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Boletim Bibliográfico 7 - O Escritor do mês - abril / maio de 2015 - Fernando Pessoa "Ainda assim, sou alguém. /Sou o Descobridor da Natureza (...) Trago ao Universo um novo Universo / Porque trago ao Universo ele-próprio." (Alberto Caeiro, "XLVI", Poesias - Heterónimos ) O apelido de Pessoa remete-nos para o teatro grego, as máscaras com que cada um pode en- frentar as dificuldades, os perigos, os desastres que envolvem a sociedade humana e que persis- tem acima de nós. Pessoa transporta-nos para essa noção de diversidade, de mulplicidade do individual. O poeta de quem aqui falamos é o escritor do mês, em abril/maio, na Biblioteca da Escola. Trata-se de uma figura marcante da cultura europeia e mundial. Representa a procura de, num mundo colevo, exprimir a voz do indivíduo, do seu olhar e das suas possibilidades. Pessoa foi influenciado por um conjunto de circunstâncias, as suas, as do seu tempo, que criaram nele um ambiente histórico onde já se determinavam as dificuldades do Portugal Contemporâneo. A saber, O Ulmatum inglês, a decadência da monarquia, as dificuldades de afirmação da República, a ins- tabilidade políca e social e os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais. A confirmação de um regime onde a dignidade do ser não exisa assegurou-lhe um Portugal cinzento, sem visão, nem futuro. Pessoa soube criar uma poéca que respondia à mulplicidade individual, oferendo- nos a dimensão moderna, universal, do homem como medida de realização de um todo. Afinal o que pode ser a vida? Neste caminho em connua aprendizagem, que dimensão nos pode trans- portar para uma felicidade mais próxima da respiração de cada um? Um trajeto baseado em sen- sações, nas perceções que por nos dão a materialidade do mundo, como em Alberto Caeiro, ou o modernismo tecnológico do mundo de Álvaro Campos, ou os constantes valores culturais da me- mória de Ricardo Reis? Afinal não são os heterónimos diferentes possibilidades de olhar para a afirmação do género humano nessa aventura que é viver? Em todo este complexo modo de ser, Pessoa afirmou-nos que é pela força das ideias que o País poderá ter a sua única possibilidade de se afirmar no mundo desenvolvido. A Mensagem, mais do que um relato de feitos do passado, transporta-nos para essa ideia de um Quinto Império em que Portugal, para ser autónomo, dife- rente, melhor, terá de ser autênco e de saber assumir a sua verdadeira dimensão. Pessoa afir- mou-se modernista pela sua tentava de transformar o futuro do País pelas ideias, pela arte, pela cultura, no sendo de cada indivíduo poder parcipar na construção de uma comunidade. Quan- tos governaram este País, inclusive no presente, se esqueceram deste simples princípio? Pessoa é um criador universal, ele soube criar as diversas possibilidades do indivíduo, a sua mulplicidade, onde se encontram inscritos, os valores humanos. Afinal aquilo que poderemos ser em cada dia, reconstruindo o futuro quodianamente, é uma das suas grandes ideias. Parndo de uma experi- ência individual, as suas palavras reforçam a nossa humanidade, como valor universal. Só os ho- mens geniais conseguem, acima da espuma dos dias, verificar o movimento mais profundo e com- preender como poderemos ser mais dignos como País, nas palavras de Almada. Exisr é pouco para uma dimensão mais consciente da vida. A genialidade de Pessoa é essa. A de revelar a neces- sidade de quebrar a incerteza que reina nestas praias em sucessivas gerações. Mariano Deida afir- mou, que o poeta de autopsicografia inventou a própria literatura, por nos revelar novas dimen- sões humanas. “(...) E ao lerem os meus versos pensem Que sou qualquer cousa natural - Por exemplo, a árvore anga À sombra da qual quando crianças Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente Com a manga do bibe riscado. (1)." Fernando Pessoa - “I”, O Guardador de Rebanhos (Heterónimo Alberto Caeiro) A biografia de um poeta é muito a sua vida, aquela que ele forjou ou à qual deu sendo através das suas palavras. Por elas compôs o mundo, em sendos de esperança e transformação, no de- sejo de reajustar o real ao grande sonho do homem, a sua dignidade natural. Tratando-se de Pessoa, a sua poesia diz-nos muito dessa integridade do ser, de uma consciência para compreen- der a mulplicidade do mundo. A sua poesia representa a pluralidade do homem, a sua univer- salidade em se descobrir, capaz de realizar sonhos, olhares, caminhos. As linhas abaixo apenas traçam alguns que foram os seus gestos quodianos de uma vida complexa de definir. Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, a treze de junho de 1888, sendo a sua mãe natural da Ilha Terceira, Açores e o seu pai era de Lisboa. Com a perda do pai, em 1893, a família mudou-se para Durban, na África da Sul, pois o seu padrasto era cônsul naquela cidade. Pessoa viveu em Durban de 1896 a 1905, tendo aí realizado os seus estudos desde a escola primária à frequência no ensino supe- rior. Em 1906, matriculou-se no Curso Superior de Letras da Universidade de Lisboa que abando- nou no ano seguinte. Os seus primeiros escritos datam de 1910 e, a parr de 1913, com Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro, é percursor do Modernismo, em Portugal. Com este movi- mento, é publicada Orpheu, uma revista literária que difundiu as novas ideias que já há algum tempo circulavam pela Europa, no âmbito do Modernismo. Em 1925, perdeu a sua mãe, desgos- to que marcará a sua vida, e do qual nunca verdadeiramente recuperou. A parr de 1926, escre- veu poemas de um dos seus heterónimos, Bernardo Soares, O Livro do Desassossego. Em 1934, publicou a Mensagem. Mor- reu a trinta de novembro de 1935 devido a uma grave crise he- páca. Deixou-nos uma obra vasssima, complexa e fascinante, ainda por conhecer completamente e que, após a sua morte tem sido publicada e (re)descoberta.

Boletim Bibliográfico - (abril/maio) - Fernando Pessoa

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Boletim Bibliográfico da Biblioteca relativo ao mês de abril/maio (Fernando Pessoa).

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Page 1: Boletim Bibliográfico - (abril/maio) - Fernando Pessoa

Boletim Bibliográfico 7 - O Escritor do mês - abril / maio de 2015 - Fernando Pessoa

"Ainda assim, sou alguém. /Sou o Descobridor da Natureza (...) Trago ao Universo um novo Universo / Porque trago ao Universo ele-próprio."

(Alberto Caeiro, "XLVI", Poesias - Heterónimos )

O apelido de Pessoa remete-nos para o teatro grego, as máscaras com que cada um pode en-frentar as dificuldades, os perigos, os desastres que envolvem a sociedade humana e que persis-tem acima de nós. Pessoa transporta-nos para essa noção de diversidade, de multiplicidade do individual. O poeta de quem aqui falamos é o escritor do mês, em abril/maio, na Biblioteca da Escola. Trata-se de uma figura marcante da cultura europeia e mundial. Representa a procura de, num mundo coletivo, exprimir a voz do indivíduo, do seu olhar e das suas possibilidades. Pessoa foi influenciado por um conjunto de circunstâncias, as suas, as do seu tempo, que criaram nele um ambiente histórico onde já se determinavam as dificuldades do Portugal Contemporâneo. A saber, O Ultimatum inglês, a decadência da monarquia, as dificuldades de afirmação da República, a ins-tabilidade política e social e os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais. A confirmação de um regime onde a dignidade do ser não existia assegurou-lhe um Portugal cinzento, sem visão, nem futuro. Pessoa soube criar uma poética que respondia à multiplicidade individual, oferendo-nos a dimensão moderna, universal, do homem como medida de realização de um todo. Afinal o que pode ser a vida? Neste caminho em contínua aprendizagem, que dimensão nos pode trans-portar para uma felicidade mais próxima da respiração de cada um? Um trajeto baseado em sen-sações, nas perceções que por nos dão a materialidade do mundo, como em Alberto Caeiro, ou o modernismo tecnológico do mundo de Álvaro Campos, ou os constantes valores culturais da me-mória de Ricardo Reis? Afinal não são os heterónimos diferentes possibilidades de olhar para a afirmação do género humano nessa aventura que é viver? Em todo este complexo modo de ser, Pessoa afirmou-nos que é pela força das ideias que o País poderá ter a sua única possibilidade de se afirmar no mundo desenvolvido. A Mensagem, mais do que um relato de feitos do passado, transporta-nos para essa ideia de um Quinto Império em que Portugal, para ser autónomo, dife-rente, melhor, terá de ser autêntico e de saber assumir a sua verdadeira dimensão. Pessoa afir-mou-se modernista pela sua tentativa de transformar o futuro do País pelas ideias, pela arte, pela cultura, no sentido de cada indivíduo poder participar na construção de uma comunidade. Quan-tos governaram este País, inclusive no presente, se esqueceram deste simples princípio? Pessoa é um criador universal, ele soube criar as diversas possibilidades do indivíduo, a sua multiplicidade, onde se encontram inscritos, os valores humanos. Afinal aquilo que poderemos ser em cada dia, reconstruindo o futuro quotidianamente, é uma das suas grandes ideias. Partindo de uma experi-ência individual, as suas palavras reforçam a nossa humanidade, como valor universal. Só os ho-mens geniais conseguem, acima da espuma dos dias, verificar o movimento mais profundo e com-preender como poderemos ser mais dignos como País, nas palavras de Almada. Existir é pouco para uma dimensão mais consciente da vida. A genialidade de Pessoa é essa. A de revelar a neces-sidade de quebrar a incerteza que reina nestas praias em sucessivas gerações. Mariano Deida afir-mou, que o poeta de autopsicografia inventou a própria literatura, por nos revelar novas dimen-sões humanas.

“(...) E ao lerem os meus versos pensem Que sou qualquer cousa natural - Por exemplo, a árvore antiga À sombra da qual quando crianças Se sentavam com um baque, cansados de brincar, E limpavam o suor da testa quente Com a manga do bibe riscado. (1)." Fernando Pessoa - “I”, O Guardador de Rebanhos (Heterónimo Alberto Caeiro)

A biografia de um poeta é muito a sua vida, aquela que ele forjou ou à qual deu sentido através das suas palavras. Por elas compôs o mundo, em sentidos de esperança e transformação, no de-sejo de reajustar o real ao grande sonho do homem, a sua dignidade natural. Tratando-se de Pessoa, a sua poesia diz-nos muito dessa integridade do ser, de uma consciência para compreen-der a multiplicidade do mundo. A sua poesia representa a pluralidade do homem, a sua univer-salidade em se descobrir, capaz de realizar sonhos, olhares, caminhos. As linhas abaixo apenas traçam alguns que foram os seus gestos quotidianos de uma vida complexa de definir. Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, a treze de junho de 1888, sendo a sua mãe natural da Ilha Terceira, Açores e o seu pai era de Lisboa. Com a perda do pai, em 1893, a família mudou-se para Durban, na África da Sul, pois o seu padrasto era cônsul naquela cidade. Pessoa viveu em Durban de 1896 a 1905, tendo aí realizado os seus estudos desde a escola primária à frequência no ensino supe-rior. Em 1906, matriculou-se no Curso Superior de Letras da Universidade de Lisboa que abando-nou no ano seguinte. Os seus primeiros escritos datam de 1910 e, a partir de 1913, com Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro, é percursor do Modernismo, em Portugal. Com este movi-mento, é publicada Orpheu, uma revista literária que difundiu as novas ideias que já há algum tempo circulavam pela Europa, no âmbito do Modernismo. Em 1925, perdeu a sua mãe, desgos-to que marcará a sua vida, e do qual nunca verdadeiramente recuperou. A partir de 1926, escre-veu poemas de um dos seus heterónimos, Bernardo Soares, O Livro do Desassossego. Em 1934, publicou a Mensagem. Mor-reu a trinta de novembro de 1935 devido a uma grave crise he-pática. Deixou-nos uma obra vastíssima, complexa e fascinante, ainda por conhecer completamente e que, após a sua morte tem sido publicada e (re)descoberta.

Page 2: Boletim Bibliográfico - (abril/maio) - Fernando Pessoa

Ficha Técnica Redação: Equipa da Biblioteca Biblioteca: Escola Secundária Rainha Dona Amélia Periodicidade: Mensal (abril/maio) Distribuição/Publicitação:

(Afixação na Biblioteca / Plataformas digitais)

Boletim Bibliográfico 7 - O Escritor do mês - abril / maio de 2015 - Fernando Pessoa

«Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo» (1)

Falar dele, apresentá-lo num boletim bibliográfico, é um desafio. Por mais textos que já tenhamos escrito ou lido sobre ele, é sempre uma novidade falar dos continentes de emo-ções e latitudes diferenciadas que acontecem na sua obra. A sua biografia é uma impres-são, um gesto de uma genialidade complexa e universal. Foi com ele que atingimos a uni-versalidade dentro de um particular de pouca grandeza, onde sabemos distinguir a palavra, a dúvida e o sonho. Inventou, num mar de aparente solidão, uma nova forma de apresen-tar as palavras, de desenhar ideias de futuro, construindo uma língua, uma literatura. Ele somos todos nós. Aqueles que ele inventou nos quotidianos onde tantos seres particulares ganham a sua originalidade, a sua universal humanidade. Se há poeta, se há escritor, se há literatura, ele é tudo isso. É a demonstração de que um país é a sua cultura, a sua língua, as suas pessoas, a sua individualidade… Em alguns poemas, traçou uma filosofia capaz de dar ao indivíduo as suas possibilidades de definir uma forma de existir. Em Alberto Caeiro «Falaram-me os homens em humanidade. Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade. Vi vários homens assombrosamente dife-rentes entre si. Cada um separado do outro por um espaço sem homens.» , em Ricardo Reis «Da verdade não quero mais que a vida; que os deuses dão vida e não verdade, nem talvez saibam qual a verdade.”, em Álvaro de Campos «És importante para ti porque só tu és importante para ti. E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?, notamos essa necessidade de expressão individual, de pluralidade de possibilidades. Com ele, a poesia e a filosofia colocam-nos questões tão essenciais como estas: que socie-dade construímos? A que modernidade acedemos, quando o homem se sente só, onde as ideias não funcionam como formas de construir o real?. Pessoa colocou-nos questões de profunda atualidade, num diálogo essencial, aquele que opõe consumismo ao despoja-mento, a massificação ao regresso à natureza, o Eu a (os) outros e as ações aos valores éticos. O seu património na cultura universal é de uma evidência gritante. Pessoa somos todos nós, na possibilidade de fundarmos uni-versos pessoais e de lhes darmos o significado que as nossas vidas permitirem, pela ousadia, pela inteligência, pela viagem interior. Ele é o nosso maior poeta, o filósofo das parti-das esquecidas e dos sonhos de conquista do infinito universo. Chama-se Fernando Pessoa, andou por aqui durante os milénios dos seus sonhos e há alguns anos que adormeceu. Continua a incomodar o real feito de aparentes compromissos de verdade e imaginação. (1) Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos

«(…) Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso fui o único poeta da Natureza”. Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos