanabolsa.—Detestofazerisso,mas
precisoresolverumacoisaláfora.Voltoomaisrápidopossível.—Querqueeuvácomvocê?Hesitei.—Não, tudobem.—Não fazia ideiadoquemeesperava lá fora.Eramelhornão
exporBraydenaisso.—Vaiserrápido.— Sydney, espere — Brayden disse, segurando meu braço. — Esta… esta é a
músicaquevocêpediu,nãoé?—Aquevínhamosdançandotinhaterminadoeumanovacomeçavaatocar…ou,melhordizendo,umavelha,detrintaanosantes.Suspirei.—Sim,éela.Vaiserrápido,prometo.Atemperaturadoladodeforaestavaagradável—quente,masnãodemais.Tinham
ditoquechoveriaumpouco.Enquantoseguiaparaoestacionamento,algumasdasliçõesdeWolfeme vieram àmente. Examine os arredores.Cuidado compessoas à espreitaatrásdoscarros.Fiquenaluz.Procure…—Adrian!Todosmeuspensamentosracionaisdesapareceram.Adrianestavadeitadoemcimado
meucarro.CorriparaoPingadoomaisrápidoquepudecomaquelevestido.—Oquevocêestáfazendo?—perguntei.—Saiajádaí!Automaticamente,procureiporalgumamassadoouarranhão.Comosenãobastasse,
Adrianestavafumandodeitadonocapô,olhandoparaocéu.Erapossívelentreverumameia-luaentreasnuvensquesemoviam.— Relaxa, Sage. Não deixei nenhum arranhão. Sinceramente, este carro é
surpreendentementeconfortávelparaumcarrodefamília.Esperava…Elevirouacabeçaparamimeficouparalisado.Nuncaotinhavistotãoimóvel…ou
tãosilencioso.Ochoquefoitãograndeeintensoqueelechegouaderrubarocigarro.—Ahh—gritei,pulandoparaafrente,tentandoevitarqueocarrofossequeimado
pelo cigarro. Ele acabou caindo, inofensivo, no asfalto, e o apaguei depressa com ocalcanhar.—Pelaúltimavez,dáprasairdaí?Adrian se sentou lentamente, com os olhos arregalados. Saiu do capô sem deixar
nenhumamarcaaparente.Obviamente,seriaprecisoconfirmardepois.—Sage—eledisse—,quevestidoéesse?Suspireieabaixeiosolhos.—Eusei.Évermelho.Nemcomeça.Estoucansadadeouvirisso.—Engraçado—eledisse.—Achoquenuncavoucansardeficarolhando.Issome pegou de surpresa e senti uma onda de calor.O que ele queria dizer com
aquilo?Seráqueeuestava tãobizarraqueelenãoconseguiaparardeolharparaaqueleespetáculoesdrúxulo?Ele…Elenãopodiaestardizendoqueeuestavabonita…Logorecupereiacompostura, lembrandoqueprecisavapensarnogarotoqueestava
ládentro,enãonoqueestavaalifora.—Adrian, estou nomeio de um encontro. Por que você está aqui? E em cima do
meucarro?—Desculpe interromper, Sage. Não estaria no seu carro se tivessemme deixado
entrarnafesta—eledisse.Partedo seu espanto anterior esmaeceu e ele relaxou, assumindoumaposturamais
típicadele,recostando-senoPingado.Pelomenoseleestavaempé,entãohaviamenoschancedecausardanoaocarro.—Poisé.Elesnãocostumamdeixarcarasdevinteepoucosanosentrarememfestas
doensinomédio.Oquevocêquer?—Conversarcomvocê.Espereiqueelecontinuasse,masaúnicareaçãoquerecebi foiumrápidorelâmpago
atravessandoocéu.Erasábadoeeuhaviapassadoodiainteironocampus.Elepodiaterligadofacilmenteduranteesseperíodo.Elesabiaqueeuiriaàfestanaquelanoite.Então,aosentirocheirodeálcoolqueeleexalava,percebiquenadaqueelefizessenaquelanoitedeveriamesurpreender.—Porquenãoesperouatéamanhã?—perguntei.—Vocêrealmentetinhaquevir
atéaquihojee…—Franziatestaeolheiaoredor.—Comovocêconseguiuchegaratéaqui?—Pegueioônibus—respondeu,quasecomorgulho.—Foimuitomaisfácildoque
chegarnaCarlton.—AFaculdadeCarltoneraondeeleestudavaartee,semumcarropróprio,eledependiabastantedotransportepúblico,oqueeranovidadeparaele.MinhaesperançaeraqueSonyaouDimitriotivessemlevadoatélá,oquesignificaria
que poderiam levá-lo de volta.Mas é claro que isso não iria acontecer.NenhumdelesterialevadoumAdrianbêbadoatélá.
—Entãoachoqueprecisolevarvocêpracasa—eudisse.—Ei,euchegueiaquisozinho.Entãoconsigoiremborasozinho.Elecomeçouapegaroutrocigarro,aoqueeuadverti,rígida:—Nempensenisso.—Ele deudeombros e guardouomaço.—Epreciso levar
vocêparacasa,sim.Vaidesabarumtemporaldaquiapouco.Nãovoufazervocêandarnachuva.Outroraioenfatizouminhaspalavras,eumalevebrisaagitouotecidodovestido.—Ei—eledisse.—Nãoqueroserumestorv…—Sydney?—Braydenestavaatravessandoestacionamento.—Estátudobem?Não,nãomesmo.—Vou ter que sair um pouquinho— respondi.— Preciso levarmeu irmão pra
casa.Tudobemsevocêmeesperar?Nãodevodemorarmuito.—Sóde sugerir isso,me senti mal. Brayden não conhecia quase ninguém da minha escola.—Você podeencontraroTrey,talvez?—Claro—Braydendisse,hesitante.—Oupossoircomvocê.—Não—respondirápido,semquererqueeleentrassenomesmocarroqueAdrian
bêbado.—Volteesedivirta.—Belatoga—AdriandisseaBrayden.—Éumquitão—Braydenrespondeu.—Grego.—Certo.Esqueciqueéotemadanoite.—AdrianexaminouBrayden,olhoupara
mimedepoisdevoltaparaBrayden.—Então,oquevocêachadaroupadanossagarotahoje?Demais,não?PareceaCinderela.OuumaCinderelagrega,talvez.— Não tem nada de grego de verdade nessa roupa— Brayden disse. Pestanejei.
Sabiaqueelenãoqueriaserinsensível,massuaspalavrasmemachucaramumpouco.—O vestido é historicamente impreciso. Quer dizer, é bonito, mas as joias sãoanacrônicas,eotecidonãoénenhumqueasmulheresgregasteriam.Muitomenosdessacor.— E que tal aquelas outras mulheres gregas? — Adrian perguntou. — As
inteligentes e espalhafatosas. — Franziu a testa, como se estivesse usando cadacentímetro do cérebro para encontrar a palavra que queria. E, para minha surpresa,acabouencontrando.—Asheteras.Sinceramente,nãoconseguiaacreditarqueele tinhaguardadoalgumacoisadanossa
conversaemSanDiego.Meesforceiparanãosorrir.—Asheteras?—Braydenpareciaaindamaissurpresodoqueeuemeexaminoude
cimaabaixo.—Sim…sim.Achoque,supondoqueessesmateriaisexistissemnaquelaépoca, isso seria algo que você esperaria uma hetera usar, e não umamãe de famíliagregacomum.—Eelaseramprostitutas,certo?—Adrianperguntou.—Essasheteras?—Algumas eram— Brayden concordou.— Mas não todas.Acho que o termo
corretoé“cortesã”.Adrianpermaneceucompletamenteinexpressivo.
—Entãovocêestádizendoqueminhairmãestávestidacomoumaprostituta.Braydendeuumaolhadanomeuvestido.—Bem,sim,seaindaestivermosfalandoemtermoshipotéticos…—Quer saber?— interrompi.— Precisamos ir embora.Vai chover a qualquer
momentoagora.Vou levarAdrianparacasaeencontrovocêaquinavolta, tudobem?— Me recusei a deixar queAdrian continuasse a jogar um de seus joguinhos paraatormentarBraydene,porextensão,meatormentar.—Mandoumamensagemquandoestivervoltando.—Certo—Braydendisse,comoarincerto.Elevoltoupara a festaecomecei aentrarnocarro, atéperceberqueAdrianestava
tentando,semsucesso,abriraportadopassageiro.Comumsuspiro,caminheiatéeleeabri.—Vocêestámaisbêbadodoqueeupensei—comentei.—Eolhaquepenseique
vocêestivessemuitobêbado.Ele sentoucomdificuldade,evolteiparaomeu ladodocarronoexato instanteem
queasgostasdechuvacomeçaramacairsobreopara-brisa.—Bêbado demais para aChave deCadeia sentir alguma coisa— ele disse.—O
laçoestáentorpecido.Elapodeterumanoitelivredemim.—Muitoatenciosodasuaparte—ironizei—,emboraeuachequeessenãosejao
verdadeiromotivoparavocêterenchidoacara.Outervindoatéaqui.Atéondeeusei,tudooquevocêconseguiufoiencherosacodoBrayden.—Elechamouvocêdeprostituta.—Não!Vocêomanipulouparaquedissesseisso.Adrian passou a mão no cabelo e encostou a cabeça no vidro, observando a
tempestade,queficavacadavezmaisforte.—Nãoimporta.Nãovoucomacaradele.—Porqueeleéinteligentedemais?—perguntei,antesdelembraroqueJilleEddie
haviamcomentado.—E“poucomemorável”?—Não.Sóachoquevocêpodefazermelhor.—Como?Adrian não respondeu, e tive de ignorá-lo por um tempo para prestar atenção na
estrada.Emborararas,as tempestadesemPalmSpringseramviolentasevertiginosas.Enchentes inesperadas não eram incomuns, e a chuva estava ficando torrencial,dificultandoavisibilidade.Felizmente,Adriannãomoravamuito longedali,oqueerauma bênção porque, quando estávamos a alguns quarteirões de seu apartamento, eledisse:—Nãoestoumesentindomuitobem.—Não—resmunguei.—Porfavor,porfavor,nãovomitenomeucarro.Estamos
quase chegando.—Mais oumenos umminuto depois, estacionei em frente ao prédiodele.—Sai.Agora.Ele obedeceu e eu o segui, embaixo de um guarda-chuva.Olhando de soslaio para
mimenquantoseguíamosparaoprédio,eleperguntou:—Nósmoramosnumdesertoevocêtemumguarda-chuvanocarro?—Claroquesim.Porquenãoteria?Elederrubouaschaveseaspegueidochão,imaginandoqueseriamaisfácileuabrira
porta.Aperteiointerruptormaispróximo,enadaaconteceu.Ficamosparadosporumtempo,juntosnoescuro,semnosmexer.—Tenhoumasvelasna cozinha—Adriandisse, cambaleandonaqueladireção.—
Vouacenderalgumas.—Não—ordenei,imaginandooprédiotodoardendoemchamas.—Deitenosofá.
Ouvomitenobanheiro.Eucuidodasvelas.Eleescolheuo sofá, aparentementenão se sentindo tãomalquanto temia.Enquanto
isso, fui atrás das velas— eram daquele tipo horrível com aroma artificial de pinho.Pelomenos faziam um pouco de luz, então levei uma até ele, junto com um copo deágua.—Aqui.Bebaisso.Elepegouo copoe conseguiu se sentarparadar alguns goles.Entãomedevolveuo
copo e se jogou no sofá de novo, colocando umdos braços sobre os olhos. Puxei umacadeira por perto e me sentei.As velas de pinho lançavam uma luz fraca e vacilanteentrenós.—Obrigado,Sage.—Vocêvaificarbemseeuforembora?—perguntei.—Tenhocertezadequealuz
vaivoltaratéamanhã.Elenãorespondeuàminhapergunta.Emvezdisso,falou:—Sabe,eunãobebosópraficarbêbado.Querdizer,fazparte,claro.Grandeparte.
Masàsvezesoálcooléaúnicacoisaquememantémlúcido.—Issonãofazomenorsentido.Tome—eudisse,dando-lheaágua.Enquantoisso,
olhei de relance no relógio do celular, preocupada com Brayden. — Beba mais umpouco.Adrianobedeceueentãovoltouafalar,comobraçosobreosolhos.—Vocêsabecomoésentirquetemalgumacoisacorroendoseucérebro?Estavaprestes adizerqueprecisava ir,mas aspalavrasdelemedeixaramaturdida.
LembreioqueJillhaviaditosobrearelaçãodelecomoespírito.—Não—respondihonestamente.—Nãoseicomoé…mas,pramim,éumadas
coisasmais assustadorasqueposso imaginar.Meucérebro…équemeu sou.Achoqueprefeririasofrerqualquerlesãoatermeucérebroprejudicado.Não podia deixar Adrian daquele jeito. Simplesmente não podia. Mandei uma
mensagemparaBrayden:Voudemorarumpoucomaisdoqueimaginava.—Éassustador—Adriandisse.—Eestranho,na faltadeumapalavramelhor.E
partedevocêsabe…bem,partedevocêsabequeaquilonãoestácerto.Queoquevocêestápensandonãoécerto.Masoquevocêpode fazer?Tudooque fazemosdependedecomo pensamos, de como vemos o mundo. Se você não pode confiar na sua própria
mente,emquevocêpodeconfiar?Noqueosoutrosdizem?— Não sei — eu disse, por falta de uma resposta melhor.As palavras dele me
atingiramemefizerampensaremcomoboapartedaminhavidatinhasidoguiadapeloscomandosdeoutraspessoas.—UmavezRosemefaloudeumpoemaquehavialido.Tinhaumversoqueera:“Se
seus olhos não estivessem abertos, você não saberia a diferença entre sonhar e estaracordado”.Sabedoque tenhomedo?Quealgumdia,mesmocomosolhosabertos,eunãosaiba.—Ah,Adrian,não.—Sentimeucoraçãopartindoesenteinochão,aoladodosofá.
—Issonãovaiacontecer.Elesuspirou.— Pelo menos o álcool… Ele acalma o espírito e então eu sei que, se as coisas
pareceremestranhas,deveserporqueestoubêbado.Nãoéummotivonobre,maséummotivo,sabe?Pelomenoseurealmentetenhoummotivoparamesentirassimalémdenãoconfiaremmimmesmo.Braydenrespondeuamensagem:Quantotempo?Irritada,respondi:Quinzeminutos.Levantei os olhos paraAdrian. Seu rosto ainda estava coberto,mas a luz das velas
iluminavabemostraçosharmoniososdeseuperfil.—Foiporisso…foiporissoquevocêbebeuhoje?Oespíritoestáperturbandovocê?
Querdizer,vocêpareciaestarmelhorandonosúltimosdias…Elerespiroufundo.—Não.Estátudobemcomoespírito…namedidadopossível.Naverdade,fiquei
bêbadohojeporque…eraoúnicojeitodeeuconseguirfalarcomvocê.—Agenteconversaotempotodo.—Precisosaberdeumacoisa,Sage.—Eletirouobraçodorostoparameolhare
de repente percebi como estava próxima dele. Por ummomento, quase não conseguiprestaratençãonoqueeledizia,porqueadançavacilantedeluzesombraconferiaumabelezamisteriosaaoseubelorosto.—VocêmandouLissaconversarcommeupai?—Quê?Ah.Isso.Espereumsegundo.Peguei o celular e mandei outra mensagem para Brayden: Ou melhor, trinta
minutos.—Tenhocertezadeque alguémpediupara ela fazer isso—Adrian continuou.—
Querdizer,Lissagostademim,mastemmuitacoisaacontecendonavidadelaeelanãoteriaacordadoumdiaepensado:“Ah,precisoligarparaNathanIvashkovedizercomoofilhodeleéincrível”.Vocêdeveterpedidoparaelafazerisso.—Na verdade, nunca falei com ela— eu disse. Nãome arrependia do que tinha
feito,masme senti estranha ao ser confrontada.—Mas, bem, posso ter pedido paraSonyaeDimitrifalaremcomelaemseufavor.—Edepoiselaconversoucomovelho.—Algoassim.—Eusabia—eledisse.Pelotom,nãoconseguiidentificarseestavacontrariadoou
aliviado.—Sabiaquealguémtinhalevadoelaafazerissoe,nãoseiporque,sabiaquetinhasidovocê.Ninguémmaisfariaissopormim.NãoseioqueLissadissemas,cara,eladeveterconquistadomesmoovelho.Eleficoutãoimpressionadoquevaimemandardinheiropracomprarumcarro.Eaumentarminhamesadaaumvaloraceitável.—Issoébom—eudisse—,nãoé?Meu celular vibrou com outra mensagem de Brayden. Até lá a festa já vai ter
terminado.—Mas por quê?— ele perguntou. Ele sentou no chão aomeu lado, com o olhar
quaseangustiado.Inclinou-separapertodemimeentãopareceusurpresoaoperceberoqueestavafazendo.Recuouumpoucoparatrás,massóumpouco.—Porquevocêfezisso?Porquefezissopormim?Antesqueeupudesse responder, recebioutramensagem. Vocêvai chegar a tempo?
Não consegui não ficar irritada com a falta de compreensão de Brayden. Sem pensar,respondi:Talvezsejamelhorvocêirembora.Amanhãteligo.Desculpe .Vireiocelularpara não ver caso chegassem outras mensagens.Voltei a olhar paraAdrian, que meobservavaatentamente.— Porque ele não foi justo com você. Porque você merece crédito pelo que faz.
Porqueeleprecisaentenderquevocênãoéapessoaqueelesemprepensouquefosse.Eleprecisa vê-lo comovocê realmenteé,nãopelas ideias epreconceitosque construiu emtornodevocê.—AintensidadedoolhardeAdrianeratãofortequecontinueifalando,nãoquerendoretribuiraqueleolharemsilêncio.Alémdisso,partedemimtemiaque,seeurefletissedemaissobreminhaspalavras,perceberiaqueelaseramtãopertinentesàminharelaçãocommeupaiquantoàdeAdriancomodele.—Falarpraelequemvocêé,mostrarpraelequemvocêé,jádeviaserobastante,maselenãoouve.Nãogostodaideiadeusaroutraspessoasparafazeroquenósmesmospoderíamosfazer,masessamepareceuaúnicasaída.—Bom—Adriandisse,porfim—,achoquefuncionou.Obrigado.—Eledisseavocêcomoentraremcontatocomasuamãe?—Não.Elenãoficouorgulhosodemimaesseponto.—Achoqueconsigodescobrirondeelaestá—eudisse.—Ou…tenhocertezade
queDimitriconsegue.Comovocêmesmodisse,elesdevemdeixarelarecebercartas.Elequaseabriuumsorriso.—Lávemvocêdenovo.Porquê?Porquecontinuameajudando?Eutinhamilhõesderespostasnapontadalíngua,desdeÉacoisacertaafazeratéNão
façoideia.Emvezdisso,respondi:—Porqueeuquero.Dessa vez conquistei um sorriso sincero, mas havia algo sombrio e introspectivo
nele.Eleseaproximoudemimnovamenteeperguntou:—Porquevocêtempenadessecaramaluco?—Você não vai ficar maluco — eu disse, firme. —Você é mais forte do que
imagina.Da próxima vez que se sentir assim, se concentre em alguma coisa, para se
lembrardequemvocêé.—Comooquê?Vocêtemalgumobjetomágicoemmente?— Não precisa ser mágico — eu disse, vasculhando meu cérebro. —Aqui. —
Desprendi a cruz dourada do pescoço.— Isso sempre serviu paramim.Talvez possaajudarvocê—eudisse,eestendiamãoparacolocarnadele,maselesegurouaminhaantesqueeupudessetirá-la.—Oqueéisso?—eleperguntou.Examinoumaisdeperto.—Espera…Jáviisso
antes.Vocêusaotempotodo.—Compreifaztempo,naAlemanha.Eleaindaseguravaaminhamãoenquantoexaminavaacruz.—Semornamentos.Semfirulas.Semsímbolossecretosgravados.—Épor issoquegostodela—eudisse.—Nãoprecisadeenfeite.Muitasantigas
crenças alquimistas se concentravam na pureza e na simplicidade. É isso que elarepresenta.Talvezpossaajudarvocêaficarcomamentelúcida.Eleestavafitandoacruz,masentãolevantouoolharatéencontraromeu.Alguma emoção que não pude identificar passou pelo seu rosto. Ele parecia ter
descobertoalgumacoisa,algoqueoperturbavaprofundamente.Respiroufundoe,aindasegurando aminhamão,me puxou para perto. Seus olhos verdes estavam escurecidossob a luz das velas, mas mantinham omesmomagnetismo. Seus dedos apertaram osmeusesentiumardorseespalharpormeucorpo.—Sage…De repente a energia voltou, enchendo a sala de luz. Aparentemente, sem se
preocupar com a conta, ele havia deixado todas as luzes acesas ao sair. O encanto sequebrouenósdoispiscamoscomaluminosidadesúbita.Adriandeuumpuloparatrás,deixandoacruzdouradanaminhamão.—Vocênãotemumafesta,umtoquederecolheroucoisaassim?—eleperguntou
abruptamente,semmeencarar.—Nãoqueroprendervocêaqui.Nossa,nãodeviaterteatrapalhado.Desculpe.FoiAidenquetemandoumensagem,nãofoi?—Brayden—eudisse,levantando.—Eestátudobem.Elefoiemboraeagoravou
voltarparaAmberwood.— Desculpe— ele repetiu, me acompanhando até a porta.— Desculpe por ter
acabadocomasuanoite.—Com isso?—Contive o riso, pensando em todas as coisasmalucas com que já
haviamedeparadonavida.—Não.Precisariademuitomaisparaacabarcomaminhanoite.—Deialgunspassoseentãoparei.—Adrian?Ele finalmente olhou nos meus olhos, mais uma vez me abalando com aquela
intensidade.—Sim?— Da próxima vez… Da próxima vez que quiser conversar sobre alguma coisa
comigo,qualquercoisa,nãoprecisabeberpraganharcoragem.Ésódizer.—Falaréfácil.
—Fazertambém.Continuei a caminharpara aporta e,dessa vez, foi elequemedeteve, colocando a
mãosobremeuombro.—Sage?—Sim?—perguntei,mevirando.— Sabe por que não gosto dele? Do Brayden?— Fiquei tão surpresa por ele ter
acertado o nome que não consegui formular nenhuma resposta, embora muitas meviessemàmente.—Porcausadoqueeledisse.—Queparte?Brayden havia ditomuitas coisas, commuitos detalhes, então não ficou totalmente
claroaqueAdrianestavasereferindo.—“Historicamente impreciso.”—Adrian apontou paramim com amão que não
estava no meu ombro. — Quem consegue olhar para você e dizer “historicamenteimpreciso”?—Bem—eudisse—,tecnicamenteéverdade.—Elenãodeviaterditoisso.Eumemexi,semjeito,sabendoquedeviameafastar…masnãomeafastei.—Ah,ésóojeitodele.— Ele não devia ter dito isso—Adrian repetiu, com uma seriedade inquietante.
Entãoaproximouorostodomeu.—Nãoimportaseelenãofazotipoemocionalnemo tipoque elogia nem sei lá o quê.Ninguémpodeolhar para vocênesse vestido, comtodoessefogoeesseouro,eficarfalandodeanacronismos.Seeufosseele,teriaditoquevocêéacriaturamaislindaquejácaminhousobreaterra.Perdio fôlegocomoqueeledissee como jeitoquehaviadito.Me senti estranha.
Não sabia o que pensar, exceto que precisava sair dali, ir para longe deAdrian, paralongedoquenãoconseguiaentender.Meafasteideleefiqueisurpresaaoperceberqueeuestavatremendo.—Vocêaindaestábêbado—eudisse,colocandoamãonamaçaneta.Eleinclinouacabeça,aindameobservandocomoaqueleolhardesconcertante.—Algumascoisassãoverdade,bêbadoousóbrio.Vocêdeviasaberdisso.Vocêestá
semprelidandocomfatos.— É, mas isso não é…— Não conseguia argumentar sob aquele olhar. — Eu
precisoir.Ah…vocênãopegouacruz—eudisse,estendendoparaele.—Não.Fiquecomela.Achoquetenhooutracoisaparameajudarapôravidanos
eixos.
15
NO DIA SEGUINTE, me senti tão culpada pelo que tinha feito com Brayden quechegueialigarparaeleemvezdemandarumamensagemoue-mailcomodecostume.—Sintomuito—eu disse.—Por ir embora daquele jeito…Não costumo fazer
isso.Nãomesmo.Nãoteriaidosenãofosseumaemergênciadefamília.Talvezestivesseexagerando.Talveznão.—Tudobem—eledisse.Sempoderver seu rosto,não sabiadizer seestava tudo
bemmesmo.—Achoqueascoisasjáestavamdegringolandomesmo.Fiquei pensando o que ele queria dizer por“coisas”. Será que estava se referindo à
festaemsi?Ouànossarelação?—Vamos sair para que eu possa compensar— eu disse.—Você sempre faz as
coisas,entãovoucuidardetudopravariarumpouco.Ojantarvaiserporminhacontaeeuatébuscovocê.—Naperua?Ignoreiotomdedesprezo.—Vocêtopaounão?Ele topou. Combinamos os detalhes e desliguei me sentindo melhor em relação a
tudo.Brayden não estava bravo.A visita surpresa deAdrian não tinha arruinadomeurelacionamento incipiente.As coisas estavam voltando ao normal—pelomenos paramim.Passeiodiaseguinteà festacuidandodasminhascoisas,paranão ficarparatrásnos
trabalhos da escola e não precisar me preocupar com assuntos sociais.A manhã desegunda deu início à semana, de volta às aulas como de costume. Eddie chegou aorestaurantedocampuslestenamesmahoraqueeu,eesperamosjuntosnafilaparapegara comida. Ele queria saber o queAdrian tinha ido fazer na festa, e contei uma versãoresumida da noite, dizendo simplesmente que ele havia bebido demais e precisava deuma carona para casa.Nãomencionei que eu tinha dado um jeito de fazer com que a
rainhafalassebemdeleparaopai,nemapartesobreeuser“acriaturamaislindaquejácaminhou sobre a terra”. E certamente não contei sobre o jeito queme senti quandoAdrianmetocou.EddieeeufomosatéamesaeencontramosAngelinetentandoalegrarJill,algoraro
desever.OnormalteriasidoeurepreenderAngelinepeloqueelafeznafesta,masnãohaviaacontecidonadaderuim…daquelavez.Alémdisso, fiqueidistraídademaiscomJill.Eraimpossívelvê-latristesemimediatamentesuporquehaviaalgodeerradocomAdrian.Antesqueeu falassealgumacoisa,Eddie seadiantou,percebendooqueeunãohaviapercebido.—Micahnãoveio?Elesaiuantesdemim.Penseiquejáestivesseaqui.—Vocêtinhaqueperguntar,né?—Angelinedisse,comacaraamarrada.—Eles
brigaram.EupodiajurarqueEddiepareciamaistristequeaprópriaJill.— Sério? Ele não me contou nada. O que aconteceu? Vocês pareciam estar se
divertindotantonosábado.Jill assentiu com a cabeça, devagar, sem desviar os olhos da comida em que nem
haviatocado.Pudeverlágrimasemseusolhos.—Poisé,nosdivertimostantoqueeleveiofalarcomigoontemeperguntouse…se
euqueriapassaroDiadeAçãodeGraçascomafamíliadele.ElessãodePasadena.Eleimaginouquepoderiapedirapermissãodaescolaoufalarcomvocês.—Nãoparecetãoruim—Eddiedisse,cuidadoso.—Passarofimdesemanacomafamíliadeleéassuntosério!Umacoisaéficarmos
aqui,mas se começarmos a ir além… Se virarmos um casal fora da escola…—Elasuspirou. —As coisas vão andar rápido demais. Por quanto tempo eu conseguiriaesconderquemeusou?Emesmoseessenãofosseoproblema,éperigoso.Omotivodeeu estar aqui é justamente por ser um ambiente seguro e controlado. Não possosimplesmentesairparaencontrarpessoasestranhas.AqueleeraoutropassoparaJillemseuprocessodeaceitaçãodasdificuldadesdeum
relacionamento“casual”comMicah.Procureifazerumcomentárioneutro:—Parecequevocêpensoumuitoarespeitodisso.Jilllevantouacabeçaabruptamente,comosesóentãotivessenotadoqueeuestavalá.—Poisé.Achoquesim.—Elameexaminouporalgunsinstantese,estranhamente,
sua expressão desolada se abrandou, e ela sorriu. —Você está muito bonita hoje,Sydney.Essaluz…favorecemuitovocê.— Humm, obrigada — eu disse, sem saber o que havia provocado aquele
comentário.Tinhaquasecertezadequenãohavianadadeespecialemmimnaqueledia.Meucabeloemaquiagemeramosdesempre,eeuestavausandoacamisetabrancaeasaiaxadrezdouniforme,paracompensaroexcessodecoresdofimdesemana.—E a bainha vinhoda sua saia realçamuito a corde âmbardos seusolhos—Jill
continuou.—Nãoétãobomquantoaquelevermelho-vivo,masaindaassimficamuitobem.Claro,vocêficabemcomqualquercor,mesmoasmaissemgraça.
EddieaindaestavafocadoemMicah.—Comocomeçouabriga?Parameualívio,Jilltirouosolhosdemimesedirigiuaele.—Ah,então.Disseaelequenãosabiasepoderia irno feriadodeAçãodeGraças.
Talvez, se eu tivessedado sóummotivo, estaria tudobem.Mas comecei a entrar empânico,pensandoemtodososproblemas,edispareiafalarquetalvezfôssemospassarnaDakotadoSul,ouquetalvezminhafamíliaviesseparacáouquetalvezvocêsnãofossemdeixar…ou, enfim,ummontedeoutras desculpas.Achoque ficoubemclaropra eleque eumeio que estava inventando tudo, e então elemeperguntouna cara dura se euqueriamesmoficarcomele.Eudissequesim,masqueeracomplicado.Eleperguntouoque eu queria dizer,mas claro que eu não pude explicar tudo, e aí…—Ela jogou asmãosparaoalto.—Aítudofoipelosares.Nunca tinha pensado muito sobre o Dia deAção de Graças nem que conhecer a
famíliafosseumritodepassagemnonamoro.AfamíliadeBraydentambémmoravanosuldaCalifórnia…seráqueeraesperadoqueeufosseconhecê-losalgumdia?—Micah não faz o tipo que guarda rancor— Eddie disse.—Além disso, ele é
bastanterazoável.Simplesmenteconteaverdade.—Que verdade?Que eu sou uma das últimas vampiras daminha linhagem e que
paraminha irmãmanter o trono eupreciso estar viva e escondida?— Jill perguntou,incrédula.AsombradeumsorrisopassoupeloslábiosdeEddie,emboraeupudesseverqueele
estavaseesforçandomuitoparaficarsérioemrespeitoaela.—Achoqueesseéumcaminho.Mas,não…Oquequerodizeré:conteumaversão
simplificada disso.Você não quer nadamuito sério.Você gosta dele,mas quer que ascoisasandemmaisdevagar.Fazsentido,sabe.Vocêtemquinzeanoseestá“namorando”hámenosdeummês.Elaponderouaspalavrasdele.—Vocênãoachaqueelevaificarbravo?—Nãoseelerealmentegostardevocê—Eddieafirmou,comveemência.—Seele
realmentegosta,vaientendererespeitarsuavontade,eficarfelizporterumachancedeficarcomvocê.Fiquei imaginando se Eddie estava se referindo a Micah ou a si mesmo, mas era
melhorignoraressepensamento.OrostodeJillseiluminou.—Obrigada—eladisseaEddie.—Nãotinhapensadonisso.Vocêestácertíssimo.
Seelenãopuderaceitarcomomesinto,nãotemporqueestarmosjuntos.—Elaolhouderelanceparaumrelógiodeparedeelevantouemumpulo.—AchoquevouprocurarMicahantesquesejatarde.Eassim,derepente,elafoiembora.Bom trabalho, Eddie, pensei. Você acabou de ajudar a menina dos seus sonhos a
voltarparaonamoradodela. Quandooolhardeleencontrouomeu,aexpressãoemseurostomedissequeeleestavapensandoexatamenteamesmacoisa.
Comosolhosapertadosdetantopensar,AngelineficouobservandoJillsairrápidodorestaurante.—Mesmoseelesvoltarem,nãoachoquevádurar.Nessasituação…nãotemcomo
darcerto.—Penseiquevocêfosseafavorderelaçõesentrevampirosehumanos—comentei.—Ah,claro.Deondeeuvenho,nãotinhaproblema.Mesmonestemundodevocês,
achoquenãotemproblema.MasJilléumcasoàparte.Elaprecisaficarescondidaeemsegurançaparaajudarafamília.Namoraressegarotonãoajudaemnada,pormaisqueelaqueiraacreditarnisso.Nofim,elavaifazeracoisacerta.Éodeverdela.Émaiordoquesuasvontadespessoais.Jillentendeisso.Em seguida, Angeline falou que precisava voltar para o alojamento para fazer
algumastarefasdaescola.EueEddieficamosobservando.Elemeneouacabeça,surpreso.—NuncapenseiqueveriaAngelinetão…—…calma?—sugeri.—Euiadizer…coerente.—Ah,vai—eudisse,rindo.—Elaécoerentemuitasvezes.—Você entendeuoque euquis dizer—ele argumentou.—Oque ela acaboude
falarétotalmenteverdade.Foisábiodapartedela.ElaentendeJilleasituaçãotoda.—Achoqueelaentendemuitomaisdoqueagentepensa—eudisse,melembrando
decomoelavinhasecomportandomelhordesdeoshow,excetopelapartedeentrardepenetra na festa. — Ela só precisa de tempo para se acostumar, o que faz sentidoconsiderando como foi uma mudança drástica para ela.Você iria entender se tivessevistoolugardeondeelaveio.—Talvezeuatenhajulgadomal—eleadmitiu,surpresocomasprópriaspalavras.PartedemimestavaesperandoumabroncadeTreyporterdeixadoBraydensozinho
na festa.Emvezdisso,nãoovi emnenhumaaulademanhã.Estavaquasepreocupadaquando lembrei que o primo dele ainda estava na cidade, talvez o enrolando em“questões de família”. Trey era capaz. Ele daria conta do que quer que estivesseacontecendo.Entãoporquetodosaquelesmachucados?,meperguntei.Quandochegueiaoestudoindependentecomasra.Terwilliger,elaestavaesperando
ansiosamentepormim,oquetomeicomoummausinal.Normalmenteelacontinuavatrabalhandocomafincoemsuaescrivaninhaesómefaziaumacenodeconfirmaçãocoma cabeça quando eu pegava os livros. Naquele dia ela estava de pé, em frente àescrivaninha,comosbraçoscruzadoseolhandoparaaporta.—Srta.Melbourne,esperoquetenhatidoumbomfimdesemana.Semdúvidavocê
foiamaisbeladafestadoDiadasBruxas.—Vocêmeviu?—perguntei.Por ummomento, pensei que ela fosse dizer que tinha assistido tudo pela bola de
cristaloucoisaassim.—Claro. Eu estava lá comomonitora.Meu posto era ao lado do DJ, então não é
nenhuma surpresa você não terme visto.Até porque não fui nenhum destaque comovocê. Devo dizer que aquele vestido que você estava usando era uma lindíssimareproduçãoneogrega.—Obrigada—respondi,cansadadereceberelogiosatortoeadireitonaqueledia,
emboraodelafossemuitomenosassustadordoqueodeJill.— Então— a sra.Terwilliger disse, retomando a postura profissional—, pensei
quepoderiaser interessantediscutirmosalguns feitiçosquevocêtempesquisadoparaomeuprojeto.Anotá-loséumacoisa.Entendê-loséoutra.Sentiumfrionabarriga.Apenasanotaretraduzir feitiçosrepetitivamente,semter
que pensar muito e evitando falar com ela, era uma situação confortável para mim.Enquanto não tínhamos de estudá-los com profundidade,me sentia segura de que nãoestavatendonenhumcontatorealcomamagia.Temiaoqueela tinhaemmente,masnãohaveriacomoprotestar se tudoestivesseexpressonos termosdomeuestudoenãoenvolvessenenhummalamimouaoutraspessoas.— Pode fazer a gentileza de fechar a porta? — ela pediu. Obedeci, e a minha
sensação de desconforto aumentou.— Queria examinar aquele livro extra que dei avocê,odefeitiçosdeproteção.—Nãoestoucomele,senhora—disse,aliviada.—Mas,seasenhoraquiser,posso
irbuscá-lonomeudormitório.Se eu pegasse o ônibus certo— ou seja, o errado—, poderia passar uma parte
gigantescadaaulanotrajetodeidaevolta.—Tudobem.Compreiaquelacópiapara seuusopessoal—eladisse,pegandoum
exemplardaescrivaninha.—Tenhoomeu.Vamosdarumaolhada?Não tive como esconderminha decepção. Sentamos em carteiras lado a lado, e ela
começou simplesmente lendoo sumário comigo.O livro era separadoem três seções:Defesa,AtaquesPlanejadoseAtaquesInstantâneos.Ecadaseçãoeradivididaporníveisdedificuldade.—ApartedeDefesaincluiváriosamuletosdeproteçãoefeitiçosdefuga—elame
disse.—Porquevocêachaqueelesvêmantesnolivro?—Porqueomelhorjeitodevencerumabrigaéevitarqueelaaconteça—respondi
imediatamente.—Orestoésupérfluo.Elapareceusurpresacomaminharesposta.—Sim…exatamente.—ÉoqueWolfedisse—expliquei.—Oinstrutordocursodedefesapessoalque
estoufazendo.—Bem,eleestácerto.Amaioriados feitiçosnesta seção fazexatamente isso.Este
aqui…— ela disse, avançando algumas páginas no livro.—Este aqui é bem básico,masmuitoútil.Éumfeitiçodeocultamento.Muitoscomponentesfísicos,comoédeseesperardeum feitiçopara iniciantes,mas valemuito apena.Você criaumamuleto emantém o último ingrediente, pó de gipsita, em mãos. Quando estiver pronta paraativá-lo, basta acrescentar a gipsita e o amuleto ganha vida. Fica praticamente
impossívelalguémvervocê.Aívocêconseguesairdocômodooudolocalemsegurança,semservista,antesqueamagiapercaaforça.A escolha das palavras dela não passou despercebida e, apesar daminha resistência
interna,nãopudedeixardeperguntar:—Praticamenteimpossível?—Nãovaifuncionarsesouberemquevocêestálá—elaexplicou.—Vocênãopode
lançaresimplesmenteficarinvisível,emboraexistamfeitiçosavançadosparaisso.Mas,seapessoanãoestiveresperandovervocê…nãovaiconseguirvê-la.Elamemostrou outros,muitos dos quais erambásicos e precisavam apenas de um
amuleto e de um método parecido de ativação. Um que ela classificou comointermediário tinha um efeito inverso, fazendo com que todas as pessoas emdeterminadoraiodealcance ficassemtemporariamentecegas.Somentequemlançavaofeitiçomantinhaavisão.Aoouviraquilo,mecontorciacomaideiadeusaramagiaparaafetarosoutrosdiretamente.Meocultareraumacoisa.Mascegarumapessoa?Deixá-latonta? Fazê-la dormir? Isso passava dos limites, usando meios repreensíveis e nadanaturaisparafazeralgoqueoshumanosnãotinhamodireitodefazer.Ainda assim… láno fundo,partedemim reconhecia a utilidadedaquilo.O ataque
mehaviafeitoreconsiderarváriascoisas.Pormaisquemedoesseadmitir,agorapodiaverque cedermeu sanguepara Sonya talveznão fosse tão ruimassim. Talvez.Mas euaindanãoestavaprontaparaisso,absolutamente.Ouvi com paciência enquanto ela folheava o livro, o tempo todo imaginando qual
seria a intençãodela comaquilo tudo.Por fim,quando faltavamcincominutosparaofimdaaula,eladisse:—Paraasegundaquevem,queroquevocêrecrieumdestes,assimcomofezcomo
amuletodefogo,eescrevaumrelatório.—Sra.Terwilliger…—comecei.—Eusei,eusei—eladisse,fechandoolivroelevantando.—Conheçomuitobem
seus argumentos e objeções, sobre como os humanos não têm o direito de usar essespoderes e toda essa baboseira. Respeito seu direito de pensar assim. Ninguém vaiobrigar você a usar nada disso. Só quero que você continue a se familiarizar com aconstruçãodeumamuleto.—Nãoconsigo—respondi,obstinada.—Nãovoufazerisso.—Nãoémuitodiferentededissecarumsaponaauladebiologia—elaargumentou.
—Botarasmãosnamassaparaentenderoassunto.—Achoquesim…—cedi,pesarosa.—Qualasenhoraquerqueeufaça?—Oquevocêquiser.Essaideiameincomodouaindamais.—Prefiroqueasenhoraescolha.—Não sejaboba—eladisse.—Você tem liberdadepara escolhero temada sua
dissertaçãoeparaissotambém.Nãoligoparaqualvocêfaça,desdequecumpraatarefa.Escolhaoqueinteressá-lamais.
Aíestavaoproblema.Aomedaraopçãodeescolha,elameobrigavaameenvolvercomamagia.Paramimera fácil alegarquenão tinhaparticipaçãonenhumanaquilo edizer que tudo que fiz foi sob coação. Mesmo que ela tenha ordenado a tarefa, essapequenaescolhameobrigavaaserproativa.Sendo assim, adiei a decisão, o que era quase inédito paramim em se tratando de
liçõesdecasa.Emparteeupensavaque, talvez,se ignorassea tarefa,eladesapareceriaouaprofessoramudariadeideia.Alémdisso,eutinhaumasemana.Nãohaviaporquemeestressarcomissoainda.Embora eu soubesse que não devíamos nada a Lia por ela ter nos dado as fantasias,
penseiqueocertoseriadevolvê-las,sóparanãodeixardúvidassobreminhasintenções.Depoisquea sra.Terwilligerme liberou,coloqueiasroupasnos sacoscomzípere fuiparaocentro.Jillficoutristeporterdedevolveradela,masconcordouqueeraacoisacertaafazer.Lia,porém,pensavadeoutromodo.—Oquevoufazercomisso?—elaperguntouquandoaparecinaloja.Fiqueitonta
sódeverseusenormesbrincosdeargolacravejadoscompedrinhasdestrass.—Foramfeitossobmedidaparavocês.—Tenho certeza de que você pode ajustá-los.Além disso, não devem ser muito
diferentes do seu padrão de tamanhos.—Fizmenção de entregar os cabides,mas elacruzou os braços, obstinada.—Veja, eles ficaram lindos. Ficamosmuito felizes peloquevocêfez.Masnãopodemosficarcomeles.—Vocêsvãoficarcomeles—eladeclarou.—Sevocênãopegar,vousimplesmentedeixaraquinobalcão—adverti.—Eeuvoumandardevoltaparaoseualojamento.Suspirei.—Por que isso é tão importante pra você? Por que você não consegue aceitar um
“não” como resposta?Temummonte demeninas bonitas emPalm Springs.Você nãoprecisadeJill.— Exatamente por isso— Lia disse.— Um monte de meninas bonitas que não
destoamumasdasoutras.Jilléespecial.Elanãotemconsciênciadequenasceuparaisso.Elapodealcançarmuitosucessoalgumdia.—Algumdia—repeti.—Masnãoagora.Liatentououtraabordagem:—A campanha é de chapéus e cachecóis. Não posso usar máscaras de novo, mas
posso colocar óculos escuros nela, especialmente se tirarmos as fotos ao ar livre. Jápenseiemtudo…—Lia,porfavor.Nemtenta.—Apenasmeouça—elapediu.—Agentefazoensaiofotográfico.Depois,vocês
olham todas as fotos, uma por uma, e descartam as que não atenderem aos critériosesdrúxulosdasuareligião.—Não—insisti.—Evoudeixarosvestidosaqui.
Coloquei-os sobre o balcão e saí, apesar dos protestos de Lia sobre todas as coisasmaravilhosas que ela poderia fazer por Jill. Talvez um dia , pensei. Quando todos osproblemasdeJilltiveremacabado .Masalgomediziaqueessediaestavamuito,muitodistante.Apesar daminha fidelidade ao Spencer’s, umpequenino café francês chamouminha
atenção no caminho até o carro. Ou melhor, o cheiro do café deles chamou minhaatenção.Não tinhanenhumcompromissonaescolaepareipara tomarumaxícara.Euestava com um livro damatéria de inglês e decidi ler um pouco sentada em uma daspequenasmesas do lugar. Passeimetade do tempo trocandomensagens com Brayden.ElequeriasaberoqueeuestavalendoetrocamosalgumasdenossascitaçõesfavoritasdeTennesseeWilliams.Estava lá havia menos de dez minutos quando sombras pairaram sobre mim,
bloqueandoosoldo fimda tarde.Eramdoishomens,ambosdesconhecidos,umpoucomaisvelhosqueeu.Umeraloirodeolhosazuis,eooutromorenoemuitobronzeado.Suas expressões não eram hostis, mas também não eram simpáticas. Ambos eramfortes, como se treinassem regularmente.E então, olhandomais atentamente, percebique reconhecia, sim,umdeles.O rapazmorenoeraoquehavia falado comigoe comSonyanarua,alegandoconhecê-ladoKentucky.Imediatamente,todoopânicoqueeuvinhatentandoreprimirnaquelasemanavoltou
a tomar conta demim,me afogando naquela sensação de estar encurralada e indefesa.Masbastoulembrarqueestávamosnumlugarpúblico,cercadosporoutraspessoas,paraqueeupudesseencará-loscomumacalmasurpreendente.—Poisnão?—perguntei.—Precisamosfalarcomvocê,alquimista—orapazloirodisse.Nãomoviummúsculodorosto.—Achoquevocêsestãomeconfundindocomalguém.—Maisninguémaquitemumatatuagemdelírio—ooutrosujeitodisse.Nooutro
dia,elehaviaseapresentadocomoJeff,masduvidavaquefosseverdade.—Seriaótimosevocêpudessedarumavoltinhacomagente.Naquele dia, minha tatuagem estava coberta, mas algome dizia que aqueles caras
estavammeseguindohaviaalgumtempoenãoprecisavamverolírioparasaberqueeleestavalá.—Dejeitonenhum—retruquei.NemprecisavadoslembretesdeWolfeparasaber
que aquela era uma péssima ideia. Eu estava segura no meio da multidão. — Sequiserem conversar, é melhor puxarem uma cadeira. Senão, façam o favor de irembora.Baixei os olhos para o livro, como se não estivesse nem aí. Meu coração, porém,
estava acelerado e precisei de todo o meu autocontrole para que minhas mãos nãocomeçassematremer.Algunssegundosdepois,ouviosomdemetalsendoarrastadonoconcreto,eosdoisrapazes se sentaramàminha frente.Levanteiosolhosedeidecaracomseusrostosimpassíveis.
—Éprecisopedirocaféládentro—comentei.—Elesnãoservemaquifora.—Nãoestamosaquipara falar sobrecafé—Jeffdisse.—Estamosaquipara falar
sobrevampiros.—Porquê?Vocêsestãofazendoumfilmeoucoisaassim?—perguntei.—Nós sabemos que você anda com eles— o loirinho disse.— Incluindo aquela
Strigoi,SonyaKarp.Parte da magia da tatuagem de lírio servia para impedir que os alquimistas
revelasseminformaçõessobreomundodosvampirosaestranhos.Nósliteralmentenãoconseguíamos.A magia entraria em ação e nos impediria caso tentássemos. Comoaquelessujeitos jásabiamsobreaexistênciadosvampiros,atatuagemnãocensurariaoqueeudissesse.Emvezdisso,porém,preferimecensurarporcontaprópria.Algomediziaquefingirignorânciaeraamelhortáticanaquelecaso.—Vampirosnãoexistem—eudisse.—Olha,seissoéalgumtipodepiada…—Nós sabemos o que vocês fazem— o loirinho continuou.—Vocês os odeiam
tantoquantonós.Entãoporqueosestãoajudando?Comoseugruposedesnorteoutantoa ponto de perder de vista nosso objetivo original? Séculos atrás, nós formávamos umúnicogrupo,unido,determinadoavarrertodososvampirosdafacedaterraemnomedaluz.Seusirmãostraíramesseobjetivo.JátinhaoutroprotestoprontoquandonoteiumbrilhodouradonaorelhadeJeff.Ele
estavausandoumbrincominúsculo,umaesferadouradacomumpontoescuronomeio.Nãopudeevitardizer:—Seubrinco—eudisse.—ÉosímbolodoSol,osímbolodoouro.Eraexatamenteomesmosímboloqueestavagravadonocabodaespadaquepegamos
nobeco.Eletocouobrincoeassentiu.—Nãoesquecemosamissãoounossopropósitooriginal.Nósservimosàluz.Nãoàs
trevasqueencobremosvampiros.Aindaassim,merecuseiareconhecerqualquercoisaquedissessemsobrevampiros.— Foram vocês queme atacaram quando eu estava com a minha amiga no beco,
semanapassada.Nenhumdosdoisnegou.—Sua“amiga”éumacriaturadas trevas—o loirinhodisse.—Nãoseicomoela
conseguiu fazer esse encantamento, fazendo-se passar pelo outro tipo de vampiro,masvocês nãopodem sedeixar enganar.Ela é demoníaca.Vaimatar você emuitas outraspessoas.—Vocêssãomalucos—respondi.—Nadadissofazsentido.— Só nos diga onde é o covil dela— Jeff disse.— Sabemos que não é naquele
apartamentodooutroladodocentro.Temosvigiadoeelanãovoltouparaládesdenossaúltimatentativadedestruí-la.Sevocênãoquernosajudarativamente,essainformaçãobastaráparalivrarmosomundodomalqueelarepresenta.Temosvigiado.OapartamentodeAdrian.Sentiumcalafrioatravessarmeucorpo.
Há quanto tempo vinham espionando a casa dele? E até que ponto? Será quesimplesmenteficavamnumcarrodoladodefora,comoospoliciaisdosfilmes?Ouseráque tinham equipamentos de vigilância altamente tecnológicos? Wolfe havia nosaconselhadosobrecomoevitarperseguiçõesemestacionamentos,nãoemnossasprópriascasas.Meu único consolo era que eles obviamente não sabiamnada sobre amansão deClarence.Avigilânciadelesnãodevia tersidotãoeficienteseninguémaseguiraaté láainda.Masseráqueestavammeseguindo?Seráquesabiamondeeuestudava?E,comsuaspalavras,eleshaviamconfirmadoaterrívelrealidadesobreaqualeumal
meatreviaaespecular.Aquelarealidadeconfirmavaqueexistiamforçasocultasàvisãosupostamente onisciente dos alquimistas, forças que trabalhavam contra nossosobjetivos.Caçadoresdevampiroseramreais.Com essa descoberta, vieram à tona centenas de outras questões ainda mais
aterrorizantes.OqueissorepresentavaparaosMoroi?SeráqueJillestavaemperigo?EAdrian?—A única coisa que vou fazer é chamar a polícia— respondi.—Não sei quem
vocêssãoouporqueestãoobcecadoscomaminhaamiga,masnósnãotemosnadaavercomvocês.Vocêssãoaindamaisloucosdoqueeupensavaseachamquevoudizerondeelaestáparaquepossampersegui-la.E então, por pura sorte, vi uma policial descendo a rua.Os dois rapazes seguiram
meu olhar e, obviamente, adivinharammeus pensamentos. Seriamuito fácil chamá-laatéali.Nãohavíamosfeitonenhumboletimdeocorrênciasobreoataquenobeco,masacusaraquelesrapazesdeumataquerecenteosdeteria,semamenorsombradedúvida.Emsincronia,ambosselevantaram.—Vocêestácometendoumerrograve—Jeffdisse.—Poderíamostererradicado
esse problema há séculos se nossos grupos trabalhassem juntos. Primeiro os Strigoi,depoisosMoroi.Adecadênciadesnorteadadoseugrupoàcorrupçãodosvampirosquasepôstudoaperder.Felizmente,aindaseguimosoverdadeirocaminho.O fato de ele ter mencionado o nome dos dois grupos de vampiros era
particularmentealarmante.Semdúvidaaquelescaraseramperigosos,masnemtantosefalassemsobrevampirosemtermosvagoseobscuros.Usar“Moroi”e“Strigoi”indicavaumgrandeconhecimento.Oloirinhocolocouumpequenopanfletocaseirosobreamesa.—Leiaissoetalvezvocêencontrealuz.Entraremosemcontato.—Nãofariaissosefossevocês—respondi.—Mexacomigodenovoefareimuito
maisdoqueterumaconversinhaagradável.Minhas palavras saíram mais agressivas do que eu esperava. Talvez estivesse
convivendodemaiscomDimitrieWolfe.Jeffriuconformeosdoiscomeçaramaseafastar.—Éumapenaquevocê fiquemetidanos livros—eledisse.—Vocêtemespírito
decaçadora.
16
NÃOESPEREIPARAREUNIROGRUPO. Aquiloeramuito importante.Aindanãosabia o nível do perigo que estávamos enfrentando, mas não queria correr o risco.EscolhiacasadeClarencecomopontodeencontro,jáqueoscaçadoresaindanãosabiamnada sobre ela. Mesmo assim, fiquei insegura.Teria ficado insegura mesmo se nosencontrássemosnoabrigosubterrâneodosalquimistas.E,aparentemente,“caçadores”nãoeraotermocerto.Deacordocomaquelepanfleto
caseiro,eles seautodenominavam“GuerreirosdaLuz”.Nãosei semereciamumtítulotão pomposo, aindamais porque, no texto sobre suamissão, escreveram“pressipício”emvezde“precipício”.Opanfletoerarealmentemuitovago,declarandosimplesmenteque havia ummal andando emmeio à humanidade e que os guerreiros eram a forçadestinada adestruí-lo.Elespediam insistentemente aosoutroshumanosqueestivessemprontosepermanecessempuros.Nenhumvampiroeramencionadopelonome—oquemedeixoualiviada.Opanfleto tambémnão falavamuito sobreohistóricoquediziamteremcomumcomosalquimistas.AntesdeirmosatéacasadeClarence,Eddieverificousehaviaalgumdispositivode
rastreamentonoPingado.Sóessaideiajámecausavaarrepios,assimcomoaideiadetersidovigiadanacasadeAdrian.Aquilotudomedavaumasensaçãodeviolação.Apenasminhafaltadefénatecnologiadelesmefezmesentirumpoucomelhor.—Achoimprovávelqueelesestejamtãoavançados—eudisseaEddie,enquantoele
secontorciaembaixodocarro.—Querdizer,aquelepanfletopareciatersidoimpressonumamáquinadosanos1980.Nãoseiseéporqueelesusamomesmopanfletohámuitotempoouserealmentetêmumamáquinadaquelas…mas,enfim,elesnãoparecemdotipoquecurtealtastecnologias.—Talvez— ele concordou, com a voz um tanto abafada.—Mas não podemos
arriscar.Nãosabemosdoqueelessãocapazes.Tudoquesabemoséqueestãotentandosealiaraosalquimistasparateremacessoàtecnologia.
Senti um calafrio.A ideia de que os alquimistas e aquele grupo dissidente violentopudessemestarrelacionadoserarepulsiva.EraumaloucuraoqueeueAdriantínhamosespeculado,eaindadifícildeaceitarmesmoemfacedeprovastãocontundentes.Agorapelo menos eu tinha informações suficientes para levar aos meus superiores sem serridicularizada.Mesmosemeununcaterouvidofalardecaçadorescomoaqueles,pareciaplausível que, em algummomento, eles tivessem tentado se aliar à organização.Comsorte,algumalquimistapoderiaajudar.EddiesaiurapidamentededebaixodoPingado.—Estálimpo.Vamos.Jill eAngeline estavam esperando aomeu lado, ambas tensas e ansiosas. Jill lançou
umolharadmiradoparaEddie.—Nãoimaginavaquevocêsabiafazeressascoisas.Nuncanemteriapensadonisso.—Você achava que o treinamento dos guardiões era só dar porrada?— ele disse,
limpandoosuordatesta.—Meioquesim—elarespondeu,vermelha.—Vocêpoderiameensinaressascoisasalgumdia?—Angelineperguntou.—Acho
queseriabomeusaberisso.— Claro — Eddie respondeu, parecendo sincero, o que a fez abrir um sorriso
radiante.Ele andava muito mais calmo perto deAngeline desde que ela ficara mais séria e
contida.Achoqueessebomcomportamentofoiumdosfatoresparaqueeuconseguissepermissão para ela nos acompanhar naquela noite. Tecnicamente, ela ainda estavasuspensa,maseuconseguiumadispensaespecialcombasena“religião”denossafamília.Tinha usado uma justificativa parecida quando Jill fora suspensa nomês anterior e euprecisavalevá-laaosfornecimentos.Mesmoassim,tínhamosqueobedecerordensmuitorigorosas em relação aAngeline naquela noite. Ela não poderia ficar fora pormais deduashoras,eocustodaquiloseriaacrescentarmaisumdiadesuspensãoaoseucastigo.Pegamos uma rota incomum para a casa de Clarence, e Eddie ficou observando a
traseira do carro atentamente, procurando qualquer sinal de que estaríamos sendoseguidos. Ele tentou nos explicar algumas coisas em que deveríamos prestar atençãoquandoestivéssemossozinhos.Euestavatãonervosaquemalconseguiaouvir.Apósumtrajetotenso,chegamosemsegurançaàmansãodeClarence,ondeencontramosAdrian,que já esperavapornós.Aparentemente,Dimitri haviapassadono centromais cedoedadoumacaronaparaele,certamentetomandoasmesmasprecauçõesqueEddietomaraaolongodocaminho.Eu já havia dado informações sobre os caçadores a Eddie e Dimitri, mas todos
pediram uma explicaçãomais detalhada.Nos reunimos no lugar de sempre, a sala deestar, enquanto Dimitri andava de um lado para o outro, como se estivesse sepreparando para um ataque a qualquermomento.Clarence, sentado em sua poltrona,tinhaoolhardistraídodesempre.Contudo,quandopegueiopanfleto,elesemanifestou.—Sãoeles!—gritou.Penseiquedariaumsaltodapoltronaearrancariaofolheto
da minha mão. — São os símbolos deles! — Quase todos os símbolos alquimistasdesenhadosnaespadaestavamnacapadopanfleto.—Essecírculo.Eumelembrodessecírculo.—Osímbolodoouro—confirmei.—Ou,nocasodeles,osímbolodoSol,jáque
sãotãoobcecadoscomaluzeastrevas.Clarenceolhouaoredor,agitado.—Eles voltaram! Precisamos sair daqui.Vim para esta cidade para escapar deles,
maselesmeencontraram.Não temosmuito tempo.OndeestáDorothy?CadêoLee?Precisofazerasmalas!—Sr.Donahue—eudisse,comotommaisgentilpossível—,elesnãosabemque
osenhorestáaqui.Osenhorestáseguro.—Nãosabiaseeumesmaacreditavanaquilo,masesperavaquetivessesoadoconvincente.—Ela está certa—Dimitri disse.—E,mesmo se soubessem,o senhor pode ter
certeza de que eu não os deixaria machucá-lo. — Havia tanta convicção e força namaneiracomoDimitri falavaque tivea sensaçãodequeacreditaríamosnelemesmoseumgrupodeStrigoiestivesseinvadindoacasaeeledissesse:“Estátudobem,vocêsestãoseguros”.—Seoquevocêestádizendoforverdade—Sonyafalou—,entãosou euqueestou
emperigo.—Elapareciamuitomaiscalmadoqueeuestarianolugardela.— Eles não vão causar nenhum mal a você — Dimitri disse, incisivo. —
Principalmentesevocênãosairdestacasa.—Masapesquisa…—elacomeçou.—…não é tão importante quanto sua segurança—ele concluiu.A força em seu
olhar dizia que ele não estava disposto a ouvir nenhum argumento.—Você precisavoltarparaaCorte.Jáestavanosseusplanos,afinal.Apenasadianteaviagem.Sonyanãoparecianadacontentecomessaideia.—Edeixarvocêscorrendoperigo?—Talveznãoestejamoscorrendoperigo—Eddiedisse,apesardea tensãoemseu
corpo dizer outra coisa.— Pelo que Sydney disse, e pelo manifesto deles, o foco dogrupo são os Strigoi, não os Moroi. — Ele olhou de soslaio para Jill. — Não quedevamosbaixaraguarda.SeelesachamqueSonyaéumaStrigoi,vaisaberdequeoutraloucuraeles sãocapazes.Masnãosepreocupem.Nãovoudeixarqueseaproximemdevocê.—Jillpareciaprestesadesmaiar.—Éumaboaideia—eudisse.—ElesachamqueosMoroisãoumaameaça,mas
nãotãograndequantoosStrigoi.—Assimcomoosalquimistas—Adriandisse.Eleestavasentadonumapoltronano
canto, em silêncio até então. Eu não o via desde a noite da festa, nem tinha mecomunicadocomeledeoutrojeito,oqueeraestranho.Mesmoquandoelenãomandavaose-mailspatéticossobreosexperimentos,quasesempretinhaalgumapiadaespertinhaparamemandar.—Verdade — admiti, com um sorriso. — Mas não estamos tentando matar
nenhumdevocês.NemmesmoosStrigoi.—Etemumproblema—Dimitriacrescentou.—Essesguerreirostêmcertezade
queSonyaéStrigoieestáusandoalgumtipodetruqueparasedisfarçar.—Elespodemteralgumsistemaderastreamentoouumbancodedados—Sonya
disse.—DevemacompanharváriosStrigoipelopaís,tentandocaçá-los.— Mas mesmo assim não sabiam nada sobre você — eu disse, apontando para
Dimitri.Elepermaneceuinexpressivo,maseusabiaquedeviaserdifícillembrardeseuperíodocomoStrigoi.—E, atéondeeu sei, vocêerabemmais…hum…famosodoqueSonya.—Basicamente,eletinhasidoumStrigoimafioso.—Então,sevocênãofoiidentificadoporeles,éprovávelquenãotenhamumacoberturainternacional…oupelomenosnãonaRússia.Angelineseinclinouparaafrente,comosdedosentrelaçados,eolhouparaClarence
comumsorrisodignodeseunomeangelical.—Oqueosenhorsabesobreeles?Comofoiqueosencontroupelaprimeiravez?Aprincípio, eleparecia commedo atéde responder,mas achoque adoçuradelao
tranquilizou.—Bem,elesmataramminhasobrinha.Todos sabíamos que fora Lee quem matara a sobrinha de Clarence, mas ele não
acreditavanisso,assimcomotambémnãoacreditavaqueLeeestavamorto.—Vocêosviufazeremisso?—Angelineinterrogou.—Jáosviualgumavez?—Não,nãoquandoTamarafoimorta—eleadmitiu.Seusolhosassumiramumar
distante,comosefitasseopassado.—Maseusabiaossinaisqueprecisavaprocurar.Eujáoshaviaencontradoantes,quandomoravaemSantaCruz.ElesgostamdaCalifórnia,sabe.EdosudestedosEstadosUnidos.TemavercomafixaçãodelespeloSol.—OqueaconteceuemSantaCruz?—Dimitriperguntou.—Umgrupodeguerreirosjovenscomeçouameperseguir.Tentarammematar.Trocamosolharesnervosos.—EntãoelesperseguemMoroi—Eddiedisse,eseaproximoudeJill.Clarencefezquenãocomacabeça.—Normalmente, não. Pelo queMarcusme disse, eles preferem os Strigoi. Esses
guerreiroseramunsmolequesindisciplinadosdaordem,quecaçavamporcontaprópria,sem que seus superiores soubessem. Acho que foi um do mesmo tipo que matouTamara.—QueméMarcus?—perguntei.—MarcusFinch.Elemesalvoudoscaçadoresháalgunsanos.Medefendeudurante
umataque edepois entrou emcontato comaordemparamanter aqueles delinquenteslongedemim.—Clarenceestremeceucoma lembrança.—Nãoqueeu tenha ficadopor ládepoisdaquilo.PegueiLeee fuiembora.FoinessaépocaquenosmudamosparaLosAngeleseficamosláporumtempo.—EsseMarcus—Dimitricomeçou—eraumguardião?—Humano.Eletinhamaisoumenosasuaidadenaquelaépoca.Sabiatudosobreos
caçadores.— Imagino, já que conseguiu entrar em contato com eles—Dimitri cogitou.—
MaseledeviaseramigodosMoroiparaterajudadoosenhor,não?—Ah,sim—Clarencerespondeu.—Muitoamigo.Dimitrisevirouparamim.—Vocêachaque…—Sim—respondi,adivinhandoapergunta.—Vouverseconseguimosencontrar
esse tal de Marcus. Seria bom ter uma fonte de informações sobre esses guerreirosmalucos.Voureportartudoissotambém,naverdade.—Eutambém—Dimitridisse.Embora Clarence não fosse um especialista em caçadores como esse misterioso
Marcus, o velho Moroi nos forneceu uma quantidade surpreendente de informações,informaçõesessasaquenenhumdenóstinhadadoouvidosantes.Eleconfirmouoquejáhavíamos deduzido sobre a “devoção à luz” dos caçadores. O foco do grupo (porenquanto) eramos Strigoi, e todas as suas caçadas eram planejadas e organizadas comcuidado. Eles seguiam uma série de rituais, sobretudo em relação a membros maisjovens—por isso o grupo independente que perseguiraClarence fora impedido. Peloque Clarence havia descoberto, eles eram bastante duros com os jovens recrutas,enfatizandodisciplinaeexcelência.Como faltava pouco tempo para o fim da suspensão da pena de Angeline,
precisávamos terminar logo a conversa.Também fiquei encarregada de levarAdrianparacasa,poisimaginamosqueseriamelhoreliminarquaisquerchancesdeDimitriserseguido na volta para a mansão depois.Além disso, pude notar que Dimitri estavaansiosoparacolocarcertascoisasemmarcha.ElequeriafinalizarosdetalhesdapartidadeSonyaeverificarcomosguardiõesapossibilidadedeJillserrealocada.Orostodelarefletiu meu sentimento sobre essa possibilidade. Estávamos muito apegadas aAmberwood.Enquanto ele dava as últimas instruções a Eddie, puxei Sonya de lado para uma
conversareservada.—Euestive…pensandoumacoisa—disse.Elameexaminouatentamente,talvezlendominhaauraelinguagemcorporal.—Oquê?—elaperguntou.—Sequiser…sequisermuito,possocederumpoucodomeusangue.Eraumaconcessãomuito,muitogrande.Eudefinitivamentenãoqueriafazeraquilo;
ainda tinha osmesmosmedos instintivos de darmeu sangue a umMoroi,mesmoqueparafinscientíficos.Noentanto,osacontecimentosdodiaanterior,somadosaoataquenobeco,mefizeramrepensarminhavisãodemundo.Osvampirosnãoeramosúnicosmonstrosàsolta.Malsepodiadizerqueeleserammonstros,aindamaissecomparadosaostaiscaçadores.Comoeupoderiajulgaruminimigocombasenaraça?Cadavezmaiseupensavaqueoshumanoseramtãocapazesdecausaromalquantoosvampiros—equeosvampirostambémeramcapazesdefazerobem.Oimportanteeramasações,e
asdeSonyaeDimitrieramnobres.Eleslutavamparadestruiromalmaiore,pormaisreservasque eu tivesse em relação a cederomeu sangue, sabia que era a coisa certa afazerparaajudá-los.Sonya entendia o tamanho do sacrifício que aquilo representava para mim. Ela
permaneceucalma,sempulosdealegria,eassentiu,séria.—Estoucomomeukitaqui.Possocolherumaamostraantesdevocêirembora,se
tivercerteza.Mas já? Bem, por que não? Era melhor acabar com aquilo de uma vez por todas,
aindamais se Sonya realmente iria embora da cidademais cedo do que esperávamos.Fizemosacoletanacozinha,quepareciaumpoucomaishigiênicadoqueasaladeestar.Sonyanãoeramédica,masseutreinamentoeraigualaoqueeuobservaranoshospitais.Antisséptico,luvaseumaseringanova.Elaseguiutodososprocedimentosadequadose,comumapicadarápidadaagulha,colheuumaamostradomeusangue.—Obrigada, Sydney— ela disse, colocando um band-aid.— Sei como deve ter
sidodifícilpravocê.Masacredite,issopodeajudarmuitoapesquisa.—Euqueroajudar—eudisse.—Muitomesmo.Elasorriu.—Eusei.Eestamosprecisandodetodaajudaqueconseguirmos.Depoisdetersido
umdeles…—Seusorrisodesbotou.—Maisdoquenuncaacreditoqueomalqueelesrepresentamprecisaserdetido.Vocêpodeserachaveparaessemistério.Porumsegundo,aspalavrasdelameinspiraram—talvezeupoderiarepresentarum
papel maior na batalha contra o mal e até detê-lo. Imediatamente, essa ideia foisubstituída pelo velho pânico de sempre. Não. Não. Eu não era nada especial. Nãoqueriaser.Fariaumesforçosinceroparaajudar,mastinhacertezadequenãoresultariaemnada.Voltei para buscar os outros.Adrian e Jill estavam tendo uma conversa séria num
canto.EddieeAngelinetambémconversavam,eeuaouvidizer:—VoupassarmaistempocomJillnaescola,sóparagarantir.Nãopodemosdeixar
queelasejaenvolvidaemalgumacidenteouqueatomempelapessoaerrada.Eddieconcordouepareceuimpressionadocomasugestãodela.—Ótimo.Incrível,pensei.Logo depois, saí com o carro cheio e passei no centro para deixarAdrian.Ao
estacionaremfrenteaoseuprédio,viumacoisaquemedeixouboquiaberta.Admiraçãoedescrençarecaíramsobremim.Comabalizamaisdesajeitadaquejáfizeraemtodaaminha vida, estacionei o Pingado de qualquer jeito e saí do carro assim que tirei aschavesdaignição.Osoutrosmeseguirammomentosdepois.—Oque…—eudisse,tomandofôlego—…éisso?—Ah—Adriandisse,comumtomcasual.—Éomeucarronovo.Avanceialgunspassoseentãomedetive,commedodemeaproximar,comoalguém
quehesitadiantedarealeza.
— É um Ford Mustang 1967 conversível — eu disse, sentindo que meus olhosestavamprestes a saltardaórbita.Comecei a andarem tornodele.—Oanoemquefizeram uma mudança geral e aumentaram o tamanho para ficar à altura dosconcorrentesdealtapotência.Estãovendo?Éoprimeiromodelocomlanternastraseirascôncavas,masoúltimocomonomedaFordemmaiúsculasnafrenteaté1974.—Quediabodecoréessa?—Eddieperguntou,nemumpoucoimpressionado.—Amarelo-primavera—Adrianeeudissemosemcoro.—Eu chutaria verde-torta-de-limão—Eddie disse.—Acho que dá paramandar
pintar.—Não!—exclamei.Largueiminhabolsanagramae,comcuidado,toqueialateral
docarro.Derepente,olindoMustangnovodeBraydennãopassavadealgocomum.—Foiretocada,claro,maséumacorclássica.Qualéocódigodomotor?C,nãoé?—Humm…nãolembro—Adriandisse.—MasseiqueomotoréV8.—Claroquesim—respondi,mecontrolandoparanãorevirarosolhos.—Éum
289.Querosaberquantoscavalostem.—Deveestarescritonapapelada—Adriandisse,semgraça.FoisóentãoquerealmenteprocesseioqueAdrianhaviadito.Levanteiosolhospara
ele,sabendoquemeurostotransbordavadescrença.—Estecarroérealmenteseu?—Sim—eledisse.—Faleipravocê.Meupaimearranjouagrana.—E você escolheu este?—perguntei, espiando o interior pela janela.—Bacana.
Interiorpreto,transmissãomanual.—Poisé—Adriandisse,comumtomconstrangidonavoz.—Esseéoproblema.Volteioolharparaele.—Qual?Preto éótimo.Eo couro está emótimas condições.Assim como todoo
carro.—Não,nãoointerior.Atransmissão.Nãoseidirigircomcâmbiomanual.Fiqueiemchoque.—Comonão?—Eutambémnãosei—Jilldisse.—Vocênãotemcarteira—eualembrei.Sebemqueminhamãehaviameensinado
adirigirantesdeeutiraracarteirademotorista,tantocomtransmissãomanualquantoautomática.Eusabiaquenãodeviaficarsurpresacomofatodeocâmbioserumaarteperdida,pormaisbrutalqueessacarênciameparecesse.Isso,claro,nãoeranadapertodoproblemaóbvio.—Porquevocêfoicomprarumcarrocomoestesenãosabedirigircom transmissão manual? Existem inúmeros carros, veículos novos, com transmissãoautomática.Seriaummilhãodevezesmaisfácil.— Eu gostei da cor—Adrian respondeu, dando de ombros.—Combina com a
sala.Eddiesegurouoriso.—Masvocênãosabedirigi-lo—ressaltei.
—Achei quenão seria tão difícil.—Adrian parecia extremamente despreocupadocomoqueeuviacomoumabsurdo.—Ésópraticarumpoucodandoumasvoltasnoquarteirãoquepegoojeito.Nãopodiaacreditarnoqueestavaouvindo.—Oquê?Vocêestámaluco?Vaidestruirocarrosenãosouberoqueestáfazendo!—Oquemaiseupossofazer?—eleperguntou.—Poracasovocêvaimeensinar?OlheinovamenteparaomagníficoMustang.—Vou—respondi,obstinada.—Seissoforprecisoparaprotegerocarrodevocê.—Tambémpossoensinarvocê—Eddiedisse.Adrianoignoroueseconcentrouemmim.—Quandopodemoscomeçar?Repasseimentalmenteohorárioescolar,sabendoquefalarcomosalquimistassobre
osGuerreirosdaLuzeraminhaprioridade.Então,tiveaideiamaisóbvia.—Ah. Quando formos aoWolfe esta semana.Vamos levar essa belezinha para
passear.—Você quer mesmo me ajudar?—Adrian perguntou.— Ou só está a fim de
dirigirocarro?—Asduascoisas—respondi,semmedodeadmitir.FaltavapoucoparaotempodeAngelineacabar,porissotínhamosdeiremboralogo.
Dirigitrêsquadrasatélembrarqueesqueceraabolsanagrama.Comumresmungo,deimeia-voltaatéoprédiodeAdrian.Minhabolsaestavalá,masoMustangnão.— Cadê o carro? — perguntei, em pânico. — Ninguém pode ter roubado tão
rápido.—Ah—Jill,queestavasentadaatrásdemim,disse,comavozumpouconervosa.
—Euvipelolaço.Ele…mudouocarrodelugar.Era bom ter o laço como fonte de informações,mas as palavras delame deixaram
maisnervosadoqueeuteriaficadoseocarrorealmentetivessesidoroubado.—Elefezoquê?—Não estámuito longe— ela respondeu depressa.—Atrás do prédio. Esta rua
temumasregrasestranhascontraestacionarànoite.Fecheiacara.—Que bom que o carro não vai ser rebocado, mas ele devia ter pedido para eu
mudá-lodelugar!Mesmosendoumadistânciacurta,elepodiadestruiratransmissão.—Tenho certeza de que vai ficar tudo bem— Jill disse, com a voz um pouco
estranha.Nãorespondi.Jillnãoeraespecialistaemcarros.Nenhumdelesera.—Écomodeixarumbebêàsoltanumasalacheiadeporcelanas—resmunguei.—
Oqueeletinhanacabeça?Emrelaçãoaissotudo?Ninguém soube responder.Chegamos aAmberwood a tempodo toquede recolher
deAngeline,emerefugieinacalmaenasanidadedomeuquarto.Assimquegarantiquemeus amigos passariam a noite em segurança, mandei um e-mail relatando o que
havíamos descoberto sobre os caçadores para Donna Stanton, uma alquimista do altoescalão com quem, inexplicavelmente, eu havia criado boas relações. Cheguei a tirarfotos do panfleto e enviá-las por e-mail junto. Feito isso, recostei-me na cadeira,tentandolembrarsehaviamaisalgumainformaçãoqueeupudessedaraelaparaajudar.Foisódepoisderepassarexaustivamentetodasasopções(eatualizarminhacaixade
entradaalgumasvezesparaverseelajáhaviarespondido)quefinalmentepasseiparaostrabalhosdaescola.Comodecostume,meconcentreiemcadatarefa,excetouma.Adasra.Terwilliger.Aquelelivroidiotarepousavasobreaminhaescrivaninha,comosemeencarasse,me
desafiando a abri-lo.Eu ainda tinha algunsdias atéo fimdoprazo epoderia continuarprotelando. Mas estava começando a aceitar que a tarefa não iria simplesmentedesaparecer. Considerando que alguns dos preparativos levavam tempo, talvez fossemelhorsegurarotouropeloschifreseacabarcomaquilodeumavezportodas.Decidida,leveiolivroparaacamaeabrinosumário,examinandoalgunsfeitiçosque
ela havia lido comigo. Senti um embrulho no estômago diante damaioria, e todos osmeus instintosme diziam que era errado tentar fazer aquilo.Magia é para vampiros,nãoparahumanos.Euaindaacreditavanisso,masaparteanalíticadomeucérebronãopodiadeixarde
imaginar como seria lançar algunsdos feitiçosdefensivos emdiversas situações.Assimcomo minha decisão sobre ceder sangue, os acontecimentos recentes me levaram aenxergar omundo de outra forma.Amagia era algo errado? Sim.Mas aquele feitiçopara cegar as pessoas teria sido útil no beco. Outro feitiço, um que imobilizava aspessoas temporariamente, poderia ter sido usado para fugir dos caçadores no café.Claro,elesóduravatrintasegundos,maseratemposuficienteparaescapar.Repassei a lista repetidamente.Todos eram tão errados e aomesmo tempo… tão
úteis.Senãotivessevistocommeusprópriosolhosoamuletodefogoqueeuhaviafeitoincendiar uma Strigoi, não acreditaria que nada daquilo fosse possível. Mas todos osindíciosindicavamqueera.Tantopoder…apossibilidadedemeproteger…Imediatamente me repreendi por essa ideia. Não precisava de poder. Esse tipo de
pensamentofoioquelevouaberraçõescomoLiamaquerersetransformaremStrigoi.Noentanto…seráqueerarealmenteamesmacoisa?Eunãoqueriaaimortalidade.Nãoqueria ferirninguém.Sóqueria sercapazdemeprotegereproteger aspessoasdequegostava.Wolfe poderia me ensinar muitas coisas, mas suas técnicas preventivas nãoajudariamsecaçadoresdevampirosobstinadosvoltassemaencurralarSonyaeeu.Comotempo,estavaficandoclaroqueoscaçadoreserammesmoobstinados.Voltei para o sumário, encontrando vários feitiços que poderiam ser úteis e que eu
seriacapazde fazer.Deacordocomasra.Terwilliger,umapessoacomoeu tinhaumexcelente potencial para a magia por causa de um talento inato (algo em que eu nãoacreditavamuito),edorigorosotreinamentoalquimistaemrelaçãoamedidaseatençãoaos detalhes.Não foi difícil imaginar quanto tempo eu levaria para produzir qualquer
umdospossíveiscandidatos.Aquestãoera:qualfeitiçoeufaria?Paraqualeutinhatempo?Arespostaeraperturbadoramentesimples.Eutinhatempoparafazertodoseles.
17
DIRIGIROCARRODEADRIANERACOMOUMSONHO.Quando sentei ao volante, quase me esqueci de verificar se alguém estava nos
seguindo.Na verdade, quase esqueci que deveria ir ao curso deWolfe emostrar paraAdrian como usar o câmbio, de tão arrebatada que fiquei com o rugido domotor aonossoredoreocheirodecouro.Aosairdobairro,tivedemesegurarparanãoguiarocarro em alta velocidade pelas ruasmovimentadas do centro de Palm Springs.Aquelecarropediaparaserdirigidolivrementenumaestradavazia.EuadmiravaoMustangdeBrayden,masaqueleeuvenerava.—Estoume sentindo como se estivesse segurando vela—Adrian comentou assim
que pegamos a estrada.Ninguém havia nos seguido do centro, entãome sentiamuitomais segura.— Estou me intrometendo entre vocês dois? Se preferir me deixar emalgumlugar,euentendo.—Ahn?Eu estava prestandomuita atenção namaneira como o carro atingia as velocidades
mais altas, tanto pelo som como pela sensação física. O Mustang estava em perfeitaforma.As pessoas normalmente acham que carros clássicos são caros. E são, quandoestão emboas condições.Mas amaioria não está.Quando uma coisa ficamuitos anossemcuidado,é inevitávelquesedeteriore,eépor issoquemuitoscarrosantigosestãocaindo aos pedaços. Não era o caso do carro deAdrian. Ele tinha sido cuidado erestaurado ao longo dos anos, e provavelmente nunca havia deixado o estado daCalifórnia, o que significava que nunca tinha enfrentado invernos severos.Tudo issoresultava num preço alto, o que tornava ainda mais esdrúxulo o fato deAdrian tercompradoumcarroquenãosabiadirigir.Solteiumsuspiro.—Desculpe.Nãoseiondeestavacomacabeça.—Naverdade, sabia, sim.Estava
pensando quais eram as chances de eu levar uma multa se desrespeitasse o limite de
velocidadeparaveroquãorápidopoderíamoscorrer.—Deviatercomeçadoaensinarassimque dei partida no carro. Prometo que vou ensinar na volta, passo a passo. Porenquanto,possodarumaresumida.Estaéaembreagem…Adriannãopareceu incomodadocomaminha faltadeatenção.Naverdade,parecia
estarachandograça,esimplesmenteouviuminhasexplicaçõescomumsorrisocalmoesingelonorosto.Wolfeestavacomamesmaaparênciainfamedasemanaanterior,queficavacompleta
com o tapa-olho e, ao que me pareceu, usava a mesma bermuda de antes. Tinhaesperança de que ele pelo menos tivesse lavado a bermuda.Apesar da aparência, elepareceudispostodiantedaturmareunida,competentecomosempre.Apesarderessaltarnovamente a importância de evitar conflitos e estar sempre atento aos arredores, elerepassou esses pontos de maneira rápida e se concentrou na prática de maneiras maisfísicasdesedefender.ComoAdriantinhareclamadosobrea“chatice”daconversasobresegurançanaaula
anterior,imagineiqueeleficariamaisanimadoaopassarmosdiretoparaaação.Emvezdisso, o ar divertido que ele tinha no carro desapareceu e deu lugar a uma tensãocrescente à medida que Wolfe explicava o que queria que fizéssemos em nossosexercíciosemdupla.Quandochegouahoradepraticar,Adrianpareciavisivelmentedescontente.—Qualéoproblema?—indaguei.Derepentemelembreidaúltimaaula,quando
Adrian surtou por causa domeu“ataque”.Talvez ele não esperasse que teria de fazeralgumesforçoali.—Vamoslá,osmovimentossãosimples.Vocênãovaisesujar.Mesmo quando ensinava açõesmais combativas,Wolfe defendiamanter os ataques
simples e rápidos.O objetivo não era aprender a espancar alguém.Aquelasmanobraserammaneiras eficazes de distrair o agressor para poder escapar.Amaioria delas nósfazíamos comos bonecos, já que não tentaríamos enfiar o dedo nos olhos dos colegas.Adrian fez essesmovimentos com atenção e em silêncio.Aparentemente, o problemaeraquandotrabalhavadiretamentecomigo.Wolfetambémpercebeuquandopassoupornós.—Vamos lá, garoto!Não temcomoela tentar fugir se vocênão tentar segurá-la.
Elanãovaimachucarvocêevocênãovaimachucá-la,nãosepreocupe.Amanobraemquestãoteriasidomuitoútilnanoiteemquefuiatacadanobeco.Por
isso, estava commuita vontade de praticá-la e fiquei frustrada com a ajuda frouxa deAdrian.Infelizmente,seusesforçoseramtãoparcosesuachavedebraçotãofracaqueeunãoprecisavadenenhumatécnicaespecialparaescapardele.Bastavasairandando.ComWolfeporperto,Adriansefezpassarporumagressorumpoucomelhor,mas
logoqueficamossozinhoseleretomouafrouxidãoanterior.—Vamos trocar— eu disse, finalmente, quase querendo arrancar os cabelos.—
Vocêtentaescaparparacompensaraúltimavez.NãoconseguiaacreditarqueoproblemaeraapreguiçadeAdrian.Euimaginavaque
o empecilho seria eu não querer tocar num vampiro,mas isso já nãome incomodava
nemumpouco.Não viaAdrian comoum vampiro. Ele eraAdrian,meu parceiro nocurso. Precisava dele para aprender o golpe. Era tudo muito pragmático. Se não oconhecessemelhor,chegariaadizerqueeraelequemestavacommedode metocar,oquenãofaziasentido.OsMoroinãotinhamessetipodereservas.Seráquehaviaalgumacoisaerradacomigo?PorqueAdriannãoqueriametocar?— Qual é o problema? — perguntei quando entramos no carro, a caminho da
cidade.—Euseiquevocênãoénenhumatleta,masoqueaconteceuládentro?Adrianserecusavaameolharnosolhos;emvezdisso,olhavafixoparaapaisagem.—Achoquenãoéaminhapraia.Estavaanimadocoma ideiadebrincardesuper-
herói,mas agora…não sei.Achoque foi umamá ideia.Émais trabalhosodoque euimaginava—ele disse, comum tompetulante de desprezo que eu não escutava haviatempos.— O que aconteceu com a sua promessa de terminar as coisas que começa? —
indaguei.—Vocêdissequetinhamudado.—Issovaliaparaaarte—Adrianrespondeudepressa.—Aindaestounocurso,não
estou?Nãoabandoneionavio.Sónãoqueromaisfazerisso.Nãosepreocupe.Agoraqueeutenhomaisdinheiro,possodevolveragranadainscriçãopravocê.Vocênãovaisairnoprejuízo.—Nãoéesseoproblema—argumentei.—Continuasendoumdesperdício.Ainda
maisporqueWolfenãoestáensinandonadamuitodifícil.Nãoestamosnosacabandodetreinar,comoEddieeAngelinefazem.Porqueétãodifícilparavocêlevarissoasérioeaprender? — Minha dúvida anterior retornou. — É comigo que você não quertrabalhar?Tem…temalgumacoisaerradacomigo?—Não!Claroquenão.Dejeitonenhum—Adriandisse.Pelocantodoolho,vique
finalmente olhava para mim.—Talvez eu esteja tentando aprender coisas demais aomesmotempo.Querdizer,eutambémdeveriaestaraprendendoadirigircomcâmbiomanual.Nãoqueissoestejaacontecendo.Quase dei um tapa na testa. Fiquei tão frustrada com a aula que me esqueci
completamentedeensinarAdrianadirigir.Mesenti idiota,mesmoqueaindaestivessebravaporeledesistirdocursodeWolfe.Olheinorelógio.TinhacoisasafazernaquelanoiteemAmberwood,masmesentiaobrigadaacompensá-lo.—Vamos praticar quando estivermos perto da sua casa — prometi. —Vamos
começar devagar, e ensinarei tudo o que você precisa saber. Se prestar atenção, deixoatévocêdarumasvoltasnoquarteirãohoje.AmudançanohumordeAdrianfoigigantesca.Elepassoudesemgraçaecontrariado
para enérgico e animado.Não consegui entender por quê.Claro que eu achava dirigiralgofascinante,mas,tecnicamentefalando,haviamuitomaisdetalhesaaprendersobretransmissãomanualdoquesobreastécnicasdefugadeWolfe.Porqueelaseramdifíceisparaeleeaembreagemerafácil?Fiquei com elemais uma hora depois que chegamos.Tive que admitir queAdrian
prestou muita atenção a tudo o que eu dizia, apesar de suas respostas serem
inconsistentes sempreque euo testavaouquandodeixavaque fizesse alguma coisa.Àsvezes, respondia como um profissional. Outras, parecia completamente perdido emcoisasqueeupodiajurarqueeletinhaaprendido.Aofimdeumahora,mesentisegurao bastante para deixá-lo dirigir o carro em baixas velocidades e ruas vazias.Aindademorariamuitoparaqueelepudessedirigirnaestradaounotrânsitomovimentadodeumacidadegrande.—Acho que teremos outras aulas mais para a frente — eu disse a ele, quando
terminamos.Tinhaestacionadoocarroatrásdoprédioeestávamosvoltandoapéparaaentrada principal, onde o Pingado tinha ficado. —Não leve esse carro muito longedaqui.Euviohodômetro.Vouficarsabendo.—Anotado — ele disse, com o mesmo sorriso malandro. — Quando será a
próximaaula?Quervoltaramanhãànoite?—Amanhãeunãoposso—respondi.—VousaircomBrayden.Fiquei surpresa com a minha ansiedade. Não só queria compensar pela festa, mas
também buscava uma pitada de normalidade… Quer dizer, pelo menos o tipo denormalidade que eu e Brayden tínhamos juntos.Além disso, as coisas comAdrianestavamficandoumtantoestranhas…—Ah.—OsorrisodeAdriandesapareceu.—Euentendo.Amoreromanceetudo
omais.—Vamos aomuseu de tecidos— comentei.—É bem legal,mas não sei se vou
encontrarmuitoamoreromanceporlá.Adrianficouemchoque.—Existeummuseudetecidoaqui?Oqueaspessoasfazemlá?—Ah,elasolham…ostecidos.Naverdade,estátendoumagrandeexposiçãode…Pareiquandochegamosàfrentedoprédio,onde,atrásdoPingado,estavaumveículo
conhecido: o carro alugado que Sonya e Dimitri estavam usando.Olhei paraAdrian,intrigada.—Vocêestavaesperandoavisitadeles?—Não—elerespondeu,continuandoacaminharparaaporta.—Maseles têma
chave,entãoachoquepodemsesentiràvontade.Eles fazemissobastante,naverdade.Elecomeaminhacomidaeelausaminhascoisasdecabelo.Euosegui.—EsperoquesejaapenasoDimitri.Depois das revelações recentes sobre os caçadores, Sonya estava praticamente em
prisãodomiciliar.Pelomenoseraoqueeupensava.Quandoentreinoapartamento,elaestava sentadanosofá.NãoseviaDimitriem lugarnenhum.Ela levantouosolhosdolaptopparanós.—GraçasaDeusquevocêchegou—eladisse,olhandoparamim.—Jilldisseque
vocês tinham saído e eu esperava conseguir falar com você antes que voltasse paraAmberwood.Algomediziaquedalinãopodiavir coisaboa,mas tinhapreocupaçõesmaioresno
momento.— O que você está fazendo aqui? — perguntei, achando que os caçadores iriam
passarpelaportaaqualquermomento.—Vocêdevia ficarnoClarenceaté iremboradacidade.—Voudepoisdeamanhã—elaconfirmou,levantandodosofá,comosolhosacesos
pelomisteriosomotivoqueahavialevadoatélá.—Maseutinhaquefalarcomvocê…pessoalmente.—Euteriaidoencontrá-la—protestei.—Nãoésegurovocêsairnarua.—Euestoubem—eladisse.—Tomeicuidadoparanãoserseguida.Nãodavapra
esperar—eladisse,agitadaesemfôlego.Mais importante do que ser capturada por aspirantes a caçador de vampiros?
Duvidavamuito.Adriancruzouosbraços,parecendosurpreendentementedesaprovativo.—Agoraétarde.Qualéoproblema?—ChegaramosresultadosdoexamedesanguedeSydney—Sonyaexplicou.Meucoraçãoparou.Não,pensei.Não,nãoenão.—Nãoapareceunenhumaalteração fisiológica, assimcomooresultadodeDimitri
—eladisse.—Nadadediferentecomasproteínas,osanticorposoucoisaassim.Meu coração se encheu de alívio. Eu estava certa. Não havia nada de especial em
mim, nenhuma qualidade inexplicável. Mesmo assim… ao mesmo tempo senti umapontinhadedecepção.Nãoseriaeuquemresolveriatudo.—Dessavez,mandamosparaumlaboratórioMoroi,enãoparaumalquimista—
Sonya continuou. — Um dos pesquisadores, que era usuário de terra, sentiu umzumbidodemagiade terra.AssimcomoAdrianeeusentimosoespíritonosanguedeDimitri. O técnico pediu para usuários de outros tipos de magia examinarem suaamostra,eelesdetectaramtodososquatroelementosbásicos.O pânico voltou a tomar conta de mim, colocando-me numa montanha-russa de
emoçõesquemedeixavaenjoada.—Magia…nomeusangue?—Umsegundodepois,entendi.—Claroquesim—
disse devagar, tocandominha bochecha.—A tatuagem contém sangue de vampiro emagia.Éisso.Elacontémgrausdiferentesdeencantosdeváriosusuários.Deveserissoqueapareceunaamostra.Senti um calafrio.Mesmo com aquela explicação lógica, era assustador aceitar que
havia magia correndo no meu sangue.Ainda achava os feitiços da sra.Terwilligerabomináveis,maspelomenoseraumconsolosaberqueelestiravamamagiade forademim.Mas saber que eu tinha algo dentro demim era assustador.Mesmo assim, nãopodiaficarsurpresacomessadescoberta,sabendodatatuagem.Sonyaconcordoucomacabeça.—Sim,claro.Masdeve teralgumacoisanessacombinaçãoqueérepulsivaparaos
Strigoi.Podeserachaveparatodaanossapesquisa!Paraminhasurpresa,Adriandeualgunspassosnaminhadireção,ehaviaumatensão
emsuaposturaqueeraquase…protetora.—Entãovocêdescobriuqueexistemagianosanguealquimista—eledisse.—Não
énenhumanovidade.Casoencerrado.Oquemaisvocêquerdela?—Outraamostra,paracomeçar—Sonyarespondeu,afoita.—Oprimeirofrasco
quepeguei acaboudepoisdo teste. Seiquepareceestranho,mas tambémseriabomseum Moroi pudesse… bem, pudesse experimentar o seu sangue para saber se tem omesmo gosto repulsivo que tempara os Strigoi.O ideal seria sangue fresco,mas nãotenho a ilusão de que você se submeteria a um fornecimento. Podemos apenas coletaroutraamostrasuae…—Não— interrompi, cambaleando para trás, horrorizada.—De jeito nenhum.
Não importaseédiretonopescoçooucomumaagulha,nãovoudarmeusangueparaalguémexperimentar.Vocêtemideiadecomoissoéerrado?Seiquevocêsfazemissootempo todo com os fornecedores, mas eu não sou um deles. Não devia ter dado aprimeiraamostraavocê.Vocêsnãoprecisamdemim.Osegredoestánoespírito.Leeéprovadequesãoosex-Strigoiquevocêsprecisamexaminar,enãoamim.Sonyanãosedeixouintimidarcomaminhareação.Elacontinuou,masseutomera
aindamaiscalmo.— Eu entendo seu medo, mas pense em como isso pode ser útil! Se algo no seu
sangueatornaresistenteaosStrigoi,vocêpodesalvarinúmerasvidas!—Alquimistasnãosãoresistentes—eudisse.—Atatuagemnãonosprotege,seé
aíquevocêquerchegar.Vocêachaque,emtodaanossahistória,nenhumalquimistafoitransformadoemStrigoi?—Bem,claro—eladisse,hesitando,oquemeincentivouacontinuar.—Entãoamagiaquevocêssentiramemmiméirrelevante.Ésóatatuagem.Todos
osalquimistastêm.Talveznossosanguetenhaumgostoruim,masissonãotemnadaavercoma transformaçãoemStrigoi.Ela tambémpodeacontecercomagente.—Euestavafugindodoassunto,masnãomeimportava.Sonyaficouperplexa,processandoasimplicaçõesdoqueeuhaviadito.—Mas todos os alquimistas têm sangue de gosto ruim? Se sim, como um Strigoi
conseguiriadrená-los?—Talvez varie de pessoa para pessoa— especulei. — Ou talvez alguns Strigoi
sejammais resistentesdoqueoutros.Não sei. Seja como for,nãoé em nós que vocêstêmqueseconcentrar.—Amenosquetenhaalgumacoisadeespecialemvocê—Sonyasugeriu.Não. Eu não queria aquilo.Não queria ser examinadaminuciosamente, trancafiada
atrásdeumaparededevidro comoKeith. Nãopodia.Torciparaqueelapercebesseotamanhodomeumedo.—Elaéespecialemmuitosaspectos—Adrianinterrompeu,seco.—Masosangue
delanãoéobjetodedisputa.Porquevocêestáinsistindonissodenovo?Sonyafixouosolhosnele.— Não estou fazendo isso por motivos egoístas, e você sabe disso! Quero salvar
nossopovo.Querosalvar osnossospovos.NãoquerovermaisnenhumnovoStrigoinomundo.Ninguémpodeviverdaquele jeito.—Uma faíscade terrorpairou sobre seusolhoscomopesodeuma lembrançaantiga.—Essa sedede sangue,essa falta totaldecompaixãoporqualquercriaturaviva…Ninguémpodeimaginarcomoéviverdaquelejeito, vazio por dentro.Você vira um pesadelo ambulante e… nem se importa comisso…— Engraçado—Adrian disse—, considerando que foi você quem decidiu virar
Strigoi.Sonya ficou pálida, eme senti dividida. Ficava grata porAdrianme defender,mas
senti pena de Sonya.Uma vez elame explicara como a instabilidade do espírito— amesma que Adrian temia — a havia levado a se tornar Strigoi. Em retrospecto,arrependia-se amargamente dessa decisão. Sonya teria se submetido à punição, masnenhumtribunalsoubelidarcomasituaçãodela.—Foiumerro—eladisse,friamente.—Aprendicomeleeéporissoquedesejo
tantosalvaroutraspessoasdessedestino.—Bem,entãoencontreumamaneiradefazerissosemenfiarSydneynomeio.Você
sabe comoela se senteemrelação anós—Adrian titubeou aomeolharde relance, eme surpreendi ao notar um quê de amargura em sua voz. —Você sabe como osalquimistas se sentem. Se continuar envolvendo Sydney nisso, ela vai se meter emconfusão comeles.E se você tem tanta certeza de que eles têm as respostas, peça porvoluntáriosefaçaosexperimentos.—Possoajudaraconseguirvoluntários autorizadosparavocê—ofereci.—Posso
falarcomosmeussuperiores.ElesqueremdarumfimaosStrigoitantoquantovocês.ComoSonyademorouaresponder,Adrianadivinhouporquê.—Elasabequeelesdiriamnão,Sage.Éporissoqueestáapelandodiretamentepara
você,efoiporissoquenãomandouseusangueparaumlaboratórioalquimista.—Porque vocês não conseguemenxergar a importância disso?—Sonya inquiriu,
comumdesejodesesperadodefazerobemquemefezmesentirculpadaedividida.— Eu consigo —Adrian disse. —Você acha que não quero ver todos aqueles
malditos Strigoi varridos da face da terra? Eu quero! Mas não às custas de forçar aspessoasafazeremoqueelasnãoquerem.Sonyalançou-lheumolharlongoedireto.—Achoquevocêestádeixandoseussentimentosinterferiremnissotudo.Issoainda
vaiacabarcomanossapesquisa.Elesorriu.—Entãoquebomquevocêvaiseverlivredemimdaquiadoisdias.Sonya alternouoolhardemimpara ele, parecendoprestes a dizer algo,mas então
pensoumelhor e, sem dizer outra palavra, foi embora, derrotada.Mais uma vez mesentidividida.Em teoria, sabiaqueela estava certa…masmeus instintosnãopodiamaceitaressaideia.—NãoqueriaterchateadoSonya—eudisseporfim.
AexpressãodeAdriannãodemonstravaqualquersolidariedade.—Elaquenãodeviaterchateadovocê.Sonyasabecomovocêsesente.Aindamesentiumpoucomal,masnãoconseguiaabandonarasensaçãodeque,caso
cedesse,elescontinuariamamepedirmaisemais.Me lembreidodiaemqueEddieeDimitri foram cobertos pela magia do espírito. Eu não queria correr o risco de meenvolveratéesseponto.Jáestavaultrapassandomeuslimites.—Eusei…masédifícil—falei.—GostodeSonya.Deiaprimeiraamostraaela,
entãoentendoporqueelaachouqueseriafácilconseguirasegunda.—Nãoimporta—eledisse.—Nãoénão.—Achoquevoumesmofalarsobreissocomosalquimistas—eudisse.—Talvez
elesqueiramajudar.Eunãoachavaqueteriamuitosproblemasportercedidoaprimeiraamostra.Afinal,
os alquimistas apoiavamos experimentos iniciais, e provavelmente eu ganharia pontospormerecusaradarumasegundaamostramesmodiantedapressãodogrupo.Eledeudeombros.—Sequiserem,ótimo.Senão,aculpanãoésua.—Bom,obrigadapormedefenderbravamentedenovo—brinquei.—Talvezvocê
seenvolveriamaisnotreinamentodeWolfesetivessedeprotegeroutrapessoa,enãoasimesmo.Aquelevelhosorrisovoltouaosseuslábios.—Nãogostodeveraspessoassendopressionadas,sóisso.—MasvocêdeviavoltaràauladeWolfecomigo—insisti.—Vocêprecisadeuma
chanceparatentarganhardemim.Derepente,eleficousérionovamenteedesviouoolhar.—Não sei, Sage.Vamos ver. Por enquanto, querome concentrar em aprender a
dirigir…quandovocêpuderfugirdonamorado,claro.Fui embora pouco depois, ainda confusa como comportamento estranho dele. Será
queera algumefeitomalucodoespírito?Numminuto,eleestavacorajosoeprotetor.Nooutro,tristonhoefechado.Talvezhouvesseumpadrãooualgumtipoderaciocínioportrásdaquiloqueestavaalémdaminhacapacidadeanalítica.DevoltaaAmberwood,fuidiretamenteparaabibliotecapegarumlivroparaaaula
de inglês.Asra.Terwilligerhaviaaliviadopartedasminhas tarefasusuaisparaqueeupudesse“dedicarmaistempo”àrealizaçãodosfeitiços.Comooestudoindependentecomela—quedeveria serminhamatériamais fácil—tomavamais tempodoque todooresto,eraumalíviopodermeconcentraremoutracoisaparavariarumpouco.Aosairda seçãode literatura inglesa, avistei Jill eEddie estudando juntos numamesa.Aquilonãoeraexatamenteestranho.EstranhoeraMicahnãoestarjuntocomeles.—Oi,gente—eudisse,puxandoumacadeira.—Dandoduro?—Temideiadecomoéestranhocursaroúltimoanodenovo?—Eddieperguntou.
—Eeunempossomataraula.Precisotirarnotasdecentesparacontinuaraqui.—Ah,todoconhecimentoéválido—respondi,abrindoumsorriso.
Elemostrouospapéisàsuafrente.—Ah, é? E você tem algum conhecimento sobre a primeira mulher a ganhar o
Pulitzerdeficção?—EdithWharton—respondiautomaticamente.Elerabiscoualgumacoisanopapel
emevireiparaJill.—Comovãoascoisas?CadêoMicah?Jill estava como queixo apoiado namão,me encarando comuma expressãomuito
estranha,quase…contemplativa.Elalevoualgunssegundosparaserecuperardotorporeresponder.Oolharcontemplativodeulugaraumconstrangimentoque,porsuavez,setransformouemdesalento.Elabaixouosolhosparaolivro.— Desculpa. Estava pensando em como você fica bem de bege. O que você
perguntou?—Micah?—insisti.—Ah,certo.Ele…temumascoisasparafazer.Tinhacertezaquaseabsolutadequeaquelaeraaexplicaçãomaiscurtaqueelajáhavia
medado.Tenteimelembrardaúltimanotíciaqueouvirasobreasituaçãodosdois.—Vocêsseentenderam,né?— Sim. Acho que sim. Ele entendeu sobre o Dia de Ação de Graças — ela
respondeu, e em seguida abriu um sorriso.—Ei, Eddie e eu estávamos falando sobreisso. Você acha que poderíamos comemorar o Dia de Ação de Graças na casa deClarence,comoumagrandefamília?Vocêachaqueeleiriaseimportar?Todospodemosajudareseriabemdivertido.Tipo,mesmotirandoodisfarce,nósrealmentesomosumafamília.Eddiedissequepodefazeroperu.—AchoqueClarence iriaadorar—eudisse,contenteporvoltaravê-lasorrindo.
Então, repensei o que ela havia dito e me dirigi a Eddie, incrédula. —Você sabeprepararumperu?Onde aprendeu isso?—Peloqueeu sabia, amaioriadosdampirospassava quase o ano todo nas escolas desde amais tenra idade, semmuito tempo paraaprenderacozinhar.—Ei—elerespondeu,sério.—Todoconhecimentoéválido.—Eletambémnãoquismecontar—Jillcomentou,rindo.—SabiaqueAngelinedizquesabecozinhartambém?—Eddiefalou.—Estávamos
conversandosobreissonocafédamanhã.Eladizquesabefazerperutambém,então,sejuntarmosforças,podeserquedêcerto.Claroqueelaprovavelmentevaiquerercaçaremataroperudelacomasprópriasmãos.—Provavelmente—eudisse.Era incrívelvê-lo falandosobretrabalharemequipe
comAngeline.Ainda mais incrível era que estivesse falando dela quase com carinho,semfazernenhumacareta.Cadavezmaiseuachavaqueoshowzinhodelanaassembleiada escola tinha sidouma coisa boa.Nãoprecisávamosdemais discórdia no grupo.—Bem,jápegueioquevimpegar,agoravouparaoalojamento.Vejovocêsamanhã.—Atémais—Eddiesedespediu.Jillnãodissenadae,quandoolheiparaela,aindameobservavacomaquelaexpressão
estranhaedeslumbrada.Elasoltouumsuspirofeliz.
—Adriansedivertiumuitocomvocênaaulahoje,sabia?Quaserevireiosolhos.—Nadaésegredoparaolaço.Elenãopareciaestarsedivertindootempotodo.—Ah,maselerealmentesedivertiu—elamegarantiu,comumsorrisobobono
rosto.—Ele adora o fato de que você gostamais do carro dele do que elemesmo, eacha fantásticocomovocêestá indobemnocursodedefesapessoal.Nãoque sejaumasurpresa.Você é sempre boa em tudo o que faz, sem nem perceber.Você não se dácontademetadedascoisasquefaz,comoojeitoquecuidadosoutrossemnuncapensaremsimesma.Até mesmo Eddie pareceu um tanto surpreso com aquilo. Trocamos olhares
desnorteados.— Bem — respondi, constrangida, realmente sem saber como reagir àquela
declaração de amor. Pensei que fugir seria amelhor opção.—Obrigada.Vejo vocêsdepoise…Ei,ondevocêconseguiuisso?—Hum?—elaindagou,saindodotorpor.Jillestavausandoumlençodesedanopescoço,pintadoemtonsdepedraspreciosas
que quase lembravam uma cauda de pavão.Também me lembrava de mais algumacoisa,maseunãoconseguiaidentificaroquê.—Olenço.Nuncaviesselençoantes.—Ah—eladisse,passandoosdedospelotecidomacio.—Liamedeu.—Quê?QuandovocêviuaLia?—Elapassounoalojamentoontemparadevolverosvestidos.Nãofaleinadaporque
sabiaquevocêiaquererentregarparaeladenovo.—Eeuquero—respondi,firme.Jillsuspirou.—Ah,vamosficarcomeles,vai.Sãotãobonitos.Evocêsabequeelavaitrazerde
voltadequalquerjeito.—Depoisagenteconversa.Agoramedigaqualéadolenço.— Não é nada de mais. Ela estava tentando me convencer sobre a coleção de
lenços…— Sim, sim, ela também me contou. Que acha que consegue fazer você ficar
irreconhecível.—Sacudiacabeça,sentindoumaraivasúbita.Seráquenadamaisestavasobmeucontrole?—Nãoacreditoqueela fez issopelasminhascostas!Por favor,medigaquevocênãosaiucomelaàsescondidasparafazerumensaio.—Não,não—elarapidamenterespondeu.—Claroquenão.Masvocênãoacha…
nãoachaqueexistaalgumjeitodeelaconseguirescondermeurosto?Tenteimemantercalma.Afinal,eracomLiaqueeuestavabrava,nãocomJill.—Talvezsim.Talveznão.Vocêsabequenãopodemosarriscar.Jillfezquesim,entristecida.—Sei.SaítãodistraídacomaminhairritaçãoquequasetrombeicomTrey.Quandoelenão
respondeumeuoi,percebiqueestavaaindamaisdistraídodoqueeu.Seuolharpareciaassombrado,eseucorpo,exausto.—Vocêestábem?—perguntei.Comesforço,eleabriuumsorrisofraco.— Sim, sim.Apenas sentindomuita pressão por todos os lados.Nada demais. E
você?Normalmente não precisam expulsar você daqui?Ou finalmente cansou de ficaroitohorasnabiblioteca?—Sóvimpegarumlivro—respondi.—Esófiqueidezminutosaqui.Passeiquase
anoitetodafora.Elefranziuatesta.—SaiucomBrayden?—Vousaircomeleamanhã.Hojeeutive…umasquestõesdefamíliapararesolver.Elefranziuaindamaisatesta.—Você tem saído muito, Melbourne.Tem ummonte de amigos fora da escola,
hein?—Nemtanto—respondi.—Não tenho saídopracurtir anoite, seéoquevocê
estápensando.— Certo. Mas tome cuidado. Ouvi dizer que estão acontecendo umas coisas de
metermedoultimamente.Lembrei que ele também havia demonstrado preocupação com Jill. Eu costumava
acompanharonoticiáriolocalenãotinhaouvidonadadealarmantenosúltimosdias.—Oquê?TemalgumaondadecrimesemPalmSpringsqueeudeveriasaber?—Sótomecuidado—elerespondeu.Quandoestávamosnosafastando,euochamei.—Trey? Eu sei que isso não é da minha conta, mas se você estiver com algum
problema… e quiser conversar, eu estou aqui, viu?— Isso era um grande avanço daminhaparte,vistoquenãotinhalámuitashabilidadessociais.Treyabriuumsorrisomelancólicoedisse:—Certo.Volteimeioabaladaparaoalojamento.Adrian,Jill,Trey.Achoque,contandoEddie
eAngelinesedandobem,todomundonaminhavidaestavasecomportandodeumjeitoesquisito.Fazpartedotrabalho,pensei.Assim que cheguei ao quarto, liguei para Donna Stanton, dos alquimistas. Nunca
sabiaaocertoemquefusohorárioelaestava,entãonãomepreocupeiporsertãotarde.Elaatendeuimediatamenteenãopareciacansada,oquetomeicomoumbomsinal.Elanão havia respondidomeu e-mail sobre os guerreiros e eu estava ansiosa por notícias.Elesrepresentavamumaameaçagrandedemaisparaquefossemignorados.—Srta. Sage—eladisse.—Estavapensandoem ligar logomaispara você.Está
tudobemcomagarotaDragomir?— Jill? Sim, ela está ótima.Queria confirmar algumas coisas.A senhora recebeu
minhasinformaçõessobreosGuerreirosdaLuz?
Stantonsoltouumsuspiro.—Erasobreissoqueeuqueriafalarcomvocê.Houvealgumoutroconfronto?—Não.Eparecequenãoestãomaisnosseguindo.Talveztenhamdesistido.—Achopoucoprovável.—Elapareceuhesitar antesdedizer a frase seguinte.—
Pelomenosdeacordocomoqueobservamosnopassado.Congelei,perdendoafalaporummomento.— No passado? Quer dizer… quer dizer que já tivemos contato com eles antes?
Tinhaesperançasdequefossemsó…seilá.Umgrupodemalucoslocais.—Infelizmente,não. Jáosencontramosantes.Aconteceesporadicamente.Maseles
surgemportodaaparte.Nãoestavaacreditandonosmeusprópriosouvidos.—Massempremedisseramqueoscaçadorestinhamdesaparecidohaviaséculos.Por
queninguémfalasobreisso?— Honestamente? — Stanton disse. — A maioria dos alquimistas não sabe.
Queremosconduzirumaorganizaçãoeficiente,que lidecomoproblemadosvampirosdeumjeitoorganizadoepacífico.Algumaspessoasnogrupopodemquerertomaraçõesmaisextremistas.Porisso,émelhormanteraexistênciadeumgrupodissidenteradicalemsegredo.Nãoterianemcontadoavocê,mascomtodososencontrosquevocêandatendo,precisaestarpreparada.—Grupodissidente…entãoelestêmmesmoumarelaçãocomosalquimistas!—eu
disse,sentindo-meenjoada.—Hámuitotemponão.—Elatambémparecianãogostarnemumpoucodaquilo.
—Quasenãohámaisnenhumasemelhança.Elessãoumbandodebárbarosmalucos.Oúnicomotivo para os deixarmos em paz é porque só costumam perseguir os Strigoi.EssasituaçãocomSonyaKarpémaisdelicada.Elavoltouasofreralgumaameaça?—Não.Euavihoje…Aliás,esteéoutromotivoparaeuterligado…Dei a Stanton um resumo dos vários experimentos com sangue, incluindo minha
primeira doação.Descrevi em termosmuito científicos,mostrando como poderia serútilcomodadoadicional.Então, fizopossívelparaparecerdevidamenteassustadapelosegundopedido,oque,diga-sedepassagem,nãofoinadadifícil.— De jeito nenhum — Stanton disse, sem hesitar. Normalmente as decisões
alquimistas passavam pelas cadeias de comando, mesmo no caso de alguém com umcargo tão importante como ela. Sua reação indicava que a ideia era tão contrária àscrenças alquimistas que ela não precisava consultar ninguém.— Sangue humano paracontrole é uma coisa.O resto que ela sugeriu está fora de questão.Não vou permitirquehumanossejamusadosnessesexperimentos,aindamaisquandoasevidênciassãotãoclarasnosentidodequeofocoprecisasernosex-Strigoi,enãoemnós.Alémdomais,issopode serumamanobradosMoroiparaconseguirmaisdonosso sanguepor razõespessoais.Não acreditava nem um pouco nessa última parte e tentei encontrar umamaneira
delicadadedizerisso.
—Sonya parece acreditar sinceramente que isso pode nos ajudar a descobrir comonos proteger dos Strigoi. Ela só parece não entender comonos sentimos em relação aisso.—Claroquenão—eladisse,comdesdém.—Nenhumdelesentende.Voltamos a nos concentrar nos caçadores de vampiros. Os alquimistas estavam
investigando algumas pistas na região. Ela não queria que eu fizesse nenhumainvestigação ativa por conta própria, mas fiquei incumbida de relatar imediatamentequalquer informação que chegasse até mim. Ela supunha que os Guerreiros da Luzestavamoperandoapartirdeumlocalnaregiãoeque,quandodescobrissemondeera,osalquimistas“dariamumjeitoneles”.Nãosabiaaocertooqueissosignificava,masseutom me causou um arrepio. Como ela mesma havia dito, não éramos um grupoparticularmenteagressivo…emborafôssemosótimosemnoslivrardeproblemas.—Ah — eu disse, quando estávamos prestes a desligar —Vocês chegaram a
descobriralgumacoisasobreotaldoMarcusFinch?EuhaviatentadolocalizarohumanomisteriosoqueClarencemencionaraqueohavia
salvadodoscaçadores,masnãoencontraranada.TinhaesperançasdequeStantontivessemaismeiosparaisso.—Não.Mas vamos continuar procurando.—Fezumapausa breve e acrescentou:
—Srta.Sage…nãotenhopalavrasparaexpressaroquantoestamoscontentescomtodoo seu trabalho.Você enfrentoumais problemas do que esperávamos e,mesmo assim,lidou com todos eles com competência e eficiência.Até seu comportamento com osMoroiéexcepcional.UmapessoamaisfracapoderiatercedidoaopedidodeKarp.Vocêserecusoueentrouemcontatocomigo.Ficomuitoorgulhosadeterapostadoemvocê.Sentiumapertonopeito.Muitoorgulhosa.Nãoconseguiamelembrardaúltimavez
que alguém afirmara ter orgulho de mim. Minha mãe vivia me dizendo isso, masninguém ligado ao meu trabalho como alquimista já o tinha feito. Durante muitotempo, quis que meu pai dissesse. Por fim, acabei desistindo de esperar sentada.Dificilmente poderia dizer que Stanton era uma figura paterna, mas suas palavrasdesencadearamumafelicidadeemmimqueeunãosabiaqueestavaesperandoparasair.—Obrigada—eudisse,quandofinalmenteconseguiabriraboca.— Continue assim— ela disse.— Quando puder, vou tirar você desse lugar e
colocá-lanumcargoquenãoenvolvatantocontatocomeles.E,naquelemomento,meumundocaiu.Sentiumaculpasúbita.Elarealmentehavia
apostado em mim e agora eu a estava iludindo. Eu não era como Liam, prestes aentregar minha alma aos Strigoi, mas também não estava me mantendo objetiva emrelaçãoàminhamissão.Aulasdedireção.DiadeAçãodeGraças.OqueStantonteriaadizer se soubessede tudo isso?Euerauma farsa, colhendoglóriasquenãomerecia.Serealmentefosseumaalquimistadedicada,mudariaminhavidaali.Parariacomtodasasatividades supérfluas com Jill e os outros. Sequer assistiria às aulas emAmberwood eaceitaria a oferta de morar fora dali. Só iria até lá para ver o grupo quando fosseabsolutamentenecessário.
Seconseguissefazeressascoisas,então,esóentão,euseriaverdadeiramenteumaboaalquimista.Etambém,percebi,seriaumapessoatristeeterrivelmentesolitária.—Obrigada—eudisse.Foiaúnicarespostaqueconseguidar.
18
NAMANHÃSEGUINTE,Jillnãomeolhoucomomesmobrilhonosolhos,oque foium alívio.Micah ressurgiu das cinzas e, apesar de não estarem flertando como antes,conversavamanimadamente sobreoprojetodeciênciasqueelaestava fazendo.EddieeAngeline também estavam absortos numa conversa, fazendo planos para quando elaestivesse livre da suspensão. Os olhos dela faiscavam de felicidade e percebi que elaalimentava um sentimento sincero por ele. Não havia dado em cima dele apenas pelaconquista.MepergunteiseEddietinhanoçãodisso.Emvezdesentirqueestavasobrando, fiqueicontentedevermeupequenogrupose
dandobem.AindaestavanumconflitointernoporcontadaconversacomStanton,masnãohavianadadeerradoemapreciar apazque reinava ali.Estariamais feliz ainda seTreytivessevoltadoaonormal,masaoentrarnaauladehistóriamaistarde,viqueeletinha faltadodenovo.Podia apostar que ele alegariamais algumproblemade família,masminhas antigas suspeitas ressurgiram— e se a família dele fosse responsável portodosaqueles ferimentos?Seráqueeudeviacomunicarminhaspreocupações a alguém?Quem?Poroutrolado,nãoqueriatirarconclusõesprecipitadas,oquemedeixavanumimpasse.SempresentavaaoladodeEddienasala,emeinclineiparapertodeleantesdosinal
tocar,abaixandoavozparafalardeoutroassunto.—Ei,vocêpercebeuqueaJillandaestranhapertodemim?—Elaandacommuitacoisanacabeça—eledisse,semprerápidoemdefendê-la.—É, eu sei,mas você deve ter notado ontem à noite.Na biblioteca?Quer dizer,
considerando que sou péssima para perceber essas coisas, parecia que ela estavaapaixonadapormimoualgodotipo.Eleriucomaideia.— Ela estava exagerando mesmo, mas não acho que precise se preocupar com
algumaquestãoamorosa.Elaadmiramuitovocê,sóisso.Partedelaaindaquerseruma
guerreira valente…— Ele fez uma pausa para saborear a ideia, com um misto deorgulhoeencantamentonorosto,antesdevoltaraolharparamim.—Mas,aomesmotempo,vocêestámostrandoaelaquehámuitasoutrasformasdeserforte.— Obrigada — agradeci, um tanto confusa. — Mas, por falar nela como uma
guerreira valente…—Examinei-o, curiosa.—Por que você não a treinamais?Nãoquerqueelaaperfeiçoeashabilidadesdeluta?—Ah.Bem…tenhoalgunsmotivosparaisso.Uméqueprecisomeconcentrarem
Angeline.Outro é que simplesmente não quero que Jill se preocupe com isso. Sou euqueprecisoprotegê-la.—Euhaviaimaginadoexatamenteessesmotivos,masnãooqueveioaseguir:—Eachoque…outracoisaéquenãomesintobemtendocontatofísicocomela.Querdizer,seiquenãosignificanadapraela…massignificapramim.Denovo,minhashabilidadessociaislevaramumtempoparaprocessaraideia.—Vocêquerdizerquenãogostadeterdetocá-la?Eddieficouvermelho.—Issonãomeincomodanemumpouco,eesseéoproblema.Émelhorpassarmos
tempojuntossemencostarumnooutro.Não esperava por isso, mas consegui compreender. Deixando Eddie com seus
própriosdemônios,seguiomeudia,pensandooquepoderia teracontecidocomTrey.Tinhaesperançasdequeeleentrassenaaulaatrasado,oqueacabounãoacontecendo.Narealidade, ele não apareceu durante o dia todo, nem mesmo no final do meu estudoindependente,comopenseiquefariaparapegaraslições.—Vocêparecepreocupada—asra.Terwilligermedisse,observandoenquantoeu
arrumavaascoisasdepoisqueosinaltocou.—Commedodenãoconseguirentregaroprojetodentrodoprazo?—Não.—Naverdade,eujáhaviaterminadodoisamuletos,masobviamentenãoia
contar isso a ela.—Estoupreocupada comTrey.Ele anda faltandomuito.A senhorasabeporqueelenãotemvindo?Querdizer,sepudermecontar.—Asecretarianosavisaquandooalunofaltaodiatodo,masnãodizporquê.Sefaz
você se sentir um pouco melhor, Juarez avisou que faltaria de manhã. Ele nãodesapareceu.Quase mencionei meus medos em relação à família dele, mas me contive.Ainda
precisavademaisevidências.Emmeio àspreocupações comTrey,o trabalhoda sra.Terwilliger,os guerreiros,
Brayden e toda a minhamiríade de complicações, eu sabia que não podia desperdiçarmeu tempo livre.Mesmo assim, fui à casa deAdrian depois da aula numamissão quenãopoderiarecusar.NocaminhodevoltadaauladeWolfe,Adrianhaviamencionado,comoquemnãoquernada,quenãomandaraummecânicodarumaolhadanoMustangantes de comprá-lo.Apesar da minha avaliação amadora não ter encontrado nenhumproblema no carro, insisti que Adrian levasse o veículo para uma vistoria, o queobviamente significava que eutivedeprocurarumaoficinaespecializadaemarcarumahora. O horário era pouco antes do meu encontro no museu de tecidos, mas tinha
certezadequedariatempodefazertudo.— O antigo dono parecia bem confiável—Adrian disse, depois de deixarmos o
carronomecânico.Elenosavisaraqueoolharianamesmahoraequepoderíamosdarumavoltaenquantoesperávamos.Aoficinaficavanosarredoresdeumaárearesidencial,entãoAdriansugeriuquedéssemosumavoltapelavizinhança.—Etudocorreubemnotest-drive,porissoimagineiquenãotinhanenhumproblema.— Mas pode ter algum problema que você não viu. É melhor prevenir do que
remediar—eudisse,cientedequeestavasendoimplicante.—Jáéruimobastantetercompradoumcarroquevocênãosabedirigir.Aoolharparaele,viasombradeumsorrisoemseurosto.—Comasuaajuda,vouficarprofissionalrapidinho.Claroque,sevocênãoquiser
ajudarmais,possomevirareaprendersozinho.Resmunguei:—Vocêsabeoqueeutenhoadizersobreiss…Uau.A região emque estávamos eramuito rica. Eu diria que as casas eramverdadeiras
mansões. Paramos diante de uma que parecia um misto de hotel-fazenda e mansãosulista, grande e larga com um alpendre sustentado por pilares e revestimento deestuque cor-de-rosa. O jardim ostentava uma mistura de climas, grama verde epalmeirasladeandoocaminhoatéacasa.Asárvorespareciamsentinelastropicais.— Incrível—eudisse.—Adoro arquitetura.Emoutra vida, teria estudado isso,
em vez de química e vampiros. — Conforme seguíamos adiante, vimos mais casassemelhantes, cada qual tentando superar as outras.Todas tinham cercas altas e sebesprotegendoosquintais.—Queriasaberoquetemláatrás.Piscinas,provavelmente.Adrian parou em frente a uma delas, amarela como seu carro, que exibia outra
misturadeestilos, como se fosseumaversão sulistadeumcastelomedieval, adornadaporpequenastorres.—Belajustaposição—elecomentou.Vireiparaele,sabendoquemeusolhosestavamarregaladosdesurpresa.—Vocêacaboudeusar“justaposição”numafraseouéimpressãominha?—Sim,Sage—ele respondeu,compaciência.—Otermoéusadoo tempo todo
emartequandosemisturamcomponentesdiferentes.Eeuseiconsultarodicionário.—Eledesviouo olhar e voltou a examinar a casa, pousandoos olhos num jardineiro quepodavaascercasvivas.Umsorrisomarotoperpassouseuslábios.—Quervercomoéláatrás?Vem.—Oquevoc…Antesqueeupudessedizeroutrapalavra,Adrianavançouapassos largospelatrilha
de granito e cortou caminho pelo gramado até onde o rapaz estava trabalhando. Nãoqueria ter nada a ver com aquilo,mas a parte responsável emmim não podia deixarAdrianentraremapuros.Corriatrásdele.—Osdonosestãoemcasa?OjardineiroparoudepodarefixouosolhosemAdrian.
—Não.—Quandoelesvoltam?—Depoisdasseis.Osimplesfatodeosujeitoestarrespondendoàquelasperguntasmedeixouespantada.
Semeperguntassemaquilo,eupensariaqueapessoaestavaplanejandoumassalto.Entãonoteioolharvítreodojardineiroeentendioqueestavaacontecendo.—Adrian…Osolhosdelenãopararamdeencararfixamenteorostodorapaz.—Leveagenteparaoquintaldosfundos.—Claro.Ojardineirodeixouatesouracaireseguiuemdireçãoaumportãonalateraldacasa.
TenteichamaraatençãodeAdrianparapôrumfimàquilo,maseleestavaandandomaisrápidoqueeu.Nossoguiaparounoportão,digitouumcódigodesegurançaenoslevouparaosfundos.Meusprotestoscessaramquandoolheiaoredor.A área dos fundos era quase três vezes maior que a da frente. Mais palmeiras
cercavamoquintal, ladeadoporum jardimrepletodeplantasnativas enãonativasdaregião. O espaço era dominado por uma piscina oval gigantesca, cujo tom turquesacontrastava como cinzadogranito ao redor.Ao ladodela, algunsdegraus subiamatéumapiscinaquadradaemenor,emquecaberiamalgumaspoucaspessoas.Umaqueda-d’água jorrava entre esta piscina e a maior.Tochas e mesas rústicas completavam oambienteluxuoso.—Obrigado—Adriandisseao jardineiro.—Volteparaoseutrabalho.Nãotem
problemaficarmosaqui.Nósconhecemosasaída.—Claro—orapazrespondeu,voltandopelocaminhoquehavíamosentrado.Volteisubitamenteaomundoreal.—Adrian!Vocêusoucompulsãonomoço.Isso…sério,issoé…— Fenomenal?—Adrian sugeriu, seguindo em direção aos degraus que levavam
paraapiscinamenor.—É,eusei.—É errado!Tudo isso. Invadir essa casa, usar a compulsão…—Apesar do calor
escaldante,sentiumcalafrio.—Éimoralcontrolaramentedeoutrapessoa.Vocêsabedisso.Nossospovosconcordamnesseponto.—Ei,ninguémsaiuferido.—Elesubiuaotopodapiscinaeficoudepénabeirada,
como se vigiasse seu império. O sol destacava o brilho castanho de seu cabelo. —Acredite, aquele cara foi fácil de controlar.Não tinha amenor força de vontade.Malpreciseiusaracompulsão.—Adrian…—Semessa,Sage.Ninguémsaiuferido.Vemcáolharessavista.Estava quase commedo de ir até lá. Era tão raro ver osMoroi usandomagia que
ficava fácil fingir que ela não existia.VerAdrian fazendo uso dela, da maneira maistraiçoeira possível, fez minha pele arrepiar. Como tinha dito à sra.Terwilliger emnossa conversa sobre feitiços, ninguém deveria ser capaz de controlar outras pessoas
daquelaforma.—Vemcá—Adrianinsistiu.—Nãoestácommedodequeeuváusaracompulsão
parafazervocêviratéaqui,está?—Claroquenão—respondi,efalavasério.Nãosabiaporquê,maspartedemim
tinhacertezadequeAdriannunca,emhipótesealguma,mecausariaalgummal.Relutante,fuiatéondeeleestava,naesperançadeconvencê-loairembora.Quando
chegueiao topo,porém,meuqueixocaiu.Apiscinamenornãoparecera tãoalta,masproporcionava uma visão espetacular dasmontanhas ao longe, escarpadas emajestosascontra o azul do céu.A piscina maior brilhava abaixo de nós e a cascata davam aimpressãodequehavíamosentradoemalgumtipodeoásismístico.—Dahora,hein?—elecomentou.Adriansentouàbeiradapiscinamenor,arregaçouabarradacalçaetirouotêniseas
meias.—Oquevocêestáfazendoagora?—indaguei.—Aproveitandoomáximopossível.—Elecolocouospésnaágua.—Vem.Faça
algumacoisaerradaparavariarumpouco.Nãoqueissosejamuitoerrado.Nãoestamosdestruindoolugarnemnadadotipo.Hesitei,masaáguamechamava,comosetambémfossecapazdeusaracompulsão.
Meacomodando,imiteiAdrianemergulheiospésdescalçosnaágua.Ofrescordelaeraespantoso—edelicioso—sobaquelecalorintenso.—Poderiaviveràbasedisso—admiti.—Eseosdonosdacasachegaremantes?Eledeudeombros.—Possolivraragentedessa.Aquilo não eramuito tranquilizador.Virei-mepara a vistamagnífica e para a casa
majestosa.Eunãofaziaotipoquesedavaadevaneios,masvolteiapensarnoquedisserasobre levar outra vida. Como seria ter uma casa como aquela? Permanecer num sólugar? Passar os dias à beira da piscina, mergulhando sob o sol, sem ter que mepreocuparcomodestinodahumanidade?Fiqueitãoabsortanessefazdecontaqueperdianoçãodotempo.— Precisamos voltar para a oficina — exclamei.Ao olhar paraAdrian, fiquei
surpresa ao perceber que ele me observava com uma expressão de contentamento norosto. Seusolhospareciamexaminar cadaumdosmeus traços.Aoverque euo tinhaflagrado, ele desviou o olhar imediatamente, retomando a expressão sarcástica desemprenolugardaquelearcontemplativo.—Omecânicopodeesperar—eledisse.— Sim,masmarquei de encontrar Brayden daqui a pouco.Vou chegar…— Foi
entãoquedeiumaolhadamelhoremAdrian.—Oquevocêfez?Olhepravocê!Vocênãodeviaficaraqui.—Nãoétãomal.Ele estava mentindo e nós dois sabíamos disso. Era fim de tarde e o sol estava
impiedoso.Eumesmasentiraisso,apesardeofrescordaáguaterajudadoamedistrair.
Somadoao fatodequenãoeraumavampira.Claroque tinhamedodequeimaduras einsolações,mas gostavamuito do sol e tinha uma tolerância alta.Não era o caso dosvampiros.Adrian estavapingandode suor; a camiseta eo cabelo estavamensopados.Manchas
cor-de-rosacobriamseurosto.Eusabiaoqueeraaquilo: já tinhavistoemJillquandoelaforaobrigadaapraticaresportesaoarlivrenaauladeeducaçãofísica.Senãofossemtratadas,poderiamvirarqueimaduras.Levanteinumpulo.—Vamos,vocêprecisasairdaquiantesquepiore.Oquevocêtinhanacabeça?A expressão dele era surpreendentemente calma para alguém que parecia prestes a
desmaiar.—Valeuapena.Fezvocê…feliz.—Issoémaluquice.—Nãofoiacoisamaisloucaquejáfiznavida.—Adriansorriuaolevantarosolhos
paramim.Elespareciamumtantodesfocados,comosenãovissemapenaseu.—Oqueéumaloucurazinhadevezemquando?Eudeveriaestarfazendoexperimentos…Quetalanalisaroquebrilhamais:suaauraouosol?Fiqueiperturbadapelamaneiracomoelemeolhavaefalavacomigo,emelembreido
que Jill havia dito sobre o espírito ser capaz de enlouquecer os usuários aos poucos.Adriannãopareciaexatamentelouco,massemdúvidaalgooassombrava,umadiferençaclaraemrelaçãoaoseuhumorácidodesempre.Pareciaquealgumacoisatinhatomadocontadele.Melembreidaqueleversosobresonhareestaracordado.—Vamos — repeti, oferecendo a minha mão. —Você não devia ter usado o
espírito.Precisamossairdaqui.Elepegouminhamãoelevantou,cambaleante.Sentiumaondadecaloreeletricidade
passar pelomeu corpo, como da última vez em que nos tocamos, e nossos olhares secruzaram.Porummomento,sóconseguiapensarnoqueelehaviadito:Fezvocêfeliz…AfasteiessessentimentosetireiAdriandaliomaisrápidoquepude,descobrindo,no
fim, que o mecânico ainda não tinha terminado a vistoria. Pelo menos na oficinapudemos arranjar um pouco de água para Adrian e ar-condicionado. Enquantoesperávamos,mandeiumamensagemparaBrayden. Vouchegarumahoraatrasadaporcausadeunsproblemasde família.Desculpe.Vouparaaíassimquepossível .Cercadetrinta segundos depois, o celular vibrou: Só vai sobrar uma hora para visitarmos omuseudetecidos.—Époucotempo—Adriandisse,comcaradepau.Não tinha notado que ele estava lendo por cima domeu ombro.Virei o celular e
sugeriaBraydenquenosencontrássemosapenasparajantar.Eleconcordou.—Estouumdesastre—murmurei,aomeolharnoespelho.Definitivamentehavia
pagadoopreçoporficarnosol:estavasuadaeexausta.— Não se preocupe —Adrian disse. — Se ele não viu como você estava linda
naquele vestido vermelho, é provável que não note nada agora. — Hesitou e entãoacrescentou:—Nãoquehajaalgumacoisaparanotar.Vocêestábonitacomosempre.
Estava prestes a me irritar com ele por me provocar, mas quando o olhei, suaexpressãopareciaextremamentesincera.Qualquerquefossearespostaqueeuplanejavadar, ela esmoreceu nosmeus lábios eme levantei apressada para checar a situação docarroeesconderoquantoaquilomeperturbara.O mecânico finalmente terminou o serviço, sem encontrar nenhum problema, e
Adrian e eu seguimos para o centro. Ficava observando-o, preocupada, commedo dequefossedesmaiar.—Parede sepreocupar,Sage.Estouótimo—eledisse.—Mas…ficariamelhor
comumsorvete.Atévocêprecisaadmitirqueumsorvetinhocairiabemagora.Cairiamesmo,masnãodariaessasatisfaçãoaele.—Qualéoseulancecomdocesgelados?Porquevocêvivequerendoum?—Porquenósmoramosnumdeserto.Não havia argumento contra isso. Chegamos ao prédio e trocamos os carros de
lugar.Antes que ele entrasse, o enchi de recomendações para beber muita água erepousarbastante.Eentão,faleioquevinhaqueimandodentrodemim.—Obrigada pelo passeio na piscina— eu disse.—Tirando a parte em que você
quaseteveumainsolação,foiincrível.Eleabriuumsorrisopresunçoso.—Talvezvocêacabeseacostumandocomamagiadosvampiros.—Não—respondiautomaticamente.—Nuncavoumeacostumarcomaquilo.Seusorrisodesapareceu.—Claroquenão—murmurou.—Atémais.Finalmentechegueiaojantar.Euhaviaescolhidoumrestauranteitaliano,repletodo
aromadealhoequeijo.Braydenestavasentadoaumamesanocanto,bebericandoáguasob o olhar fixo da garçonete, que parecia impaciente para que ele fizesse o pedido.Senteiàfrentedele,colocandominhabolsadolado.—Mildesculpas—eudisse.—Tinhaqueresolverumacoisacommeu…irmão.SeBraydenestavabravo,nãodemonstrou.Erao jeitodele.Noentanto,me lançou
umolharinquisidor.—Eraalgumesporte?Parecequevocêcorreuumamaratona.Aquilo não era um insulto, de maneira nenhuma, mas me pegou de surpresa,
principalmente porque me fez lembrar do comentário deAdrian. Brayden não tinhaquasenadaadizer sobreminha fantasiadoDiadasBruxas,mas tinhaprestadoatençãonaquilo?—NósestávamosemSantaSofia,levandoocarrodeleparaumavistoria.—Éum lindo lugar.Secontinuar subindoaestrada,vaipararnoParqueNacional
JoshuaTree.Vocêjáfoilá?—Não.Sóliarespeito.—Éumlugaricônico.Ageologiaéfascinante.A garçonete passou e fiquei feliz ao pedir umlatte gelado. Brayden estavamais do
quecontenteaomefalarsobreageologiadoparque,elogocaímosnoritmoconfortável
dasnossasdiscussõesintelectuais.Nãosabiasobreaformaçãoespecíficadoparque,massabiamaisdoqueosuficientesobregeologiaemgeralparaacompanhá-lo.Naverdade,conseguia conversar no piloto automático enquanto minha mente devaneava de voltapara Adrian. Lembrei novamente o que ele havia dito sobre o vestido vermelho.Também não conseguia esquecer o comentário sobreme fazer feliz e como isso tinhafeitoseusofrimentovalerapena.—Oquevocêacha?—Ahn?—Percebiqueacabaraperdendoofiodaconversa,nofimdascontas.—Perguntei que tipodedeserto você achamais interessante—Brayden explicou.
— O deserto de Mojave é mais famoso, mas sinceramente prefiro o deserto doColorado.—Ah.— Retomei a conversa lentamente.— Humm, Mojave. Gosto mais das
formaçõesrochosas.Isso desencadeou um debate sobre aquelas regiões enquanto comíamos, e Brayden
parecia cada vezmais contente. Percebi que ele realmente gostava de ter alguém queacompanhasse o nível de sua conversa.Nenhumdosmeus livros tinha dito nada sobrefisgar o homem pelos debates acadêmicos, mas eu não me importava. Gostava daconversa,maselanãomecausavanenhumfrionabarriga.Preciseime lembrardequeainda estávamos no começo do relacionamento— se é que podia chamar assim. Semdúvida,apartedapaixãochegariaembreve.Conversamos por muito tempo depois do fim do jantar. Sem que pedíssemos, a
garçonete trouxe o cardápio de sobremesas quando terminamos e me surpreendi aodizer:— Nossa… não consigo acreditar na vontade que estou sentindo de um sorvete
italiano. Issonunca acontece comigo.—Talvezo suor tivesse esgotado todososmeusnutrientes…outalvezaindaestivessecomAdriannacabeça.—Nuncavivocêpedindosobremesa—Braydendisse,colocandoocardápiodelede
lado.—Nãoéaçúcardemaispravocê?Essa era outra das frases insólitas dele que podiam ser interpretadas de inúmeras
maneiras. Será que ele estavame criticando?Achava que eu não devia comer nenhumdoce?Eunãosabiadizer,masaquilobastouparaeufecharocardápioecolocá-losobreodele.Semmaisnadaprogramadoparaanoite,decidimosdarumpasseiodepoisdojantar.
AtemperaturaestavamaisamenaeaindaestavaclaroobastanteparaeunãoficarcommedodequeosGuerreirosdaLuzfossemsurgiracadaesquina.Nemporissoignoreiosensinamentos deWolfe. Continuei de olho nos arredores, atenta a qualquer coisasuspeita.Chegamos a um pequeno parque e encontramos um banco vazio num canto.
Sentamos ali e, enquanto observávamos as crianças brincarem do lado oposto dogramado,continuamosnossaconversasobreobservaçãodepássarosnoMojave.Braydencolocou o braço ao redor de mim enquanto conversávamos, até que eventualmente o
assuntoacabou,eficamossimplesmentesentadosnumsilêncioconfortável.—Sydney…Desviei o olhar das crianças e me virei para ele, surpresa pelo seu tom inseguro,
completamentediferentedoqueeletinhaacabadodeusarparadefenderasuperioridadedopássaro-azul-da-montanhaemrelaçãoaopássaro-azul-ocidental.Haviadoçuraemseuolharenquantomefitava.Aluzdocrepúsculofaziaseusolhoscordeavelãficaremnumtommaisdouradodoquedecostume,masocultavacompletamenteoverde,oqueeraumapena.Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se inclinou na minha direção e me
beijou.Foiumpoucomais intensodoqueoúltimo,mas ainda estava longedosbeijoscinematográficos avassaladores.Dessa vez, elepôs amãonomeuombro,puxando-medelicadamente.Obeijotambémduroumaisdoqueosanteriores,etenteirelaxaremedeixarlevarpelasensaçãodoslábiosdeoutrapessoa.Foielequeminterrompeu,umpoucomaisabruptamentedoqueeuesperava.—Des…desculpe—eledisse,desviandooolhar.—Nãodeviaterfeitoisso.—Porquenão?—perguntei,nãoporestarmorrendodevontadedebeijá-lo,mas
porqueaquelepareciaolugaridealparaumbeijo:umparqueromânticoaopôrdosol.— Estamos em público.Acho que é um pouco vulgar.—Vulgar? Eu nem tinha
tantacertezaassimdequeestávamosempúblico,jáquenãohavianinguémporpertoeestávamos escondidos à sombra de algumas árvores. Brayden soltou um suspiro,desanimado.—Achoqueperdiocontrole.Nãovaiacontecerdenovo.—Tudobem—eudisse.Não me pareceu uma perda de controle tão grande, mas quem era eu para dizer?
Fiqueipensandoque,talvez,umapequenaperdadecontroleaquiealinãofossealgotãoruim.Não era esse tipo de coisa que resultava numapaixão?Mas isso eu tambémnãosabia.Tudooquesabiaeraqueaquelebeijoforamuitoparecidocomoanterior:bom,mas nada espetacular. Senti um aperto no peito. Havia algo errado comigo.Todomundoviviafalandosobrecomoeuerasocialmenteinapta.Seráqueissoseestendiaaoromance também? Será que eu era tão fria que passaria o resto da vida sem sentirabsolutamentenada?Acho que Brayden interpretoumalmeu desânimo e pensou que eu estava chateada
comele.Elelevantoueestendeuamãoparamim.—Ei,vamosatéumacasadecháaquiperto.Elestêmunsquadrosdeumpintorda
cidadeque achoque você vai gostar.Alémdisso, chá não temcalorias, certo?Melhorquesobremesa.— Certo — eu disse. Pensar no sorvete italiano não me animou em nada. O
restaurante italiano tinha um de romã que parecia a melhor coisa domundo.Aomelevantar,meucelulartocou,pegandoambosdesurpresa.—Alô?—Sage?Soueu.Não tinha por que ficar brava comAdrian depois do que ele havia feito pormim,
mas por algummotivo fiquei irritada com aquela interrupção. Estava me esforçando
paraaproveitaraomáximoanoitecomBrayden,eAdrianvinhaatrapalhartudo.—Quefoi?—perguntei.—Vocêaindaestánocentro?Precisavirparacá,agora.—Você sabe que estou com Brayden— eu disse.Aquilo era demais, atémesmo
paraAdrian.—Nãopossolargartudoparaficardivertindovocê.—Oproblemanãoécomigo.—Foientãoquenoteiquesuavozestavaduraeséria.
Sentiumapertonopeito.—ÉSonya.Eladesapareceu.
19
—ELANÃOIASAIRDACIDADE?—lembrei.—Sóamanhã.Percebi que ele estava certo. Na conversa da noite anterior, Sonya havia dito que
partiriaemdoisdias.—Você tem certeza de que ela desapareceu mesmo?— perguntei.—Talvez só
tenha…saído.—Belikovestáaqui,eeleestáhistérico.Dissequeelanãovoltouparacasaontemà
noite.Quasedeixeiotelefonecair.Ontemànoite?Sonyajáestavadesaparecidahaviatanto
tempo?Faziaquasevinteequatrohoras.—Comoninguémnotouatéagora?—perguntei.—Nãosei—Adriandisse.—Vocêpodevirparacá,Sydney?Porfavor?Quando ele me chamava pelo primeiro nome, me desarmava. Sempre levava as
coisas a outro grau de gravidade, ainda que essa situação não precisasse de nenhumaajudaparaisso.Sonya.Desaparecidahaviavinteequatrohoras.Peloquesabíamos,elajánemestariavivasetivessesidopegaporaquelesmalucoscomespadas.OrostodeBraydenexpressavaummistodeincredulidadeedesapontamentoquando
disseaelequeprecisavairembora.—Masvocê…Assim…—Foiumdosrarosmomentosemqueperdeuafala.—Sintomuito—eudisse,sinceramente.—Aindamaisdepoisdetermeatrasado
earruinadoopasseionomuseu.Maséumaemergênciafamiliar.—Suafamíliatemummontedeemergências,hein?Nemmefale,pensei.Emvezdedizerisso,porém,continueiapedirdesculpas:—Mil desculpas. Eu…—Quase cheguei a dizer que compensaria depois,mas já
haviaditoissonafestadoDiadasBruxas.Aquelanoiteeraparaseracompensação.—Sintomuitomesmo.
AcasadeAdrianerapertoobastanteparaeu ir apé,masBrayden insistiuemmelevardecarro,jáqueosolestavasepondo.Nãofoinadadifícilaceitar.—Uau—Braydendisse,quandoestacionouaoladoprédio.—BeloMustang.—Poisé.Éumexemplarde1967—respondiautomaticamente.—Ótimomotor.
Édomeu irmão.Elemudoude lugar denovo!Esperoquenão tenha idomuito longecomocarro…Uau.Oqueéaquilo?Braydenseguiumeuolhar.—UmJaguar?—Claro.—OcarropretolustrosoestavaestacionadonafrenteaoMustang.—De
ondeseráqueelesurgiu?Braydennãosabia,claro.Depoisdemaisalgunspedidosdedesculpaeumapromessa
de que entraria em contato, saí. Não houve nenhuma tentativa de beijo, de tãodesapontado que ele estava com o fim do nosso encontro, e de tão preocupada que euestavacomSonya.TantoéqueesquecicompletamentedeBraydenenquantocaminhavaparaoprédio.Eutinhaproblemasmaiores.—ÉdoClarence—Adriandisse,aoabriraporta.—Hein?—perguntei.—OJaguar.Penseiquevocêquisesse saber.EledeixouBelikovvir comele jáque
Sonyaestavacomoalugado.—Elemedeupassagemparaentrar,meneandoacabeçaemdesalento.—Vocêacreditaqueocarroestava trancadonagaragemo tempo todoquemoreicomele?Eledissequeesqueceuquetinha!Eeulá,sendoobrigadoaandardeônibus.Emoutras circunstâncias eu teria dado risada,mas, ao ver a expressãodeDimitri,
todobomhumordesapareceu.Elecaminhavadeumladoparaooutrodasalacomoumanimalaprisionado,irradiandofrustraçãoeansiedade.— Eu sou um idiota— elemurmurou. Não entendi se estava falando sozinho ou
comagente.—Nãopercebiqueela saiuontemànoiteedepoispasseimetadedodiaachandoqueelaestavacuidandodojardim.—Vocêtentouligarpraela?—Eusabiaqueeraumaperguntaidiota,masprecisava
começaremtermoslógicos.—Sim—Dimitridisse.—Elanãoatende.Porviadasdúvidas,chequeiduasvezes
seovoodelanãotinhasidoalterado,edepoisaindaconverseicomMikhailparaverseelesabiadealgumacoisa.Elenãosabiadenada.Tudooqueconseguifoipreocupá-lo.—Eletemmotivosparasepreocupar—murmurei, sentadaàbeiradosofá.Nada
debompodiateracontecido.SabíamosqueosguerreirosestavamobcecadoscomSonya,eagoraelahaviadesaparecidodepoisdesairsozinha.—Acabeidedescobrirqueelaveiovervocês—Dimitriacrescentou.Eleparoude
andar e nos encarou.—Ela disse alguma coisa que dava a entender para onde estavaindo?—Não—respondi.—Aconversa…nãoterminoumuitobementrenós.Dimitriassentiu.
—Adriandeuaentenderamesmacoisa.LevanteiosolhosparaAdrianepudeverque,assimcomoeu,elenãoqueriaentrar
noassunto.—Nóstivemosumadiscussão—eleadmitiu.—ElaestavatentandoforçarSydney
aparticipardeunsexperimentos,eSydneyrecusou.ComoSonyacontinuouinsistindo,memetinaconversaeelaacabouindoembora.Nãodisseparaondeia.OrostodoDimitrificouaindamaissombrio.—Entãoqualquercoisapode ter acontecido.Elapode ter sidopega aquina frente.
Oupodeteridoaalgumlugaretersidoraptadadepois.Ou ela pode estarmorta. Nos termos em que o Dimitri estava falando, ela ainda
estaria viva,mas eu não tinha tanta certeza.Os caçadores que haviamnos atacado nobecopareciammuitodeterminadosamatá-laalimesmo.Seelanãovoltaraparacasanaúltimanoite,eramgrandesaschancesdequeelesativessemencontrado.Vinteequatrohoras era um tempo longo demais para manter uma “criatura das trevas” viva.Estudando o rosto doDimitri, percebi que ele tinha consciência de tudo isso.Apenasestava trabalhandoemcimadaesperançadeque tínhamoschancede fazeralgo,dequenãoestávamosdemãosatadas.Resoluto,Dimitricaminhouemdireçãoàporta.—Precisoavisarapolícia.—Comunicarodesaparecimento?—Adrianperguntou.—Issoe,oqueémaisimportante,arranjarummandadodebuscaparaocarro.Se
ela tiver sido sequestrada…— Ele hesitou, reprimindo omedo que rondava a todosnós. — Se ela está presa em algum esconderijo, vai ser muito difícil localizar ocativeiro.Masémuitomaisdifícilesconderumcarrodoqueumamulher.Seapolíciadivulgaradescriçãodocarro,podemosteralgumapistaseeleaparecer.—Fezmençãode abrir a porta e então voltou a nos encarar.—Vocês têm certeza de que não selembramdenadaquepossaajudar?Adrian e eu repetimos que não. Dimitri saiu, dando instruções desnecessárias para
que o avisássemos imediatamente se lembrássemos de alguma coisa ou se, por algummilagre,Sonyaaparecesse.Assimquesaiu,solteiumsuspiroedisse:—Éculpaminha.Adrianmeencarou,surpreso.—Porquevocêdizisso?—Sonyaveioatéaqui,saiudecasaquandonãodevia,por minhaculpa.Porculpado
meu sangue.Vai saber o que teria acontecido se eu não tivesse recusado?Talvez comumadiferençadealgunsminutososcaçadoresnãoestariammaisporperto.Outalvez,se ela não estivesse tão nervosa, poderia ter conseguido se defender melhor.— Millembranças rodaramnaminha cabeça. Sonya fazendo o lírio crescer paramim. Sonyaconversandocoma rainhaem favordeAdrian. Sonyamostrando fotosdos vestidosdedama de honra. Sonya trabalhando com diligência para deter os Strigoi e se redimir.Tudoaquilopoderiaestarperdido.
—Talvez,talvez,talvez.—Adriansentoupertodemimnosofá.—Vocênãopodepensar desse jeito e, poxa, não pode ficar se culpando pelos atos de um grupo demarginaisloucos.Sabiaqueeleestavacerto,masnãomesentinemumpoucomelhor.—Precisoligarparaosalquimistas.Temoscontatosnapolíciatambém.—Pode serumaboa ideia—eledisse, semmuitoentusiasmo.—É sóque tenho
ummaupressentimentocomessescaras.Mesmose…bem,seelaestiverviva,nãoseicomopoderemosencontrá-la.Nãotemosnenhumasoluçãomágicaemiraculosa.Congelei.—Ai,meuDeus.— Que foi? — ele perguntou e me encarou, preocupado. —Você lembrou de
algumacoisa?— Sim…mas não o que você está pensando.—Fechei os olhos e respirei fundo.
Não, não, não. A ideia que passou pela minha cabeça era maluca. Não devia nemconsiderar aquela possibilidade. Dimitri estava certo. Precisávamos nos focar emmétodosnormaiseconcretosdelocalizaraSonya.—Sage?—Adriantocoumeubraçodeleve,emesobressalteiaosentirseusdedos
contraaminhapele.—Vocêestábem?—Nãosei—respondibaixinho.—Acabeideterumaideiamaluca.—Bem-vindaaomeumundo.Desviei o olhar, em conflito sobre que decisão tomar. Aquilo que estava
considerando…algumaspessoaspoderiamdizerquenãoeramuitodiferentedoqueeujá havia feito antes.Mesmo assim, tudo se resumia à linha tênue entre fazer algo porescolha própria e fazer porque era obrigada. Não havia dúvida ali.Aquilo era umaescolha.Umexercíciodolivre-arbítrio.—Adrian…eseeutiverumjeitodeencontrarSonya,maseleforcontratudooque
acredito?Elelevoualgunssegundospararesponder.—VocêacreditaemtrazerSonyadevolta?Sesim,nãovaiestarcontratudooque
acredita.Pormais distorcida que fosse, aquela lógicame deu o empurrão de que precisava.
Pegueiocelularedisqueiumnúmeroparaoqualquasenuncaligava,emborarecebessemensagenseligaçõesdeleotempotodo.Fuiatendidadepoisdedoistoques.—Sra.Terwilliger?ÉaSydney.—Srta.Melbourne.Oquepossofazerporvocê?— Preciso encontrar a senhora. É meio urg…Não, nada de meio. É urgente.A
senhoraestánaescola?—Não.Porincrívelquepareça,euvoltopracasadevezemquando.—Elafezuma
pausaeentãoacrescentou:—Mas…claroquevocêébem-vindaaqui.Nãoseiporqueaquilomedeixouincomodada.Afinal,passavamuitotemponacasa
deClarence.Semdúvida,avastamansãodeumvampiroeramuitopiordoqueacasa
de uma professora do ensinomédio.Claro, a professora emquestão também era umabruxa, então não sabia ao certo se deveria esperar um típico apartamento de classemédiaouumacasafeitadedoces.Engoliemseco.—Vocêtemtantoslivrosdefeitiçosemcasaquantonaescola?Adrianarqueouasobrancelhaaoouvirapalavra“feitiços”.Asra.Terwilligerhesitoupormuitomaistempodessavez.—Sim—eladisse.—Atémais.Elamepassouoendereçoe,antesmesmoqueeupudessedesligar,Adriandisse:—Voucomvocê.—Vocênemsabeaondeestouindo.—Verdade—eledisse.—Masafaltadeinformaçõesnuncameimpediuantes.Sei
que temalguma coisa a ver comSonya, e isso já basta.Alémdisso, vocêparece estarmorrendodemedo.Nãovoudeixarvocêirsozinhadejeitonenhum.Cruzeiosbraços.—Jáenfrenteicoisasmuitomaisassustadorase, atéondeeu sei,vocênão temque
me“deixar” fazernada.—Porém,havia tantapreocupação em seu rostoque eu sabiaquenãopodiarecusar…Atéporquerealmenteestavacomumpoucodemedo.—Vocêtemquemeprometerquenãovaicontaraninguémoquevamosfazer.Ousequeroquevirmoslá.—Caramba.Oqueestá acontecendo,Sage?—eleperguntou.—Estamos falando
desacrifícioanimaloucoisaassim?—Adrian—adverti,baixinho.Elevoltouaficarsério.—Prometo.Nenhumapalavra,amenosquevocêdigaocontrário.Nãopreciseiestudarseurostoparasaberquepodiaconfiarnele.—Tudobem,então.Mas,antes,precisodasuaescovadecabelo.A sra. Terwilliger morava em Vista Azul, o mesmo bairro nobre onde ficava
Amberwood.Paraminha surpresa, acasa realmentenãoparecianada foradocomum.Erapequenamas, tirando isso,pareciamuitocomasoutrascasasantigasdobairro.Osol já havia se posto quando chegamos, e eu sabia que faltava pouco para o toque derecolher da escola. Quando ela nos convidou para entrar, encontrei um interior umpouco mais parecido com o que eu tinha em mente. Claro, havia uma TV e móveismodernos,masadecoraçãotambémincluíaalgumasvelaseestátuasdeváriosdeusesedeusas. O aroma de incenso indiano pairava no ar. Contei pelomenos três gatos nosprimeiroscincominutosenãotinhadúvidasdequehaviamais.— Srta. Melbourne, bem-vinda. —A sra.Terwilliger olhou paraAdrian com
interesse.—Eboas-vindasparaoseuamigotambém.—Meuirmão—corrigi,incisiva.—Adrian.Asra.Terwilliger,quesabiasobreomundodosMoroi,abriuumsorriso.—Sim.Claro.VocêfrequentaaCarlton,certo?
— Sim—Adrian respondeu. — Foi a senhora que me ajudou a entrar, não é?Obrigado.— Bem— a sra.Terwilliger disse, dando de ombros —, sempre fico feliz em
ajudaralunastalentosas,aindamaisquandosãotãodedicadasemmetrazercafé.Agora,qualéoassuntotãourgentequefezvocêsvirematéaquinomeiodanoite?Meus olhos já estavam fixos em uma estante enorme na sala de estar, com as
prateleiras atulhadas de livros velhos com capa de couro, domesmo tipo em que elasempremefaziatrabalhar.—Asenhora…asenhoratemalgumfeitiçoquepossaajudaralocalizarumapessoa?
—perguntei,sentindoumapontadadedoracadapalavra.—Euseiqueelesexistem.Já passei por alguns durante as minhas pesquisas. Mas estava pensando que talvez asenhorapoderiarecomendaralgum.Asra.Terwilligerriubaixinho,edesvieioolhar.—Ora,ora,seestenãoéumbommotivoparaumavisitanoturna.—Estávamos
nasalade jantareelapuxouumacadeiraentalhadapara sentar.Umdosgatosroçouaperna dela.— Existem vários feitiços de localização, sem dúvida, mas nenhum estáexatamentenoseunível.Epor“seunível”merefiroà suarecusaconstantedepraticarouseaperfeiçoar.Franziatesta.—Temalgumqueasenhorapossafazer?Elameneouacabeça.—Não.Esteproblemaéseu.Évocêquemtemquefazer.Vocêprecisa.—Masnãoseestiveralémdaminhacapacidade!—protestei.—Porfavor.Esseé
umassuntodevidaoumorte.—Alémdisso,eunãoqueriasujarasminhasmãoscomamagia.Jáerahumilhantedemaispediraquiloaela.—Fiquecalma.Eunãoaobrigariaafazersenãoachassequefossecapaz—eladisse.
— Mas, para funcionar, é imperativo ter alguma coisa que nos ligue à pessoa queestamos procurando. Existem feitiços em que isso não é necessário, mas essesdefinitivamenteestãoalémdassuascapacidades.TireiaescovadeAdriandabolsa.—Comoumfiodecabelo?—Exatamente—eladisse,claramenteimpressionada.Havia me lembrado de quando Adrian reclamou que Sonya vivia usando seus
utensíliospessoais.Pormaisque,pelovisto,elelimpasseaescovaregularmente(e,paraser sincera, não esperava nadamenos de alguémquepassava tanto tempomexendonocabelo), ainda restavam alguns fios ruivos nela.Com cuidado, puxei omais longo dosqueestavamenroladosnascerdaseosegureinoalto.—Oqueprecisofazer?—perguntei.Estavameesforçandoparamemanterfirme,
masminhasmãostremiam.—Éoquenósvamosdescobrir.—Ela se levantoueentrounasaladeestar,onde
vasculhouasprateleiras.
Adriansevoltouparamim.—Elaestáfalandosério?—Elefezumapausaereconsiderou.— Vocêestá falando
sério?Feitiços?Magia?Digo,nãomeentendamal.Eubebosanguehumanoecontroloamentedaspessoas.Masnuncatinhaouvidofalarnisso.—Nemeu,atéummêsatrás.—Suspirei.—E,infelizmente, estou falandosério.
Pior:elaachaqueeutenhojeitopracoisa.VocêlembraquandoumadasStrigoinoseuapartamentopegoufogo?—Vagamente,massim.Afastei tudodacabeçaenuncapenseimuitonisso.—Ele
franziu a testa, perturbado pela lembrança.—Eu estavameio desligado por causa damordida.—Aquilonãofoiumacidentecasual.Foi…magia.—Aponteicomacabeçaparaa
sra.Terwilliger.—Eeufuiaresponsável.Seusolhossearregalaram.—Vocêétipoumahumanamutante?Comoumausuáriadefogo?Efalo“mutante”
comoumelogio,vocêsabe.Eunãoteriaumaopiniãopiorsobrevocê.— Não é como a magia dos vampiros— eu disse. Parte de mim achava que eu
deveriaficargrataporAdrianaindasersimpáticocomuma“mutante”comoeu.—Nãoéumaconexãointernacomoselementos.Segundoela,algunshumanosconseguemusarmagia extraindo-a domundo. Parecemaluquice,mas… eu consegui botar fogo numaStrigoi,afinal.PudenotarqueAdrianaindaestavaabsorvendotudoaquiloquandoasra.Terwilliger
voltou.Ela colocou sobre amesa um livro com capa de couro vermelho e folheou atéencontraroquequeria.Esticamosopescoçoparaler.—Nãoestánanossalíngua—Adriandisse,prestativo.—Égrego,nadademais—retorqui,passandoosolhospela listade ingredientes.
—Nãopareceprecisardemuitacoisa.— É porque grande parte do feitiço é a sua concentração mental — a sra.
Terwilliger explicou. — É mais complicado do que parece.Vai levar pelo menosalgumashoras.Viohorárionorelógiodepênduloornamentado.—Eunãotenhoalgumashoras.Faltapoucoparaotoquederecolher.—Ah,issonãoéproblema—asra.Terwilligerrespondeue,pegandoocelularde
cima da mesa, discou um número de cabeça.—Oi, Desiree? É a Jaclyn. Sim, tudobem.Obrigada.EstouemcasaagoracomaSydneyMelrose,queestámeajudandonumprojeto importantíssimo.—Quase revirei osolhos.Pelo jeito ela sabia perfeitamentemeusobrenomequandoprecisavadele.—Infelizmente,achoquevaipassardahoradotoquederecolherdoalojamentoeestavapensandosevocêfariaagentilezadepermitirumaprorrogação. Sim…sim, claro.Mas émuito importanteparaomeu trabalho e,convenhamos, o histórico dela é exemplar; não precisamos nos preocupar com ela, asrta.Melrosenãofazotipoqueabusariadessesprivilégios.Semdúvidaéumadasalunasmaisconfiáveisqueeuconheço.—Aoouvirisso,Adrianabriuumsorrisoirônico.
Maistrintasegundoseeuestavalivredotoquederecolher.—QueméDesiree?—perguntei,assimqueasra.Terwilligerdesligou.—Aresponsávelpeloseualojamento.Weathers.—Sério?—Penseinacorpulentaematernalsra.Weathers.Nuncateriaimaginado
que seuprimeironome fosseDesiree.Eraumnomeque eu associava amulheresmaisatraentesesedutoras.Talvezelativesseumavidamaischocanteforadaescola,quenãoconhecíamos.—Então,eutenhoanoitetodalivre?— Não sei se podemos exagerar— a sra.Terwilliger respondeu.—Mas temos
tempoobastanteparaesse feitiço, semdúvida.Nãoposso fazê-loporvocê,maspossoajudarcomosingredienteseinstrumentos.Peguei o livro, esquecendomeumedo conforme examinava a longa lista. Detalhes
comoaquelesmelevavamdevoltaàminhazonadeconforto.—Asenhoratemtodos?—Claro.A sra.Terwilligernos levouporumcorredorque saíada cozinha,porondepensei
que chegaríamos aos quartos.Conforme seguíamos, pude até entrever uma camanumdos cômodos,mas nosso destino final era algo completamente diferente: uma oficina.Pareciaumamisturadeesconderijodebruxacom laboratóriodeumcientistamaluco.Partedocômodotinhaequipamentosmuitomodernos:provetas,umapia,bicosdegásetc.Orestopareciavindodeoutraépoca: frascosdeóleoseervasdesidratadasao ladode pergaminhos e caldeirões de verdade.Vasos de plantas cobriamo peitoril da janelaescura. Havia mais dois gatos ali, que certamente não eram os mesmos que eu tinhavistonasala.—Pareceumcaos—asra.Terwilligerdisse.—Masousodizerqueestábastante
organizado,atémesmoparaosseuspadrões.Depois de olharmais atentamente, percebi que ela estava certa.Todos os frascos e
plantastinhamrótuloseestavamemordemalfabética.Osváriosinstrumentostambémestavam identificados, com o tamanho e o material especificados. No centro da sala,haviaumagrandemesadepedra lisa,ondepuso livro,comcuidadoparanãoperderapáginadequeprecisava.—Eagora?—perguntei.—Agora,vocêcomeça—eladisse.—Quantomaisvocêfizerporcontaprópria,
mais forte será sua relação com o feitiço. Claro, pode me chamar se tiver algumproblema com os ingredientes ou com as instruções. Fora isso, quanto mais foco econcentraçãovocêcolocarnisso,melhor.—Ondea senhoravai ficar?—perguntei,assustada.Pormaisquenãogostasseda
ideiadetrabalharcomelanaquelelaboratórioescuroeassustador,gostavamenosaindadepensaremficarlásozinha.Elaapontouparaolugardeondetínhamosvindo.—Ah,logoali.Voufazersalaparaoseu“irmão”,jáqueéextremamentenecessário
quevocêfaçaissosozinha.
Fiqueiaindamaisnervosa.HaviaprotestadocontraopedidodeAdriande iraté lá,masagoraoqueriaporperto.—Possotomarumcafé,pelomenos?Elariu,divertindo-se.—Normalmente eu diria que sim, aindamais se estivesse fazendo algum trabalho
pesado,comoumamuletoouumapoção.Mascomovocêvaiusaropoderdamente,amagia vai funcionar muito melhor se seus pensamentos estiverem livres de qualquersubstânciaqueafeteseuestadomental.—Cara,issomelembradealgumacoisa—Adrianmurmurou.—Tudo bem, então— eu disse, decidindo ser firme.— Preciso começar logo.
Sonyaestáesperando.—Supondoqueelaaindaestivesseviva.A sra.Terwilliger saiu, avisando-me para chamá-la no último estágio do feitiço.
Adriansedetevemaisumminutoparafalarcomigo.—Vocêtemcertezadequeestábemcomtudo isso?Querdizer,peloqueconheço
devocêedosalquimistas…Bem,acheiquenãofosseficarnadabememrelaçãoisso.— E não estou — concordei. — Como eu disse, isso vai contra tudo em que
acredito, tudo o que me ensinaram. É por isso que você não pode contar nada aninguém.Vocêouviuaindiretadelasobreeunãopraticar?Elaestánomeupéhámuitotempo, querendo que eu desenvolva minhas “habilidades mágicas”, e eu continuorecusando, porque acho isso errado. Então elame obriga a pesquisar livros de feitiçosparaoestudoindependente,esperandoqueeuaprendaporosmose.— Isso é errado— ele disse,meneando a cabeça.—Você não precisa fazer isso.
Vocênãoprecisafazernadaquenãoquiser.Abriumsorrisinho.—Bem,euqueroencontrarSonya.Entãoprecisofazerisso,sim.Eleretribuiuosorriso.—Estábem.Maseuvouficarali fora,tomandoumchazinhocomosgatosdelaou
sejaláoqueforqueelatememmente.Seprecisardemim,grite.Sequiserirembora,nósvamos.Eutirovocêdestelugar,custeoquecustar.Senti alguma coisa apertar no meu peito e, por um instante, todo o universo se
reduziuaoverdedosseusolhos.—Obrigada.Adriansaiuefiqueisozinha.Bem,quase.Umdosgatoscontinuouporali;eletinhao
pelopretoebrilhanteeosolhosamarelados.Deitadoemumadasprateleirasmaisaltas,me observava, curioso, como se duvidasse que eu realmente conseguiria fazer aquilofuncionar.Éramosdois.Por um momento, não consegui me mexer. Estava prestes a realizar magia por
vontadeprópria.Todososprotestosediscussõesquehavia tidocoma sra.Terwilligererampalavras ao vento agora.Comecei a tremer eme senti sem ar.Entãopensei emSonya.AdoceecorajosaSonya,quehaviadedicadotantotempoeenergiaparafazeroqueachavacerto.Eunãotinhaodireitodefazermenosqueopossível.
Comotinhaditoparaasra.Terwilliger,ofeitiçoerasimples.Nãoexigiametadedasetapas do amuleto de fogo. Precisava deixar a água ferver no caldeirão de cobre eacrescentar vários ingredientes, amaioriadelesóleos transparentesqueprecisavam sermedidos com um cuidado minucioso. Logo o ar ficou pesado com os aromas debergamota, baunilha e heliotrópio. Algumas etapas tinham a mesma redundânciaritualística que eu já conhecia. Por exemplo, precisava colher treze folhas de mentafrescasdeumadasplantasdela,jogandoumaporvezenquantoascontavaemgrego.Emseguida, depois de ficarem em infusão por treze minutos, precisava retirá-las, uma auma,comumacolherdepaufeitadejacarandá.Antesdesair,asra.Terwilligerhaviameditoparamemanterfocada,pensando,ao
mesmotempo,nasetapasdofeitiçoenoobjetivofinalquepretendiaatingir.Portanto,volteiospensamentosparaSonyaeanecessidadedeencontrá-la,torcendoparaqueissofuncionasse.Quandofinalmentetermineiasetapasiniciais,viquejáhaviapassadoquaseumahora.Nemtinhanotado.Limpeiosuordatesta,surpresaportertranspiradotantopor causa do vapor que enchia o ambiente. Fui até onde a sra.Terwilliger eAdrianestavam, sem saber emque estranha atividadeos encontraria.Estavam,porém,numasituação bem trivial, assistindo àTV. Ambos levantaram os olhos quando meaproximei.—Pronto?—elaperguntou.Fizquesim.—Estácomcheirodechá—Adriancomentou,enquantomeseguiamatéaoficina.Asra.Terwilligerexaminouopequenocaldeirãoeaprovoucomacabeça.— Parece excelente.—Não sabia como ela podia dizer isso só com uma simples
olhadela,masnãotinhaalternativasenãoacreditarnela.—Agora,aclarividênciaemsienvolveumatravessadeprata,certo?—Elaolhouparaaprateleiradelouçaseapontouparaalgo.—Ali.Useaquilo.Retirei uma travessa perfeitamente redonda com cerca de trinta centímetros de
diâmetro. Era lisa e sem nenhum ornamento; havia sido tão polida que refletiapraticamentecomoumespelho.Podiaterpassadosemessa,jáquemeucabeloeminhamaquiagem deixavam evidente todo o cansaço daquele dia. Perto de qualquer outrapessoa, me sentiria constrangida. Coloquei a travessa na mesa e joguei um copo dolíquido do caldeirão na superfície prateada.Todos os outros ingredientes haviam sidoretirados e o líquido exibia uma transparência perfeita. Quando parou de ondular, oefeito de espelho retornou.A sra.Terwilliger me entregou um pequenino pote deincensodegálbano,quesegundoolivrodeveriaserqueimadoduranteoúltimoestágio.Comumavela,acendiaresina, fazendosubirumaromaacredeervasquecontrastavacomoperfumedocedolíquido.—Aindaestácomofiodecabelo?—asra.Terwilligerperguntou.—Claro.—Coloqueiofiosobreasuperfícietranslúcida.Partedemimqueriaver
algoacontecendo,comofumaçaou faíscas,mashavia lidoas instruçõesesabiaquenãoacontecerianadadisso.Coloqueiumbancoaoladodamesa,ondemesentei,permitindo
queobservasseolíquidodecima.—Agoraeuficoolhando?—Agoravocêficaolhando—elaconfirmou.—Suamenteprecisaestaraomesmo
tempoconcentradaeaberta.Vocêprecisapensarnoscomponentesdofeitiço,namagiaquepossuemenoseudesejodeencontraressapessoa.Aomesmotempo,precisamanterumaclarezadementeperfeitaparasemanterconcentradanessasuatarefasemdesviarofoco.Abaixeiosolhosparaomeureflexoe tentei fazer todas aquelas coisasqueela tinha
acabadodedescrever.Nadaaconteceu.—Nãoestouvendonada.—Claroquenão—elarespondeu.—Nãopassounemumminuto.Faleipravocê
que este é um feitiço avançado. Pode levar um tempo para dominar por completo aforçaeopodernecessários.Mantenha-seconcentradanatarefa.Estaremosesperando.Osdoissaíram.Craveiosolhosnaágua,querendosaberoqueelaqueriadizercom
“umtempo”.Antes,estavaanimadapelaaparentesimplicidadedofeitiço.Agora,queriaque houvesse mais ingredientes para misturar ou mais encantamentos para declamar.Essamagiaavançada,quedependiada forçadevontadeedaenergiamental,eramuitomaisdifícil,principalmenteporserintangível.Eugostavadoconcreto.Gostavadesaberexatamentedoqueprecisavaparafazeralgoacontecer.Causaeefeito.Mas aquilo? Era apenas olhar e olhar, torcendo para me “manter concentrada” na
tarefa,“semdesviarofoco”.Comopoderiasaberseestavafazendoaquilocerto?Mesmose alcançasse esse estado, poderia levar um tempo para que aquilo de que precisava semanifestasse.Tenteinãopensarnissoainda.Sonya.Sonyaeratudoqueimportavaagora.Todaaminhaforçadevontadedeviaseconcentrarnoresgatedela.Fiquei repetindo isso a mimmesma enquanto os minutos passavam.Toda vez que
tinhacertezadequedeviaparareperguntaràsra.Terwilligeroquefazer,forçava-meacontinuar fitando a água. “Sonya. Sonya. Pense em Sonya.” E, mesmo assim, nadaacontecia.Por fim,quandoadornascostas tornou insuportávelcontinuar sentada,melevantei parame alongar.Começava a ter cãibra em todososmúsculos.Voltei para asala;quaseumahoraemeiahaviasepassado.—Algumacoisa?—asra.Terwilligerperguntou.—Não—respondi.—Devoestarfazendoalgumacoisaerrada.—Vocêestácomamentefocada?Pensandonela?Emencontrá-la?Euestavacansadadeouvirfalarsobre“foco”.Meuantigomedodamagiadavalugarà
frustração.—Sim,simesim—respondi.—Masaindanãoestáfuncionando.Eladeudeombros.—Eéparaissoquetemosumaprorrogaçãodotoquederecolher.Tenteoutravez.Adrianmelançouumolharsolidárioefezmençãodedizeralgumacoisa,masachou
melhor ficar quieto. Eu estava quase saindo, mas um pensamento perturbador medeteve.— E se ela não estiver viva? — perguntei. — Pode ser por isso que não está
funcionando?—Não—a sra.Terwilligerdisse.—Você veria alguma coisamesmo se ela não
estivesseviva.E…bem,vocêiriasaber.Voltei para a oficina e tentei novamente, com os mesmos resultados. Quando fui
falar outra vez com a sra.Terwilliger, vi que ainda não havia passadomais nemumahora.—Estou fazendoalgumacoisaerrada— insisti.—Ou issoou fiz algumabesteira
noestágioinicial.Ouentãoessefeitiçorealmenteestáalémdasminhascapacidades.—Se bem conheço você, o feitiço está impecável—ela disse.—E, não, ele não
estáalémdasuacapacidade,massóvocêtemopoderdefazeracontecer.Estavacansadademaisparapensarna filosofia esotérica semnexodela.Eumevirei
semdizer uma palavra eme arrastei de volta para a oficina.Ao chegar, descobri quetinhasidoseguida.LevanteiosolhosparaAdrianesuspirei.—Semdistrações,lembra?—eudisse.—Eunãovouficar—eledisse.—Sóqueriatercertezadequevocêestábem.— Sim… Quer dizer, sei lá.Tão bem quanto dá para ficar com isso tudo. —
Aponteiparaatravessadeprata.—Talvezrealmenteprecisequevocêmetiredaqui.Elepensouporuminstanteefezquenãocomacabeça.—Nãoachoquesejaumaboaideia.Euoencarei,incrédula.—OqueaconteceucomaqueleAdrianquediziaquenãosouobrigadaa fazernada
quenãoquiser?Equemedefendiatãonobremente?Asombradeumdosseustípicossorrisosmarotospassoupelorostodele.—Aquilo valia quando você não queria fazer isso porque ia contra todas as suas
crenças.Agora você já ultrapassou essa linha, e parece que seu único problema é umpoucodepessimismoefaltadeféemsimesma.E,sinceramente,issoébobagem.—Umpoucodepessimismo?!—exclamei.—Estouolhandoparaessatravessade
água há duas horas! É quase uma emeia damadrugada. Estou exausta, quero café, etodos osmúsculos domeu corpo estão latejando.Ah, e eu estou quase vomitandoporcausadaqueleincenso.—Issotudoéumsaco—eleconcordou.—Masachoquemelembrodeouvirvocê
dandoumsermãopara todosnósumdiadesses, sobre terque aguentar asdificuldadespara fazer o que é certo.Você está dizendo que não consegue fazer isso para ajudarSonya?— Faria qualquer coisa para ajudar Sonya! Quer dizer, qualquer coisa dentro da
minhacapacidade.Enãoachoqueessesejaocaso.—Seinão—eleponderou.—FiqueiumbomtempoconversandocomJackie.Ela
me deixa chamá-la assim, sabia?Mas, enfim, descobri ummonte de coisas sobre essenegóciodemagiahumana.Dáprafazerdetudocomisso.—Éerrado—resmunguei.—E,mesmoassim,aquiestávocê,comopoderdeencontrarSonyanasmãos.—
Adrianhesitoue,emseguida,tomandoumadecisão,deuumpassoàfrenteecolocouasmãosnosmeusombros.—Jackiemedissequevocêéumadaspessoascommaistalentonatural para isso que ela já encontrou na vida. Ela disse que, com um pouquinho deprática,umfeitiçocomoestevaiserfichinhapravocê,etemcertezadequeécapazdefazê-lo agora. E eu acredito nela. Não porque possua provas de que você tem algumtalentomágico,masporquejávicomocuidadetodasasoutrascoisas.Nãovaifracassarnisso.Vocênuncafracassaemnada.Estava tão exausta que pensei que desataria a chorar.Queria desabar e que eleme
levasseemboradali,comohaviameprometidoantes.—Esseéoproblema.Eununcafracasso,mastenhomedodequefracasseagora.Não
seicomoéfracassar.Eissomedeixaapavorada. —AindamaisporqueavidadeSonyadependedemim.Adrianlevantouamãoecontornouolírionaminhabochechacomodedo.—Vocênãoprecisadescobrircomoéfracassarhoje,porquenãovaifracassar.Você
consegue.Eeuvouficaraquiotempoqueprecisar,tudobem?Respireifundoeprocureimeacalmar.—Tudobem.Assimqueelesaiu,volteiparaomeubanquinhoetenteiignorarocansaçodocorpoe
damente.Penseinoqueelehaviadito,queeunão fracassaria.Penseinaconfiançaquedepositavaemmim.E,sobretudo,penseiemSonya.Penseiemcomoestavadesesperadaparaajudá-la.Todasessascoisassealvoroçavamdentrodemimenquantoeuolhavafixamentepara
olíquidocristalinoeparaofiodecabeloqueboiavasobreele:umalinhavermelhaemmeio a toda aquela prata. Parecia uma faísca de fogo, uma faísca cujo brilho foi seintensificando diante dos meus olhos até tomar uma formamais definida, um círculocom linhas estilizadas irradiandodele.Um sol, percebi.Alguémhavia pintado um sollaranja numa tabuleta de madeira pendurada em uma grade de ferro.Apesar da máqualidadedomaterial,oartistahaviatidomuitocuidadoaopintá-lo,estilizandoosraiosetomandocuidadoparaquetivessemcomprimentosuniformes.Agradeemsierafeiaeindustrial, e avistei o que parecia ser uma caixa de força presa a ela.A paisagem eraestéril e amarronzada, mas as montanhas ao fundo indicavam que ainda era nosarredoresdePalmSprings,numaáreasemelhanteàquelaemqueWolfemorava,foradacidadeelongedavegetação.Atravésdacerca,atrásdatabuleta,avisteiumaconstruçãograndeelarga…—Ai!Avisãosumiuenquantominhacabeçabatianochão—euhaviacaídodobanco.Com dificuldade, consegui me sentar, mas minhas forças não me permitiam mais
nada.Omundoestavagirandoaomeuredor,esentianáuseaseoestômagovazio.Nãosoubedizersehaviampassadotrêssegundosoutrêshorasquandoouviosomdepassosevozes. Com seus braços fortes,Adrianme levantou.Me apoiei namesa enquanto eleerguia o banco eme ajudava a sentar.A sra.Terwilliger tirou a travessa de prata da
minha frente e, no lugar, pôs umprato simples comqueijo e biscoitos salgados.Logodepois,trouxetambémumcopodesucodelaranja.—Comaisso—eladisse.—Vocêvaisesentirmelhor.Eu estava tão fraca e desorientada que não hesitei. Comi e bebi como se não me
alimentasse havia uma semana, enquanto Adrian e a sra. Terwilliger aguardavam,pacientes.Foisóquandolimpeiopratoquepercebioquehaviacomido.—Queijo e suco de laranja?— resmunguei.—É gordura e açúcar demais a essa
horadanoite!—Quebomquenãoficounenhumasequela—Adriancaçoou.—Podeirseacostumandoseforusarmuitoamagia—asra.Terwilligeradvertiu.
— Feitiços podem esgotar você. Não é raro a pressão cair depois deles. O suco delaranjavaivirarseumelhoramigo.— Nunca vou me acostumar porque não vou… — Perdi o fôlego conforme as
imagensquehaviavistonatravessadepratavoltavamaseformarnaminhamente.—Sonya!Achoqueeuviondeelaestá!—Descrevioquetinhavisto,emboranenhumdenóstivesseideiadeondeaquelelugarficavaouoqueera.—Tem certeza que era um sol normal? Com raios? —Adrian perguntou. —
Porquepenseiqueoscaçadoresusassemaquelesoldosantigosalquimistas,ocírculocomoponto.—Eles usam,mas esse definitivamente era…Ai,meuDeus.—Levantei o olhar
paraAdrian.—PrecisamosvoltarparaAmberwood.Agora.—Não depois de tudo isso— a sra.Terwilliger disse. Ela estava usando sua voz
rígidadeprofessora.—Ofeitiçoexigiumaisdevocêdoqueeuesperava.Durmaaquievou tomar as providências para que tudo seja esclarecido com a Desiree e a escolaamanhã.—Não.—Eulevanteiesentiminhaspernascomeçaremafraquejar,mas,nofim,
aguentaram o peso do meu corpo.Adrian me envolveu com seu braço como apoio,visivelmente descrente na minha recuperação.— Preciso voltar pra lá.Acho que seicomopodemosdescobrirondeficaesselugar.Adrianestavacertosobreosolqueeutinhaacabadodedescrever:nãoeraomesmo
desenho da espada ou do folheto dos alquimistas.Não era o símbolo antigo.O sol daminhavisãoeraumaversãomaismoderna,eaquelanãoeraaprimeiravezqueeuovia.OsoldaminhavisãoeraexatamenteigualaodatatuagemdeTrey.
20
ENCONTRARTREY ERA MAIS FÁCIL falar do que fazer. Entrar no alojamentomasculino num horário normal já seria difícil para mim. Mas, depois do toque derecolher, no meio da madrugada, era praticamente impossível. Precisei recorrer aopções criativas e ligueiparaEddieenquanto levavaAdrian até a casadele.Umacoisasobreaqualeununcaprecisavamesentirculpadaera ligarparaEddieaqualquerhorado dia ou da noite. Elemantinha o toque bem alto (para a infelicidade deMicah, semdúvida)eeususpeitavaquedormiacomocelularaoladodotravesseiro.—Alô?—AvozdeEddiesooualertaedisposta,comosenãoestivessedormindo.
Erasimplesmenteojeitodele.—PrecisoquevocêtenteacordaroTrey—disseaele.—Sonyafoiraptadaeestá
sendomantidaemcativeironumlugarestranhocomumlogotipoqueéigualàtatuagemdele.Precisamosdescobriroqueelesabe.Essa era a primeira vez queEddie ouvia falar sobre o sequestro de Sonya,mas não
pediu nenhuma informação extra, tampouco perguntou como eu havia descoberto alocalização dela. Ele sabia que Sonya havia corrido perigo recentemente, e essamensagemrápidaeraobastanteparafazê-loentraremação.NãosabiaoquerealmenteaconteceriaquandoEddieencontrasseTrey,jáqueeunãoteriacomoconversarcomelepessoalmente até a manhã seguinte. Mesmo assim, precisávamos começar por algumlugar.—Certo—Eddiedisse.—Eucuidodisso.Depoisligoparavocê.Desligamos,econtiveumbocejo.—Lávamosnós.EsperoqueEddieconsigadescobriralgumacoisa.— De preferência, sem espancar Trey no caminho — Adrian ironizou,
aconchegando-se no banco do passageiro, o único sinal de que também estava cansadocomaquela longanoite.Faziamuitotempoqueelehaviaabandonadoarotinanoturna,típicadosvampiros.—Issolimitariamuitooquantovamosdescobrir.
Franziasobrancelha.—SeTreyestiver envolvidonisso,não tenhocerteza sequeropegar leve comele.
Mesmoassim…nãoconsigoacreditarqueesteja.—Aspessoasvivemmentindoumasparaasoutras.Olheparavocê.AchaqueTrey
sabeque você faz partedeuma sociedade secreta que ajuda a esconderos vampiros dorestodomundo?— Na verdade… sim. — Parei no sinal vermelho e relembrei alguns
comportamentos estranhos deTrey.—Tenho quase certeza de que ele sabe que Jill éMoroi.Nãonotoudeimediato,masdesdequepercebeu,ficoumedizendoparamantê-laescondida. Então, depois que Sonya foi atacada, disse para eu tomar cuidado.—Umaterríveldescobertatomoucontademim.—Elesabia.SabiaqueeueraamigadeSonya.Provavelmentesabiadoataqueenuncamedissenada!—Nãoénenhumasurpresaseogrupodeleestivertrabalhandocontraoseu.—O
tomdeAdrianseabrandou.—Se fazvocêse sentirmelhor,parecequeeleestavaemconflitosetentouavisá-la.—Nãoseisemefazsentirmelhor.Ah,Adrian.—Estacioneinafrentedoprédioe
vi oMustang amarelo iluminado pela luz dos postes.—Você deixou o carro na rua.Sortesuaquenãofoirebocado.—Voumudardelugar—eledisse.—Enãomeolheassim.Éumavoltademenos
deumquilômetro.Nãoestouquebrandosuasregras.—Sótomecuidado—murmurei.EleabriuaportadoPingadoevoltouoolharparamim.—Temcertezadequequervoltarparaaescola?Vocêvaificarpresaláatéamanhã
demanhã.—Nãotemmuitacoisaqueeupossofazeratélá,dequalquerforma.Queroestarna
escola no segundo em que puder falar comTrey. Por enquanto, vou apostar todas asminhasfichasnoEddie.Adrianpareciarelutanteemmedeixarsozinha,masacabouconcordando.— Ligue se precisar de alguma coisa.Vou continuar tentando procurar Sonya nos
sonhosdela.Nãotivemuitasorteatéagora.Umdospoderesmaisperturbadoresdoespíritoeraacapacidadedeentrarnosonho
dasoutraspessoas.—Seráqueelanãoestádormindo?—Ouissooufoidrogada.Nenhuma das opções era reconfortante. Eleme lançou um último olhar demorado
antes de sair.Voltei paraAmberwood, ondeum segurança sonolento fez sinal para euentrarsemnenhumcomentário.Asra.Weathersjátinhaidoemborahaviaumtempo,e seu substituto noturno não parecia muito interessado nas minhas idas e vindas.Enquantosubiaaescada,meucelulartocou.EraEddie.—Então,demorouum século,mas finalmente acordei o colegadequartodoTrey
—eledisse.
—E?—Ele não está lá. E acho que tambémnão esteve na última noite.Algum tipo de
emergênciadefamília.—Nenhuma informação sobrequandoele volta?—Estava começando a acharque
aqueles“problemasde família”deTreyerammuitomaisperigososdoqueeupensava.Tambémpodiaapostarqueelenãoeraoúnicocomatatuagemdesol.—Não.
Acordeiváriasvezesaolongodanoite.Meucorpoestavaexaustoporcausadamagia,mas a ideia de encontrar Sonya me pesava tanto que não conseguia me entregarcompletamente ao sono.Toda vez que acordava, checava o celular, commedo de terperdido alguma ligação, embora ele estivesse no volumemáximo.Acabei desistindo elevantei algumas horas antes de começarem a servir o café no restaurante. Depois detomar banho, me vestir e ligar a cafeteira na potência máxima, o campus já estavaaberto.Nãoqueissotenhafeitoalgumadiferença.Fiz duas ligações depois disso.A primeira para ver seTrey estava trabalhando.
Imaginavaquenãoestivesse,maseraumaboajustificativaparadescobrirseeletinhaidotrabalhar nos últimos dias. Não tinha.A segunda foi para Stanton, comunicando odesaparecimentodeSonya.Faleiquetínhamosumapistaqueligavaumdosmeuscolegasde classe aos caçadores de vampiros e que era provável que Sonya estivesse presa numcomplexo industrial fora da cidade.Não entrei emdetalhes sobre como fiquei sabendodisso,eStantonficoutãopreocupadacomodesaparecimentoquenãopediudetalhes.No café damanhã, encontreiminha“família” sentada comMicah no restaurante do
campusoeste.As feições angustiadasdeEddie,Angeline e Jillmostravamque todos jásabiamsobreSonya.Micahfalavaanimadamentesobrealgumacoisaetiveasensaçãodequeapresençadeleeraoqueimpediaosdemaisdeconversaremsobreoquerealmentequeriam.QuandoMicahsevirouparaperguntaralgumacoisaaEddie,meaproximeidaorelhadeJillemurmurei:—TireMicahdaqui.—Faloparaeleirembora?—elaperguntou,numsussurro.—Seprecisar,sim.Ouvácomele.—Maseuquero…Jillmordeuo lábioquandoaatençãodeMicahvoltouparaela.Elanãoparecianada
contentecomoqueprecisavafazer,mas logoassumiuumaexpressãoresolutaque,nosúltimostempos,erafrequentenela.Emseguida,apontoucomacabeçaparaopratodeMicaheperguntou:—Ei,vocêestáterminando?Precisoconfirmarumacoisacomasrta.Yamani.Você
vemcomigo?Micahabriuumsorriso.—Claro.
Depoisqueforamembora,mevireiparaEddieeAngeline.—AlgumsinaldeTrey?—perguntei.—Não—Eddierespondeu.—Chequeihojedemanhãdenovo.Ocolegadequarto
deleestácomeçandoameodiar.Nãopossoculpá-loporisso.—Issoestámedeixandolouca!—exclamei,comvontadedebatercomacabeçana
parede.—Estamos tãoperto e aomesmo tempo tão longe.Cadaminutoquepassa éumamenosnavidadeSonya.Elefechouacara.—Vocêtemcertezadequeelaestáviva?—Estavaontemànoite—respondi.EddieeAngelinemeolharam,confusos.—Comovocêsabedisso?—Angelineperguntou.—Hum, bem, eu…Não pode ser!—Meu queixo caiu quando olhei para trás de
Eddie.—ÉoTrey!Trey, com o olhar exausto, havia acabado de entrar no restaurante. Seu cabelo
molhado mostrava que ele havia acabado de tomar banho, mas os machucados earranhões espalhados por todo o corpo não podiam mais ser atribuídos ao futebolamericano.Antes que eu dissesse outra palavra, Eddie já estava em movimento, comigo e
Angeline logoatrásdele.EstavaachandoqueEddie iria jogarTreynochãoalimesmo.Emvezdisso,parounafrentedele,bloqueandoseucaminhoparaafiladobufê.ChegueibemnomomentoemqueEddiedisse:—Semcafédamanhãpravocêhoje.Vocêvaivircomagente.Treyestavaprestesaprotestar,masentãomeviuao ladodeAngeline.Jill também
surgiuderepente,depoisde ter se livradodeMicah.Umaexpressão tristepassoupelorostodele,parecendoderrotado,efezquesimcomacabeça,visivelmenteexausto.—Vamosláfora.Assimquenosafastamosdaporta,EddieagarrouTreyeojogoucontraaparede.—Onde está Sonya Karp?—Eddie demandou.Trey pareceu surpreso, o que era
compreensível,considerandoque,apesardeEddieserenxutoemusculoso,amaioriadaspessoassubestimavasuaforça.—Eddie,vaicomcalma!—sussurrei,olhandoaoredor,apreensiva.Claroqueeu
tinha a mesma pressa que ele, mas nosso interrogatório não iria muito longe se umprofessorpassasseporaliepensassequeestávamossurrandoumcolega.EddiesoltouTreyedeuumpassoparatrás,aindacomomesmobrilhoperigosono
olhar.—OndeéessecomplexoemquevocêsestãomantendoSonya?IssofezTreyreagir:—Comovocêssabemdisso?—Quemfazasperguntasaquisomosnós—Eddieretorquiu.Elenãovoltouapôr
asmãosemTrey,massuaposturaeproximidadenãodeixavamdúvidasdequechegaria
aextremossefossepreciso.—Sonyaestáviva?Trey hesitou, e eu estava quase esperando que ele fosse negar que sabia de alguma
coisa.—S-sim.Porenquanto.Eddieirrompeunovamente,agarrandoepuxandoTreypelocolarinho.—Juroquesevocêouseuscolegasmalucosmexeremnumfiodecabelodela…—Eddie—adverti.Por um instante, Eddie não semexeu; depois, relutante, soltou a camisa deTrey,
maspermaneceunomesmolugar.—Trey—comecei,mantendoomesmotomponderadoquehaviaacabadodeusar
com Eddie.Afinal,Trey e eu éramos amigos, não?—Você precisa nos ajudar. Porfavor,nosajudeaencontraraSonya.Elefezquenãocomacabeça.—Nãoposso,Sydney.Éparaobemdevocês.Elaémaligna.Nãoseiqueartimanha
usou com vocês nem como conseguiu criar essa ilusão que esconde sua verdadeiraidentidade, mas vocês não podem confiar nessa mulher. Ela vai se virar contra todosvocês.Nósvamos…vamosfazeroqueforpreciso.As palavras estavam todas de acordo com a propaganda dos guerreiros.Mas havia
algonotomenaposturadeTrey…Nãosabiaapontaroquê,masalgomefaziaduvidardele.Aspessoaszombavamdaminha incapacidadedeperceber indícios sociais,maseutinha quase certeza de que ele não estava totalmente disposto a fazer o que seu grupoqueriaqueelefizesse.—Essenãoévocê,Trey—eudisse.—Conheçovocêo suficientepara saberque
nãomatariaumamulherinocente.—Elanãoé inocente.—Maisumavez aquelasemoçõesconflitantes.Dúvidas.—
Elaéummonstro.Vocêsconhecemessesdemônios.Sabemdoqueelessãocapazes.Nãooscomoela—disse,apontandoparaJill.—Masosoutros.Osmortos-vivos.—Sonya parecemorta-viva pra você?—Eddie indagou.—Você viu algumolho
vermelhonela?—Não—Trey admitiu.—Masnós temos relatos.Testemunhas que a viramno
Kentucky.Relatosdesuasvítimas.Era difícil manter o rosto tranquilo ao ouvir isso. Eu chegara a ver Sonya como
Strigoi.Elaerahorripilantee, se tivesseaoportunidade,acabariacomigoecommeuscompanheiros num piscar de olhos. Era difícil aceitar que, quando alguém eratransformadoemStrigoi,perdiaocontrole sobreseus sentidose sobresuaalma.Essaspessoasperdiamocontatocomsuahumanidade(ouocorrespondenteMoroi,sejaláqualfosse), e já não eram as mesmas de antes. Sonya havia feito coisas muito, muitoterríveis,masnãoeramaisaquelacriaturadastrevas.—Sonyamudou—eudisse.—Elanãoémaisumdeles.OsolhosdeTreyseestreitaram.—Issoé impossível.Vocêsestãosendoenganados.Temalgumtipode…nãosei…
magianegraenvolvida.— Isso não está nos levando a lugar nenhum— Eddie resmungou.— Ligue para
Dimitri.Nósdois juntosconseguiremosarrancardele a localizaçãodessecomplexo. Jáinvadiumaprisão.Entrarnesselugarnãodevesermuitodifícil.—Ah, você acha, é?—Trey disse, abrindo um sorriso frio.—Aquele lugar é
rodeadoporcercaelétricaerepletodehomensarmados.Alémdisso,elaestásobfortesegurança.Vocênãopodesimplesmenteirentrando.—Porqueela aindaestáviva?—Angelineperguntou.Elapareceunotaroquanto
aquilosoouestranhoelogoacrescentou:—Querdizer…ficofelizqueelaesteja.Mas,sevocêsachamqueelaétãoperversa,porquejánãoderamumfimnela?—Elalançouumolharparamimemeusamigos.—Desculpa.—Éumaboapergunta—Eddiedisse.Trey levou um bom tempo para responder.Tive a impressão de que ele estava
divididoentreaobrigaçãodemanterossegredosdogrupoeavontadedejustificarseusatosparanós.—Porque todosnósestamos sendo testados—ele respondeu, finalmente.—Para
verquemédignodefazeraexecução.—MeuDeus—Jilldisse.—Por isso todosessesmachucados—eudisse.Meu temordeviolênciadoméstica
nãoestavatãoerradoassim.—Vocêestácompetindoparamatarumamulherquenãofeznadacontravocê.—Parededizerisso!—Treygritou,parecendorealmenteperturbado.—Elanãoé
inocente.—Masvocênãotemtantacerteza—falei.—Outem?Seusolhosnãoconseguem
acreditarnoqueseusamigoscaçadoresdizem.Elefugiudaacusação.—Minha famíliaespera issodemim.Todosprecisam tentar, aindamaisdepoisdo
nosso fracassonobeco.Perdemosaautorizaçãodemataravampiraporcausadaquilo,por isso o conselho ordenou que fizéssemos esses testes, para nos redimirmos eprovarmos que estamos à altura da tarefa. — Conseguir “autorização” para mataralguémerarepulsivo,masaoutrapartedoqueeledissemedeixouemchoque.—Vocêestavalá—eudisse,incrédula.—Nobecoe…foivocê!Foivocêqueme
segurou!—O ataqueme voltou àmemória, assim como a surpresa e a hesitação domeuagressor.OrostodeTreyconfirmouaquilo.—Eu sabia que você era amiga deles.Bastava olhar pra vocês pra saber, pormais
quenãotenhanotadovocêsdoisaprincípio—eledisse,dirigindo-seaEddieeAngeline.Trey se voltou para mim.—Reconheci sua tatuagem quando te conheci. Só ignoreiporque não achava que você estivesse envolvida nosmesmos problemas que eu. Penseique só andasse com vampiros inofensivos; não podia imaginar que estaria lá naquelanoite.Nuncaquisferirvocê.Aindanãoqueroeéporissoquevocêprecisaesqueceressa
história.— Isso estáme cansando—Eddie disse. Era ummilagre sua paciência ter durado
tantotempo.—Precisamosinvadiresselugare…—Espera,espera.—Umaideiaestavase formandonaminhacabeça…eeramais
uma ideiamaluca.—Trey, você disse que Eddie não pode simplesmente ir entrandonaquelelugar.Maseuposso?—Doquevocêestá falando?—Treyperguntou, comummistodedesconfiança e
perplexidadenorosto.—Vocêsabeoqueeusou.Vocêsabeoqueeufaço.—Treyassentiucomacabeça.
—Nossosgruposjáforamumsó.Aqueleshomensquemepararamnaruadisseramatéquedeveríamostrabalharjuntos.Osguerreirosqueremosrecursosdosalquimistas.—Então,oquê?Vocêquerfazerumatroca?—Treyperguntou,franzindoatesta.—Não.Sóqueroconversarcomesseconselhodevocês.ExplicarporqueSonyanão
é…hum,porque ela não émais o que era antes.ExisteumMoroi queusaumcertotipodemagiaquepodemostraravocês…—Não—Treydissedeimediato.—Nenhum delespodeentrarládentro.Elessão
tolerados,nadamaisdoqueisso.Vocês,híbridos,tambémnãosãopermitidos.—Maisuma vez, dirigia-se a Eddie eAngeline.Nunca tinha ouvido o termo“híbridos” antes,masseusentidoeraclaro.—Certo— respondi.— Só humanos. Eu sou humana. Seu grupo quer trabalhar
comomeu.Medeixeircomvocê.Desarmada.Voufalarcomseuslíderese…—Sydney,não—Eddieprotestou.—Vocênãopodeirpralásozinha!Peloamor
deDeus,elestentaramdecapitarSonya.ElembraoqueClarencedissesobreosradicaisqueoperseguiam?—Nãoferimoshumanos—Treyrespondeu,comfirmeza.—Elaestarásegura.—Euacreditoemvocê—eudisseaele.—Etambémseiquenuncadeixarianada
demal acontecer comigo.Veja, vocênão está curiosopara saberpor que Sonyanão émaiscomoantes?Podeaceitarapossibilidadedequeoseugrupoestejacometendoumgrave erro?Você disse que toleram os Moroi. Ela é Moroi. Deixe-me explicar. Nãoestoupedindonadaalémdeumachancedemepronunciar.—Eumagarantiadesegurança—Angelineacrescentou,quasetãorevoltadaquanto
Eddie, que aprovou as palavras dela com um aceno de cabeça.—Vocês se importamcomesselancedehonra,nãoé?Precisamprometerqueelavaificarsegura.— É a honra que nos leva a fazer o que fazemos — Trey respondeu. — Se
prometermosqueelavaificarsegura,elavaificar.— Então peça a eles— reiterei.— Por favor?Você faria isso por mim? Como
amigo?Treyassumiuumaexpressãocondoída.Haviaumtempo,elederaaentenderqueme
devia uma por ter ajudado a colocar um fim no esquema de tatuagens ilícitas nomêsanterior.Qualqueramigoseriaobrigadoacumpriressapromessa,aindamaisumcomtamanho senso de honra. Eu também sabia que outras coisas, além da honra, estavam
em jogo ali.Eu eTrey éramos amigos, e tínhamosmuitomais emcomumdoque euimaginava. Nós dois fazíamos parte de grupos que queriam controlar nossas vidas,muitasvezesdemaneirasnadaagradáveis.Tambémtínhamospaisautoritários.SeTreyeeunãotivéssemosobjetivostãoopostos,poderíamosrirdaquilotudo.—Voupedir—Treyconcordou.Algomediziaqueeletambémestavapensandono
quetínhamosemcomum.—Porqueéparavocê.Masnãopossoprometernada.—Entãopeçaagora—Eddiegrunhiu.—Não temos tempoaperder.Eachoque
Sonyatambémnão.Trey não refutou. Eu hesitei, reconsiderando se aquela era uma boa ideia. O que
aconteceriaseperdêssemosTreydevista?SeriamelhorserealmenteotivéssemoslevadoatéDimitri?ESonya…quantotempoelaaindatinha?—Agora—insisti.—Vocêprecisaentraremcontatocomelesagora.Nãovápara
a aula. —Aquela foi provavelmente a primeira e a última vez que eu disse essaspalavras.—Eujuro—Treyprometeu.—Vouligarpraelesagora.O sinal tocou, pondo fim à nossa reunião. No entanto, se tivéssemos a chance de
salvarSonyanaqueleexatomomento, sabiaque todososmeus amigos teriamsaídodocampus imediatamente.DeixamosTrey ir e ele voltou para o alojamento, em vez deseguir para as salas.Angeline, recém-liberada da suspensão, partiu com Jill, enquantoEddieeeufomosjuntosparaaauladehistória.—Issofoiumerro—eledisse,comorostosombrio,olhandonadireçãoqueTrey
seguira.—Elepodedesaparecer,eaívamosperderaúnicachancequetemosdesalvarSonya.—Nãoachoqueelevádesaparecer—respondi.—EuconheçoTrey.Eleéumaboa
pessoa epudeverque,mesmoque achequeos Strigoi precisam ser exterminados, elenão tem tanta certeza a respeito de Sonya. Ele vai fazer o possível.Acho que estádividido agora, entre aquilo que ensinaram para ele durante a vida toda e o que estácomeçandoaverporcontaprópria.Parecealguémquevocêconhece?,perguntouumavozdentrodemim.AdmitoquetinhaesperançasdequeTreyfossedarumarespostaimediatamente,por
exemplo, já na aula de química. Mas ele também não apareceu lá, nem em nenhumoutro lugar da escola durante o dia todo. Pensei que essas coisas deviam levar umtempo, e minha paciência e confiança foram recompensadas no fim do dia com umamensagem:Tentando ainda.Alguns estão dispostos a conversar. Outros precisam serconvencidos.Quando mostrei a Eddie, ele não considerou a mensagem de Trey uma prova
concreta. Porém, eu imaginava queTrey não iria dizer nada se tivesse dado o fora dacidade. Eddie queria se reunir comDimitri para discutir uma estratégia a partir dosdesdobramentosrecentes.Entãodecidimosiremgrupoparaocentro.Convoqueitodosparaquenosreuníssemosnafrentedoalojamentolesteemmeiahora.Jillfoiaprimeiraachegareparouderepenteaomever.
—Nossa,Sydney…oseucabelo.LevanteiosolhosdamensagemqueestavadigitandoparaBrayden,dizendoquenão
poderiasairnaquelefinaldesemana.—Oquequetem?—Ojeitocomoascamadasestãopenteadas.Enquadraseurostoperfeitamente.Elaestavameolhandodaquelejeitoestranhodenovo.—Poisé—eudisse,tentandomudardeassunto.—Foi…umbomcorte.Desculpe
porterfeitovocêselivrardoMicahhojedemanhã.Levoualgunssegundos,masamudançadeassuntoa fezsairdotranse induzidopelo
meucabelo.—Ah,não.Tudobem.Querdizer,ascoisasestavamficandomeioestranhasentrea
gentemesmo.—Ah,é?—Micahparecia falantecomosempredaúltimavezqueovi.—Vocês
aindaestãocomproblemas?—Então…Achoqueeuéqueestou.Gostomuitodele.Adorosaircomeleecomos
amigosdele.Mas fico lembrandootempotodoquenadapodeacontecerentreagente.Hoje demanhã, por exemplo. Existe uma série de coisas acontecendo de que ele nãopode fazer parte. E eu não suporto a ideia de ficarmentindo para ele oumantendo-olongedaminhavida.Achoquepreciso fazer isso…devez.Terminar tudo.Seique jádisseissoantes,masagoraépravaler.—Podecontarcomagenteseprecisar—eudisse.Tecnicamente,euestava sendo
sincera,masseJillviessechorandodepoismepedindoconselhos,eunãosaberiabemoque dizer. Talvez conseguisse encontrar um livro sobre como aconselhar pessoaspassandoporfimdenamoroantesqueelaterminassedefato.Elaabriuumsorrisinhotorto.—Sabeo que é engraçado?Querdizer, nãoquero sair pulandodeumcara para o
outro,eeuaindagostodoMicah,masestoucomeçandoanotarcomoEddieéumcaralegal.—Eleéótimo—confirmei.—Relacionamentos entreMoroi edampiros costumam serdesaconselhadosquando
eles são mais velhos, mas agora… Digo, conheci alguns que ficaram juntos na SãoVladimir.—Elariu,constrangida.—Eusei,eusei…Nãodevianemestarpensandonisso.Ummeninode cadavez.Mas,mesmoassim…quantomais vejoEddie…Eleétãocorajosoeconfiante.Fariaqualquercoisapornós,sabe?Pareceumheróidoscontosde fada, só que no mundo real. Mas ele é tão dedicado que eu acho que nunca seinteressariaporumagarotacomoeu.Nãotemtempoparanamorar.—Naverdade—eudisse—,achoqueeleseinteressariamuitoporvocê.—Sério?—eladisse,arregalandoosolhos.Queria contar tudoa ela.Emvezdisso, comoEddiemepediraparadeixarqueele
mesmo cuidasse dos problemas pessoais, escolhi as palavras cuidadosamente para nãorevelarseussegredos.
—Elevivefalandocomovocêéinteligenteecompetente.Achoquerealmenteexisteessapossibilidade.—Eletambémdiziaquenãoeradignodoamordela,masessaideiapoderiaperderforçaseJilltomasseainiciativa.Ela ficoupensativa,enadamais foiditosobreoassuntoquandoEddieeAngelinese
aproximaram.Fomospara a cidade de carro, deixei Jill e os dois dampiros na casa deAdrianefuiresolveralgumascoisas.EsperarporTreyeraagonizanteeeuprecisavamedistrair.Além disso, estava com poucas provisões alquimistas e queria garantir queestivessecomforçatotalantesdequalqueraventuranoterrenodosguerreiros.Ocelular tocouenquanto empacotava as coisas.EraTrey; saí da lojade ervaspara
atenderaligação.—Tudocerto—eledisse.—Podevir.Vãorecebervocêhojeànoite…sóvocê.Adrenalina e ansiedade correram pelo meu corpo. Naquela noite. Parecia
surpreendentementecedo,maseraexatamenteissoqueeuqueria.PrecisavatirarSonyadaquelelugar.—Voulevarvocêatéláàssete—Treycontinuou.—E…bem,desculpa,masvocê
vai terque irvendada.Evou ficardeolhoparagarantirquenão seremos seguidos.Senosseguirem,oacordoserácancelado.—Entendo—respondi,emboraavendatornasseaincursãomuitomaisassustadora.
—Estareiesperando.Obrigada,Trey.—Maisumacoisa—eleacrescentou.—Queremosaespadadevolta.CombineicomeleparamepegarnoprédiodeAdrian,jáqueimaginavaqueEddiee
Dimitri teriammuitas recomendações para fazer antes do encontro.E liguei para elesassimque terminei a ligação comTrey, para falar que estava tudo acertado.TambémligueiparaStantonparaatualizá-ladosfatos.Penseiquedeveriaterconsultadoelaantes,masqueriaterumarespostadefinitivadeTreyprimeiro.—Nãogostonemumpoucodaideiadevocêiratélásozinha—eladisse.—Mas
parece improvável que machuquem você. Eles parecem respeitar os humanos,especialmentenós.E,sehouveralgumachancedetirarKarpdelá…Bem,issoevitariauma crise entrenós eosMoroi.—O tomde Stanton,porém,medizia que,mesmoachandoqueeuestariasegura,elanãoestavatãootimistaemrelaçãoaSonya.—Tenhacuidado,srta.Sage.OapartamentodeAdrianestavacarregadodetensãoquandocheguei.Dimitri,Eddie
eAngeline estavam visivelmente agitados, talvez porque fossem ficar de fora da ação.Surpreendentemente, Adrian também parecia inquieto, embora eu não conseguisseentenderporquê.Jilloobservava,preocupada,emantinhaoolharfixonosolhosdele,semdúvidarecebendomensagensinvisíveisatravésdolaço.Porfim,eledesviouoolhar,comoseterminasseumaconversa.Jillsuspirouefoisejuntaraosoutrosnacozinha.ComeceiaconversarcomAdrian,masEddiemechamoucomumgesto.—Estamosdiscutindosevocêdeveounãolevarumaarma—eledisse.—Bem,arespostaénão—retruqueiimediatamente.—Nempensar!Elesvãome
vendar.Achamquenãovãomerevistartambém?
—Devehaverum jeito—Dimitridisse.Comoestávamos soboar-condicionado,elevestiaseusobretudo.—Nãopossodeixarvocêentrarládesarmada.—Nãovoucorrerperigo—respondi, sentindocomoseestivesserepetindoaquele
mantra o dia todo.— Eles podem ser loucos, masTrey disse que, se eles deram apalavradeles,nãovãomefazermal.—Sonyanãotemessagarantia—Dimitriobservou.—Nenhumaarmavaimeajudara salvarSonyaalémdosmeusargumentos.Evou
estararmadaatéosdentescomeles.Os dampiros ainda não pareciam satisfeitos com isso.Voltaram a discutir entre si
enquantoeulevantavaparapegarágua.Adriangritoudasala:—Temrefrigerantedietnageladeira.Abri o refrigerador.De fato, havia todo tipo de refrigerante lá.Aliás, nunca tinha
vistotantacomidanavida:outrofrutodagenerosidadedeNathanIvashkov.PegueiumalatadeCocaDietesenteiaoladodeAdriannosofá.— Obrigada— eu disse, abrindo a lata.— Melhor que isso, só se você tivesse
sorveteitaliano.Elearqueouasobrancelha.—Sorvete?Issoésobremesa,Sage.—Pois é—admiti.O assuntomundanoera reconfortante emmeio a toda aquela
tensão.—Éculpasuaporterfaladodissoontem.Agoranãoconsigoparardepensarnosorvete.Quistomarumontemànoiteno jantareBraydenmeconvenceuanãopedir;talvez sejaporcausadissoque fiquei aindamaisobcecada. Já aconteceu issocomvocê?Nãoconseguirteralgumacoisaeissosóaumentaravontade?—Sim—elerespondeu,amargurado.—Aconteceotempotodo.—Porquevocêestátãodesanimado?Tambémachaqueeudeverialevarumaarma?
— Era muito difícil imaginar para onde as mudanças de humor deAdrian poderiamlevá-lo.—Não,euentendooseupontodevistaeachoqueestácerta—eledisse.—Não
queeuaproveaideiadevocêiratélá.—PrecisoajudarSonya—eudisse.Elemeexaminoueabriuumsorriso.—Eusei.Queriapoderircomvocê.—Ah, é?Você iriame proteger eme tirar de lá como ameaçou fazer ontem?—
brinquei.— Ei, se fosse preciso, sim.Você e Sonya. Era só colocar uma em cada ombro.
Muitomásculo,não?—Muito—respondi,contentedevê-lovoltarafazerpiadas.Seusorrisosedesfezeeleficousériodenovo.—Queriateperguntarumacoisa.Oqueémaisassustador:entrarnoesconderijode
umbandodehumanosdoidosassassinos,ouficarcomalgunsvampirosemeio-vampirosinofensivos,aindaqueumpoucoexcêntricos?Euseidasreservasquevocês,alquimistas,
têmemrelaçãoanós,masalealdadeàsuaespécieétãoforteque…seilá…aspessoasemparticularnãoimportam?Aquela era uma pergunta incrivelmente profunda paraAdrian.Também me fazia
lembrar da minha incursão pelo esconderijo alquimista onde Keith estava. Lembreicomo o pai de Keith não se importava com o caráter do filho, desde que ele nãomantivesse boas relações com os vampiros.Também me lembrei da obstinação dosguerreiros no beco em não ouvir qualquer verdade que não a deles. E, por fim, olheiparaosdampirosdiscutindonacozinha,aindabuscandomeiossecretosdemanterSonyaeeuemsegurança,aqualquercusto.VolteiaolharparaAdrian.—Euficariacomosvampiros.Alealdadeàespécietemlimites.AlgonorostodeAdriansetransformou,maseumalpresteiatenção.Estavasurpresa
demais ao perceber que as palavras que acabara de pronunciar corresponderiam a umagravetraiçãonomundodosalquimistas.Maistarde,EddieeAngelinesaíramparabuscarojantar,edeixeiquefossemcomo
meucarrocontantoqueEddiedirigisse.Enquantoelesestavamfora,Dimitritentoumepassarmais algumas técnicas de defesa pessoal,mas era difícil aprendermuito em tãopouco tempo. Ficava lembrando deWolfe nos dizendo para evitar locais perigosos.Oqueelediria se soubessequeeuestavaprestes a entrarnoesconderijodeumbandodecaçadoresdevampirosarmados?Eddie e Angeline ficaram fora por um tempo e, quando finalmente voltaram,
estavamfuriososcomademoradorestaurante.—Acheiquenãovoltaríamosatempo—Eddiedisse.—Estavacommedodeque
vocênãocomesseantesdamissão.—Nem sei se consigo comer— admiti.Apesar dasminhas palavras corajosas de
antes, estava começando a ficar nervosa.—Ah, pode ficar com elas, para o caso deprecisardocarro.Eletinhaacabadodecolocaraschavesnaminhabolsa.—Temcerteza?—Absoluta.Eledeudeombroseentãopegouaschavesdenovo.Paraminhasurpresa,Adriano
observavacomosolhosapertadoseparecia incomodadocomalgumacoisa.Nãoestavaconseguindo acompanhar as mudanças de humor dele naquele dia. Ele se levantou ecaminhou até Eddie. Depois de alguns momentos, se afastaram ainda mais de nós epareceram ter uma discussão aos sussurros, envolvendo algumas olhadelas para mim.Todososdemaispareciampoucoàvontadecomasituaçãoe,derepente,irromperamafalar sobre todo e qualquer assunto. Só conseguia olhar de um lado para o outro,sentindoquehaviaperdidoalgumacoisaimportante.Trey me ligou às sete em ponto, dizendo que estava me esperando na frente do
prédio.Eumelevanteidacadeira,pegueiaespadaerespireifundo.—Medesejemsorte.
—Euacompanhovocêatéláfora—Adriandisse.—Adrian—Dimitriadvertiu.Adrianrevirouosolhos.—Eusei,eusei.Nãosepreocupe.Euprometi.Prometeu o quê? Ninguém falou mais nada. Não era uma caminhada muito longa
porque ele morava no térreo, mas, assim que saímos, segurou meu braço comsuavidade. Um choque perpassou meu corpo, tanto pelo toque quanto pelo gestoinesperado.SuaspoucasdemonstraçõesdecarinhocostumavamsercomJill.—Sage—eledisse.—Tomecuidado.Deverdade.Nãovábancaraheroína;tem
umacambadadeheróisaquidentro.E…aconteçaoqueacontecer,queroquevocêsaibaquenuncaduvideidasuamissão.Émuitointeligenteecorajosa.—Dojeitoquevocêfala,parecequejáaconteceuenãodeucerto—eudisse.—Não,não.Eusó…sóqueroquevocêsaibaqueeuconfioemvocê.—Estábem—respondi,sentindo-meumtantoconfusa.Volteiaterasensaçãode
queestavammeescondendoalgumacoisa.—Esperoquemeuplanofuncione.Eu precisava ir embora, para longe do toque deAdrian, mas não conseguia. Por
algummotivo,estavahesitanteemir.Haviasegurançaeconfortoali.Depoisquesaísse,entrarianacovadosleões.Permanecimaisalgunsinstantesnasegurançadaquelecírculoquehavíamosformado,eentãomeafastei,relutante.—Porfavor,tomecuidado—elerepetiu.—Volteasalvo.—Euvouvoltar.—Sempensar,tireiacruzdopescoçoeapressioneicontraamão
dele.— Desta vez, fique com ela pra valer.Apegue-se a ela até eu voltar. Se ficarpreocupadodemais,olheparaelae saibaque precisovoltarparabuscá-la.Ela combinamuitocomroupascáquiedecoresneutras.Temiaqueeleadevolvesse,masemvezdissosimplesmenteassentiuesegurouacruz
com força. Saí me sentindo um pouco vulnerável sem ela, mas torcendo para que odeixassemaiscalmo.Derepente,meudesconfortopareceupequenocomparadoaomeudesejodequeAdrianficassebem.Sentei no banco do passageiro do carro deTrey e imediatamente lhe entreguei a
espada.Elepareciatãoangustiadoquantoantes.—Temcertezadequequeriradiantecomisso?Porquetodomundoficavameperguntandoaquilo?—Tenho.Certezaabsoluta.—Deixe-meverseucelular.Entregueiocelularaele,eledesligouemedevolveujuntocomumavenda.—Vouconfiaremvocêparacolocaravendaemsimesma.—Obrigada.Comecei a colocá-la e então, num impulso, olhei para trás, em direção ao prédio,
uma última vez.Adrian ainda estava lá, parado, com as mãos no bolso e o rostopreocupado.Ao percebermeu olhar, ele entreabriu um sorriso e estendeu amão emsinal de… quê?Adeus? Uma bênção? Não consegui identificar, mas aquilo fez eu me
sentir melhor. A última coisa que vi foi o reflexo da cruz sob a luz do sol,imediatamenteantesdecobrirosolhoscomavenda,mergulhandonaescuridão.
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EMFILMES, já tinha visto pessoas vendadas que conseguiam saber para onde estavamsendo levadasgraças aumtalentonaturalpara sentirmovimentoedireção.Nãoeraomeucaso.Depoisdealgumascurvas, jánão sabiadizeremquepartedePalmSpringsestávamos — ainda mais porque suspeitava queTrey estivesse fazendo um caminhocheiodevoltas,paragarantirquenãoestávamossendoseguidos.Oúnicomomentoemqueme localizei foi quando entramos na interestadual, simplesmente pela sensação decorrerlivrenaestrada.Nãosabiaemquedireçãoestávamosindoenãotinhacomodizerporquantotempoviajamos.Treynãopareciamuitodispostoaconversar,masdavarespostascurtas sempreque
eufaziaalgumapergunta.—Quandovocêsealistounoscaçadoresdevampiros?—GuerreirosdaLuz—corrigiu.—Jánascinomeiodisso.—Éporissoquevocêsemprefalaempressãofamiliarequeesperammuitodevocê,
nãoé?Éporissoqueseupaisepreocupatantocomseudesempenhoatlético.Tomei o silêncio doTrey comoum sim e insisti, a fimde conseguir omáximode
informaçõespossível.—Comquefrequênciavocêstêmesses…encontros?Vocêssemprefazemprovastão
brutais?—Até pouco tempo, não havia nada que sugerisse que a vida deTrey fossemuitodiferentedadequalqueroutro atletadoensinomédio: ele tinhaboasnotas,umemprego e uma vida social ativa. Na verdade, pensando em todas as coisas queTreyfazianormalmente,eradifícilimaginarqueeletivessetempoparaosguerreiros.—Nós não temos encontros frequentes— ele respondeu.—Quer dizer, não os
integrantes do meu nível. Esperamos até uma convocação, geralmente quando umacaçada está em andamento. Ou às vezes organizamos competições para testar nossaforça. Nossos líderes viajam para certos lugares e, então, guerreiros de váriaslocalidadessereúnemparasepreparar.
—Seprepararparaquê?— Para o dia em que pudermos exterminar o mal dos vampiros de uma vez por
todas.—Evocêrealmenteacreditaqueessacaçadaéocaminho?Queéacoisacertaa se
fazer?—Vocêjáviuumdeles?—eleperguntou.—Umdosmortos-vivosdiabólicos?—Jávialguns.—Enãoachaqueelesprecisamserdestruídos?— Não é isso que estou tentando dizer. Não gosto nem um pouco dos Strigoi,
acrediteemmim.AquestãoéqueSonyanãoéumdeles.Maissilêncio.Depoisdeumtempo,sentiqueestávamossaindodaestrada.Continuamosmaisum
pouco,atéqueelereduziuavelocidadeeentrounumaestradadecascalho.ParamoslogodepoiseTreybaixouovidro.—Essaéela?—perguntouumavozdehomem.—Sim—Treyrespondeu.—Vocêdesligouocelulardela?—Sim.—Leveagarotaparadentro.Vãocuidardorestodarevista.Ouviorangidodeumportãosendoabertoe,emseguida,continuamospelaestrada
de cascalho até entrarmos no que parecia uma área de terra batida.Trey estacionou edesligouocarro.Abriusuaportaaomesmotempoquealguémdoladodeforaabriaaminha.Umamãonomeuombromeempurrouparaafrente.—Venha.Saia.—Tomecuidadocomela—Treyadvertiu.Fui levada do carro para dentro de um prédio. Só quando ouvi uma porta sendo
fechada e trancada tiraram a minha venda. Estava numa sala austera com paredes dereboco e lâmpadas expostas.Quatrooutras pessoas estavamemvolta demimeTrey,trêshomenseumamulher.Elespareciamtervinteepoucosanos,todosarmados,entreelesosdoisrapazesquemeinterpelaramnocafé.—Esvazieabolsa.—EraJeff,orapazdecabelopretomoderninho,queusavaum
brincodouradocomoantigosímbolodoSol.Obedeci,jogandooconteúdodabolsaemcimadeumamesaimprovisada,composta
porumpedaçodemadeirasobreblocosdecimento.Enquantoexaminavamoconteúdo,amulhermerevistouembuscadeescutas.Elatinhaocabelooxigenadoeacarafechada,maspelomenosarevistafoiprofissionaleeficiente.—Oqueéisso?—oloirinhodocaféperguntou,pegandoumpequenosacoplástico
recheadodeervasefloressecas.—Vocênãopareceotipoqueusadrogas.—Éumpot-pourri—respondiprontamente.—Vocêguardaumpot-pourrinabolsa?—eleperguntou,incrédulo.Deideombros.
—Guardamos todo tipo de coisa na bolsa.Mas tirei todos os ácidos e substânciasquímicasantesdevirparacá.Ele descartou o pot-pourri como inofensivo e jogou numa pilha com outros itens
liberados, como minha carteira, antisséptico para as mãos e um bracelete liso demadeira. Notei, então, que a pilha também incluía um par de brincos dourados emformadediscos, cobertosporespirais intrincadas eminúsculaspedraspreciosas.Erambonitos,maseununcaosviraantes.Mas é claro que não chamaria a atenção para nada, ainda mais quando a mulher
apanhoumeucelular.—Vamosdestruirisso.—Eudesliguei—Treydisse.—Elapodeligardenovo.Podeserrastreado.— Ela não faria isso —Trey argumentou. —Além do mais, isso é um pouco
paranoico,não?Ninguémusaessetipodetecnologianomundoreal.—Vocêquepensa—elarespondeu.Eleestendeuamãoedisse:— Dê o celular pra mim.Vou guardar comigo em segurança. Ela está aqui em
missãodepaz.Amulherhesitouaté Jeff assentircomacabeça.Treycolocouocelularnobolso,o
queme deixou grata.Haviamuitos números salvos e daria um trabalhão cadastrá-losnovamente. Depois que minha bolsa foi considerada segura, deram permissão pararecolocarascoisasdentrodelaelevá-lacomigo.—Certo—oloirinhodisse.—Vamosparaaarena.Arena?Eradifícilimaginaroqueumaarenafarianumlugarcomoaquele.Avisãona
travessadepratanãomemostraranenhumapartesignificativadoprédio,apenasqueeratérreo,comumaspectovelhoesujo.Aquelesalãopareciaseguirbemessatemática.Seosfolhetosantiquadosserviamcomoexemplodanoçãodeestilodosguerreiros,supunhaqueessa“arena”ficasseemalgumtipodegaragem.Nãopodiaestarmaiserrada.Tudo o que faltava às outras áreas de operação dosGuerreiros da Luz, eles haviam
investidona arena—ou,comomedisseramseronomeoficial,ArenadoResplendorDivino doOuro Sagrado.A arena tinha sido construída numa área cercada por váriasconstruções.Eunãomeatreveriaachamaraquilodeumsimplespátio.Eramaior,emumterrenodeterrabatida igualàqueleemqueestacionamosocarro.A infraestruturaestava longede ser refinada ou altamente tecnológica,mas, enquantoobservava aquilotudo, não conseguia deixar de pensar no comentário deTrey de que os guerreiroshaviamchegadoàcidadenaquelasemana.Porqueteremmontadoaquilotãorápido…eramuitoimpressionante.Eapavorante.
Duas arquibancadasdemadeira frágil foramerguidas em ladosopostosdo lugar.Umaabrigavacinquentaespectadores,emsuamaioriahomens,deváriasidades,comolharesdesconfiados e até mesmo hostis, voltados para mim enquanto eu era guiada arena
adentro.Quase podia sentir seus olhares fixos cravados naminha tatuagem. Será quetodossabiamdosalquimistasedanossahistória?Semexceção,vestiamroupasnormais,masavisteibrilhosdouradosaquieali.Muitosusavamalgumtipodeornamento—umbroche,umbrincoetc.—,fossecomosímbolodoSolmodernoouantigo.Aoutraarquibancadaestavapraticamentevazia.Trêshomensmaisvelhos,da idade
domeupai,estavamsentadosumaoladodooutro,vestindomantosamareloscobertosporbordadosdouradoscintilando soba luz laranjadopoente.NoselmosdouradosquecobriamsuascabeçasestavagravadooantigosímbolodoSol,ocírculocomopontonomeio. Eles também me observavam, e procurei manter a cabeça erguida, tentandoesconder o tremor nas mãos. Não conseguiria apresentar uma defesa convincente emfavordeSonyaseparecesseintimidada.Emtornodaarena,dispostosemmastros,agitavam-seestandartesdetodasasformas
e tamanhos. Feitos de tecidos grossos e suntuosos, lembravam tapeçarias medievais.Obviamentenãoeramtãoantigos,masdavamaolugarumaauraluxuosaecerimonial.Osdesenhosnosestandarteserammuitovariados.Algunsrealmentepareciamtervindodireto da Idade Média, exibindo combates entre cavaleiros estilizados e vampiros.Avisãodelesmecausouarrepios.Realmentehaviavoltadonotempo,paraacongregaçãodeumgrupo cuja história era tão antiga quanto a dos alquimistas.Outros estandarteseram mais abstratos, reproduzindo antigos símbolos alquimistas. Outros, ainda,pareciammodernos,retratandoomesmosol tatuadonascostasdeTrey.Mepergunteiseaquelareinterpretaçãodosoltinhaoobjetivodeatrairajuventudemoderna.Durante todoo tempo, fiquei pensando:Menosdeuma semana.Montaram isso em
menosdeumasemana.Viajaramparacácomtudo,prontospara levantar issodeumahora para a outra a fim de fazer essas competições ou execuções. Eles podem serprimitivos,masissonãofazdelesmenosperigosos.Emboraagrandemultidãodeespectadorestivesseaaparênciaagressiva,comoalgum
tipodemilíciarural,eraumalívionãopareceremarmados.Sóaminhaescoltaestavaarmada.Umadúziadearmasjáerademaisparaomeugosto,mas,seaquilofossetudo,não era tão ruim assim— e restava esperar que mantivessem as armas apenas porostentação.ChegamosàbasedaarquibancadavaziaeTreyveioficaraomeulado.— Este é o grande conselho dos Guerreiros da Luz —Trey disse. Em seguida,
apontou para cada um deles.—Mestre Jameson,mestreAngeletti emestreOrtega.EstaéSydneySage.—Vocêémuitabem-vindaaqui, irmãzinha—mestreAngelettidissecomsuavoz
grave, sob a longa barba desgrenhada.— Uma oportunidade para a reconciliação denossos grupos há muito se faz necessária. Seremos muito mais fortes depois quecolocarmosnossasdiferençasdeladoenostornarmosumsó.Abri o sorriso mais cortês que consegui e decidi não chamar atenção à
improbabilidadedeosalquimistasaceitaremfanáticoscommetralhadoraempunhoemnossasfileiras.— É um prazer conhecer os senhores. Obrigada por permitirem minha visita.
Gostariadefalarsobre…MestreJamesonlevantouamãoparamedeter.Seusolhospareciampequenosdemais
paraorestantedorosto.—Tudoaseutempo.Primeiro,gostaríamosdemostraravocêadiligênciacomque
treinamosnossosjovensparaoembatenagrandecruzada.Assimcomovocêsencorajamaexcelênciaeadisciplinanamente,nósasencorajamosnocorpo.Apósalgumadeixasilenciosa,aportaporondetínhamosacabadodeentrarvoltoua
seabrir.Umrostoconhecidoentrounaarena:Chris,oprimodeTrey,comcalçasdeginástica e sem camisa. Era possível ver claramente o sol irradiado tatuado em suascostas.Comoolharselvagem,caminhouatéocentrodaarena.—Creio que já conhece Chris Juarez—mestre Jameson disse.— Ele é um dos
finalistas nessa última rodada de combates.O outro, claro, você também conhece. Éumagrandeironiaqueosprimosestejamseenfrentando,mastambéméconveniente,jáqueambosfracassaramnoprimeiroataquecontraodemônio.Estupefata,mevolteiparaTrey.—Você?Você é um dos… competidores para matar Sonya? — Mal conseguia
pronunciaressaspalavras.Alarmada,volteiamedirigiraoconselho.—DisseramqueeuteriaachancedemepronunciarafavordeSonya.—Vocêterá—mestreOrtegaafirmou,numtomquesugeriaqueseriaumesforço
em vão.—Mas, primeiro, devemos determinar o vencedor. Competidores, tomemseuslugares.Notei então queTrey também estava usando calças esportivas, como se estivesse a
caminhodeumtreinodefutebolamericano.Tambémtirouacamisae,porfaltadoquefazer com ela, a entregou para mim. Eu a segurei e fiquei olhando para ele, aindaincapazdeacreditarnoqueestavaacontecendo.Oolhardeleencontrouomeuporumbreve instante, mas logo se desviou. Ele se afastou em direção ao primo, e mestreJamesonmeconvidouparasentar.Trey e Chris se encararam.Me senti meio envergonhada por analisar dois rapazes
semcamisa,masnãohavianadadesexualacontecendo.Minhas impressõessobreChrisnãomudarammuitodesdequeoconhecera.TantoelecomoTreyestavamemexcelenteforma, musculosos e fortes, com o tipo de corpo de quem treina e se exercitaregularmente.AúnicavantagemdeChris, se équehavia alguma,era a alturadele,oque eu também havia notado antes. A altura dele. Como um raio, as memórias doataquenobecovoltaramàminhacabeça.Poucosepodiaverdosagressores,masoquecarregava a espada era mais alto. Originalmente, Chris devia ser o encarregado dematarSonya.Outro homem vestido demanto surgiu pela porta. Seumanto tinha um corte um
poucodiferentedaqueledosconselheiroseexibiaaindamaisbordadosemouro.Emvezdeumelmo,portavaumbarreteparecidocomodeumsacerdote,oqueelepareciaserjáqueChriseTreyseajoelharamdiantedele.Osacerdotemarcousuastestascomóleoerecitoualgumtipodebênçãoquenãoconseguiouvir.Então,paraminhasurpresa,fez
osinalcontraomalnoombro—omesmosinaldosalquimistas.Acredito que, mais do que qualquer discurso sobre vampiros malignos ou o uso
compartilhadodesímbolosantigos,aquilofoioquerealmentedeixouevidenteofatodeque nossos dois grupos umdia tiveramumparentesco.O sinal contra omal era umapequena cruz traçada com a mão direita sobre o ombro. Sobrevivera entre osalquimistas desde os tempos antigos.Um calafrio percorreumeu corpo.Realmente jáhavíamossidoumúnicogrupo.Quandoosacerdoteterminou,outrohomemdeualgunspassosadianteeentregoua
cada um dos primos um bastão de madeira liso, bem parecido com o cassetete quepoliciaismuitas vezes usampara reprimir asmultidões.Trey eChris se voltaramumcontra o outro, assumindo posturas agressivas e portando os bastões em posição deataque. Um burburinho de euforia correu a multidão, cujo desejo por violência sócrescia.A brisa vespertina levantava poeira ao redor dos primos, mas nenhum delesvacilou.Mevireiparaoconselho,incrédula.—Elesvãoseatacarcomaquelesbastões?—inquiri.—Elespodemsematar!—Ah, não—mestreOrtega disse, calmodemais para omeu gosto.—Há anos
que não ocorrem mortes nessas provas. Eles vão se machucar, claro, mas isso sófortaleceosguerreiros.Todososnossos jovensrapazessãoensinadosasuportaradorecontinuarlutando.—Jovensrapazes—repeti.Meuolharsedirigiuàgarotaloiraquemelevaraatélá.
Ela estava de pé, perto da nossa arquibancada, segurando a arma ao seu lado.—E asmulheres?—Nossasmulherestambémsãofortes—mestreOrtegadisse.—Esemdúvidasão
valorizadas. Mas nunca nem sonharíamos em deixá-las lutar nas arenas ou caçarvampirosativamente.Partedomotivoémantê-lasemsegurança.Estamoscombatendoessemalparaobemdelasedasnossascrianças.O homem que entregou os bastões anunciou as regras com uma voz sonora e
retumbante que ecoou pela arena. Para o meu alívio, os primos Juarez não seespancariam irracionalmente. Havia um sistema de regras para o combate em queestavamprestes a entrar. Podiam se acertar apenas emdeterminadas partes do corpo.Acertar outras renderia penalidades. Um golpe bem-sucedido renderia um ponto. Oprimeiroaalcançarcincopontosseriaovencedor.Contudo,assimqueoembatecomeçou,ficouevidentequeelenãoseriatãocivilizado
quantoeugostariaque fosse.Chrisacertouoprimeirogolpe imediatamente,atingindoTreycomtantaforçaquemearrepieitoda.Aclamaçõesegritosselvagensreverberaramnamultidãosedentaporsangue,ecoadospelasvaiasdosquetorciamporTrey.Elenãodemonstrou nenhuma reação e continuou tentando atingir Chris, mas pude notar queaquilovirariaumbelomachucadodepois.Amboserammuitorápidosealertas,capazesdedesviardamaioriadas tentativasdegolpe.Saltavamemtodasasdireções, tentandopegarooutrodesprevenido e levantando aindamais poeira, que se grudava ao suordapeledeles.Mevidebruçada,comospunhoscerradosde tensão.Comaboca seca,não
conseguiaarticularnenhumsom.De certomodo, aquilome lembrou umpouco o treinamento deEddie eAngeline.
Semdúvida,eles tambémsaíamferidos.Nos treinosdeles,porém,elesrepresentavamguardião e Strigoi. Havia uma diferença entre isso e dois rapazes tentando causar omáximodeestragopossívelumaooutro.AssistiraTreyeChrisfezmeuestômagodarumnó.Não gostava de violência,muitomenos numespetáculo bárbaro como aquele.Eracomosetivessesidolevadadevoltaaotempodosgladiadores.O fervor da multidão continuava a crescer. Em pé, torciam e incentivavam
loucamenteosdoisprimos.Suasvozesretumbavampelanoitenodeserto.Apesardetersido golpeado primeiro,Trey claramente conseguia se manter firme. Eu observavaenquantoelelançavaumgolpeatrásdooutrocontraChrisenãosabiaaocertooquemerepugnavamais:vermeuamigoferidoouvê-loferindooutrapessoa.—Issoéterrível—eudisse,quandofinalmenterecupereiavoz.— É a excelência no combate— mestreAngeletti corrigiu.— Não é nenhuma
surpresa,jáqueospaisdelestambémsãoguerreirosextraordinários.Tambémlutarammuitonajuventude.Sãoaquelesali,naprimeirafileira.Olhei para onde ele indicou e vi dois homens de meia-idade, lado a lado, com
expressões exultantes, gritando frases de incentivopara os garotos.Nemprecisava daspalavras de mestreAngeletti para deduzir que eram parentes. Os traços da famíliaJuarez eram tão fortes naqueles homens quanto em seus filhos. Os pais torciam comtanta sofreguidão quanto a massa, sem sequer vacilar quandoTrey ou Chris erammachucados.EramexatamentecomomeupaiouopaideKeith:nada importavamaisdoqueorgulharafamíliaejogardeacordocomasregrasdogrupo.Euhaviaperdidoacontagemdospontos,atéquemestreJamesondisse:—Ah, isso vai ser bom.O próximo ponto determinará o vencedor. Sempre fico
orgulhoso quando os competidores são tão equilibrados. Mostra que fizemos a coisacerta.Nãoconseguiavernadacertonaquilo.Lágrimasardiamnosmeusolhos,semqueeu
soubesse seerampor contado ar secoeempoeiradoou apenasdenervosismo.O suorescorrianoscorposdeTreyeChris,ambosofegantespeloesforçodocombate,cobertosde arranhões e ferimentos que se somavam às antigasmarcas de batalha.A tensão naarenaeraevidenteconformetodosesperavamparaverquemacertariaogolpefinal.Osprimos pararampor um instante,medindo um ao outro, percebendo que aquela era ahora da verdade.Aquele seria o golpe que contaria pra valer. Com o rosto ardente eexaltado,Chris foi o primeiro a semover, lançando-se à frente a fim de acertar umapancada contra o flanco deTrey. Prendi a respiração, levantando-me alarmada juntocomamaiorpartedamultidão.Osomeraensurdecedor.FicouclaropelaexpressãodeChris que ele já podia sentir o gosto da vitória eme perguntei se ele já se imaginavadando o golpe que poria um fim a Sonya. O poente banhava seu rosto com uma luzsangrenta.DetantoverEddielutar,talvezeutivesseaprendidoobastantedosprincípiosbásicos
para de repenteme dar conta de uma coisa.Omovimento deChris fora impulsivo edescuidadodemais.Ditoefeito.Treyconseguiudesviardogolpeesolteiumsuspirodealívio.Meafundeinovamentenoassento.Aquelesqueestavamcertosdequeeleestavaprestesasereliminadobradaramemprotesto.IssodeuaTreyumabelaaberturaparaatingirChris.Minhatensãovoltouacrescer.
Será que isso seria mesmo melhor? Trey “ganhar” o direito de tirar uma vida?Discutível. Trey não desferiu o golpe. Franzi a testa enquanto observava. Ele nãopareceu se atrapalhar, mas algo não estava certo. Existe um ritmo na luta, em queinstintoerespostasautomáticasassumemocomandodocorpo.EraquasecomoseTreytivesse impedidodeliberadamenteseupróximogolpeinstintivo,quedizia ataqueagora!Aofazerisso,eleabriuaguarda,levandoumgolpedeChris,queolançouaochão.Pusamãonopeitocomosesentisseogolpenaminhapele.A multidão foi à loucura. Mesmo os mestres decorosos pularam dos assentos,
gritandoemaprovaçãooupesar.Preciseimeesforçarparacontinuarsentada.TodasaspartesdomeucorpoqueriamdescercorrendoparaverseTreyestavabem,mastinhaaimpressãodequealgummembroarmadodaescoltaatirariaoumejogarianochãoantesqueeudessedoispassos.Minhapreocupaçãodiminuiuumpouco,bempouco,quandoviTrey se levantar, cambaleando. Chris deu uma palmadinha benevolente nas costas deTrey,abrindoumsorrisodeorelhaaorelhaenquantoamultidãogritavaseunome.Treylogoseretirouparaaarquibancadalotada,dandoespaçoaovencedor.Seupaio
recebeu com um olhar de desaprovação, mas não disse nada. O homem que lhesentregaraosbastõesseaproximoudeChriscomaespadaqueeuhaviadevolvido.Chrisa ergueu, recebendo aindamais aplausos.Aomeu lado,mestre Jameson se levantou eclamou:—Tragamacriatura!DificilmentepoderiadescreverSonyaKarpcomo“criatura”quandoquatroguerreiros
armadosaarrastaramatéomeiodaarenacobertadepó.Suaspernaspareciamfraquejare, mesmo à distância, pude notar que estava drogada. Era por isso queAdrian nãoconseguia chegar até ela através dos sonhos.Também explicava por que ela não haviausado nenhum tipo demagia para tentar escapar. Seu cabelo estava desgrenhado e elausava as mesmas roupas que vestia naquela última noite no apartamento doAdrian.Estavam sujas,mas fora isso não parecia haver nenhum sinal de abuso físico no corpodela.Dessavez,nãopudeevitarmelevantar.Agarotaloiraimediatamentepôsamãono
meu ombro, fazendo-me me sentar novamente. Contemplei Sonya, desejandodesesperadamentepoderajudá-la,massabiaqueestavaimpotente.Reprimindoomedoeafúria,volteiamesentarlentamentenaarquibancadaemevireiparaoconselho.—Vocêsdisseramqueeuteriaachancedefalar.—Lembreideseusensodehonra.
—Vocêsderamsuapalavra.Elanãosignificanadapravocês?— Nossa palavra significa tudo— mestre Ortega disse, parecendo ofendido. —
Vocêteráasuaoportunidade.
AtrásdaguardadeSonyavieramdoisoutroshomenspuxandoumblocodemadeiraenormecomtirasparaprenderosbraços.Pareciatervindodiretamentedeumcenáriode filmemedieval, emeu estômago se revirou quandome dei conta do objetivo dele:decapitação.Aescuridãoestavaaumentando,oque levouoshomensa trazeremtochasquelançavamumaluzsinistraebruxuleanteaoredordaarena.Eraimpossívelacreditarque estava na Califórnia em pleno século XXI:me senti transportada para um castelobárbaro.E,de fato,aquelescaçadoreserambárbaros.UmdosguardasdeSonyaaempurrou
para a frente, fazendo com que caísse de joelhos, e forçou a cabeça dela contra asuperfície do bloco de madeira, enquanto prendia suas mãos com as tiras de couro.Considerandocomoestavadesorientada,nãoeraprecisousarnemmetadeda forçaqueele empregou.Não podia acreditar que eram capazes de agir com tamanha certeza deseremosdonosdaverdadequandoestavamprestesapôrfimàvidadeumamulherquesequerconseguiaofereceralgumaresistência.Todosgritavampedindopelosanguedelaemesentiprestesavomitar.MestreAngelettiselevantoueumsilênciotomoucontadaarena.—Nósnosreunimosaqui,vindosdetodasaspartesdopaís,paraumacontecimento
grandioso.ÉumdiararoeabençoadoquandodefatotemosumStrigoiemcativeiro.—Porque ela não é Strigoi, pensei, enfurecida. Eles nunca conseguiriam capturar umStrigoivivo.—Elesatormentamoshumanosdecentescomonós,mashojeenviaremosumadevoltaparaoInferno,umaqueéparticularmenteperigosaporsuacapacidadedeocultarsuaverdadeiranaturezaefingirserumdosdemôniosmaisbenignos,osMoroi,comosquaisaindahaveremosdelidarumdia.—Umburburinhodeaprovaçãocorreupelo amontoado de gente. —Antes de começarmos, porém, uma irmã alquimistagostariadesepronunciaremfavordessacriatura.Aaprovaçãodesapareceu,sendosubstituídapormurmúrioseolharesfuriosos.Tensa,
mepergunteiseosguardasqueapontavamsuasarmasparamimsevoltariamcontraumdosmembrosdeseugrupocasoeufosseatacada.MestreAngelettiergueuasmãoseossilenciou.— Vocês precisam mostrar respeito à nossa irmãzinha — ele disse. — Os
alquimistas são nossos semelhantes e, outrora, formamos um único grupo. Seria umacontecimentodagrandeimportânciasepudéssemosvoltaraunirforças.Comisso,sentou-seefezumgestonaminhadireção.Nadamaisfoiditoesupusque
isso significava que o palco era meu. Não sabia ao certo como ou onde deveria fazerminhadefesa.Oconselhotomavaasdecisões,maspenseiqueaquiloeraalgoquetodosdeveriam ouvir. Me levantei e esperei que a garota armada impedisse que eu memovesse, mas ela não impediu. Lenta e atentamente, desci a arquibancada e parei nomeio da arena, com cuidado para não me aproximar demais de Sonya. Imaginei queaquilonãoacabariabem.Mantiveocorpodefrenteparaoconselho,masvireiacabeçaesperandoalcançaros
demais. Já havia feito relatórios e apresentações em público antes, mas sempre numa
saladeconferência.Nuncahaviamedirigidoaumamultidãoirada,muitomenoshaviatratado de assuntos relacionados aos vampiros com um grupo tão gigantesco. Em suamaioria, os rostos lá em cima estavam cobertos por sombras, mas eu conseguiaimaginarosolhosloucosesedentosporsanguecravadosemmim.Minhabocaficousecae, como muito raramente acontecia, minha mente deu um branco. Um momentodepois, consegui vencer omedo (ainda quenãopor completo) eme concentrei no quequeriadizer.—Os senhores estão cometendo um engano— comecei. Minha voz saiu baixa e
pigarreei,meforçandoaprojetarosomcommaisforça.—SonyaKarpnãoéStrigoi.— Temos registros dela no Kentucky — mestre Jameson interrompeu. —
Testemunhasqueavirammatar.— Isso porque ela era Strigoi naquela época, mas não é mais.— Não parava de
pensarqueatatuagemmeimpediriadefalar,masaquelegrupojásabiabastantesobreomundo dos vampiros.—No ano passado, os alquimistas descobrirammuito sobre osvampiros. Os senhores devem saber que os Moroi, que vocês denominam “demôniosbenignos”, praticam magia elemental. Recentemente descobrimos a existência de umtipo novo e raro de magia, ligado a poderes psíquicos e à cura. Esse poder tem acapacidadede restaurar umStrigoi à sua formaoriginal, seja ela humana, dampira ouMoroi.As negativas logo se tornaram frenéticas.A mentalidade de massa em ação. Foi
precisomestreJamesonparasilenciá-losnovamente.—Isso—eledisse,simplesmente—éimpossível.— Documentamos três, ou melhor, quatro casos de pessoas com quem isso
aconteceu.TrêsMoroi e um dampiro que já foram Strigoi e agora retornaram à suaidentidadeealmaprévias.—FalarsobreLeenopresentenãoeraexatamenteverídico,mas não precisava entrar em detalhes.Além do mais, descrever um ex-Strigoi quequeria voltar a ser Strigoi provavelmentenão ajudaria aminha causa.—Olhemparaela.ElapareceStrigoi?Elaestásobosol.—Nãohaviamuitosolrestante,masmesmoaqueles raios remanescentes do ocaso seriam suficientes paramatar uma Strigoi. Pelamaneiracomoeusuavademedo,poderiamuitobemestarsobsolescaldante.—Vocêsdizemque issoéobradealgumamagiaperversa,masemalgummomentoaviramnaformaStrigoiaquiemPalmSprings?Ninguémadmitiuimediatamente.Porfim,mestreAngelettidisse:—Eladerrotounossasforçasnarua.Éóbvioqueretomousuaverdadeiraforma.—Não—desdenhei.—Quemderrotou suas forças foiDimitri Belikov, um dos
melhores guerreiros dampiros do mundo. Sem ofensa, mas apesar de todo otreinamento,seussoldadosnãotiveramamenorchancecontradele.—Recebiolharesainda mais agressivos, o que me fez perceber que aquela provavelmente não fora amelhorcoisaasedizer.—Vocês estão sendo enganados — mestreAngeletti disse. — Não é nenhuma
surpresa, já que seu grupo vem se envolvendo com os Moroi por trás dos panos há
muito,muito tempo.Vocês não são como nós, que descemos até as trincheiras. NãoenfrentamosStrigoicaraacara.Eles sãocriaturasmalignase sedentaspor sanguequeprecisamserdestruídas.— Concordo com isso. Mas Sonya não é Strigoi. Olhem para ela.— Eu estava
ganhandocoragem,eminhavozcresciaesetornavamaisclarananoitedeserta.—Ossenhores ficamsevangloriandopor teremcapturadoummonstro terrível,mas tudooque estou vendo é uma mulher drogada e amarrada. Belo trabalho. Realmente uminimigodigno.Ninguémnoconselhopareciatãotolerantecomigoquantoantes.— Nós apenas a subjugamos— mestre Ortega disse.— É um indício da nossa
proezatermosconseguidoisso.—Ossenhoressubjugaramumamulherinocenteeindefesa.—Nãosabiasetrazerà
tona esse argumento ajudaria alguma coisa, mas imaginei que mal não poderia fazerconsiderandoavisão tãodistorcidaecavalheirescaqueeles tinhamdasmulheres.—Eseiqueossenhoresjácometeramerrosantes.SeisobreSantaCruz.—Nãotinhaideiase aquele era o mesmo grupo de homens que perseguiram Clarence, mas estavaapostando que o conselho pelo menos tinha conhecimento daquilo.—Alguns de seuszelosíssimos membros perseguiram umMoroi inocente. Os senhores reconheceram oerro na época quando Marcus Finch lhes disse a verdade. Não é tarde demais paracorrigiresteerrotambém.Paraminhasurpresa,mestreOrtegaabriuumsorriso.—MarcusFinch?VocêestáelevandoMarcusFinchaalgumstatusdeherói?Não, na verdade não. Nem sabia quem ele era. Mas se era um humano que
conseguiraconvenceraquelepovomalucodoqueeracerto,entãodevia teralgumtipodeintegridade.—Porquenão?—indaguei.—Eleconseguiudistinguirocertodoerrado.Então,atéovelhomestreAngelettideuumarisadinha.—Nuncapenseiqueveriaumaalquimistaelogiaro sensode“certoeerrado”dele.
Penseiquesuasvisõessobreissofossemimutáveis.—Doquevocês estão falando?—Nãoqueria fugirdo assunto,masnão conseguia
entenderaquelescomentários.—Marcus Finch traiu os alquimistas—mestreAngeletti explicou.—Você não
sabia? Pensei que um alquimista renegado fosse a última pessoa que você usaria parasustentarsuadefesa.Fiquei sempalavrasporummomento.Eleestavadizendo…queMarcusFinch fora
umalquimista?Não.Nãopoderiaser.Setivessesido,Stantonsaberiaquemeleera. Amenosqueelatenhamentidoquandoafirmounãoternenhumregistrodele,umavoznaminhacabeçaadvertiu.Aparentemente,mestreJamesonjáhaviaouvidoobastantedemim.—Agradecemos sua visita e respeitamos sua tentativa de defender aquilo em que
acredita.Também estamos contentes por ter presenciado a força que desenvolvemos.
Espero que transmita essa notícia à sua ordem. Pelo menos, suas tentativas aquidemonstraramo que nós já sabíamos hámuito tempo: nossos grupos precisamumdooutro.Osalquimistasclaramentereunirammuitosconhecimentosaolongodosanosquenospoderiamsermuitoúteis,assimcomonossa forçapoderiaserútilavocês.Mesmoassim—ele disse, olhando para Sonya comuma careta—, a questão agora continuasendoque,apesardesuasintenções,vocêrealmentefoienganada.Mesmoqueexistaumaminúsculachancedevocêestarcerta,dequeelasejamesmoumaMoroi…nãopodemoscorrer o risco de que ela ainda esteja corrompida. Mesmo que ela acredite ter sidorestaurada,aindapodeestarsobumainfluênciasubconsciente.Volteiaficarmuda—masnãosóporque,aparentemente,haviaperdidoacausa.As
palavras do mestre Jameson eram quase idênticas às que o pai de Keith me disseraquandocontouqueseu filhoseria levadodevoltaàreeducação.Osr.Darnellecoaraosentimento de que não se podia correr o risco de que existisse algum vestígio sutilinfluenciandoKeith.Eramnecessáriasmedidasextremas. Nóssomos iguais, pensei. Osalquimistas e os guerreiros.Os anos nos separaram,mas chegamos aomesmo lugar,tantonosobjetivoscomonasatitudescegas.E,então,mestreJamesonpronunciouafalamaischocantedetodas:—Eseela formesmoMoroi,nãovai sernenhumagrandeperda.Maisdia,menos
dia,iremosatrásdelestambém,assimquederrotarmososStrigoi.Congelei ao ouvir aquelas palavras.A garota loira avançou e, mais uma vez, me
forçouasentarnaprimeirafileiradaarquibancada.Nãoofereciresistência,tamanhoerameuchoquecomoqueacabaradeouvir.Oquequeriamdizercom iratrásdosMoroi?Sonya podia ser apenas o começo, depois viria o resto dos meus amigos, e depoisAdrian…MestreAngeletti me fez voltar ao presente ao se dirigir a Chris com um gesto
magnânimo:—Pelo poder divino a nós concedido para trazer luz e pureza a estemundo, você
estáautorizadoadestruiressacriatura.Comece.Chris ergueu a espada, com um brilho fanático no olhar.Um brilho de felicidade,
até. Ele queria fazer aquilo. Queria matar. Dimitri e Rose mataram inúmeras,inúmerasvezes,masnenhumdelesjamaismedisseraquesentiaalgumaalegrianaquilo.Elesestavamcontentesemfazeroqueeracertoedefenderosoutros,masnãosentiamprazeremcausaramorte.Semprefuiensinadaqueaexistênciadosvampiroseraerradae perversa, mas o que eu estava prestes a presenciar era uma verdadeira atrocidade.Aqueleseramosverdadeirosmonstros.Eu queria gritar, chorar oume atirar na frente de Sonya.Amorte de uma pessoa
brilhante e generosa aconteceria a qualquer momento. Então, sem o menor aviso, osilêncio da arena foi rompido pelo som de tiros. Chris parou e ergueu a cabeça,surpreso.Tiveumsobressaltoeolhei imediatamenteparaadireçãodaescoltaarmada,me perguntando se eles haviam assumido por conta própria a função de esquadrão defuzilamento.Elespareciamtãosurpresosquantoeu—amaioria,pelomenos.Doisnão
demonstraramemoçãoalguma:estavamcaídosnochão.EfoientãoqueDimitrieEddieirromperamnaarena.
22
OUTROSDISPAROSECOARAMPELAARENA, derrubandomaisalgunsguerreirosarmados. Percebi que Dimitri e Eddie não estavam sozinhos, pois nenhum delesempunhavaarmas.Ostirosvinhamdotelhadodocomplexoaoredordaarena.Ocaostomoucontaquandoosespectadoresaglomeradoslevantaram-seagitadosparaentrarnomeiodabriga.Perdiofôlegoaonotarquemuitostambémtinhamarmas.Emchoque,percebiqueoguerreirocaídonochãoaomeu ladonãoestava sangrando.Umpequenodardo pendia em seu ombro.Amunição dos atiradores de elite eram tranquilizantes.Quemerameles?Olhei novamente para a entrada e vi que outros homens que pareciam guardiões
invadiram a arena e lutavam contra outros guerreiros, incluindo Chris, o que deucoberturaparaqueDimitrieEddielibertassemSonya.Aovislumbrarumbrilholoiro-avermelhadopertodeles,reconheciocorpoágildeAngeline.Eficiente,DimitricortouasamarrasdeSonyaeajudoualevá-laatéEddie.Umguerreirofervorosoveiocorrendonadireçãodeles e, semperder tempo,Angelineo nocauteou, como se nãopassasse deumpalestranteeducativo.Domeulado,umdosmestresgritou:—Peguemagarotaalquimistacomorefém!Elesvãonegociarporela!Agarotaalquimista.Certo.Eleestavafalandodemim.Nocalordocombate,quaseninguémoouviu,excetoumapessoa.Aloiraoxigenada
tinha conseguido evitar os dardos de tranquilizante e correu na minha direção. Derepente,perdiomedocomadescargadeadrenalina.Usandoreflexosquemalsabiater,peguei minha bolsa e tirei dela o tal “pot-pourri”. Rasguei o invólucro, fazendo oconteúdovoaraomeuredor,egriteiumencantamentoemlatimquesepodiatraduzirgrosseiramente por algo como“não vejamais”.Comparando ao feitiço de localização,era surpreendentemente simples.Exigia forçadevontade, claro,mas amaiorpartedamagiaestavaligadaaoscomponentesfísicos,enãoexigiahorasdeconcentraçãocomoo
outro. Senti o poder surgir através demim quase instantaneamente,me preenchendocomumfrenesiquenãoesperava.Agarotagritouelançouasmãosaosolhos,deixandoaarmacair.Gritosangustiados
dos mestres ao meu lado indicaram que eles também haviam sido afetados. Eu havialançadoumfeitiçodecegamentoqueafetavatodosaomeuredordurantecercadetrintasegundos. Parte de mim sabia que usar magia era errado, mas de resto me sentitriunfante ao deter alguns daqueles fanáticos armados, mesmo que temporariamente.Não perdi nenhum daqueles preciosos segundos. Pulei de onde estava sentada e corriatravésdaarena,paralongedoembatepertodaentrada.—Sydney!Não sei como consegui ouvirmeunome emmeio a toda aquela confusão.Olhando
paratrás,viEddieeAngelinecarregandoSonyaatravésdaporta.Elespararam,eumaexpressãodesofrimentopassoupelorostodeEddieenquantoolhavaaoredor,avaliandoasituação.Podiaadivinharoquesepassavapelasuacabeça.Elequeriaqueeufossecomeles.Amaioria dos guerreiros reunidos ali tinha avançado correndo para o centro daarena,natentativade impediroresgatedeSonya.Elesestavamemumnúmeromuitomaior,comoumamuralhaentremimemeusamigos.Mesmoseeunãotivessedelutarcontraninguém,parecia impossívelpassardespercebida,principalmenteporquemuitaspessoasaindagritavamsobre“agarotaalquimista”.Obstinada, fiz que não com a cabeça e gesticulei para que Eddie saísse semmim.
Apesardoconflitoestampadoemseurosto,torciparaqueelenãotentasseatravessaramultidão para me resgatar.Apontei para a porta, voltando a insistir para que fosseembora. Sonya estava incapacitada.Eu encontraria uma saída. Semesperar para ver oque ele faria, me virei e continuei a seguir o caminho para onde estava indo. Haviamuitoespaçoabertoapercorrer,masmenosguerreirosparameimpedir.Váriosprédioscercavamaarena,algunscomportasejanelas.Seguinadireçãodeles,
embora não tivesse nada com que quebrar o vidro.Duas das portas tinham cadeados,masduasnão.Aprimeiraquetenteiabrirsereveloutrancadaporalgumcadeadoqueeunão conseguia ver, e não abria demaneira nenhuma.Nervosa, corri para a segunda eouvi um grito atrás de mim.A loira oxigenada tinha recuperado a visão e estavacorrendonaminhadireção.Gireiamaçanetadesesperadamente.Nadaaconteceu.Tireidabolsaoqueosguerreiroshaviam tomadopor antissépticopara asmãos.Despejeioácido namaçaneta demetal, e ela derreteu diante dosmeus olhos.Confiei que aquilotivessedestravadoafechaduraejogueioombrocontraaporta,fazendo-aceder.Então,arrisquei olhar para trás. Minha perseguidora jazia no chão, vítima de um dardotranquilizador.Respireialiviadaeatravesseiaporta.Estavaesperandooutragaragemcomoaquelaa
que tinha sido levada no começo; em vez disso, me vi em uma espécie de prédioresidencial,cujoscorredoresvaziosseguiamfazendocurvasdeumladoparaooutro,oquemedeixou desorientada.Todos estavamno vale-tudo da arena. Passei por quartosimprovisados,ondehaviacolchonetes,mochilasemalasparcialmentedesfeitas.Quando
noteioquepareciaserumescritório,hesiteidiantedobatente.Dentro,mesasdobráveisestavam cobertas por papéis, e me perguntei que informações úteis poderiam contersobreosguerreiros.Queria muito entrar e investigar.Aqueles guerreiros eram um mistério para os
alquimistas.Quempodia saberquais informações secretas aquelespapéis continham?Esehouvesse informaçõesquepoderiamprotegerosMoroi?Hesiteipor alguns segundose, relutante, continuei andando.Os guardiões estavam usando tranquilizantes,mas osguerreirostinhamarmasdeverdade,armasessasquenãoteriammedodeapontarparamim.Porfim,alcanceiooutroladodoprédioeolheipelajanela.Estavatãoescurodolado
de fora quemal conseguia enxergar.Não tinhamais a ajuda das tochas.A única coisaque podia dizer com certeza era que não estavamais perto da arena. Issome bastava,embora fossemelhor se houvesseumaportaque levasseparao ladode fora.Precisavaimprovisar. Peguei uma cadeira e atirei-a contra a janela, me surpreendendo com afacilidadecomqueovidrosequebrou.Algunsestilhaçoscaíramemmim,masnenhumeragrandeobastanteparamemachucar.Subindonacadeira,conseguialcançarajanelasemferirasmãos.Fuirecebidaporumanoiteescuraequente.Nãoseviasinaldeluzelétricaàfrente,
apenasterrasescuras.PenseiqueaqueleeraumindíciodequeestavadoladoopostoaocomplexoaqueTreymetrouxera.Nãohaviaestradas,tampoucoseouviaobarulhodarodovia por onde viajamos.Também não havia sinal de vida em parte alguma, o queparecia um bom sinal. Felizmente, todos os guardas dos guerreiros que geralmentepatrulhavam a área estavam ocupados combatendo os guardiões. Se Sonya já tivessesaído, minha esperança era de que os guardiões estivessem começando a bater emretirada— e me levassem junto pelo caminho. Mesmo se isso não acontecesse, nãoachavaindignocaminhardevoltaparaainterestadualepedircarona.Ocomplexo seesparramavapara todosos ladosemeconfundia, e conforme seguia
ao redor dele, sem ver sinal da estrada, comecei a ficar cada vez mais tensa.A quedistânciaeuestava?Tinhaumtempomuito limitadoparasairdaquelapropriedade.Osguerreirospodiamestarmecaçandonaqueleexatomomento.Tambémhaviaopequenoproblemadeque,depoisde atingir asextremidadesdocomplexo, teriade lidar comacerca elétrica. Mesmo assim, talvez fosse melhor parar de procurar a estrada esimplesmenteseguirparaolimitedoacampamentodosguerreirosparaten…Umamãoagarroumeuombro,esolteiumgrito.—Calma,Sage.Nãosounenhumlunáticoarmado.Lunáticosim,armadonão.Olheiincrédula,semconseguirdistinguirovultoaltoeescuroàminhafrente.—Adrian? —Tinha a mesma altura e constituição física. Enquanto eu o fitava
atentamente, tinha cada vez mais certeza. Suas mãos acalmaram o tremor dos meusombros. Fiquei tão contente de encontrar um rosto amigo, de encontrar Adrian, quepraticamentemeafundeiemseusbraços,aliviada.—Évocê.Comomeencontrou?—Vocêéaúnicahumanaporaquicomumaauraamarelae roxa—eledisse.—
Assimficafácildelocalizar.—Não,digo,comomeencontrouaquinocomplexo?—Vimcomosoutros.Elesmemandaramnãovir,mas…enfim.—Sob a tênue
luz do luar,mal consegui notar seu encolher de ombros.—Não soumuito bom emseguirordens.QuandoCastilesaiucomSonyadizendoquevocêtinhaentradoporumaportaqualquer,penseiemdarumaolhadarápidanasredondezas.Achoquenãoeraparaterfeitoissotambém,masosguardiõesestavammeioocupados.—Você é maluco— vociferei, por mais que estivesse contente de saber que não
tinha sido abandonada naquele lugar terrível.—Os guerreiros estão tão furiosos quematariamqualquerMoroiàprimeiravista.Elepuxouminhamão.Apesardotomdebrincadeira,suaspalavrasapresentavamum
tomsevero.Eleestavaplenamentecientedoperigoqueestávamoscorrendo.—Entãoémelhordarmosoforadaqui.Adrianmeguioudevoltaporondeeutinhavindo,depoisdemosavoltaparaolado
opostodoprédio.Aindanãoviaas luzesdaestrada,maslogoelesevirouecomeçouacorrernadireçãodosentornosdoterreno.Corriaoseulado,aindasegurandosuamão.—Paraondeestamosindo?—perguntei.—Osguardiõesestãoreunidosatrásdocomplexoparanãoseremvistos.Essaparte
dacercafoidesativada,sevocêconseguirescalar.—Claroqueconsigo.Souquaseumprodígionaeducação física—salientei.—A
perguntaé:vocêconsegue,sr.Fumante?A cerca começou a ficar visível conforme nos aproximamos, sobretudo porque seu
contornobloqueavaavisãodealgumasestrelas.—Éaquelaparte.Atrásdo arbustobizarro—Adriandisse.Eunão conseguia ver
nenhum arbusto, mas confiava nos olhos dele. — Depois, você vai encontrar umaestradaruralqueosguardiõesestãousandocomopontodeencontro.Estacioneilá.Paramosdiantedacerca,ambosumtantoesbaforidos.Levanteiosolhos.—Temcertezadequeelaaindaestádesativada?— Estava quando entramos —Adrian respondeu, mas pude notar um tom de
incertezanasuavoz.—Vocêachaqueelesjáseorganizaramobastanteparaconsertar?—Não—admiti.—Masseriabomtermoscerteza.Querdizer,amaiorpartedas
cercaselétricascomerciaisnãomachucamuito,masnuncasesabe.Eleolhouaoredor.—Podemosatirarumgraveto?—Madeira não conduz eletricidade.—Remexi a bolsa e encontrei o que queria:
umacanetademetalcomcabodeespuma.—Setivermossorte,aespumavaibloquearopiorcasoacercaestejamesmoativada.—Meesforçandoparanãofazerumacareta,estendi a mão e encostei o tubo da caneta na cerca, quase esperando que uma cargaintensame lançasse para trás.Nada aconteceu.Devagar, passei a caneta pela cerca, jáque a maioria das cercas elétricas tinha vibração intermitente. Era preciso contatocontínuo. — Parece desligada — eu disse, respirando aliviada e me virando para
Adrian.—Achoquepodemos…Ahh!Uma luz incandescente ardeuemmeusolhos,mecegandoe anulando apoucavisão
noturnaquetinhaadquiridoatéali.Adriantambémsoltouumgrito.—Éagarota!—umavozmasculinaexclamou.—E…umdeles!A luz da lanterna desviou do meu rosto e, embora manchas ainda dançassem na
minhavista,pudeidentificardoisvultosgrandesseaproximandorapidamente.Estariamarmados?Minhamentedisparou.Armadosounão,elesaindaeramumaameaçaóbviajáque, aparentemente, os guerreiros gostavam de surrar uns aos outros em seu tempolivre,enquantoAdrianeeunão.— Não se mexam— um deles disse. Uma lâmina reluziu sob a luz da lanterna
abaixada.Nãoeratãoruimquantoumaarmadefogo,mastambémnãoeranadabom.—Vocêsdoisvãovoltarcomagentelápradentro.—Devagar—ooutroacrescentou.—Semnenhumtruque.Paraoazardeles,euaindatinhaalgunstruquesnamanga.Rapidamente,coloqueia
canetadevoltanabolsaepegueioutrosuvenirdaliçãodecasadasra.Terwilliger:umbraceletecircularfinodemadeira.Antesquequalquerumdosguerreirospudessefazeralgumacoisa,quebreiocírculoemquatroparteseasjogueinochão,declamandooutroencantamentoemlatim.Volteiasentirumaondadepoderesuaexultação.Oshomensgritaram—euhavia lançadoumfeitiçodedesorientação,quemexiacomoequilíbriodaspessoasetornavaavisãoturvaesurreal.Funcionoudemaneiramuitoparecidacomofeitiçodecegamento,afetandotodosaoredor.Avancei e empurrei um dos agressores para trás. Ele caiu com facilidade,
incapacitado demais para resistir.O outro estava tão fora de si que deixou a lanternacairejáestavaquasenochãoporcontadodesequilíbrio.Mesmoassim,acerteiumbelochute em seu peito para garantir que continuasse agachado, enquanto pegava a sualanterna. Não precisavamuito dela com a visão noturna deAdrian à disposição,masaquelesdoisficariamperdidosnoescurodepoisqueosefeitosdofeitiçopassassem.—Sage!Oquevocêfezcomigo?Aome virar, vi queAdrian estava se agarrando à cerca para continuar empé.Na
ânsiadedeterosguerreiros,esqueciqueofeitiçoafetavatodosaomeuredor.—Ah—eudisse.—Desculpa.—Desculpa?Minhaspernasnãoestãofuncionando!—Na verdade, é o seu ouvido interno que não está.Venha. Segure-se na cerca e
comeceasubir.Umamãodepoisdaoutra.Tambémmeagarrei à cercaeo incitei a continuar.Nãoera a cercamaisdifícilde
escalar — não estava eletrificada nem tinha arame farpado — e tê-la como apoioanulava parte da desorientação deAdrian. Mesmo assim, estávamos subindo muitodevagar.Aquelefeitiçoduravaumpoucomaisdoqueodecegamento,masinfelizmenteeu sabia bem que, assim que Adrian voltasse ao normal, os guerreiros tambémvoltariam.Apesardetodasasdificuldades,chegamosaotopodacerca.Passarparaooutrolado
eramuitomaisdifícil,eeuprecisei fazermuitasacrobaciasparaajudarAdrianeaindamemanterfirme.Porfim,coloqueiAdriannaposiçãoparadescer.—Tudo bem— eu disse.—Agora simplesmente faça o contrário do que estava
fazendo,umamãoembaixoda…Um pé ou mão escorregou eAdrian despencou no chão. Não era uma queda tão
grandeesuaalturaajudavaumpouco,emboraelenãoestivesseemcondiçõesdeusaraspernasecairdepé.Estremeci.—Ouvocêpodepegaroatalho—eudisse.Descirapidamenteeoajudeialevantar.Alémdadebilidadecausadapelofeitiço,ele
nãopareciatersofridooutrosdanos.Colocandoumbraçoemtornodeleedeixandoqueapoiasseopesoemmim,tenteicorrernadireçãodaestradaqueelehaviamencionado,que agora estava um poucomais visível. Porém,“correr” era difícil. Era complicadomanterAdrianempéeeunãoparavadetropeçar.Mesmoassim,aospoucosfomosnosdistanciando do complexo, o que já era bom.O estado deAdrian o deixava pesado edesajeitado,esuaalturadificultavamuito.Então, sem aviso, os efeitos do feitiço passaram e Adrian se recuperou
instantaneamente. Suas pernas reganharam a firmeza e seu andar desajeitado seendireitou.Derepente,pareciaqueeraelequemestavamecarregandoepraticamentetropeçávamosumnooutrotentandonosajustar.—Vocêestábem?—perguntei,aosoltá-lo.—Agora,estou.Queraiosfoiaquilo?— Não importa. O que importa é que aqueles sujeitos também se recuperaram.
Talvez eu tenha golpeado com força suficiente para atrasá-los. — Isso parecia meioimprovável.—Mesmoassim,corra.Corremos e, apesar dos pulmões de um fumante inveterado, as pernas longas de
Adrian compensavam. Ele conseguia me ultrapassar com facilidade, mas reduzia avelocidadeparacontinuarmosladoalado.Semprequecomeçavaaseadiantar,voltavaasegurar minha mão. Ouvimos gritos atrás de nós e apaguei a lanterna para ficarmosmenosvisíveis.—Ali—Adriandisse.—Estávendooscarros?Aospoucos,emmeioàescuridão,surgiramdoiscarrosutilitáriosesportivos,aolado
deumMustangamarelomuitomaischamativo.—Bemescondido—murmurei.—Amaioriadosguardiõesjáfoiembora—Adriandisse.—Masnãotodos.Antes que eu pudesse responder, alguémme agarrou por trás.Numamanobra que
teria deixadoWolfe orgulhoso, consegui dar um chute para trás que ele tinha seesforçadomuitoparaensinar.Pegueimeuagressordesurpresaeelemesoltou,masseucompanheiromejogounochão.Trêsvultoscorreramdoscarrosemnossadireçãoeselançaramcontraosagressores.
Graçasaosobretudoinconfundível,percebiqueeraDimitriquemlideravaogrupo.— Saiam daqui — ele gritou para mim e paraAdrian. — Sabem o ponto de
encontro.Vamos dar cobertura para vocês. Dirijam rápido; pelo jeito eles não vãodemorarmuitoparapegaraestrada.Adrian me ajudou a levantar e continuamos a correr juntos. Na queda, tinha
machucadootornozeloeporissomemoviadevagar,masAdrianmeajudouaseguiremfrente e deixou que eume apoiasse nele. Enquanto isso,meu coração ameaçava saltarpelaboca,mesmoquandochegamosàsegurançadoMustang.Elemeguiouparaoladodopassageiro.—Vocêconsegueentrar?—Estoubem—respondi,entrandodevagarnocarro,semquereradmitirqueador
pioravacadavezmais.Esperavanãoternosatrasadodemais.NãoconseguiriaaceitaraideiadeserresponsávelpelacapturadeAdrian.Satisfeito,Adriancorreuparaoladodomotoristaedeupartida.Oroncodomotor
ganhouvidaeeleseguiuasordensdeDimitriaopédaletra—saiucantandopneunumavelocidade que me causou inveja. Parecia improvável haver algum policial no meiodaquela estrada rural. Olhei para trás algumas vezes, mas, ao chegarmos àinterestadual, ficou claroqueninguémhavia nos seguido. Suspirei aliviada e recostei acabeça no assento, mas estava muito longe de ficar calma. Não podia supor queestávamosseguros.—Certo—eudisse.—Comovocêsconseguirammeachar?Adrian não respondeu imediatamente. Quando respondeu, pude notar que foi com
granderelutância.—Eddiepôsumrastreadornasuabolsaláemcasa.—Quê?Nãopodeser!Elesmerevistaram.— Então, tenho certeza de que não parecia uma escuta. Não sei o que ele acabou
arranjando.Ele pegou como seu grupo, na verdade.AssimqueTrey confirmou a suavisita hoje, Belikov ligou para todos os guardiões num raio de duas horas, tentandorecrutar apoio. Ele ligou para os alquimistas também e os convenceu a disponibilizaralgunsequipamentos.Havia tantas loucuras no que ele tinha acabado de dizer que eu não sabia por onde
começar.Todo o transporte e a negociação tinham se passado sem que eu me desseconta. E, mesmo quando tudo estava decidido, ninguém me disse nada sobre aquilo.Para completar, os alquimistas estavam envolvidos? Ajudando os guardiões a merastrear?—Osbrincos—eudisse.—Foi daí que eles surgiram.O rastreadordevia estar
numdeles.Nuncateriaimaginado.—Oquenãoénenhumasurpresa,considerandocomovocêstrabalham.Comecei a absorver tudo o que tinha acontecido naquela noite. Meu último medo
perdeuforça,sendosubstituídopelaraiva.—Você mentiu pra mim!Todos vocês mentiram! Deviam ter me dito o que
estavam fazendo, que estavam me rastreando e planejando uma invasão! Como vocêpôdeesconderissodemim?
Elesoltouumsuspiro.—Euqueriacontar,juro.Faleiváriasvezesqueprecisavamcolocarvocênajogada.
Mas todo mundo estava com medo que você se recusasse a levar o equipamento sesoubessedele.Ouquecometeriaalgumdeslizeeacabariarevelandooplanoparaaquelesmalucos.Maseunãoacreditavanisso.—Eaindaassimnãosedeuaotrabalhodemedizer—vociferei,aindafuriosa.—Eunãopodia!Elesmefizeramprometer.Por algummotivo, a traição delememagooumais do que a dos outros. Eu tinha
passadoaconfiaremAdriantotalmente.Comoelepôdefazeraquilocomigo?— Ninguém acreditava que eu conseguiria convencer os guerreiros, então
simplesmente fizeram planos de emergência sem mim. — Não importava que eurealmentenãotivesseconseguidoconvencê-los.—Alguémdeviatermecontado. Vocêdeviatermecontado.Haviadoreumaangústiasinceraemsuavoz.— Estou te dizendo: eu queria contar. Mas eu não tinha escapatória. De todas as
pessoas,vocêéquemdeveriasabermelhorcomoéficarencurraladoentredoisgrupos,Sage.Alémdisso,lembraoqueeufaleiantesdevocêentrarnocarrodeTrey?Na verdade, sim.Quase que palavra por palavra. Aconteça o que acontecer, quero
quevocêsaibaquenuncaduvideidasuamissão.Émuitointeligenteecorajosa.Me recostei ainda mais no assento e senti que estava à beira das lágrimas.Adrian
estava certo. Eu sabia como era ter a lealdade dividida entre dois grupos diferentes.Entendi aposiçãoemqueeleesteve.Mascertoegoísmodaminhapartepreferiaquealealdadedeletivessependidomaisparamim. Eletentou,umavoznaminhacabeçamedisse.Eletentoumeavisar.Nofim,opontodeencontrodequeDimitrihaviafaladoeraacasadeClarence,que
fervilhava de guardiões, uns fazendo curativos nos ferimentos dos outros. Não houvemortes de nenhumdos lados, algo comqueos guardiões tomarammuito cuidado.OsGuerreiros daLuz já os consideravamperversos e corruptos.Não precisavamdemaislenhanafogueira.Não que o ataque daquela noite fosse ajudarmuito. Eu não tinha amenor ideia de
comoosguerreirosiriamreagireseteriamalgumaretaliaçãoletalnamanga.Supunhaque os guardiões e os alquimistas haviam levado isso em consideração.Amargamente,mepergunteisealgumdelesconversariacomigosobreisso.—Jáseiquenãoadiantameoferecerparacurarvocê—Adrianmedisse,enquanto
passávamosporumgrupodeguardiões.—Sentenasalaenquantopegoalgunscubosdegelopravocê.Estavaprestesadizerqueeumesmapoderiapegar,masadornomeutornozelosó
estavaaumentando.Comumaceno,mesepareideleeabricaminhoemdireçãoàsala.Alguns guardiões que eu não conhecia estavam lá, na companhia de um Clarenceradiante.Paraminhasurpresa,EddieeAngelinetambémestavamnasala,sentadosladoalado—demãosdadas?
—Sydney!—eleexclamou. Imediatamente,soltouamãodeAngelineecorreunaminha direção, me deixando estupefata com um abraço.— Graças a Deus você estábem.Foiterríveldeixarvocêlá.Nãoerapartedoplano.Eraparaeuterlevadovocê eSonya.—Poisé,entãotalvezdapróximavezalguémpossamedeixarapardoplano—eu
disse,emtomacusatório.Eddieseencolheu.—Sintomuitoporisso.Desculpamesmo.Agentesó…— Sei, sei. Não acharam que eu concordaria, estavam commedo de que alguma
coisadesseerradoetc.etc.—Desculpa.Nãooperdoeiinteiramente,masestavacansadademaisparainsistirnoassunto.—Sómerespondeumacoisa—eudisse,baixandoavoz.—Vocêestavademãos
dadascomAngeline?Ele ficou vermelho, o que parecia um absurdo depois de toda a agressividade que
haviademonstradonocomplexo.—É…sim.Sóestávamos…conversando.Querdizer…Achoquevamos sairum
diadesses.Nãonaescola,claro,jáquetodomundoláachaquesomosparentes.Eachoquenãovaisernadasério.Querdizer,elaaindaémeiodoidinha,masnãoétãoterrívelquanto eu pensava que fosse. E hoje ela foi incrível na batalha, de verdade.Acho quetalvez eu deva tirar da cabeça aquela fantasia com Jill e tentar ter um relacionamentonormal.Sevocêmeemprestarseucarro.Sentimeuqueixocairatéochão.—Claro—respondi.—Longedemimimpedirumnovoromance.—Seráqueeu
deveriadizeraeleque,no fimdascontas, talvezJillnão fosseuma fantasia tãograndeassim?Nãoqueriameintrometer.Eddiemereciaserfeliz,maseunãoconseguianãomesentir culpadapor terdito a Jill que elepoderia estar interessadonela.Torci paranãotercomplicadoascoisasaindamais.Adrian voltou com uma bolsa de gelo. Sentei numa poltrona e ele me ajudou a
colocá-la sobre o tornozelo depois que apoiei o pé numbanquinho.O gelo começou aanestesiaradoreeurelaxei,torcendoparanãoterquebradonada.—Nãoéemocionante?—Clarenceperguntou.—Finalmentevocêspuderamveros
caçadoresdevampiroscomseusprópriosolhos!Acho que não seria capaz de descrever aquela noite com tanto entusiasmo, mas
precisavaadmitirqueeletinharazãoemumponto.— O senhor estava certo— eu disse.— Peço desculpas por não ter acreditado
antes.Eleabriuumsorrisocomplacente.—Tudobem,querida.Achoqueeutambémnãoteriaacreditadonumvelholeléda
cuca.Sorridevoltaeentãomelembreideumacoisa.
— Sr. Donahue… o senhor disse que, quando encontrou os caçadores antes, umhumanochamadoMarcusFinchinterveioemseunome.Clarenceassentiu,encantado.— Sim, sim.Muito bom rapaz aqueleMarcus.Queria poder encontrá-lo de novo
algumdia.—Ele era um alquimista?— perguntei.Ao notar a confusão dele, apontei para a
minhabochecha.—Eletinhaumatatuagemcomoaminha?—Comoasua?Não,não.Eradiferente.Édifícilexplicar.Medebrucei,interessada.—Maseletinhaumatatuagemnabochecha?—Sim.Vocêviunafoto?—Quefoto?OolhardeClarencesedistanciou.—Podia jurar que tinhamostrado algumas fotos antigas, de quandoLee eTamara
erampequenos…Ah,bonstempos.Precisei me esforçar para não perder a paciência. Às vezes era difícil manter os
momentosdecoerênciadeClarenceestáveis.—EMarcus?Osenhortemumafotodeletambém?— Claro. Uma muito bonita de nós dois juntos. Qualquer dia eu encontro para
mostraravocê.Queriapediraelequememostrassenaquelahoramesmo,masasuacasaestavatão
amontoadadegentequenãopareciaomomentocerto.Dimitri chegou logo depois, com os últimos guardiões que haviam ficado no
complexo. Imediatamente perguntou sobre Sonya, que, pelo que tinham me falado,estavadescansandonoquarto.Adrianseofereceuparacicatrizarosferimentosdela,masSonyaestavacomclarezadeespíritosuficientepararecusar,dizendoquesóprecisavadesangue,repousoedeixarosefeitosdasdrogaspassaremnaturalmente.Depois de se tranquilizar comessa notícia,Dimitri veio falar diretamente comigo,
baixandoosolhosdesuaalturaimponenteparaondeeuestavasentadacomminhabolsadegelo.— Desculpe — ele disse. —A essa altura, você já deve ter descoberto o que
aconteceu.—Queeufuienviadaparaumasituaçãoderiscocommetadedasinformaçõesdeque
precisava?—perguntei.—Poisé,ouvidizer.—Nãosoufãdementirasemeiasverdades—eledisse.—Queriaquetivesseoutro
jeito.Nóstínhamosmuitopoucotempo,eessapareceuamelhoralternativa.Ninguémduvidava da sua capacidade de argumentar e ganhar a causa. Era na capacidade dosguerreirosdeouvireenxergararazãoquenãoacreditávamos.—Entendo por que vocês não confiavam nomeu plano.—Notei queAdrian, ao
meulado,seencolheuquandoeudisse“vocês”.Nãoquisdizernadademaiscomaquilo,mas percebi como soava condescendente e alquimista, Nós contraEles.—Mas ainda
nãoconsigoacreditarqueosalquimistas tenhamtopadoeaceitadomemanterpor foradasituação.Não havia mais nenhuma cadeira vazia, então Dimitri simplesmente se sentou no
chão,depernascruzadas.—Não sei muito quanto a isso. Como eu disse, foi tudomuito rápido e, quando
conversei comDonna Stanton, ela achouque seriamais seguro se vocênão soubesse oque iria acontecer. Se faz você se sentir melhor, ela foi muito firme em insistir quecuidássemosdesuasegurançaquandochegássemoslá.—Talvez — respondi. — Seria melhor se ela tivesse pensado em como eu me
sentiriaquandodescobrissequenãoconfiaramamiminformaçõestãoimportantes.—Elapensou, sim—ele replicou,parecendoumpouco incomodado.—Eladisse
quevocênãoseimportaria,porqueentendeaimportânciadenãoquestionarasdecisõesdosseussuperioresesabequeoqueelesfazeméparaobemdetodos.Elachamouvocêdeumaalquimistaexemplar.Nãoquestione.Elessabemoqueémelhor.Nãopodemoscorrernenhumrisco.—Claroqueeladisse—falei.Eununcaquestiononada.
23
SONYALEVOUALGUNSDIASPARASERECUPERAR, oqueacabouatrasandoseuretornopara aPensilvânia.Quandoela estavaprontapara ir ao aeroporto,meoferecipara levá-la de carro. O carro alugado havia sido encontrado, mas Dimitri o estavausandopara limparosrastrosdepoisdamissão.Emmenosdevinteequatrohoras,osguerreiros tinham abandonado o complexo, que descobrimos ser alugado e usadonormalmente para retiros. Eles não tinham deixado quase nenhum vestígio de suapresença, mas isso não impediu que os guardiões esquadrinhassem cada milímetro docomplexoabandonado.— Obrigada, de novo — Sonya disse para mim. — Sei como você deve estar
ocupada.—Nãoé incômodonenhum.É fimde semana e, alémdisso, épara issoque estou
aqui.Paraajudarvocês.Ela riu baixinho. Sua recuperação nos últimos dias havia sido impressionante e,
agora, estava tão bonita e radiante como sempre.O cabelo ruivo estava solto, caindoemondasflamejantesqueemolduravamosdelicadostraçosdeseurosto.—Verdade, mas parece que você tem ido muito além das atribuições do seu
trabalho.— Só estou contente que você esteja bem— respondi, sinceramente.Tinha me
tornado próxima de Sonya e era triste vê-la partir. — Lá na arena… foi muitoassustador.Seusorrisosedesfez.—Foimesmo.Euestavaapagadanamaiorpartedotempoenãoconseguiaprocessar
muitobemoqueestavaacontecendoaoredor.Mas lembrodas suaspalavras.Você foiincrível, sem falar da coragem de enfrentar aquelamultidão só parame defender. Seicomodevetersidodifícilparavocêseoporàprópriaraça.—Aquelas pessoas não são da minha raça — respondi, firme. Parte de mim se
perguntou qual seria exatamente a minha raça. — O que vai acontecer com a suapesquisaagora?—Ah,vaicontinuarnaCostaLeste.Dimitritambémvaivoltarlogopralá,etemos
outros pesquisadores que podem nos ajudar na Corte. Ter um usuário de espíritoobjetivocomoAdrianajudoumuitoenóstemosmuitosdadosparatrabalhar,graçasàsamostrasdesangueeasobservaçõesdeaura.VamosdeixarAdriancontinuarcomaartedeleeentraremcontatosóseprecisarmosdemaisalgumacoisa.Eu ainda não conseguirame livrar da culpa de que o sequestro de Sonya teria sido
causadoindiretamentepelaminharecusaemdoarsangue.—Sonya,sobreomeusangue…— Não se preocupe com isso — ela interrompeu. —Você estava certa: eu fui
insistentedemais eprecisamosnos focarnoDimitri primeiro.Alémdisso,parecequeestamosavançandoparaconseguirajudaalquimista.—Sério?—Stantonpareciabemcontráriaaessaideiaquandonosfalamos.—Eles
concordaram?—Não,masdisseramquevãodarumretornoaonossopedido.—Nocasodeles—eudisse,rindo—,essaéumarespostabempositiva.Fiqueiemsilêncioporumtempo,pensandoseissosignificavaquetodosesqueceriam
sobremeu sangue. Emmeio aos guerreiros e ao possível auxílio dos alquimistas, semdúvida meu sangue não era mais importante. Afinal, o primeiro exame não haviaencontradonadadeespecial.Nãohaviamaismotivoparasepreocuparcomele.Excetoque…eu estava um tanto preocupada.Afinal, por mais que temesse me submeter anovos experimentos, aquela pergunta inoportuna não saía da minha cabeça: por queaquelaStrigoinãoconseguirabebermeusangue?AmençãodeSonyasobreaurasmefezlembrardeoutradúvidaquenãoqueriacalar.—Sonya,oqueoroxosignificanaauradeumapessoa?Adriandissequeviuroxona
minha,masnãoquiscontaroquesignifica.—Típico—elacomentou,rindo.—Roxo…Vejamos.Peloquejáobservei,roxo
éumacorcomplexa.Éespiritual,mastambémimpetuosa;temavercompessoasqueamam de uma maneira profunda e também buscam um chamado superior. Éinteressante porque tem muita profundidade. Branco e dourado costumam ser coresassociadas a poderes superiores e àmetafísica, enquanto vermelho e laranja estãomaisligadosaoamoreaosinstintosprimitivos.Oroxomeioquetemomelhordecadaumadessas.Queriapoderexplicarmelhor.—Não, faz sentido— eu disse, virando na entrada para carros do aeroporto.—
Bem,maisoumenos.Nãoparecemuitocomigo.—Naverdade essa não énenhuma ciência exata.E ele está certo: temmesmoem
você…—Tínhamosparadonomeio-fioepercebiqueelameestudavaminuciosamente.—Nuncatinhanotadoantes.Querdizer,claroqueacorsempreesteveaí,mastodasasvezes queolhava pra você, só via o amarelo damaioria dos intelectuais.Adrian não énenhumadeptode leiturade auras comoeu,por issome surpreendeumpoucoele ter
percebidoumacoisaqueeunãovi.Elanãoeraaúnica.Espiritual, impetuosa…Eueramesmoassim?SeráqueAdrian
meconsideravaassim?Aideiameaqueceupordentro.Fiqueicontentee…confusa.Sonyapareceuprestesacomentaroutracoisa sobreoassunto,masmudoude ideia,
pigarreouedisse:—Bem,aquiestamosnós.Obrigadapelacarona.—Semproblemas—respondi,comacabeçaaindaimersaemvisõesroxas.—Boa
viagem.Elaabriuaportadocarroeentãoparou.—Ah,trouxeumacoisapravocê.Clarencemepediuparaentregar.—Clarence?Sonyavasculhouabolsaeencontrouumenvelope.—Aqui. Ele queria muito que isso fosse entregue em mãos… Sabe como ele é
quandoficaanimadocomalgumacoisa.—Sei.Obrigada.Sonyasaiucomabagagemeacuriosidademefezabriroenvelopeantesdeirembora
dali.Dentro,haviaumafotomostrandoClarenceeumrapaz,maisoumenosdaminhaidade, que parecia humano.Abraçados, eles sorriam para a câmera. O rapaz tinha ocabelo loiro, liso, quase roçando o queixo, e lindos olhos azuis que se destacavam norostobronzeado.Suabelezaerachocantee,pormaisqueosolhostambémparecessemsorrir,noteiumatristezaneles.Fiquei tão absortapelabelezadelequedemoreiparaperceber sua tatuagem.Erana
bochecha esquerda, um desenho abstrato composto por meias-luas de diferentestamanhos e orientações agrupadas, dispostas juntas de forma a lembrar umcacho.Erabonita e exótica; a forte tinta azul combinava com os olhos dele.Olhando o desenhomais deperto,notei alguma coisa familiar naquele formato epodia jurar entreverumtênuebrilhodouradocontornandoos traçosazuis.Quasedeixeia fotocair tamanha foiminha surpresa.As meias-luas tinham sido tatuadas sobre um lírio alquimista. Olheiparaoversodafoto,emqueumnomeforarabiscado:Marcus.Marcus Finch, que os guerreiros alegaram ser ex-alquimista.Marcus Finch, que os
alquimistas alegaram não existir. O mais estranho daquilo era que, a menos quecontassem pessoas aprisionadas como Keith, não havia nada parecido com “ex-alquimistas”. Era um trabalho para a vida inteira. Ninguém podia simplesmenteabandonar. Mesmo assim, aquele lírio ocultado falava por si próprio.A menos queMarcus tivesseusadoumnome falsoe conseguidoenganaros alquimistas,Stantoneosdemaismentiramparamimquandodisseramnãosaberquemeleera.Masporquê?Seráquehavia acontecidoalgumaespéciede rompimento?Uma semana antes, eu teriaditoqueeraimpossívelStantonnãotermeditoaverdadesobreele.Agora,porém,sabendoacautelacomqueasinformaçõeseram—ounão—compartilhadas,nãodavaparatercerteza.Fiqueiobservandoafotopormaisalgunsinstantes,aprisionadapelomistériodaqueles
olhos azuis. Então guardei a fotografia e voltei paraAmberwood, decidida a mantersegredo sobre ela. Se os alquimistas queriam negar a existência deMarcus Finch paramim,eudeixariaquecontinuassemmentindoatédescobrirporquê.IssoreduziaminhaspistasàhistóriadeClarenceeaosguerreiros.Mesmoassim,jáeraumcomeço.AlgumdiaeuencontrariaesseMarcusFincheconseguiriaasrespostasquebuscava.Quando cheguei, fiquei surpresa ao encontrar Jill sentada na frente do alojamento.
Ela estava na sombra, claro, podendo aproveitar o clima agradável sem toda aintensidade do sol.Tínhamos acabado de entrar numa espécie de outono californiano,emboravintee setegrausnão fosse a temperaturaqueeu costumava associar ao climafrescodooutono.Jillpareciaabsorta,massorriuaomever.—Ei,Sydney.Queriafalarcomvocê.Édifícilencontrarvocêsemseucelular.Fizumacareta.—Poisé,precisoarranjaroutro.Estábemdifícil.Elaassentiu,compassiva.—VocêlevouSonya?—Sim.Ela já está a caminhodaCorte e deMikhail e, se tudoder certo, de uma
vidamaiscalmatambém.—Quebom—eladisse,antesdedesviarosolhosemorderolábio.ConheciaJillobastanteparareconhecerossinaisdequeelaestavasepreparandopara
me contar alguma coisa.Também sabia que era melhor não insistir, por isso espereipacientemente.— Eu terminei — ela disse, finalmente. — Falei para Micah que está tudo
terminado…devez.Sentioalíviotomarcontademim.Menosumproblemaparamepreocupar.—Sintomuito—eudisse.—Imaginocomodevetersidodifícil.Elatirouumcachinhodorostoenquantorefletia.—Sim.Enão.Eugostodele.Queriacontinuarsaindocomele…comoamigos,se
elequisesse.Masnãosei.Elenãolevounumaboa…Enossosamigosemcomum…Elesnão estãomuito felizes comigo agora.—Me esforcei para não soltar um suspiro.OstatusdeJillemAmberwoodhaviaavançadotanto,eagoratudotinhaidopelosares.—Masémelhorassim.Micaheeuvivemosemmundosdiferentes,eeunãoteriafuturoaoladodeumhumanomesmo.Alémdomais,tenhopensadomuitosobreoamor…tipo,umamorépico.—Elalevantouosolhosparamimporuminstante,comorostomaiscalmo.—Enãoeraissoquenóstínhamos.Achoque,paraficarcomalguém,éissoqueprecisosentir.Pensei que amor épico era um pouco demais para alguémda idade dela,mas achei
melhornãodizerisso.—Vocêvaificarbem?Elavoltouàrealidade.—Sim,achoque sim.—Elaentreabriuumsorriso.—E,depoisque issopassar,
talvez Eddie queira sair algum dia desses. Longe do campus, claro, já que somos
“parentes”.Aspalavrasdelaeramquaseumarepetiçãodoqueeledisseranaquelanoitenacasade
Clarence,efiqueipasmaconformemedavaconta.—Vocênãosabe…Penseiquesoubesse,jáqueAngelineésuacolegadequarto.Jillfranziuatesta.—Doquevocêestáfalando?Oqueeunãosei?Ai,meuDeus.Porquê?Porque logoeu tinhaquedar aquelanotícia?Porquenão
podiaestarenfurnadanoquartoounabibliotecafazendoalgumacoisaagradável,comoaliçãodecasa?—Eddie…bem,elechamouAngelineparasair.Nãoseiquandoissovaiacontecer,
maseleresolveudarumachanceaela.—Elenãotinhapegadomeucarroemprestado,entãoimagineiqueaindanãotivessemsaído.Jillpareciaterlevadoumafacada.—Comoassim?EddieeAngeline?Masele…elenãoasuporta…—Algumacoisamudou—eudisse,semgraça.—Nãoseiexatamenteoquê.Nãoé
como…um amor épico,mas eles ficarammais próximos nas últimas semanas. Sintomuito.JillpareciamaisdevastadacomissodoquecomotérminocomMicah.Eladesviouo
olhareconteveaslágrimas.—Tudobem.Querdizer,eununcaincentiveiEddie.Eleaindadeveacharqueestou
comMicah.Porqueeleficariameesperando?Eleprecisaficarcomalguém.—Jill…— Está tudo bem. Eu vou ficar bem. — Ela parecia muito triste, mas,
surpreendentemente,seurostoconseguiuficaraindamaismelancólico.—Ah,Sydney.Vocêvaificartãobravacomigo.Euaindaestavapensandonavidaamorosadela,efiqueicompletamenteconfusacom
amudançadeassunto.—Porquê?Elaenfiouamãonamochila,tirandoumarevistadecapabrilhante.Eraumaespécie
de guia de turismo sobre o sul daCalifórnia, com artigos e anúncios publicitários queexaltavamaregião.Arevistaestavamarcadanumapáginaefolheeiatéchegarnela.EraumapropagandadaLiaStefano,umacolagemdefotoscomváriascriaçõessuascobrindoumapáginainteira.EumadasfotoseradeJill.Levei um tempo para perceber.A foto era de perfil, e Jill estava usando óculos
escuros e um chapéu fedora, além do lenço de pavão que Lia havia dado para ela. OcabeloencaracoladodeJillcaíaatrásdelaeostraçosdeseurostoestavamlindos.Senãoaconhecesse tãobem,nuncaa teria identificadonaquele figurinochique,embora,paraqualquerumquesoubesseoqueprocurar,estivesseóbvioqueelaeraumaMoroi.—Como?—perguntei,exasperada.—Comoissofoiacontecer?Jillrespiroufundo,prontaparaassumiraculpa.
—Quando ela trouxe as fantasias eme deu o lenço, perguntou se podia tirar umafotoparavercomoascoressairiam.Elaestavacomalgunsacessóriosnocarroeeuoscoloquei também. Ela queria provar que, com a cobertura certa, poderia esconderminha identidade.Maseununcapensei…Querdizer, elanãodisseque iausar.Deus,estoumesentindomuitoidiota.Talveznão idiota,mas ingênua semdúvida.Quaseamassei a revista.Estava furiosa
com Lia. Parte de mim queria processá-la por usar a foto de uma menor semautorização,mashaviaproblemasmuitomaiores.Qualseriaacirculaçãodarevista?Sea foto de Jill ficasse restrita à Califórnia, talvez ninguém fosse reconhecê-la. Mesmoassim,umamodeloMoroipoderia causar espanto. Quempoderiapreverosproblemasqueissoirianoscausar?—Sydney,medesculpa—Jilldisse.—Oquepossofazerparaconsertarisso?—Nada— respondi—, além de semanter longe de Lia.—Estavame sentindo
mal.—Voudarumjeitoisso.—Masrealmentenãosabiacomo.Sópodiarezarparaqueninguémnotasseafoto.— Faço o que for preciso se você tiver alguma ideia. Eu…Ah.— Seus olhos se
ergueramparaalguématrásdemim.—Talvezsejamelhorconversarmosdepois.Olhei para trás. Trey estava vindo na nossa direção. Mais um problema para
resolver.—Achoqueéumaboa—respondi.OsofrimentoeapublicidadedeJillteriamde
esperar.ElasaiuquandoTreychegouaomeulado.—Melbourne—eledisse,tentandoabrirumdeseusvelhossorrisos,masvacilando
umpouco.—Nãosabiaqueaindaestavanacidade—eudisse.—Acheiquetivessefugidocom
osoutros.—Osguerreiros tinhamsumido.Treyhaviaditoqueelesviajavamparaas“caçadas”deles,emestreAngeletti tambémmencionaraajuntamentosemváriaspartesdopaís.Supunhaquecadaumhaviaretornadoaolugardeondeviera.EpenseiqueTreytambémiriadesaparecersimplesmente.—Não—eledisse.—Éaquiqueeuestudoeondemeupaiquerqueeufique.Além
disso,osoutrosguerreirosnuncativeramumabasepermanenteaquiemPalmSprings.Elessemudamparaonde…Elenãoconseguiuterminarafrase,entãotermineiporele:— Para onde haja uma pista sobre monstros que vocês podem executar com
brutalidade?—Nãoébemassim—eledisse.—AchávamosqueelaeraStrigoi.Aindaachamos.Estudeiseurosto,orostoqueantesviacomoamigo.Tinhacertezadequeeleainda
erameuamigo.—Masvocê,não.Porissodesistiudaluta.—Eunãodesisti—eleprotestou.—Desistiu,sim.EuvivocêhesitandoquandopodiaterderrubadoChris.Vocênão
queriavencer.NãoqueriamatarSonyaporquenãotinhacertezaseelaeraStrigoi.
Elenãonegou.—Aindaachoquetodoselesprecisamserexterminados.—Eutambém.—Então,reconsiderei.—Amenosquehajaumamaneiradesalvá-
los,masissoéincerto.—ApesardetudooquehaviaditoenquantodefendiaSonya,nãoachavabomdeixá-loapardossegredosedosexperimentos.—Seosguerreirosviajampelomundo,oquevai acontecerdapróximavezqueelesvieremparaessa região?OumesmoparaLosAngeles?Vocêvai se juntaraelesdenovo?Vaiviajarparaapróximacaçada?—Não—arespostadelefoidura,quasegrosseira.Sentiumaesperançanascer.—Vocêdecidiusairdogrupo?EradifícillerasemoçõesqueseacumulavamnorostodoTrey,masnenhumaparecia
feliz.—Não.Elesdecidiramnoscortar,meupaieeu.Fomosexpulsos.Fiqueiparadaporalgunsmomentos,procurandoaspalavrascertas.Nãogostavados
guerreirosoudo envolvimentodeTrey comeles,masnão era exatamente issoque eubuscava.—Porminhaculpa?—Não.Sim.Sei lá.—Eleencolheuosombros.—Indiretamentesim,acho.Eles
não culpam você pessoalmente ou mesmo os alquimistas. Puxa, eles ainda querem sejuntar aos alquimistas. Eles acham que vocês apenas se comportaram de sua maneiradesorientada de sempre. Mas eu? Eu insisti em deixar você entrar, jurei que tudocorreria bem. Então elesme culparampela falta de discernimento e pelo desastre queaconteceu depois. Outros também estão sendo acusados: o conselho por concordar, asegurança por não impedir a invasão…mas isso nãome deixamelhor.Meu pai e eufomososúnicosexilados.—Eu…sintomuito.Nãoimagineiquenadaassimfosseacontecer.—Você não tinha como imaginar—ele respondeu, pragmático, embora seu tom
ainda fosse triste.— De certa forma, eles têm razão. Fui eu quem colocou você ládentro.A culpa é todaminha e eles estão castigandomeupai peloque eu fiz. Isso éopior.—Treyestavasefazendodeindiferente,maseuconseguiaenxergaraverdade.Elehavia se esforçado tanto para impressionar o pai e acabara lhe causando a piorhumilhação de todas.As palavras queTrey disse a seguir confirmaram isso: — Osguerreiros eram a vida do meu pai. Ser expulso desse jeito… Bem, ele não estáencarandoissomuitobem.Precisoencontrarumjeitodevoltar.Porele.NãoachoquevocêsaibaondetemalgumStrigoifácildematar,sabe?— Não — respondi. —Ainda mais porque nenhum deles é fácil de matar. —
Hesitei,semsabercomocontinuar.—Trey,oqueissosignificaparanós?Vouentendersenãopudermosmaisseramigos…jáqueeu,bem,arruineiamissãodasuavida.Umdeseusvelhossorrisospassoudeleveporseurosto.—Nadaestádefinitivamentearruinado.Eufalei:voudarumjeitoderesolver isso.
E, se não formatandoumStrigoi, vai saber?Talvez, se eu aprendermais sobreo seugrupo, eu possa criar uma ponte entre os dois para todos trabalharmos emharmonia.Issomedariaalgunspontos.— Sua tentativa é bem-vinda— respondi, diplomática, pormais que achasse que
issorealmentenãoiriaacontecereelesoubessedisso.— Bom, vou pensar em alguma coisa então, algum grande feito para chamar a
atençãodos guerreiros e fazer comque eu emeupai sejamos aceitos de volta. Precisofazer isso.— Sua expressão voltou a esmorecer, mas então o vestígio de um sorrisoreapareceu,aindaquecomtraçosdetristeza.—Sabeoutracoisaqueéumsaco?Agoranão posso sair comAngeline.Andar com você é uma coisa,mas,mesmo banido, nãopossoarriscarseramigodeMoroioudedampiros.Muitomenosficarcomuma.Querdizer,jásabiaqueelaeradampiraantes,maspodiamefazerdebobo.Aqueleataquenaarenameio que acabou com a possibilidade disso.Os guerreiros também não gostamdeles, sabe. Dampiros ou Moroi.Adorariam que eles fossem derrotados também; sóachamqueseriamuitodifícilemenosimportanteagora.Algo naquelas palavras me causou um calafrio, especialmente porque lembrei do
comentáriocasualdosguerreirossobreumdiaviremadestruirosMoroi.ClaroqueosalquimistasnãoadoravamosdampirosouMoroi,mastambémnãochegavampertodedesejaradestruiçãodeles.— Preciso ir.—Trey enfiou amão no bolso eme entregou algo queme deixou
contente:meucelular.—Imagineiqueestariasentindofalta.—Sim!—Ansiosa,pegueieligueiocelular.Atéentãonãosabiaseoteriadevolta
eestavaprestes a comprarumnovo.Aquele já tinha trêsmeses e estavapraticamenteultrapassadomesmo.—Obrigadaporguardar.Ah.Nossa!—exclamei,olhandoparaatela.—Tem,tipo,ummilhãodemensagensdeBrayden.—NãotinhafaladocomeledesdeanoitedodesaparecimentodeSonya.Treyretomouoolharmalandroqueeutantogostavadevernele.—Melhorir,então.Oamorverdadeironãoesperaninguém.—Amor verdadeiro, hein?—Meneei a cabeça, exasperada.— Bom ter você de
volta.Issomerendeuumsorrisosincero.—Atémais.Assim que fiquei sozinha, mandei uma mensagem para Brayden: Desculpa pelo
sumiço. Perdi meu telefone por três dias. Sua resposta foi quase imediata: Estou notrabalho;daqui apouco tenhoum intervalo.Querpassar aqui? Considerei.Como nãotinhaquesalvarnenhumavida,aquelepareciaumbommomento.RespondidizendoqueestavasaindodeAmberwoodnaquelahoramesmo.BraydentinhadeixadomeulattepreferidoprontoquandochegueiaoSpencer’s.—Combase na hora emque você saiu, calculei quandoprecisaria fazer para estar
quentequandovocêchegasse.—Obrigada—respondi,pegandoo café eme sentindoumpoucoculpadaporme
emocionarmaisaoverocafédoqueaoverBrayden.Eledisseparaooutrobaristaqueiafazerumapausaemelevouparaumamesamais
afastada.—Nãovaidemorarmuito—Braydendisse.—Seiquevocêdeveterummontede
coisasparafazernofimdesemana.—Naverdade,ascoisasestãocomeçandoaficarmaistranquilas—eudisse.Elerespiroufundo,mostrandoomesmonervosismoqueeujáoviraassumiraome
chamaroutrasvezesparasair.—Sydney—eledisse,numavozformal—,achoqueagentedeviaparardesair.Pareinomeiodeumgole.—Peraí…Oquê?—Seicomodeve serhorrívelpravocê—eleacrescentou.—Eadmitoquenãoé
nada fácil pramim também.Mas, diante dos últimos acontecimentos, ficou claro quevocêaindanãoestáprontaparaumrelacionamento.—Últimosacontecimentos?Eleassentiu,sério.—Asuafamília.Vocêcancelouváriosdenossosencontrosparaficarcomeles.Por
mais que eu ache admirável esse tipodedevoção familiar, simplesmentenãoposso terumrelacionamentotãovolátil.—Volátil?—Eu ficava repetindo palavras-chaves que ele pronunciava e, por fim,
me obriguei a retomar o controlar.— Então… deixe-me ver se entendi: você estáterminandocomigo?Elepensouumpouco.—Sim.Sim,estou.Fiqueiesperandoalgumareaçãointerna.Algumatristezadesmedida.Meucoraçãose
partindo.Mastudooquesentiaeraumpoucodesurpresaeperplexidade.—Hum—eudisse.ParaBrayden,essapareceuumareaçãoangustiada.—Por favor, não torne as coisasmais difíceis do que já são.Admiromuito você.
Achoquevocêéagarotamais inteligenteque jáconheci.Mas simplesmentenãopossomeenvolvercomalguémtãoirresponsávelcomovocê.Olheifixamente.—Irresponsável?Braydenconcordoudenovocomacabeça.—Sim.Nãoseibemondecomeçou—talvezentreoestômagoeopeito—mas,derepente,
uma gargalhada incontrolável se apoderou de mim. Não conseguia parar. Preciseicolocar o café namesa para nãoderrubar.Mesmodepois, precisei afundar o rosto nasmãosparasecaraslágrimasderiso.— Sydney? — Brayden perguntou, cauteloso. — Isso é algum tipo de reação
histéricadesofrimento?
Leveiquaseumminutoparameacalmarapontoderesponderapergunta.—Ah,Brayden.Vocêmefezganharodia.Medeuumacoisaquejamaispenseique
teria.Obrigada.—Pegueiocaféemelevantei.Elepareciacompletamenteperdido.—…Denada?Saí da cafeteria, ainda rindo como uma idiota. No último mês, todas as pessoas
viviammedizendooquantoeueraresponsável,disciplinada,exemplar.Fuichamadademuitascoisas.Masnunca,nuncamesmo,tinhasidochamadadeirresponsável.Enãoéqueeugostei?
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COMOAQUELEDIANÃOPODIAFICAR aindamaisestranho,decidipassarnacasadeAdrian. Estava muito curiosa para fazer uma pergunta que até então não tivera achancedefazer.Quandobatiàporta,eleabriucomumpincelnamão.—Ah—eledisse.—Quesurpresa.—Estouinterrompendoalgumacoisa?— Lição de casa, só. — Ele abriu caminho para me deixar entrar. — Não se
preocupe.Nãoénenhumacrisepramimcomoseriapravocê.Entreinasalaefiqueicontenteaovê-lanovamenterepletadetelasecavaletes.—Vocêmontouseuestúdiodenovo.— Sim— ele confirmou, guardando o pincel e limpando asmãos num pedaço de
pano.—Agoraqueoapartamentonãoémaisumcentrodepesquisas,puderestituiroestadoartísticonormalqueeletinha.Ele se recostounoassentodo sofáxadreze ficouobservandoenquantoeu iadeuma
telaaoutra.Umadelasmedeteve.—Oqueéisso?Pareceumlírio.—E é—ele respondeu.—Semofensa,mas esse lírio émelhor queo seu. Se os
alquimistas quiserem comprar os direitos para começar a usar, estou disposto anegociar.—Anotado—respondi.AindaestavasorrindoporcausadotérminocomBrayden,eaquilocontribuiuparao
meu bom humor. Embora precisasse admitir que a pintura deleme deixava um tantoperdida, algo comumdiante da natureza abstrata de sua arte.O lírio, apesar demaisestilizadodoqueoostentadonaminhabochecha,podiaserclaramenteidentificado.Eraaté feitoemtintadourada.Manchasde tintaescarlateemformasabstratascercavamolírio e, em torno do vermelho, havia um padrão quase cristalino em azul. Era
impressionante,massehaviaalgumsentidomaisprofundo,nãoconseguiidentificar.—Vocêestádemuitobomhumor,hein?—eleobservou.—Comprouummonte
decalçascáquinapromoção?Desistideformularminhainterpretaçãoartísticaemevireiparaele.—Não.Braydenterminoucomigo.Seusorrisosarcásticosedesfez.—Ah. Quemerda. Desculpa.Você… quer uma bebida? Quer, sei lá, chorar ou
algumacoisaassim?Deirisada.—Não. Por incrível que pareça, estou bem. Não está me incomodando nem um
pouco,prafalaraverdade.Masdeveria,nãoé?Talvezhajaalgodeerradocomigo.OsolhosverdesdeAdrianmeanalisavam.—Acho que não. Nem todo término é uma tragédia.Ainda assim… talvez você
precisedealgumtipodeconsolo.Eleseendireitouecaminhouatéacozinha.Sementendernada,observeienquantoele
tiravaalgumacoisadocongeladoreremexiasuagavetadetalheres.Voltouparaasalaemepresenteoucomumpotedesorvetederomãeumacolher.—Oqueéisto?—perguntei,aceitandoaofertaemvirtudedochoque.—Éparavocê,claro.Eraderomãquevocêqueria,nãoera?Relembreianoitenorestauranteitaliano.—Era…masnãoprecisava…—Ah,masvocêqueria—elerespondeu,pragmático.—Alémdomais,vocêdeu
suapalavra.—Minhapalavra?—Lembraquandovocêmedissequebeberiaumalataderefrigerantenormalseeu
passasse um dia sem fumar? Então, eu calculei as calorias, e são as mesmas de umaporçãodessesorvete.Acrediteounão,temquatroporçõesnessepotinhominúsculo.Quasedeixeiosorvetecairnochão.—Você…ficouumdiainteirosemfumar?—Quaseumasemana,naverdade—elerespondeu.—Podetomaropoteinteiro,
sequiser.—Porquevocêfezisso?—indaguei.Eledeudeombros.— Sei lá, foi você que fez o desafio.Além disso, fumar não é um hábito muito
saudável,né?—É…—respondi,aindaestupefata.—Tomeosorvete,senãovaiderreter.Devolviopoteparaele.—Nãoconsigo.Nãocomvocêolhando.Émeioestranho.Possotomardepois?—Claro— ele respondeu, colocando de volta no congelador—, desde que você
tomemesmo.Conheçovocê.
Cruzeiosbraçosdiantedele.—Ah,é?Elemelançouumolhartãoseveroquemedeixoudesconcertada.—Talvez todomundoacheque seudesprezopelacomidaébonitinho,maseunão.
EuvejocomovocêolhaparaJill.Deixaeutefalarumacoisa,paraoseuprópriobem:você nunca, nunca vai ter o corpo dela. Nunca. É impossível. Ela é Moroi.Você éhumana. É uma questão biológica. Você tem um corpo lindo, que a maioria dashumanas invejaria. E ficaria aindamais bonita se engordasse um tiquinho.Dois quilosparacomeçar.Esconderascostelas.Usarumsutiãmaior.—Adrian!—eudisse,horrorizada.—Vocêestámaluco?Nãotemodireitodeme
dizeressascoisas!Nenhumdireito!Eleriu,zombeteiro.—Tenhoodireitosim,Sage.Souseuamigoeninguémmaisvaidizer issoavocê.
Alémdomais, souo rei doshábitosnada saudáveis.Você achaquenão reconheçoumquando vejo?Não sei de onde isso veio: da sua família, dosMoroi ou da sua naturezaobsessiva,masestoudizendoquevocênãoprecisaserassim.—Então,issoéalgumtipodeintervenção?—Não, é a verdade— ele respondeu, simplesmente.—Dita por alguém que se
importacomvocêequequerqueseucorposejatãosaudávelquantoasuamenteé.— Não vou ouvir isso — eu disse, me afastando. Uma mistura de emoções
fervilhavadentrodemim.Raiva. Indignação.E,porestranhoquepareça,umtiquinhodealívio.—Vouembora.Nãodevianemterpassadoaqui.Amãodelenomeuombromedeteve.— Espere… ouça o que tenho a dizer. — Relutante, me virei para ele. Sua
expressão ainda era séria,mas sua voz estavamais suave.—Não estou querendo sermaldoso.Você é a última pessoa a quem eu fariamal…mas também não quero quevocê façamal a simesma.Você pode simplesmente ignorar tudo o que falei,mas euprecisavacolocarissoprafora.Nãovoufalarissodenovo.Sóvocêpodemandarnasuavida.Desvieioolharecontiveaslágrimas.—Obrigada—eudisse.Eudeveriaterficadocontentequeeleiriaseconterdaliem
diante.Emvezdisso,sentiumadornopeito,comoseeletivesseabertoumaferidaqueeuvinha tentando ignoraremanter longedemim.Umaverdade inconvenientequeeunãoqueriaadmitirparamimmesma,oqueeusabiaqueeraumaatitudehipócritaparaalguémquealegava lidarcomfatosedadosconcretos.E, independentementedequererounãoconcordarcomele,sabiaqueeletinharazãosobreumponto:ninguémmaismeteriaditooqueeleacabarademedizer.—Porquevocêpassouaquimesmo?—eleperguntou.—Temcertezadequenão
quertransformarminhapinturagenialnonovologoalquimista?Não pude conter o riso.Voltei a levantar os olhos para ele, disposta a ajudá-lo a
mudardeassuntologo.
—Não.Umacoisamuitomaisséria.Elepareceualiviadocommeurisoeretribuiucomumdeseussorrisosirônicos.—Devesersériopracaramba.— Naquela noite no complexo. Como você conseguiu dirigir o Mustang? — O
sorrisoesvaneceu.—Porquevocêdirigiu.Dirigiusemnemhesitar.Tãobemquantoeudirigiria. Comecei a pensar que talvez outra pessoa estivesse ensinando você. Mas,mesmo que estivesse tendo aulas diariamente desde que comprou o carro, não teriadirigidodaquelaforma.Vocêmudavademarchacomosedirigissecomcâmbiomanualdesdecriança.Adriandesviouoolharabruptamenteecaminhouparaoladoopostodasala.—Talvezeusósejatalentoso—eledisse,semmeencarar.Foi engraçado como invertemos os papéis tão rapidamente. Num minuto, ele me
encurralou na parede, forçando-me a ver coisas que eu me recusava a enxergar. Nominutoseguinte,eraaminhavez:euoseguiatéajanelaeoobrigueiameencarar.—Estoucerta,nãoestou?—insisti.—Vocêdirigecomembreagemdesdesempre!—NemosMoroidãocartademotoristaparacrianças,Sage—eleironizou.—Nãomudadeassunto.Vocêentendeuoqueeuquisdizer.Fazanosquevocêsabe
dirigircomembreagem.Seu silêncio foi a resposta de que eu precisava, por mais que fosse difícil ler sua
expressão.—Porquê?—perguntei.Agoraeuestavaquaseimplorando.Todosviviamdizendo
queminha inteligência era fora do comum, que eu conseguia juntar coisas aleatórias etirar conclusões extraordinárias.Mas aquilo estava alémdaminha capacidade e eunãosabia lidar com algo que fizesse tão pouco sentido.—Por que você fez isso? Por quefingiuquenãosabiadirigir?MilharesdepensamentosparecerampassarpelamentedeAdrian,nenhumdosquais
elequismerevelar.Porfim,meneouacabeça,exasperado,edisse:—Não é óbvio, Sage?Não, claro que não é. Eu fingi que não sabia para ter uma
desculpaparaficarpertodevocê,umadesculpaquevocênãoiriarecusar.Fiqueimaisconfusadoquenunca.—Mas…porquê?Porquevocêqueriaficarpertodemim?—Por quê?—ele indagou.—Porque era a coisamais próximaque eupodia ter
disto.Eleestendeuosbraçosemepuxouparapertodele,comumamãonaminhacinturae
a outra atrás domeu pescoço. Levantouminha cabeça e encostou os lábios nosmeus.Fechei os olhos, sentindo omeu corpo todo derreter, consumido por aquele beijo. Eunãoeranada.Eueratudo.Arrepiospercorreramminhapeleeumachamaardiadentrodemim.Sentiseucorpopressionaromeuejogueimeusbraçosaoredordeseupescoço.Seus lábioserammaiscálidose suavesdoque tudooqueeupoderia imaginar,masaomesmotempofirmesepoderosos.Meuslábiosrespondiamcomvoracidadeemeagarreicom mais firmeza ainda a ele. Seus dedos deslizavam pela minha nuca, traçando seu
contornoeeletrizandotodososlugaresporondepassavam.Mas talvez a melhor parte de tudo foi que eu, Sydney Katherine Sage, culpada de
analisarconstantementeomundotodoaomeuredor,pareidepensar.Efoimaravilhoso.Pelomenosatéeuvoltarapensar.Derepente,meucérebro,etodasassuaspreocupaçõeseconsideraçõesreassumiram
ocontrole.MeafasteideAdrian,apesardosprotestosdomeucorpo.Deiumpassoparatrás,sabendoquemeusolhosestavamarregaladosdepavor.—Oque…oquevocêestavafazendo?— Não sei — ele respondeu, com um sorriso. Então, deu um passo na minha
direção.—Mastenhoquasecertezadequevocêestavafazendotambém.—Não.Não.Não se aproxime!Vocênãopode fazer issodenovo.Entendeu?Não
podíamos… Jamais deveríamos… Ah, meu Deus. Não. Isso nunca pode voltar aacontecer. Foi um erro.—Toqueimeus lábios, como se quisesse limpar o que haviaacabado de acontecer, mas acabei sendo lembrada da doçura e do calor da boca delecontraaminha.Baixeiamãoimediatamente.—Umerro?Não sei, Sage. Sinceramente, essamepareceu a coisamais certa que
aconteceucomigonosúltimostempos.—Mesmoassim,elemanteveadistância.Balanceiacabeça,histérica.—Como você pode dizer uma coisa dessas?Você sabe como as coisas funcionam.
Não existe…ah, você sabe.Humanos e vampiros não podem…não.Nãopode havernadaentreeles.Entrenós.—Ah,mas deve ter existido em algummomento—ele disse, ensaiandoum tom
racional. — Ou então não existiram dampiros hoje em dia. Além disso, e osConservadores?—Os Conservadores?—Quase soltei uma gargalhada, mas nada daquilo parecia
engraçado.—OsConservadoresmoramemcavernaselutamaoredordefogueirasporcausadeumensopadodecarne.Sequiserviveraquelavida, fiqueàvontade.Sequisermorarnomundo civilizado como restantedenós, nãome toquedenovo.E quanto aRose?Vocênãoécompletamenteapaixonadoporela?Adrianpareciacalmodemaisparaaquelasituação.—Achoqueumdiaeufui.Masjáfaz…oquê?Quasetrêsmeses?E,sinceramente,
faztempoquenãopensonela.Sim,aindamesintomagoadoeumpoucousado,mas…naverdade,elanãoémaisapessoaquenãosaidaminhacabeça.Nãoéorostodelaqueeuvejoantesdedormir.Nãoécomelaqueeuficomeimaginando…—Não!—exclamei,recuandoaindamais.—Nãoqueroouvirisso.Nãovoumais
ouvirisso.Comalgunspassos rápidos,Adrian voltou a ficar naminha frente.Aparede estava
apenas alguns centímetros atrás demim e eu não tinha para onde fugir. Não esboçounenhummovimentoameaçador,maspegouminhasmãoseassegurounaalturadopeitoenquantoseinclinavaparamim.
—Não,você vaiouvir.Deumavezportodas,vocêvaiouviralgumacoisaquenãoseencaixanoseumundinhoorganizadoecompartimentalizado,feitodeordem,lógicaerazão. Porque isso não é racional. Se você está com medo, acredite em mim: issotambém me deixa apavorado.Você perguntou sobre Rose? Eu tentei ser uma pessoamelhorporcausadela,maseraparadeixá-laimpressionada,parafazercomqueelamedesejasse.Mas quando eu estou com você, eu quero ser uma pessoamelhor porque…bem, porque parece certo. Porque eu quero. Você me faz querer ser uma pessoamelhor. Eu querome superar.Vocême inspira em todas as ações, todas as palavras,todososolhares.Euolhoparavocêevocêparece…luztransformadaemcarneeosso.EudisseistoavocênoDiadasBruxaseestavafalandosério:vocêéacriaturamaislindaquejácaminhousobreaterra.Evocênemsabe.Vocênemtemideiadaprópriabelezaoudobrilhodasualuz.Eu sabia que precisava me desvencilhar, soltar minhas mãos das dele. Mas não
conseguia.Aindanão.—Adrian…—E eu sei, Sage— ele continuou, com os olhos inflamados.— Sei como vocês,
alquimistas, se sentememrelaçãoanós.Eunãosou idiota,eacrediteemmim:tenteitirarvocêdacabeça.Masnãotembebida,arte,nemnenhumaoutradistraçãonomundoque faça isso.Preciseipararde ir ao cursodeWolfeporqueeramuitodifícil ficar tãopertodevocê,mesmoquesóestivéssemosfingindolutar.Nãoaguentavatocaremvocê.Era agonizante, porque aquilo significava alguma coisa pra mim e eu sabia que nãosignificavanadapravocê.Viviamedizendoparamemanteromaislongepossível,masacabavaencontrandoumadesculpaououtra…comoocarro…qualquercoisaparaficarperto de você de novo.Hayden era umbabaca,mas pelomenos enquanto você estavacomeleeutinhaummotivoparamanterdistância.Adrian ainda seguravaminhasmãos, comansiedade,pânicoedesesperoestampados
no rosto enquanto abriao coraçãoparamim.Meupróprio coraçãobatia incontrolávelpor conta de todas aquelas emoções. Ele estava com aquele olhar distraído earrebatado… o olhar que ostentava quando o espírito tomava conta dele, fazendo-otagarelaraesmo.Torciparaqueaquilotudonãopassassedealgumacessodeinsanidadeinduzidapeloespírito.Podiaser,não?—OnomedeleéBrayden—respondi,finalmente.Devagar,conseguiacalmarmeu
nervosismoerecuperarumpoucodoautocontrole.—E,mesmosemele,vocêtem ummilhãodemotivosparamanterdistância.Vocêdissequesabecomonossentimos.Massabemesmo?De verdade?— Solteiminhasmãos e apontei paraminha bochecha.—Vocêsabeoverdadeirosignificadodolíriodourado?Éumapromessa,umjuramentoaummododevidaeaumconjuntodecrenças.Vocênãopodejogaralgoassimnolixo.Isto não iria deixar, nem mesmo se eu quisesse. E, para ser sincera, eu não quero!Acreditonoquenósfazemos.Calmamente,Adrian me observou. Não tentou pegar minhas mãos de novo, mas
tambémnãoseafastou.Sentiaminhasmãosdolorosamentevaziassemasdele.
—Esse“mododevida”,esse“conjuntodecrenças”quevocêestádefendendosóusouvocê,econtinuausando.Elestratamvocêcomoumapeçadeumamáquinaemquevocênãopodepensar…evocêémelhordoqueisso.—Algumaspartesdosistematêmfalhas—admiti.—Masosprincípiossãosólidos
eeuacreditoneles.Existeumalinhaentrehumanosevampiros,entremimevocê,quenuncapodeserultrapassada.Nóssomosmuitodiferentes.Nãofomosfeitosparaficar…assim,dessejeito.Denenhumjeito.— Ninguém foi feito para ficar deste ou daquele jeito — ele retorquiu. —Nós
decidimos o que queremos ser.Vocêmedisse uma vez que não existemvítimas aqui,quetodostemosopoderdeescolheroquequeremos.—Nãotenteusarminhaspalavrascontramim—adverti.—Porquê?—eleperguntou,comumlevesorrisonos lábios.—Elas foramboas
pracaramba.Vocênãoénenhumavítima.Nãoéprisioneiradesselírio.Vocêpodeseroquequiser.Podeescolheroquequerser.—Você está certo.—Escapuli, semencontrar nenhuma resistência da parte dele.
—Eeunãoescolhovocê.Éissoquevocênãoestáentendendo.Adrianficouemsilêncio.Seusorrisosedesfezeentãoeledisse:—Nãoacreditoemvocê.—Deixe-meadivinhar—escarneci.—Porqueeuobeijei?—Aquelebeijomefez
sentirmaisvivadoquejamaismesentiranaquelasúltimassemanas,etivea impressãodequeelesabiadisso.—Não.Porquenãoexisteninguémnomundoqueentendavocêcomoeuentendo.Fiqueiesperandopormais.—Éisso?Nãovaiexplicaroqueissosignifica?Aquelesolhosverdesmeprenderam.—Achoquenãoprecisa.Preciseidesviarosolhos,emboranãosoubesseporquê.—Sevocêmeconhecessetãobem,entenderiaporqueeuestouindoembora.—Sydney…Memoviemdireçãoàporta.—Adeus,Adrian.Corriatéaporta,temendoqueelevoltasseamedeter.Semedetivesse,eunãotinha
certeza seconseguiria ir embora.Maselenãome tocou.Não feznenhumesforçoparame impedir. Só quando cheguei àmetade do gramado em frente ao seu prédio, ouseiolharparatrás.Adrianestavalá,encostadonobatentedaporta,meobservandocomocoraçãonosolhos.Nomeupeito,meuprópriocoraçãosepartia.Naminhabochecha,olíriomelembravadequemeuera.Vireidecostasecontinueimeafastando,recusando-meaolharparatrás.
CORTESIADEMALCOMSMITHPHOTOGRAPHYRICHELLEMEAD nasceu em Michigan, mas atualmente mora em Seattle, nosEstadosUnidos.Éautoradediversosbest-sellersdefantasiaparaadultosejovens,entre eles a aclamada série Academia de Vampiros, e seus livros já foramtraduzidosparamaisdedozelínguas.Alémdeescritora,Richelleéleitoraassíduaeadoramitologia e humor.Quando não está escrevendo, gosta de passar o tempocomafamília,viajarecomprarvestidos.