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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 745 (Ano VIII) (24/11/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 745 · Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 745

(Ano VIII)

(24/11/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

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doJu

rídico-ISSN

–-

 

 

 

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 745 de 24/11/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

24/11/2016 Kiyoshi Harada 

» Reforma previdenciária

ARTIGOS  

24/11/2016 Ednaldo Moscoso Borges » Decisão do STF sobre o julgamento das contas dos Prefeitos 

24/11/2016 Alessandro Menezes Orico 

» A mitigação da Personalidade Jurídica na constrição do Bem de Família 

24/11/2016 Roberto Monteiro Lobo 

» Responsabilidade civil do Estado em casos de custódia 

24/11/2016 Ulisses Leonardo Godinho Severiano da Silva 

» Estado Islâmico e a concepção de Estado no Direito Internacional Público

24/11/2016 Aparecida I. Amarante 

» Processo administrativo e liberdade de expressão: abuso de direito 

24/11/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Princípios da Recuperação Empresarial Judicial: Singelos Comentários à 

Lei Nº. 11.101/2005 

MONOGRAFIA 

24/11/2016 Márcia Lúcia Ferreira Cancella » A desbiologização das famílias: o afeto como valor jurídico e principal 

fundamento das relações familiares contemporâneas 

 

 

 

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REFORMA PREVIDENCIÁRIA  

KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Em 1998 a Emenda Constitucional nº 20/98 implantou a Reforma 

Previdenciária  a  pretexto  de  que  a  Previdência  Social  iria  quebrar  se 

nenhuma medida  legislativa  fosse  tomada. Passados menos de dezoito 

anos  o  mesmo  discurso  se  repete.  Na  verdade,  o  problema  de 

aposentadoria precoce que estaria prejudicando o equilíbrio financeiro da 

autarquia previdenciária decorreu, em grande parte, da própria Emenda 

nº 20/98 que não  respeitou o direito adquirido assegurado a  todos em 

nível de  cláusula pétrea. A Reforma deve  ser  efetivada  sempre para o 

futuro,  nunca  atingindo  o  direito  fundamental  do  trabalhador  que 

ingressou no mercado de  trabalho dentro de um determinado  regime. 

Mas, aqui temos a tradição de conferir retroatividade às novas disposições 

constitucionais, com concordância de parcela ponderável dos juristas. Só 

não  concordam  com  a  retroatividade  em  grau  máximo  implicando 

desfazimento  de  ato  jurídico  consumado,  ou  retroatividade  em  grau 

médio  atingindo  ato  jurídico  perfeito. Mas,  a  retroatividade  em  grau 

mínimo, que aniquila o direito adquirido, tanto a jurisprudência, como a 

doutrina majoritária passam por  cima não  lhe dando  acolhida, mesmo 

diante  da  cristalina  redação  do  inciso  XXXVI,  do  art.  5º  da  CF.  Alguns 

confundem direito adquirido com expectativa de direito, que se encontra 

fora  da  esfera  jurídica,  principalmente,  em  questões  ligadas  à 

aposentadoria.  Já vimos decisões  judiciais sustentando que se o ato de 

aposentadoria não tiver sido publicado no Diário Oficial não há que se falar 

 

 

 

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em direito adquirido. No caso, mais do que direito adquirido trata‐se de 

ato  jurídico perfeito. Cinco anos depois era a vez da previdência pública 

sofrer uma reforma pela Emenda Constitucional nº 41/03 na mesma linha, 

aliás, até de forma pior, pois passou a tributar os aposentados mediante a 

introdução da expressão “previdência de caráter contributivo e solidário”, 

ignorando  a  natureza  jurídica  da  contribuição  social  que  tem  ínsito  o 

benefício específico atrelado à nova  contribuição  social. A Corte Maior 

impôs a aplicação do novo regime aos aposentados e pensionistas. 

Pois  bem,  exatamente  esse  comportamento  da  Justiça  e  da 

doutrina majoritária  levou milhões de profissionais, dentre os quais, os 

magistrados a se aposentarem precocemente, antes da Emenda nº 20/98 

que  efetivamente  veio  apanhar  aqueles  que  já  estavam  com  o  direito 

adquirido.  Para  flexibilizar  a  indevida  retroação,  a  Emenda  20/98 

preconizou  o  regime  de  transição  representado  pelos  conhecidos 

pedágios. 

E a anunciada Reforma Previdenciária do atual governo caminha 

no  mesmo  sentido.  Se  sua  tramitação  demorar  vai  ocasionar  nova 

avalanche  de  aposentadorias  precoces  que  irão  pesar  na  balança 

financeira da autarquia previdenciária passados alguns anos, a exigir nova 

Reforma. Mas, isso é problema dos futuros governantes. 

Enquanto não se examinar em profundidade e com seriedade a 

causa do constante desequilíbrio financeiro da Previdência, as reformas 

não  passarão  de  um  mero  paliativo  para  curar  a  dor  de  barriga  do 

momento.  Se nenhum benefício previdenciário pode  ser  criado,  sem  a 

respectiva fonte de custeio (§ 5º, do art. 195 da CF), é muito estranho que 

a Previdência volta e meia se encontre em situação deficitária. As fontes 

de custeio, na realidade, são abundantes apesar de dispersas e confusas, 

como veremos. 

A Seguridade Social, onde se encontram  inseridas a Previdência  

Social, a Saúde e a Assistência Social, é financiada diretamente pelos entes 

políticos  e  indiretamente  pela  sociedade  por  meio  das  contribuições 

sociais previstas no art. 195 da CF: 

 

 

 

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I- do empregador, incidente sobre a folha, receita/faturamento e o lucro;

II- do trabalhador e dos demais segurados da previdência social; III- receitas de concurso de prognósticos; IV- do importador de bens e serviços do exterior.

É  sabido  que  o  produto  de  arrecadação  dessas  contribuições 

sociais supera o total da arrecadação dos seis impostos federais. O grande 

problema é a partilha do produto de arrecadação dessas  contribuições 

sociais entre os três setores: Previdência Social, Saúde e Assistência Social. 

Aparentemente  tocaria  à  Previdência  a  contribuição  sobre  a  folha, 

consoante previsão da  Lei nº 8.212/91, mas ela vem  sendo  substituída 

pela  contribuição  incidente  sobre  a  receita  bruta.  Outrossim,  com  a 

criação da Receita Federal do Brasil, o  INSS perdeu a  sua  competência 

arrecadatória.

 A Constituição criou uma montanha de contribuições sociais para 

custear a Seguridade Social integrada pelos três setores previstos no art. 

194,  porém,  não  estabeleceu  nenhuma  diretriz  para  repartição  do 

produto de arrecadação dessas contribuições sociais entre os três setores 

já referidos. 

Para  complicar  o  quadro,  a  Constituição  prescreveu  despesas 

mínimas para o setor de Saúde que integra a Seguridade Social. De fato, o 

art. 198 da CF instituiu o sistema único de saúde – SUS ‐  a ser custeado 

por  meio  de  percentuais  mínimos  das  receitas  correntes  dos  entes 

políticos, na forma do seu parágrafo 2º: 

“§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 

aplicarão,  anualmente,  em  ações  e  serviços  públicos  de  saúde 

recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados 

sobre: 

I ‐  no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo 

exercício  financeiro, não podendo  ser  inferior a 15%  (quinze por 

cento); 

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos

 

 

 

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recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000).

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada 

cinco anos, estabelecerá:

I – os percentuais de que tratam os incisos II e III do § 2º”. 

Entende‐se por receita corrente líquida o total da receita pública 

(tributária,  patrimonial  e  de  serviços)  excluídas  as  transferências 

constitucionais (FPE e FPM). 

Conforme  se  depreende  da  dicção  do  §  3º,  cabe  à  Lei 

Complementar  estabelecer  os  percentuais  que  os  Estados,  o  Distrito 

Federal e os Municípios devem observar. A Lei Complementar nº 141, de 

13‐1‐2012, pelo  artigo  6º,  fixou para os  Estados  e o Distrito  Federal o 

percentual mínimo de 12% sobre as receitas referidas no inciso II, do § 2º, 

do art. 198 da CF, ao passo que, para os Municípios fixou um percentual 

mínimo de 15% sobre as receitas referidas no inciso III, do citado parágrafo 

2º. 

Pela  lógica,  se o  setor de  saúde  foi  contemplado  com  recursos 

mínimos provenientes diretamente da receita corrente líquida  da União, 

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deveria levar em conta essa 

particularidade na divisão do bolo da receita de contribuições sociais entre 

os três setores, ou, deveria o setor previdenciário, que igualmente integra 

a  Seguridade  Social,  ser  também  contemplado  com  recursos mínimos 

provenientes  diretamente  da  receita  corrente  líquida  das  entidades 

políticas. 

Finalmente,  para  aumentar  ainda mais  a  confusão,  a DRU  que 

retira 30% de  toda a arrecadação  tributária da União, nela  incluídas as 

receitas de contribuições sociais cabentes à Seguridade Social,  vem sendo 

 

 

 

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prorrogada periodicamente desde 1996. Originariamente apreceu com o 

nome de FSE, depois, FEF e agora simplesmente DRU. 

Enquanto não  se diagnosticar exatamente a causa do déficit da 

Previdência, e tudo indica que ela reside na não percepção do produto da 

arrecadação que lhe caberia por determinação constitucional, ainda que 

por meio de normas obscuras e confusas, qualquer reforma que se faça, 

diminuindo ou dificultando a percepção dos benefícios previdenciários, de 

um  lado, e aumentando as contribuições sociais de outro  lado, não terá 

efeito por longo tempo. É preciso fazer a Reforma a partir do diagnóstico 

correto das causas do déficit previdenciário, a fim de sairmos desse círculo 

vicioso.

 

 

 

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DECISÃO DO STF SOBRE O JULGAMENTO DAS CONTAS DOS PREFEITOS

EDNALDO MOSCOSO BORGES: Oficial de Justiça no Tribunal de Justiça de Pernambuco desde 2012. Bacharel em Direito na Universidade Estadual da Paraíba (2011). Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional (2014).

RESUMO: Este artigo visa discutir a decisão do Supremo Tribunal de Federal que impede que os prefeitos que tenham suas contas rejeitadas pelo parecer técnico dos Tribunais de Contas tenham suas candidaturas indeferidas nos pleitos eleitorais seguintes. Para tanto, é imperioso uma análise sobre o órgão do Tribunal de Contas, sua composição, finalidade, atribuições, e etc. Em seguida será feito um exame crítico, expondo a opinião deste autor a respeito da tese firmada pelo STF.

PALAVRAS-CHAVE: Tribunal de Contas; Supremo Tribunal Federal; Prefeito

ABSTRACT: This article aims to discuss the decision of the Federal Supreme Court that prevents that mayors who have their accounts rejected by the technical opinion of the Courts of Accounts have their candidacies rejected in the following election lawsuits. To do so, it is imperative to analyze the body of the Court of Auditors, its composition, purpose, attributions, and so on. Then a critical examination will be done, explaining the opinion of this author on the thesis signed by the STF.

KEYWORDS: Courts of Accounts; Federal Supreme Court; Mayors.

INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, nos RE 848826/DF e 729744/MG, e, em sede de repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que as decisões dos Tribunais de Contas rejeitando as contas prestadas pelos

 

 

 

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prefeitos não são capazes de torná-los inelegíveis visto que não possuem caráter decisório, sendo meramente opinativas. Ademais, apenas a Câmara Municipal detém legitimidade para aprovar ou rejeitar as contas do prefeito.

Essa decisão é de suma importância uma vez que repercutirá nas próximas eleições e a Justiça Eleitoral não mais poderá indeferir o registro de candidatura daqueles que tiverem suas contas rejeitadas "apenas" pelo Tribunal de Contas.

1 DO TRIBUNAL DE CONTAS

O Tribunal de Contas é um órgão técnico previsto pela Constituição Federal que auxilia o Legislativo no controle externo tendo, dentre outras funções, a de fiscalização, emissão de pareceres, de controle e de julgamento.

Existem atualmente três tipos de Corte de Contas no Brasil, o Tribunal de Contas da União, TCU, o Tribunal de Contas Estadual, TCE, e o Tribunal de Contas Municipal, TCM.

O TCU possui 9 membros, chamados de Ministros, sendo 3 escolhidos pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo 2 alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo critérios de antiguidade e merecimento; e 6 indicados pelo Congresso Nacional, segundo estabelece o art. 73, § 2º, da CF.

Por outro lado, o Tribunal de Contas Estadual é integrado por 7 componentes, chamados de Conselheiros, sendo que 4 devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e 3 pelo Chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e um terceiro à sua livre escolha, nos termos da Súmula 653, do Supremo Tribunal Federal.

Os Tribunais de Contas Municipais não podem mais ser criados após a promulgação da Constituição Federal de 1988 por expressa vedação legal do art. 31, § 4º, que diz: "É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou

 

 

 

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órgãos de Contas Municipais". Todavia, o art. 75, caput, afirma que "As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios". Desta feita, utilizando-se da interpretação sistemática da Constituição Federal, chega-se à conclusão de que as Cortes de Contas municipais que já existiam antes da promulgação da CF de 1988, devem continuar a funcionar. É o caso do Tribunal de Contas da cidade São Paulo.

O Tribunal de Contas não é um órgão do Poder Legislativo, tampouco do Poder Judiciário, não sendo, portanto, subordinado a tais Poderes. Possui a prerrogativa da autonomia e do autogoverno, incluindo a reserva de iniciativa de instauração de processo legislativo que visa modificar a sua organização ou seu funcionamento.

Conforme ensina o Min. Celso de Mello: os Tribunais de Contas ostentam posição

eminente na estrutura constitucional brasileira, não se achando subordinados, por qualquer vínculo de ordem hierárquica, ao Poder Legislativo, de que não são órgãos delegatários nem organismos de mero assessoramento técnico. A competência institucional dos Tribunais de Contas não deriva, por isso mesmo, de delegação dos órgãos do Poder Legislativo, mas traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição da República (ADI 4.190, j. 10.03.2010).

Todavia, há autores que entendem que o Tribunal de Contas é órgão vinculado ao Poder Legislativo, embora reconheçam que não existe hierarquia entre eles. É a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

Os tribunais de contas são órgão vinculados ao Poder Legislativo, que o auxiliam no exercício do controle externo da administração pública, sobretudo o controle financeiro. Não existe hierarquia entre as

 

 

 

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cortes de contas e o Poder Legislativo (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p. 934).

A natureza jurídica dos atos praticados pelos tribunais de contas são meramente administrativas. Noutras palavras, suas decisões, seja auxiliando o legislativo, seja decidindo processos administrativos, não constituem coisa julgada haja vista que não exercem jurisdição, de modo que podem ser contestadas na via jurisdicional conforme o preceito constitucional do art. 5º, XXXV, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

O art. 71 da Carta Magna dispõe sobre as atribuições constitucionais do Tribunal de Contas da União, dentre as quais é possível destacar a apreciação das "contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio, que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento"; o julgamento das "contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantida pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público"; a aplicação "aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesas ou irregularidades de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário".

Ressalte-se que a Súmula 347 do STF, prevê, ainda, que "o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público".

Por fim, é imperioso destacar que as competências imputadas ao TCU, dispostas no art. 71 da CF/88 são, via de regra, aplicadas também aos Tribunais de Contas Estaduais, empregando-se o princípio da simetria.

2 DO JULGAMENTO DO STF

No dia 10 de agosto de 2016, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses:

O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa,

 

 

 

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competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo (STF. Plenário. RE 729744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/8/2016).

Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea "g", da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores (STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/8/2016).

Primeiramente, há de se analisar o art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/90, alterada pela Lei Complementar 135/2010, lei da ficha limpa, que prevê serem inelegíveis, para qualquer cargo, "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".

Em assim sendo, a lei de inelegibilidade estabelece que o gestor que tiver suas contas reprovadas pelo órgão competente ficará inelegível nas eleições realizadas nos oito anos seguintes. A dúvida que surge neste momento é saber qual é o órgão responsável por julgar as contas do prefeito.

 

 

 

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Segundo decidiu o STF, cabe a Câmara dos Vereadores o julgamento das contas do prefeitos, logo, o Tribunal de Contas apenas assessora a Câmara Municipal auxiliando-a com a emissão de um parecer prévio opinativo pela aprovação ou reprovação das contas do prefeito. Em seguida, este parecer é levado à Câmara dos Vereadores onde poderá deixar de prevalecer se por decisão de 2/3 dos membros da Casa Legislativa Municipal, são os dizeres do art. 31, § 2º, da Lei Máxima brasileira.

Por conseguinte, a Justiça Eleitoral só pode considerar o prefeito inelegível para as eleições seguintes, após o julgamento da Câmera de Vereadores desaprovando suas contas.

O Professor Márcio André Lopes Cavalcante ensina: A Constituição conferiu ao Poder Legislativo a

função de controle e fiscalização das contas do chefe do Poder Executivo. Esta é uma função típica do Legislativo, ao lado da função legiferante. Isso se deve ao fato de que cabe a um Poder fiscalizar o outro. Esta fiscalização se desenvolve por meio de um processo político-administrativo, que se inicia no Tribunal de Contas, que faz uma apreciação técnica das contas e emite um parecer. No entanto, a decisão final cabe ao Poder Legislativo (Informativo 834-STF (23/08/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante, p. 4).

No entendimento da Corte Máxima do Brasil, a Câmara Legislativa do município é composta por representantes do povo de forma que a legitimidade para julgamento das contas do prefeito é advinda da soberania popular e referendada pela Constituição Federal, nos termos do art. 31, caput, "A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei".

Destarte, o STF decidiu que o prefeito deve prestar suas contas ao Tribunal de Contas. A Corte de Contas, por sua vez, aprecia e emite um parecer opinativo sobre as contas prestadas pelo prefeito. Em seguida, este

 

 

 

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parecer é encaminhado à Câmara Municipal, que poderá aceitar ou rejeitar as conclusões do Tribunal de Contas.

Para rejeitar a decisão do Tribunal de Contas, a Câmara Legislativa Municipal deve ter o voto de 2/3 dos vereadores, isto é, exige-se um quorum qualificado de votação, somente podendo o parecer da Corte de Contas ser derrubada por, no mínimo, 2/3 dos votos dos vereadores.

A última conclusão extraída do julgamento em repercussão geral do Supremo Tribunal Federal se refere aos casos em que o Tribunal de Contas emite parecer pela rejeição das contas do prefeito, a Câmara Municipal não delibera sobre esta decisão, quando chegado o período eleitoral, os prefeitos solicitam à Justiça Eleitoral seus registros de candidaturas para outros cargos eletivos.

De acordo com a decisão do Supremo, enquanto a Câmara de Vereadores não julgar as contas do prefeito, não há rejeição, e não havendo a desaprovação das contas, o prefeito pode registrar sua candidatura para outros cargos eletivos. Mesmo que a Câmara Legislativa se omita na apreciação das contas, não se pode considerar que estas foram rejeitas, haja vista que o parecer elaborado pelo Tribunal de Contas é meramente opinativo, não havendo caráter decisório.

O STF afirmou que, para estes casos, deve-se adotar uma interpretação sistemática do art. 31 com o art. 71 da Constituição Federal, concluindo que o único responsável pelo julgamento das contas do prefeito é a Câmara de Vereadores, noutras palavras, cabe ao Poder Legislativo o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo.

Nas preciosas lições do Professor Márcio André Lopes Cavalcante: A interpretação de que o parecer do Tribunal de

Contas é conclusivo e produz efeitos imediatos e permanentes caso a Câmara Municipal não o examine no prazo ofende a regra do art. 71, I, da CF/88. Além disso, haveria uma espécie de julgamento ficto das contas, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico por dois motivos: 1) isso representaria uma delegação ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar, de

 

 

 

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uma competência constitucional que é própria das Câmaras Municipais; 2) estaria sendo criada uma sanção aos Prefeitos pelo decurso de prazo, punição esta inexistente na Constituição (Informativo 834-STF (23/08/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante, p. 7).

3 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A DECISÃO DO STF

Embora a decisão do STF seja perfeita sob o ponto de vista técnico dos argumentos apresentados, é possível inferir outra conclusão à decisão, também consentânea com a Constituição Federal e legislações correlatas e bem mais coerente com a realidade social hoje vivenciada e com os princípios da segurança jurídica, da moralidade, da eficiência e da não impunidade.

Primeiramente, há de se destacar que o art. 71 da Constituição Federal trata-se de norma genérica aplicada ao Tribunal de Contas da União, TCU, que será aplicada aos Tribunais de Contas Estaduais "no que couber", segundo inteligência do art. 75, caput, da CF/88. Logo, há dispositivos presentes na Seção IX, do Capítulo I, Título IV, da CF que se referem apenas ao TCU, seja por impossibilidade jurídica de aplicação aos TCE's, seja por haver norma específica regulamentando o Tribunal de Contas Estadual.

É neste sentido que se inclui o art. 31, § 2º, da Constituição Federal, uma vez que trata-se de uma norma específica relacionada aos Tribunais de Contas Estaduais, que dispõe: "O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal".

Destarte, o conflito aparente de normas é resolvido pelo critério da especialidade, onde a lex specialis derogat legi generali (a lei especial derroga a lei geral).

 

 

 

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Entendido este ponto, cabe analisar o § 2º do art. 31 da CF/88 mais atentamente refutando uma interpretação sistemática tendo em vista que se refere a uma regra específica.

Desta feita, quando o dispositivo afirma que o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas "só deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal", anuncia um sentido vinculante à sua decisão de modo que, para retirar-lhe a eficácia, ser-lhe-ia necessário um quórum qualificado de 2/3 dos vereadores. Caso contrário, o parecer continuaria eficaz, gerando todos os efeitos a partir de sua edição.

É este o sentido alcançado pela interpretação literal do texto. Ademais, a Lei não traz termos inúteis e porque não se pode ignorar diretriz traçada pela Constituição Federal , resta óbvio que a decisão emitida pelo Tribunal de Contas gera a presunção de que as contas do prefeito estão maculadas pela ilegalidade. Cessando a eficácia, porém, se e quando apreciado e rejeitado por deliberação de 2/3 da Câmara Municipal.

Esta interpretação se mostra mais consentânea com a realidade vivenciada nos municípios do país onde o interesse político geralmente prevalece sobre o interesse público, estimulando a inércia do Poder Legislativo Municipal que podem permanecer anos sem julgar as contas de um prefeito mesmo que já exista um parecer técnico opinativo pela sua rejeição.

Outrossim, esta decisão do STF permitirá que vários prefeitos responsáveis por gestões desastrosas e até mesmo criminosas continuem a se perpetuar na vida pública, dilapidando o patrimônio público e ameaçando o bem estar da população, principalmente das menos favorecidas.

CONCLUSÃO

O julgamento do Supremo Tribunal Federal foi apertado, 6x5. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello votaram no sentido de que as contas dos prefeitos só podem ser julgadas e, por conseguinte, rejeitadas, pelo Poder Legislativo Municipal. Os Ministros Luis Roberto Barroso, Teori

 

 

 

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Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli votaram pela competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas dos prefeitos. A tese dos Tribunais de Contas e do Ministério Público Eleitoral acabou refutada pela maioria dos ministros.

Resta confiar no bom senso dos membros das Câmaras Municipais para que não permaneçam inertes diante da irresponsabilidade administrativa de vários prefeitos e que possam proceder aos julgamentos de forma técnica e com isenção.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente, Direito Administrativo Descompilado, 23. Ed. Método, 2015.

BARROSO, Luis Roberto, Temas de Direito Constitucional, Tomo III, Ed. Renovar, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 17. nov. 2016.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2. Ed. Juspodivm, 2015.

CAVALCANTE. Márcio Andre Lopes. DIZER O DIREITO.http://www.dizerodireito.com.br/2016/09/competencia-para-julgamento-das-contas.html. Acesso em 17. nov. 2016.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.

FILHO, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo. 28. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

LENZA, Pedro. Direto Constitucional Esquematizado. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

 

 

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MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3. Ed. Juspodivm. 2015.

MIRANDA. Henrique Savonitti. Curso de Direito Constitucional. 5. Ed. Brasília: Senado Federal, 2007.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

 

 

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A MITIGAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA CONSTRIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA

ALESSANDRO MENEZES ORICO: Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Especialista em Direito Ambiental. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT. Advogado.

Resumo: esta produção consagra uma análise verdadeira sobre o futuro da teoria da personalidade jurídica em suas vinculações com o bem de família legal.

Palavras-chave: direito, empresa, desconsideração da personalidade jurídica.

Abstract: this presentation has a truly analytic about the future of the juridic personality theory in the same way for a legal propriety.

Key words: law, company, disregard of the legal entity

Sumário: Introdução; 1. Teoria da Personalidade Jurídica; 1.1. Os efeitos legais da atribuição; 1.2. A distinção patrimonial; 2 A decisio por presunção; Conclusão.

Introdução

O presente trabalho discute penhorabilidade de bem de família quando oferecido em garantia real hipotecária de dívida de pessoa jurídica da qual são únicos sócios marido e mulher que nele residem, tendo em vista o julgamento do Resp 1.413.717/PR, resultando em uma decisio que considerou o proveito da hipoteca, ao ser aplicado na empresa formada pelos cônjuges, como um proveito revertido em prol da própria instituição familiar, mitigando a ideia de que a pessoa jurídica (a sociedade

 

 

 

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empresária) é um terceiro distinto dos cônjuges e sua família, ainda que empresa familiar.

1. Teoria da Personalidade Jurídica

A pessoa jurídica, em condições normais e lícitas, jamais poderá ser confundida com a pessoa de seus sócios. Dar um bem em garantia em favor da sociedade empresária, por oconseguinte, não é o mesmo que fazê-lo em favor da própria família. A fim de perpetuar e justificar essas distinções, formularam-se as teorias da personalidade jurídica.

A teoria da ficção legal, de Savigny[1], “concluiu que a pessoa jurídica é uma ficção legal, ou seja, uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais e facilitar a função de certas entidades[2]”.

Para a teoria da realidade objetiva, as pessoas jurídicas são “organismos sociais constituídos pelas pessoas jurídicas, que têm existência e vontade própria, distinta da de seus membros, tendo por finalidade realizar um objetivo social[3]”.

O Código Civil adotou uma somatória das duas teorias, resultando na teoria da realidade técnica[4], também chamada de teoria da realidade das instituições jurídicas, expressão utilizada por Maria Helena Diniz, que assim a define: “A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecerem. Logo, essa teoria é a que melhor atende à essência da pessoa jurídica, por estabelecer, com propriedade, que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica[5]”

1.1. Os efeitos legais da atribuição

Assim, “as pessoas jurídicas, também denominadas pessoas coletivas, morais, fictícias ou abstratas, podem ser conceituadas como sendo conjuntos de pessoas ou de bens arrecadados, que adquirem personalidade jurídica própria por uma ficção legal. Apesar de o Código Civil não repetir a regra do art. 20[6] do CC/1916, a pessoa jurídica não se confunde com seus membros, sendo essa regra inerente à própria concepção da pessoa jurídica[7]”, ainda que seus sócios sejam exclusivamente os cônjuges, complementa-se. Tal distinção é necessária e coloca a sociedade como

 

 

 

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verdadeiro terceiro, outra pessoa, que tem seus direitos de personalidade[8] e podem, inclusive, sofrer dano moral[9].

Como leciona Fábio Ulhoa Coelho, “em outros termos, na medida em que a lei estabelece a separação entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, consagrando o princípio da autonomia patrimonial, os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionados ao exercício da atividade econômica, explorada em conjunto. Será a própria pessoa jurídica da sociedade a titular de tais direitos e a devedora dessas obrigações. Três exemplos ilustram as consequências da personalização da sociedade empresária: a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial[10]”.

1.2. A distinção patrimonial

A distinção patrimonial é um dos principais elementos de estímulo à atividade empreendora, que deixa o investidor mais confortável para se arriscar no mercado, um grande desafio no cenário contemporâneo da realidade brasileira. Com a flagrante possibilidade de seus bens sucumbirem por conta de um insucesso do empresário, o sócio certamente não sentiria o mesmo conforto em dar início a uma sociedade, agindo com maior cautela e, muitas vezes, desistinto da ideia, enfraquecendo o setor e tornando improdutiva a máquina da economia.

O fim da separação patrimonial ocorre em condição bastante específica, como forma de proteção ao sistema, a partir da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of the legal entity). Assim anuncia o art. 50 do Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam

 

 

 

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estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Sobre o tema, sempre necessário destacar os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa:

“Assim, quando a pessoa jurídica, ou melhor, a personalidade jurídica for utilizada para fugir de suas finalidades, para lesar terceiros, deve ser desconsiderada, isto é, não deve ser levada em conta a personalidade técnica, não deve ser tomada em consideração sua existência, decidindo o julgador como se o ato ou negócio houvesse sido praticado pela pessoa natural (ou outra pessoa jurídica). Na realidade, nessas hipóteses, a pessoa natural procura um escudo de legitimidade na realidade técnica da pessoa jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo. Imputa-se responsabilidade aos sócios e membros integrantes da pessoa jurídica que procuram burlar a lei ou lesar terceiros. Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica, mas, em caso específico e determinado, não a levar em consideração. Tal não implica, como regra geral, negar validade à existência da pessoa jurídica[11]”

2 A decisio por presunção

A presunção que equipara o benefício da hipoteca dado à sociedade ao benefício dado à própria entidade familiar, resulta em uma lógica próxima à desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, conceitualmente, as situações sejam bastante distintas, já que o bem dado em garantia é do próprio sócio e, por isso, é ele quem responde. A formulação decorre da interpretação dos seguintes fatos:

I. A constrição judicial do bem de família dado em garantia hipotecária (art. 3º, V, da Lei 8.009/90) somente poderá ocorrer se o benefício for revertido diretamente à entidade familiar, em jurisprudência consolidade há anos pelo STJ, conforme já destacamos no presente trabalho.

II. O Tribunal decidiu, ao valer-se da presunção, que, pelo fato de os sócios da empresa serem os próprios cônjuges, o benefício dado à sociedade equivale ao benefício revertido diretamente à entidade familiar, colocando

 

 

 

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em posição simétrica as pessoas físicas e jurídicas e, nos mesmos termos, equiparando os patrimônios.

III. Segundo o ordenamento, a simetria de posições e a equiparação patrimonial (afastando os efeitos da separação, decorrente da lógica existencial de uma pessoa jurídica) somente incidirão na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, que se dá nos casos de confusão patrimonial e desvio de finalidade, claros indícios de fraude, o que justifica o caráter sancionatório da medida.

IV. A lógica conclusiva coloca em posições próximas os sócios embusteiros e os sócios cônjuges, que assim sucumbem somente por estarem casados.

Conclusão

Frente a essa série de argumentos, embora considere que a construção pretoriana deve ser aplaudida frente à enorme proteção ao bem de família, defendo que nessa decisio, em particular, não foi feliz o Superior Tribunal de Justiça, dando uma resposta que fragiliza a índole protetiva conferida ao respectivo bem.

Todos os elementos colacionados apontam, na doutrina e na jurisprudência, a distinção absoluta entre o conceito de pessoa jurídica e o de pessoa natural, ainda que frente a uma estrutura de subsistência familiar. Não se pode relativizar, sob pena de confusões patrimoniais inversas, os elementos basilares das formulações teóricas contemporâneas.

Referências:

Savigny. Traité de droit romain, § 85.

Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.1, 32ª edição, ed. Saraiva, pag. 271.

Como prefere denominar o jurista Flávio Tartuce.

Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.1, 32ª edição, ed. Saraiva, pag. 271.

 

 

 

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Código Civil de 1916, art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.

Flávio Tartuce. Curso de Direito Civil, v.1, 11ª edição, ed. Método, pag. 231.

Código Civil, art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Enunciado da Súmula 227, STJ: a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v.2, 19ª edição, ed. Saraiva, pag. 32.

Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Parte Geral, v.1. 3ª edição. Atlas, pag. 300.

NOTAS:

[1] Savigny. Traité de droit romain, § 85.

[2] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.1, 32ª edição, ed. Saraiva, pag. 271.

[3] Idem

[4] Como prefere denominar o jurista Flávio Tartuce.

[5] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.1, 32ª edição, ed. Saraiva, pag. 271

[6] Código Civil de 1916, art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.

[7] Flávio Tartuce. Curso de Direito Civil, v.1, 11ª edição, ed. Método, pag. 231.

[8] Código Civil, art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

 

 

 

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[9] Enunciado da Súmula 227, STJ: a pessoa jurídica pode sofrer dano moral

[10] Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v.2, 19ª edição, ed. Saraiva, pag. 32.

[11] Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Parte Geral, v.1. 3ª edição. Atlas, pag. 300

 

 

 

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM CASOS DE CUSTÓDIA

ROBERTO MONTEIRO LOBO: Advogado. Pós-graduado em Direito Público.

1 – Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral

A responsabilidade objetiva por condutas comissivas dos agentes de Estado, que admite excludentes (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior), decorre da teoria que nós chamamos de teoria do risco administrativo. A teoria do risco administrativo é a ideia de que a atividade do Estado é arriscada. Ninguém consegue agradar 100% das pessoas. Sempre vai prejudicar alguém. Por isso, quando o Estado assume o risco de exercer a atividade administrativa, ele acaba por se responsabilizar objetivamente por todos os danos decorrentes desse risco.

Então, a teoria do risco administrativo acaba por gerar uma responsabilidade objetiva, porque o Estado responde por todos os danos decorrentes do risco criado por ele. Pouco importa como foi a situação de risco, a responsabilidade do Estado é sempre objetiva.

A medida que pagamos os tributos, estamos colaborando para manutenção/sustentação do Estado. Se um de nós (que sustentamos o estado) sofre um prejuízo em razão de uma conduta administrativa, não deve ter de passar pelo encargo de ter que demonstrar a culpa (nem culpa do preposto, nem culpa da Administração). A vítima só precisa provar que sofreu dano e que esse dano decorre de uma conduta administrativa.

Ocorre que a teoria do risco administrativo tem um contraponto na doutrina que é a chamada teoria do risco integral. Alguns doutrinadores adotam a teoria do risco integral. Qual é a diferença? Quem adota a teoria do risco integral, mantém a ideia da responsabilidade objetiva, com uma diferença: não admite as excludentes de responsabilidade. Quem adota o

 

 

 

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risco integral enxerga o estado como garantidor universal, por isso não admite as excludentes do nexo causal.

O Estado responde mesmo diante de situações em que haja, teoricamente, exclusão da responsabilidade. Quem adota a teoria do risco integral entende que o Estado responde objetivamente, mesmo diante de situações em que haveria exclusão da responsabilidade do Estado. O Brasil adotou, como regra, a teoria do risco administrativo, mas nós temos algumas exceções. Nós temos 4 exceções em que a doutrina aponta pela adoção do risco integral (nenhuma delas é unânime):

1ª Danos nucleares – Os danos decorrentes de atividades nucleares geram responsabilidade objetiva integral do Estado. A responsabilidade do Estado é objetiva e decorre do risco integral todas as vezes que o dano decorrer de uma atividade nuclear. Quando eu falo de atividade nuclear, eu estou falando de qualquer atividade autorizada pelo Estado.

Exemplo - No Brasil nós tivemos um único caso. Aconteceu em Goiânia. Há 25 anos, dois meninos resolveram brincar numa área de lixo hospitalar. Encontraram uma caixa em que havia escrito “perigo”. Mesmo assim eles abriram. Encontraram um tubo de césio 137, verde e fosforescente. Pegaram, andaram com ele no ônibus, eles faleceram. Todo mundo que teve contato com a substância ou com essas crianças também morreu. Quem não morreu sofreu sequelas que até hoje se alastram em Goiânia. O evento é muito danoso. Por isso, na época, o Estado alegou culpa exclusiva da vítima. As crianças que pegaram uma caixa que tinha escrito perigo. Mas o judiciário decidiu que nesses casos de danos decorrentes de atividade nuclear não se aplicam as causas excludentes de responsabilidade. Nesses casos o risco é integral.

2ª Danos ambientais – O Estado responde integralmente por qualquer dano ambiental, seja por ato comissivo, seja por ato omissivo. Só tem uma diferença: no caso de responsabilidade objetiva por dano ambiental por ato omissivo, a responsabilidade é integral, mas é uma responsabilidade que a gente chama de responsabilidade de execução subsidiária. É uma responsabilidade integral, mas só se pode executar o Estado depois de executar o poluidor direto.

 

 

 

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3ª Crimes ocorridos a bordo de aeronaves que estejam sobrevoando o território brasileiro

4ª Danos decorrentes de terrorismo

2 - Responsabilidade Civil do Estado por Omissão

2.1 – Teoria da Culpa Anônima ou Culpa do Serviço

Nós já vimos a responsabilidade objetiva por atos comissivos. Já vimos que o Estado responde objetivamente quando o dano decorrer da conduta de um agente. Quando o agente atua, a responsabilidade é objetiva. E como fica a responsabilidade por omissão do Estado? Como funciona a responsabilidade do Estado naquelas situações em que o dano decorre exatamente da não atuação do agente?

O entendimento majoritário é o de que a responsabilidade por omissão do Estado é subjetiva. Mas não é uma responsabilidade subjetiva que se baseia em dolo e culpa do agente. Não é a responsabilidade civilista. É uma responsabilidade subjetiva que se baseia no que se chama de culpa do serviço/culpa anônima.

Ou seja, para que o Estado responda, eu preciso demonstrar que o dano decorreu da má prestação do serviço no caso concreto. Se o dano decorreu da má prestação do serviço, da prestação ineficiente do serviço, aí o Estado responde.

Se o cidadão é assaltado no meio da rua, o Estado responde? Não. E se o cidadão é assaltado na frente de uma delegacia? Aí o Estado responde, claro. O Estado tem que prestar o serviço de segurança, mas dentro dos limites do possível. Se o cidadão foi assaltado no meio da rua, não há como se exigir que haja um agente de Estado em cada local da cidade. Agora, se o cidadão foi assaltado na frente da delegacia, fica mais claro que o serviço de segurança está sendo mal prestado pelo Estado. Digamos que o assalto foi na frente da delegacia e o policial não fez nada porque pensou que era briga de marido e mulher. Ainda que o policial tivesse toda razão, não tivesse culpa nenhuma, o Estado ainda responde? Claro. Não é necessário demonstrar culpa do agente. Basta demonstrar que o serviço foi ineficiente.

 

 

 

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Com isso, a responsabilidade do Estado é subjetiva. Eu preciso demonstrar a culpa do serviço, a má prestação do serviço no caso concreto. Se eu demonstro essa má prestação do serviço no caso concreto, eu consigo responsabilizar o Estado.

Exemplo 1 – Em São Paulo estava chovendo bastante e os bueiros estavam entupidos. As ruas estavam alagadas. Um menino saiu para brincar e morreu de leptospirose. O Estado responde? Sim. É a má prestação do serviço de escoamento, é a má prestação do serviço de esgoto... Se apenas tivesse chovido, o menino saísse para brincar e morresse, o Estado não responderia. Mas nesse caso concreto eu consigo demonstrar a má prestação do serviço. Nesses casos de omissão eu tenho que ter esse elemento da não prestação eficiente.

Exemplo 2 – Se cai um galho no meu carro, o Estado responde? Depende do caso concreto. Se foi um vento forte que derrubou várias árvores, o Estado não responde. Agora, se eu conseguir demonstrar que o município deveria ter feito a poda daquela árvore, que a árvore estava visivelmente podre, o Estado responde sim. Tem que demonstrar a má prestação do serviço. Não basta a ausência de atuação. Eu tenho que demonstrar essa má prestação do serviço.

2.2 – Teoria do Risco Criado e Teoria da Conditio Sine Qua Non (situação de custódia)

No entanto, o Brasil adotou também outra teoria para casos de omissão, que a gente chama de teoria do risco criado/suscitado. A TEORIA DO RISCO CRIADO DIZ O SEGUINTE: TODAS AS VEZES QUE O ESTADO CRIA UMA SITUAÇÃO DE RISCO E DA SITUAÇÃO DE RISCO CRIADA PELO ESTADO DECORRE UM DANO, A RESPONSABILIDADE DO ESTADO É OBJETIVA, MESMO QUE NÃO HAJA CONDUTA DIRETA DO AGENTE.

Exemplo 1 - Um preso mata o outro na prisão. Se um preso mata o outro na prisão, o Estado responde objetivamente. Perceba que não teve conduta do agente. Quem matou foi o preso e quem morreu foi outro preso. Mas o presídio é uma situação de risco criado pelo Estado. Quando o Estado

 

 

 

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cria essa situação de risco, ele responde objetivamente por todos os danos decorrentes desse risco.

Exemplo 2 – Imagine que um preso fugiu do presídio e, durante a fuga, assaltou a casa ao lado. O Estado responde? Sim. Responde objetivamente. É responsabilidade objetiva porque o presídio cria uma situação de risco à vizinhança.

E quando for logo após a fuga? Considera-se extensão da custódia? Sim, por isso a responsabilidade do Estado ainda é objetiva. A DOUTRINA BRASILEIRA VEM DIZENDO QUE ESSE RISCO CRIADO/SUSCITADO ESTÁ PRESENTE TODAS AS VEZES QUE O ESTADO TEM ALGUÉM OU ALGUMA COISA SOB CUSTÓDIA. Todas as vezes que o estado tiver alguém ou alguma coisa sob custódia, sua responsabilidade será objetiva. O Estado não é garantidor universal, mas ele é garantidor de quem ele custodia. Temos um julgado do final de 2012 dizendo que a responsabilidade do Estado por um preso que se suicida na prisão é objetiva, porque ele é garantidor de quem ele custodia. O STF vem chamando isso de omissão específica. Nessas situações de custódia o Estado tem uma omissão específica, porque naquele caso ele tem um dever específico de cuidado. É uma responsabilidade objetiva por omissão.

Imagine o recreio de uma escola pública. Um aluno fere o outro. O Estado responde?

Objetivamente, porque, no recreio da escola pública, o Estado deveria estar tomando conta daquelas crianças. Isso é uma responsabilidade objetiva por omissão do Estado, decorrente da situação de custódia.

Exemplo - Um preso pediu para passar o dia dos pais com o pai, numa situação de saída temporária. O judiciário permitiu. Esse sujeito, sob a custódia do Estado, vai visitar o pai no fim de semana e volta. O preso foi no shopping, estuprou uma moça, matou e deixou a sua filha, que estava com ela, presa no carro. O Estado responde? Objetivamente, porque, no momento em que ele colocou aquele sujeito, sob custodia, na sociedade, criou uma situação de risco e se responsabiliza por essa situação.

 

 

 

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Nesse caso de custódia, a gente não aplica nem o risco administrativo nem o risco integral. Aqui a teoria aplicada é a teoria da conditio sine qua. Para que haja responsabilidade do estado em situações de custódia, basta você demonstrar que a custódia é uma condição sem a qual o dano não ocorreria. Você precisa comprovar que a custodia é uma condição sem a qual não haveria o dano. Não preciso demonstrar causalidade adequada.

Logo, entende-se que, nas situações de custódia, só há exclusão da responsabilidade do Estado em virtude de fortuitos externos: situações que não decorram nem da custódia nem do custodiado. Ainda que decorra de um caso fortuito, se for um fortuito interno (que decorra da própria custódia), não excluirá a responsabilidade objetiva do Estado.

REFERÊNCIAS

-Alexandrino, M. Paulo, V. Direito Administrativo Descomplicado. 22ª ed. São Paulo: Método, 2014.

-Carvalho Filho, J. S. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

-Di Pietro, M. S. Z. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009.

-Matheus Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo. Editora Jus Podivm, 2015.

 

 

 

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ESTADO ISLÂMICO E A CONCEPÇÃO DE ESTADO NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

ULISSES LEONARDO GODINHO SEVERIANO DA SILVA: Acadêmico de Direito e Gestão Pública.

INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos o mundo foi conhecendo o poder de um dos grupos terroristas que vêm se apoderando de forças militares e causando uma enorme devastação para o Iraque e a Síria conhecido como Estado Islâmico. O grupo terrorista tem como objetivo de seu califado alcançar todo o Oriente Médio por meio de atentados terroristas, assim mostrando sua autoridade para todo o resto do mundo. O Estado Islâmico se auto intitula como Estado, assim ditos pelos próprios jihadistas e essa autoproclamação está sendo criticada pela sociedade internacional. O presente trabalho visa analisar as características do Estado Islâmico para o Direito internacional público e se realmente cabe ao grupo terrorista pode ser considerado um Estado perante as Organizações internacionais e por outros Estados.

Palavras chave: Direito Internacional Público, Estado Islâmico, Califa, Organizações Internacionais.

1. O Estado Islâmico

Denominado como um grupo terrorista, o Estado Islâmico se derivou de outra organização terrorista chamada de Al Qaeda, ficando bastante conhecida pelo mundo nos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América. A sua criação tem origem sunita e tem início logo após à queda de Saddam Hussein que ocorreu em 2003, mas a o grupo realmente foi se desenvolvendo com a guerra civil na Síria, pois, o grupo terrorista se aliou aos rebeldes para lutar contra o governo do

 

 

 

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Bashar al-Assad. Em 2014 o grupo terrorista se desmembrou da Al Qaeda, pois, as práticas do Estado Islâmico têm sido terrivelmente brutais até mesmo para a Al Qaeda.

1. 2 Califado

O califado é a forma de governo do Estado Islâmico, onde há um califa que é o chefe máximo do califado. O califa tem como objetivo impor a Sharia que são as antigas leis islâmicas e assim governando seus territórios de uma forma muito rígida e que não há tolerância aos infiéis.

1. 3 Objetivo

O Estado Islâmico tem por objetivo a aplicação das leis mais antigas do direito muçulmano em seus territórios, a expansão de seu califado por todo o Oriente Médio e a conexão com diversos países do mundo para expor sua autoridade.

2. Direito Internacional Público

O objeto de estudo do direito internacional público são as relações entre Estados e Estados e outros atores internacionais. De acordo com Varella, Marcelo D. (2012, p.27), "O direito internacional público é o conjunto de regras e princípios que regula a sociedade internacional."

Quando se trata de direito internacional público alguns doutrinadores acham que é um direito sem efetividade, mas não é possível afirmar com toda certeza, pois, o direito internacional tem normas obrigatórias e não obrigatórias, assim no tocante ao descumprimento de normas ou dos tratados os Estados e Organizações Internacionais podem ser responsabilizadas e sofrer sanções.

O Direito Internacional Público tem como características: Varella (2012, p. 30): a) Inexistência de

subordinação dos sujeitos de direito a um Estado;

B) Inexistência de uma norma constitucional a cima das demais normas;

 

 

 

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C) Inexistência dos atos jurídicos unilaterais obrigatórios, oponíveis a toda comunidade internacional;

Dessa maneira, nenhum Estado é melhor que o outro e nem uma Organização Internacional é maior ou melhor que a outra, é possível ver com mais clareza que nas Organizações Internacionais cada uma tem sua competência. No Direito internacional público não uma Constituição que regule os Estados e seus atores internacionais, o que realmente guia são os diversos tratados internacionais que são ajustados entre os Estados e Organizações Internacionais.

Sendo assim, é possível afirmar que, o direito internacional público visa a evolução de adaptação entre os Estados e para que isso aconteça, se faz necessária a anuência de tais normas gerais.

2. 1 Estado

No tocante ao estudo do Direito Internacional Público um dos aspectos mais importantes à serem tratados é formação do Estado. A criação de um Estado depende de uma série de fatores e acontecimentos históricos e jurídicos.

Conforme Mazzuoli (2011, p.432) "O Estado é uma instituição criada pelos homens com a finalidade de organizar as diversas atividades humanas dentro de um dado território." Com essa percepção é possível analisar que o Estado tem alguns elementos constitutivos, ou seja, requisitos para composição.

2. 2 Elementos constitutivos

No ano de 1933, a Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados, veio indicando alguns requisitos para que haja a formação do Estado no padrão internacional. Para a sua formação são exigidos os seguintes requisitos: uma comunidade de indivíduos, território e a forma de governo e de se relacionar com os outros Estados.

2.2.1 Comunidade de indivíduos

 

 

 

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Quanto ao conceito de comunidade de indivíduos, são aquelas pessoas que vivem em um território e formam o Estado mediante o vínculo jurídico que é por meio da nacionalidade. É necessário que se faça uma breve analise e diferenciação no tocante à povo e população. Assim, população de acordo com Mazzuoli (2011), a população é um termo demográfico para a contagem do povo, apátridas e os estrangeiros que residam no Estado. Para Mazzuoli (2011) povo é conceito jurídico e políticos que apenas os nacionais têm, não existindo a expressão "povo estrangeiro", pois, os estrangeiros mesmo com seu principal domicilio sendo em outro Estado, fazem parte da população.

Importante ressaltar uma ressalva do autor Varela (2012, p. 162): "A população não precisa estar fixada no

território, inclusive pode ser nômade e, neste caso, o território varia conforme a população muda de local, teoria construída pela Corte Internacional de Justiça em um parecer consultivo sobre o Saara ocidental. A Corte discutia a quem pertencia um território situado entre a Mauritânia e o Marrocos. No caso, a Espanha tinha interesse em apropriar-se do território, argumentando que ele fora seu domínio e que esses Estados jamais se apropriaram das terras. A CIJ considerou que, mesmo se não havia povos residentes, a população que ocupava tradicionalmente essas terras era nômade, seguia algumas rotas comerciais, mudando de região para região, tinha a noção cultural de submissão a determinados governantes como do Marrocos ou da Mauritânia, conforme o local onde se encontravam. Entretanto, jamais se submetia à Espanha. O território foi, então, reconhecido pela Corte Internacional de Justiça como sendo dois Estados africanos, em função do sentimento de submissão dessas populações."

Logo, exibindo que não é obrigatório que a população seja residente, mas que pode ser que seja de forma transitória, como demonstrado no parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça.

 

 

 

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2.2.2 Território

Como se pode imaginar, o Estado deve ter um território determinado, físico ou não, pois o território não se limita ao físico, onde ele irá exercer sua soberania.

Para Varella (2012) "Trata-se do domínio soberano do Estado sobre determinada região."

2.2.3 Governo

Para a formação de um Estado é imprescindível que haja uma forma de governo e que ela seja autônoma e independente. O governo é o conceito político do Estado, onde, não deverá ter a intromissão de terceiros em seus assuntos internos.

O instituto do governo tem duas funções no Estado, de acordo com Mazzuoli (2011):

A) internamente ele administra o país; B) por outro lado, internacionalmente, é ele que

participa das relações internacionais do Estado, conduzindo a sua política externa

Para o Estado participar nas relações internacionais com outros Estados e Organizações Internacionais é necessário que haja o reconhecimento da Comunidade Internacional.

2.3 Criação de um novo Estado

Quando se fala em criação de um novo Estado é necessário fazer uma breve análise de como isso pode ser feito, de acordo com Varella (2012) é classificada como:

A) ocupação efetiva: A ocupação efetiva ocorre quando um Estado toma posse de um território que não pertencia anteriormente a nenhum outro Estado. [¹] Para ocorrer a ocupação efetiva é necessário que haja dois requisitos, a vontade de ocupar e que seja uma res nullis.

 

 

 

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B) conquista: A conquista é a transferência do domínio de um território de um Estado para outro, por meio da guerra. [²] A forma de conquista já foi reconhecida pela comunidade internacional como uma forma de criação de Estado, por meio de pagamento da guerra ou até mesmo com a destruição total daquele determinado Estado.

C) secessão: A secessão é a independência de parte do território, que se torna um Estado autônomo. [³] Não se pode confundir a secessão com a descolonização, pois, é uma separação de uma parte do Estado e não uma independência de uma antiga colônia.

D) cessão convencional: A cessão ocorre quando um Estado transmite uma porção de seu território a outro Estado por manifestação livre de sua vontade. [4] Essa forma também não se confunde com a secessão, pois nesse presente caso, o Estado tem a vontade, o animus de doar ou vender uma parte do seu território, como no caso do Alasca, que o Estados Unidos da América comprou da França.

E) fusão convencional: A fusão ocorre com a junção completa de dois ou mais Estados para a criação de um outro Estado resultante. [5] A junção entre dois Estados é denominada fusão, nesse caso é a união por decisão dos dois Estados para se unirem e formar um Estado só, como uma única forma de governo.

F) decisão unilateral: A decisão unilateral ocorre quando uma Organização Internacional ou comissão arbitral decide um litígio entre dois ou mais Estados, determinando os limites territoriais de cada um. [6] Há tal necessidade de uma decisão unilateral quando dois Estados elegem uma comissão arbitral ou uma Corte para a decisão do litígio e sendo assim, a

 

 

 

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corte ou comissão analisa todo o fato e dá sua decisão de forma unilateral.

G) descolonização: Por descolonização, stricto sensu, deve-se compreender o processo de independência das ex-colônias europeias. Evidentemente, lato sensu, essa categoria pode incluir ainda qualquer movimento de libertação em relação a uma metrópole, seja ela onde for. [7] Nesse caso, a descolonização se assemelha à secessão, mas, não podem ser confundidas, pois a descolonização trata-se da forma de independência do Estado por um colonizador.

h) dissolução de um Estado: A dissolução de um Estado é a separação de partes do Estado antigo para a formação de novos Estados, um fato um pouco recente é a divisão da Etiópia que criou a Eritreia, em 1993. [8]

2.4 Reconhecimento do Estado

O reconhecimento do Estado é dado por outros Estados e as Organizações Internacionais. Sendo que, é um ato unilateral, pois, o Estado ou Organização Internacional pode achar defeitos em seus elementos constitutivos, como por exemplo.

Dessa forma, Varella (2012) cita: "Trata-se de ato unilateral porque é emanado de

um único sujeito de direito internacional. Esse sujeito pode ser um outro Estado ou uma Organização Internacional. Em geral, quando o Estado é criado, os demais Estados gradualmente manifestam seu reconhecimento."

3. Reconhecimento do Estado Islâmico

Por sua vez, o Estado Islâmico autoproclamou Estado em 2014, sendo que se desmembrou de seu braço originário que foi a Al Qaeda. Quando se fala em reconhecimento de Estado é necessário relembrar que, o Estado Islâmico pode até possuir todos os requisitos de população,

 

 

 

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território e governos, contudo, seus territórios são baseados por meio de conquista e nos dias de hoje é um sistema ilegítimo e que fere o jus cogens, que exprime valores éticos, que só se podem impor com força imperativa se forem absolutos e universais. [9]

4. Conclusão

Em vista dos argumentos apresentados foi analisado, o que é o Estado Islâmico, sua formação e seus objetivos e tudo isso de acordo com o Direito Internacional Público.

A comunidade internacional não reconhece o Estado Islâmico como Estado, pois, o grupo terrorista fere o jus cogens da comunidade internacional, os princípios da Declaração dos Direitos Humanos, utilizando a sua força, mas mostrar o poder do califado.

O Estado Islâmico é tratado pela comunidade internacional como um grupo beligerante, de acordo com Mazzuoli (2011) quando há um grupo politicamente organizado e armado tem vista o desmembramento e a mudança de governo por meio do uso da força.

Notas:

1 VARELLA, Marcelo D.. Direito Internacional Público.4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 200.² VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 203

2 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 203

3 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 204

4 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 205.

5 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 205.

6 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 206.

7 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 206.

8 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p.247

 

 

 

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9 RODAS, Op., Cit., p. 125.

Referências Bibliográficas:

ACCIOLY, Hilderbrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, G. E. Do Nascimento e. MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1352 p.

CIJ. Parecer consultivo sobre o Saara Ocidental. Decisão de 16.10.1975

FERNANDES, Cláudio. Estado Islâmico – Grupo terrorista.2016. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2016.

G1 (São Paulo). O que é o Estado Islâmico?2016. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2016.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 1104 p.

RODAS, João Grandino. Ius Cogens em Direito Internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 69, 1974.

VARELLA, Marcelo D.. Direito Internacional Público.4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 476 p.

 

 

 

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PROCESSO ADMINISTRATIVO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO: ABUSO DE DIREITO

APARECIDA I. AMARANTE: Procuradora do Estado de MG; ex-professora-adjunta de direito da UFMG; doutora em Direito Civil pela UFMG. Autora do livro: Indenização por Dano à Honra, 7a. edição, Excludentes de Ilicitude Civil.

PROCESSO ADMINISTRATIVO INSTAURADO POR COMISSÃO PROCESSANTE. DIREITO DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO (ART. 5°, IV, IX E 220, CR). (“CALA A BOCA JÁ MORREU”!!!). ART. 5º, X, TAMBÉM DA CR. DIREITO DE LEALDADE À INSTITUIÇÃO A QUE SERVIR (ART. 116, II, LEI FEDERAL N. 8.112, DE 11.12.1990). CRÍTICAS SOBRE A ATUAÇÃO DO GOVERNO. ESTUDO MONOGRÁFICO VINCULADO A CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO. ALEGAÇÃO DE ABUSO DO DIREITO COM A ABERTURA DO PROCESSO. DANO MORAL E DEVER DE AGIR DA ADMINISTRAÇÃO.

RELATÓRIO

Maria Silva Silva, servidora pública federal, consulta-nos sobre a possibilidade de pleitear indenização por dano moral e/ou pedido de Desculpas a ser feito pela Administração, com ampla publicidade, alegando ofensa aos artigos 5°, IV, IX, art. 220 caput e parágrafos, 1° e 2º da CR, c/c art. 37, § 6°, da CR, e art. 186, 187 e 927 do Código Civil, por ter sido vítima de abertura de processo administrativo disciplinar, indevidamente.

Alega que houve violação do direito fundamental do exercício da liberdade de expressão e comunicação, ocorrida no ano passado, no âmbito da Comissão de Ética de sua Pasta de lotação.

Entende que, na hipótese “ sub examine,” está caracterizado o abuso do direito, por parte da Comissão de Ética do Ministério, por tê-la

 

 

 

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submetido a uma situação injuriosa e constrangedora, com a abertura de processo administrativo.

Tal fato deu-se em virtude de sua monografia, apresentada em curso de mestrado, com críticas à atual gestão governamental. Nada mais fez do que exercer o direito de liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado.

Com base nesse trabalho, essencialmente científico, foi feita outra publicação. Também foi ele publicado no site da sua Associação Profissional.

Chamada foi a informar sobre as publicações e seu conteúdo pela Comissão de Ética, fato que a Requerente considera constrangedor, demonstrando a configuração do abuso de direito (art.187 e 927, Código Civil), uma vez que a União praticou o ato em circunstâncias que excederam o procedimento comum, não se atentando para o dever de respeito ao direito constitucionalmente previsto do exercício da liberdade de expressão e comunicação.

Reconhece que constam, em seu trabalho monográfico, críticas e repúdios à gestão, às políticas, atos e decisões de Governança, tudo como trabalho científico.

PARECER

1) É fato que a servidora apresentou o mencionado trabalho, tal como descreve. Quando se combate algo, em texto publicado, normalmente surgem consequências previstas ou não previstas pelo subscritor da peça. Também é fato que a servidora, ao se vincular em relação jurídica com a União, obriga-se a exercer suas funções, mantendo-se nessa relação com lealdade aos fins e ações do Estado.

O art. 116, II, Lei Federal n. 8.112, de 11.12.1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais), determina como dever do servidor:

"II - ser leal às instituições a que servir;"

 

 

 

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LEAL (de “legalis”) “literalmente quer, pois, significar o que é conforme a lei. Vulgarmente, porém, é aplicado para distinguir o que é feito segundo as regras da honra e da honestidade, ou o que se faz em respeito à regra da fidelidade”. “Leal e fiel empregam-se como equivalentes”. (Plácido e Silva. Vocabulário jurídico; Forense, v. III).

Foi exatamente para elucidar o conteúdo das publicações feitas pela servidora, que a Comissão de Ética, cumprindo seu dever, instaurou o processo administrativo respectivo, nos termos dos artigos 143, 148 e 150, da Lei mencionada.

A servidora exerceu amplamente seu direito de defesa. A Comissão arquivou o processo, não encontrando razões para prosseguimento (fls. …).

Nossa Carta magna de 1988 assegura, no art. 5°, IV, a

"livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”,

Como também assegura a livre

"expressão da atividade intelectual artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença." (art. 5°, IX).

Também o artigo 220 assegura a liberdade de expressão, o direito de crítica (“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”).

Entretanto, não há absolutismo no exercício, pois cada direito tem seu raio de ação. Pontes de Miranda enquadra o exercício do direito dentro de um processo dialético. A antiga máxima, dotada de absolutividade, (tese) - quem usa seu direito a ninguém prejudica - foi aquebrantada pela “Sumum ius summa iniuria” - (antítese). A síntese deu-se ou com a inclusão do abuso do direito na classe dos atos ilícitos, ou pelo emprego de regra jurídica de inclusão de enunciado proibitivo ... (cf. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado parte geral. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, II, p. 291).

 

 

 

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2) É na doutrina civil, na jurisprudência e na Lei Civil, que encontramos toda a evolução do abuso do direito, ponto fulcral atacado pela Consulente, no procedimento da Comissão de Ética. Lançamos, a seguir, breve estudo sobre a figura em discussão, extraído de lições de juristas de escol.

a) Antecedentes Históricos

Não foram somente os filósofos; os jurisconsultos reconheciam a necessidade de sobrepor o interesse público ao particular. Papiniano asseverou: “Nam propter publicam utilitatem, strictam rationem insuper habemos: ... nam summam esse rationem quae pro religione facit” (Diante da utilidade pública ... devemos relevar a razão particular ...). O imperador Leão declarou que nossos direitos devem ser exercidos sem propósito de prejudicar os dos outros. (Cf. BEVILÁQUA. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. São Paulo. Francisco Alves. 1919, V. 1, 4ª ed, p. 424).

Após examinar comparativamente as leis das Partidas, referentes ao uso do direito, com o direito romano, HENOCH AGUIAR arremata: "Así, el mismo pensamiento aparece en las leyes romanas y en las Partidas, o sea, que el acto ejecutado por el propietario, dentro de lo suyo, no estaba permitido en el caso particular de que tratan ambas leyes, si lo ejecutaba com ánimo de perjudicar y no le fuese necesario para mejorar su propia herdad." (Hectos y actos jurídicos em la doctrina y en la ley. Buenos Aires. Ed. Argentina, 1950, V. II, p. 103 e 104).

b) Conceito

Partindo-se do aforismo romano de que o ilícito consiste em agir sem direito, agir contra o direito (“agere sine jure, id est contra jure” ), a contrário sensu, o exercício de um direito não constitui contrariedade ao direito. Com supedâneo nesses princípios, as legislações civis normalmente pré-excluem de ilicitude o exercício de um direito reconhecido, ante a incompatibilidade lógica entre exercer um direito e o recíproco cometimento de ilícito.

"Il diritto soggetivo si esercita ponendo in ato - nei limiti consentiti dai diritto oggetivo alcune o tutte le facoltà giuridiche, che potenzialmente

 

 

 

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sono in esso contenuto". (AZZARATI, Francesco S. et MARTINEZ, Giovanni. Diritto civile italiano. Padova: CEDAM, 1943, t. 1, p. 14).

A conceituação peca por levar em conta somente os limites impostos por lei. À ideia de exercer regularmente um direito reconhecido contrapõe-se ipso facto a de não causar dano a outrem, com seu uso irregular, o que encerra a figura de abuso do direito. Nem sempre o legislador fixa na lei limitação ao exercício do direito individual, fazendo com que surjam, na sua concretização, dificuldades originárias da extrapolação de seus limites.

O exercício do direito consiste na prática atuação do conteúdo do próprio direito, seja pondo em ação um, alguns ou todos os poderes que o encerram; é o fato material correspondente ao abstrato conteúdo de um direito. Pode consistir em ato único ou em atos sucessivos.

c) Pressuposto

O pressuposto básico do exercício do direito é a consciência de exercitar, quer dizer, os atos pelos quais se faz valer o conteúdo do direito ou alguns dos poderes nele compreendidos são realizados com a consciência de exercitar em todo ou em parte o direito em questão; onde falta tal consciência, não se pode corretamente pensar em verdadeiro e próprio exercício de direito, ainda que não ocorra que este efetivamente exista e pertença à pessoa que o exercita, quando, então, há o simples fato do exercício ou a aparência ou exteriorização do direito; e, tal aparência, sem assumir a natureza de direito, é, porém, protegida pela lei. (Cf. CHIRONI, G. et ABELLO, L. Trattado di diritto civile italiano. Torino: Fratelli Boca Editori, 1904, v. I, p. 577).

Em puro rigor, o exercício correto do direito não constitui ato ilícito, consequentemente não se pode falar em conflito de direitos, visto que se constituem harmoniosamente dentro de um mesmo sistema jurídico. Bem anota LISANDRO SEGOVIA:

"Los derechos son racionalmente armónicos y su conflicto no es posible, donde el uno acaba sólo puede empezar el otro, como las fincas contiguas que se tocan, pero no se superponen. No cabe exceso en el ejercicio del propio derecho". (Apud AGUIAR, Henoch D. Hechos y actos

 

 

 

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jurídicos en la doctrina y en la ley. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1950, v. II, p. 96).

Em princípio, cada direito tem seu raio de ação e seu exercício; só é legítimo quando se move dentro da área fixada na lei. Fugindo de sua órbita, ainda que originariamente tenha sido exercitado nos seus limites, atingirá o campo do direito alheio, surgindo o conflito.

Pode ser que a colisão se dê em virtude de exercício simultâneo dos titulares do direito, como também pelo ato de um deles, prejudicando o outro que se limita a manter o gozo de seu direito. O exercício do direito implica na obrigação correlata de não ultrapassar a área delimitada, seja com o próprio fato de seu exercício, seja pelas consequências que podem do exercício derivar.

Entretanto, os limites podem não estar fixados na lei e sim na natureza do próprio direito. Nesse último caso, reside o problema.

Enfoca HENOCH AGUIAR: "El ejercicio del derecho para que no pierda su carater de acto lícito, debe verificarse dentro de los limites impuestos por la ley, ya se refieren ellos a la extensión del derecho o al modo de usarlo: Así, la licitud de aquel acto dependerá no solamente de que no haya extralimitación del derecho en sí; sino también de que lo ejerza normalmente, empleándose al efecto los medios permitidos por la ley. (Op. Cit., p. 97 e 99).

d) Colisão Jurídica

O exercício do direito subjetivo consiste em pôr em ação uma, algumas ou todas as faculdades jurídicas que o contem, dentro dos limites traçados pelo direito objetivo e, nesse exercício, pode ocorrer que seu titular contraponha-se ao direito exercitado por outrem. A doutrina costuma denominar o conflito que aí se estabelece como colisão de direitos, colisão jurídica e mesmo colisão de interesses. Segundo alguns juristas, há conflito de interesses, não de direitos, pois não se admite que o direito objetivo estabeleça um direito, ao mesmo passo que permite um direito contrário sobre o mesmo objeto. O interesse consiste na utilidade ou vantagem que a certo sujeito pode ser fornecida por um bem.

 

 

 

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Parte da doutrina não endossa a existência de colisão de direitos. Na realidade, se o direito objetivo tem como função precisamente regular a colisão dos interesses individuais, tornando pacífica sua coexistência, seria inexato dizer, em tais casos, conflito ou colisão de direitos.

A coexistência dos direitos é harmônica, seja qual for a esfera em que forem previstos. Existindo uma norma penal incriminadora de certo fato e em determinados casos outra norma jurídica, mesmo extrapenal, permite-o ou mesmo impõe-no, não há que falar-se em existência de crime. Acentua NELSON HUNGRIA que, "ainda quando a norma de excepcional licitude seja de direito privado", não há crime. "Nenhum direito subjetivo individual, ainda que de caráter privatístico, pode gravitar fora da órbita do interesse social. Se o direito civil, por exemplo, disciplinando esta ou aquela facultas agendi, autoriza, para assegurar-lhe o pleno exercício, a prática de um fato que, em outras condições, constituiria crime, tem-se de entender que assim dispõe, não apenas por amor ao direito individual em si, mas também no interesse da ordem jurídica em geral. Tal disposição, portanto, não pode deixar de repercutir sobre o direito penal". (Comentários ao Código Penal. R. Janeiro. Forense, 1978, t. I, v. l, p. 308).

Não se pode admitir que, tendo alguém direito sobre determinado objeto, possa existir sobre o mesmo um direito contrário de outra pessoa. Entende-se que, na realidade, ocorre um conflito de interesses e não de direitos.

"Ma é un assurdo giuridico la coesistenza di diritti contrari ", e, portanto, o exercício legítimo de um direito que, por si, constitua a violação do direito de outrem. (Cf. AZZARITI et MARTINEZ. Diritto Civile italiano. Padova: Cedam, 1943, t. I, p. 14).

Se o exercício do próprio direito pressupõe, necessariamente, a falta de direito contrário, o critério buscado, segundo informa GIORGIO GIORGI, consistirá em verificar se do lado do prejudicado existia direito ou simples interesse. O direito significa o gozo de utilidade garantido pela lei; simples interesse quer significar o gozo de utilidade não garantido pela lei. Abre-se aqui à investigação do jurista um dos campos mais vastos no domínio do

 

 

 

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direito civil: cuidando-se de investigar, quanto se estende cada um dos vários direitos, que a vigente legislação reconhece e garante, seja no Código Civil, nos demais Códigos e Leis Especiais e, por fim, na Constituição. (Cf. GIORGI, Giorgio. Teoria delle obligazioni nel diritto moderno italiano. Firenze: Ed. Fratelli Cammelli, 1909, v. V, p. 283, 284).

Ressalta CUNHA GONÇALVES, precisamente sobre o abuso do direito, que parte da doutrina põe em dúvida a possibilidade de uma ação preventiva, já que o abuso diz respeito a danos consumados. A ação preventiva existe e está prevista no Estatuto Civil português, sempre que seja evidente ou provável uma colisão de direitos e interesses (arts. 14 e 15 C.C. anterior). A questão do abuso do direito, assim como no estado de necessidade, é "um aspecto ou uma fase da questão mais ampla da colisão de direitos que o legislador português regulou com certa elegância". (Tratado de direito civil. S. Paulo. Max Limonad, 1955, v. I, t. I, p. 512).

e) Campo de Atuação

A norma jurídica de contrariedade ao direito (art. 186 c/c art. 188, I, Código Civil), isto é, o exercício abusivo atinge todas as esferas jurídicas, seja no direito público, comercial, penal, civil, processual civil, etc. Seu campo de aplicação compreende o direito de propriedade, de obrigações, o direito de estar em juízo, o processo executivo, o direito de crítica e de liberdade de imprensa, etc. Por isso, os atos de emulação, apenas constituem um capítulo e têm tratamento autônomo, sobretudo pela sua secular história e a aceitação ou recusa de sua censura em direito romano. (Cf. D'amelio, Mariano. Nuovo Digesto Italiano, 1937, V. 1, p. 49).

De notar-se que o exercício irregular não nasce necessariamente com essa mácula, podendo, pelas circunstâncias supervenientes, tornar-se irregular o que se iniciou regular ou tornar-se regular, sanado, aquele originariamente irregular. "El acto ilícito que ultrapasa los límites, asignados por la ley al titular de un derecho, es un acto ilícito que puede ser objeto de medidas preventivas y debe, si no há podido prevenir-se, dar lugar a una reparación en especie". (AGUIAR, Henoch. Op. Cit., p. 113).

f) Características do exercício regular no direito brasileiro

 

 

 

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Exercício sem fim de causar dano a outrem, seja de ordem patrimonial ou moral;

Exercício que denota a existência de qualquer interesse legítimo; Exercício com responsabilidade e moderação;

Exercício dentro da órbita do próprio direito, seja dentro do limite traçado pela lei, seja pelo não desvirtuamento de sua essência, observando os requisitos da finalidade econômica ou social, princípios da boa-fé e dos bons costumes.

g) Limites do Exercício

O conteúdo do direito subjetivo não é idêntico em todos os direitos, quer seja do ponto de vista qualitativo, quer quantitativo, razão porque o seu exercício sofre variação formal e temporal. "Cada direito subjetivo tem limites objetivos, não só de duração, de forma, circunstância material, mas também de boa ordem social". (CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tratado de direito civil. Coimbra Ed. LTDA. 1929, V. 1, p. 428). Mesmo podendo o titular do direito gozar de ampla liberdade no seu exercício, não poderá ir além de um justo limite. Por esta razão, acresce CARVALHO SANTOS, todo direito acaba onde começa o direito de outrem. Repete a antiga fórmula, acolhida pela jurisprudência francesa, de que todo direito tem por limite a satisfação de um interesse sério e legítimo. Por legítimo entende-se, naturalmente, normal, exercido dentro dos fins sociais traçados para ele ou para aquele que age de boa-fé. A noção de abuso, na lição de Orozimbo Nonato, vale como uma afirmação de justiça contra a lei. "E porque a noção do justo é, sobretudo, moral, é em um elemento moral que a teoria do abuso do direito lança suas raízes mais profundas" (Apud CARVALHO SANTOS, J. M. Código Civil brasileiro interpretado - Parte Geral. R. J. Calvino Filho, 1934, V. III, p. 341)

Não apenas a lei estabelece os limites do exercício, mas ainda os costumes, a equidade, a ordem social, o espírito de justiça, a solidariedade social, etc. Há um limite não expresso, de caráter geral, que é dado pelo objetivo pelo qual o legislador ao próprio direito tenha concedido. Quando o limite é traçado pela lei, o

 

 

 

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exercício do direito que for além dos limites objetivos dá lugar a verdadeira e própria violação do direito. Quando não é expresso, o exercício anormal e contrário à essência mesma do direito constitui uma forma especial de violação, denominada abuso do direito. (Cf. AZZARITI, Francesco S. et MARTINEZ, Giovanni. Op. Cit., p. 17).

Os autores são acordes em que os limites do exercício de um direito são dados tanto pelo seu próprio conteúdo, quanto por expressa disposição de lei, que lhe restrinja o conteúdo normal, quanto pelo fim a que visa.

h) Abuso do Direito

Para expor os limites do exercício do direito, faz-se mister adentrar na teoria do abuso do direito, cuja noção veio sendo galgada paulatinamente na doutrina e na jurisprudência para, ao final, vir expressamente positivada no art. 187 do nosso Código Civil brasileiro de 2002.

No Código brasileiro anterior, ele se configurava como exercício irregular (art. 160, 1) ou, como expressou Saleilles, o exercício anormal. Seu pressuposto básico era o excesso no exercício, o exercício anormal. Coube ao Código de 2002 encerrar a discussão, abraçando expressamente (art. 187) a teoria do abuso do direito, incluindo-a na categoria de atos ilícitos, tanto quanto ao aspecto subjetivo (intenção de causar dano, má-fé), quanto ao aspecto objetivo (uso contra sua finalidade), encampando as diferentes opiniões dos doutos, fazendo coro ao que dispusera o Código Civil português, art. 334.

À falta de texto expresso, para a jurisprudência francesa, o direito só pode ser exercido, tendo em vista a satisfação de um interesse sério e legítimo. O abuso do direito consiste em seu desvio, caracterizado para obter indiretamente um resultado evidentemente estranho aos interesses legítimos, para a salvaguarda dos quais o direito foi instituído. (Cf. WALINE, Marcel. Responsabilité publique et responsabilité privée. Paris: LGDJ, 1957, p. 384).

No direito civil francês, não há texto geral relativo ao abuso; essa noção aparece em artigos especiais. É considerado pela doutrina e pela jurisprudência como uma variedade de falta geradora de responsabilidade

 

 

 

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delitual, prevista no art. 1382 do Código Civil. (Cf .Centre de Recherche Critique sur le Droit-Saint-Étienne. “L`abus de droit comparacions franco-suises.” Seminaire de Genève. Mai/1998).

Historia MARIANO D'AMELIO sobre as mais variadas e opostas tendências sobre o abuso dos direitos. Entre os extremistas, há os que nele veem um renascimento do idealismo jurídico; outros negam completamente a possibilidade de uma doutrina de tal nome. Os negativistas dizem que a expressão abuso do direito é uma contradição in terminis, pois se aí há abuso, não há direito e, se há direito, não há abuso. D'AMELIO rechaça a tese, argumentando que o direito não é um conceito absoluto. Ele é proporção e, como tal, tem limite. Além desse limite, não é mais operante como força social, protegido pelo Estado. A máxima comumente admitida “Summum jus summa injuria” não exprime ideia diversa. Trata-se, também aqui, do limite, tão essencial ao direito.

Se o limite é fixado pela lei, a questão não se coloca tampouco, porque além do mesmo há o não direito ou atividade ilegal e o dano que essa ocasiona é injuria datum (produzido pela injúria). Se o limite não é expresso, deve-se verificar se não se encontra na própria natureza do direito e, buscando-o, com objetividade e boa vontade, é encontrado sempre. Excedê-lo é violação nos efeitos, igual à violação do limite expresso. (Cf. Nuovo Digesto italiano. Torino: UTET, 1937, V. 1, p. 49).

Aqueles que têm acreditado na colocação do problema diversamente, imaginando que o abuso seja um caso de conflito de direito, ou conflito entre o direito e a moral, ou um turbamento do equilíbrio dos interesses, têm plenamente justificadas as agudas críticas levantadas contra suas concepções. O problema, portanto, consiste em investigar o limite do direito quando não é fixado pela lei. Primeiro a doutrina, depois a legislação vieram em auxílio da jurisprudência que, por seu lado, esforça-se durante séculos, para indicar caso por caso os limites pesquisados. Para Josserand, quando o limite não é expresso em lei, seu exercício é livre, mas pode ocorrer o abuso, seja por maldade do titular (abuso subjetivo) ou independentemente de má-fé, usando-se do direito contra sua própria finalidade (abuso objetivo). (Cf. D'AMELIO. Op. Cit., p. 49).

 

 

 

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Para SALEILLES, o abuso está no exercício anormal do direito, contrário à destinação econômica ou social do direito subjetivo, reprovado pela consciência pública e extrapolação, consequentemente, do conteúdo do próprio direito.

ROTONDI nega a existência da doutrina do abuso do direito. Afirma que, pela evolução da consciência jurídica, das condições morais, técnicas, econômicas, etc., a finalidade, para a qual o direito foi concedido, e o seu conteúdo podem mudar substancialmente de uma época para outra, e que, portanto, pode ser considerado abuso aquilo que tempos atrás era um uso normal e legítimo. (Cf. D'AMELIO. Nuovo digesto italiano. Torino. UTET, 1937, V. 1, p. 49). No direito italiano, não há norma geral sancionadora.

Historicamente, fixando-nos na doutrina, segundo o resumo de BEVILLÁQUA:

- Para uns o abuso do direito estaria no seu exercício, com intenção de prejudicar alguém;

- Outros entenderam que sua característica estava na ausência de motivos legítimos, conforme opinião de Josserrand, exposta anteriormente;

- Seria a negligência ou imprudência associada à intenção de prejudicar ( Capitan);

- O abuso estaria no seu uso anormal (Saleilles); Acolhida pelo Código Civil brasileiro de 1916, segundo BEVILÁQUA, e pela jurisprudência, pelas expressões "uso regular do direito" como excludente de ilicitude;

- Seria ofensa à personalidade: "há ofensa ao direito de personalidade, quando alguém abusa de seu direito de modo que ofende a outrem" (Kohler);

- Para Bardesco as fórmulas propostas são insuficientes, contudo se complementam, devendo ser aceitas até que, mais firme o estado jurídico

 

 

 

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por elas representado, possa traduzir-se por um critério único. (Cf. Op. Cit., V. I, p. 425).

Em síntese, há a doutrina objetiva que reduz os direitos a seus efeitos; a subjetiva funda-se no móvel da realização do ato e não no seu resultado; há outros doutrinadores que adotam o critério intencional de causar prejuízo e outros defendem a ideia preconizada por JOSSERRAND (détournement du droit). (Cf. SERPA LOPES, Miguel Maria. O silêncio como manifestação de vontade nas obrigações. Rio Janeiro, Walter Roth Ed., 1944, 2ª. ed., p. 147).

No direito brasileiro, ainda na vigência do Código anterior, sustentou se que o exercício deveria conter-se no âmbito da razoabilidade. Havendo excesso ou, embora sendo exercido, causasse mal desnecessário ou injusto, a atitude do titular equiparava-se ao ato ilícito, com o consequente dever de ressarcimento (Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio Janeiro: Forense, 1.990, p. 316).

Não era preciso indagar a intenção única do titular em lesar; bastava que lesasse, com culpa. "As circunstâncias podem, objetivamente, compor o caso do exercício irregular". O critério, segundo se tem por irregular o exercício, quando o interesse único for lesar, não basta no direito brasileiro. (CF. PONTES. Op. Cit., p. 293). A atitude do legislador brasileiro é contrária à máxima “qui iure suo utitur neminem laedit”, pois, se o exercício lesar, é contrário a direito. (Id. lbid.). O uso deve ser normal, ao contrário será abusivo. (Beviláqua. Op. Cit., V. 1, p. 426).

Condensando, nosso Código Civil atual eliminou qualquer dúvida ao preceituar, caracterizar como ato ilícito o abuso do direito. Além do excesso do exercício expresso em lei, há excesso nos limites ditados pelos fins econômicos ou social, pela boa-fé, pelos bons-costumes. Enfim, há abuso seja sob aspecto subjetivo ou objetivo, isto é, independentemente de existência de culpa, bastando haver desvio de sua finalidade; o “animus nocendi” não é requisito único.

 

 

 

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Quanto ao campo de atuação, como já foi dito, o abuso do direito pode ocorrer em qualquer prática de um ato jurídico, quer no direito de família, no direito público, no de propriedade, no direito trabalhista, na demanda em juízo, etc., e mesmo nas relações contratuais, porque é assente nelas o princípio do exercício de um direito e o abuso resulta numa fórmula abstrata e geral. Nem tudo que não é proibido é permitido.

i ) Requsiitos

No âmbito do direito positivo e da doutrina brasileiros, mesmo anteriores ao Código de 2002, foram apontados como requisitos para caracterização do abuso do direito:

- Quando o direito é exercido com o fim de causar dano a outrem. Em matéria processual costuma ocorrer, tanto que há previsão de suas consequências no próprio Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16.3.2015). O artigo 79 impõe a obrigação de responder por perdas e danos a quem pleitear de má-fé, seja como autor, réu, interveniente; O artigo 80 enumera em que situações se considera litigante de má-fé e o artigo 81 determina o pagamento de multa, a indenização, e em que ela consiste; o artigo 302 enumera os casos de indenização por prejuízos ao requerente do processo cautelar; o artigo 77, que trata do atentado, dispõe sobre o ressarcimento por perdas e danos à parte lesada em consequência do atentado.

- Quando o titular exerce o direito levianamente, SEM procurar evitar prejuízos alheios. (Cf. CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. S. Paulo. Revista dos Tribunais. 1982, v. I, t. II, p. 1570-1571). (Arts. do CPC anterior atualizados com o novo Código).

Examinando o texto do Código anterior, consignou PLÍNIO BARRETO dois pressupostos:

"Quando o único efeito que o ato praticado pelo agente poderia produzir fosse o de prejudicar a outrem;

Quando o agente realiza o ato sem interesse apreciável e legítimo". Não é suficiente que o ato lese outrem, mas sim que tenha sido realizado

 

 

 

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sem que ao agente assistisse direito legítimo de fazê-lo ou interesse apreciável em fazê-lo. O exercício é irregular, anormal; supõe aquele direito exercido ou com dolo, ou com negligência ou imprudência (Id. Ibid., p. 511). Nada mais é, na versão do autor, a teoria do ato ilícito.

Após discorrer sobre a opinião de autores estrangeiros, CARVALHO SANTOS comunga com a mesma opinião de PLÍNIO BARRETO. Ao exigir a intenção maléfica para caracterização do abuso, a jurisprudência brasileira restringia a verdadeira inteligência do texto legal. Em nosso direito, a doutrina do abuso do direito só pode ser encarada como parte integrante da teoria geral do ato ilícito. Quer dizer, o abuso resultaria da má-fé, da culpa, qualquer que seja a forma de imprudência, quer sob a negligência, nos termos do artigo 159 (atual 186). (Op. Cit., p. 350).

A formulação da teoria do abuso do direito não se afigura questão simples. Lembrou AGUIAR DIAS que o excesso de palavras, nessa matéria, tem feito muito mal à compreensão do problema. (AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Rio Janeiro: Forense. 1873, V I, p. 490).

CARVALHO SANTOS não contesta BEVILÁQUA quando diz que nosso Código Civil de 1916 tenha seguido a doutrina de Saleilles, entretanto admitiu-a na sua primitiva opinião, qual seja: "há abuso do direito no exercício anormal do direito, exercício contrário ao destino econômico ou social do direito subjetivo, exercício reprovado pela consciência pública e que ultrapassa, conseguintemente, o critério do direito, pois que todo direito, do ponto de vista social, é relativo". (Op. cit. p. 354).

O conceito de abuso do direito é formulado por AGUIAR DIAS como sendo:

"Todo ato que, autorizado em princípio, legalmente, se não conforme, ou em si mesmo ou pelo modo empregado, a essa limitação. Há, ninguém duvida, um direito de prejudicar. Mas para que se possa exercer, é preciso estar autorizado por interesse jurídico-social prevalente, em relação ao sujeito passivo da ação prejudicial". (Da responsabilidade civil. 5ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 1973, v II, p. 495).

 

 

 

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Analisa o eminente autor a teoria de Savatier (que não aceita a teoria autônoma do abuso do direito) e reconhece a existência, como instituto autônomo, do abuso do direito. (Id. Ibid., p.123).

Diante de todo esse transbordamento das teses dos mais expressivos civilistas, evoluímos até à consagração definitiva da figura do abuso do direito como está atualmente.

j) Ofensa ao Destino Econômico e Social, aos princípios da Boa-Fé e dos Bons Costumes.

A essa ofensa, aspecto objetivo, a doutrina moderna já dava relevância. Seria ela o fundamento do abuso do direito atualmente? No direito italiano, encontramos a lição de CHIRONI que assenta estar o abuso propriamente dito não na materialidade da ação, já que o agente tem direito de exercício, mas no fato de que, ao ofender direito alheio, quebra as regras que regem o uso normal do direito. Regras essas que se reduzem em que o direito como formação social (e vontade social é a lei que o assegura), realiza-se pelo sujeito, naqueles termos que impliquem no equilíbrio entre o interesse do indivíduo e o da coletividade, impondo que o direito seja exercitado em conformidade com seu FIM, e como o exercitam e o exercitariam, dada sua posição econômico-social, a maior parte das pessoas a quem pudesse corresponder. Este limite deduz-se da função social do direito. (CHIRONI. La culpa en el derecho civil moderno. Trad. Bernaldo de Quirós. Madri: Ed. Reus S/A, 1928, t. II, p. 380).

A doutrina do abuso do direito acha-se sintetizada pelo ilustre civilista BEVILÁQUA. Aponta a contribuição da Sociologia para a solução do problema. Se o direito tem por função manter em equilíbrio interesses sociais que se colidem, desvirtuará do seu destino, quando se exagerar, no seu exercício.

"Essa tendência depuradora do direito e a sua finalidade social exigem a socialização do exercício. O direito é a resultante das solicitações dos interesses do indivíduo e da sociedade. O seu exercício deve seguir a linha média traçada por essas duas solicitações". Direito é meio de realizar-se um fim. Citando Bardesco, continua:

 

 

 

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"Abusar do direito é tomar o meio pelo fim, é exercê-lo de modo contrário ao interesse geral e à noção de equidade tal como se apresenta, num dado momento da evolução jurídica. Abusar do direito é servir-se dele egoisticamente, e não socialmente. Em um estado jurídico, em que a justiça e a equidade tendem, como atualmente, à socialização do direito, o seu abuso compromete a responsabilidade de quem o pratica". (Op. Cit.,v. 1, p. 425).

3) Por fim, veio a teoria do abuso do direito expressamente consagrada no atual Código Civil, como ato ilícito. O fato de o estado democrático de direito consagrar o livre exercício da liberdade de expressão não elimina a responsabilização pelos excessos cometidos no seu exercício.

Em nosso estatuto, agregam-se à finalidade econômica ou social os limites impostos pela boa-fé ou bons costumes (art.187 Código Civil).

A liberdade de expressão, o direito de crítica, consagrados nos artigos 5º, IV (“ É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”), art.5º, IX (“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”) e 220 da Carta da República (“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”), podem e devem ser confrontados com outros direitos, também previstos em norma constitucional e infraconstitucional, quando a conduta deixa de ser ética e adentra no campo do abuso do direito.

Apagar, eliminar o “vulgo” “cala a boca já morreu” não significa abrir todas as comportas para o reinado absoluto do direito de livre manifestação do pensamento, sem atentar para seu exercício com razoabilidade, o respeito à ética e demais valores em que se funda nossa sociedade. O Direito exige que todos os direitos sejam respeitados. A vida é assim com seus pesos e contrapesos. Como bem advertiu Pontes de Miranda, a antiga máxima “Qui jure suo utitur, neminem laedit”, foi aquebrantada pela outra : “Summun ius summa iniura”.

Além do dever de fidelidade ao ente ou entidade empregadora, tal como visto na Lei retro, deve ser respeitado o direito à honra, em seu

 

 

 

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aspecto objetivo, também pertencente à pessoa jurídica ( art. 5º, X : “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”). Foi com fulcro na apuração da violação desse direito que se processou a abertura de processo administrativo para a devida comprovação de ocorrência do ilícito.( Cf. Amarante, Aparecida. Responsabilidade civil por dano à honra, cap. V).

O artigo 143 da Lei Federal retro mencionada, ao tratar do processo administrativo disciplinar, determina:

“A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço publico é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

Não se trata, pois, de consentir na apuração do ilícito, de conduta potestativa ou com poderes discricionários para a ação da autoridade, mas de verdadeira exigência legal, consentânea com os preceitos constitucionais que regem a administração pública; para tanto, traça a lei todos os procedimentos para eficaz apuração. Assim é que há a formação formal de uma comissão processante, conforme reza o artigo 150:

“A comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração”.

No caso dos autos, não vislumbramos qualquer ofensa ou desrespeito aos direitos da servidora; ao revés, partiu dela a ação contundente sobre a atuação governamental, o que levou a Administração a reagir, apurando o fato, se houve ilícito administrativo ou não. Nada se faz sem uma causa (“nihil fit sine causa”).

Ela fez, nos autos, uma inversão fática: alegou que a abertura de sindicância consistiu em abuso do direito de agir da Administração, quando, em verdade, tal abertura deu-se para apurar se ela (servidora) abusou de seu direito de crítica ou se procedeu de forma desleal contra a Administração.

 

 

 

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CONCLUSÃO

Não se configurou, no caso presente, a existência de ilícito, na forma de abuso do direito; não havendo ilícito ou responsabilidade, não cabe indenização.

A mesma razão prevalece para possível Pedido Formal de Desculpas à Requerente, mesmo porque a Comissão de Ética agiu cumprindo seu dever, nos termos normativos citados, dentro da linde de sua alçada, proporcionando à Servidora amplo exercício dos direitos ao contraditório e ampla defesa.

 

 

 

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PRINCÍPIOS DA RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL JUDICIAL: SINGELOS COMENTÁRIOS À LEI Nº. 11.101/2005

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: A Lei Nº. 11.101/2005 inaugurou consigo uma nova realidade, considerada, por muitos, como uma das mais importantes alterações introduzidas na ramificação empresarial do Direito Pátrio. a construção de mecanismos aptos à permitir a tentativa da empresa ajustar com seus credores formas alternativas de pagamento dos créditos, evitando-se, com isso, o fechamento do estabelecimento, sua falência, com todos os efeitos perniciosos daí advindos. Há que se ponderar, neste tímido contato, a valoração, maciça e substancial, de preceitos que estão intrinsecamente associados, não somente, à essência privada do devedor empresarial, mas também as consequências que o término pode acarretar para a comunidade que mantém dependência da atividade desenvolvida. Trata-se de afirmação da função social desempenhada pelo devedor empresarial que, além de ambicionar o lucro, proporciona à sua mão-de-obra a promoção da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chaves: Direito Empresarial. Recuperação Empresarial. Pessoa Jurídica.

Sumário: 1 À Guisa de Introito; 2 Recuperação Empresarial: Tracejos Conceituais; 3 Princípios da Recuperação Empresarial Judicial: Singelos

 

 

 

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Comentários à Lei Nº. 11.101/2005; 4 Recuperação Empresarial Judicial: Definição e Requisitos.

1 À Guisa de Introito

Em uma primeira plana, revela-se imperioso, antes de esmiuçar o objeto primário sobre o qual se assenta o presente estudo, trazer à baila as relevantes e robustas alterações que emolduram o Direito, como ciência dotada de arcabouço normativo e aportes teóricos densos, compreendendo, por extensão, as múltiplas ramificações que o integram. Neste alamiré, com o escopo de atribuir rotunda atenção ao progressivo aspecto de mutabilidade que passa alicerçar a Ciência Jurídica, oportunidade em que não mais se verifica a subsistência dos ranços de estagnação e inércia que outrora caracterizavam o Direito. Assim, não há que se falar, em razão do expendido, de perpetuação de apatia do ordenamento jurídico diante das situações díspares apresentadas pela sociedade.

Em razão do acinzelado, denota-se que não subsiste a imutabilidade dos corolários e princípios que norteiam a Ciência Jurídica, sendo extirpado tal aspecto, notadamente devido aos fatos peculiares vivenciados pelo ser humano, como catalizador para a evolução das fontes normativas produzidas. Neste passo, “é cogente a necessidade de adotar como prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Ressoa, com bastante propriedade, a essência do adágio ora mencionado, sendo que o ser humano é o verdadeiro axioma que impulsiona a constante e ininterrupta evolução da Ciência Jurídica.

Além do esposado, há que se salientar, ainda, que a utilização da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como pilar robusto de edificação e aprimoramento do Ordenamento Jurídico Pátrio apresenta-se como imprescindível. Nesta toada, impende ressaltar que tais ponderações se revelam ainda mais quando se constata, como objeto central do presente, a subsunção do texto legal, caracterizados por seus aspectos de generalidade e abstração das normas, às nuances e aspectos singulares

 

 

 

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provenientes da realidade atual que permeia a sociedade. “O direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo”[2], assim já manifestou o Ministro Eros Grau. Prossegue, também, em sua exposição o mencionado magistrado salientando que:

É do presente, na vida real, que se toma as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida --- e vida é movimento. Assim, o significado válidos dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos[3].

À sombra do apresentado, pode-se gizar que a ótica pós-positivista que, de maneira paulatina, passou a influenciar a Ciência Jurídica, teve o condão de propiciar uma autonomia no que concerne a aplicação das normas e sua forma de interpretação por estudiosos e operadores do Direito. A corrente pós-positivista retirou, de maneira absoluta, os grilhões que imobilizavam a aplicação do arcabouço normativo. Inclusive, há que se apresentar a visão construída por Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[4].

Nessa senda, tendo como ponto inicial de caminhada um exame substancial dos preceitos que estruturam a visão em tela, constata-se que o axioma central junge-se à valoração da tábua principiológica que orienta o Direito. Em tal perspectiva, verifica-se que os corolários e dogmas passam a se apresentar como normas de cunho vinculante, porquanto atuam como bandeiras desfraldadas a serem, imperiosamente, observadas quando da interpretação e aplicação do conteúdo que constitui os dispositivos legais A partir do arrazoado, têm-se que os princípios jurídicos passam a desempenhar papel central na nova ordem inaugurada, atuando como elementos que, em seu bojo, contemplam uma abrangência mais ampla, quando comparados às normas que se revelam engessadas pela redação ofertada pelo legislador, quando de sua elaboração. Desta forma, cumpre

 

 

 

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salientar que os preceitos e corolários compreendem, ao influenciar a interpretação dos dispositivos legais, as multifacetadas que a sociedade oferece.

Nesse sedimento, é passível de percepção que os postulados principiológicos passam a se apresentar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[5]. Com destaque, os dogmas jurídicos se desdobram em verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[6]. Obviamente, tal ideário deve englobar a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Civilista da Ciência Jurídica, mormente as alterações introduzidas no âmbito empresarial das leis.

2 Recuperação Empresarial: Tracejos Conceituais

Ab initio, faz-se imperioso avultar que a Lei Nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005[7], que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, trouxe consigo um sucedâneo de novos institutos na ramificação empresarial do Direito Civil. Desta feita, há que se reconhecer que a legislação falimentar, a partir da lei ora mencionada inovou, de modo determinante, ao introduzir no Direito Pátrio a possibilidade da empresa, em crise, postular sua recuperação judicial. De igual modo, bem andou a Lei de Recuperação Empresarial ao desenvolver mecanismos que possibilitem a estruturação da recuperação de maneira extrajudicial, sem que haja a interferência do ente estatal, por meio do Poder Judiciário.

Vislumbra-se, a partir do exame da legislação em apreço, a construção de mecanismos aptos a permitir a tentativa da empresa ajustar com seus credores formas alternativas de pagamento dos créditos, evitando-se, com isso, o fechamento do estabelecimento, sua falência, com todos os efeitos perniciosos daí advindos. Há que se ponderar, neste tímido contato, a valoração, maciça e substancial, de preceitos que estão intrinsecamente associados, não somente, à essência privada do devedor empresarial, mas também as consequências que o término pode acarretar

 

 

 

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para a comunidade que mantém dependência da atividade desenvolvida. Trata-se de afirmação da função social desempenhada pelo devedor empresarial que, além de ambicionar o lucro, proporciona à sua mão-de-obra a promoção da dignidade da pessoa humana.

Nessa toada, a recuperação empresarial, de acordo com o que dispõe o art. 47[8] da lei supramencionada, tem por escopo primevo proporcionar que haja, por parte do devedor – compreendendo em aludido vocábulo tanto a pessoa jurídica como a natural – superação de situação considerada como de crise. Desta sorte, a recuperação judicial tem a finalidade assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a sua preservação, função social e o estímulo à atividade econômica. Corroborando com o apontado, Maria Helena Diniz leciona:

Pela Lei n. 11.101/2005, há possibilidade de recuperação de devedor empresário (pessoa natural ou jurídica) em crise econômico-financeira, restabelecendo a sua saúde financeira e a regularidade de sua atividade econômica e maximizando o seu ativo para uma eficaz satisfação do seu passivo, evitando, assim, a ocorrência da falência[9].

A oportunidade trazida à baila pela Lei de Recuperação Empresarial poderá ser feita de maneira direta aos credores, de modo extrajudicial, devendo-se instaurar “o concurso de observação, definido o plano de recuperação que, sendo aprovado pelos credores, será homologado pelo juiz”[10]. Insta destacar que o plano de recuperação detém como escopo o restabelecimento do empresário devedor em situação dita temporária, com o intuito da superação através de um planejamento das atividades e operações desenvolvidas pelo empresário devedor. De igual maneira, estão compreendidas a negociação das dívidas com os credores existentes, propiciando o aumento da rentabilidade auferida pelo devedor e, por consequência, o prosseguimento de suas atividades. “Deverá, ainda, o plano voltar-se à qualidade da gestão, à governança corporativa, à

 

 

 

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ampliação ou redução da área de atuação empresarial, à projeção ou redução de gastos”[11], como também à previsão de investimentos.

Tal legislação busca oportunizar a preservação da empresa como princípio preponderante, desde que preenchidos os requisitos nela previstos, reconhecendo a função social da empresa e os grandes problemas econômicos e sociais que normalmente surgem com a quebra. Assim, a recuperação judicial passa a figurar, no cenário jurídico, como um instrumento destinado à superação da crise pela qual passa a empresa, preenchidos os requisitos legais, com a participação dos credores, que deliberam sobre o plano de recuperação judicial apresentado (seja em assembleia, seja não apresentando qualquer objeção).

Denota-se, neste primeiro contato, a valorização do princípio da preservação da empresa[12] pelo legislador, ao dispor, expressamente, de mecanismos a serem utilizados para ofertar a restruturação da situação econômica do devedor empresário. Trata-se de instrumento legalmente estruturado, a fim de “manter em funcionamento as empresas em dificuldades econômicas temporárias e, por meio desta medida, assegurar os empregos existentes e os interesses de terceiros como credores, consumidores e o próprio Fisco”[13].

Cuida arrazoar que tal corolário dicciona que “a quebra da empresa não é um fenômeno econômico que interessa apenas aos credores, mas sim, uma manifestação jurídico-econômica na qual o Estado tem interesse preponderante”[14]. Realce-se, neste cenário, que o ente estatal passa a conceder robusta importância a iniciativa empresarial, porquanto figura como instrumento importante para a saúde econômica de um país. Nada mais certo, na medida em que quanto maior a iniciativa privada em determinada localidade, maior o progresso econômico, diante do aquecimento da economia causado a partir da geração de empregos. “Motivo pelo qual, sempre que possível, deve-se manter o ativo da empresa livre de constrição judicial em processos individuais”[15]. Com singular propriedade, há que se trazer a lume o escol de Diniz, que, ao abordar o fito primevo da recuperação empresarial, expõe que:

 

 

 

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A recuperação é um instrumento legal para soerguer o empresário devedor em benefício dos credores, da economia e do empreendimento, como fonte de produção e de remoção das causas da crise econômico-financeira, conducente ao pagamento das dívidas, e, por isso, a LRE a privilegia em seus artigos, visto que a falência seria o último recurso legal para a solução da relação entre devedor e credores[16].

À luz de tais valores, impende destacar que a Lei Nº. 11.101/2005[17] adotou, como opção prioritária, a preservação da empresa, cingindo sua análise como unidade produtiva, que alberga um sucedâneo heterogêneo de interesses, a saber: os interesses dos credores que ambicionam a realização de seus haveres; os dos prestadores que objetivam retorno dos investimentos; os da mão-de-obra que depende do emprego que possui; os dos sócios que possuem interesse na manutenção de suas quotas ou ações; os dos fornecedores que tem o interesse de receber seus créditos, mas que, concomitante, não querem perder o cliente; e, os da comunidade, que compreende a síntese de todos os demais interesses.

3 Princípios da Recuperação Empresarial Judicial: Singelos Comentários à Lei Nº. 11.101/2005

Em linhas inaugurais, faz-se cogente pontuar que a recuperação judicial, instituída pela legislação em comento, está fincada em princípios basilares, a saber: preservação da empresa e função social da empresa, os quais tremulam como flâmulas norteadoras do instituto em comento, bem como vinculando a interpretação dos dispositivos que integram a Lei de Recuperação Empresarial. Assim, ao passar para o exame do corolário em destaque, cuida salientar que a recuperação judicial possui por escopo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, com o fito de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, substancializando, dessa forma, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Nelson Nones, em seu escólio,

 

 

 

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vai fixar balizar conceituais sobre o princípio da preservação da empresa, ponderando que:

Do ponto de vista conceitual, o princípio da preservação da empresa é um princípio geral de direito de aplicação prática que tem por escopo preservar as organizações econômicas produtivas, diante do prejuízo econômico e social que a extinção de uma empresa pode acarretar aos empresários, sociedades empresárias, trabalhadores, fornecedores, consumidores e à Sociedade Civil. Trata-se, portanto, de um princípio jurídico geral a ser aplicado pelo Poder Judiciário aos casos concretos para garantir a continuidade da empresa por sua relevância socioeconômica[18].

Com destaque, ao se esmiuçar a concepção apresentada anteriormente, denota-se que o princípio da preservação da empresa não é exclusividade da ramificação empresarial do Direito. Ao reverso, é possível extrair tal axioma, também, em questões de aplicabilidade prática, realizada pelo Poder Judiciário. Ao lado disso, tal como dito algures, o princípio da preservação da empresa afigura como norte da recuperação judicial, devendo, portanto, ser rememorado na interpretação de todos os artigos do diploma legal que versa acerca do instituto da recuperação judicial. Nesta linha de dicção, cuida reconhecer que o corolário da preservação da empresa goza de robusta proeminência, sobremaneira por ser a empresa que gera trabalho e empregos diretos e indiretos.

Igualmente, não é possível pensar que quando uma empresa fecha as portas apenas seus trabalhadores é que ficam desempregados. Ao reverso, uma empresa gera muitos empregos indiretos. O seu fornecedor, que é quem lhe vende o produto, será afetado com a falência, ficando comprometido e podendo, inclusive, ter que encerrar seus trabalhadores. No mais, quadra sublinhar que a empresa em funcionamento gera tributos ao governo, tanto na esfera e estadual como na municipal. Logo, o fechamento da

 

 

 

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empresa implicará na diminuição do recolhimento dos tributos, o que é refletido nos investimentos do Estado na comunidade. É imprescindível sublinhar, com cores fortes, que, no cenário contemporâneo, a empresa representa um dos principais pilares da economia moderna, portanto, é ela uma grande fonte de postos de trabalho; de rendas tributárias; de fornecimento de produtos e serviços em geral; além de o motor do sistema da livre concorrência; dentre outras variadas funções.

Ora, em decorrência dos feixes axiológicos emanados pelo princípio da preservação da empresa, denota-se que a empresa representa mais que apenas uma fonte de trabalho, substancializando, de igual sorte, rendas tributários que são convertidas em benefício para a sociedade. Ademais, a empresa é responsável por impulsionar o mercado de concorrência, deixando o mercado com opções variadas de escolhas de produtos e de serviços. Há que se vincular, pois, que o desaparecimento de uma empresa desencadeia uma sucessão de sequelas profundas na realidade em que está inserida. Em complemento, salta aos olhos que é de interesse do Estado a manutenção da empresa no mercado, sobretudo em razão das muitas atribuições desempenhadas. Reafirma-se que o dogma da preservação da empresa se afigura como robusto sustentáculo da recuperação judicial, sobremodo para beneficiar não apenas os empresários, mas também os cidadãos e os credores.

Tecidos os comentários acima, passa-se, oportunamente, a analisar o princípio da função social da empresa, reconhecendo que o papel desempenhado por essa é e extrema importância porque motiva a criação de empregos e, por consequência, desencadeia o desenvolvimento nacional. Nesta senda de exposição, é possível entender a função social como um conjunto de direitos e deveres, responsáveis por atingir a atividade a que estão relacionados, tal como se denota não apenas na temática central do presente, mas também o exercício de propriedade, o contrato e a empresa, impondo um dever exercente dessa atividade, como o proprietário, o contratante e o empresário. De tal

 

 

 

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corolário é possível extrair a concepção que a empresa possui obrigações e deveres a serem cumpridos perante a sociedade, os quais assumem conotação social a serem preenchidos pela empresa, com o escopo de satisfazer sua função social.

Em alinho ao expendido, é possível observar que a função social da empresa é equivalente à função social da propriedade dos bens de produção, estando ela afeta tão apenas à empresa, enquanto atividade que imperiosamente é exercida observando-se sua função social; ao estabelecimento comercial, que deve ser empregado para o exercício da atividade empresarial com estrita observância da função social; restando separado o empresário, como sujeito de direito que deve exercer a atividade empresarial em consonância com a sua função social. Quadra, ainda, esclarecer uma empresa não cumpre sua função social apenas porque gera emprego, mas também é um compromisso da empresa preservar o meio ambiente, não somente do seu espaço físico, mas fazendo produtos e prestando serviços que não agridam o meio ambiente, sobretudo em decorrência das flâmulas estatuídas pelo princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado que, em uma perspectiva vertical simétrica, inunda todas as ramificações do Direito, exigindo, por consequência, sua imperiosa observância.

Neste talvegue, a função social da empresa encontra-se umbilicalmente vinculada com ações sociais, inspiradas em direitos nobres, como a tutela do meio ambiente, melhoria do ambiente e relações de trabalho, projetos e complementares de auxílio à família do trabalhador. Destarte, quando se analisa se determinada empresa cumpre sua função social, não é possível estreitar a análise apenas a criação de postos de trabalho, mas sim a outras tantas dimensões que as empresas possam cumprir sua função social. Ora, a busca por ações socioambientais tomadas pela empresa para o cumprimento de sua função social estreita a relação da empresa com a comunidade em que está inserida. Reconhece-se, portanto, que o princípio da função social da empresa, flagrantemente imerso em corolários típicos da solidariedade e de uma revisitação do Direito a partir de um neoconstitucionalismo,

 

 

 

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permite a aproximação entre a comunidade e a empresa, a partir de relações orgânicas e estreitas.

Doutro ângulo, ao se estabelecer uma interpretação contrario sensu do princípio da função social da propriedade, descumpre a função social da empresa aquele empresário que faz uso de prática de concorrência desleal, que exerce sua atividade de maneira gravosa ao meio ambiente, aquele que não observa a segurança e a saúde de seus funcionários e clientes, aquele que sonega ou deixa de promover o recolhimento dos impostos e direitos trabalhistas, aquele que perpetra atos de ingerência, entre outros tantos motivos. Em complemento, cuida reconhecer que o princípio da função social da empresa encontra íntima relação com o da preservação da empresa, porquanto uma empresa que cumpre seu papel social, reclama preservação.

4 Recuperação Empresarial Judicial: Definição e Requisitos

Em uma abordagem inaugural, calha pontuar que a recuperação judicial dá corpo à “possibilidade de superação da crise econômico-financeira do empresário, permitindo-lhe a continuidade de seu empreendimento, por meio de uma ação judicial”[19]. Trata-se, ergo, de uma ação judicial aforada com o escopo de sanear uma situação de crise, assim como ofertar garantia da sobrevivência da fonte produtora de bens e serviços, desde que reste consubstanciada a viabilidade econômica do empresário devedor.

Como bem pondera Lobato, a recuperação empresarial tem como almejo a harmonização dos interesses que são intrinsecamente conflituosos, “titularizados pelos credores, pelos empregados e pelo próprio devedor. Evitou o legislador, de modo deliberado, eleger os credores como os principais destinatários da recuperação judicial”[20]. A preferência privilegiada cinge-se à difícil tentativa de composição dos interesses econômicos das figuras envolvidas, subsistindo o estímulo à atividade econômica e o prestígio da função social da propriedade como paradigmas da recuperação judicial[21].

 

 

 

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Impõe ponderar que a recuperação judicial ambiciona a manutenção da “unidade produtiva, restabelecendo as condições financeiras e comerciais da empresa, ou seja, é o princípio da preservação da empresa e dos empregos. O art. 47 da LRF impõe esse princípio como norteador da interpretação da lei”[22]. Assim, há que se frisar que a recuperação judicial busca a preservação da empresa que se revele economicamente viável, mesmo tendo em conta as dificuldades em que se encontra, mediante participação dos credores. Avulta ponderar, ainda, que haverá a interferência do Poder Judiciário e, em casos específicos, do órgão do Ministério Público. Impõe salientar que a empresa que não se encontre regularmente registrada na Junta Comercial não será considerada hábil ao pedido de homologação judicial do plano de recuperação. Em ocorrendo tal situação, “o juiz concederá ao requerente o prazo de dez dias para o suprimento de tal irregularidade, nos moldes do artigo 284 do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento do pedido”[23]. Insta pontuar, ainda, que a recuperação judicial deverá observar os requisitos enumerados no art. 48[24] da Lei de Recuperação Empresarial. Além disso, oportunamente, o inciso primeiro do dispositivo supramencionado estabelece como requisito a ser observado a condição de “não falido”. “A lei, nesse ato, faz menção ao empresário individual e aos sócios de responsabilidade ilimitada que se viram atingidos em seus bens pessoais com a execução concursal”[25]. Entretanto, há que se gizar que, caso esteja o empresário falido, não subsistirá tal óbice, desde que, por meio de sentença transitada em julgado, as obrigações decorrentes de tal ato tenham sido declaradas extintas.

Os incisos segundo e terceiro estabelecem, ainda, que para se utilizar da recuperação judicial há que se observar requisitos temporais. É erigido pelo inciso IV como exigência à concessão da homologação, não ter a empresa como sócio controlador ou administrador pessoa condenada por crime falimentar. “Caso o sócio ou administrador se vislumbre nessa hipótese, não será apreciada a viabilidade da recuperação da empresa em crise”[26]. Traz à baila o parágrafo único do dispositivo em destaque os legitimados para o pedido de recuperação judicial, sendo, inclusive, abrangido em tal dicção “não só o cônjuge supérstite e o herdeiro do falecido devedor, como também o inventariante ou o sócio remanescente”[27]. A justificativa plausível para o legislador incluir no rol

 

 

 

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ora mencionado tais figuras tem como ponto de arrimo o fato de tais entes, corriqueiramente, possuírem interesses colidente com os do empresário. “Para o respaldo desses interesses de modo célere e econômico é que se vislumbrou a legitimidade desses sujeitos de direito”[28].

Referências:

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PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação Judicial de Empresas: Caracterização, Avanços e Limites. Revista Direito GV, v. 2, n. 1, p. 151-166, jan-jun 2006. Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/subportais/publica%C3%A7%C3%B5e/RDGV_03_p151_166.pdf>. Acesso em 11 jun. 2016.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016.

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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível no sítio eletrônico: <http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-penal/principio-legalidade-corolario-direito-penal>. Acesso em 11 jun. 2016.

NOTAS:

[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível no sítio eletrônico:

 

 

 

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 ‐ 1984‐0454 

<http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-penal/principio-legalidade-corolario-direito-penal>. Acesso em 11 jun. 2016.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada improcedente por maioria de votos. Acórdão em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 46-DF. ABRAED – Associação Brasileira das Empresas de Distribuição e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Relator para o Acórdão: Ministro Eros Grau. DJe nº. 35, 25 fev. 2010. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016.

[3] Ibid.

[4] VERDAN, 2009, s.p.

[5] VERDAN, 2009, s.p.

[6] TOVAR, Leonardo Zehuri.O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível no site: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em 11 jun. 2016.

[7] BRASIL. Lei Nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jun. 2016.

 

 

 

        75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57102 

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[8] BRASIL. Lei Nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jun. 2016. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[9] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Direito de Empresa. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 654.

[10]Ibid.

[11] Ibid, p. 655.

[12] Neste sentido: RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça Estadual. Agravo de Instrumento. Recuperação Judicial. Homologação da Decisão que aprovou o plano. Princípio da Preservação da Empresa. Acórdão em Agravo de Instrumento de Preceito Fundamental nº. 70043514256. Agravante: Marjorie Alisio Kist e Agravados: Comercial de Eletrodomésticos Pedro Obino Júnior S.A.; Empresa de Participações Pelotas Ltda; e, Ernani Urdaniza Deiro, Administrador Judicial da Recuperação. Relator: Desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Julgado em 31 ag. 2011. Publicado no DJe em 05 set. 2011. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016, p. 10: Ademais, o princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[13] PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação Judicial de Empresas: Caracterização, Avanços e Limites. Revista Direito GV, v. 2, n. 1, p. 151-166, jan-jun 2006. Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/subportais/publica%C3%A7%C3%B5e/RDGV_03_p151_166.pdf>. Acesso em 11 jun. 2016, p. 153.

 

 

 

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[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tributário e Comercial – Crédito Tributário – Fazenda Pública – Ausência de Legitimidade para requerer a falência de empresa. Acórdão em Recurso Especial Nº. 363206/MG. Relator: Ministro Humberto Martins. Órgão Julgador: Segunda Turma/ Publicado no DJe em 21 mai. 2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016.

[15] Ibid. Conflito de Competência - Recuperação Judicial – Suspensão das Ações e Execuções contra o Devedor – Competência do Juízo da Recuperação – Princípio da Preservação da Empresa – Conflito conhecido e parcialmente provido. Acórdão em Conflito de Competência Nº. 101.552/AL. Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP). Órgão Julgador: Segunda Seção. Publicado no DJe em 01 out. 2009. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016.

[16] DINIZ, 2011, p. 655.

[17] BRASIL. Lei Nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm>. Acesso em 11 jun. 2016.

[18] NONES, Nelson. Sobre o Princípio da Preservação da Empresa. Revista Jurídica – CCJ/FURB, v. 12, n. 23, p. 114-129, jan.-jun. 2008. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/841/661>. Acesso em 11 jun. 2016, p. 115.

[19] DINIZ, 2011, p. 660. Neste sentido: LOBATO, Moacyr. Falência e Recuperação. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 80. A recuperação judicial, segundo a dicção da lei, tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[20] LOBATO, 2007, p. 79.

 

 

 

        77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57102 

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[21] Neste sentido: DINIZ, 2011, p. 660. Procura, portanto, atender concomitantemente aos anseios dos credores e aos interesse público e social, em atenção à função social da empresa tendo p. ex., para tanto, os seguintes objetivos: preservação do empresário devedor viável; reorganização da empresa; aumento de possibilidade de negociação para pagamento do passivo; defesa dos interesses dos credores; fixação de consequência em caso de inadimplemento da proposta e de mecanismos para alteração do plano; estabelecimento de limites da supervisão judicial da execução do plano; manutenção da fonte produtora de produtos e serviços e das oportunidades de emprego; estímulo ao crédito e à atividade econômica do devedor etc.

[22] SÃO PAULO (ESTADO). Tribunal de Justiça Estadual. Recuperação judicial. Plano alternativo prevendo venda direta de ativo para determinada empresa e mediante alvará judicial, sem certidões negativas e sem lavratura de escritura de venda e compra. Indeferimento pelo Juízo. Agravo de instrumento interposto pela recuperanda que, posteriormente, requereu a venda do mesmo imóvel na forma de envelope fechado, previsto no inciso II do art. 142 da LFR. Hipótese de preclusão lógica ou de renúncia tácita, eis que inconciliáveis a venda direta a uma determinada empresa e a venda mediante propostas fechadas. Agravo de instrumento não conhecido, diante da renúncia tácita (art. 503, parágrafo único, do CPC). Acórdão em Agravo de Instrumento Nº. 0104172-13.2011.8.26.000. Agravante: Fundição Antonio Prats Masó Ltda e Agravado: O Juízo. Relator: Desembargador Romeu Ricupero. Órgão Julgador: Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Julgado em 22 nov. 2011. Publicado no DJe em 24 nov. 2011. Disponível em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em 11 jun. 2016, p.05.

[23] CARVALHO, Thânia Pereira Teixeira. Recuperação Extrajudicial de Empresas In: III Encontro de Iniciação Científica e II Encontro de Extensão Universitária. ETIC – Encontro de Iniciação Científica, v. 3, n. 3, 2007. ANAIS... Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br>. Acesso em 11 jun. 2016, p. 04.

[24] BRASIL. Lei Nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 jun. 2016. Art. 48.Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais

 

 

 

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de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I –não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II –não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

[25] CARVALHO, 2007, p. 04.

[26] CARVALHO, 2007, p. 04.

[27] DINIZ, 2011, p. 661.

[28] CARVALHO, 2007, p. 04.

 

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FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO

DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Márcia Lúcia Ferreira Cancella

A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS: O AFETO COMO

VALOR JURÍDICO E PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS

RELAÇÕES FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM – ES

2016

 

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Márcia Lúcia Ferreira Cancella

A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS: O AFETO COMO

VALOR JURÍDICO E PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS

RELAÇÕES FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS

Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação Lato sensu em Direito de Família e Sucessões, da Faculdade de Direito Damásio de Jesus, como requisito para obtenção do título de Especialista. Orientador: Wagner Seian Hanashiro

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM – ES

2016

 

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“O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de

solidariedade derivam da convivência familiar, não do

sangue.”

 

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Maria Berenice Dias

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 5

1 – A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS ............................................................... 6

2 – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO ................................................................. 10

3 – O AFETO COMO PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES

CONTEMPORÂNEAS ............................................................................................... 18

4 – TIPOS DE FORMAÇÕES FAMILIARES ............................................................. 25

4.1 – Família Matrimonial ....................................................................................... 27

4.2 - Família Informal ............................................................................................. 31

4.3 - Família Homoafetiva ...................................................................................... 33

4.4 – Família Paralela ou Simultânea .................................................................... 35

4.5 - Família Poliafetiva .......................................................................................... 36

4.6 - Família Monoparental .................................................................................... 39

4.7 - Família Parental ou Anaparental .................................................................... 41

4.8 - Família Composta, Pluriparental ou Mosaico................................................. 41

4.9 - Família Natural, Extensa ou Ampliada ........................................................... 42

4.10 - Família Eudemonista ................................................................................... 44

5 – ESTATUTO DA FAMÍLIA .................................................................................... 47

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 54

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55 

 

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A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS: O AFETO COMO VALOR

JURÍDICO E PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES

FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS.

RESUMO

O presente estudo tratou da desbiologização das famílias, demonstrando que consanguinidade e ancestralidade não têm primazia sobre o afeto, pois este sim é o fundamento das relações famílias contemporâneas, tendo reconhecido seu valor jurídico. Analisou-se o projeto de lei que prevê a implementação de um “Estatuto da Família”, que a limita como sendo o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, o que retirará da esfera de proteção estatal um sem número de famílias que não se amoldam a esse modelo. O objetivo do estudo é a reflexão sobre a família, que é a base da sociedade e deve contar com a proteção estatal, respeitando-se todas as suas múltiplas formações. O método hipotético-dedutivo permeia o desenvolvimento deste estudo, que se desenvolve inicialmente com a pesquisa bibliográfica em teorias do Direito vinculadas à ramificação de Família, buscando a solução para a problemática proposta. A conclusão a que se chegou, é que o conceito de família deve ser alargado a fim de se abarcar todas suas múltiplas formações, sem restrições ou preconceitos, e que um Estatuto da Família que se presta a fazer o oposto disso, é um desserviço. Palavras-chave: Afetividade; Família; Estatuto da Família; Proteção Estatal.

Affectivity: the affection as legal value and home foundation of contemporary family relationships.

ABSTRACT

This study dealt the affectivity of families, showing that inbreeding and ancestry not take precedence over the affection, because the last one is the foundation of contemporary family relations and recognized its legal value. It was analyzed the bill providing for the implementation of a "Statute of the Family", that limits it as the social nucleus formed from the union between a man and a woman through marriage or common-law marriage, or by community formed by either parent and their descendants. This fact will remove from the state protection sphere a number of families who do not fit to this model. The aim of the study is a reflection on the family, which is the foundation of society and must rely on state protection, respecting all its multiple formations. The hypothetical-deductive method permeates this study, which was developed with the literature on law theories linked to the family branch, searching the solution to the problem proposed. The conclusion is that the concept of family should be extended in order to cover all its multiple formations without restriction or prejudice. A Family Statute that lends itself to do the opposite, it is a disservice.

 

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Keywords: Affectivity; Family; Family Statute; State protection.

5  

INTRODUÇÃO

No primeiro capítulo tratar-se-á da desbiologização das famílias, compreendido

como a primazia do afeto sobre a ancestralidade ou consanguinidade, sendo assim,

indivíduos que não têm laços de sangue podem formar uma família reconhecida e

sustentada pela afetividade que os une, encontrando respaldo em nosso

Ordenamento Jurídico, que reconhece a paternidade ou maternidade socioafetiva, e

a adoção, não permitindo qualquer diferenciação entre a prole.

No segundo capítulo será analisado o afeto como valor jurídico, por meio dos

princípios do direito que regem o direito de família, mormente o consagrado princípio

da dignidade da pessoa humana, que é o fundamento do Estado Democrático de

Direito, da República Federativa do Brasil, trazendo também a lume os princípios da

solidariedade e da afetividade, que amparam as famílias.

No terceiro capítulo se refletirá o afeto como principal fundamento das relações

familiares contemporâneas, nascendo espontaneamente da convivência dos

membros da família, e do desejo de estarem próximos e cooperando mutuamente, em

busca da felicidade.

No quarto capítulo serão apresentados diferentes tipos de formações

familiares, que podem surgir por meio do casamento ou união estável, por casais de

sexos diferentes ou não, e até mesmo trios. Havendo também lares que não têm

casais como base, quando uma avó ou tia cuidam de seus netos ou sobrinhos, e ainda

em casos de viuvez ou divórcio, onde apenas um dos genitores fica responsável pela

prole. Enfim, são múltiplas formações possíveis, e serão tratadas neste capítulo.

No quinto e último capítulo deste estudo, será analisado o projeto de lei que

visa implementar o estatuto da família, que terá por escopo definir juridicamente o

grupo de pessoas que possa ser chamado família, compreendido como o núcleo

social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de

casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais

e seus descendentes, restringindo o conceito de família, em contrassenso a visão

pluralista que vinha buscando alargar o conceito de direito de família, visando abarcar

todas elas, sem restrições ou discriminações.

6  

1 – A DESBIOLOGIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS

A paternidade ou maternidade biológica não tem o condão de vincular, por si

só, a filiação - em que pese seu inestimável valor – mas a condição de pai ou mãe

vão muito além de uma mera carga genética, é antes uma ligação afetiva, um laço de

amor, carinho, respeito, amparo, proteção, cuidado, educação, formação, que não se

pode ficar adstrito a um caráter objetivo da biologia, e sim a um caráter subjetivo da

psique humana.

Uma vez que, para ser pai ou mãe, é preciso se desejar tomar posse da

condição de pai ou mãe, assim, a filiação socioafetiva encontra guarida em nosso

Ordenamento Jurídico, afinal, há que se amparar e resguardar aqueles que de livre e

espontânea vontade tomam para si a responsabilidade que pais biológicos não

tiveram.

O Estado reconhece essa relação de afeto e desprendimento, e põe a salvo os

interesses do filho adotado, equiparando-o ao filho biológico, e proibindo qualquer

discriminação entre a prole, inclusive entre filhos havidos do casamento ou não, não

mais subsistindo expressões como filho bastardo ou ilegítimo. Vejamos o que nos diz

o texto Constitucional:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (Grifo nosso)1

Neste mesmo sentido, o Código Civil brasileiro:

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.2

                                                            1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02/04/2016. 2 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de janeiro de 2002. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em 02/04/2016. 

7  

Esta é a coroação da afetividade, pois o Estado ao igualar a prole confrontou a

instituição casamento, que é a sua maior ingerência na vida privada das pessoas. No

Código Civil de 1916, o seu artigo 229 dizia que “criando a família legítima, o

casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”, ou seja,

inobstante uma relação de afeto e amor, sem o casamento essa família seria ilegítima

e não contaria com a proteção estatal.

Hodiernamente estamos sob a égide do Código Civil de 2002, que parece mais

se amoldar a realidade contemporânea, mas é claro que a lei sempre estará passos

atrás da sociedade, já que são as mudanças sociais que impulsionam as mudanças

legais, e não o contrário.

A título de exemplo, casais não passaram a viver juntos sem se casar após a

regulamentação da União Estável, mas, sim, o reconhecimento da União Estável veio

como resposta estatal das demandas que chegavam ao judiciário, de ex-casais que

não haviam se casado no civil, mas coabitaram e juntos construíram um patrimônio, e

com o advento do rompimento surgia à lide, pois em muitos casos os bens estavam

todos em nome do homem, que era o provedor do lar, ao passo que, a mulher ficava

a cargo dos cuidados com a casa e a criação dos filhos, não possuindo patrimônio,

renda ou meios de sobreviver sem o companheiro.

Para reparar essa injustiça o Estado precisou intervir. São assim que surgem

as leis: ocorrem os fatos na sociedade, esses se tornam relevantes e se criam normas

para regulá-los.

Bem verdade que se agrupar é uma necessidade natural humana, mas o

Estado achou por bem regularizar o fato, num ato de ingerência como já dito, vejamos:

Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. [...] A própria organização da sociedade se dá em torno da estrutura familiar. E foi o intervencionismo estatal que levou à instituição do casamento: nada mais do que uma convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A família formal era uma invenção demográfica, pois somente ela permitiria à população se multiplicar. A sociedade, em determinado momento histórico, institui o casamento como regra de conduta.3

                                                            3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.27.

8  

Hoje as pessoas não parecem mais tolerar as imposições de convenções

sociais, e cada vez mais estão tomando as rédeas de suas vidas, pois o que se busca

é a felicidade e realização num relacionamento, e não meramente atender as

expectativas sociais, como acréscimo patrimonial com a realização do que já se

chamou de “um bom casamento”, ou ainda, a reprodução, pois hoje pessoas solteiras

podem sem grandes embaraços serem pais ou mães, biológicos ou adotivos. Ainda

sobre o casamento, Maria Helena Diniz:

Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano.4

Com isso, vê-se que a família deve ser tratada como locus amoenus dos

indivíduos, se amparando sempre no afeto, não em convenções ou instituições, pois

a realização e o desenvolvimento do ser humano é algo muito pessoal para ser tratado

e generalizado pela “letra fria da lei”, a família é um organismo vivo, capaz de mudar

e evoluir. A esse respeito, Maria Berenice Dias:

A família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência. Ao contrário, é o resultado das transformações sociais. Houve a repersonalização das relações familiares na busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor.5

Assiste razão a autora, a família não está em decadência, está apenas se

adequando aos novos tempos, onde a afetividade tem todo respaldo, pois o que se

busca é um ambiente familiar saudável e feliz, independente de seus integrantes

terem laços de consanguinidade.

Diz-se que hoje as relações são mais sinceras, afinal, com o advento da

permissão do divórcio, qualquer um dos consortes pode exercer seu direito potestativo

de romper a relação, não mais precisando ficar preso a uma situação que deveria

perdurar até a morte.

                                                            4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.13. 5 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.33. 

9  

Com isso, as relações que duram são aquelas em que as pessoas envolvidas

nela desejam permanecer ali, não por conveniência ou obrigação, mas pela

afetividade que as une.

Bem verdade que além de mais sinceras as relações estão também um tanto

“líquidas”, pois esvaziam-se muito facilmente. Reflexos dos tempos modernos, onde

se perdeu o hábito de consertar as coisas, pois se estas quebram basta descartá-las

e por outras em seu lugar.

Assim ocorre com as coisas, assim ocorre com as pessoas. Cada vez mais

estamos todos substituíveis, parece uma missão hercúlea manter um relacionamento

“sólido” e tempos de relações “líquidas”.

Em suma, o que define uma família é a ligação de afeto, interesse e cuidados

mútuos, não prevalecendo à consanguinidade sobre o amor. A família deve ser

vislumbrada por esta nova ótica, respeitada todas as suas formações, por mais

emaranhadas que pareçam as ligações, para os componentes dessas famílias elas

fazem todo o sentido e é isso que importa, assim, filhos advindos de outros

relacionamentos do casal, se unem aos filhos frutos do atual relacionamento,

formando “os meus, os seus e os nossos”, e a harmonia pode perfeitamente ser

mantida com a desbiologização das famílias, onde até quem não conta com os

mesmos ascendentes chamam-se de irmãos.

2 – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO

10  

A Constituição brasileira de 1988 traz uma série de direitos e garantias

individuais, entre os mais latentes estão o direito à liberdade e a igualdade, que juntos

formam princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, de tal sorte a

efetivar um princípio que fundamenta o Estado Democrático de Direito, figurando logo

no primeiro artigo de nossa Carta Magna: o princípio da dignidade da pessoa humana.

Senão, vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;6

Sendo assim, tal princípio regente do Ordenamento Jurídico brasileiro, encontra

solo fértil no direito de família, pois tal ramo do direito ampara e regulamenta a vida

do cidadão em sua esfera mais privada, pois é no seio familiar que cada indivíduo

poderá explorar e desenvolver toda sua potencialidade, sendo o núcleo familiar a base

para o crescimento do ser humano, enquanto a comunidade em que se vive, escola,

Igreja, entre outros, agirão como agentes socializadores, porém, não estando

revestidos da afetividade a qual é inerente as relações familiares. Neste sentido,

Washington de Barros Monteiro:

Nas relações familiares acentua-se a necessidade de tutela dos direitos da personalidade, por meio da proteção à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa, da essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade. É somente por meio do respeito a esses direitos que pode ser alcançada a harmonia nas relações familiares e preservada a dignidade da pessoa no seio familiar.7

Uma vez estando à família em harmonia, esse indivíduo estará mais apto a

viver em sociedade, pois é no seio familiar que se aprende as regras básicas de

convivência e respeito ao próximo, entendendo que “seu direito termina quando

começa o do outro”, desta maneira, quando o indivíduo advém de um lar harmônico e

respeitoso, este tende a se portar em sociedade de forma mais aprazível, agindo com

mais urbanidade.

                                                            6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02/04/2016. 7 MONTEIRO, Washington de Barros e SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 41. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p.32.  

11  

Além do consagrado princípio da dignidade da pessoa humana, no que

concerne ao direito de família, podemos trazer a lume os princípios da solidariedade

e da afetividade como forma de se efetivar o texto constitucional, “art. 226: a família,

base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, pois a família é a base para se

construir uma sociedade justa e fraterna, sendo este inclusive um objetivo

fundamental da República Federativa do Brasil, como dita a Constituição:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;8

A construção da sociedade perpassa pela família, não se pode pensar num

sem número de pessoas formando um organismo vivo num emaranhado de relações,

sem antes pensar na família, que é a base. A proteção do Estado deve vir em forma

de políticas públicas que garantam a vida, saúde, segurança, lazer, direito a crença,

liberdade de expressão e opinião, enfim, direitos que viabilizem famílias bem

estruturas, pois nelas são forjados os cidadãos.

Seria inviável pensar numa sociedade solidária, se nos próprios lares não

houvesse a solidariedade entre os membros da família, pois é ali que se aprende a

comportar-se no meio externo. A solidariedade e afetividade desenvolvida no seio da

família e fruto da convivência, e deve ser preservada mesmo que haja divergências

entre os membros dessa família, que por vezes se vêem em situações de interesses

conflitantes. Sobre os princípios ora em lume nos ensina Maria Berenice Dias:

Existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes. [...] No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade.9

Desta forma, mesmo que no âmbito familiar haja uma disputa patrimonial,

carece o operador de direito tratar do tema com sensibilidade, pois mesmo quando o

                                                            8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02/04/2016. 9 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.64. 

12  

que se discute é dinheiro, após um olhar mais cuidadoso pode-se chegar à conclusão

que o real motivo da lide não é o dinheiro em si, mas, a disputa.

Por vezes, se percebe que um herdeiro não concorda com a venda de um

imóvel e a consequente divisão do valor auferido, meramente para afrontar um irmão

que este julgue estar querendo assumir todo o controle da situação, ou ainda, num

caso de divórcio onde os ex-consortes disputam coisas banais e de valor monetário

inexpressivo, apenas para procrastinar o processo e desgastar um ao outro.

Assim, cabe aos operadores de direito serem uma voz serena na contenda,

lembrando a esses irmãos, que apesar da morte do genitor, eles continuam a ser

irmãos, ou ao ex-casal, que o relacionamento entre eles acabou, mas seus filhos ainda

vão precisar dos dois. Os operadores do direito não são parte interessada no

processo, não podem agir como quem queira inflamar disputas, mas antes são a voz

da razão em meio ao abalo emocional que alimenta as rixas familiares.

A solidariedade e a afetividade que um dia foi à base dessa família, devem

servir para reerguê-la, mesmo após eventos traumáticos. Não se deve dar espaço a

sentimentos mesquinhos, mesmo entre aqueles que não contam com a

consanguinidade, daí o legislador ter posto a salvo os interesses de irmãos biológicos

ou não, pois não se pode contar com o bom senso daqueles que estão envolvidos em

uma disputa patrimonial. Para Maria Berenice Dias:

O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais. O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais.10

Desta maneira, o afeto como valor jurídico, em alguns casos servirá para

proteger direitos fundamentais de filhos adotivos ou socioafetivos, de seus irmãos que

não vêem justiça na divisão igualitária da herança do “de cujos” entre aqueles que não

tinham laços de sangue com o mesmo. Mas família não é isso, família não é só

sangue. Para Carlos Roberto Gonçalves:

                                                            10 “Ibidem”. p.73.

13  

Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um ancestral comum, bem como as unidades pela afinidade e pela adoção.11

A posse do estado de pai e a posse do estado de filho é um direito fundamental,

que todos têm de se relacionar e buscar a sua felicidade, e questões patrimoniais não

podem servir de entrave para isso, pois amealhar valores todos podem, basta que

trabalhem e se esforcem para isso, mas construir uma FAMÍLIA é missão que

demanda mais esforço.

Em suma, a resistência de filhos biológicos em aceitar a igualdade com filhos

adotivos ou socioafetivos foi vencida pelo texto legal, consagrando a afetividade como

direito fundamental e valorando a solidariedade que é (ao menos deveria ser) inerente

ao ser humano.

A filiação que resulta da posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil de “outra origem”, isto é, de origem afetiva [...]. A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. A consagração da afetividade como direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva.12

Em se tratando de direito de família, as normas devem ser seguidas fielmente

ao que foi preestabelecido, não se deve permitir que sejam interpretadas ao sabor dos

interesses das partes, pois o Estado tratou de regulamentar atos que na verdade são

naturais para o ser humano, como relacionar-se ou agrupar-se, mas, é quando essas

relações terminam que surgem os conflitos, e o desfazimento destes conflitos já estão

previamente previstos em lei.

Imaginemos um caso de adoção por parte do atual companheiro, do filho que

a sua companheira teve em um relacionamento anterior. Por anos a criança

reconhece o padrasto como se verdadeiramente fosse seu pai, inclusive o chamando

assim. Até o dia em que esse relacionamento acaba e o agora ex-companheiro não

quer mais ter responsabilidades como um filho, que além de não ser seu filho

biológico, ainda o liga a uma mulher com a qual ele não quer mais ter contato.

                                                            11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p.17.  12 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.381.  

14  

Neste caso hipotético, se nossa legislação já não previsse a impossibilidade da

“desadoção”, esse menor estaria desamparado em virtude dos arbítrios da vontade

das partes, que, ora têm seus interesses inclinados numa direção, ora noutra. Neste

sentido, Maria Helena Diniz:

[...] a maioria das normas do direito de família são cogentes ou de ordem pública, insuscetíveis de serem derrogadas pelo simples arbítrio do sujeito, devendo ser, por isso, interpretadas restritivamente. Convém esclarecer que as relações jurídicas, como o casamento, a união estável, a adoção, o reconhecimento de filho, nascem de atos voluntários, que se submetem às normas regentes dos atos jurídicos, mas a vontade só se manifesta na sua realização, uma vez que seus efeitos já estão preestabelecidos na lei. [...] Essa intervenção protetora do Estado é um fato universal, pois o poder público de todas as nações pretende garantir a família, protegendo-a, evitando abusos, propiciando melhores condições de vida às novas gerações, ajudando-a a exercer beneficamente seus poderes, criando órgãos sociais que a tutelam, como os Conselhos de Família e de Tutela, o Ministério Público, o Juizado da Infância e da Juventude etc.13

Sendo assim, os atos são livres, ninguém é forçado a casar-se, viver em união

estável, adotar ou ser adotado, o que se tem é o direito de realizar todos esses atos,

mas para cada direito há um dever correspondente, então as “regras do jogo” já estão

delimitadas, “joga” quem quer, e para garantir o cumprimento das regras e aplicação

da lei existe o Estado, para impor limites ao uso dos direitos para que estes não se

tornem abusivos ou arbitrários, resolver conflitos de interesses e impor sanções

quando forem necessárias, instituindo ainda órgãos sociais para dar apoio e

orientação as famílias, uma vez que estas contam como a “especial proteção do

Estado”, como dita o texto constitucional.

As relações familiares têm grande grau de complexidade, pois não se limitam

ao casal e a prole, pois ao escolher um(a) companheiro(a) para a vida, há de se

lembrar quem ninguém é uma “ilha”, sendo assim, essas pessoas vêm com suas

“bagagens”, sejam elas, filhos advindos de outros relacionamentos ou parentes, que

passam a ser parentes também do cônjuge ou companheiro, como nos lembra Maria

Helena Diniz:

Parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas

                                                            13 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30 e 31.  

15  

também entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro, entre adotante e adotado e entre pai institucional e filho socioafetivo.14

São chamados de parentes por afinidade, mas nem sempre há exatamente

“afinidade” entre eles, ou seja, não necessariamente há afeto, terreno fértil para

conflitos e disputas patrimoniais em caso de morte do cônjuge ou companheiro.

Verdade que, quando não há mais afeto e amor entre os consortes esses podem

romper a relação, mas não dá para “divorciar-se” dos parentes do consorte, os laços

por afinidade não se rompem, sendo inclusive motivo de impedimento para

casamento, como a impossibilidade de casar-se com o pai ou a mãe do(a) ex-

consorte, sendo eles biológicos ou adotivos.

Com tudo isso, o que de fato se vislumbra é a valorização do afeto como valor

jurídico, pondo à parte parentesco, consanguinidade ou matrimônio, pouco

importando a forma, mas sim o conteúdo, assim, não importa se um casal está casado

no civil, vivendo em União Estável, ou mesmo se são de sexos diferentes ou não, o

que constitui uma família é a afetividade que a une e a solidariedade entre seus

membros.

Nos dias de hoje, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.15

E essa família deve perdurar enquanto presentes os sentimentos que a

formaram, até quando for o locus amoenus de seus membros, não havendo dignidade

em permanecer em uma relação ruída, como antes da lei do divórcio de 1977, por

mero compromisso legal.

A busca pela felicidade deve dar liberdade aos membros de uma família de ali

permanecer ou dela se afastar, é claro que tamanha liberalidade não pode ser

concedida a menores, que são pessoas em especial condição de desenvolvimento, e,

portanto, precisam ser amparadas e cuidadas, somente sendo retiradas de suas

famílias de origem em casos estritamente recomendados.

                                                            14 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.443. 15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.40.  

16  

Ao passo que, pessoas maiores e capazes são livres para agir como bem lhes

aprouver, em cessado o afeto, não há mais razão para se forçar uma convivência,

pois as consequências disso poderiam ser danosas em vários aspectos. Sobre a

dissolução do vínculo do casamento, Maria Berenice Dias:

A valorização do afeto nas relações familiares deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa.16

Vale ressaltar que, inobstante a autora se refira à dissolução do vínculo do

casamento, também se aplica a mesma linha de raciocínio a todas as relações

familiares, inclusive as que não têm por base casais, como veremos em tempo

oportuno neste estudo, no capítulo que trata dos tipos de formações familiares, onde

serão apresentadas múltiplas formações possíveis.

Assim, não importa o arranjo familiar, a base de toda e qualquer família é o

afeto, pois sem ele sequer se pode chamar um grupo de pessoas de família. E se

esse afeto acaba também não perdura a família. A consanguinidade fica em segundo

plano, o que é verdadeiramente importante é o desejo de seus membros de ali

permanecerem e cooperarem mutuamente.

Ancestralidade por si só não tem o condão de produzir afetividade, pois essa

vem da convivência e não dos laços de sangue. Também não são raras as pessoas

que se relacionam melhor e têm mais intimidade com amigos próximos, do que com

seus irmãos de sangue. Alguns pais adotivos parecem cercar a prole de mais carinhos

e mimos, do que se fossem pais biológicos. E o que dizer daquele padrasto ou daquela

madrasta que cobrem seus enteados de amor como se verdadeiros pai e mãe

fossem!? Sobre isso:

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes

                                                            16 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.28.  

17  

de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família [...].17

Sensíveis palavras de Maria Berenice Dias, o afeto põe “humanidade em cada

família”, assim, não importa o quão “incomum” pareçam aos olhares externos os

arranjos familiares modernos, pois os membros que compõem cada família a seu

modo têm afeto entre si, e esta relação claramente se reflete em seu comportamento

social, quanto maior a afetividade existente nos lares, melhores serão as relações

desses indivíduos com o meio externo.

                                                            17 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.73.

18  

3 – O AFETO COMO PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS

RELAÇÕES FAMILIARES CONTEMPORÂNEAS.

Em que pese à palavra “afeto” não está escrita na Constituição Federal, seu

valor é incontestável, uma vez que, cada vez mais se valoriza a dignidade da pessoa

humana, e, em decorrência desta, a busca pela felicidade.

O afeto é hoje o principal fundamento das relações familiares contemporâneas,

e nasce espontaneamente da convivência dos membros da família e do desejo de

estarem próximos, conviverem e colaborarem mutuamente, até mesmo porque, não

se pode forçar um sentimento que não existe, e na busca da felicidade e realização

pessoal, as pessoas não se furtam a apartar-se de um seio familiar que não as

contentam mais.

Não há dever legal que possa forçar uma pessoa a permanecer onde a mesma

não deseja mais estar, diferente do que ocorria alguns anos atrás, hoje a maioria das

pessoas não se prende as convenções sociais ou a relacionamentos fracassados, se

não estiverem felizes elas seguem em frente. Sobre afeição, Roberto Senise Lisboa.

Afeição é a ligação existente entre os membros da família por decorrência dos sentimentos que os unem. [...] Analisada em seu sentido estrito, a afeição não é um dever legal estabelecido para cada membro da família. De fato, não há como obrigar uma pessoa a ter apreço pela outra. A Afeição é um sentimento que se tem em relação à determinada pessoa ou a algum bem. Afeiçoar-se significa identificar-se, ter afeto, amizade ou amor.18

Outro é o entendimento de Flávio Tartuce, para o qual, nem sempre a palavra

afeto estará ligada a bons sentimentos, sendo “afeto” a forma pela qual as pessoas

se “afetam”, seja para o bem ou para o mal. Vejamos:

[...] para os devidos fins de delimitação conceitual, deve ficar claro que o afeto não se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.19

                                                            18 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010. p.46.  19 TARTUCE, Flávio. O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Breves Considerações. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos&totalPage=%202> Acesso em 24/03/2016. p.1. 

19  

Verdadeiramente há nas relações familiares espaço para amor e para o ódio,

crescerá aquele que for mais alimentado. Isso porque, além de todas as complicações

inerentes a convivência humana, há também os conflitos oriundos da falta de

convivência, afinal, por vezes nem mesmo a consanguinidade suporta a distância e o

desprezo, pois não raramente pais que se divorciam se olvidam que o divórcio dizia

respeito apenas a eles e suas esposas, e que os filhos não se tornaram ex-filhos, e

continuam reclamar presença e afeto.

O dano causado pelo abandono e desastroso, podendo dar ensejo até mesmo

ao dever de reparar, uma vez que, “a falta de convívio dos pais com os filhos, em face

do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e

comprometer seu desenvolvimento saudável”20

Nesta esteira, decisão da Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de

Justiça, em julgamento de Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : ANTONIO CARLOS JAMAS DOS SANTOS ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S) RECORRIDO : LUCIANE NUNES DE OLIVEIRA SOUZA ADVOGADO : JOÃO LYRA NETTO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. [...] Juiz julgou improcedente o pedido deduzido pela recorrida, ao fundamento de que o distanciamento entre pai e filha deveu-se, primordialmente, ao comportamento agressivo da mãe em relação ao recorrente, nas situações em que houve contato entre as partes, após a ruptura do relacionamento ocorrido entre os genitores da recorrida. [...] O TJ/SP deu provimento à apelação interposta pela recorrida, reconhecendo o seu abandono afetivo. [...] Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam , é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação. [...] Forte nessas razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial, apenas para reduzir o valor da compensação por danos morais.21

Neste caso o argumento que o afastamento do pai foi em virtude do

comportamento da ex-esposa, não se sustenta, afinal, o mau relacionamento entre

                                                            20 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.470. 21 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9-10/05/2012) Relatora: Min. Nancy Andrighi. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901937019> Acesso em 05/05/2016.

20  

eles não poderia de nenhuma forma prejudicar a filha que ainda o amava e reclamava

sua presença.

Mais grave ainda é o desprestígio sofrido pela recorrida, pois este pai constituiu

nova família olvidando-se dela. Esse é um tipo de dano irreparável, o valor monetário

auferido em casos como este é meramente compensatório, mas a mágoa não irá se

dissipar tão facilmente.

E agora a mágoa tornou-se recíproca, pois depois do desgaste de um longo

processo, com tantos recursos, a relação pai e filha pode ser irrecuperável, bem como

a convivência com os outros irmãos que compreensivelmente devem tomar partido do

pai, afinal, a eles este não abandonou, havendo, portanto, carinho e respeito mútuos.

Aliás, é isso que se espera de uma família, solidariedade e cumplicidade. É um

compromisso recíproco que dura para toda vida, pois nas fases da existência humana,

ora de reclama cuidados, ora se é o cuidador. A esse respeito, Constituição Federal:

Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.22

Algo tão elementar e instintivo nem precisaria estar no texto legal, mas precisa,

pois algumas pessoas se valem de qualquer artifício para descumprir seus deveres

morais, então para elas caberá a Lei.

Não há justificativa plausível para um pai ou uma mãe desamparar um filho,

mormente na infância, fase da vida em que se reclamam maiores cuidados, seja na

assistência básica, como: alimentar, vestir e educar, seja na formação do caráter,

personalidade e autoestima.

Autoestima, esta é forjada ainda na infância e irá repercutir durante toda a vida

do indivíduo, sendo compreendida como o apreço que se tem por si mesmo, o amor

próprio e o valor a que uma pessoa se dá. E essa autoestima pode se desmantelar

com o abandono sofrido, a criança chega a se perguntar se a culpa é dela. Esse

sentimento a acompanhará por toda a vida.

                                                            22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02/04/2016. 

21  

Noutro giro, temos os filhos que não retribuem aos pais na velhice, todo cuidado

e apoio que receberam na infância. Para esses também caberá a força coercitiva da

lei, que os obrigará a fazer aquilo que deveria ser feito de bom grado. A respeito da

solidariedade familiar, Roberto Senise Lisboa:

A afeição e o respeito, como elementos integrantes do princípio da solidariedade familiar, são os vetores que indicam o dever de cooperação mútua entre os membros da família e entre os parentes, para os fins de assistência imaterial e material. O princípio da solidariedade serve de fundamento para o dever de respeito pessoal, porém nem sempre se achará afeição na conduta solidária, infelizmente realizada muitas vezes sem qualquer apreço.23

Solidariedade imposta por lei gera apenas assistência material, pois o apreço

e o respeito mútuo desaparecem quando entra em “cena” o judiciário, e aquela relação

já desgastada agora é inexistente. Aliás, filiação é algo tão sério que não pode ser

imposta, nem mesmo pela biologia, senão, vejamos o que nos diz o Código Civil

brasileiro:

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.24

Assim, o que se vê é o afeto como principal fundamento das relações familiares

contemporâneas, não importando somente a consanguinidade, se estes pais não

participaram da vida do filho, em nada adiantará valer-se de um reconhecimento como

forma de impor uma presença que um dia já foi desejada, e que hoje é malquista.

Essa discricionariedade não é dada somente aos filhos biológicos, em que o

filho maior deverá opinar sobre o reconhecimento, e este não ocorrerá sem o seu

consentimento, ou o filho menor, que poderá rechaçar o reconhecimento indesejado

quando atingir a maioridade ou for emancipado, mas, também o adotando maior de

12 anos, que deverá consentir na adoção, conforme dita o Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Art. 45 - A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.

                                                            23 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.47. 24 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de janeiro de 2002. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em 02/04/2016.

22  

§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.25

Mesmo sendo pessoa em especial condição de desenvolvimento, nesta idade

já lhe é possível discernir se deseja ou não estar naquele lar, se mantém ou não laços

de afetividade com o adotante, ao ponto de se tornarem pai e filho, ou mãe e filho,

num processo que não tem volta, pois não existe a “desadoção”.

A relação de filiação deve surgir do afeto e não apenas da consanguinidade,

assim, além do processo de adoção que acabou de ser tratado, a Ação Declaratória

de Parentalidade Socioafetiva, também encontra guarida em nosso Ordenamento

Jurídico, tornando de direito aquilo que já existia de fato, dando vínculo jurídico a quem

não tem vínculo biológico.

A “pedra angular” de uma família é a afetividade, com isso, será pai ou mãe,

aquele que desejar estar nessa condição, não sendo a paternidade ou maternidade

apenas fruto da biologia, ou de uma imposição, ao contrário sensu, é um desejo maior,

um sentimento que surge entre as partes e ao judiciário cabe amparar e regularizar, o

que hodiernamente é amplamente abarcado em nosso ordenamento, que dá as

famílias um conceito bem mais alargado do que a tempos atrás. Neste sentido,

vejamos:

Num sentido restrito, o vocábulo abrange tão somente o casal e a prole. Num sentido mais largo, cinge o vocábulo a todas as pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cujo alcance ora é mais dilatado, ora mais circunscrito, segundo o critério de cada legislação. E em sentido ainda mais amplo, surgem os elos socioafetivos, ao lado dos vínculos de sangue, como determinantes da existência da relação familiar.26

Claramente estamos sob a égide de um sentido mais amplo ou alargado do

vocábulo família, abarcando todas as múltiplas formações que se pode vislumbrar

atualmente, não se prendendo apenas aos laços de sangue, mas, mormente a

afetividade advinda da convivência, seja ela entre pessoas que compartilham de

ancestralidade ou não. Nesta esteira:

A família é uma construção cultural. Dispõe de estruturação psíquica, na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função – lugar do pai,

                                                            25 BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de junho de 1990 (Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências). Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acesso em 05/05/2016. 26 MONTEIRO, Washington de Barros e SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 41. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p.17.  

23  

lugar da mãe, lugar dos filhos -, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente. É essa estrutura familiar que interessa investigar e preservar como um LAR no seu aspecto mais significativo: Lugar de Afeto e Respeito.27

Sem afetividade uma casa não é um lar. Sem afetividade uma família é um

mero agrupamento de pessoas. É o desejo de cooperação e solidariedade que faz

uma família permanecer unida, devendo todos colaborar na medida de suas

possibilidades, e diferente da antiga família patriarcal (que trataremos em momento

oportuno nesse estudo), a atual legislação prevê igualdade entre os cônjuges, como

dita o Código Civil, artigo 1.511 - “O casamento estabelece comunhão plena de vida,

com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” 28

Outra não é a determinação Constitucional:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.29

Assim, os consortes têm a mesma responsabilidade em relação à

administração da casa, os gastos, a criação dos filhos, independentemente de

diferença de sexos ou não, pois com o advento do casamento homoafetivo, não há

mais que se falar nessas diferenças, nem tão pouco se prender a antigos modelos de

administração da casa, onde o homem era o único provedor e a mulher cuidava dos

afazeres domésticos e da criação dos filhos.

Hodiernamente há muitas mulheres sendo as principais, ou até mesmo as

únicas provedoras do lar. Em muitas famílias é o homem que fica a cargo dos cuidados

com a casa e com a criação dos filhos, enquanto a mulher trabalha, e isso se deve a

vários fatores, como o desemprego deste homem, ou simplesmente um acordo entre

o casal, em virtude da remuneração da mulher ser maior, e por uma questão de

conveniência, decidiram que seria ele a deixar o emprego e se dedicar a aos filhos,

que ansiavam pela presença de pelo menos um dos genitores em casa.

                                                            27 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.27. 28 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de janeiro de 2002. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em 02/04/2016. 29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 02/04/2016. 

24  

E assim as famílias se organizam, não admitindo interferências externas. Hoje

há uma total liberdade de escolha, um casal pode optar pelo matrimônio ou pela união

estável, essa relação pode ser homo ou hétero, os filhos podem ser biológicos ou

afetivos, em suma, se tem essa liberalidade, onde cada qual, segundo seus

interesses, pode se adequar a um modelo de família, podendo sempre reconstituí-la

se for o caso. Vejamos:

O direito de família é, de todos de ramos do direito, o mais intimamente ligado a própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável.30

É da natureza humana se agrupar, sendo assim, mesmo aqueles que vieram

de famílias biológicas desfeitas, buscam reinserção em lares afetivos, até que na fase

adulta formam suas próprias famílias.

Na busca pela felicidade e realização pessoal, as pessoas formam suas

famílias, e em alguns casos estas precisam ser desfeitas, logo mais adiante serão

refeitas ou passarão por rearranjos, enfim, só a afetividade justifica o mantenimento

de uma relação.

4 – TIPOS DE FORMAÇÕES FAMILIARES

A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu artigo 226:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

                                                            30 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17.  

25  

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.31 

A descrição constitucional de família é de fato ultrapassada, e não abarca todas

as múltiplas possíveis formações, até mesmo o nome que se dá ao ramo do direito

que trata das demandas familiares, “Direito de Família”, é inadequado, assim, “a

expressão direito das famílias melhor atende à necessidade de enlaçar, no seu âmbito

de proteção, as famílias, todas elas, sem discriminação, sem preconceitos.”32

Não deve o Estado restringir o alcance da sua proteção, nem tão pouco ocupar-

se de facilitar a conversão da união estável em casamento, uma vez que, isso resta

de todo irrelevante, pois o casamento é uma das instituições sociais mais antigas,

sendo assim, aquele que realmente desejasse casar, o faria.

Atualmente as pessoas anseiam por liberdade, desejam administrar suas vidas

como bem lhes aprouver, sem interferências desnecessárias. E sendo a família um

organismo vivo e sujeito a mudanças e evoluções, cada vez mais as pessoas vêm se

relacionando de formas pouco convencionais, mas que as realizam. A esse respeito,

Maria Berenice Dias:

Pensar em família ainda traz à mente o modelo convencional: um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional. A convivência com famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas permite reconhecer que seu conceito se pluralizou. Daí a necessidade de flexionar igualmente o termo que a identifica, de modo a albergar todas as suas conformações. [...] Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.33

                                                            31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto Central. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 02/04/2016.  32 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p 28. 33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.39. 

26  

O atual conceito de família deve ser tão plural quanto à instituição que se

pretende conceituar, esta é uma missão inglória, haja vista que, as múltiplas

formações familiares não param de se alargar.

A família é o locus amoenus das pessoas, lugar de desenvolvimento físico e

intelectual, onde a afetividade torna o “solo fértil” para este desenvolvimento, que

encontra especial valor neste momento de nossa história, onde cada vez mais se

valoriza a dignidade da pessoa humana.

E com essa visão plural, humanista, solidária e democrática, a “instituição

família” tem hoje por missão o desenvolvimento das potencialidades humanas e sua

realização no âmbito afetivo e existencial. Isso porque, é da essência humana a

necessidade de se agrupar, e em regra, todos advêm de uma família. A esse respeito,

vejamos:

Todo homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural e social, o organismo familiar. A ela conserva-se ligado durante a sua existência, embora venha a constituir nova família. O entrelaçamento das múltiplas relações, estabelecidas entre os componentes da referida entidade, origina um complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que formam o objeto do direito de família. Desde logo, evidencia-se a importância desse estudo, tão de perto ligado à própria vida. Dentre às instituições – públicas ou privadas – a da família reveste-se da maior significação. Ela representa, sem contestação, o núcleo fundamental, a base mais sólida em que repousa toda a organização social.34

A organização social passa pela família, pois esta é uma célula da sociedade,

e sua harmonia e estruturação refletem diretamente na sociedade como um todo. As

famílias vão sendo formadas num organismo vivo e mutável, assim, o que começa

com um casal e sua prole, logo ganha vida própria, pois ao crescer e formar suas

próprias famílias, essa prole estabelecerá parentescos por afinidade, e, assim, numa

trama sem fim, as famílias vão crescendo e se desenvolvendo.

Vale mencionar ainda os casamentos desfeitos, que em virtude de novas

uniões, sejam elas, novos casamentos e simplesmente uniões estáveis, geram novos

“fios” nesta “teia”, pois agora, além de pai e mãe, têm-se os padrastos e madrastas, e

os demais parentescos por afinidade que surgem em consequência.

                                                            34 MONTEIRO, Washington de Barros e SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 41. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011, p.15. 

27  

Diante disso, passa-se ao estudo de diferentes tipos de formações familiares.

Convenientemente, inicia-se pela mais tradicional de todas as famílias, a matrimonial.

4.1 – Família Matrimonial

A família matrimonial, concebida pela união de homem e sua mulher por meio

do casamento e sob as bênçãos de Deus, foi por séculos o modelo de família das

sociedades cristãs monogâmicas.

Isto em virtude da estreita ligação entre o Estado e a Igreja, que visava à

moralização das relações sexuais, ou seja, só sendo permitida a relação sexual dentro

do casamento, havendo ainda o interesse estatal em gerir a vida em sociedade,

organizando-a, sendo que muitas uniões se davam meramente por interesse

patrimonial, seja para aumentá-lo ou ao menos mantê-lo. Sobre Estado e Igreja,

vejamos Maria Berenice Dias:

Sob a justificativa de manter a ordem social, tanto o Estado como a igreja acabaram se imiscuindo na vida das pessoas. Na tentativa de limitar o livre exercício da sexualidade e garantir a perpetuação da espécie, eram estabelecidos interditos e proibições de natureza cultural e não biológica. Mediante estritos padrões de moralidade, os relacionamentos amorosos passaram a ser nominados de família. [...] A Igreja Católica consagrou a união entre um homem e uma mulher como sacramento indissolúvel: até que a morte os separe.35

Relacionar-se faz parte da natureza humana, então a união por meio do

casamento é uma convenção social, que tinha por fito, unir um homem a uma mulher,

sendo até pouco tempo atrás, inaceitável chamar de família, lares formados a partir

de uniões homoafetivas.

Bem como, aceitar o fim de um casamento, pois o mesmo era sagrado, “o que

Deus uniu, não separe o homem”, assim, relacionamentos fracassados eram

arrastados por décadas até a morte de um dos cônjuges. E mesmo com o advento do

desquite, que possibilitava a separação de corpos, porém, não rompia o vínculo

conjugal, assim, não sendo permitido um novo casamento, dava aos desquitados uma

                                                            35 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.43.  

28  

má fama, sofriam muito preconceito e dificuldade de seguirem suas vidas, pois novas

uniões carregariam uma peja de pecado e clandestinidade.

Então, o casamento que deveria ser uma celebração de amor e afeto, tornou-

se uma instituição do Estado, e como tal, deveriam as pessoas se adequar as suas

normas, e estas eram rígidas e inflexíveis, a esse respeito:

O Estado solenizou o casamento como uma instituição e o regulamentou exaustivamente. Os vínculos interpessoais passaram a necessitar da chancela estatal. É o Estado que celebra o matrimônio mediante o atendimento de inúmeras formalidades. Reproduziu o legislador civil de 1916 o perfil da família então existente: matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual. Só era reconhecida a família constituída pelo casamento. O homem exercia a chefia da sociedade conjugal, sendo merecedor de respeito, a mulher e os filhos deviam-lhe obediência.36

Sendo assim, naquele modelo estatal a família era matrimonializada - só sendo

possível se formar uma família por meio do matrimônio; patriarcal - o pai era o “chefe”

da família; hierarquizada - o homem tinha autoridade sobre sua mulher e seus filhos;

patrimonializada - muitas relações não tinham o afeto como fundamento, mas,

visavam antes, acréscimo patrimonial; e heterossexual - só sendo possível a união

entre um homem e uma mulher. Em que pese ser hoje perfeitamente possível o

casamento entre casais homossexuais, ainda há parcela significativa da população

que rechaça essas uniões, afinal, foram preceitos enraizados passados de geração

em geração, e toda mudança leva tempo para ser aceita.

A família matrimonial quase sempre foi “chefiada” pelo homem, muito embora,

a história também guarde momentos matriarcais. Com o passar dos anos, viu-se que

o melhor era a divisão das responsabilidades e as somas de esforços, tendo cada

membro da família seu papel e seu valor. A esse respeito:

A chefia da sociedade conjugal quase que invariavelmente foi exercida pelo homem, que, com o passar do tempo veio a ter um poder de decisão mais limitado sobre a mulher e os filhos.

O patriarcado foi exercido, em diversos períodos da história e em várias partes do mundo, mediante a poligamia, que paulatinamente foi decaindo, sendo substituída pela sociedade da monogamia.37

                                                            36 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.44.  37 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.25. 

29  

O declínio do patriarcalismo e a legislação moderna, que não faz a

diferenciação de direitos entre homens e mulheres, dão ao casal contemporâneo,

igual deveres e responsabilidades com o lar e a prole. Nesta esteira:

Hodiernamente, com a quebra do patriarcalismo e da hegemonia do poder marital e paterno, não há mais, diante do novel Código Civil, qualquer desigualdade de direitos e deveres do marido e da mulher ou dos companheiros, pois em seus artigos não mais existem quaisquer diferenciações relativamente àqueles direitos e deveres.38

Com isso, antigos preceitos mudaram, além da igualdade entre homens e

mulheres, a ideia do casamento eterno também não resistiu às mudanças do tempo,

isso porque, já não há mais um vínculo de dependência da mulher em relação ao

homem.

A mulher buscou o mercado de trabalho e vem vencendo resistências

paulatinamente. Bem verdade que em muitos casos, para o exercício da mesma

função, há mulheres que recebem salários inferiores aos dos homens, mas, ainda

assim, perseveram e vencem.

Outro fator a ser levado em conta, é o grau de escolaridade das mulheres, que

cada vez mais vêm se aperfeiçoando, em busca de postos melhores de trabalho e

maiores salários. Com tudo isso, a mulher tornou-se mais exigente, querem a seu lado

um homem tão disposto a prosperar quanto elas.

Ocorre que, com todas as facilidades de se divorciar tidas hoje, inclusive

extrajudicialmente se este casal se enquadrar nos requisitos legais, quando surgem

incompatibilidades, muitos apelam para uma solução mais imediatista, que é o fim da

relação, pois tentar salvá-la demandaria esforço que muitos não estão dispostos a

fazer.

Há casos, porém, que a relação já está tão desgastada que o divórcio mesmo

sendo um “remédio amargo”, pode ser a única “cura” ou solução, principalmente em

casos onde há violência doméstica, ocasião em que forçar a convivência colocaria em

risco a vida da mulher, ou simplesmente, casos que em os cônjuges desejam

desvencilhar-se um do outro para buscar um novo par.

                                                            38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.22.  

30  

O mundo de hoje não mais comporta uma visão idealizada da família. Seu conceito mudou. A sociedade concede a todos o direito de buscar a felicidade, independentemente dos vínculos afetivos que estabeleçam. É ilusória a ideia de eternidade do casamento. A separação, apesar e ser um trauma familiar doloroso, é um remédio útil e até necessário, representando, muitas vezes, a única chance para se ser feliz.39

E essa felicidade do recomeço contrasta com a tristeza do fim, pois num

rompimento quem mais sofrem são os filhos, que se vêem apartados de um dos

genitores, sem que tenham dado causa para isso.

Mas a família matrimonial não é somente retrocesso ou separação, o

casamento ainda é o sonho de parcela significativa da população, e enquanto houver

pessoas que acreditam no casamento, ele valerá à pena.

E questões patrimoniais devem ser deixadas de lado, pois todo aquele que tiver

disposição para o trabalho pode angariar bens, o casamento não deve servir de

escalada social, mas, deve antes, ser uma realização pessoal, norteada pela

afetividade. Neste diapasão:

O afeto é um valor conducente ao reconhecimento da família matrimonial e da entidade familiar, constituindo não só um direito fundamental (individual e social) da pessoa de afeiçoar-se a alguém, como também um direito à integridade da natureza humana, aliado ao dever de ser leal e solidário. E, além disso, vedada está a qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, a interferência na comunhão de vida instituída pela família (CC, art. 1.513).40

Desta maneira, o casamento é uma demonstração pública de amor e afeto,

devendo os cônjuges ser leais um com o outro, respeitando-se e sendo fiéis. A

solidariedade sobrevive até ao próprio casamento, pois mesmo depois do seu fim,

ainda gera deveres, como alimentos provisórios, por exemplo.

Em suma, a família matrimonial é o modelo de família mais tradicional que

temos em nossa sociedade hoje, e sobrevive, apesar de todas as mudanças sociais

que ocorreram ao longo dos anos. Passe-se agora ao estudo da família informal.

                                                            39 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.33.  40 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.19.  

31  

4.2 - Família Informal

A família informal é aquela que não é advinda de um matrimônio, mas, sim, da

união de um casal que não oficializou esta união. Hodiernamente isto nada mais é que

uma escolha, pois há uma extensa discricionariedade se as pessoas desejam se casar

ou apenas morarem juntas, mas não era assim há poucas décadas.

Ocorre que, somente o casamento legitimava uma família, e a união de um

homem e uma mulher sem as bênçãos de um casamento religioso e o formalismo do

casamento civil, não tinha o condão de formar uma família, tratando-se de uma relação

adulterina.

Em tempos onde apenas a morte poderia separar um casal, muitas relações só

duravam para “manter as aparências”, mesmo que o amor e o afeto já não existissem

mais.

Mas como é sabido, o ser humano busca a felicidade, e estas convenções

sociais não poderiam obstar por muito tempo, que as pessoas quisessem refazer suas

vidas, saindo de relacionamentos fracassados e formando novas uniões.

Bem verdade que estas novas uniões para os homens, com os quais a

sociedade sempre foi bem mais tolerante, se davam, por vezes, enquanto ainda

estavam presos ao casamento, que socialmente era ostentado, pois o homem casado

passava uma imagem mais austera e confiável, ao passo que, o solteiro seria alguém

menos responsável, por não ser ainda um “chefe de família”.

E, desta forma, não raro um homem mantinha mais de uma família. O imbróglio

surgia com o advento da morte deste homem, ou quando este decidia romper a

relação extraconjugal, pois a mulher que não tinha o status de esposa, não gozava

dos mesmos direitos desta, porém, queixava-se de ter dedicado anos de sua vida para

aquele homem, inclusive de ter lhe dado filhos, e agora ver-se desamparada. A esse

respeito, vejamos:

A lei emprestava juridicidade apenas à família constituída pelo casamento, vedando quaisquer direitos às relações nominadas de adulterinas ou concubinárias. Apenas a família legítima existia juridicamente. A filiação estava condicionada ao estado civil dos pais, só merecendo reconhecimento a prole nascida dentro do casamento. [...] O legislador, além de não regular as relações extramatrimoniais, com veemência negava consequências jurídicas a vínculos afetivos fora do casamento, alijando qualquer direito à concubina. Tal ojeriza, entretanto, não coibiu o surgimento de relacionamentos sem respaldo legal. A eterna busca da felicidade fazia com que os egressos de vínculos desfeitos constituíssem novas famílias. Quando do

32  

rompimento dessas uniões, seus partícipes começaram a bater às portas do judiciário.41

Assim, além da concubina não ter qualquer direito, até mesmo os filhos

advindos da relação extraconjugal não encontravam guarida no texto legal, sendo

preteridos em relação aos filhos nascidos do matrimônio.

Desta forma, com o passar do tempo, o judiciário passou a ter que decidir

inúmeras demandas, de mulheres que buscavam alguma compensação pelos anos

dedicados ao homem, que agora as abandonava. Diante do silêncio da lei e da

impossibilidade do juiz deixar de entregar a jurisdição em virtude disso, estes

precisaram achar uma solução.

Muitas ações foram propostas no sentido de reclamar uma indenização pelos

serviços domésticos prestados, já para outras foi dada uma aparência de negócio,

aplicando-se por analogia o direito comercial, como uma sociedade de fato. Enfim,

foram muitas controvérsias, até que o legislador regulou a matéria, criando-se assim,

a figura da União Estável.

Logo que surgiu, a União Estável servia para ser reconhecida (promovendo a

divisão dos bens), e na mesma sentença se dava a sua dissolução. Hoje muitos casais

fazem contratos de União Estável, muito embora, nesses casos o melhor seria então

que se casassem, deixando o reconhecimento e dissolução da União Estável para

aquele ex-casal que apesar da comunhão de vidas, optaram por não formalizar a

união, e com advento do rompimento precisam fazê-lo, para proceder à divisão do

patrimônio angariado após a união. Sobre isso:

Essas estruturas familiares, ainda que rejeitadas pela lei, acabaram aceitas pela sociedade, fazendo com que a Constituição albergasse no conceito de entidade familiar o que chamou de união estável, mediante a recomendação de promover sua conversão em casamento.42

Assim nascem às leis, o fato social surgiu, sendo rechaçado de início, pois o

novo modelo de família contrariava o pré-estabelecido, a tradicional família

matrimonial, depois, com o passar do tempo e a mudança cultural, a sociedade passou

                                                            41 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.45.  42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.46.  

33  

a aceitar essa formação de família informal, e os conflitos advindos dela precisavam

ser regulados.

Desta forma, a própria Constituição Federal reconheceu a legitimidade da

família informal, como dita seu artigo 226: “é reconhecida a união estável entre o

homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.”

Com os demais avanços, esse reconhecimento hoje extrapola o texto legal, e

não abarca somente a união do homem a sua mulher, sendo extensivo a casais

homossexuais, numa interpretação que mais atende ao princípio da dignidade da

pessoa humana. Posto que já lhe foi feita menção, tratemos agora da família

homoafetiva.

4.3 - Família Homoafetiva

É aquela formada a partir de um casal composto por pessoas do mesmo sexo,

a qual é conferida todos os direitos que possuem a família formada a partir de um

casal hétero. A esse respeito:

A homossexualidade existe desde tempos remotos, podendo-se encontrar informações a seu respeito desde o período antediluviano. Em que pese o fato de o relato bíblico existente no Antigo Testamento demonstrar que os hebreus a repudiavam, os gregos e os romanos a admitiam, porém não conferiam qualquer regime jurídico a tal situação.43

Hodiernamente, a parte qualquer preconceito que ainda permeie esse tipo de

formação de família, lhes é dada o respaldo jurídico, sendo garantido o

reconhecimento e a igualdade perante a lei. Sobre isso:

Por absoluto preconceito, a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família [...]. As inúmeras decisões judiciais atribuindo consequências jurídicas a essas relações levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecê-las como união estável, com iguais direitos e deveres. A partir desta decisão passou a justiça a admitir a conversão da união homoafetiva em casamento. De imediato o Superior Tribunal de Justiça

                                                            43 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.209.  

34  

admitiu a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, sem ser preciso antes formalizar a união para depois transformá-la em casamento.44

Como se vê, as atuais conquistas dos casais homoafetivos foram difíceis de

alcançar, pois o texto legal só abarcava a união entre homem e mulher, deixando a

margem casais formados por pessoas do mesmo sexo, o que causava grande

embaraço com o advento do término da relação, ou a morte de um dos pares.

Isso, em virtude do patrimônio amealhado pelo casal, para o qual não havia

respaldo legal para sua partilha. Em muitos casos, homossexuais que foram excluídos

por suas famílias, em razão do preconceito, após sua morte ressurgiam parentes

ambicionando sua herança, e o par sobrevivente, além da dor da perda, se via

obrigado a brigar na justiça por um direito que ainda não estava regulado.

Semelhante situação se dava com aqueles casais que estava há anos juntos,

construíram um patrimônio, e, uma vez tendo rompido a relação, aquele ou aquela

cujos bens estavam em seu nome se recusava a dividi-los com o agora ex-parceiro

ou ex-parceira.

A parte questões patrimoniais, todo casal tem o direito de regularizar a relação,

dando juridicidade à mesma, a tornando pública. Assim, os casais homoafetivos se

viam tolhidos deste direito, como se estivessem numa relação de “segunda classe”,

clandestina ou até mesmo pecaminosa.

Pôs fim a esse imbróglio a decisão do Supremo Tribunal Federal que

reconheceu a união estável aos casais homoafetivos, numa interpretação do texto

constitucional em conformidade com os princípios e garantias fundamentais,

mormente ao princípio da dignidade da pessoa humana.

E, devendo a lei facilitar a conversão da união estável em casamento, não

tardou até que o Superior Tribunal de Justiça admitisse o casamento civil de pessoas

do mesmo sexo, e, desde então, para muitos casais sua relação passou a ser de

direito, aquilo que já o era de fato.

                                                            44 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.46 e 47.  

35  

4.4 – Família Paralela ou Simultânea

Outro tipo de família existente é a paralela ou simultânea, que nada mais é, que

a formação de uma nova família, persistindo ainda a existência da pretérita a ela.

Pensemos num caso onde um homem casado e com filhos, mantêm como outra

mulher uma união estável, tendo também filhos com esta. Assim, simultaneamente

este homem pertenceria a duas famílias distintas.

Ocorre que, nossa sociedade é monogâmica, inclusive constituindo crime de

bigamia, alguém sendo casado, contrair novo casamento, conforme inteligência do

artigo 235 do Código Penal brasileiro.

Sendo assim, muito embora estas relações simultâneas existam, estas não

encontram respaldo legal, ou seja, não é possível sua conversão em casamento, nem

tão pouco, há para elas aceitação social.

Mesmo nos dias atuais, parte considerável da população é conservadora, e

arraigada as tradições de família, e não vê com bons olhos essa liberalidade afetiva

que algumas pessoas têm. Até a esposa traída pode ser vítima de maledicências se

souber da relação extraconjugal do marido e não divorciar-se dele, como se coubesse

a essa mulher dar um desfecho a situação, ao deixá-lo ela é a vítima, se permanecer

ao seu lado é tão “pecadora” quanto ele. A esse respeito:

As expressões para identificar a concomitância de duas entidades familiares são muitas, todas pejorativas. O concubinato, chamado de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé e até de concubinagem, é alvo do repúdio social, legal e judicial. A doutrina insiste em negar-lhe efeitos positivos na esfera jurídica. Mas nem assim essas uniões deixam de existir, em larga escala. Não há como negar que são relações de afeto e, apesar de serem consideradas invisíveis, gerem efeitos jurídicos.45

Mesmo sem contar com o respaldo legal essas relações existem, e não vão

deixar de existir em virtude de falta de regulação, pelo contrário, é a regulação que

deverá ser implementada, para dar visibilidade e garantias legais a essas relações.

                                                            45 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.47. 

36  

Afinal, não é justo que após anos de dedicação alguém saia desta relação sem

nenhuma garantia. Já há decisões no sentido de se dividir entre a esposa e “a outra”

o dinheiro da pensão do de cujus, mas isso não é suficiente, é necessário

regulamentação, pois ninguém deve ficar a mercê dos arbítrios das decisões dos

magistrados, que ora podem pender para um lado, ora para o outro. Nesta esteira:

Negar a existência de famílias paralelas - quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade. Com isso a justiça acaba cometendo enormes injustiças. [...] Quem mantém vínculos afetivos paralelos, alvo da reprovação social, não pode ser beneficiado. Não cabe, simplesmente, ver-se desobrigado com relação a um ou a ambos os vínculos afetivos, gerando o enriquecimento injustificado.46

Com a ausência de vínculo jurídico, aquele que já era comprometido e formou

uma nova relação, e sendo assim, é este que merece a reprovação da parcela

conservadora da sociedade, pode ser beneficiado, senão, vejamos: Numa hipótese

onde uma pessoa já casada constitui união estável com outra, em desejando romper

o relacionamento extraconjugal, estaria desobrigado de qualquer divisão patrimonial,

uma vez que essa segunda relação não formou nenhum vínculo jurídico.

Assim, uma relação de anos onde foram amealhados bens diversos, pode ter

como desfecho uma disputada judicial inglória. Por isso, o mais adequado é serem

considerados os patrimônios em blocos, sendo, o patrimônio particular de cada

envolvido, a meação da esposa (a depender o regime de casamento adotado) e a

parcela que caiba a parceira.

4.5 - Família Poliafetiva

Família semelhante à paralela é a família poliafetiva, porém, aqui não há

“clandestinidades”, ao contrário, os envolvidos desejam poder regularizar a união, até

mesmo para terem garantias patrimoniais, e, assim como a família paralela, a família

poliafetiva também não é bem vista na sociedade, mesmo nos dias atuais, a união de

um homem e duas mulheres, ou, a união de uma mulher e dois homens, ou, a união

                                                            46 “Ibidem”, p.48 e 51.  

37  

de mais de dois homens, e ainda, a união de mais de duas mulheres, tem o poder de

chocar. Nessa esteira:

A escritura pública declaratória de união poliafetiva de um homem com duas mulheres repercutiu como uma bomba. Foi considerada nula, inexistente, além de indecente, é claro. E acabou rotulada como verdadeira afronta à moral e aos bons costumes. [...] Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito de família e sucessório. [...] Não havendo prejuízo a ninguém, de todo descabido negar o direito de viver a quem descobriu que em seu coração cabe mais de um amor.47

Em outubro de 2015, no Rio de Janeiro, ocorreu o primeiro registro de união

estável entre três mulheres. O caso que Maria Berenice Dias menciona na citação

acima é de 2012, e foi o primeiro registrado no Brasil, em Tupã, interior de São Paulo.

Ambos os casos repercutiram na imprensa e causaram severas críticas aos

trios, porém, não se pode negar que um caso de união entre um homem e duas

mulheres, numa sociedade machista como a brasileira, gera menos revoltosos que a

união de três mulheres, pois neste caso, pesa também a homofobia, que é ainda bem

presente em nossa sociedade.

A Tabeliã responsável pelo registro da união estável das três mulheres alegou

que a falta de previsão legal não seria um óbice, pois o fundamento seria o mesmo

que possibilitou a união estável homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal

Federal, e que no ramo do direito civil o que não é vedado é permitido.48

Já para o professor de Direito Civil da Universidade de São Paulo, José

Fernando Simão, esta união é nula, pelo fato de no Brasil a família ser monogâmica,

sendo a bigamia um crime, não havendo brechas para outra interpretação em nosso

ordenamento jurídico.

Neste caso não se pode estender a liberação da união homoafetiva, pois o

impedimento aqui não é o sexo e sim o número de parceiros. Não importa se são dois

                                                            47 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.53 e 54.  48 PIVA, Juliana Dal. Rio registra primeira união estável realizada entre três mulheres. ESTADÃO. São Paulo. 18 de outubro de 2015. Disponível em: <http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/rio-registra-primeira-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel-realizada-entre-tr%C3%AAs-mulheres/ar-AAfAuwA?ocid=mailsignoutmd> Acesso em 19/10/2015. 

38  

homens ou duas mulheres, o que é proibido é serem mais de dois homens ou mais

de duas mulheres buscando o registro de sua união.

Já que segundo a Constituição, deve-se facilitar a conversão da união estável

em casamento, por lógico, os mesmos impedimentos para o casamento devem servir

para a união estável, assim, não sendo possível a realização do casamento entre três

ou mais pessoas simultaneamente, também não o será para o reconhecimento da

união estável.

Desta forma, para o professor José Fernando Simão, com o qual concordamos,

o registro firmado entre essas três mulheres só tem validade para elas, com o fito de

divisão patrimonial em caso de rompimento desta relação, mas não tem o condão de

gerar efeitos junto a terceiros, nem mesmo para o exercício de direito de família e

sucessões.

A monogamia e a fidelidade são imposições estatais, resquício do tempo da

estreita ligação com a Igreja, então se trata de um arbitrário dever moral, que não

coaduna com a liberdade sexual exercida por algumas pessoas. A esse respeito:

Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia. Não se trata de um princípio do direito estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializada, constituídas sob a chancela do Estado. Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contempla. Ao contrário, tanto tolera a traição que não permite que os filhos se sujeitem a qualquer discriminação, mesmo quando se trata de prole nascida de relações adulterinas ou incestuosas.49

Mesmo não sendo contemplada pela Constituição Federal, a monogamia

encontra guarida nos Códigos Civil e Penal, então como direito posto, deve ser

respeitado, em que pese não haver prejuízos a terceiros, assim, filhos advindos de

relações extraconjugais não serão prejudicados em seus direitos, desta forma, não há

a chancela constitucional da traição, mas, tão somente a proteção de direitos daqueles

que em nada erraram, e não poderiam ser tolhidos nesses direitos por atos alheios a

sua vontade.

                                                            49 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.63. 

39  

Com isso, o dever de monogamia e fidelidade são sim ingerências do Estado

da vida do cidadão, assim como o próprio casamento o é, porém, até que se mude a

lei, esta precisa ser respeitada, desta maneira, hoje não é juridicamente possível o

reconhecimento de união estável entre três pessoas ou mais, pelo simples fato de

também não haver essa possibilidade no casamento.

4.6 - Família Monoparental

A Família Monoparental é um dos tipos de família descritos na Constituição

Federal, e consiste na presença de apenas um dos genitores e a prole, sobre isso,

vejamos:

A família monoparental é a formada “por qualquer dos pais e seus descendentes” (CF, art. 226, § 4º). Nela, as relações familiares são apenas verticais, já que não existem pessoas ligadas pelo vínculo de conjugalidade. O pai ou mãe fundador da família monoparental é o seu “cabeça”.50

Ainda nesta esteira:

O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores com seus filhos, no âmbito da especial proteção do Estado, atende a uma realidade que precisa ser arrostada. Tais entidades familiares receberam em sede doutrinária o nome de família monoparental, como forma de ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar.51

Assim, temos um núcleo familiar, que pelas mais variadas razões, é formado

por apenas um dos responsáveis e sua prole, ou seja, apenas o pai e seus filhos, ou

apenas a mãe e seus filhos.

E esta família merece a mesma proteção estatal conferida à tradicional,

formada por um casal e seus descendentes, pois, como já mencionado, várias razões

levam a essa formação. A esse respeito:

A família monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um de seus genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor,

                                                            50 COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Civil, volume 5: Família. Sucessões. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p.302.  51 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.54.  

40  

“produção independente” etc. Portanto, a família natural é a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (ECA, art. 25).52

A criação e formação moral de uma criança demandam tempo, esforço,

dinheiro e comprometimento, é claramente um “trabalho em tempo integral”, e isso

não é para qualquer um, então, é cada vez mais comuns lares formados por famílias

monoparentais, pois alguém precisa ficar e “assumir”.

Já foi mencionado neste estudo o quanto as relações estão “líquidas”

hodiernamente, pois relacionar-se demanda um esforço que muitos não estão

dispostos a fazer, então quando as dificuldades aparecem algumas uniões chegam

ao fim. Mas, e os filhos, como e com quem ficam?

A resposta para essa indagação em muitos casos é: os filhos ficam com o

genitor que permaneceu na casa e são preteridos pelo genitor que deixou o lar. Pois

muitos se olvidam que há ex-marido e ex-mulher, mas nunca ex-filho. Assim, não

importa que a relação conjugal chegou ao fim, ou mesmo que já se tenha constituído

outra em seu lugar, filhos de qualquer idade demandam atenção dos pais. A esse

respeito:

A monoparentalidade é classificada em paternal ou maternal. No primeiro caso, a comunidade familiar é integrada pelo pai e seus descendentes; no segundo, pela mãe e seus descendentes. Estatisticamente, as famílias monoparentais maternas são muito mais numerosas, fato que não desdobra qualquer consequência jurídica.53

Com o advento do rompimento da relação, é muito comum que a mulher queira

ficar com a guarda dos filhos, mas isso não é uma regra, deve-se priorizar o melhor

interesse da criança, e se este for ficar com o pai, assim se dará.

Porém, parece mesmo que na maioria das vezes cabe a mulher a

responsabilidade da criação dos filhos, o que hoje é feito buscando a conciliação com

o trabalho, pois em muitos casos essa mãe sustentará seus filhos sozinha, muitos pais

se valem das mais variadas manobras para fugir ao dever de pagar a pensão

alimentícia.

                                                            52 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.11.  53 COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Civil, volume 5: Família. Sucessões. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p.302 e 303. 

41  

4.7 - Família Parental ou Anaparental

A Família Parental ou Anaparental, assim como a monoparental, também não

é formada a partir de um casal. Neste tipo de formação de família as pessoas podem

ser parentes ou não, e sendo parentes, não é necessário que descendam umas das

outras, desta forma, se duas ou mais irmãs morarem juntas, dividirem despesas,

cuidarem da casa e cooperarem mutuamente entre si, elas são família.

Do mesmo modo, não havendo a relação de parentesco, mas, sim de

afetividade, se duas ou mais amigas formarem um lar, cuidando e amparando umas

às outras, também estas serão família. Sobre isso:

Mesmo que a Constituição tenha alargado o conceito de família, ainda assim não enumerou todas as conformações familiares que existem. A diferença de gerações não pode servir de parâmetro para o reconhecimento de uma estrutura familiar. Não é a verticalidade dos vínculos parentais em dois planos que autoriza reconhecer a presença de uma família merecedora da proteção jurídica. [...] A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família parental ou anaparental.54

De fato é mesmo muito difícil alargar-se o conceito de família, ao ponto de

abarcar toda e qualquer formação possível, o mais importante, no entanto, não é a

conceituação que lhe é dada, mas, sim a proteção estatal que lhe deve ser conferida.

4.8 - Família Composta, Pluriparental ou Mosaico

A Família Composta, Pluriparental ou Mosaico, é aquela formada por um casal

que saiu de seus relacionamentos anteriores, e consigo trouxeram filhos. Neste

sentido:

Nomes existem, e muitos, tentando definir as famílias constituídas depois do desfazimento de relações afetivas pretéritas: reconstruídas, recompostas e até a bela expressão famílias ensambladas, em voga na Argentina – estrutura familiar originada no matrimônio ou união de

                                                            54 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.55.  

42  

fato de um casal, no qual um ou ambos de seus integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou relação prévia.55

Assim, o atual companheiro é padrasto de parte da prole e pai de outros, da

mesma forma, a atual companheira é madrasta de uns e mãe de outros. Parece

confuso e realmente é, pois numa prole composta teremos irmãos, meio-irmãos e

aqueles que não têm nenhum laço senão o afetivo.

4.9 - Família Natural, Extensa ou Ampliada

Outro tipo de família muito tradicional é a Família Natural, Extensa ou Ampliada,

que é formada por parentes, extrapolando a restrita convivência entre o núcleo familiar

base, ou seja, os pais e seus filhos. Este tipo de família envolve tios, primos, avós,

etc., e ao contrário do que sugere o nome, “natural”, não necessariamente é preciso

haver laços de consanguinidade ou ancestralidade entre essa família.

Assim, filhos adotados vão conviver com os pais de seus pais adotivos e

chamá-los de avós, também chamarão os irmãos de seus pais adotivos de tio ou tia,

e os filhos destes de primos, em suma, mesmo não havendo a consanguinidade, esta

é suprida pela afetividade que autoriza tratarem-se todos por família. Sobre isso:

O conceito de família natural é trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (25): comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. A expressão família natural esta ligada à ideia de família biológica, na sua expressão nuclear. [...] A Lei 12.010/09 introduziu o conceito de família extensa ou ampliada: aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Este novo conceito não diz exclusivamente com os vínculos e natureza biológica.56

O ideal para as crianças ou adolescentes é serem criados em suas famílias

biológicas, porém, há casos em que permanecer no lar onde nasceram pode

representar um risco para suas vidas.

                                                            55 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.55 e 56.  56 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.56 e 57.  

43  

Quando os pais perdem o poder familiar, mormente deve haver a tentativa de

introduzir a criança ou adolescente no lar de algum parente, somente não sendo isso

possível, opta-se pela Família Substituta, ocasião em que essa criança ou

adolescente irá romper os elos com sua família biológica e passará a fazer parte de

um novo lar, com pessoas com quais não possui laços de ancestralidade ou

consanguinidade, porém, que por meio da convivência diária, poderá desenvolver a

afetividade. Neste sentido:

A colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas tem caráter excepcional, garantida a convivência familiar e comunitária. [...] Somente não havendo possibilidade de reinserção na família biológica nem inclusão na família extensa é que se passa a falar em família substituta.57

Sendo assim, a adoção além de subsidiária, é também um ato de grande

responsabilidade, pois uma vez inserida na família do adotante, o adotado passa a ter

os mesmo direitos dos filhos biológicos, pois é defeso por lei qualquer tipo de

diferenciação, até mesmo concernente a herança. Nesta esteira:

Adoção é o ato jurídico solene pelo qual um sujeito estranho é introduzido como filho na família do adotante, passando a ter os mesmos direitos decorrentes da filiação. Por ser um ato solene, a adoção deve se efetivar por meio de escritura pública, tratando-se de adoção de pessoa capaz, ou de sentença judicial, nos demais casos.58

Insta ainda ressaltar que adolescentes acima de 12 anos precisam consentir

na adoção, pois como já mencionado neste estudo, não se pode obrigar alguém a ter

afeto por outra pessoa, este é um sentimento que surgi da convivência diária, onde

também surgem a afinidade e a cumplicidade.

Sendo assim, não se poderia simplesmente impor a um adolescente uma nova

família, com a qual este não se identificasse, do contrário, a convivência seria

insuportável, pois como é sabido, a adolescência já é por si só uma fase difícil da vida

para a maioria das pessoas, pois trata-se de uma transição entre a infância e a fase

adulta, com muitos conflitos e mudanças no corpo e de comportamento, desta

maneira, todas as ações devem ser tomadas no sentido de tornar esse momento

razão de felicidade e não de traumas.

                                                            57 “Ibidem”, p.57.  58 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 5: direito de família e sucessões. 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.285. 

44  

Há muitos casais que anseiam adotar, porém, querem bebês recém nascidos

ou crianças de até dois anos de idade, por acreditarem que a criação se tornaria mais

fácil, mas se olvidam de quanto amor terão para dar aqueles que já não nutriam

esperança de ter um lar, principalmente quando se trata de um grupo de irmãos, onde

caem consideravelmente às chances de um casal adotar quatro, cinco, ou mais

irmãos, levando-se em conta é claro, que não poderia haver a separação desses

irmãos, os distribuindo para vários casais, desfazendo-se assim a convivência deles.

Em suma, a adoção é um ato de coragem, amor, desprendimento, e muita

responsabilidade, porém, que poderá trazer grande felicidade ao adotante e ao

adotado. E uma vez que a felicidade foi mencionada, tratemos agora da família

eudemonista.

4.10 - Família Eudemonista

A Família Eudemonista é aquela em que se busca a satisfação e realização de

todos seus membros. A esse respeito:

É o afeto que organiza e orienta o desenvolvimento da personalidade e assegura o pleno desenvolvimento do ser humano. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. [...] Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade.59

Desta forma, os membros da família eudemonista não são um mero

agrupamento de pessoas, que vivem sob o mesmo teto por terem laços de

ancestralidade e consanguinidade, eles estão juntos porque se amam e são felizes,

encontrando neste lar um lugar propício ao desenvolvimento de suas potencialidades

e anseios pessoais.

Cada membro da família eudemonista é incentivado pelos demais membros a

buscar sua realização pessoal, e com esta a felicidade de ser uma pessoa bem-

                                                            59 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.58.  

45  

sucedida, pois na doutrina eudemonista, os valores morais julgam serem éticas todas

as ações que levem à felicidade.

Com o apoio recebido dos outros membros da família, pode-se chegar mais

longe, já que o ser humano tem essa necessidade de ser relacionar e ter laços de

afeto, isso o impulsiona e eleva a sua autoestima. Neste sentido:

Manter vínculos afetivos não é uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos , seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todos têm à solidão. Parece que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar.60

O amor que a espécie humana busca, nem sempre precisa ser o amor carnal,

pois é possível conquistar a felicidade ao lado dos membros de sua família, bem como

se cercando de bons amigos, trabalhando naquilo que gosta, praticando atividades

físicas e recreativas, tendo um hobby, adotando um bichinho de estimação, etc.

Em suma, a vida e a felicidade não se resumem a um relacionamento amoroso,

há um sem número de ações diárias que podem trazer felicidade, mormente para

aqueles que estiverem dispostos a serem felizes, deixando de lado as murmurações

em função dos percalços da vida e vivenciando plenamente tudo que houver de bom

para ser vivido.

Com tudo isso, e após o exame de vários tipos de formações familiares, pode-

se concluir que a atual conceituação de família não abrange a totalidade de suas

múltiplas formações, e que o fato do legislador restringir o conceito não impedi que as

pessoas continuem a se relacionar livremente, pois todos buscam a felicidade, e

qualquer arranjo de pessoas que têm o amor e o afeto como fundamentos, é uma

família, e precisa ser tratada e respeitada como tal, cabendo ao Estado dá à ela o

devido amparo e proteção. Nesta esteira:

É necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua formação. [...] O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da

                                                            60 “Ibidem”, p.27.  

46  

pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família.61

Desta maneira, a terminologia mais acertada seria direito das famílias,

abrangendo a todas elas numa visão mais pluralista, sem restrições nem

preconceitos, pois todos os tipos de formações familiares devem ser respeitados e

protegidos, não se levando em conta a sexualidade ou consanguinidade de seus

membros, mas, antes, a afetividade, que esta sim, deve ser o principal fundamento

das relações familiares contemporâneas.

5 – ESTATUTO DA FAMÍLIA

Na contramão de tudo que até agora foi apresentado neste estudo, tramita

atualmente na Câmara dos Deputados, o projeto de lei nº 6.583/2013, do deputado

Anderson Ferreira do PR/PE, que tem por escopo definir regras jurídicas que

determinarão que tipo de grupo de pessoas possa ser chamado de família.

O referido projeto chegou a ser arquivado no final de 2014, mas voltou a tramitar

na Câmara dos Deputados, por iniciativa do Deputado Federal cassado, Eduardo

Cunha, que era na ocasião o presidente da Câmara dos Deputados.

O projeto foi aprovado pela comissão especial, mas ainda está aguardando

deliberação de um recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, se for

                                                            61 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.42 e 43. 

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aprovado irá ao plenário da Casa, que poderá arquivar o projeto de lei, ou aprovar e

mandar para deliberação no Senado, este por sua vez, se propuser qualquer mudança

no texto, devolve para Câmara dos Deputados, porém, se o Senado aprovar, o projeto

ainda precisa passar pelo crivo do Presidente da República, que pode sancionar

(tornando o projeto lei) ou vetar total ou parcialmente, ocasião em que o projeto volta

para ser votado pelo Congresso, em sessão conjunta dos Deputados e Senadores

para a decisão final.

Olvidando-se do caráter plural das relações familiares, o referido projeto visa

definir família como sendo a união de um homem a uma mulher, por meio do

casamento ou da união estável, bem como também será chamada de família, aquela

formada por um dos pais e a prole.

Desta maneira, se aprovado for, o estatuto da família deixará de fora da

proteção estatal concedida às famílias, um sem número de brasileiros, o que seria um

grande contrassenso e retrocesso, frente a tantos direitos recém conquistados, e

sendo a família a base da sociedade, os legisladores deveriam se ocupar em ampará-

la, e não lhe restringir o alcance. Sobre isso:

Já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.62

Sagrada sim, imutável não. A sociedade moderna tem ao alcance das mãos

todo um aporte tecnológico que visa trazer praticidade e conforto ao dia a dia, mas o

que importa mesmo é ao final de um longo dia de trabalho se ter um lar para retornar.

Um lar, não uma casa, pois uma casa se pode comprar, um lar é forjado no

afeto. Uma família é à base de qualquer pessoa, dando apoio emocional, financeiro,

motivacional, afetivo, em suma, a família é sagrada, e como tal, não deve ser

menosprezada e rechaçada, deve antes ser protegida.

Desta maneira, questões de ordem moral e religiosas não devem prevalecer

sobre a razão, não se pode ficar à mercê dos arbítrios de legisladores, que criam leis

                                                            62 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p.17.  

48  

para atender a seus anseios e convicções pessoais, e que em nada representa o povo

que os elege.

A sociedade muda e evolui e as leis devem acompanhar essas mudanças,

jamais sendo usadas como um freio aos avanços, assim, bem fez o judiciário que

reconheceu o casamento gay, por exemplo, que era uma demanda antiga e que o

legislativo parecia temer regular.

A decisão foi polêmica, mas o judiciário não precisa de votos, então pode ser

impopular, porém, justo. Ao passo que, o legislador possui cargo eletivo e não pode

se indispor com seu eleitorado, devendo evitar polêmicas permanecendo no senso

comum.

Bem verdade que parcela significativa da população parece apoiar o retro

citado projeto de lei que cria o estatuto da família, porém, há também os defensores

da pluralidade da família, destacando-se ainda, que se houver qualquer retrocesso

será apenas na lei, pois a sociedade não anda para trás, e as pessoas vão continuar

a se relacionarem a seu bel-prazer, não importando o que disser o texto legal. Nesta

esteira:

Parecia que os tempos estavam mudando. Que o ideal do amor domesticado começava, nos palcos jurídicos, a ceder espaço para todas as formas de amor. A doutrina já há tempos defende a pluralidade das famílias. O judiciário, rotineiramente se depara com questões impensáveis nas décadas anteriores, tendo que analisar, por exemplo, lides envolvendo famílias paralelas. O pensamento hermético, conservador, começava a ser deixado de lado! Até que, no dia 24/09/2015, foi aprovado pela comissão especial na Câmara dos Deputados, o texto principal do projeto, que discute o Estatuto da Família, definindo-a como união entre homem e mulher, através do casamento ou da união estável, bem como a formada por qualquer dos pais e seus filhos. Retrocesso? O que mudou? Se é que mudou?63

“Domesticar” qualquer sentimento humano já é por si só uma tarefa árdua,

imagine ousar tentar fazer isso ao amor. E recentemente as pessoas têm conquistado

o direito de se relacionarem livremente e serem reconhecidas como família, sendo um

                                                            63 GHILARDI, Dóris. O amor domesticado e o conceito de família. Empório do Direito. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/o-amor-domesticado-e-o-conceito-de-familia-por-doris-ghilardi/> Acesso em 16/06/2016. 

49  

verdadeiro retrocesso tentar causar qualquer espécie de limitação a liberdade de

amar.

Sendo assim, este tipo de conservadorismo desmedido não deveria mais ter

espaço em nossa sociedade atual, pois não cabe tamanha ingerência estatal na vida

privada das pessoas, não importando se estas se relacionam com pessoas do mesmo

sexo que elas, ou até mesmo com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, desde que,

paguem seus impostos.

O Estado deve ater-se a administrar o dinheiro arrecadado dos contribuintes e

reverter a estes em serviços e benefícios. Quanto à conduta dos cidadãos, algumas

são mesmo intoleráveis, cabendo a muitas delas o direito penal, de outras tantas se

ocupa o direito civil, mas no campo da afetividade não é razoável a intervenção de

qualquer esfera do direito.

Assim sendo, não importa que haja um estatuto dizendo a uma avó que cria

seus netos que eles não são uma família, porque sim, eles são. Também nenhum

efeito surtirá sobre duas ou três irmãs já velhinhas e viúvas, que moram juntas e

cuidam umas das outras, dizer para elas que não são uma família, porque é claro que

elas são.

Bem como dizer a uma criança que ela não poderá chamar suas duas mães de

mãe, ou seus dois pais de pai, e que simplesmente eles não são uma família, porque

sim, eles são. Direitos conquistados não podem retroceder, pelo contrário, devem

avançar, assim, os legisladores deveriam se ocupar em desenvolver projetos de leis

que melhorassem a vida das pessoas, e não invadir esferas que não lhes digam

respeito.

A Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

emitiu em setembro de 2015, uma nota pública contra o Estatuto da Família, dado o

retrógado texto do projeto de lei. Vejamos:

A Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB manifesta total REPÚDIO ao ESTATUTO DA FAMÍLIA (PL 6.583/2013), em tramitação perante Comissão Especial da CÂMARA DOS DEPUTADOS, de autoria do Dep. Anderson Ferreira (PR/PE), e, em especial, ao Substitutivo apresentado pelo Relator, Deputado Diego Garcia (PHS/PR), que define entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável, através do casamento ou da união

50  

estável", que foi aprovado na data de ontem 24-09-2015 pela Câmara dos Deputados. Referida definição, ao excluir do conceito de família as uniões homoafetivas, é discriminatório, excludente e homofóbico e, via de consequência, escancaradamente inconstitucional. Trata-se de uma manobra política na vã tentativa de afrontar as decisões judiciais que incluíram no âmbito da tutela jurídica as famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. [...]64

O projeto de lei não exclui apenas as famílias homoafetivas, mas também as

famílias informais, paralelas, poliafetivas, anaparentais, enfim, o projeto é sim

flagrantemente homofóbico, mas é também discriminatório em todas as esferas que

se pode pensar.

Excluir famílias do âmbito de proteção estatal, marginalizando-as, não fará com

que as mesmas desapareçam, bem como torná-las invisíveis, tão pouco terá qualquer

êxito, pois nos dias atuais já não se pode aceitar pensamentos tão tacanhas, as

pessoas estão no comando de suas vidas e isso é irrefreável, sendo todas livres para

fazerem o que bem lhes aprouver, desde que, não gere malefícios a outrem.

Segundo o projeto de lei, este instituirá o Estatuto da Família e disporá sobre

os direitos da família, bem como traçará diretrizes das políticas públicas voltadas para

valorização e apoio à entidade familiar, desde que, é claro, essa entidade familiar

tenha sido formada a partir da união de um homem e uma mulher, pois todas as outras

formações familiares estarão por conta da própria sorte.

Pois como já mencionado, a definição de entidade familiar que consta no

estatuto de família é “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e

uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”65

Desta maneira, a este seleto grupo, deverá o Estado assegurar a efetivação do

direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho,

à cidadania e à convivência comunitária.

                                                            64 Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Nota pública contra o Estatuto da Família. 28/09/2015. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5785/Nota+p%C3%BAblica+contra+o+Estatuto+da+Fam%C3%ADlia> Acesso em 19/06/2016. 65 Projeto de Lei nº 6583/2013, Anderson Ferreira PR/PE. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1159761&filename=PL+6583/2013> acesso em 13/01/2016. 

51  

Também serão garantidas para essas famílias, condições mínimas para sua

sobrevivência, por meio da efetivação de políticas sociais públicas que permitam a

convivência saudável entre os membros da entidade familiar e em condições de

dignidade, bem como atenção integral à saúde por intermédio do Sistema Único de

Saúde – SUS, e o Programa de Saúde da Família, contando também com atendimento

psicossocial da unidade familiar.

Ainda segundo o projeto de lei, deverá haver nas escolas de ensino

fundamental e médio, uma disciplina por nome “Educação Para Família”, que ainda

não tem conteúdo especificado, mas diante de tantos direitos retro apresentados, esta

disciplina deverá ter por finalidade ensinar as crianças e adolescentes a formarem o

tipo de família contemplada no estatuto, ou seja, tradicional e hétero.

Como justificativa para o referido projeto de lei, o deputado Anderson Ferreira

afirma que embora a Constituição Federal dispense atenção especial à família, sendo

esta a base da sociedade, não há políticas públicas efetivas voltadas especialmente

à valorização da família.66

Segundo sua análise, as famílias vêm sofrendo mudanças que as têm alterado

a estrutura no decorrer do tempo, enfrentando questões complexas num contexto

contemporâneo e até mesmo à desconstrução do conceito de família. Sendo uma

família equilibrada, de autoestima valorizada e assistida pelo Estado um sinônimo de

uma sociedade mais fraterna e também mais feliz.

“Data venia” a análise do respeitável deputado, não há uma “desconstrução”

do conceito de família, e sim um alargamento desde conceito visando contemplar

todas as múltiplas formações familiares existente hodiernamente, que vem a ser o

extremo oposto do que propõe seu projeto de lei, a restrição do vocábulo família,

deixando de fora da proteção estatal um sem número de pessoas.

A sociedade é um organismo vivo e está sempre mudando, e as famílias

mudaram também, isso não é nenhum sinal de crise, pelo contrário, mudanças são

necessárias e saudáveis, e precisam ser encaradas com naturalidade, pois o

                                                            66 “Ibidem” 

52  

casamento ainda é uma instituição existente e respeitável, só não é mais a única a ter

o condão de formar uma família. Sobre isso:

[...] a família está passando por profundas modificações, mas como organismo natural ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização; logo não há desagregação ou crise. Nenhuma dessas mudanças legislativas abalará a estrutura essencial da família e do matrimônio, que é sua pedra angular. O casamento sobrevive sem a conotação de “instituição em decadência”, [...].67

Prova que o casamento não é uma instituição em decadência, é o recém direito

conquistado dos casais homoafetivos se casarem no civil. Após a autorização, muitos

casais oficializaram suas uniões, o que é algo corriqueiro para casais héteros, para os

casais homoafetivos era simplesmente impensável até pouco tempo atrás.

O curioso neste fato é que, enquanto para os casais homoafetivos o casamento

“de papel passado” era um sonho, os casais héteros estão cada vez mais optando

pela união estável, ou seja, como a união hétero sempre esteve presa aos formalismos

do casamento, hoje o que se deseja é exercer sua liberdade, podendo escolher se a

família será formada a partir do casamento ou não.

Por fim, a família não está em declínio, nem tão pouco o casamento decadente,

a sociedade mudou e junto dela as instituições mais tradicionais existentes também

mudaram, ou, se adaptaram, mas a família ainda é o núcleo base da sociedade, e o

casamento ainda é o sonho de muitas pessoas, e, enquanto houver pessoas

acreditando que se casar e formar uma família valha a pena, estas instituições

perdurarão.

                                                            67 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família. 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, p.25.  

53  

CONCLUSÃO

Ante tudo que foi apresentado neste estudo, conclui-se que a família é um

organismo vivo, e, como tal, está em constante mudança e evolução, devendo as leis

acompanhar estas mudanças, as regulando, a fim de se evitar ou dirimir conflitos.

Porém, não se deve usar a lei para “frear” o sentimento humano, sendo

agrupar-se uma necessidade biológica e emocional, que cada vez mais vem sendo

exercida pelas pessoas sem amarras de convenções sociais, então são as leis que

devem ser atualizadas com o fito de regular os conflitos da vida moderna, e não se

exigir que toda uma sociedade retroceda para se amoldar a leis retrógadas, como o

Estatuto da Família, projeto de lei nº 6583/2013, que tramita hoje na Câmara dos

Deputados.

54  

O problema que se vislumbra é o retrocesso de todas as conquistas sociais

alcançadas, uma vez que a família conta com a especial proteção de Estado, e, se

aprovado for, este Estatuto retirará um sem número de pessoas da esfera de proteção

Estatal e de seus programas sociais voltados às famílias, desvalorizando o afeto, que

ganhou valor jurídico nas últimas décadas em nossa legislação, uma vez que, só seria

reconhecido como família, o núcleo formado por um homem e uma mulher e sua prole.

Desta maneira, deve o Ordenamento Jurídico pátrio, expurgar e rechaçar toda

e qualquer proposta de lei que contrariar os avanços e conquistas da sociedade

brasileira, pois não se podem admitir retrocessos.

Se a necessidade de agrupar-se é inerente a natureza humana, então a

formalização das uniões como o casamento ou reconhecimento da união estável por

si só são ingerências estatais na vida do particular, desta feita, deixar de reconhecer

como família, todas as suas múltiplas formações já se torna uma arbitrariedade.

Com isso, todos os direitos previstos no projeto de lei para o Estatuto da

Família, devem ser regulados e aplicados sim, mas não somente a um seleto grupo

de pessoas, pois, constitucionais que são, devem ser aplicados a todas as famílias,

sem qualquer discriminação, com implementação de programas sociais que garantam

a todos direitos sociais como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a

moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade, etc.

55  

REFERÊNCIAS

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