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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 693
(Ano VIII)
(02/9/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
22
Boletim Conteúdo Jurídico n. 693 de 02/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS POR POLICIAIS MILITARES CONTRA CIVIS: ATRIBUIÇÕES PARA A INVESTIGAÇÃO
FELIPE AUGUSTO FONSECA VIANNA: Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Professor das Escolas Atualizar Saúde e Protetiva Saúde. Autor de obra doutrinária e artigos jurídicos publicados em periódicos especializados.
Resumo: Este breve artigo trata da natureza jurídica dos crimes dolosos
contra a vida praticados por policiais militares contra civis e,
consequentemente, a quem cabe as investigações que visem a apurar tais
delitos. Nessa linha, problematiza‐se o tema com as seguintes indagações:
o crime contra a vida praticado por policiais militares contra civis
configura‐se como crime militar ou crime comum? A apuração de tais
delitos compete à polícia judiciária (por meio de inquérito policial) ou a
polícia judiciária militar (por meio de inquérito policial militar)? Após
análise da história e natureza jurídica do art. 9º, parágrafo único, do CPM,
e do art. 82, §2º, do CPPM, demonstrar‐se‐á que os crimes dolosos contra
a vida praticados por policiais militares contra civis deve ser considerado
crime comum e, via de consequência, exclui‐se a possibilidade de
apuração dos fatos pela polícia judiciária militar, a qual só cabe a apuração
de crimes militares.
Palavras‐chave: Crimes dolosos contra a vida. Crime Militar. Crime
Comum. Policial Militar. Civil.
Sumário: 1 Introdução. 2 O exercício da Polícia Judiciária e da Polícia
Judiciária Militar. 3 Crimes Comuns e Crimes Militares. 4 Crimes Dolosos
Contra a Vida Praticados por Policiais Militares Contra Civis. 4.1 O art. 9º,
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parágrafo único, do CPM: histórico e natureza jurídica. 4.2 O art. 82, §2º,
do CPPM. 4.3. Normas Esparsas Acerca da Atribuição Investigativa. 6.
Conclusão. Referências.
Introdução.
Atualmente, o art. 9º, parágrafo único, do Código Penal Militar
(CPM) afirma que os crimes militares previsto naquele artigo, quando
“dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da
justiça comum”. O art. 82, §2º, do Código de Processo Penal Militar
(CPPM), a seu turno, dispõe que: “Nos crimes dolosos contra a vida,
praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito
policial militar à justiça comum”.
Contudo, a redação defeituosa imposta a tais comandos normativos
pela Lei nº. 9.299/1996 redundou em celeuma até hoje acesa nos
operadores do direito e Judiciário em geral: os crimes dolosos contra a
vida praticados por policiais militares contra civis ainda ostentam a
natureza jurídica de crime militar, ou passaram a ser considerados como
crimes comuns? A apuração de tais delitos cabe à polícia judiciária ou à
polícia judiciária militar?
O presente texto, assim, objetiva a analisar a natureza jurídica dos
crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis
e a quem cabe as atribuições para a investigação de tais delitos.
Ao final, cumpre dizer que o presente artigo faz uma revisão de
literatura com base no método de abordagem dedutivo, utiliza como
técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica a partir de documentos
como livros, manuais, códigos e periódicos, que, proporcionando um novo
enfoque sobre o tema, serviram de base para as conclusões do autor.
O exercício da Polícia Judiciária e da Polícia Judiciária Militar.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988
disciplinou, em seu art. 144, os diversos órgãos de segurança pública,
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inclusive no que diz respeito à função de polícia judiciária, ou seja, “...a
competência para a investigação de crimes comuns, em geral, e a da
respectiva autoria.” (OLIVEIRA, 2009, p. 43).
Assim, segundo o art. 144, §4º, a função de polícia judiciária cabe
às polícias civis estaduais, ressalvada a competência da União (caso em
que a atividade de polícia judiciária cabe à polícia federal, consoante o art.
144, §1º, da CRFB).
Já à polícia militar, a CRFB reserva a função de policiamento
ostensivo, a preservação da ordem pública (art. 144, §5º).
O inquérito policial é atividade específica da polícia judiciária
(polícia civil e polícia federal) que tem por objetivo a apuração de infrações
penais e de sua autoria (art. 4º do CPP).
Entretanto, a CRFB possibilitou aos estados, também, a criação de
Justiças Militares estaduais, a quem cabe processar e julgar os militares
dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares (art. 125, §§3º e 4º). Os crimes militares
a que alude tais comandos estão previstos no CPM e, em razão das
peculiaridades inerentes às Forças Armadas, a lei atribuiu as funções de
polícia judiciária, em casos deste jaez, à polícia judiciária militar (art. 8º,
“a”, do CPPM), daí advindo o instituto do inquérito policial militar,
definido como a apuração sumária de fato, que, nos termos legais,
configure crime militar, e de sua autoria (art. 9º do CPPM).
Decorre, pois, da estrutura normativa constitucional e legal,
que, sempre que se tratar de crime comum, a atribuição de polícia
judiciária é da polícia civil ou da polícia federal (art. 144, §§1º e 4º), por
meio de inquérito policial (art. 4º do CPP) e, quando se tratar de crime
militar – e unicamente em tais casos –, a apuração cabe à polícia
judiciária militar (art. 8º, “a”, do CPPM), por meio do inquérito policial
militar (art. 9º do CPPM)[1].
Crimes Comuns e Crimes Militares.
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Como se viu, existe, no ordenamento jurídico brasileiro, duas
naturezas jurídicas de crime: o crime militar e o crime comum.
Interessa, então, saber identificar cada um deles, com segurança.
Iniciar‐se‐á pelo crime militar, por ser conceito mais específico.
A doutrina, ao tratar do conceito de crime militar, aponta os
critérios em ratione materiae (em razão da matéria), ratione loci(em razão
do lugar), ratione personae (em razão da pessoa), ratione temporis (em
razão do tempo) e ratione legis (em razão da lei).
A leitura de nossa legislação demonstra, de forma clara, que o
critério adotado para a definição de crime militar foi o ratione legis: são
crimes militares aqueles previstos na lei penal militar, em especial no art.
9º do CPM. Nos dizeres de José da Silva Loureiro Neto, “Nosso legislador,
no Decreto‐lei nº 1.001 (CPM), adotou o critério ratione legis, isto é, não
definiu, apenas enumerou taxativamente as diversas situações que
definem esse tipo de delito...” (2010, p. 17). A própria Constituição afirma
que cabe à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei (arts. 124 e 125, §4º). É por isso que Alexandra Saraiva
aponta que o art. 9º do CPM é “... a coluna vertebral da lei penal militar.”
(2009, p. 44).
São, pois, crimes militares aqueles assim definidos na lei penal
militar, em especial no art. 9º do CPM, cabendo à polícia judiciária militar
a sua apuração (art. 8º, “a”, do CPPM), por meio do inquérito policial
militar (art. 9º do CPPM).
De outra feita, são crimes comuns, para os fins que interessam ao
presente estudo, aqueles crimes não considerados militares – como
expressamente consta do final do §4º do art. 144 da CRFB –, cuja apuração
cabe às polícias civil ou federal (art. 144, §§1º e 4º da CRFB), por meio de
inquérito policial (art. 4º do CP).
. Crimes Dolosos Contra a Vida Praticados por Policiais Militares
Contra Civis.
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Entendidos como crimes militares aqueles previstos na lei penal
militar, surge a complexidade ao se avistar o parágrafo único do art. 9º do
CPM, in verbis: “Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra
a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum,
salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma
do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro
de Aeronáutica”.
A redação pobre e carente de técnica do parágrafo único do art. 9º,
dada pela Lei nº. 9.299/1996, acendeu intensa discussão entre os
operadores de direito e os tribunais, criando uma série de perguntas,
dentre elas a mais importante para o objeto de estudo deste trabalho: a
lei excluiu os crimes dolosos contra a vida cometidos contra civis do rol de
crimes militares, ou apenas operou o deslocamento de competência para
o julgamento de tais delitos, mantendo sua natureza de crime militar?
Entendemos que a resposta a esta pergunta passa pela análise
histórica da Lei nº. 9.299/1996.
. O art. º, parágrafo único, do CPM: histórico e natureza jurídica.
O Direito não existe dissociado dos fatos sociais. Sempre que uma
norma vem a lume, existem, subjacentes a ela, fatores sociais
determinantes do conteúdo do direito e dos valores que o direito procura
realizar. O estudo da norma não pode prescindir da descoberta de quais
os fatores históricos, sociológicos, econômicos, políticos, etc., que
explicam a escolha feita pelo legislador – ou seja, a origem social de uma
norma jurídica, a revelar sua causa de existência. É por isso que se diz que,
em matéria de hermenêutica, a “história serve para iluminar o texto”
(VIANNA, 2014, p. 218).
Desta feita, não se pode olvidar o estudo do contexto histórico que
levou a criação da Lei nº. 9.299/1996.
Tal legislação, é interessante lembrar, teve origem com as
discussões levantadas pelo Congresso Nacional a partir do ano de 1992, a
partir dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que
investigou o extermínio de crianças e adolescentes no Brasil. Referida CPI
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averiguou a participação de membros da Polícia Militar em execuções e
observou, também, que o julgamento destes na Justiça Castrense não
raramente era marcado pelo corporativismo institucional, que alimentava
um sentimento de impunidade.
Visando a corrigir tal quadro, apresentou o PL 2.801/1992,
propondo o restabelecimento da Súmula 297 do STF, que afirmava que os
policiais militares não deveriam ser considerados militares para fins
penais, sendo a justiça comum a competente para julgar crimes cometidos
por eles.
Posteriormente, no mesmo ano, o deputado Hélio Bicudo
apresenta o PL 3.321/1992, de conteúdo similar, apensado ao projeto de
lei apresentado pela CPI. Na tramitação que se seguiu, esse último projeto
foi alterado por um substitutivo que transferia para a justiça comum o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares
contra civis. O substitutivo foi aprovado pelo Congresso Nacional em 1996,
sendo sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no mesmo
ano, transformando‐se na Lei nº. 9.299/1996, que modificou o art. 9.º do
CPM e o art. 82 do CPPM.
Foi exatamente para combater a possibilidade de corporativismo na
investigação e julgamento da violência militar que surgiu a Lei nº.
9.299/1996[2], como explica a doutrina:
Com relação ao direito à Justiça e à sistemática
impunidade nos casos de violência da Polícia Militar,
assegurada pelo fato de os agentes militares serem
julgados por seus pares, no âmbito da Justiça Militar,
cabe ressaltar que [...] as pressões internacionais
decorrentes dos casos submetidos à Comissão
Interamericana contribuíram para a adoção, em
1996, da Lei 9.299, que transferiu para a Justiça
comum a competência para julgar os crimes dolosos
contra a vida cometidos por policiais militares.
(PIOVESAN, 2013, p. 256‐257)
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Tão logo essa lei foi sancionada, foi ela objeto de Ação Direta de
Inconstitucionalidade junto ao STF (ADIn 1494‐3), ajuizada pela
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL, a qual impugnava
a validade jurídico‐constitucional do §2º do art. 82 do CPPM, na redação
que lhe dera a dita lei, sob o argumento de ofensa ao art. 144, §§1º e 4º,
da CRFB, ao possibilitar, a lei, a apuração dos crimes dolosos contra a vida
praticados contra civis por meio de inquérito policial militar. A liminar
requerida pela autora foi negada, em acórdão assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE –
CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, PRATICADOS
CONTRA CIVIL, POR MILITARES E POLICIAIS
MILITARES – CPPM, ART. 82, § 2º, COM A REDAÇÃO
DADA PELA LEI Nº 9299/96 – INVESTIGAÇÃO PENAL
EM SEDE DE I.P.M. – APARENTE VALIDADE
CONSTITUCIONAL DA NORMA LEGAL –
VOTOS VENCIDOS – MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA
(ADIn‐MC 1494‐3, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j.
09/04/1997)
Tal ADIn foi, contudo, extinta sem resolução do mérito,
posteriormente, em razão da ausência de legitimidade ativa da ADEPOL
para o manejo da ação de controle concentrado de constitucionalidade,
de forma que não houve decisão definitiva acerca da matéria.
A EC 45/2004, então, constitucionalizou provisão de igual teor,
dando ao §4º do art. 125 a seguinte redação: “Compete à Justiça Militar
estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares
definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares,
ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao
tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos
oficiais e da graduação das praças.”.
Alerte‐se, ainda, que a ADEPOL ingressou, em 21/10/2008, com
nova ADIn, desta vez tombada sob o nº. 4164, sob relatoria do Min. Gilmar
Mendes, em que repisou a impossibilidade de investigação de crimes
dolosos contra a vida praticado por militares contra civis por meio de
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inquérito policial militar, não havendo ainda pronunciamento da Corte
Suprema quanto a esta novel ação.
A questão acerca da atual natureza jurídica dos crimes dolosos
contra a vida praticados por policiais militares contra civis, então, não
pode olvidar da história da própria lei.
Existe setor doutrinário, atualmente, que sustenta que a Lei nº.
9.299/1996 não alterou a natureza jurídica de crime militar nos casos de
crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra civis,
havendo apenas deslocamento da competência para o julgamento de
tais delitos, da Justiça Militar para o Tribunal do Júri.
Veja‐se, por todos, o entendimento de Jorge Cesar de Assis,
segundo o qual: “Nem a Lei 9.299/96, nem a EC 45/04 retiraram a natureza
militar do crime de homicídio, operando apenas um deslocamento de
competência de questionável técnica jurídica” (2009, p. 190).
Não parece ser esta a melhor hermenêutica quanto à norma. A Lei
nº. 9.299/1996, quando interpretada dos pontos de vista teleológico,
sistemático e histórico, deixa antever que, ainda de modo imperfeito, ao
excluir a competência da Justiça Castrense para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida praticado por policiais militares contra civis, em
verdade, retirou tais delitos do rol de crimes militares.
Este, aliás, o objetivo da lei, como se vê do excurso histórico acima
trazido à baila[ ]. Tanto assim o foi que, além de dar tal redação ao art.
9º, parágrafo único, do CPM, igualmente criou o art. , § º, do
CPPM, não sendo crível que a mesma lei criasse duas disposições de igual
teor, em dois códigos diferentes, inclusive fazendo constar norma de
caráter processual em um código de direito material e, depois, a
repetindo no Código “correto” para sua veiculação.
Não faria sentido imaginar que a lei criasse dispositivo inútil e
descartável (art. 9º, parágrafo único, do CPM), quando poderia ter criado
somente o art. 82, §2º, do CPPM, quisesse ela apenas o deslocamento de
competência. Interpretar desta forma seria supôr que a lei contém
palavras inúteis, o que é vedado ao hermeneuta desde tempos
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imemoriais: verba cum effectu sunt accipienda, diz o brocardo. Ou seja,
não se presumem, na lei, palavras inúteis[4]. Na pena do Min. Celso de
Mello, em seu voto vencido quando do julgamento da ADIn 1494‐3:
A Lei n. 9.299/96 – mesmo insuficiente aos fins a
que se destina (e daí a proposta de sua reformulação,
por iniciativa do Presidente da República e do
Deputado Hélio Bicudo) –emergiu desse contexto
evidenciador de violência criminosa constante que
absurdamente impregna a atuação da Polícia Militar
em situação de policiamento ostensivo, vocacionada
a neutralizar focos perigosos de insubmissão policial‐
militar ao império da Constituição, da lei e da ordem
democrática. A preocupação social com condutas
desviantes, reveladas com assustadora frequência
por maus policiais militares, torna
imperioso repelir qualquer ensaio de interpretação
que possa conduzir à frustração dos objetivos
maiores que justificaram, como precedentemente já
enfatizado, a edição da Lei n. 9.299/96. (ADIn‐MC
1494‐3, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j.
09/04/1997, voto do Min. Celso de Mello, grifos do
original)
A conclusão extraída por alguns doutrinadores do referido
comando normativo (ou seja, de que teria havido apenas deslocamento
de competência para julgamento, com manutenção da natureza de crime
militar), então, não se sustenta: a alteração foi feita no Código Penal
Militar (e, portanto, ostenta natureza material ou mista, e não apenas
processual, a qual também foi prevista em Código próprio).
Seria absurdo se dizer que a única consequência da norma instituída
pela Lei nº. 9.299/1996 é o deslocamento de competência, pois esta
mesma lei, além de introduzir o parágrafo único no art. º do CPM,
também institui o § º no art. do CPPM, este sim trazendo à baila
norma de natureza estritamente processual. Teria a mesma lei previsto
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duas vezes a mesma coisa, uma em local impróprio (CPM) e outra em local
correto (CPPM)?
Não faria sentido a mesma lei prever, em dois dispositivos
diferentes, a mesma alteração de competência para os crimes em tela.
Seria fazer uma das duas disposições inúteis, o que não é admitido em
Direito. Quisesse o legislador alterar mera regra de competência, não teria
promovido a alteração do conceito de crimes militares no bojo do art. 9°
do CPM; ter‐se‐ia limitado, então, à mudança do art. 82, § 2°, do CPPM.
A negativa de liminar nos autos da ADIn 1494‐3, pelo STF, em nada
altera a questão. Primeiramente porque trata‐se de decisão bastante
antiga (1997), tendo a composição do Tribunal mudado enormemente
desde tal julgamento[5]. Segundamente porque o STF atestou apenas
a aparente validade constitucional da norma. Terceiramente, o próprio
julgado, à época, contou com quatro votos vencidos que adotaram o
entendimento aqui exposto[6]. Por fim, a ação foi julgada sem resolução
do mérito, por ilegitimidade ativa, já havendo outra ação tratando do
tema junto à Suprema Corte, de forma que o STF ainda não se manifestou
de forma definitiva quanto à matéria em sede de controle concentrado de
constitucionalidade.
Sem embargo, em matéria de controle difuso e interpretação das
normas infraconstitucionais, o STF já se filiou expressamente à corrente
que prega a natureza jurídica de crime comum do crime doloso contra a
vida praticado por policial militar civil.
Neste diapasão, é de se ver que, em 22/03/2001 – portanto, muitos
anos após o indeferimento da liminar da ADIn ‐ –, quando do
julgamento do RHC 80.718/RS, o Plenário do Tribunal assim decidiu:
A norma do parágrafo único inserido pela Lei
9.299/1999 no art. 9.º do Código Penal redefiniu os
crimes dolosos contra a vida praticados por policiais
militares contra civis, até então considerados de
natureza militar, como crimes comuns. (STF, RHC
80.718/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJU
01/08/2003, grifos ausentes no original).
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Eis o que disse, no ponto, o Exmo. Min. Ilmar Galvão, Relator do
feito:
A Lei nº 9.299/99, ao inserir o parágrafo único no
art. 9º do Código Penal Militar, segundo o qual ‘os
crimes de que trata este artigo, quando dolosos
contra a vida e cometidos contra civil, serão da
competência da justiça comum’, na verdade, o que
fez foi redefinir tais delitos, até então considerados
de natureza militar, como crimes comuns, não se
podendo, na verdade, atribuir senão a má redação
o caráter aparentemente processual da norma,
mormente quando a mesma lei, coerentemente,
acrescentou o parágrafo segundo ao art. do
CPPM... (STF, RHC 80.718/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão,
Pleno, DJU 01/08/2003, grifos ausentes no original).
Esta orientação se firmou quando do julgamento do RE
260.404/MG, Rel. Min. Moreira Alves, no qual a Suprema Corte
tratou especificamente do tema, em 21/11/2003. Neste julgamento, o
Plenário da Suprema Corte entendeu, por unanimidade, após discutir
longamente a questão, que o crime doloso contra a vida praticado por
policial militar contra civil não mais configuraria, após a Lei nº.
. / , crime militar, e sim crime comum. Eis a ementa do acórdão:
Recurso extraordinário. Alegação de
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 9º
do Código Penal Militar introduzido pela Lei 9.299, de
7 de agosto de 1996. Improcedência
– No artigo 9º do Código Penal Militar que define
quais são os crimes que, em tempo de paz, se
consideram como militares, foi inserido pela Lei
9.299, de 7 de agosto de 1996, um parágrafo único
que determina que “os crimes de que trata este
artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos
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contra civil, serão da competência da justiça
comum”.
– Ora, tendo sido inserido esse parágrafo único
em artigo do Código Penal Militar que define os
crimes militares em tempo de paz, e sendo preceito
de exegese (assim, CARLOS MAXIMILIANO,
"Hermenêutica e Aplicação do Direito", 9ª ed., nº
367, ps. 308/309, Forense, Rio de Janeiro, 1979,
invocando o apoio de WILLOUGHBY) o de que
“sempre que for possível sem fazer demasiada
violência às palavras, interprete‐se a linguagem da lei
com reservas tais que se torne constitucional a
medida que ela institui, ou disciplina”, não há
demasia alguma em se interpretar, não obstante
sua forma imperfeita, que ele, ao declarar, em
caráter de exceção, que todos os crimes de que trata
o artigo º do Código Penal Militar, quando dolosos
contra a vida praticados contra civil, são da
competência da justiça comum, os teve,
implicitamente, como excluídos do rol dos crimes
considerados como militares por esse dispositivo
penal, compatibilizando‐se assim com o disposto no
“caput” do artigo da Constituição Federal.
– Corrobora essa interpretação a circunstância
de que, nessa mesma Lei 9.299/96, em seu artigo 2º,
se modifica o “caput” do artigo 82 do Código de
Processo Penal Militar e se acrescenta a ele um § 2º,
excetuando‐se do foro militar, que é especial, as
pessoas a ele sujeitas quando se tratar de crime
doloso contra a vida em que a vítima seja civil, e
estabelecendo‐se que nesses crimes “a Justiça Militar
encaminhará os autos do inquérito policial militar à
justiça comum”. Não é admissível que se tenha
pretendido, na mesma lei, estabelecer a mesma
competência em dispositivo de um Código – o Penal
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Militar – que não é o próprio para isso e noutro de
outro Código – o de Processo Penal Militar – que
para isso é o adequado. Recurso extraordinário não
conhecido. (STF, RE 260.404/MG, Rel. Min. Moreira
Alves, Pleno, DJ 22/03/2003, grifos ausentes no
original)
Diversos Ministros do Pretório Excelso firmaram posição nesse
sentido, acompanhando o Min. Relator, Moreira Alves, no sentido de não
configurarem os crimes dolosos contra a vida praticados por milicianos
como crime militar, e sim crime comum.
Eis o que disse o Exmo. Min. Nelson Jobim, acerca do tema:
Como bem disse o Relator, no que se passa com
o parágrafo único, foi exatamente a fórmula
encontrada, pelo Congresso Nacional e pelo
legislador, para excluir da categoria de militares os
crimes praticados contra civil. Que fórmula utilizou?
Tirando, dizendo como eram crimes praticados
contra civil, crimes não militares e que passam ser da
competência da justiça comum. Ou evidentemente
uma elipse. Uma mera elipse dizendo: Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida
e cometidos contra civil, não serão militares e serão
da competência da justiça comum. Essa elipse se
deu por essa fórmula que era politicamente eficaz,
tendo em vista a circunstância de que, se o
Congresso resolvesse, o legislador teria que alterar
as alíneas “b”, e “d”, o que dava uma complexidade
muito maior em termos de aprovação.
Portanto, a solução dada está absolutamente
correta. O que importa é que, quando o crime for
praticado por militar contra civil e for doloso contra
a vida, não será considerado um crime militar e,
portanto, a justiça é comum. (STF, RE 260.404/MG,
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Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 22/03/2003, grifos
ausentes no original)
Não se afastou disso a consideração feita pelo Exmo. Min.
Sepúlveda Pertence:
Vem a Lei n° 9.299, no bojo de um movimento
notório para subtrair da Justiça Militar,
particularmente da Justiça Militar de determinados
Estados, o julgamento das violências contra civis
praticadas pela Política militar em grande número, e
usou de uma redação rigorosamente infeliz para o
parágrafo único que ditou ao art. 9° do Código Penal
Militar.
Mas a mim me parece notório que a
interpretação razoável – para evitar a declaração de
inconstitucionalidade que surgiria de uma
interpretação de literalismo míope do texto –, é
entender que, no parágrafo único do art. °,
introduzido pela Lei n° . , o que se inseriu foi
uma norma de exclusão da definição do crime
militar contida nos vários incisos do caput. E se
precisasse da contraprova disso, como anotado no
voto do eminente Relator, corretamente, no Código
de Processo Penal Militar, se extraiu a consequência
da subtração do crime doloso contra a vida,
praticado por militar, da categoria dos crimes
militares, e se determinou, consequentemente, a
remessa das peças de informação à Justiça comum.
(STF, RE 260.404/MG, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno,
DJ 22/03/2003, grifos ausentes no original)
Tal entendimento foi reafirmado em 2009, quando de decisão
monocrática do Exmo. Min. Joaquim Barbosa, in verbis:
Afirma que a Lei 9.299/1996, que acrescentou o
parágrafo único ao art. 9º do Código Penal Militar,
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não revogou o referido artigo, somente alterou a
competência de julgamento, e que, em tese, o
homicídio praticado por militar contra civil, continua
a ser crime militar, cabendo à justiça militar iniciar o
processo de perda de graduação do recorrente.
[…] Quanto à controvérsia sobre a configuração de
crime militar, o Plenário desta Corte, no julgamento
do RE . , decidiu da seguinte forma... (STF, RE
462.631/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão
monocrática, DJe 05/10/2009, grifos ausentes no
original)
Neste julgamento, após transcrever a ementa do RE 260.404/MG,
o Exmo. Min. Joaquim Barbosa mantém o entendimento firmado pelo
Plenário da Corte, no sentido de que é crime comum o homicídio
praticado por policial militar contra civil.
Esta é, também, a conclusão do STJ em diversos julgamentos, todos
posteriores ao indeferimento da liminar na ADIn 1494, como se vê abaixo:
O parágrafo único do artigo 9º do CPM, com as
alterações introduzidas pela Lei 9.299/96, excluiu
dos rol dos crimes militares os crimes dolosos contra
a vida praticado por militar contra civil, competindo
à Justiça comum a competência para julgamento dos
referidos delitos
(STJ, CC 45.134, Rel. Min. Og Fernandes, DJe
07/11/2008)
1. Com a edição da Lei 9.299/96, queexcluiu do
rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a
vida praticados contra civil, atribuindo à Justiça
Comum o julgamento dos referidos delitos, adveio
grande controvérsia jurisprudencial sobre a
constitucionalidade da lei.
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2. Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do RE 260.404/MG, em 22/3/01,
decidiu pela constitucionalidade do parágrafo único
do art. 9º do Código Penal Militar, introduzido pela
Lei 9.299/96.
3. Ademais, a Emenda Constitucional 45/04, ao
alterar o art. 125, § 4º, da Constituição Federal,
dispôs que “Compete à Justiça Militar estadual
processar e julgar os militares dos Estados, nos
crimes militares definidos em lei e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil,
cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças” (sem grifos no original).
(STJ, HC 102227/ES, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, Quinta Turma, DJe 19/12/2008)
Considerando que cabe à lei definir os crimes
militares, o Tribunal entendeu que a Lei . /
implicitamente excluiu os crimes dolosos contra a
vida praticados contra civil do rol dos crimes
militares, compatibilizando‐se com o art. 124 da CF
("À Justiça Militar compete processar e julgar os
crimes militares definidos em lei."), sendo
improcedente, ainda, a alegada ofensa ao art. 125, §
4º, da CF, que confere à Justiça Militar estadual a
competência para julgar os policiais militares nos
crimes militares definidos em lei.
(STJ, HC 17548/MS, Rel. José Arnaldo da
Fonseca, Quinta Turma, DJ 25/02/2002)
A doutrina também tem caminhado neste sentido: “A Lei n.º
9.299/96, modificando o disposto no art. 9º do Código penal Militar,
dispõe ser crime comum, da competência do Tribunal do Júri, o crime
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doloso contra a vida de civis praticados por militares, estando ou não em
serviço” (OLIVEIRA; FISCHER, 2013, p. 140, grifos ausentes no original).
A interpretação sistemática, teleológica e histórica correta, pois, só
pode ser aquela segundo a qual a norma do art. º, parágrafo único, do
CPM, excluiu do rol de crimes militares aqueles dolosos contra a vida
praticados por civis (norma de natureza material ou mista) e o art. ,
§ º, do CPPM regulamentou as consequências desta exclusão,
determinando o julgamento dos crimes pela Justiça Comum (norma de
natureza processual e transitória).
. O art. , § º, do CPPM.
Os doutrinadores que sustentam a natureza militar dos delitos ora
em questão, por óbvio, sustentam igualmente que tais crimes devem ser
investigados por meio de inquérito policial militar, por coerência.
O entendimento agora sustentado, por outra via, entende que a
natureza é de crime comum, de forma que a investigação deve ser
conduzida pela polícia judiciária, por meio de inquérito policial, pelos
motivos já expostos.
Como explicar, então, a previsão inserta no art. 82, §2º, do CPPM,
segundo a qual: “Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil,
a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça
comum.”?
Este comando normativo parece dar razão àqueles que defendem
a natureza militar do delito, pois insinua que o ilícito seja inicialmente
apurado por inquérito policial militar, distribuído à Justiça Militar, a qual
apenas posteriormente encaminharia os autos à Justiça Comum, se ela
própria entender que os fatos configuram crimes dolosos contra a vida.
Significa dizer, o encaminhamento do inquérito policial militar deveria se
operar depois de o inquisitivo estar concluído, mas as investigações iniciais
correriam por conta da polícia judiciária militar, bem como o
pronunciamento judicial primevo caberia à Justiça Militar.
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Assim, contudo, não o é. A história do dispositivo acima
mencionada, bem como a interpretação firmada pelo STF e STJ acerca do
parágrafo único do art. 9º do CPM, deixam claro que tal comando
normativo se trata de norma de natureza transitória.
Tal norma, em verdade, visava a regular o destino a ser dado aos
procedimentos em tramitação junto às Justiças Militares Federais e
Estaduais quando de sua entrada em vigor. Significa dizer: os processos
envolvendo crimes dolosos contra a vida de militares contra civis
deveriam, desde a entrada em vigor da Lei nº. 9.299/1996, ser enviados à
Justiça Comum. Eis a opinião da doutrina quanto a tal aspecto:
“… a inserção do §2º ao art. 82 do CPPM teve por
finalidade não criar uma persecução penal
frankensteiniana e antidemocrática, iniciada por
inquérito policial militar e culminada no Tribunal do
Júri, mas tão somente determinar o
encaminhamento à Justiça Comum de todos os PMs
que estavam em trâmite na Justiça Militar antes da
EC 45/04, para que fossem redistribuídos às
Delegacias de Polícia com atribuição para o feito.”
(CASTRO, 2016, s/p)
De fato, verifica‐se que a introdução do §2º ao art. 82 do CPPM teve
por finalidade tão somente determinar o encaminhamento à Justiça
Comum de todos os inquéritos policiais militares que estavam em
trâmite na Justiça Militar à época.
Pensar de outro modo seria interpretar a Constituição de acordo
com a lei, enquanto o correto é que a lei seja interpretada de acordo com
a Constituição. O art. 125, §4º, da CRFB deve guiar a interpretação do art.
82, §2º, do CPPM, e não o contrário[7]. A EC 45/2004, repisando a Lei nº.
9.299/1996, evidenciou a natureza não militar destes delitos e, por
conseguinte, conferiu a atribuição para investigá‐los a quem de direito:
à polícia judiciária e ao Ministério Público.
O STJ não se distancia deste entendimento:
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Esta corte superior de Justiça adotou o
entendimento de que, diante da incidência
instantânea das normas processuais penais dispostas
no artigo 2º do Código de Processo Penal, a Lei
9.299/1996 possui aplicabilidade a partir da sua
vigência, de modo que todas as investigações
criminais e processos em curso relativos a crimes
dolosos contra a vida praticados por militar contra
civil devem ser encaminhados à Justiça comum. (STJ,
RCH 25.384, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 14/02/2011)
Resta claro, então, que a interpretação a ser dada ao art. 82, §2º,
do CPPM, é de complemento à inovação trazida pelo art. 9º, parágrafo
único, do CPM, e não como autorizadora da investigação de crime
comum pela Polícia Militar.
Em recente julgado, o STJ enfrentou a questão acerca da atribuição
para as investigações de crimes dolosos contra a vida praticado por
policiais militares contra civis, entendendo pela atribuição da polícia
civil. Eis a ementa do julgado:
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO POSITIVO DE
COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL.
ADMISSIBILIDADE DE CONFLITO EM FASE PRÉ‐
PROCESSUAL. COMPETÊNCIA JUÍZO DA CAUSA.
TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS.
I ‐ É assente na jurisprudência a admissibilidade
de conflito de competência em fase inquisitorial.
II ‐ Embora previsto no artigo 125, §4º, da CF, ser
da competência da justiça comum processar e julgar
crimes dolosos contra a vida praticados por militar
em face de civil, nota‐se que inquéritos policiais
persistem no juízo castrense indevidamente.
III ‐ A interpretação conforme a Constituição
Federal do artigo 82, §2º, do Código de Processo
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Penal Militar compele a remessa imediata dos autos
de inquérito policial quando em trâmite sob o crivo
da justiça militar, assim que constatada a
possibilidade de prática de crime doloso contra a vida
praticado por militar em face de civil.
IV – Aplicada a teoria dos poderes implícitos,
emerge da competência de processar e julgar, o
poder/dever de conduzir administrativamente
inquéritos policiais.
Conflito de competência conhecido para
declarar competente o Juiz de Direito da Vara do Júri
e das Execuções Criminais da Comarca de Osasco/SP.
(CC 144.919/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Terceira
Seção, DJe 01/07/2016)
O voto do Min. Felix Fischer, relator, bem tratou da questão:
Observando‐se a jurisprudência deste col.
Superior Tribunal de Justiça, é notória a discrepância
ocorrida em todo o país em se tratando de crimes
dolosos contra a vida praticado por militar em face
de civil, embora previsto na Constituição Federal a
competência de forma clara, tem‐se que alguns
procedimentos inquisitoriais seguem sob
administração da justiça castrense, que, inclusive,
insiste em aplicar excludentes de ilicitude admitindo
pedidos de arquivamento de autos […] Ora, é
necessário realizar uma interpretação harmônica
entre a Constituição Federal e o Código de Processo
Penal Militar para dirimir tais conflitos
definitivamente. Na jurisprudência resta
concretizado que o foro competente para processar
e julgar os crimes dolosos contra a vida praticado
por militar em face de civil é da justiça comum.
Desta forma, sendo da competência do juiz de
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direito o processamento e julgamento de tal
natureza, não há dúvida que será também o juízo
administrativo competente para conduzir o
inquérito policial, ainda que com funções limitadas
de verificar regularidades procedimentais, com raras
exceções legais de decisões (prisão temporária,
busca e apreensão, arquivamento, etc.). […] Desse
modo, não há como dissociar a fase investigativa da
fase processual, de modo a se criar um juízo de
inquérito e outro de processo, como se o sistema
processual (incluído pré‐processual) brasileiro fosse
misto ou francês. […] Não há como permitir que
inquéritos policiais que versam sobre crimes
dolosos contra a vida praticado por militar em face
de civil continuem sendo conduzidos pela Justiça
Castrense, porque não é dela a competência
constitucional de processar e julgar a ação penal.
[...] Assim sendo, a regra é que a Justiça Comum
conduza o Inquérito Policial administrativamente e,
caso perceba claramente não se tratar de delito
doloso contra a vida, remeterá o IP ao Juízo Militar
o processo, e não o inverso. Conclui‐se, dessa forma,
com base na teoria dos poderes implícitos, bem
como por não vigorar no Brasil o sistema processual
francês, que o juízo competente da causa também
deverá ser o juízo responsável pela administração do
inquérito policial. (CC 144.919/SP, Rel. Min. Felix
Fischer, Terceira Seção, DJe 01/07/2016, grifos
ausentes no original)
Como se vê, resta corroborada a interpretação que se deu acima ao
art. 82, §2º, do CPPM: a Justiça Comum conduz Inquérito Policial (a cargo
da polícia judiciária) e, caso perceba claramente não se tratar de delito
doloso contra a vida, remeterá o IP ao Juízo Militar do processo, e não o
inverso, como querem os doutrinadores que insistem em ver a natureza
de crime militar em casos deste jaez.
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A regra, então, é que as investigações sejam feitas por meio de
inquérito policial, conduzido pela polícia judiciária e sob os auspícios da
Justiça Comum. Apenas quando evidenciado de forma clara que não se
trata de crime doloso contra a vida é que os autos serão encaminhados
ao Juízo Militar, para análise e posterior prosseguimento de inquérito
policial militar, se for o caso.
E isto é assim por razões simples. Pensar que modificação da regra
de competência jurisdicional não importou em alteração da atribuição
legal investigatória confronta com o sistema constitucional de
investigações criminais preliminares, previsto no art. 144 da CRFB.
Ao definir a atribuição dos órgãos de segurança pública para
investigar infrações penais, a CRFB estabeleceu regras paralelas à
competência jurisdicional, ou seja: a atribuição para investigar
corresponde à competência do órgão jurisdicional. Assim, a competência
de polícia judiciária da polícia federal (art. 144, §1º, da CRFB), espelha as
competências jurisdicionais da Justiça Federal (art. 109, da CRFB), por
exemplo.
Há, portanto, na CRFB, correspondência material entre o órgão
investigativo e o órgão jurisdicional responsável por processar e julgar o
apuratório[8]. Não parece apenas contra aquilo que desejado pela
Constituição e pela Lei nº. 9.299/1996, mas também ilógico, que a
investigação de crime comum, julgado no Tribunal do
Júri, persista militarizada.
A doutrina, ao tratar do assunto, também adere a este
entendimento:
Por todo o exposto, forçosamente aderimos à
tese de que a investigação de supostos crimes
dolosos contra a vida cometidos por policiais
militares contra civis é atribuição da Polícia Civil. Tal
conclusão, a nosso ver, nada mais é do que simples
consequência do entendimento esposado pelo STF
nos julgados já citados. Se o entendimento adotado
é de que a Lei 9.299/1996, em realidade, redefiniu os
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crimes militares, excluindo de seu conceito os crimes
dolosos contra a vida cometidos por militares contra
civis, passando estes a integrar os crimes comuns,
torna‐se atribuição da Polícia Civil a investigação
destes, por força de norma constitucional insculpida
no § 4.º do art. 144 da CF. (SODRÉ, 2015, p. 5‐6)
E, por fim, o entendimento do STJ também se coaduna ao que aqui
foi exposto, buscando dar efetividade à correspondência material entre o
órgão responsável pela apuração do crime e o órgão jurisdicional
responsável por seu julgamento:
Os crimes de homicídio imputados ao paciente
foram todos praticados, em tese, contra vítimas civis,
sem exceção, sendo pacífico o entendimento desta
corte no sentido de que os crimes previstos no
artigo º do Código Penal Militar, quando dolosos
contra a vida e cometidos contra civil, são da
competência da Justiça comum e, em consequência,
da Polícia Civil a atribuição de investigar (...) Não
caracterizada a natureza militar dos delitos
imputados ao paciente, resta afastada a atribuição
da Polícia Militar de proceder aos atos
investigatórios, a qual pertence à Polícia Civil,
conforme estabelece o artigo 144, § 4º, da
Constituição Federal. (STJ, HC 47.168, Rel. Min.
Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 13/03/2006, grifos
ausentes no original)
Desta feita, afirmar que a investigação em casos de crimes dolosos
contra a vida praticado por policiais militares contra civis seria atribuição
da polícia judiciária militar, ainda que o órgão jurisdicional responsável
pelo julgamento do feito seja o Tribunal do Júri seria quebrar o
paralelismo tão bem desenhado pela Carta da República.
. . Normas Esparsas Acerca da Atribuição Investigativa.
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Por fim, resta dizer que alguns atos normativos esparsos acerca do
assunto existem em nosso ordenamento.
Neste sentido, a posição do Executivo Federal acerca da matéria é
explícita, seguindo o norte já proposto neste trabalho, no sentido
da atribuição da Polícia Civil para investigar crimes dolosos contra a vida
praticados por militares contra civis. Assim, veja‐se a que Resolução nº.
08/2012, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, enuncia que o
policial militar que ceifar a vida de um civil deve ser
apresentado incontinenti na delegacia de polícia:
Artigo 2º. Os órgãos e instituições estatais que,
no exercício de suas atribuições, se confrontarem
com fatos classificados como “lesão corporal
decorrente de intervenção policial” ou “homicídio
decorrente de intervenção policial” devem observar,
em sua atuação, o seguinte:
I — os fatos serão noticiados imediatamente
à Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou a
repartição de polícia judiciária, federal ou civil, com
atribuição assemelhada, nos termos do artigo 144 da
Constituição. (grifos ausentes no original)
Esse também o posicionamento do Conselho Superior da Polícia
Federal e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil, os quais, ao
editarem a Resolução Conjunta nº. 02/2015, assim trataram da matéria:
Art. 3º. […] § 1º Se do emprego da força
resultar ofensa à integridade corporal ou à vida do
resistente, deverá ser imediatamente
instaurado inquérito policial para apuração dos
fatos, com tramitação prioritária. [...]
§ 4º O delegado de polícia responsável pela
investigação do evento danoso com resultado morte
deverá requisitar o exame pericial do local,
independentemente da remoção de pessoas e coisas.
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§ 5º O delegado de polícia poderá requisitar
registros de comunicação e de movimentação das
viaturas envolvidas na ocorrência, dentre outras
providências.
§ 6º O delegado responsável pela
investigação representará pelas medidas cautelares
necessárias à identificação de todos os policiais
envolvidos na ação, ainda que não figurem entre
aqueles qualificados na comunicação do fato.
§ 7º Sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior, o delegado poderá requisitar a
apresentação dos policiais envolvidos na ocorrência,
bem como de todos os objetos que possam
interessar à investigação, sob pena de
responsabilidade administrativa e criminal em caso
de descumprimento da requisição. [...]
Art. 4º Nas hipóteses do art. º, os fatos
serão noticiados preferencialmente ao delegado da
Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou da
repartição de polícia judiciária, federal ou civil, com
atribuição assemelhada. (grifos ausentes no
original)
Também o Conselho Nacional do Ministério Público caminha no
mesmo diapasão. Ao lançar o projeto “O MP no enfrentamento à morte
decorrente de intervenção policial”, o CNMP enumerou os seguintes
objetivos:
II. Recomendar às respectivas Secretarias de
Segurança Pública no sentido de inserir um campo
específico nos boletins de ocorrência para registro de
incidência de mortes decorrentes de atuação policial,
assegurando que o delegado de polícia instaure,
imediatamente, inquérito específico para apurar
esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em
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flagrante, requisitando o Ministério Público a sua
instauração quando a autoridade policial não tiver
assim procedido;
III. Assegurar que o Ministério Público adote
medidas para que seja comunicado em até 24 (vinte
e quatro) horas, pela autoridade policial quando do
emprego da força policial resultar ofensa à vida, para
permitir o pronto acompanhamento pelo órgão
ministerial responsável;
IV. Assegurar que sejam adotadas medidas no
sentido de que o delegado de polícia compareça
pessoalmente ao local dos fatos, tão logo seja
comunicado da ocorrência de uma morte por
intervenção policial, providenciando o isolamento do
local, a realização de perícia e a respectiva necrópsia,
as quais devem ter a devida celeridade;
[…] VI. Assegurar que, no caso de morte
decorrente de intervenção policial, durante o exame
necroscópico, seja obrigatória a realização de exame
interno, documentação fotográfica e coleta de
vestígios encontrados, assim como que o Inquérito
Policial contenha informações sobre os registros de
comunicação e movimentação das viaturas
envolvidas na ocorrência... (CONSELHO NACIONAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014, p. 6‐10)
Veja‐se que, ao tratar do tema, o CNMP a todo tempo menciona o
“delegado de polícia”, “inquérito policial” e “autoridade policial”, e não
“encarregado do IPM” ou “inquérito policial militar”.
O Ministério Público do Estado do Amazonas, a seu turno, também
já se manifestou sobre o tema, desde o ano de 2014. O
Parquet amazonense, por meio de sua 60ª Promotoria de Justiça
Especializada no Controle Externo da Atividade Policial, primeiramente
expediu a Recomendação n°. 001.2014.60.1.1.909076.2014.50663,
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endereçada ao Delegado‐Geral de Polícia Civil do Estado do Amazonas, a
qual possui o seguinte teor:
1. Determine a instauração imediata deinquérito
policial específico para apurar as mortes decorrentes
de atuação policial, sem prejuízo de eventual prisão
em flagrante, sempre que do emprego da força
policial resulte ofensa à vida de qualquer pessoa;
2. Comunique ao Ministério Público, em até 24
(vinte e quatro) horas, da instauração do inquérito
específico acima mencionado, a fim de permitir seu
pronto acompanhamento pelo órgão ministerial
responsável;
3. Determine ao delegado de polícia
responsável pela condução do inquérito
específico supramencionado que compareça ao local
dos fatos, tão logo sejam comunicados da ocorrência
de uma morte por intervenção policial,
providenciando o isolamento do local, a realização de
perícia e a respectiva necrópsia;
4. Determine ao delegado de polícia
responsável pela condução do inquérito
específico acima mencionado que faça constar nos
autos informações sobre os registros de
comunicação e movimentação das viaturas
envolvidas na ocorrência. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO AMAZONAS, 2014, p. 3, grifos ausentes
no original)
Posteriormente, ao abordar especificamente o tema ora em
debate, assim se posicionou o Ministério Público do Estado do Amazonas,
quando expediu a Recomendação n°. 001.2016.CESRMIP.1.1.1075116.
2016.8707, endereçada ao Comandante‐Geral da Polícia Militar do Estado
do Amazonas:
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1. Quando noticiado suposto crime contra a vida
praticado por policial militar contra civil, ainda que
estando o referido policial no exercício da função, se
abstenha da instauração de Inquérito Policial
Militar, haja vista tal evento não se configurar como
crime militar, senão como crime comum, cabendo
sua apuração à polícia judiciária e seu
processamento e julgamento à Justiça Comum;
2. Em tais situações, seja instaurado,
independentemente do processamento do Inquérito
Policial pela Polícia Civil, procedimento
administrativo visando a apurar se o respectivo
policial possui condições para permanecer nas fileiras
de vossa honrada corporação. (MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO AMAZONAS, 2016, p. 2‐3, grifos
ausentes no original)
De tudo que se viu, então, conclui‐se que não só a posição
legislativa e judiciária caminham no sentido de ser atribuição da Polícia
Civil investigação de crimes dolosos contra a vida praticados por policiais
militares contra civis, como também assim trilham o Poder Executivo, do
Conselho Nacional do Ministério Público e do Ministério Público do Estado
do Amazonas.
. Conclusão.
Como a Constituição da República, em seu art. 144, criou regras de
correspondência material entre o órgão investigativo (com atribuições de
polícia judiciária) e o órgão jurisdicional responsável por processar e julgar
o apuratório, tem‐se que à Polícia Militar somente é permitido exercer as
funções de polícia judiciária militar, com a consequente instauração de
inquérito policial militar, quando se estiver diante de apuração de crime
militar (art. 144, §4º, in fine, da CRFB e arts. 8º, “a” e 9º, do CPPM),
cabendo a apuração de crimes comuns à polícia judiciária (Polícia Federal
ou Civil, consoante os arts. 144, §§1º e 4º da CRFB).
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A Lei nº. 9.299/1996, a seu turno, embora seus evidentes defeitos
técnico‐redacionais, excluiu do rol de crimes militares aqueles dolosos
contra a vida cometidos contra civis. Esta é a melhor interpretação
teleológica, sistemática e histórica de seus comandos normativos, a qual
conta, inclusive, com apoio doutrinário e jurisprudencial.
Desta feita, cabendo à Polícia Militar o exercício de polícia judiciária
apenas quando se apure crimes militares, e sendo os crimes dolosos
contra a vida praticados por policiais militares contra civis considerados
crimes comuns, tem‐se como conclusão deste silogismo que a apuração
de delitos deste jaez cabe à polícia civil (ou federal), não sendo possível
sua apuração por meio de inquérito policial militar.
A regra, então, é que as investigações sejam feitas por meio de
inquérito policial, conduzido pela polícia judiciária e sob os auspícios da
Justiça Comum. Apenas quando evidenciado de forma clara que não se
trata de crime doloso contra a vida é que os autos serão encaminhados ao
Juízo Militar, cabendo, sempre, a decisão primeva acerca da (in)existência
de crime doloso contra a vida (ou de qualquer causa justificante do fato
típico) à Justiça Comum.
Referências
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NOTAS:
[1] Não se desconhece a possibilidade de apuração de crimes comuns (e, até mesmo, crimes militares) por outras autoridades administrativas, como prevê de forma expressa o art. 4º, parágrafo único do CPP. Exemplo disso seria a apuração de infrações penais e/ou crimes militares diretamente pelo Ministério Público, como já autorizado pelo Pretório Excelso no RE 593.727/MG, Rel. p/ac. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 14/05/2015. Contudo, tal possibilidade em nada afeta a matéria objeto deste
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estudo, de forma que se adotará a divisão exposta no texto para fins didáticos.
[2] Com isso não se quer dizer que haja, atualmente, presunção de corporativismo ou favorecimento nas investigações conduzidas pelas honradas instituições policiais militares. Quer‐se, apenas, traçar o histórico que levou à criação da lei e inovação no ordenamento jurídico militar.
[3] Neste sentido também o voto do Exmo. Min. Celso de Mello: “Torna-se evidente, pois, Sr. Presidente, que tanto a Lei n. 9.299/96 (não obstante as críticas procedentes que lhe vêm sendo feitas) quanto as diversas iniciativas representadas por projetos de lei submetidos à consideração do Congresso Nacional pelo próprio Presidente da República e pelo ilustre Deputado Federal Hélio Bicudo nada mais exprimem senão o inequívoco desejo de dispensar aos policiais militares, quando eventualmente sujeitos a medidas de persecução penal por delitos supostamente cometidos no desempenho das funções de policiamento ostensivo, o mesmo tratamento penal e jurídico-processual aplicável aos agentes e autoridades da Polícia Civil.” (ADIn-MC 1494-3, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 09/04/1997, voto do Min. Celso de Mello, grifos do original).
[4] Esta já era a clássica lição de Carlos Maximiliano: “Não se presumem na lei, palavras inúteis. Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia. As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significado real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 250 et seq).
[5] Atualmente, dos Ministros que participaram do julgamento referido, apenas os Min. Marco Aurélio e Celso de Mello.
[6] É de bom alvitre frisar que, dentre os seis votos vencedores, o voto do Min. Moreira Alves não analisou a questão de fundo (validade da apuração por inquérito policial militar), indeferindo a liminar apenas pela ausência de relevância da inconstitucionalidade, e os votos dos Min. Néri da Silveira e Sydney Sanches permitiam, de forma explícita, a instauração, paralelamente ao inquérito policial militar, de inquérito policial pela Polícia Civil.
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[7] As palavras do Min. Sepúlveda Pertence, quando de seu voto vencido, são magistrais neste ponto: “Mas, o que diz a Constituição? Prescreve que a Polícia Civil é que apura, é que exerce as funções de polícia judiciária, salvo havendo crime militar. A lei, portanto, inverte claramente, a meu ver, a determinação da norma constitucional, quando dispõe que, havendo crime que não é militar, não obstante, a polícia judiciária não será exercida pela Polícia Civil, e, sim, pela Polícia Judiciária Militar.” (ADIn-MC 1494-3, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 09/04/1997, voto do Min. Sepúlveda Pertence).
[8] Também neste sentido o voto vencido do Min. Celso de Mello: “Na realidade, a Constituição da República instituiu uma repartição material de competência investigatõria entre a União e os Estados, reservando às autoridades policiais militares, em sede de I.P.M., unicamente a atribuição de identificar a autoria e apurar a materialidade dos delitos militares, tais como definidos em lei.” (ADIn-MC 1494-3, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, j. 09/04/1997).