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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre http://slidepdf.com/reader/full/boletim-228-nov-2011-libre 1/20 ANO 19 - Nº 228 - NOVEMBRO/2011 - ISSN 1676-3661  EDITORIAL  STJ: RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ......................................  REFLEXOS PROCESSUAIS PENAIS DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL  Diogo Malan..................................................  O ESTREBUCHAR DA IGNORÂNCIA  Tiago Cintra Essado...................................  O INDICIAMENTO NAS INFRAÇÕES D MENOR POTENCIAL OFENSIVO  João Daniel Rassi e Mariana Tranchesi Ortiz ............................  SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE PE  Mohamad Ale Hasan Mahmoud ......   A (IN)APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO NO PROCESSO SOCIOEDUCATIVO  Giancarlo Silkunas Vay ...........................   AINDA EXISTE LIBERDADE PROVISÓRIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO?  Alexis Couto de Brito ................................  LIBERDADE DE EXPRESSÃO ÀS AVESSAS: ESTÂNDARES INTERAMERICANOS E A AMEAÇA PENAL À CRÍTICA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO  Eduardo Pitrez de Aguiar Corrêa ..........  QUAL O FUTURO DA PUNIÇÃO?  Douglas de Barros Ibarra Papa ..........   A TÉCNICA DOS VALORES-LIMITE E DELITOS DE PERIGO ABSTRATO  rika Mendes de Carvalho ..................  DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO: UMA PROPOSTA DE RACIONALIZAÇ DOS PRAZOS PARA SUA  APRESENTAÇÃO, A PARTIR DE UMA SÍNTESE DO PREVISTO NO CAPUT  DO ART. 396 E NO § 2 DO ART. 396-A DO CPP  Domingos Barroso da Costa e Diego de Azevedo Simão ..........................  OS CRIMES DE GESTÃO FRAUDULENTA OU TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXIGEM HABITUALIDAE?  Ricardo Henrique Araújo Pinheiro ...... DESCASOS  PSIQUIATRA… SÓ NO RAIO QUE O PARTA  Alexandra Lebelson Szafir .................... CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA O DIREITO POR QUEM O FAZ ............  JURISPRUDÊNCIA ANOTADA  Supremo Tr ibunal Federal .....................  Superior Tribunal de Justiça..................   Tribunais Regionais Federais...............   Tribunais de Justiça ................................... EDITORIAL STJ: RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais decide manifestar-se sobre as recentes críticas contra decisões do Superior Tribunal de Justiça no decorrer do último mês.  A Corte, apesar das limitações materiais por todos conhecida, tem-se esforçado sobremaneira, e já há alguns anos, para fazer prevalecer, no âmbito penal, as leis federais e as normas constitucionais. Assim é que tem constituído um arcabouço significativo de precedentes dando cumprimento a determinações relativas a pressupostos e requisitos da interceptação telefônica, das bus- cas e apreensões, dos limites legais e constitucionais da atuação policial, do Ministério Público e mesmo do Poder Judiciário. O precedente que desencadeou as críticas – a anulação de provas obti- das na chamada “Operação Faktor/ Boi Barrica” – nada mais reflete do que uma construção jurisprudencial consolidada há alguns anos. No entanto, matérias jornalísticas e ar- ticulistas pretenderam fazer crer que a Corte, sem mais nem menos, e de uma hora para a outra, decidiu se postar contra medidas investigativas restritivas de direitos fundamentais, decretadas sem fundamento, e suge- riram, ainda, que isto teria sido feito apenas em razão dos pacientes da ordem de habeas corpus  impetrada. Todavia, como mostram os pre- cedentes, a defesa do respeito aos direitos e garantias fundamentais e às normas penais e processuais penais, que formam a área de competência, a incumbência que a Consti- tuição Federal atribuiu àquela Corte, é trabalho que vem sendo construído há algum tempo, de forma paulatina, fundamentada, ponderada e profunda pelo STJ. O combate ao crime organizado, em especial o praticado no âmbito da administração pública, merece atenção e elogios, desde que travado dentro do marco legal. As conquistas do Estado de Direito, alcançadas com tanto custo, não podem ser afasta- das diante de contingências políticas ou do clamor social. O respeito aos princípios fundamentais deve ser resguardado com toda a firmeza, mesmo diante dos mais intensos brados pela punição a qualquer custo. Isso não significa impunidade ou condescen- dência com práticas delitivas. Denota apenas a necessidade do mais estrito compromisso com o texto legal para o enfrentamento do crime organizado. Do contrário, o Estado estará utilizando as mesmas armas que pretende combater: a ilegalidade, o abuso, o arbítrio. A consolidação de um sistema democrático impõe ao poder público o respeito às normas que ele mesmo produz. Não se mede o trabalho do magistrado pelo núme- ro de condenações, de medidas cautelares aplicadas ou de prisões determinadas. A atividade do juiz pauta-se pela  prudência e pela guarda renitente dos preceitos fundamentais diante dos anseios das partes, seja pela punição, seja pela absolvição. E as decisões recentes do STJ têm  justamente esta característica. São exemplos de um esforço constante por reafirmar o valor da legalidade diante das mais insistentes petições pela condenação, por mais impopular que seja o réu. Se uma prova é ilegítima, deve ser anulada. Se um procedimento é ilegal, não merece prosperar. Do contrário, seriam criados precedentes graves, valendo lembrar que os regimes de exceção se constroem pela aceitação de brechas legais, pela concordância inicial com pequenas exceções à le- galidade que se vão tornando a regra, pelo pensamento de que algum fim – por mais nobre que seja – justifica a supressão de direitos fundamentais. É bem verdade que a supressão da lei, em alguns casos, agrada à opinião pública. Mas é, também, verdade que, com base no agrado à opinião pública por mais discipli- na, mais ordem, e menos legalidade, se construíram muitos regimes totalitários. O STJ cumpriu, e vem cumprindo, o seu papel com serenidade, prudência e solidez, revelando que os magistrados não devem temer as repercussões de suas decisões, porque julgam para manter um sistema de princípios, uma carta constitucional, uma ordem de valores. Por mais que vozes, hoje, se levantem contra esta ou aquela decisão, e por mais que apelem para alguma exceção às regras para satis- fazer qualquer desejo tortuoso de justiça, devemos reconhecer que é esta a posição que se espera de um tribunal superior: a capacidade de olhar para o futuro e ter a certeza de que assegurar a legalidade é a única forma de evitar um sistema arbitrário, que pode retirar da sociedade o que ela tem de mais caro: a liberdade.  As conquistas do Estado de Direito, alcançadas com tanto custo, não podem ser afastadas diante de contingências políticas ou do clamor social. O respeito aos princípios fundamentais. Deve ser resguardado com toda a firmeza, mesmo diante dos mais intensos brados pela punição a qualquer custo.

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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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ANO 19 - Nº 228 - NOVEMBRO/2011 - ISSN 1676-3661

•  EDITORIAL   STJ: RESPEITO AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS ......................................

•  REFLEXOS PROCESSUAIS PENAISDOS EMBARGOS ÀEXECUÇÃO FISCAL 

  Diogo Malan ....................................................

•  O ESTREBUCHAR DA IGNORÂNCIA   Tiago Cintra Essado ....................................

•  O INDICIAMENTO NAS INFRAÇÕES DMENOR POTENCIAL OFENSIVO

  João Daniel Rassi e

Mariana Tranchesi Ortiz .............................

  SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE PE  Mohamad Ale Hasan Mahmoud ......

•  A (IN)APLICABILIDADE DAPRESCRIÇÃO NO PROCESSOSOCIOEDUCATIVO

  Giancarlo Silkunas Vay ............................

•  AINDA EXISTE LIBERDADEPROVISÓRIA NO PROCESSO PENALBRASILEIRO?

  Alexis Couto de Brito .................................

•  LIBERDADE DE EXPRESSÃOÀS AVESSAS: ESTÂNDARESINTERAMERICANOS E A AMEAÇAPENAL À CRÍTICA DO EXERCÍCIO DAFUNÇÃO PÚBLICA NODIREITO BRASILEIRO

  Eduardo Pitrez de Aguiar Corrêa..........

•  QUAL O FUTURO DA PUNIÇÃO?  Douglas de Barros Ibarra Papa ..........

•  A TÉCNICA DOS VALORES-LIMITE E DELITOS DE PERIGO ABSTRATO

  rika Mendes de Carvalho ..................

•  DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO:UMA PROPOSTA DE RACIONALIZAÇDOS PRAZOS PARA SUA APRESENTAÇÃO, A PARTIRDE UMA SÍNTESE DO PREVISTONO CAPUT  DO ART. 396 E NO § 2DO ART. 396-A DO CPP 

  Domingos Barroso da Costa e

Diego de Azevedo Simão ...........................

  OS CRIMES DE GESTÃOFRAUDULENTA OU TEMERÁRIADE INSTITUIÇÃO FINANCEIRAEXIGEM HABITUALIDAE?

  Ricardo Henrique Araújo Pinheiro ......

• DESCASOS

  PSIQUIATRA…SÓ NO RAIO QUE O PARTA 

  Alexandra Lebelson Szafir ....................

CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA 

• O DIREITO POR QUEM O FAZ ............

•  JURISPRUDÊNCIA ANOTADA • Supremo Tr ibunal Federal ......................

• Superior Tribunal de Justiça..................

•  Tribunais Regionais Federais ...............

•  Tribunais de Justiça ....................................

EDITORIAL STJ: RESPEITO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminaisdecide manifestar-se sobre as recentes críticas contradecisões do Superior Tribunal de Justiça no decorrerdo último mês.

 A Corte, apesar das limitações materiais por todosconhecida, tem-se esforçado sobremaneira, e já háalguns anos, para fazer prevalecer, no âmbito penal,as leis federais e as normas constitucionais. Assim éque tem constituído um arcabouço significativo de

precedentes dando cumprimento a determinaçõesrelativas a pressupostos e requisitosda interceptação telefônica, das bus-cas e apreensões, dos limites legais econstitucionais da atuação policial,do Ministério Público e mesmo doPoder Judiciário.

O precedente que desencadeou ascríticas – a anulação de provas obti-das na chamada “Operação Faktor/Boi Barrica” – nada mais reflete doque uma construção jurisprudencialconsolidada há alguns anos. Noentanto, matérias jornalísticas e ar-

ticulistas pretenderam fazer crer quea Corte, sem mais nem menos, e deuma hora para a outra, decidiu sepostar contra medidas investigativasrestritivas de direitos fundamentais,decretadas sem fundamento, e suge-riram, ainda, que isto teria sido feitoapenas em razão dos pacientes daordem de habeas corpus  impetrada.

Todavia, como mostram os pre-cedentes, a defesa do respeito aosdireitos e garantias fundamentais eàs normas penais e processuais penais, que formama área de competência, a incumbência que a Consti-

tuição Federal atribuiu àquela Corte, é trabalho quevem sendo construído há algum tempo, de formapaulatina, fundamentada, ponderada e profundapelo STJ.

O combate ao crime organizado, em especialo praticado no âmbito da administração pública,merece atenção e elogios, desde que travado dentrodo marco legal. As conquistas do Estado de Direito,alcançadas com tanto custo, não podem ser afasta-das diante de contingências políticas ou do clamorsocial. O respeito aos princípios fundamentaisdeve ser resguardado com toda a firmeza, mesmodiante dos mais intensos brados pela punição aqualquer custo.

Isso não significa impunidade ou condescen-dência com práticas delitivas. Denota apenas a

necessidade do mais estrito compromisso com o textolegal para o enfrentamento do crime organizado.Do contrário, o Estado estará utilizando as mesmasarmas que pretende combater: a ilegalidade, o abuso,o arbítrio. A consolidação de um sistema democráticoimpõe ao poder público o respeito às normas que elemesmo produz.

Não se mede o trabalho do magistrado pelo núme-ro de condenações, de medidas cautelares aplicadas ou

de prisões determinadas. A atividade do juiz pauta-sepela prudência e pela guarda renitentedos preceitos fundamentais diante dosanseios das partes, seja pela punição,seja pela absolvição.

E as decisões recentes do STJ têm jus tamente esta caracterís tica . Sãoexemplos de um esforço constante porreafirmar o valor da legalidade diantedas mais insistentes petições pelacondenação, por mais impopular queseja o réu. Se uma prova é ilegítima,deve ser anulada. Se um procedimentoé ilegal, não merece prosperar. Do

contrário, seriam criados precedentesgraves, valendo lembrar que os regimesde exceção se constroem pela aceitaçãode brechas legais, pela concordânciainicial com pequenas exceções à le-galidade que se vão tornando a regra,pelo pensamento de que algum fim– por mais nobre que seja – justifica asupressão de direitos fundamentais. Ébem verdade que a supressão da lei, emalguns casos, agrada à opinião pública.Mas é, também, verdade que, com

base no agrado à opinião pública por mais discipli-na, mais ordem, e menos legalidade, se construíram

muitos regimes totalitários.O STJ cumpriu, e vem cumprindo, o seu papelcom serenidade, prudência e solidez, revelando queos magistrados não devem temer as repercussõesde suas decisões, porque julgam para manter umsistema de princípios, uma carta constitucional,uma ordem de valores. Por mais que vozes, hoje, selevantem contra esta ou aquela decisão, e por maisque apelem para alguma exceção às regras para satis-fazer qualquer desejo tortuoso de justiça, devemosreconhecer que é esta a posição que se espera deum tribunal superior: a capacidade de olhar para ofuturo e ter a certeza de que assegurar a legalidade éa única forma de evitar um sistema arbitrário, quepode retirar da sociedade o que ela tem de maiscaro: a liberdade.

 As conquistas do

Estado de Direito,

alcançadas com tanto

custo, não podem

ser afastadas diante

de contingências

políticas ou do

clamor social. O

respeito aos princípiosfundamentais. Deve

ser resguardado

com toda a firmeza,

mesmo diante dos

mais intensos brados

pela punição a

qualquer custo.

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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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REFLEXOSPROCESSUAISP

ENAISDOSEMBARGOS EXECU

ÃOFISCAL

REFLEXOS PROCESSUAIS PENAIS DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL Diogo Malan

Na atualidade, é relativamente comum a se-guinte situação jurídico-processual: o contribuin-te é submetido à persecução penal por crime decariz tributário, mesmo tendo ajuizado embargosà execução fiscal, garantindo integralmente osdébitos cobrados judicialmente por carta de fiançabancária aceita pelo Juízo da Fazenda Pública.

 Assim, o objetivo do presente estudo é ava-liar se a sobredita garantia da dívida fiscal gerareflexos também no campo da persecução penalpor sonegação fiscal, e quais reflexos seriam estes.

Para tanto, de início cumpre delinear anatureza jurídica do instituto da carta fiançabancária , assim como analisar a função desem-penhada por tal instituto no âmbito da açãode execução fiscal.

 A esse propósito, conforme leciona o art.818 do Código Civil, fiança  é modalidade con-tratual pela qual “uma pessoa garante satisfazer

ao credor uma obrigação assumida pelo devedor,caso este não a cumpra ”.(1) A espécie carta de fiança bancária  consubstancia-se em garantiaprestada por instituição financeira, tendo ca-ráter oneroso porquanto o banco fiador cobracomissão do cliente para prestá-la. Quando éapresentada pela parte processual executadapor débito fiscal, a carta em apreço garante asatisfação do crédito da Fazenda, que constituio objeto da ação de execução fiscal.(2)

Os arts. 9º, II, e 15, I, da Lei 6.830/80equiparam a apresentação de carta de fiançabancária ao depósito em dinheiro como formade se garantir a execução fiscal.

Vale dizer: no processo de execução fiscal,a carta de fiança bancária é considerada, àsemelhança do depósito judicial e da penhorasobre dinheiro, meio juridicamente idôneo  eeficaz  para a satisfação do crédito executado.(3)

No âmbito da própria Procuradoria-Geralda Fazenda Nacional, já foi consolidado enten-dimento no sentido da idoneidade da carta defiança bancária como instrumento hábil paragarantir débitos inscritos na dívida ativa daUnião, tanto em processos de execução fiscalquanto em parcelamentos administrativos.(4)

Resta analisar os desdobramentos dessaconjuntura jurídico-processual – oposição de

embargos à execução fiscal pelo contribuinte,que garante a íntegra da dívida por carta defiança bancária aceita pelo Juízo da FazendaPública – no campo do Processo Penal.

 A esse propósito, releva destacar só haverdois desfechos possíveis para os sobreditosembargos: (i)   o Juízo da Fazenda Públicaacolhe a pretensão jurídica do embargante,declarando não ser devido o tributo cujasuposta sonegação é imputada ao contribuin-te no Juízo criminal; (ii) o precitado Juízorejeita  tal pretensão jurídica, sendo inexorávela extinção do crédito tributário pelo paga-mento, que já está assegurado pela carta defiança bancária apresentada pelo embargante.

Na primeira hipótese, o acusado terá queser absolvido por atipicidade objetiva dosfatos (CPP, art. 386, III), à míngua de créditotributário exigível.

Na segunda situação, a punibilidade teráque ser extinta pelo pagamento da íntegra dotributo e dos acessórios, independentementeda fase procedimental na qual se encontre apersecução penal (CPP, art. 61).

Não há terceiro deslinde possível.Nesse contexto, a jurisprudência vem enten-

dendo que, quando o contribuinte apresentagarantias integrais sobre a dívida ao Juízo daexecução fiscal – que as aceita – não se pode seadmitir a simultânea persecução penal contrao contribuinte.

Isso porque tal conjuntura denota falta de justa causa  para a persecução penal do crimede natureza tributária.

Veja-se, bem a propósito, recente decisãounânime do Superior Tribunal de Justiça:“Diante das peculiaridades do caso concreto emque foram oferecidas garantias integrais sobre osvalores devidos, garantias estas aceitas pelo Juízoe pela Fazenda Pública, não se justifica a manu-tenção do processo criminal, pois em qualquer dassoluções a que se chegue no juízo cível ocorrerá aextinção da ação penal.”(5)

Idêntico entendimento vem sendo reitera-damente sufragado por diversos órgãos fracio-nários do Tribunal de Justiça de São Paulo.(6)

 A questão sobre o pagamento do débitofiscal pela instituição financeira fiadora ocorrer

antes   ou após   o juízo de admissibilidade dadenúncia é irrelevante para fins de geração doefeito jurídico-penal extintivo da punibilidade.

Com efeito, o principal marco normativoregulamentador dessa matéria atualmente é oart. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03.

 A fundamental característica desse dispositi-vo legal foi ter eliminado o marco temporal dorecebimento da denúncia como condição parahaver extinção da punibilidade pelo pagamentodo débito e dos acessórios. Isso independentemen-te  de o pagamento em apreço ter sido ou nãoobjeto da concessão de parcelamento da dívidafiscal.(7) Assim, o agente faz jus à extinção da

punibilidade caso pague o débito tributário e osacessóriosa qualquer tempo, independentementeda fase na qual se encontre o processo criminal.

Posteriormente, os arts. 67, 68 e 69 da Lei11.941/09 e 6º da Lei 12.382/11 voltarama regulamentar a matéria em digressão, noque tange aos débitos vinculados aos respectivosregimes jurídicos de parcelamento que foramcriados por essas duas leis . Tais diplomas legaisinstituíram regime mais gravoso para o contri-buinte, porquanto limitaram o efeito extintivoda punibilidade àqueles débitos fiscais queforem incluídos em regime de parcelamentoantes  do oferecimento  (Lei 11.941/09) ou dorecebimento (Lei 12.382/11) da denúncia por

sonegação fiscal.Não obstante, trata-se de leis penais tempo

rárias  (CP, art. 3º), que não revogaram o art9º, § 2º, da Lei 10.684/03, porque esta é lepenal permanente .(8) 

Por todo o exposto, é lícito concluir quecarece de justa causa  e provoca constrangimentoilegal  à liberdade ambulatória do contribuintea ação penal condenatória por crime tributárioajuizada na pendência do julgamento de embargos à execução fiscal que garantem integralmenteo débito executado, por meio de carta de fiançabancária aceita pelo Juízo da Fazenda Pública.

É certo que, na perspectiva da teoria do delito, outras considerações poderiam ser tecidasPor exemplo, sobre: (i) a tipicidade material daconduta desse contribuinte, à luz do princípioda ofensividade   (nullum crimen sine iniuria )(ii) a extinção da punibilidade do crime, por

analogia in bonam partem com o pagamentointegral do tributo e dos acessórios (art. 9º, §2º, da Lei 10.684/03) etc.

Entretanto, nossa modesta e despretensiosabordagem é circunscrita aos reflexos processuai penais da conjuntura em digressão.

NOTAS

(1) Segundo Pontes de Miranda, fiança é “ promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque oque se promete é o adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, ou de outra fonte de dívidade que se irradiou, ou se irradia, ou vai irradiar-se adívida de outrem” (MIRANDA, Pontes de. Tratado dedireito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, t

 XLIV, p. 91).(2) MONTEIRO NETO, Nelson.  A fiança bancária naexecução fiscal , p. 57, In: Revista Dialética de Direito Processual , São Paulo, n. 91, p. 56-66, out. 2010.

(3) Idem, ibidem.(4) Portaria PGFN 644, de 1º de abril de 2009, posterior

mente alterada pela Portaria PGFN 1.378, de 16 deoutubro de 2009.

(5) STJ, 6ª Turma, HC 155.117-ES, rel. Haroldo Rodrigues, DJe 03.05.2010.

(6) TJSP, 12ª Câm. Crim., HC 993.08.017052-5, rel. DesCelso Limongi, j. 25.06.2008; TJSP, 7ª Câm. Crim. HC  990.09.216704-9, rel. Des. Fernando Mirandaj. 28.01.2010; TJSP, 1ª Câm. Crim.,  HC 007051665.2011.8.26.0000, rel. Des. Marco Nahum, j25.07.2011.

(7) ESTELLITA, Heloisa. Pagamento e parcelamento nos

crimes tributários: A nova disciplina da Lei nº 10.684/03In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências CriminaisSão Paulo, vol. 11, n. 130, p. 02-03, set. 2003.

(8) Não obstante, o Ministro Celso de Mello proferidecisão monocrática julgando  prejudicada  açãodireta de inconstitucionalidade (ADIn), ajuizada peloProcurador-Geral da República contra o ar t. 9º da Le10.684/03, por  perda superveniente de seu objetoNesse ensejo, o sobredito Ministro entendeu ter havido revogação tácita do artigo impugnado pelo art. 68 daLei 11.941/09 (STF, ADIn 3.002-7, decisão monocrá tica do Ministro Celso de Mello, DJe 17.12.2009).

Diogo MalanProfessor de Direito Penal Econômico

da FGV DIREITO RIOAdvogado criminalista

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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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(FUNDADO EM 14.10.92)DIRETORIA DA GESTÃO 2011/2012

DIRETORIA EXECUTIVAPRESIDENTE: Marta Saad1º VICE-PRESIDENTE: Carlos Vico Mañas2º VICE-PRESIDENTE: Ivan Martins Motta1ª SECRETÁRIA: Mariângela Gama de MagalhãGomes2ª SECRETÁRIA: Helena Regina Lobo da Costa1º TESOUREIRO: Cristiano Avila Maronna2º TESOUREIRO: Paulo Sérgio de OliveiraASSESSORES DA PRESIDÊNCIA: Adriano GalvãoRafael Lira

CONSELHO CONSULTIVOAlberto Silva Franco

Marco Antonio Rodrigues NahumMaria Thereza Rocha de Assis MouraSérgio Mazina MartinsSérgio Salomão Shecaira

COORDENADORES-CHEFESDOS DEPARTAMENTOS:BIBLIOTECA: Ivan Luís Marques da SilvaBOLETIM: Fernanda Regina VilaresCOORDENADORIAS REGIONAIS E ESTADUAISAdriano GalvãoCURSOS: Fábio Tofic SimantobESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS: GustaOctaviano Diniz JunqueiraINICIAÇÃO CIENTÍFICA: Fernanda Carolina de AINTERNET: João Paulo MartinelliMESAS DE ESTUDOS E DEBATES: Eleonora NaMONOGRAFIAS: Ana Elisa Liberatore S. Becha

NÚCLEO DE JURISPRUDÊNCIA: Guilherme MaDezemNÚCLEO DE PESQUISAS: Fernanda Emy MatsuPÓS-GRADUAÇÃO: Davi de Paiva Costa TangeRELAÇÕES INTERNACIONAIS: Marina Pinhão CAraújoREPRESENTANTE DO IBCCRIM JUNTO AO OLARenata Flores TibyriçáREVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAHelena Regina Lobo da Costa

PRESIDENTES DAS COMISSÕES ESPECIAIS: AMICUS CURIAE: Heloisa EstellitaCÓDIGO PENAL: Renato de Mello Jorge SilveiraCORRETORA DOS TRABALHADOS DE CONCLUSDO VI CURSO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO EUROPEU: Heloisa EstellitaDEFESA DOS DIREITOS E GARANTIAS

FUNDAMENTAIS: Ana Lúcia Menezes VieiraDIREITO PENAL ECONÔMICO: Heloisa EstellitaDOUTRINA GERAL DA INFRAÇÃO CRIMINAL:Vico MañasHISTÓRIA: Rafael Mafei Rabello QueirozINFÂNCIA E JUVENTUDE: Luis Fernando C. deBarros VidalJUSTIÇA E SEGURANÇA: Renato Campos PintVittoNOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: MaurícZanoide de MoraesPOLÍTICA NACIONAL DE DROGAS: Maurides dMelo RibeiroSISTEMA PRISIONAL: Alessandra Teixeira15º CONCURSO IBCCRIM DE MONOGRAFIAS CIÊNCIAS CRIMINAIS: Diogo Rudge Malan17º SEMINÁRIO INTERNACIONAL: Carlos AlbePires MendesO

ESTREBUCHARDAIGNOR

NCIA

O ESTREBUCHAR DA IGNORÂNCIA  Tiago Cintra Essado

 A imprensa publicou, em agosto de 2011,vídeo que revelava dois indivíduos detidos, nochão, após serem baleados, enquanto que agentesintegrantes da polícia paulista os observavam,dizendo: “estrebucha filho da puta, estrebucha vai... por que este não morreu ainda... deusorte hein... tomara que você morrano caminho...”.(1) 

O fato evidenciado e amplamen-te divulgado fez surgir uma série demanifestações, tanto por meio deleitores, no caso da mídia escrita,quanto por meio de internautas. Algumas indignadas com o supostoabuso policial, ao menos quanto àsinfelizes manifestações verbais, eoutras, em tom agressivo e em defesados policiais, sob o argumento deque se o baleado fosse agente públi-

co a mídia não daria tanta atenção.(2)

Não obstante a singularidadedos fatos em si, verdade é que elespermitem uma série de conclusõese acabam por externar pontos devista sociais e condutas profissionaisque, num maior ou menor grau,coincidem com a realidade.

 A postura iluminista de resgataro valor humano alcançou espaço internacionalapós a Segunda Grande Guerra, culminando coma Declaração Universal dos Direitos do Homem,de 1948, que universalizou princípios e direitosdecorrentes da dignidade da pessoa humana, vin-

culando os países subscritores tanto nas relaçõesentre estadosquanto entre seus cidadãos. 

Nesse processo de internacionalização de di-reitos humanos, além da dimensão filosófica dadaao tema, a positivação de tais valores vem cons-tituindo etapa fundamental para a evolução dodireito, o que visa à prevenção de contendas entrenações e, além disto, permite que cada Estadoconstrua um ordenamento jurídico fundado empreceitos éticos universais, o que é indispensávelpara o progresso social.

 Assim, ao mesmo tempo em que os direitoshumanos acabam por vincular os Estados emsuas relações internas e externas, o processo de

positivação por meio de direitos fundamentaisimplica a vinculação a todos os agentes públicos(legislativo, executivo e judiciário), bem como oscidadãos em geral. Certamente, o valor síntesede tais direitos confunde-se com o princípioda dignidade da pessoa humana. Com razão,assevera Maurício Zanoide de Moraes que “ pormaior eficientismo, utilitarismo ou funcionalismoque se queira empreender nas ações (públicas ou privadas), se elas não respeitarem o cidadão em suaintegralidade carecerão de legitimidade e resultarãoinconstitucionais por violação direta da ‘dignidadeda pessoa humana’” .(4)

Nesse sentido, é possível afirmar que os fatos,para além de uma análise dogmática, permitem

uma reflexão das condutas de parcela de agentespúblicos envolvidos no sistema estatal de preven-ção e repressão penal. Pouco interessa a discussãosobre a autoria e as circunstâncias dos disparosque alcançaram aqueles e qual tratamento repres-

sivo será adotado, em razão doque é possível extrair de todo ocontexto simbolizado nos fatosem causa.

Não é de se duvidar que fa-tos análogos ocorrem tanto emgrandes cidades quanto em pe-quenos rincões brasileiros. Nestecontexto, a primeira conclusãoque surge é a urgente necessidadede se dar ênfase humanista noprocesso de formação de agentespúblicos inseridos no sistemaestatal de prevenção e repressão

penal, fundada em preceitoséticos positivados, permitindoa construção de uma culturainstitucional que conclui que adefesa de direitos humanos estáao lado do dever de garantir asegurança pública. Não se tratade conceitos antagônicos. Afinal,a dignidade da pessoa humana,

conforme prescrição constitucional, é para todoe qualquer ser humano, independentemente derótulo, cargo, condição social e econômica, con-vicção religiosa etc.

Educar, pois, desde o início, os agentes públicos

envolvidos neste setor vislumbra-se como uma dasmais importantes tarefas estatais, na atualidade,para dar cumprimento a este conjunto de valores.

 A segunda conclusão é no sentido de que oEstado tem o dever de investir em acompanha-mento médico e psicológico, sobretudo em relaçãoàqueles agentes que convivem estreitamente coma criminalidade, vale dizer, os policiais, ofertandotodo o suporte necessário para o enfrentamentodas dificuldades inerentes a esta função. Enfim, édever do Estado valorizar, em todas as dimensões,inclusive a econômica, o servidor incumbido dafunção de prevenir e reprimir o crime, tratando-o com a dignidade que tal mister impõe. O ser

humano, em regra, ao externar a intenção de vera morte e o sofrimento alheio, com ar de debochee banalização, revela forte indício de padecimentopsíquico, carente de tratamento. A manutençãode tal conjuntura somente recrudesce a sensaçãode insegurança, o que é possível notar ao pensarque o estrebuchado pode ser o meu, o seu ou ofilho de qualquer policial. A dignidade da pessoahumana vai além do próprio atingido, alcançandoentes queridos e a sociedade em geral.

 A terceira conclusão remete à análise da con-duta dos agentes públicos que funcionam nonível superior hierárquico em relação àqueles quedão o primeiro combate. Há que se destacar ocomportamento dos que treinam e incentivam

Conclui-se, pois, que

independentemente

de convicção pessoal,

o que se espera

das instituições e

respectivos agentes é

o cumprimento do

sistema normativo de

proteção dos direitoshumanos, o que

constitui verdadeiro

dever jurídico, com

respeito à vida,

integridade

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OESTREBUCH

ARDAIGNOR

NCIA

OINDICIAMENTONASINFR

A

ESDEMENOR...

soldados e investigadores a agirem como secriminosos fossem, vale dizer, ao arrepio dalei, por meio de execuções sumárias e tortu-ras, bem como, por outro lado, evidenciara relevância da omissão daqueles que, sobpretexto de não ter dado causa direta à vio-lação da lei, optam por fingir que não virame nem estavam envolvidos no ato. Ou seja,

que faz parte do sistema...E a omissão, neste caso, vai além dos qua-dros policiais, atingindo alguns membros doMinistério Público e representantes do Poder Judiciário, que compactuam com procedimen-tos abusivos em nome da defesa da segurançapública ou da justiça do bandido bom é bandidomorto, o que, inevitavelmente, contribuirápara o recrudescimento de ilegalidades. Odeslize legal do agente público da ponta não sedimensiona quando comparado com o desviodo Ministério Público ao deixar de exercero dever de investigar infrações penais e atosímprobos referentes a violações de direitos

humanos e de provocar que as autoridadescompetentes assumam a responsabilidadeadministrativa de apurar os fatos sob as penasda lei. A omissão também atinge a magistra-tura, ao chancelar arquivamentos absurdos eminfrações deste jaez, completando o círculovicioso de incentivo à permanência de práticasprimitivas.

É evidente que as nefastas condutas aponta-das não são, felizmente, regra nas instituiçõesque compõem o sistema estatal de prevençãoe repressão penal. Contudo, em pleno século XXI, cons tata-se que o dever jurídico deimpedir práticas criminosas por agentes pú-blicos - leia-se tortura, homicídios e qualqueroutro abuso - além de encontrar amparo na

ordem interna, ressoa ainda na ordem inter-nacional, à qual o Brasil está comprometido,e quanto a isto não há que se discutir.Certamente as reações populares, no iníciodestacadas, refletem o pluralismo social e sefundamentam na própria ordem constitucio-nal, ao garantir a liberdade de manifestação dopensamento. Entretanto, não se concebe queo operador do direito afeto ao sistema estatalde prevenção e repressão penal e, enfim, todosos agentes públicos que militam nesta searafiquem insensíveis ou sarcásticos aos fatos oraanalisados, omitindo-se quanto ao arcabouço jurídico de proteção dos direitos humanos.

Conclui-se, pois, que independentemente deconvicção pessoal, o que se espera das insti-tuições e respectivos agentes é o cumprimentodo sistema normativo de proteção dos direitoshumanos, o que constitui verdadeiro dever jurídico, com respeito à vida, integridadefísica e psíquica da pessoa, enfim, garantindoa dignidade de todo e qualquer ser humano. E

aquele que infringir a lei, seja roubando, sejamatando, seja torturando, seja se omitindo,deve ser responsabilizado na exata medidado fato e de suas circunstâncias, mediante odevido processo legal, com as garantias que lhesão inerentes. É tempo de ver a ignorância e amaldade estrebucharem. Educar a sociedadee, especialmente, os agentes públicos paraque bem compreendam o direito em toda suadimensão se afigura imprescindível. Não dámais para retroceder e aceitar passivamente omenor abuso que seja.

NOTAS

(1) Cf. http://www.youtube.com/watch?v=tguyGetzKzA.Acessado em 01.09.2011.

(2) Cf. SINGER, Suzana. Mocinho e bandido. Folha deS. Paulo, p. A8, 28.08.2011.

(3) Cf. MORAES, Maurício Zanoide. Presunção de ino-cência no processo penal brasileiro: análise de suaestrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial . Rio de Janeiro: Editora Lumen

Juris, 2010, p. 173-179.(4) Op. cit., p. 201.

Tiago Cintra EssadoDoutorando em Direito Processual Penal pela USP.

Membro do ASF – Instituto de Estudos Avançados emDireito Processual Penal. Promotor de Justiça/SP.

 A legalidade do indiciamento é dess asmatérias que encontram no remédio do ha-beas corpus  o veículo para se fazerem chegar àanálise dos Tribunais pátrios.

Inobstante possa ser arguida por meio deoutras medidas judiciais – o próprio mandadode segurança, v.g. – é certo que, até o presente,tem sido no julgamento de habeas corpus  quea jurisprudência se tem firmado a respeitodos limites dessa providência típica da faseinvestigativa.(1)

 Ato formal da polícia judiciária, o indicia-mento é medida afeta ao inquérito policial.(2) É, afinal, no contexto das apurações prelimi-

nares que o indiciamento se apresenta comoprovidência por meio da qual a autoridadepolicial atribui ao suspeito a condição deprovável autor do delito em apuração.

Doutrina e jurisprudência pátrias já tive-ram a oportunidade de repisar que o status deindiciado não é fruto de escolha da autoridadepolicial, mas supõe a reunião, no curso dasatividades investigativas, de elementos queapontem no sentido da culpa penal.(3)

 A despeito do uso abusivo do instituto,não raro verificável no dia a dia das práticasda polícia judiciária, é também certo que oindiciamento não é ato qualquer, desprovidode consequências. Várias delas, ao contrário,

repercutem nas esferas jurídica e metajurídica.No âmbito jurídico, como já anotava oProfessor Sérgio Marcos de Moraes Pitom-bo, o indiciamento restringe direitos: se forafiançado, não poderá o indiciado mudar deresidência ou se ausentar sem prévia comuni-cação ou permissão; bem como ficará sujeitoàs medidas cautelares patrimoniais.(4)

No âmbito metajurídico, diversas sãoas repercussões do indiciamento no planoprofissional (para manutenção ou inserçãono mercado de trabalho) e, até mesmo, nosplanos social e familiar.

Não por outro motivo, o indiciamento

depende de prévia fundamentação,(5)

 devendoa autoridade policial declinar os pressupostosde fato e de direito que o justificam, como apresença de indícios bastantes de autoria, aprova da materialidade delitiva e a atribuiçãode classificação infracional ao fato motivador.

 A observância dos requisitos do ato deindiciamento assegura, pois, a justa causa paraa medida, coercitiva por natureza.

Dentre as hipóteses de descabimento doindiciamento, merece nossa atenção o em-prego da medida em relação a infrações demenor potencial ofensivo, assim entendidosos crimes e contravenções penais aos quais secomina pena máxima não superior a dois anos

(ainda que cumulada com multa).É que, desde o advento da Lei federal9.099/95, tais infrações se sujeitam ao proce-dimento diferenciado dos Juizados EspeciaisCriminais, estabelecido para atender a umpreciso anseio político-criminal: a instituiçãode uma Justiça Penal mais célere e informalque, em especial, privilegie a solução consen-sual das controvérsias.(6)

Em nome desse anseio, estabeleceu-se umprocedimento abreviado que, desde o início,elimina o inquérito policial. A dispensa dafase investigativa – substituída pela simpleslavratura do termo circunstanciado – visa

a assegurar, já na primeira oportunidade, orecurso à Justiça conciliatória, atendendo aoespírito da Lei.

É certo, no entanto, que inquéritos poli-ciais não raro são instaurados para apuração– isolada ou conjunta – de infrações de menorpotencial ofensivo. E que, no curso dessaapuração, o indiciamento é por vezes utilizadocomo indevido instrumento de intimidação.

 Ante essa realidade conhecida dos aplica-dores do Direito Penal, parcela da jurispru-dência já se inclina pelo descabimento do atode indiciamento em relação às figuras penaiscontempladas pela Lei dos Juizados EspeciaisCriminais.

O INDICIAMENTO NAS INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO João Daniel Rassi e Mariana Tranchesi Ortiz

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 A postura, acertada, no nosso entender, tem oagasalho de uma interpretação que, se de um lado,contempla, de outro, vai além da interpretaçãopuramente literal do diploma legal.

É que, se o modelo de Justiça Penal eleito pelaLei 9.099/95 tem por característica primordialo recurso primeiro às vias conciliatórias, como just ificar sejam elas antecedidas por medida

restritiva, como é o indiciamento?O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve

oportunidade de decidir que o ato de indiciamen-to se reveste do caráter de constrangimento ilegalquando antecede as possibilidades de conciliação,razão de ser do próprio procedimento estabeleci-do pela Lei dos Juizados Especiais.(7)

Numa interpretação sistemática, tais julgadosguardam coerência com o que dispõe o § 6º doart. 76 da Lei 9.099/95, ao prever que não consta-rá de certidão de antecedentes criminais e não teráefeitos civis a aceitação de proposta de transaçãopenal, até porque a aceitação de tal medida nãoimporta em reconhecimento de culpa.

 Assim, a admissão do indiciamento em infra-ção penal de menor potencial ofensivo configuraum contrassenso ou uma ilógica interpretativa.Primeiro, porque, como já dito, o indiciamentofixa o distrito da culpa e sujeita o suspeito a me-didas cautelares, tais como o arresto. Segundo,porque, uma vez indiciado, caso venha a aceitarproposta de transação penal, ainda assim ficaráo suspeito sujeito ao registro do seu nome nosdenominados “arquivos paralelos” da polícia.(8)

 Parece-nos que,, em consonância com o viésconciliatório da Lei 9.099/95, o qual se extrainão apenas de sua exposição de motivos, mastambém dos dispositivos legais que a integram, se

deva firmar nos nossos tribunais o entendimentoaqui expresso, considerando o indiciamento dosuspeito de prática de crime de menor potencialato manifestamente ilegal, a ser declarado nulopela autoridade jurisdicional.

NOTAS

(1) Por ser medida atrelada à fase investigativa, os tribunais têm consolidado entendimento de que a determinação doindiciamento após o recebimento da denúncia, quando jáinstaurada a relação processual, consubstancia constrangi-mento ilegal. É o que se extrai, dentre outros, dos seguintesjulgados: STJ, HC 35.639/SP, HC 29446/SP e HC 28.437/ SP; TJSP, HC 990.10.227.794-1 e HC 990.09.030.552-5.

(2) Na Exposição de Motivos do CPP, é justificada a manu-

 tenção do inquérito policial como “processo preliminarou preparatório da ação penal” (Decreto-lei 3.689/41,inciso IV). É, pois, com a instauração do inquérito policialque tem início a apuração das infrações penais e de suaautoria (ar t. 4º do CPP), a qual se encerra também quandoconcluído o inquérito – seja pela decisão de arquivamento,seja pelo oferecimento de denúncia.

(3) A respeito, confira-se: PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito policial: novas tendências. Belém: CEJUP, 1987,p. 38. Semelhante orientação encontra-se nos julgados: HC 412.328-3/7 e 341.206-3/9, ambos do TJSP.

(4) Idem, p. 44.(5) Embora não encontre regulamentação no Código de

Processo Penal, a obrigatoriedade da fundamentação doindiciamento está prevista no art. 5º da Portaria 18/98,da Delegacia Geral da Polícia Civil. Em reforço, digno denota que o Projeto de Lei 156/09 (Anteprojeto de Código

de Processo Penal), em seu ar t. 31, prevê expressamentea necessidade de fundamentação do indiciamento.(6) Minuciosa exposição dos princípios e fundamentos dessa

“nova” Justiça Penal consensual pode ser consultada em:GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Ma-galhães; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES, LuizFlávio.  Juizados especiais criminais: comentários à Lei9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais,1995, p. 15 e ss.

(7) TACRIM, HC 1.091.543/6, rel. Abreu Machado, RJTACrim37/500; e TJSP, HC 990.08.084434-2, 12ª Câmara, rel.Angelica de Almeida, j. 12.11.2008.

(8) Nomenclatura empregada por FALCONI, Raul. Reabilita-ção criminal. São Paulo: Ícone, 1997, p. 169 e ss.

João Daniel RassiMestre em Direito Penal pela USP.

Advogado.

Mariana Tranchesi OrtizMestre em Direito Penal pela USP.

Advogada.

CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE DROGAS, LEI, SAÚDE, CULTURA E SOCIEDADEData: de 30 de novembro a 03 de dezembroLocal: Centro Comunitário Athos Bulcão - Campus Universtário Darcy Ribeiro - Universidade deBrasília - UNB - DFRealizador do evento: Decanato de Extensão da Universidade de BrasíliaInscrições: A partir do dia 15 de setembro na secretaria do Centro Interdisciplinar de FormaçãoContinuada Interfoco (Universidade de Brasília)Telefones: (61) 3107-5917 / 3107-5918 / 3107-5919 ou e-mail: [email protected] e patrocínio: Governo do Distrito Federal, Universidade de Brasília, Decanato de Extensão daUNB, Faculdade de Comunicação da UNB, Instituto de Biologia da UNB, NEIP (Núcleo de EstudosInterdisciplinar sobre Psicoativos), ABESUP (Associação Brasileira de Estudos Sobre SubstânciasPsicoativas), IBCCRIM e Viva Rio.

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SOBREAIMPRESCRITIBILIDADEPENAL

SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE PENAL Mohamad Ale Hasan Mahmoud

Tarefa espinhosa na vida dos que estudamo Direito é lidar com os valores. Trata-se deárdua atividade, sujeita às agruras da ponde-ração. Nesse contexto, situa-se o problema daimprescritibilidade penal, prevista no art. 5º, XLII e XLIV, da CF.

 Afeito às sempre democráticas lições de Alberto Silva Franco, em uma de suas obras,deparei-me com uma frase de Canotilho, queguardo como amuleto, e, amiúde, reproduzocomo lema: “O Estado Democrático de Di-reito é um Estado antropologicamente amigo”.Partindo de tal ideia-força, defenderei que aimprescritibilidade penal, a despeito de insertano Texto Maior, com este não se coaduna,sendo materialmente inconstitucional.

Diante de uma constituição rígida como

a nossa, não é empreitada fácil defender aincompatibilidade, recíproca e derrogante,entre normas oriundas do poder constituinteoriginário. O Pleno do STF assentou que talcontrole de constitucionalidade seria juridica-mente impossível.(1) 

Entretanto, não se pode olvidar que opróprio STF deu por “insubsistente ” normaconstitucional originária, ao proscrever aprisão civil do depositário infiel.(2)

Embalado por tal saída indireta para aquestão, busco, ainda, em antigo magisté-rio de Otto Bachof , argumentos para meuraciocínio.

Em 1951, o professor alemão apontou doisaspectos que o levaram a defender a extraor-dinária possibilidade de reconhecimento deinconstitucionalidade de uma norma cons-titucional originária: a) o contexto históricogermânico, que passava pela transição daditadura para a democracia; e, b) a positivação,na Lei Fundamental, de conceitos constitucio-nais superiores, como a dignidade da pessoahumana.(3) 

Ora, entre nós, a situação não parece diver-sa. É evidente: a nossa ordem constitucionaldemocrática ainda engatinha. A passagem do

regime militar para o democrático, da maneiracomo operada, confere à realidade jurídicapátria alguns ranços que ainda precisam serexpurgados. Para não ir muito longe, cito aedição de normas funestas, como a lei doscrimes hediondos, a da falsificação de remé-dios/cosméticos (Lei 9.677/98), sem falarde diplomas que criminalizam condutas quenunca aconteceram, como a clonagem huma-na (Lei 11.105/05), ou que alastram o DireitoPenal para sancionar, desarrazoadamente, afraude e o dano culposos (Lei 9.605/98, e suamodificação pela Lei 11.284/06).

 Ademais, a CF/88, tal qual a Lei Funda-

mental da República Federal Alemã, tambémpositivou a dignidade da pessoa humanacomo uma norma sobranceira, verdadeiro fundamento do Estado.(4) Nestesentido, devem ser lembradasas judiciosas palavras do Min.Cezar Peluso, no já referido jul-gamento sobre a insubsistênciada prisão civil do depositárioinfiel:

“(...) sobretudo porque aConstituição eleva a dig-nidade da pessoa humanaa um dos fundamentos daRepública, e cujo primado, pelo menos do ponto de vista

axiológico, está, no espíritodo tempo, acima dos direitose garantias do art. 5º, não é possível retroceder à bárbaraconcepção de que o ser hu-mano é mero corpus villis,sujeito a qualquer medidanormativa violenta.”

Registro, ainda, que, em 1977, Bachof  reiterou sua posição, asserindo:

“É evidente que hoje, mais de um quarto deséculo depois, formularia diferentemente, etalvez de maneira mais precisa, muito do queescrevi. A minha posição de princípio, todavia,em nada se alterou – em razão, também, e justamente, da minha própria experiênciacomo juiz. (...)“Pressuposto da obrigatoriedade da ideia de justiça para o direito é, todavia, a existênciade um consenso social acerca pelo menos dasideias fundamentais da justiça. Apesar detodas as divergências no pormenor, creio quedeve reconhecer-se um tal consenso: o respeito ea proteção da vida humana e da dignidade dohomem, a proibição da degradação do homem

num objecto, o direito ao livre desenvolvimentoda personalidade, a exigência da igualdadede tratamento e a proibição do arbítrio são postulados da justiça de evidência imediata .”(5)

 Pontua o autor que uma norma, presente

ab initio  na Carta Magna, que contrarieprincípios jurídicos intangíveis, seria nãovinculativa, submetendo-se, pois, ao controlede constitucionalidade pelo Judiciário.(6)

Passo, então, a enfocar algumas particula-ridades da prescrição. Várias são as teorias quea justificam, como ensina Eduardo Reale:do esquecimento, do arrependimento ou

da expiação moral, da piedade, da prova, daemenda, da alteração psicológica, político--criminal, da presunção de negligência e

da exclusão do ilícito.(7) Nãocabe, aqui, volver a todaselas. No entanto, é possívelextrair, de todo esse universo,que a gênese e a legitimaçãodo instituto guardam estreitarelação com a dignidade dapessoa humana e com a segu-rança jurídica.

Sabe-se que da práticadelitiva brota, em regra, umconflito do agente com avítima/familiares desta, coma sociedade e com ele mesmo

(daí, muitas vezes, sendo tãodilacerante o sentimento deculpa, tem-se a aplicação doperdão judicial). O papel dodireito é solucionar tal impas-se e, na medida do possível,fazer com que a vida volte aonormal, após a afetação dobem jurídico.

 A imprescritibilidade, na contramão dasegurança jurídica, faz guardar o ódio, pre-servando a intolerância. Cultiva-se o poderpunitivo, que, em vez de ser irrigado, deveria,com o tempo, arrefecer, encolhendo natu-ralmente, como uma ferida que cicatriza. Abem da paulatina retomada da normalidade,cumpriria ao Poder Público estimular o gra-dual restabelecimento de laços, pautando-sepela solidariedade(8) e não por um baixo, tantoquanto infantil, sentimento de vingança.(9) Damesma maneira como não se admite uma penade caráter perpétuo, ressoa desassisado tama-nha distensão cronológica do jus puniendi .(10)

Por outra volta, o indefinido alongamento dacondição de investigado marginaliza o sujeito(e os seus), que amarga uma espécie de capitisdeminutio.

É verdade que, em diplomas internacio-nais, dos quais signatário o Estado brasileiro,há a previsão da imprescritibilidade paracrimes de guerra e contra a humanidade.Todavia, não parecem convencer as respec-tivas motivações. Na Convenção sobre aImprescritibilidade dos Crimes de Guerrae dos Crimes Contra a Humanidade, de1968, apontou-se que a providência deveriaencorajar a confiança, estimular a cooperaçãoentre os povos e favorecer a paz e a segurançainternacionais. Recentemente, as autoridadesbrasileiras debateram sobre a punibilidade deCesare Battisti. Tratava-se de fatos ocorridos

Intervenção

cirúrgica que é, o

Direito Penal somente

pode ser manejado

quando necessário.

Nem antes do devido,

para não ferir o

princípio do fato,

nem depois, para não

perturbar, novamente,o ambiente que,

após tanto tempo,

de uma forma ou

de outra, retomou

seu caminho.

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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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nos longínquos anos 70, culminando-se emagudo estremecimento entre as nações. Istoporque, distanciando-se tanto tempo dosacontecimentos, mumificados pela impres-critibilidade, é natural que a respectiva com-preensão jurídica não fosse unívoca (tantoentre os Poderes do Estado brasileiro quantoentre este e o italiano). Assim, percebe-se quea imprescritibilidade conduziu, na espécie,ao distanciamento dos propalados ideais deconfiança , paz e segurança internacionais .

Infelizmente, o STF não tem manifestadoa mesma preocupação externada neste traba-lho. Tanto assim, que vê, com naturalidade,não só os casos de imprescritibilidade penalpresentes na CF, como tantos outros quepossam vir a lume por meio da legislaçãoordinária.(11) 

De onde menos se esperava, também,nota-se apoio à manutenção sine die  de per-secuções penais nos crimes contra a humani-

dade. Com a devida vênia, e imbuído de puroespírito científico, destaco que o editorialdeste Boletim, em fev./10, inusitadamente,em nome do “Direito à Verdade ”, afastou-sede seu tradicional viés minimalista. Ao cuidardo alcance da anistia política de 1979, foiempregado o labelling  ao tratar dos militaresque, em tese, seriam autores de megadelitos ,tachando-os da seguinte maneira: “dos que,vazios de escrúpulos ”, “algozes ”, “hordas de vio-ladores ”, “usurpadores ”. E, pior, foi defendidoo que sempre se criticou, afirmando que étempo de o Direito Penal “demonstrar que suasanha sancionatória não está formatada apenasaos socialmente excluídos, mas, igualmentee, talvez, sobretudo, a tiranos e àqueles que patrocinaram de qualquer modo a tirania ”. (12)

Ora, a sanha sancionatória sequer deveriaexistir. Dentre as hipóteses que a CF tratacomo imprescritíveis está o crime de racismo,que encerra, essencialmente, preconceito, doqual devemos sempre procurar nos afastar.

Intervenção cirúrgica que é, o DireitoPenal somente pode ser manejado quandonecessário. Nem antes do devido, para nãoferir o princípio do fato, nem depois, paranão perturbar, novamente, o ambiente que,

após tanto tempo, de uma forma ou de outra,retomou seu caminho.Em suma, em prestígio aos valores supe-

riores da segurança jurídica (13) e, sobretudo,da dignidade da pessoa humana, não é viável,num Estado Democrático de Direito, se falarem imprescritibilidade penal – seja pelo re-conhecimento de sua inconstitucionalidade,ou, mesmo, de sua insubsistência. Vincula-se,assim, à consolidação de um evolver socialmarcado pela solidariedade, e, não, pelaobstinada manutenção de concidadãos comoinimigos, como sabiamente aduziu Sepúlve-da Pertence sobre a Anistia de 1979: “Nem

a repulsa que nos merece a tortura, impedereconhecer que toda a amplitude que for em- prestada ao esquecimento penal desse períodonegro de nossa História poderá contribuir parao desarmamento geral, desejável como passoadiante no caminho da democracia ”.(14)

NOTAS

(1) ADI-4097 AgR, rel. Min. Cezar Peluso, j.08.10.2008, DJe-211, 07.11.2008. Na doutrina,como consta do aresto, seguem o mesmo trilho:Jorge Miranda, Gilmar Mendes, Marcelo Neves eClèmerson Clève.

(2) RE 466343, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, j.03.12.2008, DJe-104, 05.06.2009. Em tal acórdão,laborou-se com a existência de tratados internacio-nais com disciplina oposta à norma constitucionalquestionada. Por mais que tal argumento não seamolde ao tema em testilha, colho, ao menos, umafissura na parede dogmática postada no horizonte.

(3) PASSOS, Thaís B. O.; PESSANHA, Vanessa V.  Normas constitucionais inconstitucionais? A teoriade Otto Bachof. In: XVII Encontro Preparatório para oCongresso Nacional do CONPEDI . Salvador: 2008,

v. XVII, p. 3760.(4) Conferir: SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões dadignidade humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível . Revis-ta Brasileira de Direito Constitucional , n. 9, jan./jun.2007, p. 383-384.

(5)  Normas constitucionais inconstitucionais? Trad.José M. M. Cardoso da Costa. Coimbra: AtlântidaEd., 1977, p. 1-2.

(6) Op. cit., p. 30-31 e 70-71.(7)  Prescrição da ação penal . São Paulo: Saraiva, 1998,

p. 25.(8) Janaína Paschoal ensina: “O termo solidariedade

 ganha uma pene tração ante s não imag inável.(...) Jorge Efraín Monterroso Salvatierra , frente à complexidade da vida moderna, entende que a solidariedade deixa de ser uma questão religiosa

e passa a ser um instrumento para assegurar interesses essenciais da sociedade” ( Ingerência indevida: os crimes comissivos por omissão e ocontrole pela punição do não fazer. Porto Alegre:Sergio Fabris, 2011, p. 68-69).

(9) Nessa linha, em desprezo à técnica penal, os ten- táculos punitivos têm sido lançados, por exemplo,com a daninha interpretação de que, no estelionatoprevidenciário, perpetrado em concurso de agentes,o crime do procurador, que requer o benefício, é ins- tantâneo de efeitos permanentes e o do beneficiárioé permanente: HC 104880, rel. Min. Ayres Britto, 2ªT., j. 14.9.2010, DJe-200, 22.10.2010. Tal exegesevolta-se a estender o lapso prescricional, servindo--se da regra do art. 111, III, do Código Penal, emprejuízo à teoria monista do concurso de agentes.

(10) Nesse sentido: FERREIRA FILHO, Manoel G. Cursode direito constitucional . 35. ed. São Paulo: Saraiva,2009, p. 308; MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 163;TRIPPO, Mara Regina.  Imprescritibilidade penal .São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 133;DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal português – parte geral. Coimbra: Coimbra Ed., 2005, v. II, p.704. Em sentido contrário: SANTOS, ChristianoJorge.  Prescrição penal e imprescritibilidade. Riode Janeiro: Elsevier, 2010, p. 180-181.

(11) RE 460971, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., j.13.2.2007, DJ 30.3.2007, p. 76.

(12) Direito à verdade. Bol. IBCCRIM , n. 207, p. 02.Sobre o tema, escreveu Ramiro García  Falconí  que “ La CorteIDH estabelece que son inadmisibles las disposiciones de amnistía, las disposicionesde prescripción y establecimiento de excluyentesde responsabilidad que pretendan impedir la

 investigación y sanción de los responsables de las vio laciones graves de los derechos humanostales como la tor tura, las ejecuciones sumarias,extralegales o arbitrarias y las desapariciones forzadas, todas ellas prohibidas por contraveni rderechos inderogables reconocidos por el Derecho Internacional de los Derechos Humanos” (¿Sonobligatorias para los jueces nacionales las decicio- nes de los Tribunales Internacionales de Protecciónde Derechos Humanos y en específico de la Corte Interamer icana de Derechos Humanos? In: Temas fundamentales de Derecho Procesal Penal . FAL-CONÍ, Ramiro García ; AMBOS, Kai[org.]. Quito:Cevallos. t. I, p. 85). Tal compreensão parece-mederivada de uma jurisprudência internacional dosdireitos humanos que, ao fim e ao cabo, agigantouo poder punitivo, que, ao ser legitimado, conduziuo discurso à armadilha epistemológica assina-lada por Zaffaroni  e Nilo Batista. Tais autoresacentuaram que “o poder punitivo sempre limita aliberdade e, ao legitimá-lo, não se faz outra coisasenão semear o germe da destruição dos limitesque traça. Eis a grande contradição do liberalismo penal fundacional, que propiciou a brecha por onde penetrou todo o autoritarismo penal que o demoliu nos últimos cento e cinqüenta anos. Essa histór iaensina que a legitimação do poder punitivo é sem-

 pre metastática” ( Direito Penal brasileiro. 2. ed. Riode Janeiro: Revan, 2003, p. 520).

(13) O próprio Bachof aduz que sua preleção levaria aalguma insegurança. A propósito, Roxin lembra amaneira pela qual, após a unificação da Alemanha,a jurisprudência orientou-se no sentido de permitira punição dos guardas atiradores, em que pese aexistência, na República Democrática, da Lei deFronteiras, que autorizava o emprego de arma defogo, justificando-se até mesmo o homicídio dolo-so. Tal deu-se empregando a doutrina de Bachof,a meu sentir, equivocadamente, flexibilizando-se oprincípio da legalidade (na dimensão da anteriori-dade) em nome da proteção dos direitos humanos( Derecho Penal: parte general . Trad. Diego-ManuelLuzón Peña, et al. 2. ed. Madrid: Civitas. t. I, p. 162-163). Lembre-se, a propósito, com Kai Ambos: “ De

 acuerdo a la op inión de la mayoría de la doctrina la inobservancia de la Ley de Fronteras representauna violación del Art. 103 II GG. La interpretacióndel § 27 de la Ley de Fronteras, conforme con los derechos humanos, viola la prohibición de retroactividad, ya que representa una posterior revalorización de la situación juríd ica real; conello contradice el sentido jurídico dominante en el momento de la ejecución del hecho y por esto no pude haber sido previsto por los autores de aquellaépoca. Pero la prohibición de la retroactividad exi- ge, precisamente, parti r del  ‘pervertido’ derechode la RDA y tomar hoy también este derecho como base, tal como fue realmente entendido y aplica-do. (...) Sin duda, tales reflexiones posteriores respecto a la punibilidad o bien la impunibil idad,de todos modos, no puedem ser decisivas dado

el significado fundamental de la prohibición de retroactiv idad como derecho de protección com- parable con los derechos fundamentales” ( Acercade la antijuridicidad de los disparos mortales enel muro. In: Revista de la Asociación Española deCiencias Penales, v. 4, 2001-2002, p. 160-161). Oautor assinala exatamente a preocupação que fezvicejar o presente estudo, a utilização desmesuradado Direito Penal, da sanha sancionatória, em nomeda tutela dos direitos humanos.

(14) Citação constante do voto do relator, Min. ErosGrau, na ADPF 153, Pleno, j. 29.4.2010, DJe-145,06.08.2010.

Mohamad Ale Hasan MahmoudDoutor e mestre em Direito Penal pela USP.Professor do curso de Mestrado do IDP/DF.

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A(IN)APLICABILIDADEDAPRESCRIÇÃONOPROCESSO

SOCIOEDUCATIVO

 A (IN)APLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO NO PROCESSO SOCIOEDUCATIVOGiancarlo Silkunas Vay 

 A discussão sobre a (in)aplicabilidade doinstituto da prescrição no processo socioedu-cativo ainda é de suma importância dado oconflituoso impasse que existe na doutrina e

 jurisprudência a este respeito – o qual a Sú-mula 338 do STJ não conseguiu sepultar – oque acarreta insuperável insegurança jurídica.Tal divergência é, mormente, motivada pelainterpretação que o operador do Direito fazdos fins do processo socioeducativo e dasmedidas socioeducativas, bem como pelasuposta lacuna legislativa que preveja estapossibilidade, o que ora merece estudo.

Em linhas gerais, os jurisconsultos queentendem pela sua inaplicabilidade pautamsua premissa em uma tríade: I - o processosocioeducativo presta-se a verificar se o ado-lescente possui um déficit socioeducativo, o

qual se denotaria com a prática de um atoinfracional; II - a medida socioeducativa,diferentemente da pena, não possui caráterpunitivo/retributivo, (1) mas tão só educativo,tendo por escopo suprir o déficit socioedu-cativo que o adolescente denotou possuir,razão pela qual não caberia estabelecer limitesobjetivos impeditivos para intervenção Esta-tal, uma vez que a medida tratar-se-ia de umdireito subjetivo do adolescente(2) em razãoda proposta de proteção integral;(3) III - nahipótese de o juiz perceber que, no caso emconcreto, o adolescente não mais possua dé-ficit socioeducativo a ser sanado, o processo

deve ser por ele extinto sem julgamento demérito pela perda do objeto socioeducativo,(4) ou pela falta de interesse de agir,(5) ou, ainda,deve o juiz utilizar-se do instituto da remis-são,(6) razão pela qual a prescrição, além deindevida nesta seara, seria prescindível parasolucionar os problemas a que ela se destinaa resolver.

Ocorre que tal raciocínio atualmente seencontra superado, uma vez que pertinenteà ultrapassada doutrina da situação irregular ,própria da etapa tutelar  que compreendeuos Códigos de Mello Mattos (1929) e deMenores (1979) e que teve como principais

influências os ideais norte-americanos doMovimento dos Reformadores (Chicago,Ilinóis, EUA)(7) e da Escola Correcionalista.Segundo esta Escola, o autor de um crimenão o praticava por ser essencialmente mau,mas sim por ser um doente, portador de uma patologia de desvio social , um ser débil e dignode pena que, diferentemente dos demais, nãoconseguiria se manter de acordo com os dita-mes sociais(8) – não haveria responsabilidadepenal, mas um direito em ser melhoradopara que se tornasse útil à sociedade.(9) Nestaperspectiva, o exercício do jus puniendi nãosurgiria como um direito do Estado, mascomo um direito do delinquente a ser punido

e submetido aos efeitos da pena, a fim de sever corrigido de sua debilidade . Para tanto, apena deveria ser fixada na medida exata parasanar a causa que deu origem a este desvio

social, tratando-se de umverdadeiro remédio social (10) que, por tal razão, não deveriaser dotada de cunho puniti-vo, havendo de durar apenaso tempo que se mostrassenecessária para a correção dosujeito. Ao magistrado, porsua vez, cumpriria o papel demédico social ,(11)  responsávelpor afastar o delinquente dascausas que o impeliram a pra-ticar o crime, fortalecendo-opara que pudesse e soubesse

resistir às circunstâncias no-civas que pudessem impeli--lo novamente a incorrer emuma conduta delituosa. Paratal ofício, não poderia estaro médico social   adstrito a li-mites, sequer ao princípio dalegalidade, uma vez que istopoderia engessar a atividade jurisdicional, impedindo asfinalidades curativas a que a pena se prestaria.

Exatamente neste raciocínio, pautaram-seas legislações menoristas  brasileiras nos seguin-tes conceitos: I - o menor  como um ser inferior,

digno de piedade, merecedor de uma posturaassistencial, como se não fosse um ser comcaracterísticas próprias de personalidade;(12) II - as medidas especiais como possuidorasde finalidades correcionais, aplicáveis aosmenores   que se encontrassem em situaçãoirregular , compreendendo desta forma ospobres, as vítimas de maus tratos, os sujeitosa ambientes contrários aos bons costumes, osprivados de assistência ou representação legal,os portadores de desvio de conduta e os auto-res de atos infracionais;(13) III - o Estado-juizcomo o detentor de poderes quase irrestritos aquem incumbia o papel de aplicar as medidas

especiais conforme o seu prudente arbítrio,sob o escopo de melhor tutelar os interessesdo menor, tal qual substituto da autoridadepaterna.(14) Sobre este sistema, Emilio GarcíaMéndez(15) elaborou coerente crítica ao aduzirque as maiores atrocidades contra a infânciaforam cometidas muito mais em nome doamor e da compaixão do que em nome daprópria repressão. Isto porque em nome doamor não há limites, mas para a Justiça sim.Por isso, nada contra o amor quando o mesmose apresenta como um complemento à Justiça,mas ao contrário, tudo contra o “amor” quan-do se apresenta como um substituto cínico ouingênuo da Justiça.

Exatamente visando coibir a irrestrita in-tervenção do Estado na esfera de liberdade dosadolescentes que a comunidade internacionalrompeu com esta etapa  e adotou uma nova

concepção: a etapa garantista (16)

que descartava o paradigma daSituação Irregular  para adotaro que se convencionou chamarpor Doutrina da Proteção Inte- gral que, nos dizeres de KathiaRegina Martin-Chenut , foiconcebida no cenário inter-nacional (DUDH, PIDCP,PIDESC, CIDC) como pro-teção dos direitos da criança(e não da  criança em si, o quepoderia redundar no mesmodiscurso falacioso da Dou-

trina da Situação Irregular ),visando sua integral efetivação,rompendo-se com o enfoqueexistente até então. “ A ideiade proteção continua existindo,mas a criança abandona o sim- ples papel passivo para assumirum papel ativo e transformar-senum sujeito de direito.”(17) Emnosso ordenamento jurídico

interno podemos citar a CF/88, o ECA e oDecreto 99.710/90 (CIDC) como diplomascruciais para a implementação desta etapa  noBrasil. Tal mudança de paradigma primou por

tratar o adolescente sob um sistema de garan-tias, criando um sistema de responsabilizaçãoem que, diante da comprovação da prática deum ato infracional (princípio da legalidade),realizada perante um processo justo,(18) seriacabível a aplicação de medida socioeducativaproporcional à gravidade do ato praticado(cunho retributivo),(19) em atenção à capacida-de do adolescente em cumpri-la (art. 112, § 1ºdo ECA), muito embora sua execução devessebuscar um fim eminentemente educativo.

Desta forma, passou a não haver maisespaço em nosso ordenamento jurídico paraos argumentos ideológicos inicialmente men-

cionados, ao que se rebate da seguinte forma:I - o adolescente é sujeito de direitos e não umser débil portador de patologia de desvio social(“déficit socioeducativo”), ao que o simplescometimento de conduta descrita como crimepudesse incorporar a sua personalidade umestigma que justificasse a aplicação de medidasocioeducativa, em nítida responsabilização dedireito penal do autor; II - a medida socioedu-cativa é sanção à violação de um dever genéricode abstenção da prática de atos definidos nalei como crimes ou contravenções e não umremédio social que sirva de panaceia para todosos males do adolescente. Ademais, segundoNiklas Luhmann, o Direito é comunicação,

O ECA, em

contraposição ao

subjetivismo, é

garantista, não tendo

pretendido eliminar

 tão somente as más

práticas autoritárias,

mas também as

boas, exatamente

porque, para as boasintenções, parece não

haver limites, e os

adolescentes precisam

ser salvos da bondade

dos bons.

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IBCCRIM APOIA LANÇAMENTO DE FILME PREMIADOO Documentário longa-metragem “Leite e Ferro”, dirigido por Cláudia Priscilla e produzido por Kiko Goifman, tem estréia nacional no dia 25 denovembro no circuito Unibanco de Cinema. Premiado como melhor documentário e melhor direção no Festival de Paulínia, o filme registra comdelicadeza a maternidade na prisão, e tem como cenário o Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP) que abrigava mulheresem fase de aleitamento. Saiba mais no Portal IBCCRIM.

logo, condutas reprováveis devem recebersanções reprováveis a fim de comunicar àsociedade que tais condutas assim as são.Entender de forma contrária, de que se aplicauma sanção positiva a uma infração à norma, écomunicar que tal conduta é desejável, o quesubverteria em totalmente a lógica do sistema.Como se não bastasse, se de fato a medida

socioeducativa fosse uma coisa boa, à qual oadolescente teria por direito, ela de modo al-gum seria aplicável em correspondência lógicaà prática de uma conduta lesiva a bem jurídicoalheio, mas, ao contrário, haveria filas nas por-tas das Fundações CASA para que o Estado,por benevolência, pudesse reservar uma vagapara todos os filhos da elite intelectual brasi-leira; III - o juiz não deve se confundir com aposição de pai do adolescente, ou de médicosocial, a quem incumbe poderes irrestritos dedecidir encerrar, ou de estender (tal qual adistanásia), um processo fadado a ser extintoem decorrência da perda de sua razão de ser.

O ECA, em contraposição ao subjetivismo,é garantista, não tendo pretendido eliminartão somente as más práticas autoritárias, mastambém as boas, exatamente porque, para asboas intenções, parece não haver limites, e osadolescentes precisam ser salvos da bondadedos bons .

Superada a questão ideológica, cumprerebater o argumento de que a prescrição noprocesso socioeducativo seria inviável emrazão da ausência de previsão legal para tanto.De fato, o ECA não prevê expressamente apossibilidade da aplicação da prescrição aoprocesso socioeducativo, o que inclusive seria

salutar para colocar uma pá de cal na referidacontrovérsia, ao que se pode destacar a pre-sença de uma lacuna na lei. Todavia, é regrabasilar da hermenêutica que toda e qualquerlei não pode ser analisada isoladamente,senão no contexto em que se encontra e emconsonância com o ordenamento jurídico doqual faz parte. A Constituição Federal traz emseu cerne o princípio da dignidade da pessoahumana, o direito à duração razoável doprocesso e o princípio do respeito à condiçãopeculiar de pessoa em desenvolvimento, osquais não se coadunam com a mora exacer-bada do Estado em aplicar sua sanção socioe-

ducativa (ou em executá-la), o que impactaria

desnecessário sofrimento ao adolescente e aoseu seio social, ao não saber se  e quando algu-ma sanção ser-lhe-ia aplicada. Por tal razão,tal qual em qualquer outro ramo do Direito,por regra, a prescrição também encontrasua razão de ser no processo socioeducativo,sendo, assim, imperativo que o intérprete, nocaso em concreto, supra a lacuna legislativa

do ECA por meio das consagradas técnicasde integração das normas para que se adequeao sistema constitucional.

Para tanto, necessário faz-se o emprego doscostumes internacionais (soft law ), conformeo disposto no item 54 das Diretrizes de Riad:“todo ato que não seja considerado um delito,nem seja punido quando cometido por umadulto, também não deverá ser considerado umdelito, nem ser objeto de punição quando forcometido por um jovem”,(20)  lembrando queo Brasil faz parte da ONU e, portanto, temo dever moral de respeitar suas resoluções.Como outra opção integrativa, ainda se po-

deria utilizar dos costumes jurisprudenciais,no que concerne à Súmula 338 do STJ queexpressamente dispõe o posicionamentoreiterado deste Superior Tribunal de que“ A prescrição penal é aplicável nas medidassócio-educativas ”. Por derradeiro, ainda podeutilizar o interprete da analogia in bonam partem para integrar a norma, com a apli-cação ao sistema socioeducativo das regrasprescricionais aplicáveis ao Direito Penal. Talpossibilidade de analogia encontra agasalhoinclusive no Direito Penal, motivo pelo qual,com maior razão, no processo socioeducativodeva ser aproveitada, uma vez que se trata de

mais um limite à indevida interferência esta-tal na esfera de liberdade do indivíduo, emhomenagem à proteção integral dos direitose garantias do adolescente e ao princípio daintervenção mínima, agora expressamenteprevisto no art. 100, parágrafo único, VII,do ECA.

NOTAS

(1) Por todos, neste sentido: TJSP, Câmara Especial, Ap.Civ. 175.333-0/2-00, rel. Des. Moreira de Carvalho,j. 08.06.2009.

(2) DEL-CAMPO , Eduardo Roberto Alcântara; OLI-VEIRA, Thales Cezar.  Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2009.

(3) DIGIÁCOMO, apud MORAES e RAMOS, In: MACIEL,Kátia Regina F. L. A. Curso de Direto da Criança e

do Adolescente - aspectos teóricos e práticos. Riode Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006.

(4) Idem. Por todos, neste sentido: TJSP, Câmara Es-pecial, Ap. Civ. 174.357.0/4-00, rel. Des. Luiz EliasTambara, j. 19.10.2009.

(5) VIANNA, apud MORAES e RAMOS, In: MACIEL, KátiaRegina F. L. A. Curso... cit. Por todos, neste sentido:TJSP, Câmara Especial, Ap. Civ. 173.383.0/5-00, rel.Des. Maria Olivia Alves, j. 02.03.2009.

(6) OLIVEIRA, Rafaela Castellões de. Da não aplicaçãoda prescrição às medidas socioeducativas, 2010,artigo disponível no site: http://www.ibccrim.org.br.

(7) SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de Garantiase o Direito Penal Juvenil . São Paulo, Ed. ST, 2008.

(8) Por todos: DORADO MONTERO, Pedro. Bases paraun nuevo Derecho Penal.Ediciones Depalma BuenosAires, 1973.

(9) SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, HumbertoBarrionuevo. Introdução ao Direito Penal: crimino- logia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2010.

(10) DORADO MONTERO, Pedro. Bases... cit.(11) Idem.(12) SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema... cit.(13) Art. 2º do Código de Menores de 1979.(14) VERONESE , Josiane Rose Petry. Temas de direito

da criança e do adolescente. São Paulo: Editora LTr,1997.

(15) Evolución Historica del Derecho de la Infancia: ¿Porqué una historia de los derechos de la infancia? ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA  (orgs.).  Justiça, Adolescente e Ato Infrac ional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.

(16) SHECAIRA, Sergio Salomão. Sistema... cit.(17) Adolescentes em Conflito com a Lei: o modelo de

 intervenção preconizado pelo direito internacionaldos direitos humanos. Artigo integrante da Revista doILANUD , n. 24, Textos Reunidos. São Paulo: ImprensaOficial, 2003.

(18) NEWTON, Eduardo Januário. O Processo Justo e o Ato Infracional: um encontro a acontecer . Revista daDefensoria Pública: Edição especial temática sobreinfância e juventude. São Paulo: Escola da DefensoriaPública do Estado, 2010.

(19) Por todos: SPONTON, Leila Rocha.  Presc rição

das Ações Socioeducativas. Revista da Defensoria Pública...  cit.; ZAPATA ,  Fabiana Botelho.  Interna-ção: Medida Socioeducativa? Reflexões Sobre aSocioeducação Associada à Privação de Liberdade. Revista da Defensoria Pública... cit.; SARAIVA , JoãoBatista Costa . Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional . 3. ed. Porto Alegre,Livraria do Advogado Editora, 2006.

(20) Resolução 45/112 da Assembléia Geral das NaçõesUnidas, adotada em novembro de 1990.

Giancarlo Silkunas VayBacharel pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Professor tutor de Penal e ProcessoPenal no Complexo Educacional Damásio de Jesus.

Advogado criminal e na área infracional

da infância e juventude.

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AINDAEXISTELIBERDADEPROVISÓRIANOPROCESSO

PENALBRASILEIRO?

 AINDA EXISTE LIBERDADE PROVISÓRIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO? Alexis Couto de Brito

Com a nova redação do Código de Pro-cesso Penal, promovida pela Lei 12.403/11,a Universidade Presbiteriana Mackenzie,por meio de seu Chefe de Núcleo temático,

Marco Antonio Ferreira Lima,  promoveuuma mesa de debates(1) com a presença deilustres processualistas, dentre eles o brilhanteProfessorPedro Aurélio Maríngolo, que, emsua fala, nos provocou uma reflexão: aindapoderíamos falar em liberdade “provisória”?De há muito tenho defendido que, a partirde 1988, não mais poderíamos falar de pri-são e liberdade provisória, mas sim de prisão provisória e liberdade , porquanto esta passoua ser a regra, e aquela, a exceção.Com a alte-ração legal, o texto deve ser interpretado nestesentido, pelos motivos que passamos a expor.

O art. 310 do Código de Processo Penal atu-

almente determina que o juiz, ao receber o autode prisão em flagrante, se manifeste da seguinteforma: 1) relaxe a prisão ilegal; 2) converta aprisão em flagrante legal em preventiva, desdeque atendidos os requisitos dos arts. 312 e 313;e 3) conceda a liberdade provisória.

No terceiro caso – concessão de liberdadeprovisória – parece-nos que o legislador nãose atentou para o novo regime de prisão e li-berdade que ele mesmo instituiu. A liberdadeprovisória sempre foi um instituto relacio-nado com o status  de prisão que o acusadoadquiria em face do antigo regime autoritárioda redação anterior do Código de Processo

Penal. Antes da Constituição Federal de 1988e principalmente na vigência do Código deProcesso Penal anterior, a regra era a prisão ea liberdade era provisória. Era este – e conti-nua erroneamente sendo – inclusive o nomedo Título IX do Livro I do CPP: “Da prisãoe da liberdade provisória”, que atualmenteapenas acrescentou as “medidas cautelares”.Basta lembrarmos que a liberdade provisóriaera concedida nas prisões em flagrante, naprisão derivada da sentença condenatóriarecorrível e na prisão decorrente da decisãode pronúncia. As duas últimas passaram a serinconstitucionais a partir da Carta de 1988,

pois não haveria mais prisões decorrentessimplesmente do texto da lei, mas apenas asque partissem de decisão fundamentada daautoridade competente: o delegado de políciana prisão em flagrante e do juiz na preventivaou temporária (art. 5º, LXI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordemescrita e fundamentada de autoridade judi-ciária competente ”). As prisões decorrentesdiretamente de ordem legal – por sentençarecorrível e por decisão de pronúncia – foramexpressamente revogadas, restando apenas aprisão em flagrante.

Liberdade provisória e prisão preventivasempre foram incompatíveis, pois, não

persistindo mais os motivos da preventiva,esta deveria ser revogada, e não concedidaa liberdade provisória. Renovando-se osmotivos, e cada qual com seu próprio funda-

mento, nova prisão preventivadeveria ser decretada. Assim, aúnica hipótese de conceder-seuma liberdade provisória até aalteração promovida pela Lei12.403/11 – e, com defende-mos, após 1988 – estaria ligadaà prisão em flagrante, e estaliberdade poderia ser com ousem fiança. Descumpridas ascondições, a liberdade – queera provisória por causa daprisão anterior – seria resta-belecida. Mas o novo regime

transformou a fiança, queantes era a garantia pecuniáriada liberdade provisória, emmedida cautelar alternativa àprisão preventiva. Isto obri-gatoriamente significa queembora haja uma necessidadede prevenção ou cautelaridade,obviamente tal cautelaridadenão possui força suficientepara justificar uma prisão. A fiança agorapoderá ser decretada “ para assegurar o compa-recimento a atos do processo, evitar a obstruçãodo seu andamento ou em caso de resistência

injustificada à ordem judicial ” (art. 319, VIII).Como o art. 310 da Lei obriga o juiz aconverter a prisão em flagrante em prisão pre-ventiva, consolida-se o entendimento de que aprisão em flagrante também não subsistirá nafase processual, bem como que seu motivo éapenas o de pré-cautelaridade, uma preparaçãopara eventual cautelaridade posterior que deveser fundamentada pelo juiz com base nos arts.312 e 313. Assim, não haveria mais como sefalar em liberdade provisória.

Entendimento contrário poderia gerarum regresso ao regime anterior de prisãodecretada “de ofício” pelo texto legal: bastaria

o simples quebramento da fiança para que aprisão preventiva fosse decretada, pois nãohaveria outra prisão a ser restabelecida peloquebramento, já que o flagrante perde suaforça na fase processual. A única prisão a serconcretizada seria a preventiva. E tal enten-dimento conduziria a outra consequênciapior. Imagine-se que se o acusado descum-prisse qualquer outra medida cautelar, o juizigualmente poderia simplesmente convertera medida cautelar aplicada em prisão preven-tiva. É fácil reconhecer que esta não foi a in-tenção legal e nem é o sistema constitucionalvigente, que exige, como dissemos, que todaprisão deva ser fundamentada na prevenção

de atos futuros demonstrada perante o casoconcreto. Pensemos no exemplo de alguémque descumpre a cautelar de se aproximarde outra pessoa, mas que em nada compro-

mete a apuração da prova, oude quem, impedido de sairdo país, o faz, mas retornalogo em seguida não dandoindícios de que se furtará àaplicação da lei penal.

 A corroborar o entendi-mento esposado, o próprio §4º do art. 282 do CPP rezaque, no “caso de descumpri-mento de qualquer das obriga-ções impostas, o juiz, de ofícioou mediante requerimentodo Ministério Público, de seu

assistente ou do querelante,poderá substituir a medida,impor outra em cumulação,ou, em último caso,  decretara prisão preventiva (art. 312, parágrafo úni co)”. Destaca-mos a faculdade que remeteà obrigatória fundamentaçãoe ao fato de que a próprialei exige uma decretação da

prisão, demonstrando que a anterior foi re-vogada ou trocada por uma cautelar diversa.No mesmo sentido, é a redação do § 5º, quepermite ao juiz “revogar a medida cautelar ou

substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá--la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.

Portanto, retornando à pergunta inicial:haveria ainda a liberdade provisória? A ri-gor somente poderíamos falar de liberdadeprovisória nas situações de flagrante, e pelocurto período de 24 horas dado pela Lei paraque o juiz adote as providências do art. 310.Mas, ainda assim, não pela força jurídicaque sempre se emprestou a este instituto deliberdade precária diante da força evidente desua prisão, mas sim pela situação real de que oacusado preso em flagrante poderá ter contra

si nova prisão decretada, e o provisório daliberdade, na verdade, iguala-se à brevidadedo intervalo no qual ficou livre do cárcere.

NOTAS

(1) Evento realizado no dia 28 de maio do corrente ano.

Alexis Couto de BritoDoutor em Direito Penal pela Faculdade de

Direito da USP.Mestre em Direito Penal pela PUC/SP.

Professor de Direito Penal, Processual Penale Execução Penal da Universidade

Presbiteriana Mackenzie – São Paulo.

De há muito tenho

defendido que, a

partir de 1988, não

mais poderíamos

falar de prisão e

liberdade provisória,

mas sim de prisão

provisória e liberdade,

porquanto esta

passou a ser a regra,e aquela, a exceção.

Com a alteração

legal, o texto deve

ser interpretado

neste sentido

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Nesse sentido,

considera-se

“lógico e apropriado”

que as expressões

concernentes a

funcionários

públicos ou a

pessoas que

exerçam funções

de natureza pública

gozem de uma

margem de abertura

a um debate amplo

e crítico acerca

de sua atuação

LIBERDADEDEEXPRESSÃO

 SAVESSAS: ESTNDARE

SINTERAMERICANOSEAAMEA

APENAL CRÍTICA...

LIBERDADE DE EXPRESSÃO ÀS AVESSAS:ESTÂ NDARES INTERAMERICANOS E A AMEAÇA PENAL ÀCRÍTICA DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIROEduardo Pitrez de Aguiar Corrêa

 A tradição autoritária do Direito Penal

brasileiro é constrangedoramente exposta,reiteradamente, a cada olhar que sobre oordenamento – e a jurisprudência – se dêdesde uma perspectiva constitucionalmenteconforme ou de acordo com o direito inter-nacional dos direitos humanos. Já vintenáriaa Constituição, teve o Supremo TribunalFederal de declarar, não sem a oposição decertas instituições públicas e grupos conser-vadores, que os cidadãos poderiam debaterpublicamente o tema da criminalização dedrogas sem o risco de sanção penal. O vezoautoritário se desvela outra vez na confron-tação dos estândares interamericanos – e

internacionais – em tema de liberdade deexpressão, e a criminalização específica oumajorada, em terrae brasilis , de discursos quemereceriam, ao oposto, especial proteção.

Como se sabe, a Convenção Americanade Direitos Humanos consagra a liberdadede expressão, em seu art. 13, como um di-reito humano que, expressão de sua impor-tância, é considerada em seu sistema comofundamental.(1) De há muito se objeta, emnível interamericano, a compatibilidade das“leis de desacato” – concebidas como as quepenalizam a expressão ofensiva dirigida aosfuncionários públicos – com o princípio

da igualdade num Estado Democrático deDireito,(2) na medida em que outorgam aosfuncionários públicos proteção não extensí-vel aos demais (con)cidadãos.

Mais do que com a igualdade, todavia, sãoinequívocos os estândares interamericanosem fazer ver a desconformidade de certasfiguras do Direito brasileiro, como o delitode desacato (art. 331, CP) e a majoração daameaça penal à ofensa de funcionários públi-cos (art.141, incs. I e II, CP), com o núcleoessencial da liberdade de expressão, tal qualcomo concebida no Pacto de San José.

Nesse sentido, já a “Declaração de Prin-

cípios sobre Liberdade de Expressão”, daOrganização dos Estados Americanos, esta-belece (art.11) que “os funcionários públicosestão sujeitos a um maior escrutínio por parteda sociedade. As leis que penalizam a expres-são ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’,atentam contra a liberdade de expressão e odireito à informação”.

 A Comissão Interamericana de DireitosHumanos, por sua vez, expressa repúdio àproteção diferenciada da figura dos funcio-nários do Estado, a qual se dá, em regra,sob a retórica de sua necessidade (i) paraque possam desempenhar suas funções com

liberdade e harmonia, bem como (ii) para

assegurar a ordem pública e o funciona-mento dos órgãos públicos, considerando opotencial desestabilizador das manifestaçõescontra eles dirigidas.(3)

Uma primeira e fundamen-tal compreensão pressupostano modelo interamericanoé a de que os funcionáriospúblicos são, na relação como cidadão, o Estado. A segun-da – e não menos essencialcompreensão – é a de quenuma sociedade democráticaa relação dos cidadãos com o

Estado – portanto, com seusfuncionários de qualquernatureza – é uma relaçãode controle, que tem umaespecial  função crítica . “Se seconsidera que os funcionários públicos que atuam em caráteroficial são, para todos os efeitos,o governo, é então precisamenteo direito dos indivíduos e dacidadania criticar e escrutar asações e atitudes desses funcioná-rios no que diz respeito com a função pública .”(4)

E esse tipo de relação, estruturante de umEstado Democrático de Direito tanto quan-to a liberdade de expressão, dá lugar a umtipo de manifestação que inevitavelmentegera discursos críticos e inclusive ofensivospara quem ocupa cargos públicos, de modoque uma lei que ameace específica ou maisseveramente o discurso que se considereofensivo da administração pública, na pessoado indivíduo que a representa, afeta o núcleoessencial da liberdade de expressão.(5)

Isso conduz a que, na jurisprudência inte-ramericana, tendo em vista “sua importância para o exercício dos demais direitos humanos ou

 para a consolidação, funcionamento e preser-vação da democracia ”,(6) sejam especialmente protegidos  os discursos (i) políticos e sobreassuntos de interesse público, e (ii) o discur-so sobre funcionários públicos no exercíciode suas funções e sobre candidatos a ocuparcargos públicos.(7) De efeito, no contexto da jurisprudência interamericana “existe umamargem muito reduzida para a imposição derestrições a estas formas de expressão”,(8) o queé o extremo oposto de serem esses discursosespecialmente sancionados .

 A ameaça penal que decorre da tipifica-ção diferenciada de delitos contra a honrade funcionários públicos produz um efeito

dissuasório ao exercício da liberdade de ex-

pressão equivalente a uma forma indireta decensura prévia ,(9) que, ao gerar autocensura,possui o mesmo efeito da censura direta, isto

é, “a expressão não circula ”.(10)  A Corte Interamericana

é enfática ao registrar que,numa sociedade democráti-ca, o direito à liberdade deexpressão deve garantir-senão somente quando as ideiasou informações expressas sãoconsideradas inofensivas ouindiferentes, mas tambémquando ofendem, chocam,

inquietam, são ingratas ouperturbam o Estado ou al-gum setor da população.(11) ODireito Internacional estabe-lece que o âmbito de proteçãoà honra de um funcionáriopúblico “deve permitir o maisamplo controle cidadão sobreo exercício de suas funções.Esta proteção de maneira di- ferenciada se explica porque o funcionário público se expõevoluntariamente ao escrutínio

da sociedade, o que o leva a um maior risco

de sofrer afetações a sua honra, assim comotambém pela possibilidade, associada à suacondição, de ter uma maior influência  social e facilidade de acesso aos meios de comunicação para dar explicações ou responder sobre fatosque o envolvam”.(12) Nesse sentido, considera--se “lógico e apropriado” que as expressõesconcernentes a funcionários públicos ou apessoas que exerçam funções de naturezapública gozem de uma margem de aberturaa um debate amplo e crítico acerca de suaatuação, essencial para o funcionamento deum sistema verdadeiramente democrático.(13)

Isso não implica que a honra dos funcio-

nários públicos, no exercício de suas funções,não seja suscetível de proteção no SistemaInteramericano de Direitos Humanos.Como reconhece a Corte Interamericana, aproteção da honra e da reputação de qual-quer pessoa é um fim legítimo de acordocom a Convenção.(14) Contudo, para que aproteção da honra dos servidores estatais seestabeleça pela via penal, impõe-se “especialcautela”, ponderada a “extrema gravidade”da conduta do emissor da opinião, o seudolo, as características do dano causado e“outros dados que ponham em manifesto aabsoluta necessidade de utilizar, de forma ver-dadeiramente excepcional, medidas penais. Em

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todo o momento a carga da prova deve recairsobre quem formula a acusação”.(15)

Do contrário – ou no Brasil – comviolação ao dever geral de adequação dodireito interno (art. 2º da Convenção), oque se estabelece é um regime que sacraliza  instituições ou posições de poder, por in-termédio de uma ameaça penal específica

ou majorada ao discurso dirigido contra oEstado, inibindo a função crítica essencial àposição de titularidade de poder que ocupaa cidadania num Estado Democrático deDireito. Constrange-se, de efeito, a livre ex-pressão do controle e da crítica (res )pública,como com uma espada de Dâmocles, cujo(des)valor é que pende sobre a cabeça, nãoque nela cai.

NOTAS

(1) CIDH.  Informe sobre la compatibilidad entre las leyes de desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Estudios Básicos de DerechosHumanos - Tomo X. San José: IIDH, 2000, p. 323.

(2) PINTO, Monica.  Libertad de expresión y derecho a la información como derechos humanos. Estudios Básicos de derechos humanos. Vol. X. San José:IIDH, 2000, p. 44.

(3) CIDH. Informe sobre la compatibilidad entre las leyesde desacato y la Convención…cit., p. 325.

(4) Idem, p. 333.(5) Cfr. CIDH. Informe sobre la compatibilidad entre las

 leyes de desacato y la Convención… cit., p. 333.(6) Relatoría Especial para la Libertad de Expresión. CIDH.

OEA. Marco jurídico interamericano sobre el derecho a la libertad de expresión. CIDH: 2010, p.11.

(7) Idem , p. 11.(8) Idem , p. 34.(9) Cfr. Ricardo Canese v. Paraguay , §72, “g”.

(10) Cfr. Ricardo Canese v. Paraguay , §72, “g”.(11) Dentre outros, Caso de  “La Última Tentación de

Cristo” (Olmedo Bustos y otros) Vs. Chile (2001),§69; Caso Ríos y otros Vs. Venezuela (2009), §105; Marco jurídico interamericano…cit., p. 10.

(12) Caso Tristán Donoso Vs. Panamá (2009), §122. Cfr.Caso  Kimel Vs. Argentina (2008), § 86.

(13) Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai (2004),  §98 ; Herrera Ulloa Vs. Costa Rica (2004) , §128.

(14) Caso  Kimel Vs. Argentina (2008), § 71.

(15) Caso  Kimel Vs. Argentina (2008), § 78; Caso Tristán Donoso Vs. Panamá (2009), § 120.

Eduardo Pitrez de Aguiar CorrêaProfessor da Universidade Federal do

Rio Grande – FURG.Pesquisador visitante na Corte

Interamericana de Direitos Humanos.Mestrando em Ciências Criminais na PUC/RS.

Advogado.

QUALOFUTURODAPUNIÇ

ÃO?

QUAL O FUTURO DA PUNIÇÃO?Douglas de Barros Ibarra Papa

 A soc iologia da punição, ao conceberas práticas punitivas como um fenômenosocial, tem assumido um relevante papelpara a compreensão dos déficits de legitimi-dade verificados no quadro do Direito Penalcontemporâneo. Apesar de estar constituídapor uma variedade de perspectivas teóricas,como as defendidas por Émile Durkheim,Rusche e Kirchheimer, Karl Marx , MichelFoucault, Max Weber, Nobert Elias e, maisrecentemente, David Garland,(1) trata-se dediagnósticos potencialmente frutíferos paraum debate crítico em torno das problemáticas

penais do tempo atual.Nessa oportunidade, destaca-se o pensa-mento de Foucault relativo à mutabilidadedas vontades de verdade ao longo dos tempos,apoiadas em sistemas penais, que buscaramlegitimidade, primeiramente, em uma teoriado direito, depois, a partir do século XIX, emum saber sociológico, psicológico, médico epsiquiátrico. Trata-se de um exame macros-sociológico que possibilita uma análise doproblema de fundo verificado nos sistemaspenais modernos, pois permite perceber amaneira de pensar o sistema penal, traduzidoem um sistema de conhecimento ligado a umconjunto de práticas institucionais jurídicasque se designa “justiça penal” ou “criminal”,ou, como prefere  Álvaro Pires,(2)  em  uma“racionalidade penal”, composta por umarede de sentidos com unidade própria noplano do saber.

Os estudos de Foucault traçam inúmeroscaminhos de análise ao propor diversas refle-xões sobre a origem da vontade de verdade,que, através dos discursos, atravessou séculosda história. Com base nos poetas gregos doséculo VI, o autor assegura que, à época, odiscurso verdadeiro pelo qual se tinha respei-to e terror era o discurso pronunciado porquem de direito, que pronunciava a justiça,

que profetizava o futuro, contribuindo paraa sua realização, suscitando a adesão doshomens e tramando com o destino.(3) 

Um século depois, a verdade já não resi-dia no que era o discurso, ouno que ele fazia, passando aresidir no que propriamentedizia. De um ato ritualizado,de enunciação, a verdadetornou-se o próprio enun-ciado.(4)   Nesse sentido, aspráticas judiciárias, conce-bidas como práticas sociais,

transformaram-se em instru-mentos de análise da verdade,na medida em que definiramdeterminadas regras, atravésdas quais nasceram formas desubjetividade, certos domíniosde objeto, certos tipos de sa-ber, permitindo uma históriaexterna da verdade.(5)

Em certas conferências, oautor anuncia a imprescindi-bilidade da complexa tarefade historicizar a verdade, des-garrando-se de um mero “des-continuismo”, para questionarcomo seria possível em dados momentos eem certas ordens de saber, haver mudançasbruscas, precipitações de evolução, transfor-mações que não correspondem à imagemtranquila e continuista que normalmente sefaz.(6) Empreende-se, então, um vasto estu-do sobre as práticas judiciárias, inclusive aspráticas penais, desde a sociedade grega, naqual o próprio povo se apoderou do direitode julgar, do direito de dizer a verdade, deopor a verdade aos seus próprios senhores, de julgar aqueles que os governavam.

Essas primeiras características do inqué-rito, surgidas na história grega, passam a ter

uma nova dimensão na segunda metade daIdade Média, período em que novas formasde justiça e novos procedimentos judiciáriossão inventados, reelaborando o Direito e

produzindo novas possibilida-des de saber. No decorrer dosséculos, o inquérito tornou-seum instrumento fundamentalpara a produção da verdadeno campo penal, delimitandoprovas e indícios, indicandoinformações penais escritas esecretas, embasando toda a

tortura judiciária verificadaaté o século XVIII, ao deli-mitar uma espécie de ritual,que produzia a verdade eimpunha a punição. Assim,o condenado ao suplício era,ao mesmo tempo, o ponto deaplicação do castigo e o lugarde extorsão da verdade.(7) 

O verdadeiro suplício tinhapor função fazer brilhar averdade, justificando a Justiçana medida em que publicava averdade do crime no própriocorpo do supliciado.(8)  Desse

modo, o suplício tinha uma função jurídico--política, pois traduzia um cerimonial parareconstituir a soberania lesada, sendo defen-dido pelos juristas do século XVIII ao daremuma interpretação restritiva e modernista dacrueldade física das penas, devendo servircomo exemplo a ser inscrito profundamenteno coração dos homens.(9) 

Contudo, no fim do século XVIII e come-ço do XIX, com as transformações verificadasnos sistemas penais, com a reelaboraçãoteórica das leis, o espetáculo da punição foise extinguindo. Autores, como Beccaria,Bentham e Brissot ,  passam a defender

 A reprodução

dos discursos de

verdade por meio

de variados

mecanismos de poder,

mas, principalmente,

pelo poder

 tecnológico, exercido

pela mídia, e pelo

próprio poder político,

corporificado na

acelerada atividade

legislativa penal, é

indubitavelmente uma

faceta dessa crise.

LIBERDADEDEEXPRESSÃO...

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ATÉCNICADOSVALORES-L

IMITEEOSDELITOSDEPE

RIGOABSTRATO

 A TÉCNICA DOS VALORES-LIMITE E OS DELITOS DE PERIGO ABSTRATOÉrika Mendes de Carvalho

 A intervenção jurídico-penal na disciplinade determinadas condutas exige, muitas vezes,a adoção da técnica legislativa dos valores-limite,através da qual se fixa, com caráter objetivo,

limites precisos ao ius puniendi . Essa técnicabusca oferecer maior segurança jurídica na apre-ciação concreta da conduta típica e, conformeo caso, da lesão ou do perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. O legislador brasileiro optoupor empregar a referida técnica quando alteroua redação do caput  do art. 306 da Lei 9.503/97(Código de Trânsito), através da Lei 11.705/08(“Conduzir veículo automotor, na via pública,estando com concentração de álcool por litro desangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas,ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência ”). Uma pri-meira e açodada apreciação da nova construção

típica pode conduzir à equivocada conclusão deque a referência à concentração de álcool porlitro de sangue (in casu, igual ou superior a 6decigramas) é autêntico elemento objetivo dotipo e que, como tal, deverá ser abarcado pelodolo do agente (ou, segundo alguns, imputadoao dolo). Consequentemente, o erro a respeitodesse elemento objetivo teria relevância e exclui-ria o tipo subjetivo (art. 20, caput , CP).

 A indicação do valor-limite no caput  do art.306 da Lei 9.503/97 foi acompanhada pelamudança da configuração típica, pois o delitoem exame deixou de ser de perigo concretoe passou a ser de perigo abstrato. A redaçãoantiga (anterior à Lei 11.705/08) exigia que acondução de veículo automotor, na via pública,se desse sob a influência de álcool ou substânciade efeitos análogos, expondo a dano potenciala incolumidade de outrem. Hoje, a nova con-figuração da conduta típica não insere comoelemento do tipo penal (resultado de perigo)a presença de um perigo concreto (exposiçãoa dano potencial da incolumidade de outrem),mas satisfaz-se com a mera condução de veículoautomotor, na via pública, estando o sujeitocom concentração de álcool por litro de san-gue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ousob a influência de qualquer outra substânciapsicoativa que determine dependência.

 A inserção desse valor-limite revela-se parti-cularmente útil do ponto de vista político-cri-minal, pois impõe limites claros à discricionarie-dade judicial. Porém, esses limites objetivos,nosdelitos de perigo abstrato, não pertencem ao tipode injusto. São meras condições objetivas de puni-bilidade . As condições objetivas de punibilidadenão são eventos futuros e incertos. Sua caracterís-tica essencial reside no seu caráter objetivo, poissão alheias ao dolo.(1) É irrelevante que o sujeitoativo as conheça e oriente sua vontade de atuaçãono sentido de realizá-las. Assim, o eventual errosobre o valor limite acima referido não conduz àexclusão do tipo subjetivo (dolo), ou seja, a con-

figuração típica não se encontra condicionada

à compreensão desse dado objetivo pelo dolo.E nem poderia ser diferente. Entendimentooposto ensejaria a apreciação de erro de tipocaso o sujeito desconhecesse esse limite objetivo

e acarretaria o reconhecimentoda total inoperância da normapenal incriminadora em apreço.Por isso, a autêntica natureza jurídico-penal desses elemen-tos aponta para os domíniosda punibilidade, essa obscuracategoria que, segundo nossoentendimento, não integra oconceito analítico de delito.

Como verdadeiras condiçõesobjetivas de punibilidade, osvalores-limite, nos delitos deperigo abstrato, condicionam

a imposição concreta da sançãopenal e excluem, por ser desne-cessária, a possibilidade de punirem determinados casos. Essalimitação poderia ser entendidacomo integrante do desvalorobjetivo da ação, segundo umaperspectiva normativista oufuncionalista, que inclui no des-valor da ação uma face objetiva(representada por critérios deimputação objetiva) e outra subjetiva (dolo).Nesse sentido, quando não se atingisse o valor--limite integrante do tipo, a conduta não seriaobjetivamente perigosa e não seria constatada anecessária criação de um risco não permitido,o que excluiria a imputação (objetiva). Toda-via, não abraçamos esse entendimento. Sob aperspectiva finalista que rechaça a introduçãode critérios normativos de imputação objetivanos delitos dolosos de ação, parece-nos que taiselementos não contribuem para a fixação dapericulosidade da ação (que, em todo caso, seriasempre aferida, primeiramente, com lastro notipo subjetivo) e, de conseguinte, não integramo tipo de injusto específico das figuras delitivasem exame. Os valores-limite (nos delitos deperigo abstrato) são condições objetivas de pu-nibilidade, desvinculadas do dolo e das condutas

típicas. Nada indicam sobre a periculosidade daconduta e, portanto, não pertencem ao tipo. Aliás, toda conduta típica dolosa é perigosa esignifica a criação de um risco juridicamenterelevante. Os limites objetivos traçados pelolegislador expressam tão somente sua decisãode afastar a possibilidade de punir o referidodelito de trânsito quando o grau de alcoolemianão atingir o limite de 6 decigramas. A adoçãodos valores-limite como condições objetivas depunibilidade permite contornar o problemado erro sobre os elementos do tipo, já que taiscondições – alheias ao tipo – não precisam estarabarcadas pelo dolo. Ademais, permite prescin-

dir da introdução de critérios normativos de

imputação nos delitos dolosos de ação.Com efeito, o emprego da técnica dos valo-

res-limite é especialmente recomendado paraenfrentar as críticas normalmente endereçada

aos delitos de perigo abstratonos quais o desvalor da ação nãoé acompanhado por um desvalodo resultado. A inserção de umvalor-limite em um delito deperigo abstrato, porém, nãoindica um maior desvalor daação. O desvalor da ação, nosdelitos dolosos, é compostopor elementos subjetivos (doloelementos subjetivos especiaido tipo) e objetivos (meiosmodos de execução), em umasimbiose indissolúvel. Mas

entre esses elementos objetivosnão se encontra a periculosidadeobjetiva da ação do ponto devista ex ante , autêntico critérionormativo de imputação objetiva. A periculosidade da ação, nodelitos de lesão dolosos, pode seaferida com independência decritérios de imputação objetivaE nos delitos de perigo abstratotambém. E com muito mais ra

zão. Nestes últimos, o ilícito jurídico-penal estáconstituído apenas pelo desvalor da ação. Não háqualquer desvalor do resultado. Em um delitode perigo abstrato como o do art. 306, caputda Lei 9.503/97, o valor-limite consignado pelolegislador, em lugar de exprimir a maior periculosidade da conduta típica do ponto de vista exante , sinaliza, isso sim, um limite mínimo para anecessidade de pena . A intervenção jurídico-penasó se faz oportuna e conveniente, sob a perspectiva dos fins da pena, a partir do nível de alcoo-lemia expressamente indicado. Este valor-limitefigura, portanto, como mera condição objetivade punibilidade, e não como indicador de umamaior periculosidade da conduta. Com efeitoem um delito de perigo abstrato a conduta já éportadora de uma periculosidade intrínseca queindepende de comprovação. Tanto é assim que o

legislador poderia ter prescindido da técnica dovalores-limite. Se a adotou, é porque pretendetraçar um limite objetivo – e sujeito à comprovação – à sanção penal das condutas perigosas

 Ao condicionar a punibilidade à constataçãode um determinado valor-limite, o legisladoacrescenta aos delitos de perigo abstrato umdado que, se não indica a maior periculosidadedas condutas (uma vez que é um elemento alheioao tipo), contribui para delimitar a esfera dopunível. E acaba por convertê-los em delitos d perigo abstrato-concreto – segundo a terminologiamais empregada para designar uma categoriaintermediária de delitos de perigo, situada en

tre os delitos de perigo abstrato e os delitos d

 Ao condicionar

a punibilidade à

constatação de um

determinado valor-

limite, o legislador

acrescenta aos delitos

de perigo abstrato

um dado que, se

não indica a maior

periculosidade dascondutas (uma vez

que éum elemento

alheio ao tipo),

contribui para

delimitar a esfera

do punível.

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perigo concreto. Porém, enquanto a doutrinaque aceita essa classificação costuma reconhecera introdução, nesses tipos penais, de elemen-tos indicativos da periculosidade objetiva   daconduta do ponto de vista ex ante   (critérionormativo de imputação objetiva), aqui sesustenta que alguns  desses elementos – comoos valores-limite – são autênticas condições

objetivas de punibilidade. Os valores-limite nãoaproximariam os delitos de perigo abstrato dosdelitos de perigo concreto. O art. 306, caput , doCódigo de Trânsito é, portanto, um autênticodelito de perigo abstrato. Não pode ser inseridoentre os delitos de perigo abstrato-concreto– pois o tipo não contém um elemento queexpresse a periculosidade concreta da conduta

DARESPOSTA ACUSAÃO: UMAPROPOSTA...

DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO: UMA PROPOSTA DE RACIONALIZAÇÃO DOSPRAZOS PARA SUA APRESENTAÇÃO, A PARTIR DE UMA SÍNTESE DO

PREVISTO NO CAPUT  DO ART. 396 E NO § 2 DO ART. 396-A DO CPP Domingos Barroso da Costa e Diego de Azevedo Simão

Questões interessantes surgem na práticaforense, principalmente em momentos pos-teriores a reformas legislativas. Afinal, sabe--se que é da dinâmica de seu contato com arealidade que a norma ganha vida, a partirda atividade hermenêutica que lhe atribuisignificado no contexto fático e jurídico emque se insere.

 Assim, impossível que se prevejam todasas possibilidades de aplicação de uma norma,cujo alcance e real importância só se desvelam

na atividade jurídica quotidiana, em que oscasos práticos se apresentam como pontes quepermitem à lei deixar sua condição originaria-mente abstrata, materializando-se na regulaçãodas relações concretas.

Diante disso, natural que ainda hoje re-verbere(1) a reforma processual penal de 2008,reclamando uma contínua e renovada análisedas normas que veiculou, frente aos entravespráticos que se apresentam à solução do intér-prete. Noutros termos, muitas das inovaçõestrazidas pela Lei 11.719/08 ainda procurampor um sentido do qual se possa extrair todoseu potencial, por uma interpretação e apli-

cação que as tornem instrumento de máximaefetivação do ideal constitucional, que é oque se espera de qualquer norma, por menosimportante que pareça.

 Após ess a necess ária introdução, cabedestacar o novo art. 396, caput , do CPP(2) como um dos dispositivos introduzidos pelaLei 11.719/08 que ainda requerem especialatenção por parte do intérprete, principal-mente no que concerne à sua parte final.Chega-se a tal conclusão tendo em vista asdificuldades encontradas na prática quantoà aplicação do ali disposto a partir de suainterpretação puramente literal.

Em síntese, consideradas as condições

da ampla maioria dos acusados em processopenal, impossível que se lhes exija a apresen-tação de resposta escrita no prazo de 10 (dez)dias, a contar de sua citação.Ou seja, analisada a realidadede marginalidade social sobrea qual o processo penal geral-mente produz seus efeitos, nãohá como deixar de admitir quea aplicação literal da parte finaldo caput  do art. 396 do CPP,

por si só, acaba por representarviolação ao princípio da ampladefesa, principalmente se le-vada em conta a importânciaque a reforma processual penalem questão atribuiu à respostaà acusação.

 Assim, impossível interpre-tar-se o dispositivo partindo-seda presunção de que todos oscitandos   em processo penalcontam com a assistência deadvogado ou defensor público,máxime em se considerando

que muitos deles estarão presos,em condições precárias, semcontato com o mundo externo. Pode-se iralém: difícil esperar que os geralmente sub-metidos à persecução penal compreendam,quando citados, o que vem a ser a respostaescrita que, pela letra fria da lei, devem apre-sentar em 10 (dez) dias.

Embora em processo civil o prazo de con-testação comece a correr a partir da citaçãodo réu (da juntada do mandado – art. 241,inciso II, do CPC), em processo penal, pordiversas razões, não se mostra válido o mesmoraciocínio.

Ocorre que, enquanto o processo civil

versa, em regra, sobre direitos disponíveis,(3) de modo que o exercício do contraditório ea ampla defesa são assegurados à parte ré que

deles pode dispor, no processopenal, diferentemente, o queestá em jogo é a liberdade doréu em razão do que o direitoao contraditório e à ampladefesa não apenas lhe deveser assegurado, mas tambémobrigatoriamente efetivado –

inclusive contra a vontade dopróprio acusado, na hipóteseem que ele eventualmente abramão da autodefesa. Por talrazão, não se pode admitir amera interpretação gramaticaldo art. 396 do CPP, isto é, deque o prazo de 10 (dez) diaspara apresentação da respostaà acusação seja contado apartir da citação do réu, semmaiores considerações, numaanálise cega do disposto emlei, especialmente diante da

importância que atualmente seconfere a esse instrumento dedefesa, de obrigatória apresentação.

Se assim fosse, seria possível falar-se empreclusão, o que impediria o oferecimentopelo acusado da resposta à acusação, nahipótese de ver-se transcorrido o prazo parao oferecimento da defesa escrita. Caminha-ríamos na contramão não apenas do objetivoda reforma introduzida pela Lei 11.719/08– justamente a que alterou o art. 396 doCPP –, mas, sobretudo, da ConstituiçãoFederal, dada a evidente afronta ao princípioda ampla defesa.

 Anote-se, ademais, que a defesa técnica e

Noutros termos,

muitas das inovações

 trazidas pela

Lei 11.719/08

ainda procuram

por um sentido

do qual se possa

extrair todo seu

potencial, por uma

interpretação e

aplicação que as

 tornem instrumento

de máxima

efetivação do ideal

constitucional,

típica ou dos meios utilizados(2) – e tampoucoentre os delitos de perigo concreto.

Resta examinar o papel que a técnica dos valo-res-limite desempenha nos delitos de lesão. Masesse será tema para uma próxima investigação.

NOTAS

(1) Sobre a matéria, vide CARVALHO, Érika Mendesde. Punibilidad y delito. Madrid: Reus, 2007, p. 92e ss.; CARVALHO, Érika Mendes de. Punibilidadee delito. São Paulo: RT, 2008, p. 98 e ss.

(2) Sobre a questão, vide, por exemplo, MENDOZABUERGO, Blanca. El delito ecológico: configuracióntípica, estructuras y modelos de tipificación. In:JORGE BARREIRO, Agustín (dir.). Estudios sobre la protección penal del medio ambiente en el ordena- miento jurídico español . Granada: Comares, 2005, p.

131 e ss.; ESCAJEDO SAN EPIFANIO, Leire. El medio ambiente en la crisis del Estado social: su protección penal simbólica. Granada: Comares, 2006, p. 280e ss.; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 149 e ss. e293; COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros ramos do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34 ess.; e GRECO, Luís. Modernização do Direito Penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo abstrato.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 105.

Érika Mendes de CarvalhoPós-doutora e doutora em Direito Penal pela

Universidad de Zaragoza (Espanha).Pesquisadora do CNPq.

Professora adjunta de Direito Penal naUniversidade Estadual de Maringá (UEM).

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obrigatória é imperativo constitucional assegu-rado ao acusado por meio da garantia constanteno inciso LV do art. 5º da Constituição, bemcomo pela CADH – Pacto de São José da CostaRica – que em seu art. 8º, 2, letra e , garante aoacusado o “direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remu-nerado ou não, segundo a legislação interna, se o

acusado não se defender ele próprio nem nomeardefensor dentro do prazo estabelecido pela lei”. Diante disso, é de concluir-se que o prazo

de 10 (dez) dias previstos na parte final do art.396 do CPP não deve ser contado da citação doacusado nem mesmo da intimação que lhe sejaconcomitante, mas sim da intimação de quemtenha constituído como advogado ou do defensorque o assista . Eis a única conclusão que se apre-senta coerente em relação à principiologia quefunda o sistema processual penal, e que resultade uma síntese hermenêutica extraída da análiseconjugada do disposto no caput  do art. 396 e doprevisto no § 2º do art. 396-A,(4) todos do CPP.

Noutros termos, tratando-se de uma peçatécnica, de apresentação obrigatória e que podeser decisiva quanto aos rumos do processo, umavez que inclusive pode ensejar a absolvição su-mária do réu (CPP, 397), é de se concluir queo prazo de 10 (dez) dias para sua apresentaçãodeve ser contado da efetiva intimação de seuadvogado ou defensor(5) (Súmula 710 do STF)e não, como já dito, de sua citação.

Como já se pode perceber, a interpretaçãosugerida também representa economia pro-cessual, além de concorrer para uma efetiva ecélere prestação jurisdicional, potencializan-do os efeitos da garantia prevista no art. 5º,LXXVIII, da CF. Afinal, evita que, além dos

10 (dez) dias que seriam contados da citaçãodo réu (CPP, 396, caput ), contem-se outros10 (dez) dias – ou mesmo 20 (vinte), a depen-der do entendimento em relação à origináriadestinação do prazo – para a apresentação da

resposta escrita, no caso de ainda não contaraquele com a assistência de um advogado oudefensor público (CPP, 396-A, § 2º), como seobserva em grande parte dos casos.

 A part ir dos argumentos trabalhados,conclui-se que a aplicação constitucionalizadado disposto no caput  do art. 396, em análisecombinada com o previsto no § 2º do art.

396-A, ambos do CPP, exige que o juiz, nãorejeitando liminarmente a inicial acusatória, areceba e ordene a citação do réu, determinan-do ao oficial que, por ocasião do ato, pergunteao denunciado se já conta com advogadoque o assista. Sendo positiva a resposta, queo indique – pelo nome, telefone de contato,endereço ou número da OAB – com o que seprocederá à sua intimação para que apresentea resposta escrita no prazo de 10 (dez) dias,tal como prevê o art. 396 do CPP.

Caso não indique o profissional que o assis-te,(6) o oficial deverá perguntar ao réu se possuicondições para contratar um advogado e, sendo

negativa a resposta certificada, deverá o juizencaminhar os autos à Defensoria Pública, que,entendendo cabível a assistência, providenciaráa apresentação da resposta à acusação, no prazode 20 (dias), aqui considerada a contagem emdobro do prazo previsto no caput  do art. 396do CPP.

Nesses moldes, o § 2º do art. 396-A teriaaplicação restrita a casos excepcionais, comoaqueles em que o réu indica o advogado que odefende, mas este, devidamente intimado, nãoapresenta resposta escrita.

Inegáveis as vantagens da interpretaçãoque aqui se sugere, principalmente em seconsiderando a celeridade e economia que

representa, em consonância com o dispostono art. 5º, LXXVIII, da CF. Aliás, nunca édemais destacar que a economia que em geralpropicia, relativamente aos 10 (dez) ou maisdias, previstos para os casos em que seria ne-

cessário aplicar a regra do § 2º do art. 396-Ado CPP, tem por efeito a redução do tempode angústia por parte daqueles que aguardampresos o provimento jurisdicional. Isso semque se leve em conta o tempo de prateleira  dofeitos que aguardam o despacho judicial desimples aplicação do disposto no mencionadodispositivo (CPP, 396-A, § 2º), para os caso

em que não é apresentada a resposta escritano prazo de 10 (dez) dias, previsto no capudo art. 396 do CPP e que, pela letra da leiseriam contados da citação do réu. Vale, pofim, observar que essas considerações tambémse aplicam aos arts. 406 e 408 do CPP.

NOTAS

(1) E seguirá reverberando.(2) “ Art. 396. Nos procedimentos ordinár io e sumário

oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeita liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”

(3) Havendo de se considerar que, mesmo em processo

civil, quando estão em jogo direitos indisponíveis, nãose operam os efeitos da revelia (CPC 320, II c/c 319)(4) “§2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou

 se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhevista dos autos por 10 (dez) dias.”

(5) Observando-se, por opor tuno, que os prazos sãcontados em dobro para os advogados dativos (art5º, § 5º, da Lei 1.060/50) e defensores públicos (arts44, I, e 128, I, da LC 80/94).

(6) Atentando-se para o disposto no art. 306, §1º, do CPP

Domingos Barroso da CostaMestre em Psicologia pela PUC-Minas

Especialista em Criminologia e Direito PúblicoGraduado em Direito pela UFMG

Assessor judiciário – TJMG

Diego de Azevedo SimãoEspecialista em Direito Processual Penal

Graduado em Direito pela UNIVALIAssistente de Promotoria de Justiça – MPSCD

ARESPOSTA ACUSA

ÃO: UMAP

ROPOSTADERACIONALIZA

ÃO...

ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA

EDITAL DE CONVOCAÇÃOSão convocados os associados do INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS – IBCCRIM a se reunirem em Assembléia Geral Ordinária, a realizar-seem 08 de dezembro de 2011, às 10:00 horas, em primeira convocação, se houver quorum estatutário, ou às 10:30 horas, em segunda convocação com qualquernúmero de associados, na sede social do Instituto, na Rua XI de Agosto, 52, 2º andar, Centro, São Paulo/SP, a fim de deliberarem sobre a seguinte Ordem do Dia:

1. Aprovação das contas referentes ao ano fiscal de 2011;2. Apresentação e aprovação do relatório de atividades desenvolvidas no ano de 2011;3. Apresentação e aprovação das propostas de atividades a serem desenvolvidas em 2012;4. Deliberação sobre as mensalidades para 2012;5. Deliberação sobre outros assuntos de interesse do Instituto.

 Marta Saad

Presidente

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OSCRIMESDEGESTÃOFRAUDULENTAOUTEMERÁRIADEINSTITUIÇÃOFINANCE

IRAEXIGEM HABITUALIDA

E?

OS CRIMES DE GESTÃO FRAUDULENTA OU TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃOFINANCEIRA EXIGEM HABITUALIDAE?(1)

Ricardo Henrique Araújo PinheiroO que nos motivou a escrever esses breves

comentários foi a discrepância de entendi-mentos jurisprudenciais sobre a necessidadeda habitualidade para a caracterização doscrimes de gestão fraudulenta ou temeráriade instituição financeira. Vale destacar que,nos termos do art. 26 da Lei 7.492/86, oprocessamento e o julgamento das infraçõeselencadas na “Lei do Colarinho Branco”ocorrerão perante a Justiça Federal. Fizemoso levantamento das principais decisões pro-feridas nos Tribunais Regionais Federais, noSuperior Tribunal de Justiça e no SupremoTribunal Federal. Percebemos que existemgrandes confusões e má compreensão danorma inserida no art. 4º daquela Lei, de

modo a trazer grande insegurança jurídicapara a defesa do agente acusado dos crimesinseridos naquele artigo.

 Aliás, a interpretação do conceito de ges-tão deverá vir acompanhada do que dispõeo art. 25 da Lei 7.492/86: “São penalmenteresponsáveis, nos termos desta Lei, o controladore os administradores de instituição financeira,assim considerados os diretores, gerentes ”. Perce-be-se, com efeito, tratar-se de crimes especiaispróprios cuja autoria remete à análise daposição hierárquica do agente na instituiçãofinanceira. Em linhas gerais, poderá ser autorde crime contra o sistema financeiro nacionalaquele que for controlador ou administradorde instituição financeira, equiparando-se aeste grupo de responsáveis o interventor, oliquidante ou o síndico (art. 25, § 1º, da Lei7.492/86).(2)

Quanto à possibilidade de se atribuir res-ponsabilidade penal ao partícipe que não écontrolador ou administrador de instituiçãofinanceira, a jurisprudência está “rachada”. Até o julgamento do HC   93.553, haviauma corrente que admitia a participação deterceiros nos crimes de gestão fraudulentaou temerária, pois, para aquela corrente, a

condição de ser administrador ou controla-dor de instituição financeira é elementar dodelito, logo, aplicável o disposto no art. 30do Código Penal, para o qual a condição decaráter pessoal é comunicável ao partícipe.

No julgamento do HC  89.364, o Ministro Joaquim Barbosa foi categórico e direto aorechaçar a tese da defesa na qual se pretendiaa declaração de atipicidade da imputação decrime de gestão fraudulenta dirigida ao agen-te que não era controlador ou administradorde instituição financeira: “(...) a condição pes-soal de ser controlador, administrador, diretorou gerente de instituição financeira constitui

circunstância elementar do crime previsto noart. 4º da Lei 7.492/86. Logo, aplicável o art. 30 do Código Penal, tornando perfeitamente possível a existência de partícipe na prática docrime de gestão fraudulenta ”.(3)

Conforme afirmamos an-teriormente, até o julgamentodo HC  93.553 pelo Pleno doSTF, prevalecia o entendimen-to no sentido de permitir aparticipação de terceiros noscrimes de gestão fraudulentaou temerária de instituiçãofinanceira. O relator do caso,Ministro Marco Aurélio,  nãoadmitiu que a imputação pelo

crime de gestão fraudulentafosse direcionada ao agente quenão fosse gestor de instituiçãofinanceira, pois “a interpretaçãosistemática da Lei 7.492/86afasta a possibilidade de haver gestão fraudulenta por terceiroestranho à administração doestabelecimento bancário”.(4) 

Para nós, após o julgamentodo HC   93.553, o entendi-mento que prevalece é o de que não haverápossibilidade de haver participação de pessoasque não se enquadram no conceito do art. 25da Lei 7.492/86 (que são os administradorese os controladores de instituição financeira)nos crimes de gestão fraudulenta ou teme-rária, excluindo-se, destarte, a possibilidadede aplicação do art. 30 do Código Penal(exclusão do partícipe).

Com efeito, a habitualidade tem sido tra-tada por muitos julgadores como ato que nãose compatibiliza com o conceito de gestão(art. 4º da Lei 7.492/86) – o que, para nós,é um grande equívoco, pois desvincular overbo “gerir” da interpretação do tipo tornaa norma inócua. Gerir, nas palavras de Luiz

Regis Prado,(5)

  consiste em “administrar,dirigir, organizar, controlar, comandar ”. Nessalinha, o verbo “gerir” deverá ser interpretadocomo a realização de atos de gestão inerentesao exercício do cargo de administrador, demodo que um ato isolado não poderá serinterpretado como ato de gestão.

Como lembra o professor Paulo Queiroz, “dizem-se habituais os crimes cuja realização tí- pica necessariamente pressupõe a prática de atossucessivos, de modo que cada ato isoladamenteconsiderado constitui um indiferente penal, ouseja, são delitos que reclamam habitualidade, por traduzirem em geral um modo de vida ”.(6)

Vale destacar que o art. 4º da Lei 7.492/86sempre foi alvo de críticas pela doutrinaespecializada, na medida em que transferepara o juiz o poder de ditar o conteúdo do

tipo(7) (gestão fraudulenta outemerária), ou seja, a defini-ção legal de qual bem jurídicofora ofendido ficaria a critériosubjetivo do julgador, hajavista as inúmeras modali-dades de comportamentohumano que se poderiamsubsumir ao tipo.

Sobre a exigência da ha-bitualidade para a configu-ração dos crimes de gestão

fraudulenta ou temerária deinstituição financeira existemfortes divergências de enten-dimentos. No julgamento doHC  89.364, o Ministro Bar-bosa afirmou que “é possívelque um único ato tenha rele-vância para consubstanciar ocrime de gestão fraudulenta deinstituição financeira, emborasua reiteração não configure

 pluralidade de delitos ”. Já no julgamento doHC  95.515,(8) a Ministra Gracie ressaltou que“a gestão fraudulenta se configura pela ação doagente de praticar atos de direção, administra-ção ou gerência, mediante o emprego de ardise artifícios, com o intuito de obter vantagemindevida ”.

 A mesma divergência sobre a necessidadeda habitualidade para a caracterização doscrimes de gestão fraudulenta ou temeráriaexiste no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Para a Quinta Turma, não há neces-sidade da habitualidade para a configuraçãodo tipo, ou seja, “em se tratando de crimehabitual impróprio, não é necessária a habi-tualidade para a caracterização desse delito

de gestão temerária (RESP  899.630)”. Para aSexta Turma, é necessária a habitualidade, demodo que “a descrição de um só ato, isoladono tempo, não legitima denúncia pelo delito de gestão temerária (HC  97.357)”.

Nos Tribunais Regionais Federais daPrimeira e Quinta Regiões, a habitualidadeé desnecessária.(9) Para o Tribunal RegionalFederal da Quarta Região, o entendimentoque prevalece é o de que “a gestão temeráriaassume contornos de habitualidade, pois secaracteriza mediante um conjunto de atos praticados, em um razoável período de tempo,sendo insuficiente a análise de atos isolados ”.(10)

Destarte, não há

dúvidas de que

o espectro das

divergentes opiniões

 jurisprudenciais

elencadas por nós

causa manifesta

insegurança jurídica

para a defesa.

inadmissível

que dois agentes

acusados pelo

mesmo delito possam

 ter condenações

 totalmente distintas

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CAROS LEITORES,A partir desse mês, temos a honra de contar em nosso Boletim com uma página em que a advogada Alexandra Lebelson Szafir dividirá comos associados do IBCCRIM parte de sua experiência na advocacia pro Bono. Seu trabalho junto àqueles que não têm condições de pagar porum advogado começou quando ainda era estudante, no Departamento Jurídico XI de Agosto – o mais antigo escritório prestador de AssistênciaJudiciária gratuita à população no Brasil – e sempre a acompanhou em sua vida profissional. Sua combatividade e competência levaram-na aliderar mutirões carcerários e conhecer lugares de extrema pobreza à procura de testemunhas, sempre com o objetivo de minimizar o descasocom o qual enorme parcela da população brasileira é tratada pelos operadores do direito. Com suas próprias palavras, ela resume sua atuação:“Vejo o trabalho do advogado justamente assim: dar voz a quem não a tem”.O reconhecimento por sua destacada atuação nessa área a levou a receber, em 2006, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o prêmio“Advocacia Solidária”, ocasião rara em que advogados, membros da Polícia, do Ministério Público, da Magistratura e da Academia estiveramjuntos prestigiando a mesma causa e sentados ao lado de vários clientes pobres defendidos por Alexandra, os quais pisavam pela primeiravez no Tribunal onde foram julgados e também faziam questão de homenageá-la. Em 2010, publicou o livro  DesCasos: uma advogada àsvoltas com o direito dos excluídos (Editora Saraiva), em que narra algumas das muitas histórias que vivenciou em sua atuação profissionaljunto aos mais carentes. São histórias como as publicadas nesse livro que serão, a par tir de agora, divididas conosco.Esperamos, com isso, além de proporcionar uma leitura diferenciada em relação ao conteúdo tradicionalmente publicado pelo  Boletim, tornarpública a rica experiência vivida pela autora e propiciar uma importante reflexão acerca do papel que cada um de nós (advogados, membros daspolícias, do Ministério Público e da Magistratura, professores e estudantes) desempenha na atuação da Justiça Criminal no Brasil.

A Diretoria do IBCCRIM

No Tribunal Regional Federal da TerceiraRegião, nem mesmo as próprias Turmas seentendem. É o caso da Primeira Turma. No julgamento da ACR 13.104, a Relatora De-sembargadora Vesna Kolmar foi categórica aoafirmar que “a habitualidade é elemento neces-sário para a configuração da gestão temerária ”.Entendimento oposto pôde ser percebidono julgamento da ACR 16.661. O RelatorDesembargador Johonsom Di Salvo ressaltouque “a norma volta-se para a segurança dosistema financeiro, de tal sorte que um só atode gestão pode revelar-se temerário para finsde repressão penal ”. Para a Segunda Turma, éexigida a habitualidade para a configuraçãodos delitos de gestão fraudulenta ou temerá-ria (ACR 6.790). Para a Quinta Turma, não(ACR 10.817, ACR 14.571, ACR 17.934).

 Aliás, a divergência jurisprudencial sobreo assunto habitualidade também ocorre pe-rante a Primeira Turma do Tribunal Regional

Federal da 2ª Região. No julgamento da ACR4.237, foi dito pelo Relator Desembargador Alexandre Abreu que “não se exige, para aconsumação do crime de gestão fraudulenta,o requisito habitualidade ”. Entendimentodivergente foi ocaso do julgamento da ACR3.687, para a qual o Desembargador AbelGomes ressaltou que “os atos de uma conduta, por si só, são atípicos, pois só se consideram emconjunto para a conclusão pela tipicidade damesma ”.

Destarte, não há dúvidas de que o espectrodas divergentes opiniões jurisprudenciaiselencadas por nós causa manifesta insegu-rança jurídica para a defesa. É inadmissívelque dois agentes acusados pelo mesmo

delito possam ter condenações totalmentedistintas, inclusive no âmbito das própriasTurmas dos Tribunais Regionais Federais edo Superior Tribunal de Justiça.

Conforme vimos, após o julgamento doHC  93553/STF, prevalece o entendimentosegundo o qual só poderá ser autor de crimecontra o sistema financeiro aquele que forcontrolador ou administrador de instituiçãofinanceira, equiparando-se a este grupo deresponsáveis o interventor, o liquidante ouo síndico.

De outro lado, quando o assunto é habi-tualidade, a discrepância de entendimentos– existentes, inclusive, na própria SupremaCorte – faz com que a estratégia de defesadependa do requisito “sorte”, pois, paraalguns, apenas um ato isolado praticadopelo administrador ou pelo controlador queeventualmente possa prejudicar o sistema fi-nanceiro poderá caracterizar a habitualidade.

Não obstante a jurisprudência divirjaquanto à necessidade da habitualidade paraa configuração dos crimes de gestão frau-dulenta ou temerária, certo é que, o art. 4ºda Lei 7.492/86 é claro ao adotar o verbo“gerir”em seu preceito primário, de modoque não nos parece correto afirmar que umato isolado possa caracterizar atos de gestão.Naturalmente que qualquer espécie de frau-de à coletividade (como é o caso dos crimesde gestão fraudulenta e temerária) causarevolta ao cidadão de bem, pagador de seusimpostos. Isso não quer dizer que a ideologiaservirá de paradigma para que a interpreta-ção “fria” da norma – pelo julgador – possatransformar a coerência na interpretação das

normas em objeto de vingança.

NOTAS

(1) “ Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição finan-ceira: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único. Se a gestão étemerária: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.”

(2) “ Art . 25. São penalmente responsáveis, nos ter- mos desta lei, o controlador e os administradoresde instituição financeira, assim considerados osdiretores, gerentes (vetado). § 1º Equiparam-se aos adminis tradores de inst itu ição finance ira(vetado) o interventor, o liquidante ou o síndico.”

(3)  HC 89364, rel. Min.  Joaquim Barbosa, Se-gunda Turma, j. 23.10.2007, DJe-070, divulg.17.04.2008, public. 18.04.2008, ement. vol.02315-03, p.00674.

(4)  HC 93553, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno,j. 07.05.2009, DJe-167, divulg. 03.09.2009, pu-blic. 04.09.2009, ement. vol. 02372-02, p. 00422,LEXSTF, vol. 31, n. 369, 2009, p. 400-414.

(5)  Direito penal econômico: ordem econômica , relações de consumo, sistema financeiro, ordemtributária, sistema previdenciário, lavagem decapitais, crime organizado. 3. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 162.

(6)  Direito Penal Parte Geral . 5. ed. Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris, 2009, p. 178.

(7) Crimes contra o sistema financeiro nacional . 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002,p. 31.

(8)  HC 95515, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,j. 30.09.2008, DJe-202, divulg. 23.10.2008, pu-blic. 24.10.2008, ement. vol. 02338-04, p. 00758.

(9) TRF-1(ACR 200035000152633); TRF-5 (ACR7157).

(10) Referência ACR 200404010050730, rel. Des.Maria de Fátima Freitas Labarrere, Sétima Turma,DE 24.01.2007.

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Doutorando em Direito pela UniversidadeNacional de La Plata – UNLP.Advogado criminal.O

SC

RIMESDEGESTÃOFRAUD

ULENTAOUTEMERÁRIADE

INSTITUIÇÃO...

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7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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Não se assuste com o título, caro leitor. Acredi-te ou não, ele foi tirado de um acórdão do extintoTribunal de Alçada Criminal de São Paulo. E, a

nosso ver, o Juiz Relator teve bons motivos parautilizar essa linguagem. O caso todo é uma sériede exemplos de como não deve ser uma execuçãocriminal, de como garantir a não ressocializaçãode um preso. A história é a seguinte:

Ricardo praticou um assalto e foi condenadoà pena de cinco anos e quatro meses em regimeinicial semiaberto.

Ocorre que, naquela época distante, não ha-via vagas suficientes em estabelecimentos prisio-nais adequados ao cumprimento da pena em talregime. Por essa razão, impetramos habeas corpusem seu favor, e foi concedida uma liminar paraque ele aguardasse em prisão albergue domiciliara vaga no regime intermediário. Enquanto a tal

vaga não vinha, ele começou a trabalhar numconhecido hospital de São Paulo.E então, a vaga apareceu. E os problemas

começaram.De acordo com o regulamento do estabeleci-

mento onde ele deveria se apresentar, era obri-gatório que os detentos passassem pelo menosum mês sem sair para trabalhar. Mas o fato eraque Ricardo já estava trabalhando e certamenteperderia o emprego se se ausentasse por um mês.Ou seja, um regime que deveria representar umpasso no sentido de reinserir gradualmente ocondenado à sociedade teria o efeito contrário.

Conseguimos, então, uma autorização daSecretaria da Administração Penitenciáriapara que ele pudesse continuar trabalhandoimediatamente e a levamos quando Ricardo seapresentou. Deveria ser suficiente, certo? Errado.

 A burocracia existe para ser cumprida, e,ali, acredito que essa regra atingiu seu gloriosoapogeu. Não bastavam meros comprovantes detrabalho, embora, repita-se, se tratasse de umhospital bastante conhecido.

Eram necessárias, entre outros documentos,duas declarações diferentes, cada uma em três vias(ou três declarações em duas vias, não me lembro

mais), contendo exatamente  o texto dos modelosque nos foram fornecidos. Tais declarações deve-riam, obrigatoriamente, ser em papel timbrado da

empresa empregadora, e o papel timbrado deveriater, obrigatoriamente, o endereço do empregadorno rodapé (ainda que a cópia autenticada docontrato social fizesse prova do endereço).

Saímos de lá, no meio da tarde, diretamentepara o hospital onde Ricardo trabalhava. Ali,seus colegas de trabalho, previamente alertadospor telefone, nos aguardavam com as cópiasdos documentos solicitados. Também dispo-nibilizaram um computador e impressora paraque digitássemos o texto exigido. No entanto,– tragédia! – no papel timbrado do hospital, nãoconstava o endereço. Inserimos um rodapé como endereço em todas as folhas utilizadas. Haviapressa: precisávamos entregar os documentos na

manhã seguinte, pois, enquanto a entrega nãoocorresse, ele não poderia sair para trabalhar. A missão foi cumprida, às nove da noite

(mesmo assim, levou alguns dias para que odeixassem sair, o que levou à impetração deoutro habeas corpus ).

O tempo passou e Ricardo atingiu o lapsotemporal necessário para pedir a progressãopara o regime aberto. O pedido foi feito, e osexames criminológicos (obrigatórios, naquelaépoca), realizados. Todos esses exames tiveramresultado favorável à progressão.

Os laudos foram encaminhados à Vara dasExecuções Criminais, e foi dada vista dos autosao Ministério Público.

E então os problemas, novamente, come-çaram.

O Promotor de Justiça requereu, e o Juizdeferiu, a realização de um exame psiquiátrico,que realmente não tinha sido feito.

Tudo estaria bom e correto, se não fosse um“pequeno” problema: não existia psiquiatra para fazer o exame havia mais de um ano. Tambémnão havia qualquer previsão de contratação deum profissional.

 A situação era digna de um livro de Kafka. E, se

DESCASOSPSIQUIATRA… SÓ NO RAIO QUE O PARTA  Alexandra Lebelson Szafir 

DESCASOS

o Promotor e o Juiz sabiam da inexistência de psi-quiatra (como era sua obrigação saber), só se podeimaginar o que pretendiam com aquela decisão.

Impetramos outro habeas corpus  em favor deRicardo. Concedida a liminar, ele foi colocadoem regime aberto e, além de trabalhar, começoua estudar.

Para irritação do Relator, as informações sóforam prestadas quando ele pediu a intervençãoda Corregedoria, “a dar conta de que a balburdiae desorganização naquele município são gerais,inclusive no âmbito do Poder Judiciário”.

Chegadas as informações, constatou-se que“a bagunça continua. Tal como antes, exame psiquiátrico nenhum teve lugar, simplesmente porque ali não existe psiquiatra. O resto? Ora, oresto que se dane...”.

 A ordem foi concedida, ressaltando o Rela-

tor que “agora, o Juízo poderá decidir o expedien-te quando bem lhe apetecer, o Poder Executivoir se organizar no raio que o parta. Só que, atéque o faça, o paciente permanecerá sob alberguedomiciliar (...). Medida de bom senso a liminarnovamente concedida, apenas restabelece o que jáexistia, o aberto domiciliar antes de ser cambiadoàquela bagunça organizada. Fica convalidada, para tanto concedida a ordem; quem sabe nointerregno a Administração localize algum psi-quiatra em Marte ou em Vênus. Ou no Mundoda Lua, onde permanentemente parece estar”.

É inevitável uma reflexão. Se ele não tivesseadvogado constituído (naquele tempo, não ha-via, ainda, em São Paulo, a Defensoria Pública):

Provavelmente, ele teria aguardado a vagano regime semiaberto numa cela superlotadado Distrito Policial onde estava preso;

Ele teria perdido o emprego;Ele não obteria a progressão, contribuindo

involuntariamente para o déficit de vagas noregime semiaberto, pois, até o término da suapena, não se realizou o exame psiquiátrico.

Alexandra Lebelson SzafirAdvogada. ([email protected])

ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIAEDITAL DE CONVOCAÇÃO

São convocados os associados do INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS – IBCCRIM a se reunirem em Assembléia Geral Extraordinária, a realizar-seem 24 de novembro de 2011, às 10:00 horas, em primeira convocação, se houver quorum estatutário, ou às 10:30 horas, em segunda convocação com qualquernúmero de associados, na sede social do Instituto, na Rua XI de Agosto, 52, 2º andar, Centro, São Paulo/SP, a fim de deliberarem sobre a Reforma Estatutária.

 Marta Saad

Presidente

Page 20: Boletim 228 NOV 2011-Libre

7/21/2019 Boletim 228 NOV 2011-Libre

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LANÇAMENTOS 

Direito dos TratadosValerio de Oliveira Mazzuoli

Interceptação TelefônicaLuiz Flávio Gomes eSilvio Maciel

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Estatuto do EstrangeiroYussef Said Cahali

Crimes HediondosAlberto Silva Franco,Rafael Lira e Yuri Felix

Direito Penal – Parte GeralJorge de Figueiredo Dias

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Medidas Cautelares noProcesso PenalCoord.: Og Fernandes

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