Boletim Bibliográfico - José Saramago

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  • 8/17/2019 Boletim Bibliográfico - José Saramago

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    - Boletim Bibliográfico 12 - O Escritor do mês - abril de 2016 - José Saramago -

    José Saramago é um autor marcante das úlmas décadas do século XX, tendo do um papelde destaque na internacionalização da literatura portuguesa, dando -lhe palcos relevantes emdiferentes connentes.  José Saramago foi um escritor invulgarpor diferentes movos. Deniu uma escrita em moldes muitopróprios, narrando diversas vezes como se o discurso fosse donível oral e propondo uma longa conversa.As suas frases longas, as suas polémicas, o seu posicionamentopolíco, as suas armações sobre a espuma dos dias deram-lheum carisma que atraiu fãs do mundo inteiro e afastou muitosoutros, por desconhecimento do seu real valor enquanto cria-dor de ideias. Vericaram-se assim alguns equívocos que impor-

    ta ultrapassar para que mais pessoas cheguem ao valor intrínse-co da sua escrita. O primeiro equívoco é pensá-lo como um escritor de romanceshistóricos, situação surgida pelo seu primeiro êxito - Memorialdo Convento.

    José Saramago não escreveu romances históricos, no sendo dedevolver a respiração de uma sociedade, de um conjunto social e cultural.  Memorial do Con-vento é uma obra de cção sobre um tempo especíco do passado, dando -lhe o autor umaperspeva do seu próprio conhecimento e da sua análise do presente.  Memorial do Conven-to é uma oportunidade para conhecer o que pensa Saramago sobre a transformação das soci-edades e, neste caso, a da 1ª metade do século XVIII. Em José Saramago, a História não éapreendida como uma certeza credível, sendo muitas vezes considerada como uma fantasia,na medida em que ela muda conforme as dimensões do tempo e perspeva das ações con-crezadas por diferentes pessoas.Em O ano da morte de Ricardo Reis  não volta a escrever um romance histórico, meditandoentre um fascínio sobre a racionalidade deste heterónimo de Pessoa e um certo desconforto

    pela ideia de sasfação pelo espetáculo do mundo.Coloca assim, o ano de 1936 como pano de fundo e procura interrogar-nos sobre a crise dasconsciências e o nascimento dos autoritarismos na Europa. É uma convocação para nos inter-rogar, tendo como cenário a desordem humanitária dos fascismos europeus. É uma interro-gação, a de vericar se ainda seria possível escrever odes sobre as quais nos senmos sábios.  A História do Cerco de Lisboa, é o livro onde foi mais longe na interrogação do espelho da

    História, e onde cruzou espaços temporais diferenciados, o século XII e o século XX. Nele, dis-cute os limites da “verdade histórica”, numa narrava que nos devolve o homem comum, oque muitas vezes não se ouve nas narravas da História.Com  A História do Cerco de Lisboa , José Saramago procurou dar-nos a discussão da possibili-dade de se escrever a História do Tempo Longo e essa é uma das suas marcas como escritor.Apresenta, num tempo conjuntural, a discussão do que é permanente nas sociedades, e decomo o que vivemos e construímos vive desta combinação, de atudes e valores de diferen-tes guras. Aquilo que José Saramago considerou ser o âmago da pedra, a carne e o sanguepor que lutamos, fê-lo evoluir para um po de literatura que colocou questões sobre valoresimportantes, interrogando-nos sobre o que somos, que valores e preconceitos veiculamos eporque o fazemos.A abordagem de temas que tocavam crenças de muitas pessoas criaram-lhe diculdades. Sãoromances desta fase, O Evangelho segundo Jesus Cristo, O Ensaio sobre a Cegueira ou Todosos Nomes. No Livro das Tentações, ou em O Homem Duplicado,  revemos a restauração da

    ideia que nos devolve à pedra essencial de que somos feitos em estreita ligação ao mundomaterial e à nossa memória. 

    Se olharmos as coisas de perto, na melhor das hipóteses chega-remos à conclusão de que as palavras tentam dizer o que pensá-

    mos ou sentimos, mas há motivos para suspeitar que, por muitoque procurem, não chegarão nunca a enunciar essa coisa estra-nha, rara e misteriosa que é um sentimento . 

    José Saramago. (2010). Nas Suas Palavras. Alfragide: EditorialCaminho. 

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    Ficha Técnica Redação: Equipa da Biblioteca Biblioteca: Escola Secundária Rainha Dona Amélia Periodicidade: Mensal (abril) Distribuição/Publicitação: 

    (Axação na Biblioteca / Plataformas digitais) 

    - Boletim Bibliográfico 12 - O Escritor do mês - abril de 2016 - José Saramago -

    «(...) Levantemos um punhado de

    terra e apertemo-la nas mãos.

     

    Com doçura. 

     Aí se contém toda a verdade suportável:o contorno, a vontade e os limites.Podemos então dizer que somos livres, 

    com a paz e o sorriso de quem se reconhece eviajou à roda do mundo infatigável, porque  mordeu a alma até aos ossos dela. 

    Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.  

    Cada um de nós é por enquanto a vida.

    Isso nos baste.» 

    José Saramago. (2014). “Na ilha por vezes habita-da”, in Provavelmente Alegria. Porto: Porto Editora. 

    “Porque terá chegado a grande sombra, enquanto a memória não o ressuscitar no cami-nho alagado sob o côncavo do céu e a eterna interrogação dos astros. Que palavra diráentão." (1) 

     As memórias com que trabalhamos o quotidiano dão -nos imagens e ashes de vivênciasque tivemos e que pelo seu signicado nos concedem espaços de viagem a um passadoque apenas reencontramos. Neste território, queremos habitar o olhar, as formas de brin-car com os dias, desejar construir o quotidiano com a mesma forma de possíveis, mas já lánão estamos com as mesmas atribuições de fantasia. As pequenas memórias, como espa-ço de infância é um território já afastado de nós, estranho à nossa dimensão de seres tra-balhados no tempo e onde a viagem está já marcada por esse pó que se levanta dos dias.Escrever da infância é sempre regressar ao milagre da descoberta dos primeiros passos,do olhar que cou marcado nos gestos, nos encontros, nas pessoas, nos objetos que rei-vindicam uma pequena imortalidade. A memória é também uma reconstrução desse tem-po e nesse sentido do que foi a infância. Em Pequenas Memórias José Saramago reescreveesse tempo, em que procurou integrar um espaço social, económico e cultural. As suasmemórias terminam na adolescência, pois a construção da infância, a emersão nesse terri-tório por onde entrou no mundo aí fazem terminar a fantasia desse olhar. Biograa, umabiograa sua já não teria o mesmo signicado. Em Pequenas Memórias, Saramago recordao processo de reconstrução da imagem da infância, pelo que foi, pelo que foi encontradode particular e de original nessa festa que é sempre a chegada de uma criança. Em Peque-nas Memórias não recebemos ainda os elementos que conrmaram Saramago com umescritor. Apesar do seu sucesso educativo como aluno, é o olhar, os ambientes, as som-

    bras, as pessoas, os dilemas de vida que forjam as suas representações do mundo. JoséSaramago descobriu-se como grande leitor mais tarde e a sua escrita conduz às palavras,essa imaginação das possibilidades, que desde criança o colocou nesse confronto com oquotidiano. As Pequenas Memórias explicam-no como pessoa e aproximam-nos de umaironia de pensamento com que povoou os seus livros. A recriação do real, a ousadia dasabordagens, as polémicas que manteve foram formas de construir as paisagens humanas,que desde cedo conheceu e quis transformar. A memória é também em Saramago, umareconstrução, uma forma de possíveis. Toda a sua obra mergulha na tentativa conquistaro real, por esse olhar que desde cedo procurou trazer uma forma mais justa e questioná-vel de medir o horizonte dos dias.  

    (1) José Saramago. (2014). As Pequenas Memórias. Porto: Porto Editora.