CAMPINAS- 2002 NUNO CESAR PEREIRA DE ABREU Este.· exemplar e a ~~final da Tese defendida p~ s~~N 0 cesar ~ereira de · e aprov da pela ,l~omissao Jul a em 25ljy1!2002. ( r r~ ~~ em Multimeios do Institute de Artes da UNICAMP como requisite parcial para a obten~ao do grau de Doutor em Multimeios Prof. Or. A~tonio F~mam:lo da Concei~ao \ P.-sos sob a orienta~o do Prof. Dr. Fernao Vitor Pessoa Ramos. -Coorden~o Programa de P6s Gradua~o emMullimeios - CAMPINAS - 2002 3 V Q it EX......,._,.,.,~ TOMBO BCI :~ =6 :2 PROC. 4:2 ~LOSJ cO ol23 PRE!;D A?5 .A Foe DATA Q4/03lq o N•CPD Ab86b FICHA CATALOGRAFl:CA ELABORADA PELA BffiLIOTECA DO IA - UNJCAMP Abreu, Nuno Cesar Pereira de. Boca do Lixo: cinema e classes populares I Nuno Cesar Pereira de Abreu.- Campinas,SP: [s.n.], 2002. Orientador: Fernao Vitor Pessoa Ramos. Tese (doutorado)- Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. 1. Cinema- hist6ria. 2. Cultura popular. 3. Industria cinematografica. 4. Filmes cinematograficos. I. Ramos, Fernao Vitor Pessoa. II. Universidade Estadual de Campinas.lnstituto de Artes. Ill Titulo. 4 Agradecimentos Daniel Rosene da Silveira, Sylvia Ceccatto, Sergio Villela, pela colabora<;ao. 5 RESUMO Este trabalho propoe-se a tratar de aspectos da hist6ria social da industria cinematogratica da Boca do Lixo, no quadro geral do Cinema Brasileiro, nos 1970, tendo como ambiente politico o regime militar com a repressao e a censura, por urn lado, e os incentives economicos e a legislac;ao protecionista por outro. Atraves de entrevistas procura-se tecer uma trama que relate o processo de desenvolvimento de urn processo social, que contem o economico e o estetico, de urn ciclo de produc;ao cinematografica que se propos a enfrentar o produto estrangeiro com o "similar nacional", ocupando parcela significativa do mercado exibidor - controlado pela distribuic;ao internacional. Urn ciclo que teve caracterfsticas pr6prias - que interessa observar - em seus aspectos essenciais, principalmente atraves de seus personagens - sujeitos que relatam seu Iugar na hist6ria do Cinema Brasileiro. A partir da rememorac;ao dos depoentes foram sendo estabelecidos recortes num inventario existencial, foi se dando urn resgate, em que vozes singulares vao revelando, atraves de percursos de vida, uma rede de aspectos sociais, economicos e culturais do desenvolvimento de uma "comunidade". A do cinema da Boca do Lixo. 0 trabalho se compoe de tres partes maiores: o primeiro volume que faz uma reflexao sobre a produc;ao cinematografica da Boca do Lixo, o segundo e urn caderno de entrevistas, e o terceiro, a filmografia. 7 SUMARIO Capitulo 1. ANTECEDENTES ............................................................... p, 8 Capitulo 2. A TOQUE DE CAIXA E A TODO VAPOR: 1970-1975 .............. p. 39 Capitulo 3. A BOCA DO LIXO ESTA NA RUA DO TRIUNF0:1976-1982 ..... P.~ Capitulo 4. A BOCA DO LIXO ENTRA EM AGONIA:1983- ..................... p. ~ \ Capitulo 5. PORNOCHANCHDA: ALEGRIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO p.~ Capitulo 6. A INDUSTRIA CINEMATOGRAFICA DA BOCA DO LIXO: - ~ ' UM MODO DE PRODUCAO .............................................. p. w-. BIBLIOGRAFIA .............................................................................. p. 241 9 APRESENTA(:AO Este trabalho procura abordar o que chamo aqui de ciclo da Boca do Lixo, um processo de produr;;ao cinematografica que teve Iugar num certo perfodo de tempo (anos 1970) e num espac;o determinado (a Boca do Lixo) e que, a despeito de suas precariedades e contradi<;oes, conseguiu efetivar uma alianc;a entre os seus tres vertices - produc;ao, exibic;ao e distribuic;ao - e produzir um cinema popular com excelente resposta de publico. Um processo inserido no contexto mais amplo de expansao da produ<;ao cinematografica (e da industria cultural de uma maneira geral) paulista e brasileira, marcado pela organizac;ao da elite do audiovisual brasileiro em torno da Embrafilme - empresa estatal de fomento a produc;ao -, de certa forma com o mesmo prop6sito, perfodo em que as questoes do nacional e do popular apresentavam-se como o epicentro das motivac;oes ideol6gicas. Uma conjugac;ao de fatores pode ser apontada como tendo levado a formac;ao desse p61o produtor paulista - uma "comunidade" -, que desenvolveu formas economicas, artisticas e de relacionamento com caracteristicas pr6prias. A principal delas, a meu ver, e a sua forma<;ao a partir da afluencia de um contingente egresso das classes populares que ali se profissionalizou. Na Boca, tanto aqueles que assumiram posi<;oes de relevo na hierarquia do processo economico, quanto as equipes de produ<;ao - diretores, roteiristas, fot6grafos - sao provenientes desses estratos da sociedade. Penso nao ser necessaria aprofundar a defini<;ao sociol6gica de classes populares, por acreditar que e possivel, neste caso, basear-se no senso comum. A expressao e utilizada aqui para referir-se aos individuos com niveis de renda, instruc;ao e consumo abaixo dos atribuidos a classe media, misturando estratos da pequena-burguesia, da classe open3ria ou do chamado proletariado. Deve-se ter em mente, de qualquer modo, que esta e uma definic;ao referida ao ambiente socioeconomico dos anos 1970. A definic;ao 11 baseia-se tambem na propria autodefini<;:ao dos entrevistados, que, ao referirem as suas origens, se autonomearam - com rarissimas exce<;:5es - como pertencentes as classes populares, como sendo "do povo". 0 cinema da Boca do Uxo desenvolveu uma vida propria, uma "identidade", ainda que atravessada pelas mesmas quest5es que mobilizavam os outros setores da produ<;:ao cinematografica - criatividade, censura, rela<;:5es com o mercado, modo de produ<;:ao etc. -, com os quais manteve rela<;:5es conflitantes e contraditorias. Voltada explicitamente para o mercado, produzindo entretenimento, a Boca marcou sua posi<;:ao pragmatica, "mesmo que com armas toscas", na expansao da industria cultural nos anos 1970. A Boca do Lixo sempre me fascinou exatamente por ser um Iugar, um "endere<;:o" que aglutinava pessoas que queriam fazer cinema. Diferente do formato empresarial de um estudio, com jeito de fabrica e comandado por patr5es, a Boca parecia um gueto de liberdade (se e possivel mais essa contradi<;:ao, entre tantas, que ele oferece). Ao iniciar este trabalho sobre o cinema da Boca, procurei levantar o que havia de pesquisa, estudos ou reflex5es sobre o assunto. Encontrei muito pouco (sobre pomochanchada ainda existe algum material), e o que encontrei, em geral, tratava o tema com ironia e distanciamento, com uma tendemcia a desqualificar os filmes, as pessoas e o processo. Este espfrito amea<;:ava impregnar minha atitude. A materia-prima desta pesquisa sao as entrevistas que realizei entre dezembro de 2000 e janeiro de 2002, com 15 pessoas - entre produtores, diretores, roteiristas, atrizes - que trabalharam na Boca do Lixo e viveram o processo de desenvolvimento daquela industria. A escolha dos depoentes foi fruto de contatos e indica<;:5es. Nem todos os solicitados se dispuseram a conceder entrevistas. De todo modo, as principais personagens sao mencionadas. A rememora<;:ao dessa experiencia pelos entrevistados fez aparecer um caldo 12 cultural humanizado, revelando uma hist6ria social que a cada instante aumentava o meu interesse em (re)cont<Ha. A ironia transformou-se em um olhar generoso, que permite investigar com afeic;ao o "objeto". Com base em pesquisa bibliografica, levantamento da filmografia, analise dos filmes e, principalmente, nas entrevistas, pretendi tecer a trama da hist6ria do desenvolvimento do ciclo da Boca do Lixo, compreender o papel que ele desempenhou na vida cultural brasileira, localizar seus produtos no interior da industria cultural que comec;ava ganhar complexidade nos anos 1970. Procurei organizar o texto como um documentario, definic;ao que talvez melhor defina este trabalho, tanto em sua analogia com o cinematogrcifico, quanta em seu sentido metodol6gico. Meu objetivo aqui nao foi apresentar uma verdade, a comprovac;ao de uma tese, mas reunir "documentos" - materiais diversos -, encadeando-os em uma narrativa que fosse, na medida do possfvel, isenta, poetica, verdadeira. 0 leiter encontrara aqui, no contexte de uma reflexao mais ampla, pequenas reflexoes pontuando os varies t6picos, levantando questoes, buscando respostas, fazendo diagn6sticos, entrelac;adas as falas dos depoentes ou a reflexoes de outros analistas. Penso ter reunido, desta forma, um material que assenta um terrene firme, algo seminal, ao mesmo tempo que aponta em diversas direc;oes, abrindo caminhos para outras abordagens do fenomeno da Boca do Lixo. 0 primeiro capitulo da tese detem-se nos antecedentes da Boca do Lixo. Aborda, inicialmente, as iniciativas anteriores de criac;ao de uma industria cinematografica paulista, como os grandes estudios da Vera Cruz, Maristela etc. Em seguida, trac;a um quadro da intervenc;ao do Estado na reestruturac;ao institucional do cinema brasileiro no final dos anos 1960, com a criac;ao da Embrafilme, e na implementac;ao de uma polftica protecionista da reserva de mercado. Por fim, relata a formac;ao de um nucleo hoje identificado como cinema marginal, a partir da migrac;ao de alguns alunos da escola de cinema Sao Luiz para a Rua do Triunfo e que, de certa forma, lanc;a as sementes da 13 formula dos filmes com apelo popular: erotismo, tftulos chamativos, baixo custo. 0 "pessoal do cinema" aflui rapidamente para o novo ponto de ebuli~ao, onde ja fincavam raizes os novos produtores com uma visao de cinema dentro necessidades do mercado. A produ~ao de filmes com o desejo e a vontade de estabelecer contato com as classes populares. No segundo capitulo busco tra~ar os caminhos percorridos pela produ~o da Boca do Lixo entre 1970 a 1975, sob a vigencia da lei de obrigatoriedade de exibi~ao dos filmes brasileiros, periodo em que se consolida uma "politica de produtores" - agentes do processo economico de um polo de produ~ao incipiente e precario, mas de grande atividade, impulsionado pela entrada decisiva do exibidor/distribuidor no investimento dos filmes. Estrutura-se, entao, uma cadeia produtiva de tipo industrial, que seria aprimorada ao Iongo dos anos 1970. Para ela aflui toda especie de profissionais feitos pela vida, formados pela tecnica, em busca de um Iugar ao sol que parecia brilhar para o cinema nacional. Surgem os primeiros "herois" da Boca do Lixo, reconhecidos por seu sucesso pessoal e financeiro, e tambem os seus "trabalhadores culturais", que procuravam dotar o meio de algum substrata intelectual ou artfstico. Assumindo a sua diversidade e suas carencias, a Boca do Lixo deslancha a toque de caixa e a todo vapor, produzindo o similar nacional - dos filmes de genero -, enfrentado o produto estrangeiro, ocupando significative espa~o no mercado exibidor, em conson2mcia com a polftica governamental de substitui~ao de importa~oes. 0 terceiro capitulo acompanha o desenvolvimento da produ~o da Boca do Lixo entre 1975-1982, perfodo marcado pela consolida~ao de reputa~oes e a entrada em cena de novos personagens - uma "segunda gera~ao" de produtores, diretores, atrizes etc., gerados pelo proprio ambiente da rua do Triunfo - e pela conseqOente complexifica~o das rela~oes empresariais. Uma hierarquia de produtores e filmes vai se firmando, ao mesmo tempo em que surgem os novos-ricos da Boca. Os filmes procuram maior apuro tecnico, o 14 similar nacional ganha fei<;oes pr6prias e a exibi<;ao torna-se mais receptiva e participante, por conta de seus interesses economicos evidentes. Neste capitulo, sao apresentados recortes dos percursos de diretores que fizeram a hist6ria da Boca. Urn leque que inclui desde o experimentalismo consciente de Carlos Reichenbach, passando pelos melodramas de Alfredo Sternheim, ao cinema de a<;ao de David Cardoso. Entram nessa galeria Jean Garret, que perseguia urn "padrao Boca de qualidade", o cinema naive de Tony Vieira, imerso no universe cultural popular, e o cinema pragmatico de Ody Fraga, o ide61ogo de olhar critico com opinioes esteticas e politicas articuladas. Como suporte desse cinema figura urn star system feminino ja definido, com as estrelas cintilando nas telas e nas bilheterias, em cujas filas alinham-se segmentos das classes populares - os grandes consumidores dos produtos da Boca do Uxo. Incomodando o Cinema Brasileiro com seus modos nada educados e seus filmes de gosto discutivel, a Boca com certeza estava na rua do Triunfo. 0 quarto capitulo aborda a agonia do ciclo da Boca do Uxo, no contexte de decadencia do Cinema Brasileiro como urn todo - com o crescente desprestigio da Embrafilme - e do proprio regime que o sustentava. A potente entrada dos filmes estrangeiros de sexo explicito, num memento de esgotamento do modelo da pornochanchada, a desorganiza<;ao do circuito exibidor, com a saida do distribuidor/exibidor da prodw;;ao, e a desobediencia das leis protecionistas aceleram a rapida decadencia do cinema paulista de mercado, abalando os frageis alicerces da Boca, ao provocar divisoes internas, em que alguns aderem a produ<;ao porno como forma de sobrevivencia. A produ<;ao nacional nao consegue competir com o modelo economico e estetico dos filmes hard core americanos e vai desaparecendo, levando junto as salas de cinema populares estigmatizados pela pornografia. 0 quinto capitulo trata da pornochanchada - urn abrigo de generos -, que ficou indelevelmente ligada a produ<;ao da Boca do Uxo. Compoe-se de tres 15 partes. A primeira procura configurar a pornochanchada em seus aspectos estruturais: a acultura~ao da comedia italiana, a explora~ao da formula erotismo + baixo custo + titulo apelativo, o emprego da parodia etc. Trata-se de delinear as conven~oes e a ideologia do genera, visto como integrando o conjunto de formas e a dinamica cultural de uma epoca. Por um lade, temos a vincula~ao do genera ao regime autoritario, e a extensao da nomea~ao para designar mediocridade, como alegrias do subdesenvolvimento; por outro, uma visao dos filmes como reflexo da onda de permissividade na esfera do comportamento, com a tematiza~o da sexualidade apropriada (consumida e produzida) pelas classes populares. A segunda parte do capitulo busca especular sobre a rela~ao da pornochanchada com o publico, em seus aspectos rituais. A rela~ao dialetica entre a oferta e a demanda provendo o contexte cultural no qual o genera se produz. A rejei~ao das elites ao cinema brasileiro (generalizado como pornochanchada) como sintoma de rejei~ao da realidade. A pornochanchada como pedagogia erotica, trazendo a "revoiUI;ao sexual" para o universe popular, produzindo o maier fenomeno de bilheteria da historia do Cinema Brasileiro. A terceira parte abre espa~o para o principal foco de aten~ao dos filmes, a verdadeira materia-prima dos "negocios" da Boca do Lixo: as atrizes. Apresenta um recorte sobre a vida e a carreira de algumas atrizes que brilharam no precario mas eficiente star system produzido pelo cinema da Boca do Lixo. Musas, rainhas, deusas, simbolos sexuais que faziam as bilheterias funcionar e que tambem andaram enfeitando as revistas masculinas, acendendo a imagina~ao dos consumidores. A mulher como objeto sexual para o olhar fetichista masculine. 0 sexto e ultimo capitulo procura configurar o modo de produ~o do cinema da Boca, utilizando-se do conceito de "praticas de produ~ao". Sao analisadas as formas de composi~o do capital que permite o desenvolvimento da economia da Boca do Lixo e as praticas de produ~ao acionadas pelos produtores, que surgem como agentes de um processo economico , responsaveis pela arma~ao de elos interligados, que conjuga em harmonia a distribui~o, a exibi~o e a produ~ao, envolvendo ainda a capta~o de recursos de investidores, 16 merchandising, apoio de prefeituras e mais facilidades que tornaram possfvel o desenvolvimento de uma "industria" cinematografica na Boca do Lixo. Procura tambem rever as causas de seu colapso, determinando o fim do ciclo da Boca do Lixo. Alem deste texto, a pesquisa inclui dois anexos: um caderno de Entrevistas, reunindo a Integra de 15 entrevistas realizadas com pessoas de algum modo relacionadas ao universe da Boca do Lixo nos anos 1970 e 1980, material que serviu de base documental para esta pesquisa; e uma Filmografia do ciclo da Boca do Lixo (1969-1982), contendo as fichas tecnicas e sinopses de todos os filmes realizados no perfodo, organizados sob a forma de um banco de dados, o que permite ao leiter uma variedade de possibilidades de consulta. 17 Cinema, Estado e Mercado Por diversos motives, os anos 70 foram especialmente densos e tenses para a sociedade brasileira. Havia, entao, urn ambiente de muita energia em todos os setores, marcado pela a~o polftica radical (tanto para a esquerda quanta para a direita), pela transformac;;ao nas formas de comportamento social (tambem radicalizadas) e pelos desdobramentos da inquieta~o criativa no campo da prodU<;ao cultural experimentada pelo pais nos anos 1960. Os movimentos vindos das metr6poles internacionais - os ecos de maio de 68 na Fran<;a, a rebeldia pacifista da juventude americana contra a Guerra do Vietna, a contracultura do movimento hippie e anti-establishment, as drogas lisergicas, a "revoluc;;ao" sexual e a liberac;;ao feminina, entre outros - encontram o Brasil cindido pela resistencia (luta armada e luta cultural) ao regime militar, que exercia forte repressao em todas as esferas, inclusive com a censura aos meios de comunica~o de massa e a prodU<;ao artfstica, e promovia a intervenc;;ao estatal nos processes produtivos da arte e da cultura. Todas as relac;;oes sociais sao de certa forma "politizadas". Neste ambiente, a produ~o cultural teve de aprender a viver, com a cabe<;a no diva, transitando entre a cultura de massa e a militancia de resistencia. Ao Iongo da decada, a potencia transformadora das propostas esteticas (e polfticas) do CPC da UNE, do Cinema Novo e do Cinema Marginal, dos teatros de Arena e Oficina e do Tropicalismo, movimentos de forte impacto artistico e cultural surgidos nos anos 60, foi se diluindo sob a vigencia do AI-5 e da violencia do regime militar. Neste contexte, a implementa~o de urn projeto "modernizador" pelo Estado autorit<kio provocara alterac;;oes profundas no campo cultural como urn todo e no cinema em especial. Tendo em vista as transformac;;5es incisivas nas formas de produc;;ao da arte (e dos meios de comunica~o) e nos comportamentos cotidianos, o cinema brasileiro e levado, neste momenta de (in)definic;;oes, a acertar as contas 19 com o passado e ajustar-se as demandas do presente - as pressoes vindas do mercado e de um Estado ditatorial. Empenhados na legitimac;ao economica e cultural da atividade, e em enfrentar o predomfnio da produ<;fflo estrangeira, os realizadores - juntando pragmatismo e ideologia - procuraram trazer para sua esfera de influemcia o controle do curso do processo de "moderniza<;fflo" do setor, aprofundando a intervenc;ao no mercado, o que supunha transformar as fn3geis estruturas produtivas existentes em s61idas instituic;oes. A alianc;a entao estabelecida entre uma parcela do setor cinematografico identificada com o Cinema Novo e setores governamentais - principalmente do Planejamento e da Educa<;fflo e Cultura - visando a implementac;ao de um processo industrial modernizante, voltado as relac;oes com o mercado (cinematografico), de certo modo mostrou-se vital para a sobrevivencia economica do cinema brasileiro naquele momento, ao "abrir um canal solido para a manutenc;ao de conversac;Oes e a possibilidade de concretizac;ao de um horizonte hist6rico para o cinema brasileiro"1 . Ate meados dos anos 60, a atuac;ao governamental no campo cinematografico limitara-se a um papel legislador e a responder a algumas demandas do setor, como a criac;ao de mecanismos para sua protec;ao, com enfase na questao da obrigatoriedade de exibi<;fflo de filmes nadonais. 0 cinema como setor industrial (cultural) procura se inserir concretamente na economia do pais ao Iongo dos anos 70, com a implementac;ao de uma polftica institucional ditada por agencias governamentais voltadas para o mercado, no ambiente das praticas administrativas centralizadoras do regime. 0 meio cinematografico participa ativamente desse processo, interagindo estrategicamente com o Estado. Breve cronologia das relar;aes entre cinema e Estado A criac;ao do Instituto Nacional de Cinema (INC), uma autarquia federal, pelo Decreto-Lei n. 43, de 18 de novembro de 1966, "consolida um programa que 20 concentra no Estado a possibilidade de desenvolvimento industrial do cinema, visto ser urn 6rgao legislador, de fomento e incentive, fiscalizador, responsavel pelo mercado externo e pelas atividades culturais". Com o INC - ao qual sao incorporados o Institute Nacional do Cinema Educative (INCE), do Ministerio da Educa~o, e o Grupo Executive da Industria Cinematografica (Geicine), do Ministerio da Industria e Comercio - sao criados instrumentos de interven~ao no mercado que viriam a se aperfei~oar com o tempo, como a obrigatoriedade de registro de produtores, exibidores e distribuidores (permitindo dimensionar e controlar a atividade), a obrigatoriedade de copiagem de filme estrangeiro em laborat6rio nacional (visando ao fortalecimento da infra-estrutura do cinema) e a competencia para legislar sobre a obrigatoriedade de exibi~ao de filmes nacionais. Em 1967, o Institute (Resolu~ao n. 3) estabeleceu 56 dias de obrigatoriedade de exibi~ao para…