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- Boletim Bibliográfico 13 - maio / junho de 2016 - Amadeo de Souza-Cardoso - Amadeo nasceu em Manhufe, no concelho de Amarante, a 14 de novembro de 1887. Cresceu no seio de uma família rica de proprietários rurais. Passou a sua infância entre a casa de Ma- nhufe e a cidade de Espinho. Aí conheceu Manuel Laranjeira, cuja amizade foi determinante para incenvar a práca do desenho. Amadeo desenvolveu essa práca em Lisboa, no âmbito dos estudos realizados na Academia de Belas-Artes de Lisboa, nos anos de 1094 e 1905. Em 1906, parte para Paris, na companhia de Francisco Smith. Paru sem saber quando voltaria. Instalou-se no Boulevard Montparnasse e preparou a sua entrada por concurso na École des Beaux Arts. Paris com seu o ambiente fervilhante de ideias e figuras, fascinou-o. Influenciado de modo parcular pela ilustração que circulava na imprensa francesa, Amadeo dedica-se ao desenho e à pintura. Nos primeiros anos, convive em Paris com outros portugueses, com des- taque para Manuel Bentes, Eduardo Viana ou Domingos Rebelo Smith. Com eles vive um es- paço de boémia e tertúlias no seu estúdio, nº 14, da Cité Falguière. Este convívio foi de curta duração. Em 1908, conhece Lucia Peceo, com quem casará em 1914, e começa a frequentar as classes da Academia Vi, do pintor espanhol Anglada-Camarasa. Muda o seu ateliê para a rue de Fleurus, num espaço próximo do apartamento de Gertrude Stein. O afastamento do círculo português é uma opção para mudar o seu sendo plásco. Amadeo trabalha a um ritmo de grande exigência e de compromisso com as ideias que vai absorvendo. Pesquisa as ideias do modernismo em desenvolvimento em Paris. É esse contexto de invesgação das ideias do Modernismo que, em 1910, o leva a entusias- mar-se pela pintura flamenga, numa visita que faz a Bruxelas. É, ainda, neste período, que aprofunda a amizade com Amedeo Modigliani. Em 1911, muda de estúdio e instala-se próxi- mo do Quai d’Orsay, na rue du Colonel Combes. A sua primeira exposição, em 1911, apresen- ta um conjunto de seis pinturas, no Salon des Indépendants. Ainda em 1911, no estúdio da rue du Colonel Combes, realiza uma exposição conjunta com Modigliani. Entre 1912 e 1914, mostra o seu trabalho no Salon d’Automne. Por esta altura, Amadeo aumenta o seu círculo de amizades e de conhecimentos. Conhece Umberto Boccioni, Gino Severini, e Walter Pach. Será este úlmo a convidá-lo a parcipar no Armory Show. Conhece e contacta com outros nomes importantes da arte como Juan Gris, Max Jacob, Sonia e Robert Delaunay, Brancusi, Archipenko, Umberto Brunelleschi e Diego Rivera, entre outros. Amadeo cimenta o seu interesse pelo desenho e entusiasma-se na preparação do manuscrito ilustrado da Légende de Saint Julien l’Hospitalier de Flaubert e pela publicação do álbum XX Dessins, com prefácio de Jérôme Doucet. O álbum é reconhecido como de grande valor pelo célebre críco Louis Vauxcelles. Amadeo procura alargar o seu círculo de contactos e expandir-se para fora de Paris. Para tal, consegue parcipar numa série de importantes exposições, entre as quais a célebre Exposi- ção Internacional de Arte Moderna de 1913, também conhecida como Armory Show, que mostraria pela primeira vez a moderna arte europeia nos EUA (Nova Iorque, Chicago e Bos- ton). Amadeo apresenta oito obras, ao lado de Braque, Masse, Duchamp, Gleizes, Herbin e Segonzac. Nesta mostra consegue vender três telas a um colecionador de arte americano, Arthur J. Eddy. Este colecionador de Cubist and Post-Impressionism (1914), cita e reproduz algumas das obras do pintor português. Em setembro de 1913, muda-se para outro estúdio, na rue Ernest Cresson e, meses depois, a sua obra é apresentada no I Herbstsalon de Berlim, organizado pela Galeria Der Sturm. Em abril de 1914, enviou três trabalhos para a Royal Aca- demy de Londres, que nunca foram expostos devido ao início da 1ª grande Guerra. Ainda nesse ano, muda de ateliê e instala-se no nº 38 da rue Boulard, na Vila Louvat, que nunca chegará a ulizar. Nesse mesmo ano, depois de uma passagem por Barcelona onde conhece Gaudi, regressa à aldeia de Manhufe. A Guerra impede-o de regressar a Paris. Em Portugal, connuará a sua obra, explorará a abordagem que fazia em Paris nos domínios da abstração e do expressionismo e abre um novo compromisso estéco com formas de trabalho no domí- nio da colagem. Em 1915, com a visita de Sonia e Robert Delaunay, que passam por Vila do Conde, recupera os contactos com o grupo português, com destaque para Eduardo Viana, e conhece Almada Negreiros. Será através deste que conhece o grupo dos “Futuristas” em Lis- boa, reunidos, no início, à volta da revista Orpheu. Amadeo acabou por ter uma influência significava no panorama da Arte em Portugal do seu tempo, ao ligar-se à postura modernis- ta que Pessoa, Almada ou Sá-Carneiro difundiam. Essa forma de abordagem ao mundo foi reconhecida por Amadeo como importante para fazer a ruptura com as estruturas tradicio- nais dominantes. As mesmas estruturas que não o compreenderam, aquando das duas expo- sições feitas em Portugal. Essa mostras ocorreram no Porto e em Lisboa, em 1916, e nham por Abstracionismo. A estéca nacional dominante não o compreendeu, não aceitou as suas linhas pictóricas, num ambiente de quase escândalo. Almada Negreiros e Fernando Pessoa compreenderam-no e tentaram defendê-lo, reconhecendo-o como o pintor mais importante do seu tempo. Foram, contudo, manifestações de apoio isoladas. Amadeo morre em Espinho, em outubro de 1918, com trinta anos, víma da epidemia de pneumónica que deflagrou nes- se ano. Fonte: Joana Cunha Leal, A Lenda de São Julião Hospitaleiro, Assírio e Alvim. Tenho atravessado momentos torturantes de ansiedade: há mais de quatro meses que o meu espírito luta em batalhas tre- mendas, esperançado numa vitória brilhante e numa resistên- cia heróica. Tenho sendo momentos em que tudo me aparece de uma esterilidade negra, de impotência realizadora, de gasto, de inúl; outros de irradiações celestes, de fecundidade imensa, de me abrir ao criador como uma flor se abre ao sol. E entre isto, choques e senmentos, massacres de ideias, aonde pensa- mentos novos se formam de senmentos velhos. (…) das entre- lutas examino a minha capacidade de energia vital e parece-me a vitória nída. Carta à mãe, Paris, 21 de abril de 1914.

Boletim Bibliográfico - Amadeo de Souza-Cardoso

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Boletim Bibliográfico sobre a obra de Amadeo de Souza-Cardoso.

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- Boletim Bibliográfico 13 - maio / junho de 2016 - Amadeo de Souza-Cardoso -

Amadeo nasceu em Manhufe, no concelho de Amarante, a 14 de novembro de 1887. Cresceu no seio de uma família rica de proprietários rurais. Passou a sua infância entre a casa de Ma-nhufe e a cidade de Espinho. Aí conheceu Manuel Laranjeira, cuja amizade foi determinante para incentivar a prática do desenho. Amadeo desenvolveu essa prática em Lisboa, no âmbito dos estudos realizados na Academia de Belas-Artes de Lisboa, nos anos de 1094 e 1905. Em 1906, parte para Paris, na companhia de Francisco Smith. Partiu sem saber quando voltaria. Instalou-se no Boulevard Montparnasse e preparou a sua entrada por concurso na École des Beaux Arts. Paris com seu o ambiente fervilhante de ideias e figuras, fascinou-o. Influenciado de modo particular pela ilustração que circulava na imprensa francesa, Amadeo dedica-se ao desenho e à pintura. Nos primeiros anos, convive em Paris com outros portugueses, com des-taque para Manuel Bentes, Eduardo Viana ou Domingos Rebelo Smith. Com eles vive um es-paço de boémia e tertúlias no seu estúdio, nº 14, da Cité Falguière. Este convívio foi de curta duração. Em 1908, conhece Lucia Pecetto, com quem casará em 1914, e começa a frequentar as classes da Academia Viti, do pintor espanhol Anglada-Camarasa. Muda o seu ateliê para a rue de Fleurus, num espaço próximo do apartamento de Gertrude Stein. O afastamento do círculo português é uma opção para mudar o seu sentido plástico. Amadeo trabalha a um ritmo de grande exigência e de compromisso com as ideias que vai absorvendo. Pesquisa as ideias do modernismo em desenvolvimento em Paris. É esse contexto de investigação das ideias do Modernismo que, em 1910, o leva a entusias-mar-se pela pintura flamenga, numa visita que faz a Bruxelas. É, ainda, neste período, que aprofunda a amizade com Amedeo Modigliani. Em 1911, muda de estúdio e instala-se próxi-mo do Quai d’Orsay, na rue du Colonel Combes. A sua primeira exposição, em 1911, apresen-ta um conjunto de seis pinturas, no Salon des Indépendants. Ainda em 1911, no estúdio da rue du Colonel Combes, realiza uma exposição conjunta com Modigliani. Entre 1912 e 1914, mostra o seu trabalho no Salon d’Automne. Por esta altura, Amadeo aumenta o seu círculo de amizades e de conhecimentos. Conhece Umberto Boccioni, Gino Severini, e Walter Pach. Será este último a convidá-lo a participar no Armory Show. Conhece e contacta com outros nomes importantes da arte como Juan Gris, Max Jacob, Sonia e Robert Delaunay, Brancusi, Archipenko, Umberto Brunelleschi e Diego Rivera, entre outros. Amadeo cimenta o seu interesse pelo desenho e entusiasma-se na preparação do manuscrito ilustrado da Légende de Saint Julien l’Hospitalier de Flaubert e pela publicação do álbum XX Dessins, com prefácio de Jérôme Doucet. O álbum é reconhecido como de grande valor pelo célebre crítico Louis Vauxcelles. Amadeo procura alargar o seu círculo de contactos e expandir-se para fora de Paris. Para tal, consegue participar numa série de importantes exposições, entre as quais a célebre Exposi-ção Internacional de Arte Moderna de 1913, também conhecida como Armory Show, que mostraria pela primeira vez a moderna arte europeia nos EUA (Nova Iorque, Chicago e Bos-ton). Amadeo apresenta oito obras, ao lado de Braque, Matisse, Duchamp, Gleizes, Herbin e Segonzac. Nesta mostra consegue vender três telas a um colecionador de arte americano, Arthur J. Eddy. Este colecionador de Cubist and Post-Impressionism (1914), cita e reproduz algumas das obras do pintor português. Em setembro de 1913, muda-se para outro estúdio, na rue Ernest Cresson e, meses depois, a sua obra é apresentada no I Herbstsalon de Berlim, organizado pela Galeria Der Sturm. Em abril de 1914, enviou três trabalhos para a Royal Aca-demy de Londres, que nunca foram expostos devido ao início da 1ª grande Guerra. Ainda nesse ano, muda de ateliê e instala-se no nº 38 da rue Boulard, na Vila Louvat, que nunca chegará a utilizar. Nesse mesmo ano, depois de uma passagem por Barcelona onde conhece Gaudi, regressa à aldeia de Manhufe. A Guerra impede-o de regressar a Paris. Em Portugal, continuará a sua obra, explorará a abordagem que fazia em Paris nos domínios da abstração e do expressionismo e abre um novo compromisso estético com formas de trabalho no domí-nio da colagem. Em 1915, com a visita de Sonia e Robert Delaunay, que passam por Vila do Conde, recupera os contactos com o grupo português, com destaque para Eduardo Viana, e conhece Almada Negreiros. Será através deste que conhece o grupo dos “Futuristas” em Lis-boa, reunidos, no início, à volta da revista Orpheu. Amadeo acabou por ter uma influência significativa no panorama da Arte em Portugal do seu tempo, ao ligar-se à postura modernis-ta que Pessoa, Almada ou Sá-Carneiro difundiam. Essa forma de abordagem ao mundo foi reconhecida por Amadeo como importante para fazer a ruptura com as estruturas tradicio-nais dominantes. As mesmas estruturas que não o compreenderam, aquando das duas expo-sições feitas em Portugal. Essa mostras ocorreram no Porto e em Lisboa, em 1916, e tinham por Abstracionismo. A estética nacional dominante não o compreendeu, não aceitou as suas linhas pictóricas, num ambiente de quase escândalo. Almada Negreiros e Fernando Pessoa compreenderam-no e tentaram defendê-lo, reconhecendo-o como o pintor mais importante do seu tempo. Foram, contudo, manifestações de apoio isoladas. Amadeo morre em Espinho, em outubro de 1918, com trinta anos, vítima da epidemia de pneumónica que deflagrou nes-se ano.

Fonte: Joana Cunha Leal, A Lenda de São Julião Hospitaleiro, Assírio e Alvim.

Tenho atravessado momentos torturantes de ansiedade: há mais de quatro meses que o meu espírito luta em batalhas tre-mendas, esperançado numa vitória brilhante e numa resistên-cia heróica. Tenho sentido momentos em que tudo me aparece de uma esterilidade negra, de impotência realizadora, de gasto, de inútil; outros de irradiações celestes, de fecundidade imensa, de me abrir ao criador como uma flor se abre ao sol. E entre isto, choques e sentimentos, massacres de ideias, aonde pensa-mentos novos se formam de sentimentos velhos. (…) das entre-lutas examino a minha capacidade de energia vital e parece-me a vitória nítida. Carta à mãe, Paris, 21 de abril de 1914.

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Ficha Técnica

Redação: Equipa da Biblioteca Biblioteca: Escola Secundária Rainha Dona Amélia Periodicidade: Mensal (maio/junho) Distribuição/Publicitação:

(Afixação na Biblioteca / Plataformas digitais)

O lugar de partida (a pequena aldeia de Manhufe, no Norte de Portu-gal) é a primeira marca de identidade do artista e persiste como matriz ao longo das múltiplas etapas do seu trabalho. Mas “lugar” não é aqui apenas paisagem ou representação da natureza, antes engloba aquilo que Amadeo considerava, em simultâneo, ser sua pertença: a paisagem natural, mas também a cultural. E foi sobre ela que o artista exerceu uma ação transfor-madora, sobre o que poderia ser um conjunto de signos conservadores e imutáveis: montanhas e objetos quotidianos, letras de canções e bonecas populares, instrumentos musicais regionais, azenhas, castelos imaginados e interiores domésticos familiares, bosques e tipologias humanas locais. Estes variados elementos são representados segundo soluções estilísticas marcadas pelo hibridismo cubista, futurista, órfico e expressionista que per-corre a sua obra. Amadeo incorpora os elementos do mundo rural e familiar e os elementos característicos do mundo moderno numa mesma dinâmica e, sem hierarquia explícita, atinge um momento em que cruza o lugar de origem com a vertigem das máquinas, dos manequins mecânicos, dos fios de telégrafo e telefone, das lâmpadas elétricas e reclames publicitários, das emissões de rádio, dos perfumes, do champanhe… Urbano, por determinação de vontade, o artista manteve-se ligado ao movi-mento ondulatório das suas montanhas que repetidamente pinta e servem de “fundo” a obras de muitas das fases. E é sobre estas montanhas que se faz autorrepresentar, vestido de pintor à maneira de El Greco. O espaço de representação parece não chegar para tudo o que o artista nele quer colo-car, integrando (também como colagem) muitos objetos, locais ou urbanos, num singular jogo combinatório. Também a importância da palavra e o uso das letras na pintura releva o encontro com as novas práticas artísticas con-temporâneas. As letras/palavras, aplicadas em pochoirs de cartão ou zinco (encomendadas ou feitas por ele), introduzem mais elementos de polisse-mia na pintura, facilitando as referências à publicidade industrial (“Barrett”, “Wotan”) e comercial (“Coty”, “Brut”, “300”, “Eclypse”), mas deixando-as sem um claro papel narrativo ou ilustrativo na pintura. Amadeo desvia os sentidos originais, tal como faz com as formas: os seus discos cromáticos podem ser alvos coloridos, de feira ou de guerra; ou podem ser pires de fai-ança popular onde caem insetos. Esta sucessão de indícios de incorporação do mundo novo reforça a convic-ção de que Amadeo tem consciência ativa do que é ser “moderno”, não ape-nas nos temas (exaltação da mecanização do natural e do humano), como também nos métodos e técnicas que usa para os tratar, ou ainda na vonta-de de dar-se a conhecer através da promoção de uma imagem pessoal (com o recurso à edição divulgadora dos XX Dessins ou das 12 Reproductions, ou do carimbo da sua própria assinatura). A sua morte prematura, aos 30 anos, vítima da epidemia de gripe espanhola, contribuiu para um progressi-vo esquecimento da sua obra a nível internacional que, esta exposição, um século depois, pretende resgatar. Amadeo de Souza-Cardoso, o segredo mais bem guardado da arte moder-na, in Fundação C. Gulbenkian.

Recursos online da Biblioteca: Amadeo - desenhar uma personalidade fascinante (I) Amadeo - desenhar uma personalidade (II) Amadeo - desenhar uma personalidade (III) Amadeo - desenhar uma personalidade (IV) Amadeo - desenhar uma personalidade (V) Cartaz de apresentação da exposição ; Amadeo - A criação do artista (filme)

Manifesto de Almada Negreiros sobre a exposição de Amadeo na Liga Naval (1916)

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