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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 699 (Ano VIII) (13/9/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – -

BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 699 · Fundamental (ADPF 153), ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos ... e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 699

(Ano VIII)

(13/9/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

13/09/2016 Carlos Eduardo Rios do Amaral 

» Fatiamento da votação do impeachment da presidente Dilma não deve causar 

surpresa

ARTIGOS  

13/09/2016 Luciana Cláudia Medeiros de Souza » A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo Código de Processo Civil 

13/09/2016 José Cláudio Diógenes Porto 

» Processos informais de modificação da Constituição: principais aspectos 

13/09/2016 Flávia Caram Borlido 

» Os princípios da Administração Pública no exercício das funções dos agentes públicos

13/09/2016 Agenor Gabriel Chaves Miranda 

» O Direito do Trabalho na Ditadura Civil‐Militar 

13/09/2016 Tiago Amorim Pouillard Carneiro 

» Direito da construção: a importância da administração de contratos de construção 

em tempos de crise 

13/09/2016 Tauã Lima Verdan Rangel 

» Poder de Polícia e Segurança Alimentar e Nutricional: Tessituras à Vigilância Sanitária 

e a Função Fiscalizadora de Produtos e Serviços de Alimentos 

13/09/2016 Marcelo Alves Vieira 

» "O Caso Dos Exploradores de Cavernas": Uma Breve Análise 

 

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FATIAMENTO DA VOTAÇÃO DO IMPEACHMENT DA PRESIDENTE DILMA NÃO DEVE CAUSAR SURPRESA

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL: Defensor Público do Estado do Espírito Santo.

De longa data se diz no Brasil que temos duzentos milhões de técnicos da seleção brasileira de futebol. Todo brasileiro acredita conhecer a melhor escalação e o melhor esquema tático para se vencer uma copa do mundo do que qualquer outra pessoa. E no Direito também não é diferente. Somos um País de duzentos milhões de juristas.

Mas, assim como no futebol, também no Direito, as coisas são bem diferentes na prática. O Direito é uma ciência, a merecer um estudo bem mais aprofundado de seu intérprete para domínio de seus fundamentos e propósitos.

Desde logo é preciso ficar claro ao leitor que o Operador do Direito não aplica a lei em seu sentido estrito para solução das demandas judiciais. É a norma – e não a lei – o instrumento de resolução de todos os conflitos submetidos à interpretação judicial.

O Ministro Eros Roberto Grau, do Supremo Tribunal Federal, de 2004 a 2010, sempre alertava a toda comunidade jurídica sobre a diferença entre lei e norma.

Quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para contestar o alcance da Lei da Anistia, lecionou o Eminente Ministro Eros Grau:

“Todo texto normativo é obscuro até sua interpretação. Somente a interpretação de um texto legal transforma-o em norma, dá-lhe efetividade.

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Interpretar é aplicar, é dar concreção ao direito. As normas resultam da interpretação. Só o texto da lei não diz nada, até sua transformação em norma, resultado da interpretação”.

Quando determinada lei em sentido estrito diz que “a” + “b” = “c”, essa conclusão só produzirá efeito jurídico a determinado fato ou fenômeno da vida quando cotejado com todo o ordenamento jurídico vigente, notadamente com o texto da Constituição Federal.

Assim, a conclusão de que “a” + “b” = “c” só poderá ser extraída quando esgotada sua análise frente a todas as fontes da Ciência do Direito, como as leis, os tratados, os costumes, os princípios gerais do direito, a jurisprudência e a doutrina.

Como se vê, a interpretação literal não deve ser considerada uma intrusa na hermenêutica jurídica – arte de interpretar as leis – , mas não pode ser considerada a melhor ou preferencial opção do interprete para melhor solução da lide. Sob pena de criarmos verdadeiras incongruências nos veredictos judiciais.

A interpretação literal é a forma mais cômoda, primeva, de se tentar extrair determinada solução jurídica quando se desconhece a maior parte ou o restante das fontes do Direito e seu conteúdo.

Pois bem. O princípio da proporcionalidade sempre foi aplicado pela nossa jurisprudência para justificar o fatiamento de determinadas disposições sancionatórias que cominem mais de uma pena.

Foi o que aconteceu com os casos de improbidade administrativa anteriores à edição da Lei 12.120/2009, que modificou a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

Na sua redação original, a Lei de Improbidade Administrativa determinava que na sentença condenatória o agente ímprobo deveria ser condenado cumulativamente à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos,

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pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Atentando para a severidade extraordinária da Lei de Improbidade, estabelecendo múltiplas e desproporcionais sanções para um mesmo fato, os Tribunais Superiores houveram por bem decidir reiteradamente que aonde se observa a conjunção aditiva “e”, sugerindo cumulação obrigatória das sanções, dever-se-ia se interpretar que essas sanções poderiam ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Tudo, a bem do princípio da proporcionalidade, mesmo contra o texto frio e literal da lei.

Vejamos:

“RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS ‘A’ E ‘C’ - ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PAGAMENTO INDEVIDO DE HORAS EXTRAS A OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO - ACÓRDÃO QUE AFASTOU A APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS POR TRÊS ANOS DETERMINADA PELA SENTENÇA - ALEGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE QUE NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE EXCLUIR A SANÇÃO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - POSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA DAS SANÇÕES DO ART. 12, INCISO III, DA LEI N. 8.429/92 - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.

A aplicação das sanções da Lei n. 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a impunidade.

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Para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no artigo 12 e incisos, da Lei de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente público etc”.

Ora, em reiteradas decisões o STJ afastou a aplicação cumulativa obrigatória das sanções estabelecidas na Lei de Improbidade, quando apenas em 2009 esse Diploma fora finalmente alterado para se prever expressamente a possibilidade de aplicação alternativa dessas mesmas sanções.

Um outro exemplo pode ser dado de fatiamento de sanções legais abstratas previstas em nosso sistema legal. No ano de 1998 o Congresso Nacional, tomado pelo clamor popular, houve por bem fixar as penas do delito de Falsificação de Medicamentos (Art. 273 do Código Penal) em reclusão de 10 a 15 anos. Perceba-se, temos para este tipo penal uma pena mínima, absurdamente desproporcional, de 10 anos (!).

Evidenciada a desproporcionalidade evidente da conduta abstrata prevista no tipo penal com as penas fixadas, a jurisprudência houve por bem fatiar a disposição legal do crime de Falsificação de Medicamentos para que em muitos casos fosse aplicado como parâmetro o delito de Tráfico Ilícito de Entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.

Confira-se:

“- A pena do delito previsto no art. 273 do CP – com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 – (reclusão, de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a ‘enormes danos’ (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do

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ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. ‘A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta’ (Fábio Bittencourt da Rosa. In Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, no território nacional, 06 comprimidos de Cytotec, medicamento desprovido de registro e de licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, e VI, do CP), foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão, adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.

- Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito que se reconhece, seja porque o delito de tráfico foi tomado apenas como substrato para aplicação da pena, seja porque o remédio importado não era ‘falsificado, corrompido, adulterado ou alterado’ (inciso VII-B do art. 1º c/c o parágrafo primeiro do art. 2º da Lei nº 8.072/90) (grifo nosso) (ACR 200172000036832, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 – OITAVA TURMA, 02/03/2005)”.

Destarte, quando o Senado Federal ao interpretar o § Único, do Art. 52, da Constituição Federal, cassa o mandato da Presidente Dilma Rousseff, mas mantém hígida sua habilitação para o exercício de função pública, nada mais está fazendo do que criar a norma jurídica aplicável à espécie, cotejando a letra fria da lei, o fato imputado e o Direito e suas fontes, notadamente com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

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O Jusfilósofo e Mestre Miguel Reale, ao discorrer sobre a Teoria Tridimensional do Direito, lecionava que o Direito se compõe da conjugação harmônica de três aspectos primordiais: o aspecto normativo, ou seja, o aspecto de ordenamento do Direito; o aspecto fático, ou seja, o seu nicho social e histórico; e, ainda, o aspecto axiológico, ou seja, os valores buscados pela sociedade, como a Justiça.

A Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale contrasta com o normativismo hierárquico de Kelsen, em particular porque nas palavras do Jusfilósofo brasileiro:

“A norma é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor. Desse modo, pela primeira vez, em meu livro Fundamentos do Direito eu comecei a elaborar a tridimensionalidade. Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor” (Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p. 91).

Em conclusão, a equivocada expressão “fatiamento” utilizada para o veredicto do impeachment da Presidente Dilma, deve ser compreendida como a norma jurídica extraída pelo Senado Federal, na condição de julgador, cotejando os fatos imputados à luz do Direito posto, notadamente ante os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que podem muito bem autorizar a neutralização de outra cominação prevista no tipo legal.

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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

LUCIANA CLÁUDIA MEDEIROS DE SOUZA: Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba; Especialista em Direito Processual Civil.

RESUMO: Este trabalho se propõe a tratar da teoria da relativização da 

coisa  julgada  inconstitucional,  tendo  como objetivo mostrar uma  visão 

jurídica evolutiva sobre a teoria e apresentar em quais hipóteses a coisa 

julgada inconstitucional pode ser rescindida no novo código de processo 

civil.  Vislumbra‐se  que  o  grande  questionamento  do  tema  proposto 

fundamenta‐se no fato de que não somente os atos do Legislativo e do 

Executivo devem ser editados conforma a Carta Magna, mas, também, os 

atos do Poder Judiciário, sobretudo as decisão já transitadas em julgado. 

Para a elucidação do debate jurídico e uma melhor compreensão do tema, 

realizar‐se‐á,  inicialmente, um estudo da coisa  julgada. Ulteriormente, o 

estudo  focaliza‐se  no  conceito  de  coisa  julgada  inconstitucional,  as 

posições doutrinárias sobre a sua relativização, o tratamento da teoria na 

vigência do antigo código de processo civil e a sua maior aceitação no atual 

CPC. 

Palavras‐chave: Coisa julgada inconstitucional. Relativização. Evolução da 

teoria. Novo CPC. 

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA COISA JULGADA. 2.1 Coisa Julgada como 

proteção  Constitucional.  2.2  O  Princípio  da  Segurança  Jurídica.  2.3 

Conceito.  2.4 Natureza  jurídica.  2.5  Classificação  da  Coisa  Julgada.  2.6 

Instrumento de revisão da coisa julgada. 2.7 Relativização da coisa julgada. 

3 OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA. 3.1 Coisa 

julgada  inconstitucional. 3.2 Posições contrárias à  relativização da coisa 

julgada  inconstitucional. 3.3 Posições  favoráveis à relativização da coisa 

julgada  inconstitucional.  3.4  A  relativização  da  coisa  julgada 

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inconstitucional  e  o  CPC  de  1973.  3.5  A  relativização  da  coisa  julgada 

inconstitucional e o novo CPC. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. 

 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, um dos temas mais discutidos perante a sociedade 

jurídica  foi  a  influência  das  decisões  do  Supremo  Tribunal  Federal  em 

controle  abstrato  e  difuso  de  constitucionalidade  sobre  sentenças  que 

tenham transitado em julgado. 

É neste contexto que o presente trabalho que se segue intitulado “A 

relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo código de processo 

civil” abordará o instituto da res iudicata, de modo que se veja a evolução 

do tema no ordenamento  jurídico brasileiro com a entrada em vigor do 

NCPC. 

O  objetivo  do  tema  proposto  é  apresentar  uma  visão  jurídica 

evolutiva sobre a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional, 

mostrando como esta teoria era tratada na vigência do CPC de 1973 e a 

sua maior aceitação no atual regime. 

Tentando  angariar  embasamento  necessário  para  a  elucidação  da 

controvérsia, será adotado o método de estudo histórico‐comparativo e 

exegético jurídico, realizando consultas a doutrinas, jurisprudências e sites 

jurídicos, sempre no sentido de tentar dirimir a crescente discussão sobre 

o tema proposto. 

Cabe esclarecer que a controvérsia doutrinária baseia‐se no fato de 

que  o  sistema  legal  brasileiro  proclama  o  princípio  da  Supremacia  da 

Constituição  como  norteador  do  Estado  Democrático  de  Direito, 

subordinando e vinculando todas as leis ou atos normativos à Constituição 

Federal de 1988. A partir disso, vislumbra‐se que não somente os atos do 

Legislativo devem ser editados conforme a Carta Magna, mas, também, os 

atos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, sobretudo as decisões  já 

transitados em julgado. 

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É  neste  ponto,  quanto  à  obrigatoriedade  de  conformidade  das 

decisões do Judiciário à Carta Magna, que surgem questionamentos em 

torno  da  relativização  da  coisa  julgada  inconstitucional,  ou melhor,  da 

possibilidade de relativização da coisa julgada material quando a decisão 

proclamada pelo juiz for contrária às normas constitucionais. 

Ademais,  para  uma  melhor  compreensão  do  tema,  o  presente 

trabalho foi estruturado em dois capítulos. No primeiro capítulo estudar‐

se‐á  a  coisa  julgada, partindo‐se do  seu  conceito,  fundamento,  regime 

jurídico, natureza, classificação, suas formas de revisão, a sua ligação com 

o  Princípio  da  Segurança  Jurídica  e,  por  fim,  verificar‐se‐á  a  tese  da 

relativização  da  coisa  julgada.  Percebe‐se  que  será  feito  um  estudo 

pormenorizado  da  res  iudicatalevando‐se  em  consideração  a  sua 

importância na preservação da certeza jurídica. 

No capítulo segundo, analisar‐se‐á o  foco do presente  trabalho, ou 

seja,  serão  trabalhados o  conceito de  coisa  julgada  inconstitucional, as 

posições  contrárias  e  a  favor  da  relativização  da  coisa  julgada  em 

desconformidade com a Constituição, o tratamento da teoria na vigência 

do antigo código de processo civil e a sua maior aceitação no atual CPC. 

Diante disso, cabe dizer que o presente trabalho não tem a intenção 

de esgotar o tema, mas, sim, ao contrário, pretende‐se contribuir para o 

estudo da  coisa  julgada  inconstitucional, adotando os posicionamentos 

doutrinários mais recentes, buscando instigar o estudo sobre ele. 

Em face do exposto, o estudo será estruturado com uma coordenada 

sistematização  e  pragmatismo  na  exposição  de  ideias  e  contribuirá  de 

forma concreta para a área de conhecimento em que se situa. 

 DA COISA JULGADA 

O  Estado  tem  como  fim  último,  na  prestação  jurisdicional,  a 

resolução  de  conflitos  de  interesses  que  seus membros  levem  ao  seu 

conhecimento. A parte  leva seu pedido ao Judiciário, o qual decide se é 

procedente ou não, colocando fim à situação litigiosa. Tal decisão deve ser 

respeitada por todos e visa dar garantia e segurança para as relações entre 

os membros da coletividade. 

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Todavia, como o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema do 

duplo grau de jurisdição, é possível que essa decisão seja reexaminada e 

modificada por um órgão superior. A parte inconformada pode requerer 

este exame por meio de recurso, que é um remédio voluntário, que visa à 

reforma,  à  invalidação,  ao  esclarecimento  ou  à  integração  de  decisão 

judicial. Até aqui, pode‐se falar que a decisão ainda poderá ser alterada, 

levando em consideração que ainda não foi dada uma decisão definitiva 

ao caso. 

Após  chegar  ao  término  do  processo  e  com  fim  de  alcançar  uma 

solução  imutável  sobre  a  lide,  conferindo  força e  segurança  à decisão, 

surge  o  instituto  da  coisa  julgada,  que  nada mais  é  do  que  a  solução 

definitiva dada ao litígio, tornando‐o material e formalmente imodificável. 

O  insigne doutrinador Wambier (2006, p. 501) destaca que “se algo 

pode dizer a respeito da coisa julgada é que se trata de instituto ligado ao 

fim do processo e à imutabilidade daquilo que tenha sido decidido”. 

Assim, a  coisa  julgada é um  instituto que visa dar  firmeza a  tutela 

jurisdicional,  tendo  como  objetivo,  após  serem  esgotados  ou  não 

utilizados os recursos previstos em lei, dar‐se como encerrado o debate, 

colocando  a  decisão  como  perpétua  para  garantir  estabilidade  e 

segurança ao ordenamento jurídico. 

2.1 Coisa Julgada como proteção Constitucional

A res iudicata é a autoridade que cria para o juiz um impedimento de 

proferir  nova  decisão  sobre  matéria  em  que  tenha  se  verificado  a 

resolução da lide. Está prevista no art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna, 

que dispõe que a  lei não prejudicará o direito adquirido, o ato  jurídico 

perfeito e a coisa julgada.

Em  essência, o que  aí  se  veda  é  a  retroatividade da  lei,  isto  é,  lei 

posterior  que  passe  a  reger  fatos  passados.  Entretanto,  a  proteção 

constitucional da coisa julgada não impede que a lei preordene regras para 

a sua rescisão mediante atividade jurisdicional. 

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Nesse  sentido,  Silva  (2003,  p.435)  ao  dispor  sobre  este  princípio 

preleciona que: 

A Constituição ao dizer que a lei não prejudicará 

a coisa julgada, quer‐se tutelar esta contra a atuação 

direta do legislador, contra ataque direto de lei. A lei 

não  pode  desfazer  (rescindir  ou  anular  ou  tornar 

ineficaz)  a  coisa  julgada.  Mas  pode  prever 

licitamente,  como  fez  o  art.  485  do  Código  de 

Processo Civil, sua rescindibilidade por meio da ação 

rescisória. 

A ação rescisória, como ação autônoma de impugnação da decisão de 

mérito  transitada  em  julgado,  não  ofende  a  Constituição,  pois  não  há 

retroatividade  quando  se  rescinde  sentença,  proferindo‐se  novo 

julgamento,  com  base  na  mesma  legislação  existente  ao  tempo  da 

sentença rescindida. 

Ademais, apesar do status constitucional que a coisa julgada possui, 

cabe ao legislador infraconstitucional traçar o seu perfil dogmático, onde 

se  pode  dá  como  exemplo  a  Lei  de  Introdução  às  Normas  do  Direito 

Brasileiro, art. 6°, §3°, na qual define que a coisa julgada ou caso julgado é 

a decisão judicial de que já não caiba recurso. 

2.2 O Princípio da Segurança Jurídica

O  Princípio  da  Segurança  Jurídica  não  é  expresso  na  Constituição 

Federal de 1988, este é decorrência  lógica do Estado de direito, pois só 

poderá  haver  Direito  onde  houver  Segurança  Jurídica,  que  é 

complementado pelo princípio da legalidade, pela garantia à coisa julgada, 

ao direito adquirido e ao ato  jurídico perfeito,  isto é, pelo princípio da 

irretroatividade da lei.

A segurança  jurídica é a essência do direito, haja vista que se uma 

norma cria Direito ou se uma sentença declara direitos, devem ambos ser 

protegidos e seguros de qualquer ataque, como forma de evitar surpresas 

nas  relações  entre  particulares  e  entre  eles  e  o  Poder  Público.  Este 

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princípio  faz parte do corpo de  toda  sociedade democrática,  tendo em 

consideração que é primordial para a estabilidade da convivência social.      

Aqui, destaque‐se Canotilho (1991, p. 105): 

O homem necessita de segurança para conduzir, 

planificar  e  conformar  autônoma  e 

responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se 

consideram os princípios da segurança  jurídica e da 

proteção da confiança com elementos constitutivos 

do Estado de direito. 

Sobre o princípio da segurança jurídica, ainda, elucida SILVA (2003, p. 

431): 

A  segurança  jurídica  consiste  no  ‘conjunto  de 

condições  que  tornam  possível  ás  pessoas  o 

conhecimento  antecipado  e  reflexivo  das 

conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à 

luz  da  liberdade  reconhecida’.  Uma  importante 

condição  da  segurança  jurídica  está  na  relativa 

certeza de que os indivíduos têm de que as relações 

realizadas sob o império de uma norma de perdurar 

ainda quando tal norma seja substituída. 

Diante disso, percebe‐se que a importância do princípio da Segurança 

Jurídica está na confiança que a  sociedade deposita no Direito, de que 

naquele  determinado momento  as  regras  são  aquelas  e  nada  poderá 

modificá‐las, tendo em vista todo um conjunto de ações que sob ela se 

fundaram.  Se  assim  não  fosse,  o  estado  de  insegurança  reduziria 

absurdamente  a  formação  de  uma  idéia  acerca  da  liberdade,  já  que 

poderia  haver  mudanças  repentinas  e  inesperadas  nas  normas  que 

regulavam um fato. 

2.3 Conceito

No  sistema do ordenamento  jurídico brasileiro o  juiz  ao proferir  a 

sentença  configurará  a  esta  apenas  uma  resolução  de  uma  situação 

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jurídica, na medida em que as partes podem ainda adentrar com recurso, 

seja  para  reformar  parcialmente  ou  totalmente  a  decisão.  Apenas  no 

momento  em  que  a  sentença  não  está mais  suscetível  de  recurso  ou 

quando  já  estiver decido  todos os  atos  impugnados no mesmo,  é que 

teremos o trânsito em julgado da sentença e consequentemente a coisa 

julgada, passando a ser conhecida pela ordem jurídica como a emanação 

da vontade da Lei.

Machado (2005, p. 50), referindo‐se a coisa julgada e especificamente 

ao trânsito em julgado, estabelece que: 

Diz‐se, então, que a  sentença  terá  força de  lei 

entre as partes,  ‘nos  limites da  lide e das questões 

decididas’  (Código  de  Processo  Civil,  artigo  468), 

sendo que, contra seu conteúdo  lógico‐jurídico não 

poderão  reagir nem os  tribunais, proibidos estarão 

de decidir novamente a mesma lide (CPC, artigo 471), 

nem  os  legisladores,  impedidos  estão  de  legislar, 

retroativamente,  em  prejuízo  da  res 

iudicata (Constituição, artigo 5º, inciso XXXVI). 

Cabe frisar que o Código de Processo Civil de 2015, no art. 337, §§ 1° 

e 4°, trouxe a positivação do instituto, definindo que a coisa julgada ocorre 

quando  se  repete  ação  que  já  foi  decidida  por  decisão  transitada  em 

julgado. 

Diante  disso,  percebe‐se  que  a  coisa  julgada  ocorre  quando  a 

sentença já não é mais suscetível de reformulação, tendo em vista que a 

lei não concede mais recurso, e cuja finalidade é concretizar estabilidade 

e  segurança  as  relações  jurídicas,  fazendo  com  que  não  haja  uma 

perpetuação dos litígios, tendo em vista a paz social e a manutenção da 

ordem jurídica. 

2.4 Natureza jurídica

Na doutrina brasileira, a coisa julgada possui duas acepções acerca da 

natureza  jurídica. A primeira posição considera que a coisa  julgada tem 

natureza processual, tendo em vista que se dá no plano do processo. Entre 

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os  processualistas  que  defendem  esta  tese,  cita‐se:  Daniel  Carneiro 

Machado, Celso Neves e Frederico Marques.

Diferentemente da primeira, a segunda posição defende a ideia que 

a coisa julgada é o direito material estabelecido pelos efeitos da sentença 

de  mérito.  Esta  teoria  é  a  substancialista,  onde  os  mestres  que  a 

proclamam são os elencados a seguir: Rosemiro Pereira Leal, Fabiano Holz 

Beserra, entre outros. 

Vale dizer que grande parte da doutrina e o Código de Processo Civil 

pátrio seguem a primeira posição, na medida em que a coisa julgada é uma 

qualidade  dos  efeitos  da  sentença,  seguindo  claramente  a  teoria  de 

Liebman (1981).   

2.5 Classificação da Coisa Julgada

O Código Processual Civil no decorrer da sua sistematização divide a 

coisa julgada em formal e material, levando‐se em consideração os seus 

efeitos para além do processo. A coisa julgada formal ocorre quando não 

se pode discutir no processo o que  já se decidiu, além do mais, deve‐se 

dizer que a sentença prolatada pelo juiz apenas irradia seus efeitos dentro 

da  relação  processual  em  que  foi  proferida,  decorrendo  isto  na 

imutabilidade pela impossibilidade de interposição de recursos.

Ademais,  a  coisa  julgada  formal  não  impede  que  o  objeto  do 

julgamento volte a ser discutido em outra demanda, haja vista que atua 

apenas dentro da relação processual (relação endoprocessual) em que a 

decisão terminativa foi proclamada. 

Já em relação à coisa julgada material, esta ocorrerá quando o juiz ao 

proferir uma sentença, acolhendo parcialmente ou totalmente o pedido, 

estiver solucionando a pendência em determinado processo. Sendo assim, 

a  partir  do  momento  que  a  sentença  não  mais  se  sujeita  a  recurso 

ordinário ou extraordinário para impugnar o fato resolvido, passa‐se a ter 

autoridade de coisa  julgada, não podendo as partes bater as portas do 

judiciário  para  resolver  novamente  o  litígio,  haja  vista  que  a  decisão 

emanada  já  se  tornou  imutável  e  com  força  de  Lei  para  ambos  os 

litigantes. 

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A coisa julgada material tem efeito endo/extraprocessual, a contento 

que a imutabilidade dada no processo tem reflexos, também, para fora do 

mesmo, impedindo com isso, a renovação da lide em outros processos. 

A  res  iudicata nesse caso só diz  respeito ao  julgamento da  lide, ou 

seja, quando o juiz emana uma decisão de mérito solucionando o conflito 

de  interesses  estabelecidos  entre  as  partes.  Assim  sendo,  apenas  as 

sentenças  definitivas  produzem  a  eficácia  material  da  coisa  julgada, 

deixando as sentenças terminativas com o efeito endoprocessual da coisa 

julgada formal. 

Cabe  elucidar  a  explicação dada por Marinoni  (2012, p.639)  sobre 

como se manifesta a coisa julgada: 

Como  fixação da  lei do  caso  concreto que é, a 

coisa  julgada  somente  se  manifesta  em  relação 

às  sentenças  definitivas,  ou  seja,  em  relação  às 

sentenças que efetivamente examinam o pedido do 

autor, acolhendo‐o ou rejeitando‐o (art. 269,  I e  IV, 

do  CPC).  Somente  essa  sentença  certifica  e 

estabelece a vontade concreta do direito em face do 

caso concreto. Não se produz, portanto, coisa julgada 

material  sobre  as  sentenças  meramente 

terminativas,  nem  sobre  as  sentenças 

homologatórias (art. 269, II, III e V). 

Diante  disso,  percebe‐se  que  a  coisa  julgada  material  é  a 

verdadeira  res  iudicata,  tendo  em  vista  que  esta  realmente  importa  e 

constitui verdadeiramente o âmbito de relevância da coisa julgada. 

2.6 Instrumento de revisão da coisa julgada

 O Código de Processo Civil permite que a coisa julgada material seja 

desconstituída e tenha uma nova reapreciação do seu mérito por meio da 

ação  rescisória,  que  nada  mais  é  do  que  uma  ação  de  competência 

originária dos Tribunais por meio da qual se pede a rescisão da sentença 

de mérito transitada em julgado.

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O  fundamento essencial da citada ação é a necessidade de reparar 

injustiças  contidas  em  decisões  transitadas  em  julgado  e  prover  a 

reestabilização  das  relações  jurídicas.  Para  ser  proposta  deve  estar 

presente uma das hipóteses de cabimento do art. 966 ou dos arts. 525, 

§15, e 535, § 8º, todos do NCPC, respeitando‐se o prazo decadencial de 02 

(dois) anos, cujo termo inicial, como regra, é a data do trânsito em julgado 

da última decisão proferida no processo (art.975, caput). 

Cabe frisar, ainda, as hipóteses previstas nos arts. 525, § 1º, I, e 535, 

I, que são meios de rescisão da sentença de mérito transitada em julgado 

em que se funda a execução, independentemente de ação rescisória. Essa 

impugnação deve  ser emanada por vícios  transrescisórios, que existem 

quando a decisão for proferida em desfavor do réu em processo que, na 

fase  de  conhecimento,  correu  à  sua  revelia  por  falta  ou  nulidade  da 

citação. Esta ação é diferente da rescisória por referir‐se a hipóteses de 

cabimento mais restritas e por ser imprescritível. 

De grande relevância para o presente trabalho, deve‐se citar a revisão 

da coisa julgada baseada em sentença inconstitucional, por previsão dos 

artigos  525,  §  12º,  e  535,  §  5º,  do  novo  CPC,  que  proclamam  a 

inexigibilidade  de  título  judicial  fundado  em  lei  ou  ato  normativo 

declarados  inconstitucionais  pelo  STF,  ou  fundado  em  aplicação  ou 

interpretação  da  lei  ou  ato  normativo  tidos  pelo  Supremo  como 

incompatíveis com a nossa Carta Magna. 

2.7 Relativização da coisa julgada

Em  busca  pela  primazia  da  justiça,  na  vigência  do  CPC/73,  alguns 

renomados juristas defendiam uma nova disciplina no tratamento da coisa 

julgada,  no  sentido  de  propor  limites  à  imutabilidade  dos  efeitos  do 

julgado. Os mesmos defendiam a  rediscussão do que  foi afirmado pela 

sentença  transitada  em  julgado,  argumentando  que  a  indiscutibilidade 

da res iudicata não podia prevalecer sobre a realidade, e por isso devia ser 

possível rever a conclusão formada.

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A  tese  era  a  da  relativização  da  coisa  julgada,  fora  das  hipóteses 

previstas pelo CPC/73, que seria uma forma de rediscussão de uma ação 

que outrora foi solucionada. 

No entanto, apesar de ser um tema bastante estudado pelos juristas, 

não existia um ponto pacífico, ocorrendo várias divergências acerca do 

tema, até mesmo nas decisões dos Tribunais, tendo em vista que a tese 

da  relativização  possui  dois  pontos  antagônicos:  os  princípios  da 

Segurança Jurídica e da Justiça Social. 

 OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA 

O  ordenamento  jurídico  brasileiro  atribui  aos  cidadãos  direitos  e 

deveres, sendo estes organizados através de normas de direito impostas 

pelo Estado. Observa‐se que poderá ocorrer violação de uma norma legal, 

ocasionando  conflitos  de  interesses  privados  entre  os  cidadãos,  sendo 

chamada esta desavença de lide ou litígio. 

Nesse sentido, estabeleceu‐se a Jurisdição, como o poder que toca ao 

Estado  de  solucionar  ou  dirimir  conflitos  de  interesses  com  vista  à 

pacificação  da  sociedade,  escopo  que  é  alcançado  pela  atuação  da 

vontade do direito material que o juiz realiza por meio do processo. 

O  Juiz  analisará  a  relação  processual  e  formulará  o  seu 

posicionamento, através da sentença, resolvendo assim a discórdia entre 

as  partes.  Vale  ressaltar  que  o  juiz  ao  prolatar  a  decisão  deverá 

fundamentá‐la, interligando o fato ao direito normatizado.  

Ademais, a  fim de não  tornar o  litígio  sem  fim,  instituiu‐se a  coisa 

julgada, cujo objetivo é tornar imutável a decisão que dirimiu o conflito, 

depois de esgotados ou não utilizados os recursos previstos em lei. Vê‐se, 

pois, que a coisa  julgada veio para garantir estabilidade e segurança ao 

ordenamento  jurídico brasileiro, na medida  em que  afastará  surpresas 

entre as partes litigantes. 

É interessante observar que a lei em que o juiz baseou a decisão deve 

está  em  consonância  com  a  Constituição  Federal,  respeitando  os 

princípios e as garantias fundamentais que nela estão consubstanciados. 

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Cabe  lembrar que  a  lei  contrária  às normas  constitucionais deverá  ser 

expurgada  do  ordenamento  jurídico  através  do  controle  de 

constitucionalidade. 

Nesse teor, faz‐se necessário esclarecer que a lei terá presunção de 

constitucionalidade até que venha a ser declarada  inconstitucional pelo 

Supremo  Tribunal  Federal.  Com  base  nisso,  o  juiz  poderá  julgar  a  lide 

baseada em lei considerada supostamente constitucional. 

Verifica‐se que esta decisão, passado o trânsito em julgado, formará 

coisa julgada e, consequentemente, não poderá mais ser mudada. Surge 

a  partir  disso  uma  problemática  jurídica,  uma  vez  que  poderá  a  coisa 

julgada ser emanada de uma sentença cuja fundamentação foi baseada 

em lei que foi posteriormente declarada inconstitucional. 

Analisando  tal  fato, percebe‐se que  se  estará diante,  conforme os 

doutrinadores chamam, da coisa julgada inconstitucional, que nada mais 

é  do  que  a  decisão  intangível  motivada  em  lei  ou  ato  normativo 

inconstitucional.  A  controvérsia  é  enorme,  tendo  em  vista  que  é 

necessário saber se a coisa julgada será atingida ou não pela declaração 

de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. 

Theodoro Júnior (2001, p. 3) ao tratar desta problemática, propõe a 

seguinte reflexão: 

O  problema  para  cuja  reflexão  se  deseja  fazer 

convite  é  o  de  já  não mais  ser  a  decisão  judicial 

inconstitucional  passível  de  impugnação  recursal. 

Nesta hipótese, existiria um mecanismo de controle 

de  constitucionalidade  da  coisa  julgada  ou  esta  é 

isenta  de  fiscalização?  Ou  reformulando  o 

questionamento:  verificando‐se  que  uma  decisão 

judicial  sob  o  manto  da  res  iudicataavilta  a 

constituição,  seja porque dirimiu o  litígio aplicando 

lei  posteriormente  declarada  inconstitucional,  seja 

porque  deixou  de  aplicar  determinada  norma 

constitucional  por  entendê‐la  inconstitucional  ou, 

ainda, porque deliberou contrariamente a  regra ou 

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princípio diretamente contemplado na Carta Magna, 

poderá ser ela objeto de controle? Cuida‐se na lição 

de PAULO OTERO, ‘de um problema central do actual 

momento do Estado de Direito’. 

A  teoria  da  relativização  da  coisa  julgada  inconstitucional  surgiu 

defendendo profundas mudanças na res iudicata, para que esta não fosse 

considerada  um  direito  absoluto,  podendo  a  decisão  ser  revista,  em 

virtude  de  ser  contrária  ao  vértice  do  sistema  jurídico  do  país,  a 

Constituição Federal. 

No entanto, nunca existiu um ponto pacífico quanto à relativização 

deste instituto, mas sim divergências doutrinárias e jurisprudenciais que 

têm como foco o antagonismo dos princípios da Segurança Jurídica e da 

Supremacia da Constituição. Tendo em  relevo esta problemática e  sua 

peculiaridade, antes de analisar as mudanças ocorridas sobre o tema com 

a  entrada  em  vigor  do  novo  CPC,  faz‐se  necessário  conceituar  a  coisa 

julgada  inconstitucional e expor as posições contrárias e a  favor da sua 

relativização. 

3.1 Coisa julgada inconstitucional

Entende‐se por coisa julgada inconstitucional como sendo a decisão 

judicial transitada em  julgado que  for contrária à aplicação de preceito, 

princípio ou norma constitucional, assim declarada pelo órgão supremo 

do Judiciário.

Esta denominação intitulada pela doutrina trouxe a preocupação de 

garantir  a  Supremacia  da  Constituição  frente  a  casos  julgados 

desconforme  com  as  normas  constitucionais.  O  enfoque  desta  visão 

doutrinária  está  na  necessidade  de  proteger  a  Constituição, 

condicionando a validade de uma lei, ato normativo, ou decisão judicial, à 

adequação constitucional, tendo em vista que esta Carta Soberana é uma 

emanação de cunho jurídico que expressa a vontade soberana da nação. 

Vale  lembrar  que  o  Estado  Democrático  de  Direito  trouxe  a 

preocupação  de  garantir  a  Supremacia  da  Constituição,  como  o  único 

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meio de assegurar aos  cidadãos a  certeza da  tutela da  segurança e da 

justiça  como  valores máximos  da  organização  da  sociedade.  Assim,  a 

hierarquia normativa da Constituição,  com a afirmação do princípio de 

constitucionalidade,  veio  assegurar  que  o  ato  do  poder  público  e  o 

ordenamento jurídico estejam conforme a lei fundamental do Estado. 

Observa‐se que o controle de constitucionalidade é o meio  idôneo 

para expurgar a norma  inconstitucional do mundo  jurídico, porém  terá 

que  ser  feito  através  de  ação  direta,  na  qual  poderá  seu  julgamento 

demorar anos. Nesse lapso temporal, poderá o juiz no caso concreto julgar 

a lide conforme a lei viciada, o que acarretará um dissídio, na medida em 

que  posteriormente  essa  decisão  realizará  o  trânsito  em  julgado  e 

consequentemente  a  coisa  julgada,  ocasionando  a  imutabilidade  da 

decisão que o juiz prolatou, fazendo lei para ambas as partes da relação 

processual. 

O problema se torna maior ainda quando a sentença não é impugnada 

através  da  Ação  Rescisória,  caso  em  que  a  decisão  se  torna 

soberanamente  julgada,  não  podendo mais  ser  reformulada  de  forma 

alguma. 

No  entanto,  os  defensores  da  coisa  julgada  inconstitucional 

pretendem  evitar  a  perpetuidade  de  ilegalidades  e  incongruências  em 

nome do mito da  intangibilidade absoluta da coisa  julgada, devendo as 

decisões contrárias aos preceitos constitucionais serem anuladas, uma vez 

que não estão de acordo com o vértice do sistema jurídico do país. Assim, 

a execução da sentença se tornaria inviável juridicamente, não podendo 

ser  cumprida pelos  seus destinatários,  sob pena de  ruptura da própria 

ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito. 

Segundo  Theodoro  Júnior  (2001),  a  excessiva  proteção  da  coisa 

julgada  acarreta  uma  hipervalorização  do  papel  do  juiz  que  o  torna 

supremo em  relação aos demais poderes do  Estado. Afirma o  referido 

autor  que  a  preocupação  teria  que  ser  com  a  constitucionalidade  e 

legalidade das decisões, não podendo mais, no momento atual,  serem 

deixadas à margem de um controle efetivo, em virtude de que os atos do 

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Poder  Judiciário,  em  especial  suas  decisões,  são  também  passíveis  de 

serem desconformes à Constituição. 

Para Otero (apud THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 5): 

Admitir,  resignados,  a  insidicabilidade  de 

decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos 

tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o 

sentido normativo da Constituição: Constituição não 

seria  o  texto  formalmente  qualificado  como  tal; 

Constituição  seria  o  direito  aplicado  nos  tribunais, 

segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível 

do juiz. 

Nesse  sentido,  aceitar  como  válida  a  noção  de  Constituição  ali 

esposada significa, ainda segundo Otero (apud THEODORO JÚNIOR, 2001, 

p. 5) que: “todos os poderes públicos constituídos são  iguais, porém, o 

poder judicial é mais igual do que os outros”. 

Diante disso, percebe‐se que a coisa  julgada  inconstitucional é uma 

ideia  que  surgiu  com  o  fim  de  garantir  o  respeito  à  Constituição, 

controlando os atos de todos os poderes, inclusive do Judiciário, uma vez 

que as normas que norteiam a Carta Magna devem ser obedecidas, na 

medida em que é uma garantia do cidadão que as criou. 

3.2 Posições contrárias à relativização da coisa julgada

inconstitucional

Como já enfatizado, a tese da relativização da coisa julgada, afora os 

casos expressamente previstos em lei, sempre foi um tema polêmico, não 

encontrando  posição  uníssona,  nem  na  doutrina,  nem  na 

jurisprudência.    Na  vigência  do  CPC/73,  indagava‐se  se  era  possível  e 

conveniente, diante de certas circunstâncias, dispensar a ação rescisória 

para  abrir  oportunidade  para  a  revisão  de  sentenças  transitadas  em 

julgado,  principalmente  quando  esta  decisão  violar  dispositivo 

constitucional.

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Para os  críticos do movimento da  relativização da  coisa  julgada,  a 

ponderação que tem que se fazer é basicamente em face do risco que essa 

vulnerabilidade pode acarretar à segurança  jurídica e à estabilidade das 

relações jurídicas, que formam o escopo sociológico do instituto da coisa 

julgada. Defendem que a tese da relativização da coisa julgada prega, na 

verdade, a própria abolição da coisa julgada. 

Criticavam,  ainda,  informando  que  já  existiam  no  ordenamento 

jurídico  brasileiro  vários  meios  de  revisão  da  decisão  injusta  ou 

inconstitucional transitada em julgado, não necessitando, assim, de uma 

mitigação ainda maior da coisa julgada. 

Parte da doutrina  considera que o  controle  concentrado não  surte 

efeitos em relação à coisa julgada, ou seja, a res iudicata fica protegida da 

declaração  de  inconstitucionalidade  da  lei,  tendo  em  vista  que  a 

imutabilidade da sentença é um direito do cidadão de ver‐se protegido de 

incertezas jurídicas. 

Para Marinoni (2012, p. 677): 

A tentativa de eliminar a coisa julgada diante de 

uma nova interpretação constitucional não só retira 

o  mínimo  que  o  cidadão  pode  esperar  do  Poder 

Judiciário – que é a estabilização da sua vida após o 

encerramento  do  processo  que  definiu  o  litígio 

–  como  também  parece  ser  uma  tese  fundada  na 

ideia  de  impor  um  controle  sobre  as  situações 

pretéritas. 

Acredita‐se, ainda, que a tese da relativização não fornece qualquer 

resposta  para  o  problema  da  correção  da  decisão  que  substituiria  a 

decisão  qualificada  pela  coisa  julgada.  Argumentam  os  incrédulos  da 

teoria da relativização que admitir que o Estado‐Juiz errou no julgamento 

que  se  cristalizou  implica  em  aceitar  que  o  Estado‐Juiz  pode  errar 

novamente, que a  ideia de  relativizar a coisa  julgada não  traz qualquer 

benefício ou situação de justiça neste caso. 

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Percebe‐se, assim, que o tema sempre foi extremamente divergente, 

pois respeitadas vozes do Direito Processual Civil brasileiro não aceitam a 

possibilidade  da  desconstituição  da  coisa  julgada  inconstitucional, 

optando estes pela intangibilidade das sentenças transitadas em julgado 

e  pela  segurança  jurídica.  Dentre  eles  destacam‐se:  Barbosa Moreira, 

Gisele Góes, Nelson Nery  Jr., Ovídio Baptista, Fredie Didier  Jr., Greco e 

Marinoni, como já exposto. 

Para  evidenciar  a  posição  destes  doutrinadores,  deve‐se  colocar  o 

entendimento de Didier Jr. (2007. p.506) considerando que: 

A  relativização  com  base  na 

inconstitucionalidade  é  problemática,  pois  a 

qualquer momento  que  a  lei  em  que  se  fundou  a 

decisão  fosse  reputada  inconstitucional  a  decisão 

poderia  ser  descontituída.  Com  isso, malferir‐se‐ia 

frontalmente a garantia da segurança jurídica. 

Desta  feita,  observa‐se  que  os  doutrinadores  contrários  à 

relativização sustentam a  inadmissibilidade da  revisão da coisa  julgada, 

por  ser  esta  uma  garantia  fundamental  que  deve  prevalecer  sobre  a 

unidade constitucional assegurada pelo controle de constitucionalidade. 

3.3 Posições favoráveis à relativização da coisa

julgada inconstitucional

Um dos precursores da  tese da  relativização da  coisa  julgada  foi o 

então Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado, que 

revestiu seu posicionamento da seguinte forma (apudTHEODORO JÚNIOR, 

2001, p.17):

Não posso conceber o reconhecimento de força 

absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a 

moralidade, contra a legalidade, contra os princípios 

maiores da Constituição Federal e contra a realidade 

imposta  pela  natureza.  Não  posso  aceitar,  em  sã 

consciência, que, em nome da segurança  jurídica, a 

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sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de 

injustiça,  desmorone  ilegalmente  patrimônios, 

obrigue  o  Estado  a  pagar  indenizações  indevidas, 

finalmente desconheça que o branco é branco e que 

a  vida não pode  ser  considerada morte, nem  vice‐

versa. 

Cândido Rangel Dinamarco  (apud ROCHA,  2012)  afirma que não  é 

legítimo  eternizar  injustiças  a  pretexto  de  evitar  a  eternização  da 

incerteza,  enfatizando  que  o  rigor  com  que  vem  sendo  encarado  o 

instituto da coisa julgada chega ao ponto de transformar a realidade. 

O que se defende é que a coisa julgada deve existir sem afrontar os 

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não podendo prevalecer 

sentenças  absurdas  por  terem  transitado  em  julgado.  Assim,  os 

doutrinadores e estudiosos do direito passaram a expor a tese de que não 

seria cabível admitir que uma decisão judicial manifestamente contrária a 

todos os  fins de  justiça esperados do Poder  Judiciário pudesse produzir 

validamente efeitos e não ser desconstituída, ainda que já transcorrido o 

prazo  legal para a sua  rescisão, mormente quando violasse princípios e 

regras diretamente encartadas na Constituição Federal. 

A possibilidade da relativização da coisa julgada está fundamentada 

nos  princípios  da  moralidade,  legalidade,  razoabilidade  e 

proporcionalidade, inerentes estes na Lei Maior, e cuja lição foi difundida 

por grande parte da doutrina processualista brasileira. 

A doutrina, ainda, parte da lógica da instrumentalidade do processo, 

advertindo que o processo é um meio para concretização de um direito 

material e não um fim em si mesmo. E mesmo sendo a coisa julgada uma 

garantia coberta pelo manto da cláusula pétrea não é um valor absoluto e 

deve ter uma convivência harmoniosa com outras garantias e princípios 

igualmente previstos na ordem constitucional, sobretudo quando se tratar 

de direitos  fundamentais e do valor constitucional supremo atribuído à 

dignidade da pessoa humana. 

Dinamarco (apud ROCHA, 2012) é contra a rigidez do procedimento, 

pois, conforme o autor, o processo não é um fim em si mesmo, devendo, 

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pois, existir a flexibilização de vários institutos processuais, não só da coisa 

julgada, mas  também  do  procedimento  como  um  todo,  para  que  não 

sejam feitas  injustiças em nome de um  injustificável culto à forma. Para 

referido  autor,  ainda,  a  segurança  jurídica,  argumento  utilizado  pelos 

opositores  da  teoria  relativizadora,  só  poderia  ser  decisiva  para  a  não 

relativização  da  coisa  julgada  se  fosse  um  valor  superior  à  vida  e  à 

felicidade das pessoas. 

Alguns tribunais já aderiram à tese da relativização da coisa julgada, 

tendo o STJ assim decidido: 

PROCESSUAL  CIVIL.  RECURSO  ESPECIAL. 

DÚVIDAS  SOBRE A  TITULARIDADE DE BEM  IMÓVEL 

INDENIZADO  EM  AÇÃO  DE  DESAPROPRIAÇÃO 

INDIRETA  COM  SENTENÇA  TRANSITADA  EM 

JULGADO.  PRINCÍPIO  DA  JUSTA  INDENIZAÇÃO. 

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. 1. Hipótese em 

que  foi determinada a  suspensão do  levantamento 

da última parcela do precatório  (art. 33 do ADCT), 

para a realização de uma nova perícia na execução de 

sentença  proferida  em  ação  de  desapropriação 

indireta  já  transitada  em  julgado,  com  vistas  à 

apuração  de  divergências  quanto  à  localização  da 

área indiretamente expropriada, à possível existência 

de nove superposições de áreas de terceiros naquela, 

algumas  delas  objeto  de  outras  ações  de 

desapropriação,  e  à  existência  de  terras  devolutas 

dentro da área em questão. 2. Segundo a teoria da 

relativização da  coisa  julgada, haverá  situações em 

que a própria sentença, por conter vícios insanáveis, 

será  considerada  inexistente  juridicamente.  Se  a 

sentença  sequer  existe  no  mundo  jurídico,  não 

poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, 

nunca  transitará  em  julgado.  3.  "A  coisa  julgada, 

enquanto  fenômeno decorrente de princípio  ligado 

ao  Estado  Democrático  de  Direito,  convive  com 

outros  princípios  fundamentais  igualmente 

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pertinentes. Ademais, como todos os atos oriundos 

do  Estado,  também  a  coisa  julgada  se  formará  se 

presentes  pressupostos  legalmente  estabelecidos. 

Ausentes estes, de duas, uma: (a) ou a decisão não 

ficará acobertada pela coisa  julgada, ou (b) embora 

suscetível de ser atingida pela coisa julgada, a decisão 

poderá, ainda assim, ser revista pelo próprio Estado, 

desde  que  presentes motivos  preestabelecidos  na 

norma  jurídica,  adequadamente  interpretada.  " 

(WAMBIER,  Tereza  Arruda  Alvim  e  MEDINA,  José 

Miguel Garcia. 'O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses 

de  Relativização',  São  Paulo:  Editora  Revista  dos 

Tribunais, 2003, pág. 25) (...) 5. Verifica‐se, portanto, 

que  a  desconstituição  da  coisa  julgada  pode  ser 

perseguida até mesmo por intermédio de alegações 

incidentes ao próprio processo executivo,  tal como 

ocorreu  na  hipótese  dos  autos.  6.  Não  se  está 

afirmando aqui que não tenha havido coisa  julgada 

em  relação  à  titularidade  do  imóvel  e  ao  valor  da 

indenização  fixada  no  processo  de  conhecimento, 

mas que determinadas decisões judiciais, por conter 

vícios  insanáveis,  nunca  transitam  em  julgado. 

Caberá  à  perícia  técnica,  cuja  realização  foi 

determinada pelas instâncias ordinárias, demonstrar 

se  tais  vícios  estão  ou  não  presentes  no  caso  dos 

autos.  7.  Recurso  especial  desprovido.  REsp 

622.405/SP,  Rel.  Min.  Denise  Arruda,  DJU  de 

14.08.2007. 

Em  outro  julgado,  o  Superior  Tribunal  de  Justiça  admitiu  a 

relativização da coisa julgada nos seguintes termos: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DAS QUESTÕES RELATIVAS À TITULARIDADE DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.

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VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL INDENIZADO EM AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. QUERELA NULLITATIS. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. ADEQUAÇÃO.

[...]4. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito, em que a Fazenda do Estado de São Paulo, invocando o instituto da querela nullitatis, requer seja declarada a nulidade de decisão proferida em ação de indenização por desapropriação indireta, já transitada em julgado, escorando a sua pretensão no argumento de que a área indenizada já lhe pertencia, de modo que a sentença não poderia criar direitos reais inexistentes para os autores daquela ação.

5. Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença, por conter vícios insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca transitará em julgado. A nulidade da sentença, em tais hipóteses, deve ser buscada por intermédio da actio nullitatis.[...] 8. Não resta dúvida, portanto, que o ajuizamento da presente ação declaratória de nulidade de ato jurídico é um dos meios adequados à eventual desconstituição da coisa julgada. REsp 710.599, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 21.06.2007.

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O  Supremo  Tribunal  Federal,  com  fundamento  na  prevalência  do 

direito à personalidade, adotou a tese da relativização da coisa julgada:

EMENTA  RECURSO  EXTRAORDINÁRIO.  DIREITO 

PROCESSUAL  CIVIL  E  CONSTITUCIONAL. 

REPERCUSSÃO  GERAL  RECONHECIDA.  AÇÃO  DE 

INVESTIGAÇÃO  DE  PATERNIDADE  DECLARADA 

EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA  JULGADA, 

EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA 

EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME 

DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA 

GRATUITA  E  POR  NÃO  TER  O  ESTADO 

PROVIDENCIADO  A  SUA  REALIZAÇÃO. 

REPROPOSITURA  DA  AÇÃO.  POSSIBILIDADE,  EM 

RESPEITO  À  PREVALÊNCIA  DO  DIREITO 

FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA 

DO  SER,  COMO  EMANAÇÃO  DE  SEU  DIREITO  DE 

PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a 

matéria atinente à possibilidade da repropositura de 

ação  de  investigação  de  paternidade,  quando 

anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, 

foi  julgada  improcedente,  por  falta  de  provas,  em 

razão da parte  interessada não dispor de condições 

econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado 

não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser 

relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de 

investigação de paternidade em que não foi possível 

determinar‐se  a  efetiva  existência  de  vínculo 

genético  a  unir  as  partes,  em  decorrência  da  não 

realização  do  exame  de  DNA, meio  de  prova  que 

pode  fornecer  segurança  quase  absoluta  quanto  à 

existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos 

óbices de natureza processual ao exercício do direito 

fundamental à busca da  identidade genética, como 

natural emanação do direito de personalidade de um 

ser, de forma a tornar‐se igualmente efetivo o direito 

à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, 

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bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. 

Hipótese em que não há disputa de paternidade de 

cunho biológico, em confronto com outra, de cunho 

afetivo. Busca‐se o reconhecimento de paternidade 

com  relação  a  pessoa  identificada.  5.  Recursos 

extraordinários  conhecidos  e  providos.  RE 

363889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJU de 16.12.2011. 

Percebe‐se, assim, que a  tese da  relativização da coisa  julgada aos 

poucos vinha ganhando espaço nos nossos tribunais na vigência do CPC de 

1973. 

É nessa  linha de raciocínio que nasceu na doutrina e  jurisprudência 

pátrias a teoria da coisa  julgada  inconstitucional. Trata‐se de  fenômeno 

teórico‐jurídico que também objetiva a flexibilização ou desconsideração 

de  provimentos  jurisdicionais  imutáveis,  porém,  não  com  fulcro  nas 

hipóteses expressamente previstas no CPC, mas,  sim, com  fundamento 

constitucional,  cujo  substrato  decorreria  da  própria  interpretação 

conferida  pelo  Supremo  Tribunal  Federal  ao  texto magno  quando  do 

julgamento da  constitucionalidade ou  inconstitucionalidade das  leis ou 

atos normativos federais ou estaduais. 

Segundo  os  estudiosos,  conforme  acima  explanado,  a  teoria  da 

relativização da coisa julgada inconstitucional defende a possibilidade da 

desconsideração do dispositivo sentencial transitado em julgado fundado 

em lei ou ato normativo declarado incompatível com a Constituição pelo 

Supremo Tribunal Federal. Dita acepção teórica tem por pressupostos: a 

natureza relativa e infraconstitucional da coisa julgada, o aquilatamento 

constitucional  de  princípios  de  mesma  grandeza,  a  consagração  da 

supremacia constitucional e a não soberania dos atos judiciais. 

O Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que a lei 

declarada inconstitucional em ação direta é nula de pleno direito, tendo a 

decisão eficácia ex tunc, invalidando‐se, consequentemente, todos os atos 

praticados com base na  lei  inconstitucional. Cabe frisar, entretanto, que 

para  o  órgão  supremo  essa  nulidade  refere‐se  apenas  a  lei,  não 

alcançando o caso concreto, ou seja, a coisa julgada. 

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Porém, seguindo o raciocínio da nulidade da lei, os justificadores da 

coisa julgada inconstitucional atestam que a decisão que for baseada em 

uma lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal 

Federal deverá ser anulada, uma vez que está agredindo a Constituição. 

Assim,  a  coisa  julgada  que  tenha  revestido  sentença  baseada  em  lei 

declarada inconstitucional, não terá validade jurídica diante dos efeitos da 

declaração  de  inconstitucionalidade  exarada  pelo  Supremo  Tribunal 

Federal,  uma  vez  que  a  Supremacia  Constitucional  deverá  prevalecer 

sobre a Segurança Jurídica. 

Para Machado  (2005)  a  res  iudicata  será  atingida  pelos  efeitos  da 

declaração  de  inconstitucionalidade  em  virtude  que  a  Constituição  da 

República de 1988 não fez qualquer ressalva em relação ao controle de 

constitucionalidade. Além do mais, o mesmo expõe que a lei já ressalvou 

a possibilidade de proteger a segurança  jurídica e o relevante  interesse 

social,  em  face  da  Lei  n.  9.868/99  que  restringe  os  efeitos  da 

inconstitucionalidade,  permitindo  que  sejam  preservados  de  forma 

expressa na decisão os atos pretéritos que se basearam naquela lei ou ato 

normativo declarado inconstitucional. 

Machado (2005, p.97) conclui seu raciocínio lecionando que: 

Portanto,  sustentável  é,  juridicamente,  a 

relativização  da  coisa  julgada  material,  pelos 

seguintes  motivos:  não  é  crível,  num  Estado 

Democrático  de  Direito,  eternizar  decisão  judicial 

inconstitucional  em prol  da  imutabilidade  absoluta 

da coisa  julgada quando um valor ou direito maior, 

garantido pela Constituição foi, está sendo, ou será, 

frontalmente  violado  pelo  referido  ato  judicial;  os 

atos dos poderes Executivo e Legislativo podem ser 

revistos  e  declarados  inconstitucionais  a  qualquer 

tempo;  logo,  as  decisões  judiciais,  inclusive  as  já 

transitadas em julgado, também o devem ser; assim 

como uma lei inconstitucional é nula, uma sentença 

que  ofende  a  Constituição  da  República  e  seus 

princípios  não  pode  ser  considerada  ato  jurídico 

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válido, mas nulo, o que  impede que a coisa  julgada 

que  sobre  ela  se  forme  imunize  seus  imaginários 

efeitos, já que, em sendo nula, não poderia produzi‐

los;  finalmente,  admitir  que  a  coisa  julgada 

convalesça  no  tempo,  tornando‐se  soberanamente 

transitada em julgado, seria o mesmo que dar a ela, 

importância  maior  que  a  própria  Constituição  da 

República. 

Assim  sendo, verifica‐se que para os defensores da  teoria da coisa 

julgada inconstitucional a validade de um ato estatal está condicionada à 

sua  compatibilidade  com a Constituição. Não existindo esta  relação de 

conformidade, o ato jurisdicional padece de um vício tão grave que nem a 

coisa soberanamente julgada terá o poder de convalidá‐lo. 

No contexto enfatizado, percebe‐se que o grande antagonismo entre 

os doutrinadores, está no conflito de princípios, uma vez que de um lado 

permanece a Segurança Jurídica em favor da coisa julgada, e do outro lado 

o da Supremacia da Constituição. 

3.4 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o CPC de 1973 

Em que pesem os posicionamentos a favor da relativização da coisa 

julgada  inconstitucional, cabe ressaltar que o CPC/73 só permitia que a 

coisa  julgada  inconstitucional  fosse  desconstituída  por  meio  da  ação 

rescisória, na hipótese do art. 485, V, ou nos casos dos artigos 475‐L, § 1º, 

e 741, parágrafo único, quando o título executivo era tido por inexigível, 

eis  que  fundamentado  em  lei  ou  ato  normativo  que  já  haviam  sido 

declarados  inconstitucionais  pelo  STF,  ou  fundado  em  aplicação  ou 

interpretação de lei ou ato normativos já tidas pela Corte Suprema como 

incompatíveis com a Carta Magna.  

3.4.1  Os  efeitos  da  declaração  de  inconstitucionalidade  e  a  ação 

rescisória 

Ao  ser  declarada  a  inconstitucionalidade  de  uma  norma,  esta 

produzirá  efeitos  somente  para  as  partes  (inter  partes),  ou  para  toda 

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sociedade (erga omnes), dependendo do tipo de controle executado, ou 

seja, difuso ou concentrado, respectivamente. 

Diante  da  coisa  julgada  inconstitucional, merece  razão  interpretar 

esses efeitos de acordo com o ordenamento jurídico, para poder analisar 

os possíveis reflexos sobre a res iudicata. 

No  controle  difuso  o  julgador  não  anula  ou  invalida  lei  ou  ato 

normativo,  mas  apenas  lhe  recusa  aplicação  a  uma  espécie  litigiosa 

concreta. Vale  lembrar que neste tipo de controle qualquer  interessado 

poderá  suscitar  a  questão  da  inconstitucionalidade,  em  qualquer 

processo, seja de que natureza for, qualquer que venha ser o juízo. 

Os  efeitos  da  decisão  no  referido método  de  controle,  portanto, 

são inter partes, ou seja, o ato normativo questionado permanece válido 

no que se  refere à sua  força obrigatória perante  terceiros. Ademais, os 

efeitos também são retroativos, desfazendo desde a origem todos os atos 

pretéritos  que  tenham  sido  praticados  com  base  no  ato  normativo 

questionado, mas desde que os atos sejam referentes às mesmas partes 

processuais. 

Assim sendo, os efeitos da  inconstitucionalidade no controle difuso 

são  inter  partes  e  ex  tunc.  É  importante  ressaltar  que mesmo  que  a 

matéria chegue ao Supremo Tribunal Federal, mediante recursos cabíveis, 

a decisão  continuará  surtindo efeitos apenas perante as partes, por  se 

tratar de controle difuso. 

Cabe  esclarecer,  contudo,  que  o  Supremo  Tribunal  Federal  já 

entendeu  que, mesmo  no  controle  difuso,  poderá  ser  dado  efeito  ex 

nunc  ou  pro  futuro. Assim,  em  situações  excepcionais,  tendo  em  vista 

razões de segurança jurídica ou relevante interesse social, poderá o STF, 

por  dois  terços  de  seus  membros,  outorgar  efeitos  meramente 

prospectivos (ex nunc) à sua decisão, ou mesmo fixar um outro momento 

para o início de sua eficácia (art. 27 da Lei n. 9.868/99). 

Verifica‐se,  também,  que  se  o  órgão  supremo  declarar,  de  forma 

incidental, a inconstitucionalidade de lei, por decisão definitiva, poderá o 

Senado  Federal  expedir  resolução  suspensiva  dos  efeitos  da  norma, 

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conforme  autoriza  o  art.  52,  X,  da  Constituição  Federal. Neste  caso,  a 

resolução do  Senado estenderá os efeitos da decisão para  todos  (erga 

omnes). 

Diante dessas considerações, observa‐se que a decisão emanada em 

sede de  controle difuso não  tem o  condão de  causar  impacto direta e 

automaticamente  nas  decisões  que  transitaram  em  julgado 

anteriormente  ao  pronunciamento  do  guardião  da  Carta Magna.  Isso 

porque  o  controle  difuso  de  constitucionalidade  não  invalida  ou 

reconhece a nulidade da  lei ou ato normativo questionado, ele apenas 

reconhece  a  inconstitucionalidade  no  caso  concreto,  tendo  a  eficácia 

apenas inter partes. 

Nesse sentido,  já se pronunciou Theodoro Júnior  (apud MACHADO, 

2005, p. 108): 

Não há em nosso sistema  jurídico, nem mesmo 

na  Constituição,  regra  alguma  que  torne 

absolutamente nula e desprovida de efeitos jurídicos 

a decisão que eventualmente aplique norma que o 

Supremo Federal considere,  incidentalmente, como 

contrária a Carta Magna. O julgamento incidental da 

Suprema Corte não retira a vigência da lei averbada 

de inconstitucional, que, portanto, continua vigente 

e eficaz, não obstante a censura que o tribunal maior 

lhe  tenha  feito.  O  alcance  da 

inconstitucionalidade  incidental  tantum  não 

ultrapassa  a  lide  e  as  partes  perante  as  quais  a 

declaração se deu. 

Por sua vez, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo 

Tribunal Federal nas ações do controle concentrado produzirão eficácia 

contra  todos  e  efeito  vinculante  relativamente  aos  demais  órgãos  do 

Poder  Judiciário e à administração Pública direta e  indireta, nas esferas 

federal, estadual e municipal. 

Pode‐se afirmar então que a decisão do referido órgão, no controle 

abstrato,  é  dotada  de  eficácia  contra  todos  (erga  omnes),  efeitos 

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retroativos  (ex  tunc), e efeito vinculante. Verifica‐se que a decisão  tem 

eficácia  erga  omnes  porque  alcança  todos  os  indivíduos  que  estariam 

sujeitos à aplicação da  lei ou ato normativo  impugnado;  tem efeito ex 

tunc porque  fulmina a  lei desde sua origem; e vinculante, uma vez que 

todos os órgãos do Judiciário e todos os órgãos da Administração Pública 

direta e indireta, nas três esferas de governo, ficam vinculados à decisão 

proferida pelo Supremo Tribunal Federal. 

Cabe  dizer  que  esses  efeitos  decorrem  da  adoção  pelo  Supremo 

Tribunal  Federal  da  tradicional  tese  jurídica  segundo  a  qual  o  ato  que 

desrespeita a Constituição é nulo, atingindo até o nascedouro da lei.  Esse 

posicionamento decorreu da necessidade de se preservar a unidade da 

ordem jurídica constitucional, consagrando o princípio da Supremacia da 

Constituição. 

A este respeito o Ministro Celso de Melo (apud MACHADO, 2005, p. 

111)  no  julgamento  da  Ação  Direta  de  Inconstitucionalidade  (Adin) 

652/MA, estabelece que: 

Esse  postulado  fundamental  de  nosso 

ordenamento  normativo  impõe  que  preceitos 

revestidos  de menor  grau  de  positividade  jurídica 

guardem,  necessariamente,  relação  de 

conformidade  vertical  com  as  regras  inscritas  na 

Carta  Política,  sob  pena  de  ineficácia  e  de 

consequentemente  inaplicabilidade.  Atos 

inconstitucionais  são,  por  isso  mesmo,  nulos  e 

destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de 

eficácia jurídica. 

Acontece,  porém,  que  a  Lei  n.  9.868/1999  trouxe  importante 

inovação no controle concentrado, uma vez que  introduziu a técnica da 

manipulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, podendo o 

Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, 

restringir  os  efeitos  daquela  declaração  ou  decidir  que  ela  só  tenha 

eficácia a partir de  seu  trânsito em  julgado ou de outro momento que 

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venha a ser fixado, mas desde que seja em razão de segurança jurídica e 

interesse social. 

Em que pesem os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no 

controle concentrado, observa‐se que eles apenas  se operam no plano 

abstrato‐normativo,  sem  atingir  diretamente  os  atos  concretos  já 

praticados com base na  lei ou ato normativo. A decisão, assim, apenas 

torna  possível  que os  atos  já  praticados  sejam  desfeitos  por meio  das 

ações cabíveis, se ainda houver tempo hábil. 

Segundo  Paulo  (2007)  a  declaração  de  inconstitucionalidade  não 

atingirá  automaticamente  a  coisa  julgada. O  Supremo  Tribunal  Federal 

apenas  cria  condições  para  que  a  parte  prejudicada  intente  na  via 

adequada para obter o desfazimento da res iudicata, que se dá através da 

ação rescisória. Lembre‐se que exaurido o prazo legal sem ajuizamento da 

citada ação, ocorrerá a coisa soberanamente julgada, não podendo mais 

a decisão ser alterada. 

Assim,  segundo  esse  entendimento,  ainda  que  o  ato  sentencial 

encontrasse fundamento em legislação que, em momento posterior, fosse 

declarada  inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, 

quer no âmbito incidental de constitucionalidade, só poderia a sentença 

de  mérito  transitada  em  julgado  ser  desconstituída  mediante  o 

ajuizamento de ação rescisória, com fundamento no art. 485, inciso V, do 

Código de Processo Civil de 73, proposta na fluência do prazo decadencial 

de dois anos, pois, com o exaurimento do referido lapso temporal, estar‐

se‐ia  diante  da  coisa  soberanamente  julgada,  insuscetível  de  ulterior 

modificação. 

Contudo,  os  defensores  da  relativização  da  coisa  julgada 

inconstitucional  proclamavam  que  a  res  iudicata  deveria  ser  anulada 

independentemente de ter passado o prazo exíguo de dois anos. 

Instado a se manifestar sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, 

em sede de repercussão geral, no RE 730462/SP, julgado em 28/05/2015, 

em  sentido  contrário  à  tese  da  relativização  da  coisa  julgada 

inconstitucional,  decidiu  que  a  decisão  do  STF  que  declara  a 

inconstitucionalidade  de  preceito  normativo  não  produz  a  automática 

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reforma  ou  rescisão  das  decisões  proferidas  em  outros  processos 

anteriores  que  tenham  adotado  entendimento  diferente  do  que 

posteriormente decidiu a Suprema Corte. Para que houvesse essa reforma 

ou rescisão, seria necessário a interposição do recurso próprio ou, se for 

o caso, a propositura da ação  rescisória, nos  termos do art. 485, V, do 

CPC/73, observado o prazo decadencial de dois anos, contados da data do 

trânsito em jugado da decisão rescindenda. 

Assim, verifica‐se que na égide do CPC de 1973, após a declaração de 

inconstitucionalidade pelo STF, a única alternativa cabível era, desde que 

não se tratasse de coisa soberanamente  julgada, ajuizar ação rescisória. 

Se  já  houvesse  transcorrido  o  prazo  de  dois  anos,  a  coisa  julgada 

inconstitucional  tornava‐se  imutável,  prevalecendo  os  princípios  da 

segurança jurídica e da intangibilidade da coisa julgada. 

3.4.2 Os efeitos da declaração de  inconstitucionalidade e os artigos 

475‐L, § 1º, e 741, parágrafo único, do CPC de 1973 

O Código de Processo Civil de 1973 ainda permitia que a coisa julgada 

inconstitucional fosse desconstituída nas hipóteses dos artigos 475‐L, § 1º, 

e 741, parágrafo único, ou  seja, quando o  título executivo era  tido por 

inexigível, eis que fundamentado em lei ou ato normativo que já haviam 

sido declarados  inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou 

interpretação de lei ou ato normativo já tidas pela Corte Suprema como 

incompatíveis com a Carta Magna. 

Tais  dispositivos  traziam  a  previsão  de  matérias  que  podiam  ser 

alegadas  em  sede  de  defesa  típica  do  executado  (na  impugnação  ao 

cumprimento de sentença ou nos embargos à execução contra a Fazenda 

Pública) e que afastavam a imutabilidade da coisa julgada material. 

Assim, ainda que a sentença já tivesse transitado em julgado, ou seja, 

durante a  sua execução definitiva, o executado conseguiria  se  livrar da 

execução, afastando a imutabilidade da sentença, característica típica da 

coisa julgada. 

Pendia  no  Supremo  Tribunal  Federal  uma  ação  direta  de 

inconstitucionalidade (ADI 2418/DF) sobre o referido art. 741, parágrafo 

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único, do CPC/73, sob o argumento de que ele violaria o instituto da coisa 

julgada, protegido pelo art. 5º, XXXVI, da CF. 

Em  4/5/2016,  o  Supremo  Tribunal  Federal  julgou  a  referida  ADI, 

decidindo pela constitucionalidade do parágrafo único do art.  741 do CPC 

de 73. Segundo o STF, tal dispositivo busca harmonizar a garantia da coisa 

julgada com o primado da Constituição e agregam ao sistema processual 

brasileiro  um  mecanismo  com  eficácia  rescisória  de  certas  sentenças 

inconstitucionais, com hipóteses semelhantes às da ação rescisória (art. 

485, V, do CPC 1973). 

Para  o  STF,  a  inexigibilidade  do  título  executivo  a que  se  refere  o 

referido  dispositivo  se  caracterizaria  exclusivamente  nas  hipóteses  em 

que:  a)  a  sentença  exequenda  estivesse  fundada  em  norma 

reconhecidamente  inconstitucional,  fosse  por  aplicar  norma 

inconstitucional, fosse por aplicar norma em situação ou com um sentido 

inconstitucionais;  b)  a  sentença  exequenda  tivesse  deixado  de 

aplicar  norma  reconhecidamente  constitucional;  e  c)  desde  que,  em 

qualquer  dos  casos,  o  reconhecimento  dessa  constitucionalidade  ou  a 

inconstitucionalidade  tivesse decorrido de  julgamento do  STF  realizado 

em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. 

É de se deixar claro, portanto, que, na vigência do CPC de 1973, se a 

decisão  do  Supremo  Tribunal  Federal  que  declarava  a  norma 

inconstitucional  tivesse  sido  proferida  após  o  trânsito  em  julgado,  a 

matéria  não  poderia  ser  alegada  em  defesa  executiva, mas  em  ação 

rescisória, com prazo de dois anos, contados da data da sentença a ser 

rescindida. 

Esse  era  o  panorama  da  relativização  da  coisa  julgada 

inconstitucional  a  égide  do  Código  de  Processo  Civil  de  1973,  sendo 

necessário analisar, neste momento, se o atual CPC alterou esse regime. 

3.5 A relativização da coisa julgada inconstitucional e o novo CPC 

O novo CPC não acolheu a  tese dos defensores da  relativização da 

coisa  julgada  inconstitucional,  havendo  nítida  resistência  a  essa 

possibilidade. Contudo, houve uma mudança  significativa do panorama 

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anterior,  com  uma  maior  possibilidade  de  revisão  da  sentença 

inconstitucional. 

Isso  porque,  conquanto  a  decisão  emanada  do  STF  em  sede  de 

controle de constitucionalidade continue a não  ter o condão de causar 

impacto  direta  e  automaticamente  nas  decisões  que  transitaram  em 

julgado anteriormente ao pronunciamento do guardião da Carta Magna, 

sendo  necessário,  portanto,  o  ajuizamento  de  ação  rescisória,  o NCPC 

(arts. 525, § 15º, e 535, § 8º) inovou ao prever que o prazo decadencial de 

dois anos para a referida ação conta‐se do trânsito em julgado da decisão 

proferida pelo STF. 

Os arts. 525, § 15º, e 535, § 8º, permitem, assim, que a ação rescisória 

fundada em inconstitucionalidade da norma que fundamentou a decisão 

rescindenda  tenha como  termo  inicial do prazo de dois anos a data do 

trânsito  em  julgado  da  decisão  proferida  pelo  STF  declarando  tal 

inconstitucionalidade, e não mais a data do  trânsito da decisão que  se 

busca rescindir. 

O  termo  inicial  passa  a  depender  da  data  da  decisão  da  Corte 

Constitucional, possibilitando o novo código a ação rescisória e, portanto, 

a  relativização  da  coisa  julgada  inconstitucional,  mesmo  depois  de 

transcorridos vários anos da última decisão proferida no processo. 

No  que  diz  respeito  às  hipóteses  dos  dispositivos  do  CPC/73  que 

traziam  a  previsão  de matérias  que  podiam  ser  alegadas  em  sede  de 

defesa típica do executado (na impugnação ao cumprimento de sentença 

ou nos embargos à execução contra a Fazenda Pública) e que afastavam a 

imutabilidade da coisa julgada material, não houve mudança significativa 

com o NCPC. 

Da mesma forma que no antigo regime, o título executivo, nos termos 

dos arts. 525, § 12º, e 535, § 5º, do NCPC, considera‐se inexigível quando 

fundamentado em lei ou ato normativo já tidos por inconstitucionais pelo 

STF, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativos 

já havidas pela Corte Suprema como incompatíveis com a Carta Magna. 

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O  que  se  verifica  é  que  o  novo  CPC,  em  consonância  com  o 

entendimento atual do STF, deixa claro que a decisão da Corte Suprema 

declarando a inconstitucionalidade da norma deve ter sido proferida antes 

do  trânsito em  julgado da decisão exequenda. Vale dizer, o executado 

poderá alegar a pronúncia do STF apenas quando a sentença exequenda 

houver aplicado  lei que  já havia sido declarada  inconstitucional ou tiver 

adotado  interpretação que  já havia  sido declarada  incompatível  com a 

Constituição.  

A novidade é que, diferentemente do CPC/73, o atual código prevê 

expressamente que  a decisão do  Supremo pode  ter  sido proferida  em 

controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. 

Diante de todo o exposto, percebe‐se que o atual regime (CPC/2015) 

não adotou a teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional nos 

exatos termos propostos pela doutrina a seu favor, já que os únicos meios 

possíveis  de  desconstituir  a  coisa  julgada  continuam  sendo  a  ação 

rescisória e as defesas do executado, conforme previsão dos arts. 525, § 

12º, e 535, § 5º, do NCPC. Contudo, ainda que minimamente, houve o 

acolhimento da citada tese, na medida em que o NCPC permite, sendo a 

decisão do STF  sobre a  inconstitucionalidade  superveniente ao  trânsito 

em julgado da sentença exequenda, o cabimento de ação rescisória, com 

prazo contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo. 

 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A  abordagem  fática  do  presente  trabalho  teve  como  objetivo 

demonstrar a grande divergência existente no campo  jurídico quanto à 

tese  da  relativização  da  coisa  julgada  inconstitucional  e  a  pequena 

aceitação da referida teoria no novo Código de Processo Civil 

Não  se  tem  dúvida  que  a  coisa  julgada  é  um  dos  institutos 

processuais mais polêmicos e fascinantes, pelo fato de estar relacionada 

à  estabilidade dos  efeitos da prestação  jurisdicional. A partir disso,  foi 

iniciado  o  trabalho  abordando  a  res  iudicata,delimitando  os  seus 

objetivos, classificação, natureza jurídica, tendo em vista que era preciso 

conhecer  o  tratamento  conferido  pelo  ordenamento  jurídico  à  coisa 

julgada, eis que pertinente com o objeto do trabalho. 

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Em  seguida,  foram  demonstradas  as  posições  doutrinárias 

contrárias e  favoráveis à  relativização da coisa  julgada  inconstitucional, 

bem como a forma como o tema era tratado na vigência do antigo CPC. 

Ao final, restou demonstrado que embora o Novo CPC não tenha 

adotado  a  teoria  da  relativização  da  coisa  julgada  inconstitucional  nos 

exatos  termos  propostos  pela  doutrina  a  seu  favor,  houve,  ainda  que 

minimamente, o acolhimento da citada tese, na medida em que o NCPC 

passou a permitir, sendo a decisão do STF sobre a  inconstitucionalidade 

superveniente  ao  trânsito  em  julgado  da  sentença  exequenda,  o 

cabimento  de  ação  rescisória,  com  prazo  de  dois  anos  contados  do 

trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo. 

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PROCESSOS INFORMAIS DE MODIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: PRINCIPAIS ASPECTOS

JOSÉ CLÁUDIO DIÓGENES PORTO: advogado e Fiscal do Município de Fortaleza com atuação no PROCON. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Aprovado nos concursos públicos para Defensor Público do Estado do Ceará (2015) e Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (2016).

RESUMO: A Constituição Federal de 1988 estabelece um processo formal para a modificação de suas prescrições. Para além dessa possibilidade de modificação formal, são reconhecidos os processos informais de modificação da Constituição. Os processos informais correspondem às mutações do Texto Magno, podendo ser constitucionais ou inconstitucionais. São reconhecidas as modalidades de mutação por interpretação constitucional, por construção constitucional e pelas práticas constitucionais.

PALAVRAS-CHAVE: processos informais, mutações, modalidades de mutação.

1. INTRODUÇÃO

A experiência humana se sujeita a modificações as mais variadas. Mudam-se os conceitos, as fórmulas, o modo de agir e de pensar da sociedade, as teorias econômicas, etc. O mundo, portanto, o que não é de difícil percepção, está em constante mudança.

As constituições, sendo produto humano, também não são eternas. São elas organismos vivos que, sob pena de perderem o bonde da História, aderem às novas exigências políticas, econômicas, sociais, culturais e jurídicas do Estado e da sociedade.

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Nesse sentido, inerente à experiência constitucional, reconhece-se uma tensão existente entre a necessidade de durar e o anseio de mudanças. Trata-se da convivência de dois elementos aparentemente contraditórios: o estático e o dinâmico. O primeiro atende aos reclamos da segurança jurídica; o segundo, às exigências dos novos tempos.

De modo a promover, pois, um equilíbrio entre os dois citados elementos, as constituições rígidas permitem a modificação das disposições constitucionais através de um procedimento rigoroso e complexo. É o que se denomina de mudanças formais da Constituição, isto é, aquelas que alteram o texto escrito.

Nada obstante, decorrem também desse elemento dinâmico mudanças informais, as quais, sem alterar o texto da Constituição, promovem modificações em seu sentido e alcance. Essas mudanças são produto do poder constituinte difuso, e delas trataremos no presente trabalho, consignando, pois, os seus principais aspectos.

2. TERMINOLOGIAS

Inexiste consenso na doutrina a respeito da terminologia para designar as modificações informais da Constituição. São vários os termos e expressões a que se referem os autores, a saber: mutação constitucional, vicissitude constitucional tácita, mudança constitucional silenciosa, transições constitucionais, processos de fato, mudança material, processos indiretos, processos não formais, processos informais, processos oblíquos[1].

No escólio do magistério de Anna Cândida da Cunha Ferraz[2], utilizaremos indiscriminadamente as expressões processos informais, processos indiretos ou processos não formais de modificação da Constituição. Entendemos, ainda com supedâneo na doutrina de Anna Cândida da Cunha Ferraz, que os processos informais de modificação incluem as mutações constitucionais e as mutações inconstitucionais. Em outras palavras, os citados processos não formais correspondem às mutações do texto constitucional, as quais, por sua vez, podem ser constitucionais ou inconstitucionais.

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3. CONCEITO

Diante das ideias expostas acima, temos que os processos informais de modificação da Constituição, quer constituam mutações constitucionais ou inconstitucionais, são os mecanismos pelos quais a Lei Magna, sem suportar qualquer modificação formal em seu texto, adquire novos sentidos e significados, adaptando-se às novas realidades e anseios sociais.

As constituições, portanto, como organismos vivos que são, incorporam as tendências sociais, políticas e econômicas que, embora não alterem a letra do texto constitucional, propiciam modificações na substância, significado, alcance e sentido dos dispositivos.

A esse respeito, valendo-se da expressão mutação constitucional em sentido genérico, são ilustrativas as palavras de Uadi Lammêgo Bulos:

Assim, denomina-se mutação constitucional o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum,quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais[3].

4. CARACTERÍSTICAS

Assim como em relação aos demais aspectos já abordados, o tema das características inerentes aos processos informais de modificação da Constituição não encontra consenso na doutrina. Para melhor otimização do assunto, no entanto, deter-nos-emos, aqui, às lições de Uadi Lammêgo Bulos e Anna Cândida da Cunha Ferraz, os quais examinaram o assunto tomando por base as mutações ditas constitucionais (em oposição às mutações inconstitucionais).

Segundo Bulos[4], são características das mutações constitucionais por que passa o Texto Magno: o fato de serem

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constitucionais, isto é, não gerarem deformações maliciosas nem subversões traumatizantes; a natureza fática dos processos informais, sendo que as mudanças ocorrem natural e espontaneamente; e, por fim, o desenvolvimento das mutações em momentos cronologicamente distintos, perante situações diferentes.

Por seu turno, Anna Cândida da Cunha Ferraz também enumera três características essenciais às mutações constitucionais. Nas palavras da própria Autora:

Em resumo, a mutação constitucional, para que mereça o qualificativo, deve satisfazer, portanto, os requisitos apontados. Em primeiro lugar, importa sempre em alteração do sentido, do significado ou do alcance da norma constitucional. Em segundo lugar, essa mutação não ofende a letra nem o espírito da Constituição: é, pois, constitucional. Finalmente, a alteração da Constituição se processa por modo ou meio diferentes das formas organizadas de poder constituinte instituído ou derivado.[5]

À exceção da exigência de que as mutações não contrariem a letra da Constituição, julgamos que os aspectos levantados pelos referidos autores também se aplicam, de igual modo, às mutações inconstitucionais.

5. MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS E MUTAÇÕES INCONSTITUCIONAIS

Dissemos que os processos informais de modificação da Constituição constituem mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. Expliquemos, pois, em que consiste cada uma dessas espécies do fenômeno da mutação.

Em linhas gerais, tomando por pressuposto que as mutações são processos informais que modificam a compreensão do significado material da Constituição (não havendo, assim, qualquer alteração no texto formal), podemos fazer a seguinte distinção: denomina-se mutação constitucional a modificação que não viola a literalidade ou o espírito do Texto Magno; ao revés, as

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mutações inconstitucionais são aquelas em que a nova significação conferida à Carta Magna não se amolda perfeitamente à literalidade ou ao espírito das prescrições constitucionais.

Por oportuno, outra vez são pertinentes as considerações de Anna Cândida da Cunha Ferraz:

A expressão mutação constitucional é reservada somente para todo e qualquer processo que altere ou modifique o sentido, o significado e o alcance da Constituição sem contrariá-la; as modalidades de processos que introduzem alteração constitucional, contrariando a Constituição, ultrapassando os limites constitucionais fixados pelas normas; enfim, as alterações inconstitucionais são designadas mutações inconstitucionais. [6]

Sem maiores considerações, reafirmemos: conforme se ajustem ou não ao texto constitucional escrito, as mutações podem ser chamadas de constitucionais ou inconstitucionais.

As mutações constitucionais, por seu turno, podem se dar tanto de forma restritiva quanto de maneira ampliativa, consoante restrinjam ou ampliem o sentido e o alcance dos dispositivos constitucionais. Num e noutro caso, desde que se amoldem ao conteúdo da Constituição, citadas mutações permanecem sendo constitucionais.

No mesmo sentido, as mutações inconstitucionais também podem ser ampliativas ou restritivas, e isso, por razões já expostas no parágrafo anterior, torna-se clarividente. Aqui, no entanto, cabem maiores comentários. Segundo Anna Cândida da Cunha Ferraz[7], as mutações inconstitucionais se subdividem em processos manifestamente inconstitucionais (perante os quais a modificação afeta a letra ou o espírito da Constituição) e processos anômalos, consistentes na inércia dos poderes constituídos, desuso dos preceitos constitucionais ou mudança tácita da Constituição.

Segundo a autora, ressaltemos que as mutações manifestamente inconstitucionais podem ser verificadas, por

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exemplo, quando de interpretações legislativas, administrativas ou judiciais contrárias às disposições constitucionais, bem como por ocorrência dos chamados costumes contra constitutionem; de outra banda, configura-se inércia dos poderes constituídos a ausência, de forma provisória e intencional, de plena aplicabilidade dos dispositivos; o desuso constitucional, por sua vez, ocorre quando da inobservância uniforme, consciente, reiterada e pública de preceitos; e, finalmente, a mudança tácita da Constituição é verificada quando de reformas formais (emendas constitucionais, por exemplo) imprecisas ou contrárias às disposições constitucionais que lhes sejam anteriores.

Dadas as dimensões desse estudo, que não nos permitiria maiores discussões, trataremos, de maneira genérica, as mutações inconstitucionais como sendo aquelas em que há afronta ao texto ou ao espírito da Constituição.

Em conclusão, convém, ainda, que façamos algumas observações elucidativas, a saber: 1) o texto insculpido no artigo 5º, XI, da CF/88, que estatui ser a casa asilo inviolável do indivíduo, configura-se exemplo de mutação constitucional[8], tendo em vista que a garantia nele consubstanciada passou a ter significação ampla, abrangendo qualquer espaço não aberto ao público e no qual exista uma expectativa de privacidade; 2) não obstante controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da matéria, o remédio constitucional do mandado de segurança coletivo, inserto no artigo 5º, LXX, da CF/88, seria igualmente exemplo de mutação constitucional (obviamente, para os que entendem que o mesmo tenha sofrido modificação informal), porquanto poderia ser manejado para a defesa de direitos difusos[9]; 3) por fim, o artigo 52, X, da CF/88, no entender de parte da doutrina, teria sofrido revogação em face de processo indireto de modificação da Constituição, não se exigindo mais a intervenção do Senado; o Supremo Tribunal Federal rechaçou a tese acima esposada, porém, caso a tivesse sufragado, ter-se-ia, ao nosso sentir, uma mutação inconstitucional.

6. MODALIDADES

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Além das mutações constitucionais e inconstitucionais, sobre as quais não seria errado dizermos de uma classificação baseada no resultado do processo, são reconhecidas, desta feita sob o enfoque do meio e/ou do próprio processo de formação, outras modalidades de modificação informal da Constituição.

Também a respeito dessas modalidades (as quais, conforme critérios oportunamente analisados, podem ser constitucionais ou inconstitucionais), a doutrina não guarda uniformidade. Utilizaremos, aqui, tendo em vista os limites do presente artigo, a classificação de Uadi Lammêgo Bulos, que elenca as mutações operadas em virtude da interpretação constitucional, as decorrentes das práticas constitucionais e as originadas por construção constitucional[10].

6.1. Mutação por interpretação constitucional

Os que se destinam à interpretação da Lei das Leis promovem, no exercício do poder constituinte difuso, modificações quanto à amplitude, sentido e conteúdo das disposições do Texto Magno. Da interpretação constitucional, destarte, quer se lhe atribua ou não uma especificidade em relação às demais formas de interpretação, pode resultar mudanças informais na Constituição (isto é, mutações).

Nessa toada, sem embargo de outros tantos aspectos a que não nos deteremos, importa diferençarmos aqui a interpretação orgânica (realizada pelos órgãos estatais - poderes Legislativo, Judiciário e Executivo) da interpretação inorgânica (produto da reflexão dos juristas e estudiosos do direito). A primeira (interpretação orgânica) tem grande relevo para o nosso estudo, porquanto se reveste de atuação concreta e, tratando-se do Poder Judiciário, dos atributos da obrigatoriedade e definitividade.

6.2. Mutação por construção constitucional

Na esteira da doutrina de Uadi Lammêgo Bulos[11], há uma diferença entre interpretação stricto sensu e interpretação lato sensu. Interpretação stricto sensu é aquela em que o sujeito busca todos os elementos interpretativos no próprio Texto Constitucional, não

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extrapolando os limites prescritos pelo legislador constituinte. Por sua vez, interpretação lato sensu consiste na atuação interpretativa para além dos limites do texto da Constituição, realizando um diálogo com outras fontes e saberes. O fenômeno da construção constitucional corresponde, precisamente, à interpretação lato sensu; a exemplo, poderíamos citar as audiências públicas de que tem se utilizado o Poder Judiciário para fins de aprimoramento do debate e melhor embasamento de suas decisões.

6.3. Mutação pelas práticas constitucionais

Práticas constitucionais, no dizer de Uadi Lammêgo Bulos[12], correspondem aos usos e costumes que se formam à luz da Constituição, englobando, também, as praxes, os precedentes e as convenções constitucionais. As praxes são práticas às quais lhes falta a certeza da obrigatoriedade; os precedentes, decisões não judiciais de ordem política; as convenções, acordos ou consensos entre os protagonistas da vida político-constitucional; os costumes, condutas de observância geral, constante e uniforme, compostas de um elemento objetivo (o usus) e um elemento subjetivo (convicção generalizada de sua exigibilidade).

Ainda a respeito dos costumes, por especial relevância para o nosso estudo, ressaltemos que os mesmos se comportam segundo três formas diferentes, a saber: secundum constitutionem,praeter constitutionem e contra constitutionem. O costume secundum constitutionem é aquele disciplinado na Constituição, ao qual se reconhece o dever de observância; o costume praeter constitutionem é aquele que complementa a Constituição, exercendo um papel supletivo; por fim, o costume contra constitutionem é aquele contrário à Lei Magna, manifestando-se de maneira oposta às prescrições constitucionais.

Todas essas práticas, especialmente os costumes, podem resultar em mudanças informais na Constituição, sendo oportuno reafirmarmos que o costume contra constitutionem gera mutações inconstitucionais.

7. CONCLUSÃO

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Tendo em vista que o objeto do presente trabalho é a análise dos principais aspectos relacionados ao tema dos processos informais de modificação da Constituição, importa, em conclusão, procedermos a um apanhado do estudo realizado. A saber:

As modificações informais, conquanto a doutrina não guarde unívoco entendimento acerca da terminologia empregada, podem ser indiscriminadamente denominadas processos informais, processos indiretos ou processos não formais de modificação da Constituição. Citados processos correspondem às mutações do texto constitucional, as quais, por sua vez, podem ser constitucionais ou inconstitucionais.

Assim, os processos informais de modificação da Constituição, quer constituam mutações constitucionais ou inconstitucionais, são os mecanismos pelos quais a Lei Magna, sem suportar qualquer modificação formal em seu texto, adquire novos sentidos e significados, adaptando-se às novas realidades e anseios sociais.

De outro turno, tem-se a distinção entre mutação constitucional e inconstitucional. Denomina-se mutação constitucional a modificação que não viola a literalidade ou o espírito do Texto Magno; ao revés, as mutações inconstitucionais são aquelas em que a nova significação conferida à Carta Magna não se amolda perfeitamente à literalidade ou ao espírito das prescrições constitucionais.

Tomando por base as mutações constitucionais, tem-se a dizer que, segundo Bulos[13], são características das mesmas: o fato de serem constitucionais, isto é, não gerarem deformações maliciosas nem subversões traumatizantes; a natureza fática dos processos informais, sendo que as mudanças ocorrem natural e espontaneamente; e, por fim, o desenvolvimento das mutações em momentos cronologicamente distintos, perante situações diferentes.

Por sua vez, Anna Cândida da Cunha Ferraz também enumera três características essenciais às mutações constitucionais: alteração do sentido, do significado ou do alcance da norma constitucional; não ofensa à letra nem ao espírito da Constituição; a alteração da Constituição se

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processa por modo ou meio diferentes das formas organizadas de poder constituinte instituído ou derivado.

Por fim, diga-se da classificação de Uadi Lammêgo Bulos, que elenca as seguintes modalidades de mutações: as operadas em virtude da interpretação constitucional, as decorrentes das práticas constitucionais e as originadas por construção constitucional.

São essas, pois, as considerações que, diante do objeto proposto e dos limites do presente trabalho, era pertinente traçarmos.

8. REFERÊNCIAS

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986.

NOTAS:

[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional.São Paulo: Saraiva, 1997, p. 58.

[2] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 12.

[3] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 57.

[4] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 61.

[5] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op Cit., p. 11.

[6] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op Cit., p. 10.

[7] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op Cit., p. 213.

[8] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 119.

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[9] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 120.

[10] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 71.

[11] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 146.

[12] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 172.

[13] BULOS, Uadi Lammêgo. Op Cit., p. 61.

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OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DOS AGENTES PÚBLICOS

FLÁVIA CARAM BORLIDO: Mestre em Administração, Pós-graduada em Gestão de Pessoas e graduada em Administração. Atua como Analista de Administração Pública (cargo atualmente ocupado).

RESUMO: O principal objetivo deste estudo foi analisar a importância dos 

princípios da Administração Pública, visando demonstrar o  impacto que 

causam no exercício das funções dos agentes públicos. A Constituição de 

1988 estabeleceu  a  constitucionalização das normas básicas do Direito 

Administrativo, ao conduzir que a Administração Pública direta e indireta 

de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos 

Municípios  se  submeterá  aos  princípios  de  legalidade,  impessoalidade, 

moralidade, publicidade e eficiência, os quais são estabelecidos no artigo 

37, caput da Constituição Federal. É através da eficácia dos princípios da 

Administração Pública que se leva em conta o estado ideal de coisas que 

eles visam promover, permitindo a formulação de regras para impedir o 

comportamento  potencialmente  violador  de  seus  agentes.  Cabe  à 

comunidade  jurídica  zelar  pela  aplicação  efetiva  dos  princípios  da 

Administração Pública, punindo‐se  as práticas ofensivas  ao  Estado e,  à 

sociedade cabe protestar contra os casos de flagrante violação por meio 

de denúncias dos violadores. 

Palavras‐chave:  Direito  Administrativo.  Princípios  da  Administração 

Pública. Agentes Públicos. Funções. 

Introdução 

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O presente trabalho tem com tema principal a abordagem sobre os 

princípios da administração pública no exercício das funções dos agentes 

públicos. 

Medauar  (2010) define o Direito Administrativo como o conjunto 

de  normas  e  princípios  que  dirigem  o  desempenho  da  Administração 

Pública,  versando  fundamentalmente  da  organização,  meios  de  ação, 

formas e relações jurídicas da Administração Pública. 

A  Constituição  de  1988  estabeleceu  a  constitucionalização  das 

normas  básicas  do  Direito  Administrativo,  ao  conduzir  que  a 

Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, 

dos  Estados,  do  Distrito  Federal  e  dos  Municípios  se  submeterá  aos 

princípios  de  legalidade,  impessoalidade,  moralidade,  publicidade  e 

eficiência, os quais são estabelecidos no artigo 37, caput da Constituição 

Federal. 

Diante do exposto, a questão norteadora deste estudo  se baseia 

em:  os  princípios  da  administração  pública  geram  impactos  diretos  no 

exercício das funções dos agentes públicos? 

O objetivo  se baseia em analisar a  importância dos princípios da 

Administração  Pública,  visando  demonstrar  o  impacto  que  causam  no 

exercício das funções dos agentes públicos. 

Este estudo se justifica pela relevância do estudo dos princípios da 

Administração Pública como  fator gerador de  impacto no exercício das 

funções dos agentes públicos, uma vez que coíbem a prática de atos de 

improbidade administrativa. 

Princípios da Administração Pública

Segundo  Moraes  (2011),  a  constitucionalização  dos  princípios 

básicos da Administração tem como desígnio garantir a honestidade na 

gerência  da  res  pública  e  possibilitar  a  responsabilização  dos  agentes 

públicos que se afastarem dessas diretrizes obrigatórias. Esses princípios 

têm  ainda  a  finalidade  de  dar  unidade  e  coerência  ao  Direito 

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Administrativo,  controlando  as  atividades  administrativas  de  todos  os 

entes que integram a federação brasileira (União, Estados, Distrito Federal 

e Municípios).

Art. 37 - A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...] (BRASIL, 1988).

Conforme Cretella Júnior (apud DI PIETRO, 2010, p. 80), “princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, nesse sentido, são os alicerces da ciência”.

Segundo Larenz (1985, p. 14 apud MEDAUAR, 2010, p. 139), no direito “os princípios são fórmulas nas quais estão contidos os pensamentos diretores do ordenamento, de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico”, que, conforme Reale (1974, p. 339 apud Medauar, 2010, p. 139), “consistem em enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico para sua aplicação e integração e para a elaboração de novas normas”.

Segundo Meirelles (2010), os princípios básicos da Administração Pública são divididos em doze regras, sendo elas: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Entretanto, os cinco primeiros se encontram descritos no art. 37, caput, da CF de 1988 e trata-se de padrões que devem pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público, sendo que qualquer ato que viole alguns desses princípios poderá ser passível de punição por improbidade.

Di Pietro (2010) afirma que os princípios concebem papel de grande relevância na esfera do direito admitindo à Administração e

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ao Judiciário constituir o indispensável equilíbrio entre os direitos dos administrados e os benefícios da Administração.

De acordo com Medauar (2010), os princípios são de grande seriedade, uma vez que amparam na concepção e concretização de seus institutos, principalmente de viabilizar o recurso de fatos não previstos, admitindo melhor entendimento dos extensos textos, bem como o confronto da segurança dos cidadãos em relação à extensão dos seus direitos e deveres.

Princípio da Legalidade De acordo com Di Pietro (2010), o princípio da legalidade

surgiu do Estado de Direito e se estabelece em uma das fundamentais seguranças de respeito aos direitos individuais no qual enquadra o conceito de que, na relação administrativa, a ambição da Administração Pública é a que deriva da lei. Não confere direitos de nenhuma natureza, instituir obrigações ou estabelecer restrições aos administrados devido depender da lei.

De acordo com Meirelles (2010), o princípio da legalidade até um período atrás era protegido pela doutrina, tornando-se uma determinação legal pela lei direcionada da ação popular e, desde a Constituição Federal de 1988, tornando-se um princípio constitucional.

Segundo Medauar (2010), é através do princípio da legalidade que 

as atividades da Administração Pública  são  informadas e  traduzidas de 

maneira simples quando é afirmado que a Administração deve submeter‐

se às normas legais.

Moraes (2011) afirma que o princípio da  legalidade se  justapõe à 

Administração  Pública  de  maneira  austera  e  específico,  em  que  o 

administrador  público  unicamente  poderá  fazer  o  que  for  totalmente 

permitido em lei e nas demais condições normativas, não ocorrendo caso 

de vontade subjetiva. 

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Princípio da Impessoalidade

Conforme Di Pietro (2010), o princípio da impessoalidade promove 

margem  a  diferentes  interpretações  sendo  ainda  que,  a  requisição  da 

impessoalidade da administração pode constituir que essa qualidade deve 

ser  analisada  no  que  diz  respeito  aos  administrados  como  à  oportuna 

Administração.

Mello (1994, p.58) sustenta que esse princípio “se traduz a idéia de 

que  a  Administração  tem  que  tratar  a  todos  os  administrados  sem 

discriminações, benéficas ou detrimentosas”. 

Meirelles (2010) relaciona a impessoalidade ao princípio da finalidade, o qual está relacionado ao atendimento do interesse público, isto é, o administrador permanece restringido de procurar outra finalidade ou de exerce-la no mérito próprio ou de terceiros. O princípio da impessoalidade é o antigo princípio da finalidade que estabelece ao administrador público que é unicamente a técnica do ato para o seu fim legal, sendo aquele que a cláusula de direito sugere de maneira anuncia o objetivo do ato de formato impessoal, afastando também a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas.

Na visão de Medauar (2010), o princípio da impessoalidade é interpretado de diversas maneiras por meio da doutrina brasileira e ainda se confunde com os princípios da moralidade e publicidade, devido ao fato de que a impessoalidade está relacionada ao meio para atuações dentro da moralidade e da publicidade que, com isso, bloqueia medidas desfavoráveis à moralidade e impessoalidade. Quanto à moralidade administrativa, esta sugere atenção à impessoalidade e à publicidade.

Segundo Moraes (2011), o princípio da pessoalidade, em geral, se 

localiza  no  mesma  esfera  de  caso  dos  princípios  da  igualdade  e  da 

legalidade. Este princípio conclui o conceito de que o administrador é um 

executivo  do  ato,  servindo  como  transporte  de  revelação  da  vontade 

estatal e, por sua vez, as efetivações administrativo‐governamentais não 

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são  do  agente  político,  mas  da  ente  público  em  designação  da  qual 

operou.

Princípio da Moralidade Segundo Di Pietro (2010), existem doutrinadores os quais não

aceitam a experiência desse princípio por apreenderem que o conceito de moral administrativa é indefinido e duvidoso ou que termina por ser concentrado pelo próprio conceito de legalidade.

Para Meirelles (2010), a moralidade administrativa estabelece a hipótese de legitimidade de todo ato da Administração Pública. “Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição” (MEIRELLES, 2010, p. 89). A moralidade do ato administrativo, ao lado de sua legalidade e intuito, afora da sua adaptação aos demais princípios, formam conjecturas de legalidade sem os quais toda presteza pública será ilegítima.

Conforme Medauar (2010), o princípio da moralidade é de complexa expressão verbal. A doutrina procura abrange-lo, atrelando-o a termos e conhecimentos que propiciem seu entendimento e aplicação.

Para Moraes  (2011),  ainda  que  a  Constituição  Federal,  quando 

inaugurou  o  princípio  da  moralidade  administrativa  como  vetor  do 

desempenho da Administração Pública,  inaugurou ainda a obrigação de 

proteção  à  moralidade  e  responsabilização  do  administrador  público 

amoral ou imoral.

Princípio da Publicidade Segundo Di Pietro (2010), o princípio da publicidade noticia

oficialmente o ato da Administração Pública para a informação do público e o começo de seus acontecimentos externos.

De acordo com Di Pietro (2010), o inciso LX da Constituição de 1988 estabelece que a lei só poderá limitar a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o determinarem; o inciso XIV garante a todos a promoção à informação e protege o segredo da fonte, quando imprescindível ao

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exercício profissional; o inciso XXXIII constitui que todos possuem direito a auferir dos órgãos públicos conhecimentos de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, os quais serão comunicados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressaltadas aqueles cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e do Estado; e o inciso XXXIV garante a todos, involuntariamente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder e a aquisição de certidões em repartições públicas, para defesa de direito e elucidação de ocorrências pessoais.

Meirelles (2010) afirma que a publicidade não é componente formativo do ato, mas sim uma condição de eficácia e moralidade. O sigilo só é admitido quando se trata de segurança nacional, investigações policiais ou por interesse superiores da Administração, a ser resguardado em processo antecipadamente revelado nos termos das leis e decretos. Como princípio de Administração Pública, a publicidade compreende todo desempenho estatal, não só sob a esfera de divulgação oficial de seus atos, como ainda de propiciação de conhecimento do comportamento interno de seus agentes.

Na visão de Medauar (2010), a prevalência do que é conceituado como confidencial na atividade administrativa do setor público demonstra-se contrária ao aspecto democrático do Estado, devido tal convergência estar alinhada por meio da Constituição de 1988 com o intuito de desenvolver a publicidade que administra as atividades da Administração, invertendo a regra, colocando que o ingresso às informações provenientes dos órgãos públicos incidem não excepcionalmente sobre matérias de interesse do próprio indivíduo, mas ainda sobre matérias de interesse coletivo e geral.

De acordo com Moraes (2011), a publicidade relativa ao princípio que lhe é pertinente, no que tange aos órgãos públicos, ocorre devido à introdução do ato no Diário Oficial ou por edital fixado no lugar adequado para a publicação de atos públicos, para o ciência do público.

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Princípio da Eficiência Segundo Di Pietro (2010), na Constituição de 1988, o princípio

da eficiência é considerado como um dos deveres da Administração Pública.

Meirelles (2010) conceitua o princípio da eficiência da seguinte forma:

O que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros (MEIRELLES, 2010, p. 96).

Segundo Meirelles (2010), o princípio da eficiência proporciona dois 

aspectos: o caso de ser avaliado no que diz respeito ao estilo de atuação 

do agente público, em que se tem a expectativa do melhor papel possível 

de suas atribuições, para conseguir os melhores resultados; e, no que se 

relaciona à maneira de organizar, estruturar, disciplinar a Administração 

Pública,  bem  como  com  o  mesmo  intuito  de  conseguir  os  melhores 

resultados na prestação do serviço público.

Na visão de Meirelles (2010), o princípio da eficiência se adiciona 

aos outros princípios  atribuídos  à Administração, não  sobrepondo‐se  a 

nenhum deles, principalmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos 

à segurança jurídica ao próprio Estado de Direito. 

Na visão de Medauar (2010) o princípio da eficiência foi adicionado 

por meio da Emenda Constitucional 19/98 (reforma administrativa) e une 

o conceito de ação para lançar resultado de maneira célere e concisa e, no 

que diz  respeito  à Administração  Pública, motiva que  a mesma  aja de 

forma  precisa  e  rápida,  produzindo  os  resultados  acreditados  pela 

população. 

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Para  Moraes  (2011),  o  princípio  da  eficiência  avigora  a 

probabilidade  do  Ministério  Público,  fundamentado  em  seu  papel 

constitucional de cuidar da essencial consideração dos poderes públicos e 

dos  serviços  considerados  proeminentes  aos  direitos  asseverados  na 

Constituição,  originar  as  medidas  imprescindíveis,  judiciais  e 

extrajudicialmente, à sua garantia. 

Conclusão 

O  objetivo  principal  deste  estudo  foi  analisar  a  importância  dos 

princípios da Administração Pública, visando demonstrar o  impacto que 

causam no exercício das funções dos agentes públicos. 

Visando à concreta observância dos princípios  inscritos no art. 37 

da  Carta  Magna,  evidencia‐se  que  os  mesmos  são  um  instrumento 

processual no direito brasileiro, que servem de parâmetro em busca de 

uma Administração  Pública  que  atenda  às  demandas  da  população  de 

maneira eficiente e justa. 

É através da eficácia dos princípios da Administração Pública que se 

leva  em  conta  o  estado  ideal  de  coisas  que  eles  visam  promover, 

permitindo  a  formulação  de  regras  para  impedir  o  comportamento 

potencialmente violador de seus agentes. 

Cabe  à  comunidade  jurídica  zelar  pela  aplicação  efetiva  dos 

princípios da Administração Pública, punindo‐se as práticas ofensivas ao 

Estado e, à sociedade cabe protestar contra os casos de flagrante violação 

por meio de denúncias dos violadores. 

A  sociedade  brasileira  relata  inúmeros  casos  de  ofensas  a  esses 

princípios,  como  também  de  corrupção  e  descaso  com  o  patrimônio 

público,  tendo  como  consequência,  a  necessidade  de  uma  adequada 

responsabilização  de  seus  agentes,  tornando‐se  imprescindível  que  os 

órgãos  públicos  atuem  com  maior  controle  sobre  a  gestão  dos  bens 

públicos, evitando‐se, com isso, os atos de improbidade administrativa. 

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REFERÊNCIAS

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Acesso em 23 jul. 2016.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São 

Paulo: Atlas, 2010. 

MEDAUAR,  Odete.  Direito  Administrativo  Moderno.  14.  ed.  São 

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 

MEIRELLES,  Hely  Lopes.  Direito  Administrativo  Brasileiro.36.  ed. 

atual. São Paulo: Malheiros, 2010. 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 

5. ed. São Paulo, Malheiros, 1994. 

MORAES,  Alexandre  de.  Constituição  do  Brasil  Interpretada  e 

Legislação Constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 

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O DIREITO DO TRABALHO NA DITADURA CIVIL-MILITAR

AGENOR GABRIEL CHAVES MIRANDA: Acadêmico do Curso de Direito da Universidade de Brasília.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar os impactos e as questões permanentes do Golpe Civil-Militar de 1964, sob o enfoque do Direito do Trabalho. Dessa forma, apresenta-se uma linha histórica das alterações legislativas que impactaram os trabalhadores brasileiros durante a Ditadura Militar.

PALAVRAS-CHAVES: Ditadura Militar. Direito do Trabalho. Legado Autoritário.

1 INTRODUÇÃO

A justificativa dada pelos golpistas de 1964 foi a interrupção de uma suposta tentativa comunista de tomada do poder. Com a base governista pós-64 formada por grandes empresários e alguns meios midiáticos, é necessário o questionamento sobre o impacto do regime militar no Direito do Trabalho. Durante os 21 anos de governo, ocorreram diversas modificações nas legislações trabalhistas, as quais apresentavam objetivos latentes. Esta pesquisa, por meio de uma revisão bibliográfica e utilização de técnicas históricas e normativas, intenciona compreender essas questões. Ressalta-se a importância do último procedimento, pois para entender as questões não manifestadas no texto legal é necessário mais que a hermenêutica jurídica, e sim uma análise do contexto, a estrutura social, os legisladores e os cidadãos atingidos, neste caso, os trabalhadores. A relevância de se estudar os direitos do trabalho no período ditatorial brasileiro é o impacto cotidiano na vida de grande parte da população, uma vez que os direitos políticos podem não ser conhecidos pela população leiga

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em legislação, contudo ela sabe de alguns direitos trabalhistas que possui, em virtude da difusão oral dos direitos (SILVA, 2010, p. 40).

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Primeiras ações

O Brasil e diversos países passavam por um clima de efervescência política na década de 1960. Vários movimentos revolucionários apoiados pela classe trabalhadora alcançaram seus objetivos, como o cubano. Nessa conjuntura, a demanda trabalhista brasileira se recrudesceu. Contudo, a ditadura militar, apoiada por uma parte do empresariado, considerava muitos desses movimentos como subversivos à ordem social e política vigente.

Segundo Vito Giannotti (2007, p. 174): “A burguesia difundia amplamente a ideia de que

o Brasil era um país ingovernável devido a um punhado de líderes sindicais do CGT. A investida do Ipês na grande imprensa tinha forte ressonância nos mais influentes veículos de comunicação: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo , o “Estadão”, e os do Grupo Diários Associados ”.

Em 01 de junho de 1964, o governo do general Castelo Branco sancionou a Lei nº 4.330, regulando o direito de greve. Entre questões positivadas neste texto legal, destaca-se a proibição da demissão do funcionário por motivos de greve, exceto em casos não pacíficos, nos termos do artigo 19, inciso II. Todavia, faz-se mister a análise do artigo 22, que trata da reputação de ilegalidade da greve.

“Artigo 22. Inciso II: Se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à categoria profissional”.

Tal critério, de interesse para a categoria profissional, é considerado arbitrário. Como quase todos os movimentos grevistas estavam envolvidos

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com questões políticas – aliás, a greve é um instrumento político e social – este inciso representa uma abertura às interpretações contra os grevistas. Isso porque os juízes poderiam alegar que houve uma sobreposição de outras questões.

Vale destacar que os servidores públicos, em grande parte, eram proibidos de participar de movimentos grevistas e no setor privado era mais complicado, em vista das exigências de quórum: para a assembleia declarar greve, precisava-se de 2/3 de aprovação dos votantes, na primeira convocação, e 1/3, na segunda convocação. (SIMÕES, 1986, p. 26).

Nesse âmbito, a Lei nº 4.330 tinha como um dos objetivos o controle da classe trabalhadora. O governo militar almejava acalmar os movimentos trabalhistas, tentando manter um aspecto de legalidade, pois a greve no período populista era garantia constitucional, todavia não tinha sido regulamentada. Essa legislação pode ser denominada álibi, conforme o ensino do professor Marcelo Neves: “Através dela o legislador procura descarregar-se de pressões políticas e/ou apresentar o Estado como sensível às exigências e expectativas dos cidadãos” (1994, p. 37).

Em 1964, o governo fez intervenções em 433 entidades sindicais (TRT, 2009). No ano seguinte, foi decretada e sancionada a Lei nº 4.725, regulamentando o reajuste salarial em um valor menor que a inflação. Esta legislação aponta a necessidade de adequação do reajuste às necessidades mínimas de sobrevivência do assalariado e da sua família.

2.2. Principal projeto ditatorial

No ano de 1966, a Ditadura Civil-Militar consolidou seu principal projeto na área do trabalho e que apresenta relevantes consequências hodiernas: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Consolidado pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aberto pelos empregadores em nome dos trabalhadores, recolhia mensalmente 8% da remuneração. Foi responsável pelo fim da estabilidade decenal – a garantia de que, após dez anos de serviços a um empregador, os trabalhadores

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demitidos sem justa causa teriam direito a uma indenização equivalente a um mês de serviço prestado e a uma multa no valor de 10%.

Os dois regimes coexistiram até a Constituição Federal de 1988 estabelecer a exclusividade do FGTS. A maioria dos trabalhadores optou pelo fundo, trocando a opção da estabilidade alcançada após dez anos de serviço por incentivos do governo, uma vez que, além de acesso ao fundo, esses funcionários teriam direito a uma multa de 40%.

Uma questão relevante diz respeito à não aplicação do FGTS aos trabalhadores rurais, visto que eles não possuíam a estabilidade na sua atividade profissional. Desse modo, é necessário tecer algumas considerações sobre as questões latentes dessa legislação. Segundo Carlos Simões:

“À medida que aumentavam os anos de casa dos empregados, crescia o passivo trabalhista das empresas no valor equivalente à média das indenizações a pagar. Isso dificultava a venda, fusão e associação das empresas nacionais com as empresas internacionais. A estabilidade dificultava o consumo intensivo da força de trabalho, criava encargos sociais fixos e permanentes e a consequente imobilização de capitais. Além disso, dificultava a troca de empregados mais antigos com salários mais elevados por outros mais jovens, com menores salários” (SIMÕES, 1986, p. 41)

Nessa ótica, o FGTS foi mecanismo de tentativa da maximização de lucro das grandes empresas, pois elas aumentavam a mão de obra mais eficiente e criava uma menor acomodação dos funcionários. Esse fundo também gera uma alta rotatividade nas atividades trabalhistas, porquanto é mais fácil demitir e a indenização paga será superada com uma maior produção de outro funcionário. Outro objetivo apontando do FGTS é o financiamento para a construção de habitações, por meio do Sistema Financeiro de Habitação. Essa prática é destinada à população de baixa renda.

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Ainda nesse ano foi criado, por meio do Decreto-Lei 72/66, de 21 de novembro de 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o qual teve papel de unificar os Institutos de Aposentadoria e Pensões. O INPS representou uma unificação de todos os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões). Os benefícios como pensão, aposentadoria, assistência médica foram uniformizados. Isso representou o fim dos poderosos IAPs e a perda da influência sindical sobre a previdência, que passou ao controle da burocracia estatal. O INPS também passou a segurar os acidentes de trabalho, serviço anteriormente exercido por empresas privadas (CARVALHO, 2002, p. 171).

Conclui-se sobre o projeto de INPS, mais uma vez, a expressão do controle da ditadura sobre atividades trabalhistas essenciais. O regime militar, ao unificar as aposentadorias e pensões, pretendia obter legitimidade popular, porquanto são mecanismos que atingem principalmente pessoas de baixa renda e, muitas vezes, um aumento de um dos dois benefícios representa um aumento do poder de compra da população. Além disso, o fator econômico foi um grande aspecto legitimador da ditadura durante o chamado “milagre econômico”. Desse modo, é nítida a influência da questão financeira e a popularização do regime civil-militar.

O final do governo de Humberto de Alencar Castelo Branco foi marcado pelo Decreto-Lei nº 200/67, de 25 de fevereiro de 1967, que estabelecia a possibilidade de prestação de serviços da Administração Pública por empresas privadas. A execução das atividades da Administração Federal deveria ser amplamente descentralizada. De acordo com o §1º, do artigo 10, a descentralização seria posta em prática em três planos principais:

c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.

Esta lei apresenta um grande problema que se estende ao cenário contemporâneo: delimitação da esfera pública e privada na administração brasileira. Tais contratos, diversas vezes, privilegiam empresas ligadas com membros do serviço público e favorece a corrupção. Os contratos, conforme noticiado nos meios de comunicação, em casos relevantes, não privilegia a qualidade do serviço prestado. Não há comprovação de práticas

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diferentes durante o regime militar. As concessões, ao retiraram um pouco de controle público, podem desregular algumas práticas e prejudicar o consumidor.

2.3. Legislação trabalhista nos anos de chumbo

Em 15 de março de 1967 foi promulgada a nova Constituição, a qual estabeleceu junto com os Atos Institucionais (AIs) mecanismos legais para as ações da Ditadura Militar. A Carta Magna de 1967 faz questão de destacar o valor do trabalho como condição da dignidade humana (art. 157, inciso II). Analisando esse inciso, percebe-se a intenção do regime militar em incentivar a força de trabalho e evitar o ócio. Pode-se perceber, nessa legislação, uma tentativa de diminuir as reivindicações trabalhistas, pois os funcionários que não trabalhavam por não aceitarem determinadas condições eram vistos de forma hostil pela sociedade, como “indignos”; já que a máxima de Benjamin Franklin: “O trabalho dignifica o homem” tornou-se constitucional.

A constituição de 1967 proíbe greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei (art. 157, § 7º). Esse ponto apenas ratifica o que foi legislado anteriormente.

Outros aspectos relevantes para o Direito do Trabalho e retratados na Constituição da República são: idade mínima para o trabalho, reduzida para doze anos; proibição de diferença de salários e critérios de admissões por motivo de sexo, cor e estado civil; mudança nos tribunais com a inclusão de vagas destinadas ao Ministério Público e Advocacia.

Acerca das duas primeiras mudanças, é notório o objetivo do regime militar em aumentar o contingente de mão de obra disponível, ao excluir critérios de seleção, assim como Vargas pretendia aumentar a população eleitoral, ao instituir o voto às mulheres. Em relação à mudança da composição dos tribunais é perceptível uma tentativa de criar uma dependência do judiciário em relação ao Executivo devido às indicações dos primeiros serem responsabilidades do segundo e há um grupo maior apto à indicação (SILVA, 2010, p. 63).

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No final da década de 1960, os ministros da marinha de guerra, do exército e da aeronáutica militar decretaram a lei n. 926, de 10 de outubro de 1969. Esse decreto-lei instituiu a carteira do trabalho e previdência social, a carteira de trabalho do menor e do trabalhador rural, este será beneficiado mais tarde com o FUNRURAL.

Nos anos 70, por meio da lei complementar 7, de 07/09/1970, criou-se o Programa de Integração Social (PIS) e a lei complementar 8, de 03/12/1970, estabeleceu o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Esses planos tinham a finalidade de criar uma integração entre os trabalhadores, exceto rurais e os servidores em regime especial, na vida das empresas por meio de “participação de lucros”. As empresas foram obrigadas a contribuir com o fundo de participação administrado pela Caixa Econômica Federal. Elas tiveram de pagar um percentual de faturamento ou da folha de pagamento, ou uma parcela sobre o imposto de renda, a depender da atividade exercida. Os trabalhadores também passaram a contribuir com o Fundo, na proporção de seus vencimentos ou salários e de seu tempo de serviço. Após o primeiro quinquênio de participação, os que ganhavam até cinco salários mínimos tinham o direito a um salário regional, denominado de 14ª salário pelos trabalhadores (SIMÕES, 1986, p. 92). Em 1975, ocorreu a unificação dos programas sob a mesma sigla PIS/PASEP.

O objetivo dessa lei é enfatizado por Carlos Simões (1986, p. 92): “A instituição do PIS/PASEP, mais do que uma

renda, constituiu, basicamente, uma justificação ideológica oficial para exigir dos operários maior produtividade e, por outro lado, sua pacificação social. É um mecanismo pelo qual, em princípio, a “participação dos lucros” é tanto maior quanto o salário e o tempo de serviço (“trabalhe mais, ganhe mais”), de acordo com os dados informados pelas empresas e entidades estatais à CEF por meio de uma Relação Anual de Salários, RAS, atualmente transformada em Relação Anual de Informações Sociais, RAIS.”.

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Os trabalhadores rurais, que não foram atendidos pelo INPS, tiveram benefício à aposentadoria e pensão com a criação do FUNRURAL (Lei complementar 11, de 25/05/1971). A administração desse fundo tinha sido dissociada do INPS. A renda do FUNRURAL não era paga pelo trabalhador do campo, mas sim por um imposto sobre os produtos rurais e sobre a folha de pagamento das empresas, em ambos os casos os custos eram repassados pelos consumidores. Além das garantias supracitadas, o Fundo Rural também assegurava a assistência médica. A distribuição dos benefícios era de responsabilidade dos sindicatos rurais. Essa atribuição de tarefa que o governo delegou aos sindicatos contribuiu para a redução da atividade política de combate e criou alianças com o governo. O apoio do campesinato ao regime militar é entendido pelo conservadorismo dos trabalhadores rurais, mas também se estruturou na legislação social, a qual não onerava os beneficiários e somado a isso há o desaparecimento do discurso acerca da reforma agrária (CARVALHO, 2002, p. 172). Depois do Fundo Rural, a lei 5.889 fixou normas regulamentadoras do serviço rural, entre elas a equidade salarial mínima entre o maior de dezesseis anos e o trabalhador adulto, a proibição do trabalho noturno de menores de dezoito anos e observação das normas de higiene e segurança estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social.

A quase completa abrangência da previdência social ocorreu em 1973, quando a lei n. 5.859 estendeu o benefício aos trabalhadores domésticos. Logo, apenas os trabalhadores informais não tiveram cobertura previdenciária.

2.4 Últimas modificações nas relações de trabalho

Após a regulamentação previdenciária, o regime militar instituiu o trabalho temporário, regulamentando a relação triangular, empregador-empregado-cliente, isto é, desenvolvimento das atividades de terceirização (Lei n. 6.019/74, 03/01/1974). A administração do Estado Brasileiro mostrou novamente uma aliança com os grandes empresários, através da terceirização a rotatividade no trabalho é facilitada e aumenta-se a cobrança pelo trabalho realizado. Como já havia uma possibilidade de contratos e concessões com empresas privadas, a nova lei apenas corroborou essa prática política. Um fator relevante a ser citado é a indefinição do

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trabalhador, uma vez que ele presta serviço em uma determinada empresa, mas não é remunerado diretamente por ela. Resumindo: a lei beneficia a iniciativa privada em dois pontos, a ampliação dos contratos e facilidade de substituição do trabalhador por meio do trabalho terceirizado (SILVA, 2010, p. 55).

Foi criado, em 08/10/1975, por meio da Lei n. 76.402, o Sistema Nacional de Emprego (SINE) com o objetivo de organizar os dados dos trabalhadores e ser um meio de orientação profissional.

Instituiu-se pela Lei n. 6.321/76 o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), o qual tem caráter opcional e visa ao atendimento das necessidades nutricionais dos trabalhos e argumenta que a consequência disso é um aumento da produtividade, visto que a alimentação nutritiva evita fadiga, doença e redução dos riscos de trabalho. A consequência assume o papel principal nessa legislação, não é a preocupação com o trabalhador que realmente motiva o desenvolvimento da lei, mas sim os benefícios para o recrudescimento das atividades produtivas.

É importante destacar o impacto da crise do petróleo, em 1973, no desenvolvimento da legislação trabalhista brasileira. Adicionado a este ambiente desfavorável houve o aumento da dívida externa do país. Esses pontos foram significativos para o declínio do “milagre econômico” brasileiro e a perda de popularidade do regime militar. Como a política desenvolvimentista não beneficiava a classe mais baixa, esse momento foi determinante para o retorno das atividades sindicais e a ocorrência das célebres greves no ABC Paulista. Nesse âmbito, o governo Geisel se preocupou com a retomada das ações dos sindicatos (FAUSTO, 1994, p. 499). O Decreto-lei n. 1.632, de 04/08/1978, proíbe a greve em serviços essenciais, ampliando o número de atividades básicas essenciais. É estabelecido no art. 5º: o caráter grave, punível e com demissão ou suspensão, o funcionário público que participar de greve ou para ela concorrer.

Em 30 de outubro de 1979, já no governo de João Figueiredo, é decretada a Lei n. 6.708, a qual estabelece a correção semestral do salário conforme o Índice de Preços ao Consumidor. Esse texto legal mostra-se

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extremamente importante. Tal índice é calculado a partir de cesta básica e mensura o peso de cada bem na despesa de uma família típica brasileira. Sob esta perspectiva, lei em comento apresenta um benefício significativo aos trabalhadores, haja vista a baixa renda das famílias e o peso que os alimentos representam nos gastos.

A última ação do governo ditatorial no campo trabalhista foi a unificação do salário mínimo, isto é, a criação de um salário mínimo nacional, por meio da Lei nº 2.162, de 01 de maio de 1984. O menor valor pago ao trabalhador foi instituído em 1936, contudo, em 1940, dividiu-se por regiões (TRT, 2009).

4 CONCLUSÃO

A postura ditatorial apresentou vicissitudes conforme seus interesses. No início, havia preocupação em controlar a efervescência política. Nesse sentido, a concessão de direitos trabalhistas era uma eficaz. Contudo, a partir da dominação de grupos rebeldes e endurecimento do regime a prática foi oposta, com restrição de atividades sindicais e benefícios ao trabalhador. Se por um lado o regime apresentou uma proposta de direito aos trabalhos rurais, não explorado na CLT; por outro, o regime civil-militar objetivava a desconstrução de movimentos questionadores das leis do trabalho. Logo, a ditadura utilizou as leis do trabalho para sustentar suas concepções políticas e atingir seus objetivos. Nesse sentido, a pesquisa desse artigo permitiu uma conclusão sobre as questões não muito evidentes no próprio texto. As consequências de todas as alterações foram a flexibilização da demissão; restrição a expressão de reivindicações, que gerou um efeito contrário; a moralização da Justiça do Trabalho e ampliação da interferência nos tribunais superiores. A terceira consequência, conforme descreve Claudiane Torres da Silva, refere-se à necessidade de moralizar a Justiça do Trabalho em virtude das críticas dos outros Tribunais, que a classificavam tradicionalmente como uma justiça menor, mas para o regime era estratégia. Diante do exposto, a ditadura militar procurou adequar a legislação trabalhista aos seus interesses econômicos e a utilizou para conseguir legitimidade e firmar práticas populares nas classes mais baixas.

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5 REFERÊNCIAS

CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Universidade de São Paulo: Fundação de Desenvolvimento da Educação, 1995.

GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: MAUAD X, 2007.

MEMORIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Coordenação do Tribunal Regional do Trabalho 4ª região. Apresenta uma linha do tempo sobre os acontecimentos históricos e suas implicações na Justiça do Trabalho. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/linha-tempo/>. Acesso em: 23 de maio. 2014.

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994.

SILVA, Claudiane Torres. 2010. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de História. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/stricto/td/1402.pdf>Acesso em: 26 de maio. 2014

SIMÕES, Carlos. A lei do Arrocho – Trabalho, Previdência e Sindicatos no Regime Militar. Rio de Janeiro: Vozes, 1986.

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DIREITO DA CONSTRUÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃO DE CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO EM TEMPOS DE CRISE

TIAGO AMORIM POUILLARD CARNEIRO: advogado especialista em administração de contratos, especialista em Direito Público e estou escrevendo sobre Administração de Contratos de Engenharia, assunto relacionado ao novo ramo do Direito intitulado pela recente doutrina como "Direito da Construção" ou "Direito da Infraestrutura".

RESUMO: O Direito da Construção ou Direito da  Infraestrutura vem  se 

consolidando na doutrina nacional recente como o mais noivo ramo do 

Direito,  relacionado  às  regulamentações  e  contratações  de  grandes 

projetos  nacionais  do  setor  imobiliário,  de  engenharia  e  de 

infraestrutura.    Para  tanto,  a  integração  estratégica  e multidisciplinar 

entre os setores técnico e jurídico de grandes projetos, seja na fase pré‐

contratual, de execução do contrato, ou pós‐contratual, é de fundamental 

importância  para  garantia  do  atendimento  às  premissas  contratuais 

essenciais, requisições técnicas, direitos e obrigações contratuais, normas 

legais  aplicáveis,  manutenção  ou  reestabelecimento  do  equilíbrio 

econômico e financeiro do contrato e gestão do contrato sobre o prisma 

técnico  e  jurídico.  Tal  integração  se  dá  de  forma  plena  através  da 

Administração  dos  Contratos  de  Engenharia,  mediante  a  atuação  de 

profissionais  com  conhecimentos  técnico  e  jurídico‐contratual 

imprescindível para a mitigação da ocorrência de riscos, a condução das 

tratativas  contratuais  necessárias  diante  de  conflitos  potenciais  ou 

disputas comerciais entabuladas, e para se evitar a ocorrência e prejuízos 

para  ambas  as  partes  (contratante  e  contratado),  principalmente  em 

tempos de estagflação econômica e baixos investimentos em contratos de 

infraestrutura que o país tanto necessita. 

PALAVRAS‐CHAVE: Direito da Construção; Administração de  contratos; 

integração técnica e jurídica; 

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INTRODUÇÃO:

O Direito da Construção  vem  se  consolidando no meio  acadêmico 

como  uma  disciplina  autônoma  do  Direito,  dado  o  seu  alto  nível  de 

especialização  e  interface  multidisciplinar  com  a  área  técnica  da 

engenharia  nos  grandes  projetos  nacionais  do  setor  imobiliário,  de 

engenharia e de infraestrutura. 

Além das recentes publicações especializadas sobre o tema, dois fatos 

de  revelam extremamente  representativos na consolidação desse novo 

ramo  do  Direito:  a  fundação  do  Instituto  Brasileiro  de  Direito  da 

Construção (IBDiC), em São Paulo, no ano de 2011 e a criação da Comissão 

de Direito da Construção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de 

Minas Gerais, primeira comissão do gênero no país, também no ano de 

2011. 

Discussões acerca de requisitos legais e técnicos para implantação de 

politicas  regulatórias e contratação de Project Finance, modalidades de 

contratação  de  serviços  e  obras  de  engenharia  e  infraestrutura, 

estruturação  de modalidades  de  concessão  de  serviços  públicos  e  da 

implementação de Parcerias Público‐Privadas, a contratação e a gestão e 

garantias financeiras e contratuais, a atuação dos órgãos e mecanismos de 

controle  de  obras  públicas,  a  eleição  e  operacionalização  de  distintos 

mecanismos de  solução de disputas  técnicas,  jurídicas e comerciais em 

contratos de construção e a especial ênfase na  interseção dos aspectos 

técnicos de engenharia com os aspectos jurídicos e contratuais são temas 

recorrentes e de especial atenção no Direito da Construção. 

Diante  dessa multiplicidade,  encontramos  temas  relacionados  aos 

mais  diversos  ramos  do  direito,  tais  como  Ambiental,  Tributário, 

Trabalhista, Previdenciário,  Imobiliário, Arbitral,  Financeiro, Econômico, 

Empresarial, Administrativo, Comparado,  Internacional Privado, além de 

questões  técnicas,  especialmente  na  área  da  engenharia,  economia  e 

contabilidade, consolidando a discussão e a produção de conhecimentos 

relevantes  e  específicos  que  tem  campo  fértil  de  aprofundamento  e 

especialização nessa nova disciplina Jurídica: o Direito da Construção. 

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Nessa perspectiva a Administração de Contratos de engenharia vem 

se  apresentando  como  uma  relevante  e  indispensável  ferramenta 

gerencial de  integração entre as áreas técnica e  jurídica dos projetos de 

infraestrutura  e  construção  em  âmbito  nacional  e  internacional,  de 

natureza  complexa e multidisciplinar, principalmente diante dos baixos 

níveis  de  investimento  em  projetos  de  infraestrutura  no  pais,  da  alta 

complexidade  dos  arranjos  jurídico‐contratuais,  da  potencial 

suscetibilidade  de  riscos  contratuais  e  extracontratuais,  da  histórica 

diminuição das margens de lucro e do aumento das exigências de atuações 

em confo0rmidade com o compliance e as leis anticorrupção nos projetos. 

DESENVOLVIMENTO: 

Eleito como um dos 47 processos do gerenciamento de projetos, a 

administração  de  contratos  foi  introduzida  recentemente  pelo  Project 

Management  Institute  ‐  PMI[1]  como  um  novo  processo  da  área  de 

conhecimento  sobre  gestão  de  aquisições  de  Projeto,  apresentada 

atualmente  como  condição  sine  qua  non  para  a  sobrevivência  e 

crescimento sustentável das empresas que atuam no setor de construção 

no Brasil e no Exterior. 

Segundo o PMI – Project Management Institute: 

A Administração de Contratos é o processo de gerenciamento 

do  contrato  e  da  relação  entre  o  comprador  e  o  fornecedor, 

análise e documentação do desempenho atual ou passado de 

um  fornecedor,  a  fim  de  estabelecer  ações  corretivas 

necessárias e  fornecer uma base para  futuras  relações com o 

fornecedor  e  o  gerenciamento  de mudanças  relacionadas  ao 

contrato  e,  quando  adequado,  gerenciamento  da  relação 

contratual com o comprador externo do projeto.” [2]  

Ainda de acordo com o PMI: 

“A  administração  de  contratos  inclui  a  aplicação  dos 

processos de gerenciamento de projetos adequados à relação 

contratual  e  a  integração  das  saídas  desses  processos  ao 

gerenciamento geral do projeto.”. [ ]   

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O êxito de um projeto eficientemente gerido por todas as etapas de 

seu ciclo de vida sempre coincide com uma administração contratual bem 

executada. 

Para  tanto  é  necessária  uma  gestão  adequada  de  riscos  e 

oportunidades  contratuais  e  extracontratuais,  o  conhecimento  das 

premissas  técnicas  e  contratuais  essenciais  (preço,  prazo,  objeto  e 

qualidade) relacionadas aos serviços contratados, o acompanhamento do 

desenvolvimento do contrato e da evolução física e financeira dos serviços 

através da construção e sistematização de uma base documental, técnica 

e jurídica sólida sob a ótica contratual, subsidiando eventuais soluções de 

controvérsias surgidas no curso da execução do contrato e oportunizando 

os ajustes contratuais necessários para obtenção dos resultados e metas 

esperados. 

Segundo BUCKER: 

 “Deve‐se  conjecturar  o  porquê  de  as  disputas  na 

construção  civil  serem  peculiares  e  merecerem  tratamento 

diferenciado.  Certamente  existem  uma  série  de  fatores 

distintivos dos  conflitos  na  construção  civil  dos  demais  tipos, 

justificando  os  mecanismos  específicos  concebidos  para  o 

gerenciamento  dos  conflitos  e  a  prevenção  ou  solução  de 

disputas.”. [ ] 

Isto  porque  os  conflitos  no  ramo  da  construção  civil  são 

frequentemente  muito  complexos  do  ponto  de  vista  técnico, 

demandando  intensa  e  profunda  investigação  dos  acontecimentos  e 

gerenciamento eficiente do processo de reivindicações e reajustes. 

A  potencialidade  de  suscetibilidade  da  ocorrência  de  conflitos  em 

projetos de  infraestrutura  se deve ao grande número de variáveis com 

grande  potencial  de  impacto  negativo  sobre  as  premissas  contratuais 

essenciais (preço, prazo, objeto e qualidade) e grande contribuição para a 

modificação da base do negocio jurídico celebrado, com desestabilização 

da sua equação econômico‐financeira inicialmente considerada. 

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A  escassez  de  recursos  para  novos  projetos  de  engenharia  e 

infraestrutura,  a  redução  dos  investimentos  no  setor,  a  recessão  e  a 

estagflação econômica,  a diminuição histórica das margens de  lucro,  a 

volatilidade cambial, e o receio dos investidores na implantação de novos 

projetos visando a ampliação de parques industriais (obra brownfield) ou 

a construção de novas plantas produtivas (obra greenfield), tem trazido 

como legado aos projetos de infraestrutura em curso ou a serem iniciados 

o peso e a responsabilidade da minimização de riscos e maximização dos 

lucros. 

Nesta  perspectiva,  as  disputas  geralmente  surgidas  no  âmbito  da 

construção  civil  tomam  especial  relevância, pois diante da  escassez de 

projetos em curso o  fluxo de caixa das empresas construtoras se  torna 

dependente da aderência das previsões físicas e financeiras, fazendo com 

que a ocorrência de problemas e interferências ou obstáculos imprevistos 

tenham  especial  atenção  e  condução  para  evitar  a  solução  de 

continuidade  das  obras  e  muitas  vezes  a  bancarrota  financeira  das 

empreiteiras. 

Devido a isto JENKINS e STEBBINGS afirmam que: 

“As  disputas  na  construção  exigem  uma  solução  rápida, 

mesmo  que  temporária,  a  fim  de  que  os  serviços  não  sejam 

obstados  ou  interrompidos,  permitindo  que  os  trabalhos  na 

obra  prossigam.  É  interesse  de  todas  as  partes  que  o 

empreendimento seja concluído no prazo estipulado, ou, pelo 

menos,  no  menor  prazo  possível,  e  recorrer  a  mecanismos 

demorados na  solução de  controvérsias não é  recomendável, 

pois  ao  invés  de  corrigir  eventual  desequilíbrio  econômico  e 

financeiro,  faz com que ele se prolongue, gerando prejuízos e 

perdas para ambas as partes.”. [ ] 

Para MURDOCH e HUGHES há uma série de funções com habilidades 

especializadas de profissionais que contribuem para o gerenciamento dos 

projetos.  Como  consequência  sempre  há  muita  confusão,  devido  a 

diversidade de disciplinas e áreas do conhecimento envolvidas.[6]   

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Outro aspecto que torna imprescindível uma clara, rápida e objetiva 

métrica de solução de disputas é o grande potencial de prejuízo financeiro 

decorrente  da  ocorrência  de  quaisquer  dos  riscos  contratuais  ou 

extracontratuais relacionados à execução do contrato (risco regulatório, 

risco  construtivo,  risco  geológico,  risco  financeiro,  etc.),  o  que  exige  o 

acompanhamento  diuturno  do  contrato  sobre  os  prismas  técnico  e 

jurídico,  através  da  administração  de  contratos  e  da  integração 

multidisciplinar e estratégica entre as áreas técnica e jurídica dos projetos. 

Há  que  se  considerar  a  influência  de  fatores  internos  e  fatores 

externos  de  incerteza  que  venham  a modificar  consideravelmente  as 

condições  de  trabalho  e  as  premissas  sobre  as  quais  foi  elaborado  o 

planejamento  executivo  e  orçado  os  preços  ofertados,  tais  como 

condições  inadequadas de acessibilidade,  inexistência ou deficiência de 

infraestrutura de drenagem, abastecimento de água e  fornecimento de 

energia  elétrica,  alteração  de  preço,  prazo  e  objeto,  inconsistência  ou 

incompatibilidade  de  projetos,  necessidade  de  execução  de  serviços 

extras, ausência de  liberação de áreas,  interferência  com  fatores antes 

ocultos, interface e sobreposição de atividades com outras empresas do 

site, variação inflacionária exorbitante, alteração de índices econômicos e 

alíquotas  fiscais, modificação da  legislação  trabalhista e previdenciária, 

índices  pluviométricos  acima  dos  históricos  normais,  problemas 

geológicos, geodésicos ou litográficos não previstos, etc. 

Como nem todos os riscos podem ser previstos e contemplados no 

contrato,  a  imprevisibilidade  é  condição  constante  nos  projetos  de 

construção  e  infraestrutura,  motivo  pelo  qual  a  administração  de 

contratos  é  de  suma  importância  para  realizar  o  eficiente  controle, 

acompanhamento, registro e sistematização da alteração das condições 

de trabalho, possibilitando as tratativas necessárias para a implementação 

dos  ajustes  contratuais  necessários  no  tempo  e  na  forma  devidas  e 

preconizadas, prevenindo, mitigando ou recuperando perdas e prejuízos, 

em razão da manutenção ou reestabelecimento da equação econômico e 

financeira do contrato, e da garantia da vigência das premissas contratuais 

essenciais inicialmente pactuadas. 

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A partir do controle e rastreabilidade do repositório de documentos 

corporativos  e  do  registro  sistemático  da  alteração  das  condições  de 

trabalho e das premissas contratuais essenciais é possível se elaborar um 

mapa de  impactos e fortalecer o controle das modificações, que servirá 

como  subsidio  a  apresentação  de  reivindicações  de  reajustamento  do 

contrato e reestabelecimento do seu equilíbrio econômico e  financeiro, 

conversão de riscos em oportunidades e suporte à eficiente gestão dos 

contratos de engenharia. 

O domínio da engenharia ‐ concepção e custo ‐ do empreendimento 

e do seu  respectivo processo de produção é pressuposto básico para a 

eficácia da Administração Contratual. 

Nesta  perspectiva  é  que  a  doutrina  técnica  especializada  tem 

concebido a elaboração e apresentação de pleitos e  reivindicações, em 

decorrência  da  realização  da  administração  de  contratos,  como“...um 

requinte adotado por poucas empresas até meados da década de 90.” [7] 

Segundo  PEDROSA  a  administração  de  contratos  constitui“...uma 

prática  recente em empresas de grande porte e ainda pouco usual em 

empresas menores.” [8] 

Para GARRETT “o objetivo da administração de contrato é assegurar 

a conformidade dos termos e condições contratuais, ao longo da execução 

do contrato e até o seu encerramento.”. [9]   

O  instrumento  do  contrato  e  os  documentos  que  lhe  são  anexos 

(Requisição e especificação técnica, edital de concorrência, instruções de 

saúde, segurança e meio ambiente, condições de acesso de equipamentos 

e  subcontratados,  cronograma  físico,  marcos  contratuais  de  entrega, 

proposta técnica e comercial do contratado, projetos, desenhos, croquis 

e  layouts,  entre  outros)  constituem  as  referências  para  a  prática  da 

Administração de Contratos. 

No entendimento de FRISBY: 

“Os  contratos  de  construção  estão  repletos  de  riscos 

potenciais  para  a  empreiteira.  (...)  É  essencial  que  os  ricos 

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contratuais também sejam entendidos no contexto da decisão 

de ofertar‐se ou não uma proposta. (...) Todas as empreiteiras 

deveriam colocar um aviso em seus escritórios, com as palavras: 

Leiam o contrato.”.[10] 

De acordo  com CAVENDISH E MARTIN o  ciclo da administração do 

contrato: 

“...inicia‐se  com  sua  assinatura  entre  o  comprador  e  o 

vendedor, terminando com sua liquidação. Esse ciclo compõe‐se 

de todas as ações envolvidas, com a entrega e aceite da obra e 

serviços”. [11] 

Segundo sugerem Clough e Sears (1991). 

“Em  alguns  casos,  há  necessidade  de  pleitear  o 

cumprimento do contrato, exigindo os direitos  inerentes a ele. 

Durante  o  período  de  execução  dos  serviços,  podem  surgir 

disputas  entre  o  proprietário  e  o  contratado  envolvendo 

reivindicações  por  tempo  ou  remuneração  extra.  Caso  haja 

qualquer alteração das condições originais, deve‐se partir para 

uma  política  defensiva.  Assim,  será  possível  ressarcir‐se  dos 

efeitos decorrentes do descumprimento, por parte do cliente, de 

uma obrigação contratual”. 

Entretanto, atualmente, a administração de contratos tem sido mais 

do que uma ferramenta de controle do gerenciamento de aquisições de 

projetos,  com  extensão  e  abrangência  inclusive  anterior  à  própria 

assinatura do  contrato, devido  à dinâmica das  relações  comerciais  e  a 

realidade  dos  projetos  de  infraestrutura  e  construção  pesada,  sendo 

verdadeiramente  o  fiel  da  balança  entre  a  tênue  linha  entre  a  eficaz 

condução do ciclo de vida do projeto, com  sua consequente conclusão 

exitosa, e o desastre do projeto, com acumulo de prejuízos e resultados 

indesejáveis. 

Grande exemplo disso é  a  adoção de um procedimento  formal de 

Administração  Contratual  pela  Odebrecht  no  exterior.  A  direção 

da  Odebrecht  Contractors  of  Florida,  Inc.  (OFL)  estabeleceu  desde  o 

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segundo semestre de 1993 um programa de Administração Contratual em 

todas  as  suas  obras,  sendo  este  considerado  como  um  elemento  de 

capacitação  (treinamento  em  serviço)  indispensável  para  os  recursos 

estratégicos  da  empresa  e  da  adaptação  destes  aos  parâmetros  da 

indústria de construção vigentes no competitivo mercado dos EUA. 

O  que  era  considerado  um  requinte,  uma  excentricidade  usada 

exclusivamente  para  reivindicações,  é,  nos  dias  de  hoje,  a  segurança 

empresarial  de  uma  compensação  por  eventual  planejamento 

inadequado ou pela ocorrência de situações imprevistas ou previstas, mas 

de consequências incalculáveis, com repercussão nas premissas essenciais 

do  contrato  e  alteração  da  equação  econômica  e  financeira  do  ajuste 

comercial realizado. 

CONCLUSÃO: 

O Direito da Infraestrutura ou Direito da Construção vem fazendo com 

que os profissionais que atuam nessa área extrapolem o conhecimento 

jurídico‐contratual  comum  as  atividade  e  gestão  jurídica  e  passem  a 

agregar conhecimentos técnicos, financeiros e econômicos para  lidar de 

forma eficiente e adequada com os contratos e projetos de infraestrutura 

no país, principalmente diante do cenário de crise econômica e reduzidos 

investimentos em infraestrutura. 

É  neste  contexto  que  a  Administração  Contratual  torna‐se 

indispensável e uma questão de sobrevivência no mercado da construção 

e para adoção das melhores práticas em gestão de contratos, visando à 

integração estratégica e multidisciplinar entre as áreas técnica e jurídica 

de  projetos  de  construção,  ao  equilíbrio  econômico  e  financeiro  do 

contrato e à segurança jurídica para as partes contratantes, sedimentando 

cada dia mais a cultura e a prática do Direito da Construção como ramo 

autônomo do Direito e como disciplina e técnica jurídica indispensável à 

gestão eficiente de contratos de construção em tempos de crise.  

NOTAS:

[1] Guia PMBOK@, 3º ed., 2004, Project Management Institute.

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[2] PMI. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos - Guia PMBOK@, 3º ed., 2004, p. 351.

[3] PMI. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos - Guia PMBOK@, 3º ed., 2004, p. 290.

[4] BUCKER, Maurício Brun. Gerenciamento de conflitos, prevenção e solução de disputas em empreendimentos de construção civil. Dissertação apresentada à Escola Politécnica da USP. São Paulo: 2010, p. 41-42

[5] JENKINS, J.; STEBBINGS, S. International Construction Arbitration law. Arbitration in context series. 1st ed. AH, Alphen aan den Rijn – The Nederlands: Kluwer Law International: 2006, p. 442.

[6] MURDOCH, J.; HUGHES, W.: Construction Contracts:law and management. 4st ed. Oxon UK: Taylor & Francis Group, 2008, p. 401.

[7] RICARDINO, Roberto. Administração de contratos em projetos de construção pesada no Brasil: Um estudo de interface com o processo de análise de risco. Dissertação apresentada a Escola Politécnica da Universidade de São Paulopara obtenção do título de mestre em engenharia. São Paulo, 2007, p. 07.

[8] PEDROSA, Verônica de Andrade; ROCHA LIMA JR., João.Reivindicações em contratos de empreitada no Brasil. Boletim Técnico da escola Politécnica da USP. Departamento de engenharia de construção Civil, BT/PCC/124, São Paulo, EPUSP, 1994, p. 20.

[9]  GARRETT,  Gregory  A.  Glossary  of  key  contrat 

managementin: Word  class  contracting. How winning  companies build 

successful partnership in the e‐business age, 2000, p. 126.

[10] FRISBY, Thomas N. How to survive (and prosper) in construction. Kingston (USA): R. S. Menas. 1990, p. 120-121.

[11] CAVENDISH, Penny; MARTIN, Martin D. Negotiating and contrating for project management in PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Principles of project management: collected

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handbooks from the project management institute. Newtown Square (USA), PMI, 1997, p. 93.

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PODER DE POLÍCIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: TESSITURAS À VIGILÂNCIA SANITÁRIA E A FUNÇÃO FISCALIZADORA DE PRODUTOS E SERVIÇOS DE ALIMENTOS

TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca do poder de polícia, bem como seus aspectos caracterizadores e premissas de atuação. Cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de

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revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

Palavras-chaves: Poder de Polícia. Vigilância Sanitária. Segurança Alimentar e Nutricional.

Sumário: 1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias; 2 Competência do Poder de Polícia; 3 O Exercício do Poder de Polícia em prol da Saúde Pública: Primeiras Linhas ao exercício da Vigilância Sanitária como atribuição do Poder Público; 4 Segurança Alimentar e Nutricional e Direito à Alimentação Adequada: Contornos Primários; 5 Poder de Polícia e Segurança Alimentar e Nutricional: Tessituras à Vigilância Sanitária e a Função Fiscalizadora de Produtos e Serviços de Alimento.

1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias

Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; “o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público”[1]. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social.

Neste sedimento, tal como dito acima, em que pese a inexistência de expressa menção do postulado em comento pelo texto constitucional, é impende destacar, com o realce que o tema carece, que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público”[2]. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público

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ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.

Ao lado do exposto, a locução poder de polícia abarca dois sentidos, um amplo e um estrito. Em uma acepção ampla, poder de polícia assume significação de toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Especial relevância assume a função do Poder Legislativo incumbido do ius novum uma vez que apenas as leis, organicamente consideradas, têm o condão de delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Trata-se, pois, de reafirmação do corolário da legalidade, expressamente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3]. Em uma fisionomia mais estrita, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que materializa verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. Substancializa, dessa maneira, atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores cominam a disciplina e as restrições aos direitos. Neste sentido, Celso de Mello explicita que:

A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa[4].

À luz das ponderações aventadas, com espeque na concepção de José dos Santos Carvalho Filho[5], o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de

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Mello[6], o poder de policia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor. Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir.

No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Cuida anotar que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto.

Em sede de âmbito de incidência, cuida reconhecer que é bastante amplo o círculo em que se pode fazer presente o poder de polícia. Em tal alamiré, qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo possibilita a intervenção restritiva do Estado. Em outros termos, não há direitos individuais absolutos a esta ou àquela atividade, mas, ao reverso, deverão estar subordinados aos interesses

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coletivos. Daí é possível dizer que a liberdade e a propriedade são sempre direitos condicionados, eis que se sujeitam às restrições necessárias a sua adequação ao interesse público. “É esse o motivo pelo qual se faz menção à polícia de construções, à polícia sanitária, à polícia de trânsito e de tráfego, à polícia de profissões, à polícia do meio ambiente”[7]. Em todos esses segmentos aparece o Estado, em sua atuação restritiva de polícia, com o escopo de assegurar a preservação do interesse público.

2 Competência do Poder de Polícia

A competência para exercer o poder de polícia é, em um primeiro momento, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Com destaque, os assuntos concernentes ao interesse nacional ficam sujeitas à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional estão condicionadas às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local estão subordinados aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Com destaque, o sistema de competências constitucionais é responsável por afixar as linhas básicas do poder de regulamentação das pessoas federativas, não sendo, entretanto, possível esquecer que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, consoante se extrai dos artigos 22, parágrafo único, 23 e 24 da Constituição Federal[8].

Carvalho Filho[9] explicita que será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Igualmente, só pode ter-se por legítimo o exercício de atividade administrativa materializadora do poder de polícia se a lei em que estiver calcada a conduta da Administração encontrar guarida no Texto Maior. Caso a lei seja inconstitucional, os atos administrativos, que com fundamento nela sejam praticados, serão considerados ilegítimos, caso sejam voltadas a uma pretensa tutela do interesse público, substancializada no exercício do poder de polícia. Destarte, conclui-se que só há poder de polícia legítimo se legítima for a lei que o sustenta. Ao lado disso, imprescindível faz-se anotar que, como o sistema de partilha de competências constitucionais envolve três patamares federativos – o

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federal, o estadual e o municipal -, e tendo em vista o contraste de competências privativas e concorrentes, salta aos olhos que, dada a complexidade da matéria, comumente surgem hesitações na doutrina e nos Tribunais quanto à entidade competente para a execução de certo serviço ou para o exercício do poder de polícia. Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida transcrever o paradigmático entendimento:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital N. 3.460. Instituição do programa de inspeção e manutenção de veículos em uso no âmbito do Distrito Federal. Alegação de violação do disposto no artigo 22, inciso XI, da Constituição do Brasil. Inocorrência. 1. O ato normativo impugnado não dispõe sobre trânsito ao criar serviços públicos necessários à proteção do meio ambiente por meio do controle de gases poluentes emitidos pela frota de veículos do Distrito Federal. A alegação do requerente de afronta ao disposto no artigo 22, XI, da Constituição do Brasil não procede. 2. A lei distrital apenas regula como o Distrito Federal cumprirá o dever-poder que lhe incumbe --- proteção ao meio ambiente. 3. O DF possui competência para implementar medidas de proteção ao meio ambiente, fazendo-o nos termos do disposto no artigo 23, VI, da CB/88. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 3.338/ Relator: Ministro Joaquim Barbosa/ Relator p/ Acórdão: Ministro Eros Grau/ Julgado em 31.08.2005/ Publicado no DJe em 05.09.2007).

À luz do exposto, incumbe ao intérprete promover detida análise da hipótese concreta, buscando estabelecer uma adequação pertinente ao sistema estabelecido no Texto Constitucional. Oportunamente, convém explicitar que o poder de polícia, sendo atividade que, em algumas hipóteses, acarreta competência concorrente entre pessoas federativas, enseja sua execução em sistema de cooperação calcado no regime de gestão

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associada, encontrando respaldo no artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[10]. Ao lado disso, em tais hipóteses, os entes federativos interessados firmarão convênios administrativos e consórcios públicos destinados ao atendimento dos objetivos do interesse comum.

3 O Exercício do Poder de Polícia em prol da Saúde Pública: Primeiras Linhas ao exercício da Vigilância Sanitária como atribuição do Poder Público

À luz das ponderações estabelecidas até o momento, cuida reconhecer que o poder de polícia é exercido nas mais diversas áreas, em especial na saúde pública, encontrando, com efeito, neste segmento, na execução da parte de suas funções na vigilância sanitária que recebe proeminente destaque. Ao lado disso, prima sublinhar que vários são os níveis que tocam a vigilância sanitária, responsáveis por conferir contornos próprios, como a dimensão política, ideológica, técnica e jurídica e o seu poder normativo, educador e de polícia. Hodiernamente, a Lei Orgânica da Saúde explicita que se entende por vigilância sanitária como um conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir os riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, compreendendo: (i) o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, abarcando todas as etapas e processos, da produção ao consumo; (ii) o controle da prestação de serviços que relacionem direta ou indiretamente com a saúde. É, portanto, plenamente observável que o diploma em comento, ao tratar sobre o poder de polícia, conferiu ampliação sensível na locução vigilância sanitária, que passa a incorporar ações que interferem em toda a cadeia de produção, nos servidores prestadores de ações de atenção à saúde e ao meio ambiente.

Em complemento ao acimado, o poder de polícia, em sede de saúde pública, desempenha proeminente papel na seara da vigilância, epistemológica e sanitária, como órgãos fiscalizadores sobre o ambiente de trabalho, atribuição incorporada ao texto legal por meio da inclusão do §3º do artigo 6º da Lei Orgânica da Saúde. Entende-se por saúde do trabalhador, para fins da Lei Organização de Saúde, um conjunto de atividades que se

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destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: (i) assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; (ii) participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; (iii) participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; (iv) avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; (v) informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; (vi) participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; (vii) revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e (viii) a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.

No mais, as ações da vigilância sanitária estão inseridas em um contexto mais ampliado, a saber: as ações de saúde, buscando a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde dos indivíduos, sobremaneira em decorrência do contorno de fundamentalidade conferido ao direito à saúde, expressamente atribuído pelo Texto Constitucional de 1988. Neste talvegue, as ações de vigilância sanitária estão insertas dentro do campo do direito sanitário, um ramo do direito administrativo. Como desenvolve ações de controle sanitário de portos, aeroportos e fronteiras, insere-se no direito sanitário internacional, ramificação do direito internacional público. Assim, ainda no que toca à tal seara de incidência do poder de

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polícia, é plenamente denotável que a vigilância sanitária tem muitas atribuições, e todas, quando verificadas sob a ótica de suas ações, são atividades complexas, porém, na maioria das vezes, normatizadas. Exerce funções relacionadas tanto ao poder vinculado da administração (expedição de licenças) como ao poder discricionário (autorizações). Sublinha-se, entrementes, que todos são atos administrativos e, portanto, limitados por lei no que concerne à competência, forma, fins, motivos e objeto, sempre buscando a satisfação do interesse público a ser protegido, buscando compatibilizar o exercício dos direitos individuais com o bem-estar social.

4 Segurança Alimentar e Nutricional e Direito à Alimentação Adequada: Contornos Primários

Em alinho às ponderações aventadas até o momento, o direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada não deverá, portanto, ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. O direito à alimentação adequada terá de ser resolvido de maneira progressiva. No entanto, os estados têm a obrigação precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome, mesmo em épocas de desastres, naturais ou não. Adequação e sustentabilidade do acesso e da disponibilidade de alimento. Com destaque, quadra reconhecer que o conceito de adequação é particularmente significativo com relação ao direito à alimentação, na medida em que ele serve para salientar vários fatores que devem ser tomados em consideração para determinar se os alimentos ou dietas específicas que estão disponíveis podem ser considerados os mais apropriados, em um conjunto determinado de circunstâncias.

A noção de sustentabilidade está intrinsecamente ligada à noção de alimentação adequada e segurança alimentar, o que significa estar o alimento disponível tanto para a geração atual, como para as futuras gerações. O significado preciso de “adequado” está condicionado, em grande parte, pelas condições sociais, econômicas, culturais, climáticas,

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ecológicas, e outras mais, que prevalecem, enquanto que a “sustentabilidade” incorpora a noção de disponibilidade e acessibilidade em longo prazo. Considera-se que o conteúdo essencial do direito à alimentação adequada consiste do seguinte: (i) a disponibilidade do alimento, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas das pessoas, livre de substâncias adversas e aceitável para uma dada cultura; (ii) A acessibilidade ao alimento de forma sustentável e que não interfira com a fruição de outros direitos humanos. Por necessidades dietéticas entende-se que a dieta, como um todo, deva conter uma mistura de nutrientes necessários para o crescimento físico e mental, desenvolvimento e manutenção, e atividade física, que estejam de acordo com as necessidades fisiológicas humanas em todas as etapas do ciclo de vida, e de acordo com o gênero e a ocupação. É possível que medidas precisem ser tomadas para manter, adaptar ou fortalecer a diversidade dietética e os padrões de consumo e administração dos alimentos, o que inclui a amamentação, ao mesmo tempo em que se assegura que mudanças na disponibilidade e acessibilidade aos alimentos pelo menos não afetem negativamente a composição da dieta e o consumo.

A necessidade de estar livre de substâncias adversas estabelece requisitos para a segurança do alimento e para um conjunto de medidas, públicas e privadas, destinadas a impedir a contaminação do alimento por adulteração e/ou más condições higiênicas, e por manuseio inadequado nas diferentes etapas da cadeia alimentar; é preciso tomar cuidados para identificar, impedir ou destruir toxinas que ocorrem naturalmente. A aceitabilidade cultural ou do consumidor implica, também, a necessidade de tomar-se em consideração, tanto quanto possível, valores que não estão ligados à valorização do conteúdo nutricional do alimento, mas sim estão ligados ao alimento, em si, ou ao seu consumo, e a preocupações do consumidor bem informado sobre a natureza do suprimento de alimentos disponíveis. No mais, cuida sublinhar que a disponibilidade abrange alternativas de alimentar-se, diretamente da terra produtiva ou de outros recursos naturais, como através de sistemas eficientes de distribuição, processamento, e venda, que possam transportar o alimento de sua origem para onde seja necessário, de acordo com a demanda.

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A acessibilidade abrange tanto a acessibilidade econômica como a física: Acessibilidade econômica significa que os custos financeiros, pessoais e familiares, associados com a aquisição de alimento para uma determinada dieta, deveriam ser de tal ordem que a satisfação de outras necessidades básicas não fique ameaçada ou comprometida. Acessibilidade econômica aplica-se a qualquer esquema de aquisição ou habilitação, utilizado pelas pessoas para obter o seu alimento, e é uma medida da adequação do processo de fruição do direito à alimentação adequada. Grupos socialmente vulneráveis, como os sem terra e outros segmentos empobrecidos da população podem necessitar do apoio de programas especiais. Acessibilidade física significa que uma alimentação adequada deve ser acessível a todos, inclusive aos indivíduos fisicamente vulneráveis, tal como crianças até seis meses de idade e crianças mais velhas, pessoas idosas, os deficientes físicos, os doentes terminais e pessoas com problemas médicos persistentes, inclusive os doentes mentais. Vítimas de desastres naturais, pessoas vivendo em áreas de alto risco e outros grupos particularmente prejudicados, podem necessitar de atenção especial e, em certos casos, ser priorizados com relação à acessibilidade ao alimento. Uma vulnerabilidade particular é aquela de grupos indígenas, cujo acesso às suas terras ancestrais pode estar ameaçado. Denota-se, portanto, que o direito à alimentação adequada, na contemporaneidade, recebeu especial relevo, sobremaneira quando compreende, de maneira determinante, a realização plena do indivíduo, substancializado o superprincípio da dignidade da pessoa humana.

5 Poder de Polícia e Segurança Alimentar e Nutricional: Tessituras à Vigilância Sanitária e a Função Fiscalizadora de Produtos e Serviços de Alimentos

Antes de adentrar no cerne do presente, cuida trazer à colação uma sintética análise dos aspectos caracterizadores do poder de polícia, a saber: autoexecutoriedade e coercibilidade. A Administração pode tomar as providências que modifiquem imediatamente a ordem jurídica, cominando, desde logo, obrigações aos particulares, com o escopo de atender ao interesse coletivo. Assim, diante de tal primado, não pode a Administração ficar à mercê do consentimento dos particulares. Em situação distinta, cumpre-lhe agir de imediato. “A prerrogativa de praticar

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atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade”[11]. Ao lado disso, tanto é autoexecutório a restrição cominada em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao individuo, quando, à guisa de citação, comete transgressões administrativas. O sentido da autoexecutoriedade repousa na premissa de que, uma vez verificada a presença dos pressupostos legais, a Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Ao exemplificar, Celso de Mello esclarece, oportunamente que:

Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução. A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a paralisação da exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade[12].

Outro ponto que merece ser considerado faz alusão à autoexecutoriedade não depende de autorização de qualquer outro Poder, desde que a legislação autorize o administrador a praticar o ato de forma imediata. Assim, acertada é a decisão segundo a qual, no exercício do poder de polícia administrativa, não depende a Administração da intervenção de outro poder para torná-lo efetivo. Quando a lei estabelece o exercício do poder de polícia com autoexecutoriedade, é porque se faz necessária a proteção de determinado interesse coletivo. Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira está assentada no fato de que existem atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, a exemplo do que ocorre com as multas, cuja cobrança só é efetivamente materializada pela

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ação própria na via judicial. A outra repousa no ideário de que a autoexecutoriedade não deve integralizar objeto do abuso de poder, de maneira que deverá a prerrogativa guardar compatibilidade com o princípio do devido processo legal para o fito de ser a Administração Pública obrigada a respeitar as normas legais.

A característica em comento explicita o grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia, porquanto, como é natural, a polícia administrativa não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Destarte, se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperi estatal, há de ser desempenhada de maneira a obrigar todos a observarem os seus comandos. Oportunamente, urge explicitar que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de empregar a força, quando necessária para vencer eventual recalcitrância. Celso de Mello[13], em seu escólio, oportunamente, frisa que é natural que seja na seara do poder de polícia que se manifesta de modo frequente o exercício da coação administrativa, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para assegurar a eficaz proteção, depender das demoras advindas do procedimento judicial. Ora, tal situação renderia ensejo ao perecimento dos valores sociais resguardados por meio de polícia, observadas, evidentemente, porém, as garantias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas.

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. A segurança alimentar e nutricional abrange: I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda; II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da

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população, incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social; IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população; V – a produção de conhecimento e o acesso à informação; e VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do território nacional.

Estabelecidos tais marcos e diante da proeminência assumida pelo direito à alimentação adequada, cuida realçar que a regulamentação da temática e a competência de inspecionar e fiscalizar vindicam algumas reflexões. Nesta linha de raciocínio, com a promulgação do Texto de 1988, a fiscalização e a inspeção de alimentos recebeu contornos constitucionais. Nesta esteira, cuida reconhecer que o poder de polícia, no que atina à fiscalização de alimentos, sobretudo se esses atendem, ou não, os critérios estabelecidos pelas normas de padronização e de vigilância sanitária, configura mecanismo imprescindível para assegurar que o direito à alimentação adequada seja substancializado, sobretudo em sede de dimensão de segurança alimentar e nutricional. A fiscalização, in casu, é instrumento imprescindível para que, por meio de padrões rígidos de segurança e qualidade os alimentos possam atender ao ideário de alimentação qualitativa e não apenas quantitativa.

Referência:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

__________. Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999. Estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

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__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2016. __________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed.São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

NOTAS:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2010, p. 64.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 35.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 838.

[5] CARVALHO FILHO, 2011, p. 70.

[6] MELLO, 2013, p. 853.

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[7] CARVALHO FILHO, 2011, p. 77.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2016.

[9] CARVALHO FILHO, 2011, p. 72.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2016. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

[11] CARVALHO FILHO, 2011, p. 81.

[12] MELLO, 2013, p. 857.

[13] MELLO, 2013, p. 858.

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"O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS": UMA BREVE ANÁLISE

MARCELO ALVES VIEIRA: Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília. Atualmente Graduando de Direito.

Resumo: O presente trabalho se presta a realizar uma análise/resumo da paradigmática obra "O Caso Dos Exploradores de Cavernas", de Lon Luvois Fuller. Trata-se majoritariamente de uma análise acrítica, mas que em sua conclusão traz conjugações com o direito e a sociedade jurídica.

Palavras-chave: exploradores; caso; conflito; normas.

1. Introdução

Em sua obra, Fuller desenvolve um caso fictício de interposição de recursos à também fictícia Corte de Instâncias Gerais do igualmente fictício Condado de Sotwfield, referente à condenação de quatro réus à forca, indiciados pelo crime de homicídio. Este caso é explanado pelo presidente da corte, Truepenny, e se constrói na forma apresentada a seguir. Os quatro réus fazem parte da Sociedade Espeleológica: um grupo de exploradores amadores de cavernas. Durante uma de suas explorações, os réus, em companhia de Roger Whetmore, também membro da sociedade, adentraram uma caverna típica. Quando já estavam todos a uma boa profundidade desta, ocorreu um desmoronamento de terra que bloqueou a única saída conhecida. Após notado seu desaparecimento e por terem deixado na sede da sociedade a localização da caverna que pretendiam visitar, foi promovido o envio de um grupo de salvamento.

O resgate foi frustrado várias vezes por novos desmoronamentos, um dos quais provocou a morte de dez trabalhadores; e se concluiu apenas no trigésimo segundo dia após a entrada dos exploradores. Desde o momento

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que se soube que os exploradores tinham poucos mantimentos, houve uma preocupação quanto a possibilidade de eles morrerem “de inanição” (FULLER, 2012, p.11). No vigésimo dia, descobriu-se que eles possuíam um rádio sem fio portátil; então, um dispositivo semelhante foi instalado próximo à entrada obstruída, possibilitando uma comunicação entre a equipe de resgate e os homens presos. Estes questionaram quantos dias se passariam até o resgate, a equipe deu a resposta de dez dias; eles então requisitaram uma equipe médica ao rádio, e descreveram a estes a condição em que se encontravam e os mantimentos que possuíam, pedindo uma opinião sobre a perspectiva de sobrevivência deles por mais dez dias sem alimentos, obtendo a resposta de uma possibilidade remota de sobrevivência. Depois de oito horas, Whetmore voltou ao rádio e perguntou, ainda à equipe médica, se a sobrevivência era possível por mais dez dias se eles consumissem a carne de um deles; o líder da equipe respondeu afirmativamente. Whetmore perguntou ainda se seria aconselhável que eles tirassem na sorte quem deveria ser comido, mas a equipe de médicos não emitiu opinião. Whetmore ainda perguntou se havia algum representante oficial do judiciário que pudesse responder tal questão, mas nenhum estava presente. Depois deste momento, mais nenhuma mensagem foi recebida de dentro da caverna. Quando os homens foram libertados, soube-se que no vigésimo terceiro dia após a entrada na caverna, “Whetmore tinha sido morto e comido pelos companheiros.” (FULLER, 2012, p. 13).

“De acordo com o testemunho dos réus, que foi aceito pelo júri” (FULLER, 2012, p. 13), Whetmore foi o primeiro a propor a busca de alimento neles próprios e também o uso de algum método para tirarem na sorte, e a sugerir o uso de dois dados que carregava consigo, proposta que foi aceita pelos réus. A princípio, eles hesitaram em recorrer a tal atitude, mas após o diálogo com a equipe médica, concordaram em seguir tal plano. Depois de discutido um método para a escolha através dos dados, a execução do plano se iniciou; porém, neste momento, “Whetmore declarou que estava se retirando do arranjado” (FULLER, 2012, p. 14), alegando querer aguardar mais tempo antes de adotar tal atitude. Os réus o acusaram de “violação do acordo” (FULLER, 2012, p. 14) e continuaram ao lançamento dos dados; quando chegou a vez de Whetmore, os dados foram lançados por um dos réus, e a aquele foi questionado se havia alguma

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“objeção quanto à justiça da jogada. Ele declarou que não tinha objeções a fazer.” (FULLER, 2012, p. 14). Tal lançamento teve como resultado o estabelecimento de que Whetmore deveria ser morto e comido por seus colegas.

Após certo tempo do resgate, os réus foram “denunciados pelo crime de homicídio de Roger Whetmore” (FULLER, 2012, p. 14). No julgamento, o presidente do júri, um advogado por profissão, requisitou se poderia ser passada ao juiz do Tribunal a decisão final acerca do caso; pedido que foi atendido com consentimento geral. Num longo veredito, o júri decidiu que, com base nos fatos acima relatados, os réus deveriam ser considerados “culpados do crime pelo qual foram indiciados” (FULLER, 2012, p. 15) e deveriam ser condenados. E com base neste veredito, o juiz de primeira instância também decidiu pela culpabilidade dos réus; em consequência, “sentenciou-os à forca” (FULLER, 2012, p. 15). Após o fim do julgamento, os membros do júri enviaram uma “petição conjunta” (FULLER, 2012, p. 15) ao chefe do Executivo demandando a modificação da sentença para reclusão de seis meses. Ato semelhante foi conduzido pelo juiz de primeira instância. Até o momento da discussão do caso na Corte, não houve resposta oficial do Executivo.

2. Desenvolvimento

2.1 Tópico I

Em seu voto, Truepenny mostra seu apoio ao ato dirigido pelo júri e pelo juiz de primeira instância, descrevendo-o como um curso “não somente justo e sábio, mas sim o único curso que lhes restava aberto em face dos dispositivos legais.” (FULLER, 2012, p. 16). O texto da lei vigente em Stowfield não deixa qualquer exceção ao caso dos exploradores, porém “nossas simpatias” (FULLER, 2012, p. 16) podem nos levar a reconsiderarmos o caso, vista a trágica situação em que os réus se encontravam. Neste cenário, Trupenny enfatiza que o recurso ao executivo é o meio mais adequado de “mitigar os rigores da lei” (FULLER, 2012, p. 16); e propõe a seus quatro colegas que sigam a mesma atitude do júri e do juiz e ratifiquem a condenação enquanto apoiam o pedido enviado ao executivo.Truepenny ainda destaca que existe uma grande chance de uma

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resposta positiva a tal recurso, posto que este possui prestígio por ter vindo daqueles que “estudaram o caso e tiveram a oportunidade de familiarizar-se totalmente com suas circunstâncias” (FULLER, 2012, p. 17). Portanto, é de se supor que algum tipo clemência será concedida a esses homens; se assim for, “então a justiça será feita sem prejudicar nem a letra nem o espírito dos nosso estatutos e sem oferecer qualquer estímulo para o desrespeito da lei.” (FULLER, 2012, p. 17).

2.2 Tópico II

Em seu voto, Foster deixa clara oposição frente à decisão do tribunal de declarar os réus como culpados. Ainda enfatiza que a dimensão moral do caso não deve ser ignorada e que “se este Tribunal declara que, sob nossa lei, estes homens cometeram um crime, então a nossa lei é em si mesma condenada no tribunal do senso comum” (FULLER, 2012, p. 18). Se então o regimento vigente leva a uma decisão da qual os juízes se envergonham e a única saída encontrada depende de “um capricho pessoal do Executivo” (FULLER, 2012, p. 18), Foster entende aqui uma evidência da falta de pretensão à justiça de tal regimento. Foster declara acreditar que, em oposição à decisão feita no tribunal, o regimento de Stowfield declara os réus inocentes, por dois motivos independentes.

O primeiro destes se trata do fato que o caso dos exploradores não está subjugado ao regimento positivado da comunidade, mas sim subjugado às chamadas “‘leis da natureza’” (FULLER, 2012, p. 19). Isto está embasada no fato de que o direito positivado pressupõe “a possibilidade de coexistência dos homens em sociedade” (FULLER, 2012, p. 19). Em uma situação em que tal coexistência é impossível, o alicerce de todos os precedentes e estatutos do regimento, deixa de existir; e, portanto, deixa de existir também a “coercibilidade do nosso direito positivo” (FULLER, 2012, p. 19). Dessa forma, Foster propõe que, neste caso, deve ser aplicada a máxima cessante ratione legis, cessat et ipsa lex “ao conjunto de nosso ordenamento jurídico” (FULLER, 2012, p. 19). Foster adiciona ainda que uma jurisdição possui uma “base territorial” (FULLER, 2012, p. 21), ou seja, só pode ser vigente em certa delimitação territorial. Este princípio tem embasamento no fato de que “só é possível impor uma ordem jurídica única a um grupo de homens de uma determinada área” (FULLER, 2012, p. 21).

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Pode-se assim chegar à conclusão de que os réus, devido às circunstâncias em que se encontravam, estavam “tão distantes de nossa ordem jurídica que poderiam estar a mil milhas de nossa fronteiras” (FULLER, 2012, p. 21). Foster conclui então que os réus, no momento em que mataram Whetmore, não estavam sob um “‘estado de sociedade civil’ mas sim num ‘estado de natureza’” (FULLER, 2012, p. 22). Consequentemente, a lei a ser aplicada a tal caso não é a lei positivada, mas sim a adequada às condições de tal caso. Foster completa que não hesita em dizer “que segundo estes princípios eles eram inocentes de qualquer crime.” (FULLER, 2012, p. 22).

Foster mostra ainda que, posta tal situação em que o direito positivado perde seu uso, foi necessário então a construção de um novo contrato entre os homens: o acordo firmado entre eles no interior da caverna. Contrato este que, uma vez estabelecido em consenso, dá justificativa moral aos atos estabelecidos em tal contrato. Foster destaca que tal interpretação será recebida “com um certo desconforto por muitos que venham a vê-la” (FULLER, 2012, p. 25), posto que a vida humana é vista usualmente como um valor absoluto e inegável. Porém essa concepção é ilusória, visto que todo e qualquer empreendimento promovido por qualquer sociedade em qualquer tempo tem como consequências mortes de certos indivíduos; mas estas ainda assim são ditas, por nós, compensadas pelos benefícios advindos de tais empreendimentos. A mesma lógica é aplicável ao caso dos exploradores.

O segundo motivo que corrobora a inocência dos réus está e um argumento de âmbito oposto ao do anterior, neste, os estatutos consolidados de Stwofield tem total prevalência sobre os homens dentro da caverna. Porém, mesmo nesse cenário, a condenação certa destes não existe, posto o tradicional principio de que “um homem pode infringir a letra da lei sem violar a lei em si.” (FULLER, 2012, p. 27). Isto implica que toda lei carece de uma interpretação racional, ligada ao caso. Foster usa o exemplo do casoComunidade v. Staymore, em que um réu foi “condenado tendo em vista uma lei que considera crime estacionar um carro, em certas áreas, por um período superior a duas horas.” (FULLER, 2012, p. 28). Nesse caso, o réu foi impedido de retirar seu carro de tal local por ocasião de uma demonstração politica “da qual ele não participou e não pudera prever.” (FULLER, 2012, p. 28). Assim, levando-se em conta tal contexto, sua

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condenação foi anulada. Como outra evidência, Foster mostra o estabelecimento da excludente de culpabilidade da legítima defesa a casos de homicídio: mesmo sem estar explícita no texto, essa exceção é usada constantemente, visto que o texto legal não é aplicado literalmente. Dessa forma, tal excludente não pode ser emparelhada com as palavras da lei, mas sim com o seu propósito.

Neste caso em específico, tal propósito é a prevenção, ou seja, persuadir os homens a não cometerem homicídios postas as consequências advindas desta ação. Assim, posto que em uma circunstância de legítima defesa não há espaço para prevenção de qualquer tipo, o texto da lei não pode ser aplicado puramente. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao caso dos exploradores: suas decisões de vida não estavam controladas pelo “código penal” (FULLER, 2012, p. 30), mas sim por suas convicções de sobrevivência. Foster destaca que não quer aqui propor a não subordinação do tribunal às leis, mas sim a distinção entre “fidelidade inteligente e não inteligente” (FULLER, 2012, p. 31) ao texto do regimento. Foster conclui que “os réus são inocentes do crime de homicídio (...) e que a decisão de condenação deve ser reformada.” (FULLER, 2012, p. 32).

2.3 Tópico III

Em seu voto, Tatting destaca que geralmente preza pela dissociação dos “aspectos emocionais e intelectuais” (FULLER, 2012, p. 32) ao tomar suas decisões dentro de um tribunal, mas que encontra dificuldades em tal tarefa no julgamento deste caso. Tatting julga o voto de Foster repleto de lacunas e começa demonstrando tais desacertos no primeiro argumento. Neste, Foster diz que os réus estavam sob um “estado e natureza”; porém, tal transição de um estado para outro não se estabelece clara em nenhum momento, deixando espaço para inúmeras arbitrariedades dentro de tal perspectiva. Ainda dentro desse âmbito, na suposição de que os réus estavam sob um “estado de natureza” quando dentro da caverna, este tribunal não seria então capaz de sequer emitir opiniões acerca do caso, posto que o tal Tribunal é uma corte submetida a leis positivadas e não leis da natureza; não sendo portanto um “tribunal da natureza”.

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Tatting destaca ainda o caráter odioso de tal código da natureza, visto que estabelece leis de contratos como mais fundamentais que leis de assassinatos e ainda mais, estabelece uma irrevogabilidade plena a contratos estabelecidos. Todas estas considerações, tornam, para Tatting, “impossível (...) aceitar a primeira parte do argumento do meu colega” (FULLER, 2012, p. 37). Quanto à segunda parte do argumento de Foster, Tatting destaca seu caráter “nebuloso e ambíguo” (FULLER, 2012, p. 37); posto que, ao declarar que nenhuma lei deve ser aplicada de forma a contradizer seu propósito, não completa tal argumento devido ao fato de que uma lei possui, caracteristicamente, múltiplos propósitos. Portanto, a existência de um curso plenamente fixo de uma lei é uma perspectiva meramente simplista do código. Apesar de reconhecer que uma lei deve ser aplicada com apoio de seus propósitos e que isto pode ser efetivamente exemplificado pelo caso Comunidade v. Parry, Tatting demonstra que tal argumento não é satisfatório. Tatting demonstra a impossibilidade de analogia da excludente da legítima defesa ao caso, posto que esta estabelece a não-intencionalidade do assassino ao proteger sua vida enquanto os réus não apenas agiram intencionalmente mas também arquitetaram tal ação por “horas de discussão a respeito do que fariam.” (FULLER, 2012, p. 40). Para reforçar sua contra-argumentação a Foster, Tatting usa o exemplo do casoComunidade v. Valjean, em que um réu foi indiciado “pelo furto de um pão e ofereceu como defesa a circunstância de que se encontrava em uma situação próxima da morte por inanição.” (FULLER, 2012, p. 41). O Tribunal recusou esta defesa. Portanto, se a fome não pôde justificar o roubo de um alimento, aquela igualmente não pode justificar o assassinato de um homem. Dessa forma, aceitar o argumento de Foster é ignorar o caso Comunidade v. Valjean “e muitos outros precedentes construídos a partir deste caso.” (FULLER, 2012, p. 41).

Tatting demonstra ainda que haveria sim certo caráter preventivo em tal circunstância dentro da caverna, posto que, se soubessem que tal ato era “considerado como crime pela lei” (FULLER, 2012, p.), os réus teriam esperado por mais tempo antes te tomar tal atitude. Um outro ponto levantado por Tatting é o da arbitrariedade quanto ao âmbito da exceção que a declaração de inocência dos réus criaria: tal arbitrariedade traria inúmeras divergências e dificuldades em casos semelhantes no futuro, abrindo espaço a vereditos tendenciosos. Ao final de seu voto, Tatting

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demonstra que tem se envolvido demasiadamente com o caso, e que seus sentimentos e convicções o impedem de assumir uma ou outra posição. E então, estando totalmente incapaz de “resolver as dúvidas” (FULLER, 2012, p. 46) que o abatiam cada vez mais, Tatting declara sua retirada da decisão do caso.

2.4 Tópico IV

Keen inicia seu voto estabelecendo distinções entre elementos meramente morais e aqueles verdadeiramente competentes ao Trubunal. A primeira destas está ligada ao parecer emitido ao Executivo: Keen critica a pretensão do presidente do Tribunal de se ver na competência de passar instruções que deveriam ser seguidas pelo chefe do Executivo e ainda sugerir que “alguns inconvenientes irão surgir se tais instruções não forem atendidas.” (FULLER, 2012, p. 46-47). A aprovação ou não da clemência dirigida ao Executivo é de competência exclusiva do próprio Executivo, e não do Judiciário. Keen, em sua condição de cidadão privado, assume que iria até mais longe do que o chefe do Executivo pode ir aprovando a clemência dirigida a este, e “concederia perdão total a estes homens” (FULLER, 2012, p. 47). Porém, na sua condição de juiz, ele destaca que não deve emitir qualquer tipo de instrução ao chefe do Executivo.

A segunda questão se trata da tentativa de estabelecer se o que foi feito pelos homens é “certo” ou “errado”, esse é outro ponto irrelevante à função do juiz. A partir desta noção, é possível eliminar-se a primeira parte do voto de Foster: a fantasia de sua argumentação é deixada bem clara na longa declaração de Tatting acerca da mesma. A única questão diante dos juízes é “se estes réus, na concepção do N.C.S.A. (N.S.) § 12-A, deliberadamente tiraram a vida de Roger Whetmore.” (FULLER, 2012, p. 48); e o texto é bem claro: “‘Quem intencionalmente tirar a vida de outrem será punido com a morte.’ (Keen) Devo supor que qualquer observador imparcial (...) concederá imediatamente que os réus ‘intencionalmente tiraram a vida’ de Roger Whetmore.” (FULLER, 2012, p. 48). As discussões oriundas desse caso surgem simplesmente da insistência na indistinção entre os fatores legais dos aspectos morais deste caso. Keen diz ainda que seus colegas simplesmente “não gostam do fato de que a lei escrita requer a condenação destes réus” (FULLER, 2012, p. 49); o que se estende a ele mesmo. Porém,

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ao contrário de seus colegas, Keen respeita “as obrigações de um cargo que me obriga a colocar as minhas predileções pessoais de lado ao interpretar e aplicar a lei desta comunidade.” (FULLER, 2012, p. 49).

Keen destaca a construção de uma argumentação, por parte do Foster, que dá liberdade ao Tribunal de “desrespeitar o enunciado da lei quando algo não contido nela, chamado de seu ‘propósito’, pode ser empregado para justificar o resultado que o Tribunal considera adequado.” (FULLER, 2012, p. 49). Antes de discutir esse ponto, Keen faz uma explanação histórica acerca do estabelecimento das divisões de poderes em Stowfield: existiu um tempo em que os juízes legislavam com plena liberdade, o que abria espaço a modificações totais na lei por parte do Judiciário; neste cenário, “os princípios aceitos pela ciência politica não designavam de maneira segura a hierarquia e a função dos vários poderes

do Estado.” (FULLER, 2012, p. 50). O que resultou daí foi um confuso embate entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro. A questão aqui é que estes dias estão no passado, e que hoje reina um “princípio bem definido, que é a supremacia do Poder Legislativo” (FULLER, 2012, p. 51). Esse principio deixa claro o papel do Judiciário de fielmente aplicar a lei escrita, “de interpretá-la de acordo com seu significado evidente.” (FULLER, 2012, p. 51).

O que acontece em casos como o tratado aqui é que alguns juízes, como Foster, ainda não se acostumaram a tal delimitação de seu papel. Keen diz não estar aqui preocupado “se o principio que proíbe a revisão judicial das leis é certo ou errado” (FULLER, 2012, p. 51), mas sim “que este princípio tornou-se uma premissa tácita subjacente a toda ordem jurídica e governamental” (FULLER, 2012, p. 51). Keen descreve o processo de reforma jurídica em três etapas: a primeira é descobrir qual o propósito da lei, o que é feito apesar de nenhuma lei conter um propósito apenas; a segunda se trata de constatar que o legislador deixou lacunas na busca deste propósito; a terceira consiste em preencher esta lacuna. Keen, porém vê todo este processo, quando feito de forma imediata, como ilusório, posto que abre espaço a processos arbitrários e imprecisos, levando a resultados distante da realidade.

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Nessa perspectiva, “se nós não sabemos a finalidade do § 12-A” (FULLER, 2012, p. 55), não há como afirmar a existência de quaisquer lacunas neste. Considerações similares podem ser feitas quanto à excludente da legítima defesa, posto que “a questão não está no suposto propósito da lei, mas sim no seu âmbito.” (FULLER, 2012, p. 57). Dessa forma, sendo o âmbito de tal excludente os casos de resistência a uma ameaça à vida, o caso em questão não pode ser enquadrado neste âmbito; posto que “Whetmore não fez nenhuma ameaça contra a vida destes réus.” (FULLER, 2012, p. 57). Keen destaca ainda que os efeitos a longo prazo de uma decisão tão distante do texto legal como esta são degradantes ao ordenamento jurídico, posto que geram decisões imediatas tipicamente poluídas por “verbalismos e distinções metafísicas” (FULLER, 2012, p. 59); Keen então conclui seu voto reafirmando a condenação.

2.5 Tópico V

Em seu voto, Handy destaca a questão do âmbito humano dentro deste caso, enfatizando que “é uma questão de sabedoria prática a ser exercida em um contexto (...) de realidades humanas.” (FULLER, 2012, p. 61). De forma mais profunda, Handy afirma que o próprio governo é um “assunto humano” (FULLER, 2012, p. 61) e que os homens tem seu governo construído por outros homens, não por teorias ou palavras. O Judiciário se mostra como o segmento mais propenso de se distanciar do homem comum, devido à sua forma de execução marcada por “regras e princípios abstratos” (FULLER, 2012, p. 62) enquanto as massas comuns reagem a “uma situação conforme algumas características marcantes da mesma” (FULLER, 2012, p. 62), ou seja, dimensões amplas. Essa marca do judiciário se mostra de fato como um mal necessário, posto que existem áreas em que a regulação é intrínseca ao próprio funcionamento efetivo da mesma; mas, fora desse âmbito, Handy diz acreditar que “todos os funcionários públicos (...) cumpririam melhor seus deveres se tratassem as formas e conceitos abstratos como instrumentos.” (FULLER, 2012, p. 63). Assim, o bom administrador é o que adequa as diretrizes e princípios ao caso e seleciona “dentro dos formulários disponíveis os mais adequados para alcançar o resultado correto.” (FULLER, 2012, p. 64). Apenas desse modo é possível construir a essencial flexibilidade que mantém as ações

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dos juízes “em concordância com os sentimentos daqueles sujeitos à lei.” (FULLER, 2012, p. 64).

A exposição da decisão exige a introdução de algumas realidades. A primeira destas é a de que o caso despertou “interesse público” (FULLER, 2012, p. 65) e assim, a opinião da massa de que os réus devem ser perdoados se tornou bem clara nas pesquisas conduzidas pela imprensa. Tal constatação torna claro o que deve ser feito pelos juízes se estes desejam “preservar uma harmonia razoável e decente” (FULLER, 2012, p. 66) entre eles e a “opinião pública” (FULLER, 2012, p. 66). Esta decisão não se mostra indigna, mas pelo contrário, coerente e precisa; posto que a opinião pública demonstra seu papel claro dentro das decisões do Judiciário constantemente. Um exemplo possível é o das quatro formas que um individuo acusado de um crime tem de se livrar da punição: a primeira é de fato interna ao direito, se trata da determinação, por parte do juiz, de que tal individuo não cometeu nenhum crime; a segunda, de uma decisão do Ministério Público “não solicitando a instauração do processo” (FULLER, 2012, p. 68); a terceira, uma absolvição por parte do júri; e a quarta, uma comutação ou indulto de pena provindo do Executivo. Dentro desse âmbito, todos os órgãos e indivíduos envolvidos são inegavelmente influenciados pela opinião pública, o que transcende a decisão tomada por aqueles.

Handy demonstra sua repulsa quanto à clemência dirigida ao executivo, embasando-se no fato de que nenhum dos indivíduos interrogados na pesquisa citada anteriormente declarou considerar ideal que dois ramos do governo atuassem para a resolução do caso. Mesmo assim, esta “é uma solução que tem (...) dominado” as discussões dentro do Tribunal, e “que o próprio presidente (...) propõe como um caminho pelo qual podemos evitar cometer injustiças e ao mesmo tempo preservar o respeito à lei.” (FULLER, 2012, p. 71). Porém, a única coisa preservada com essa decisão é a moral do próprio presidente “e não a do povo” (FULLER, 2012, p. 71). Por último, Handy destaca a grande possibilidade de o chefe do Executivo recusar tal clemência, visto que este está decidido em proceder de tal forma pela razão de acreditar na credibilidade da sentença promovida pelo Tribunal, ou seja, a de culpabilidade dos réus. Aqui Handy se embasou em uma “via indireta, porém totalmente confiável” (FULLER, 2012, p. 72), razão pela qual já espera que seus colegas não

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aceitem tal argumento; mas ainda acredita que estes também prevejam tal possibilidade iminente por parte do Executivo. Como conclusão, Handy cita seu primeiro caso como magistrado, em que chegou a um veredito fiel à realidade ao deixar à parte as complexidades legais e analisar o caso com foco nas circunstâncias de tal evento. Ele faz então algo análogo no caso dos exploradores, declarando os réus inocentes e que a condenação deve ser reformada.

4. Conclusão

Truepenny constrói uma demonstração de que a atitude de ratificar a sentença do Tribunal de primeira instância e apoiar o recurso enviado ao Executivo é a única forma de ao mesmo tempo não ferir a lei e ainda assim fazer verdadeira justiça quanto ao caso. Porém, essa atitude é condenável por promover descaradamente a transferência de funções de um poder a outro, o que gera delegações arbitrárias a certos órgãos, tendo como consequência, resultados igualmente arbitrários. Além de colocar em dúvida a independência do judiciário, como é demonstrado nas argumentações de Foster, Keen e Handy a esse respeito.

Foster deixa bem clara sua posição caracteristicamente naturalista em seu primeiro argumento, que se mostra verdadeiramente superficial e simplista, como é demonstrado posteriormente por Tatting e Keen. Mas seu segundo argumento conta com uma surpreendente força devido ao seu caráter profundo e positivado de averiguação, e consegue manter-se de pé mesmo frente às críticas de Tatting e Keen.

Tatting levanta um ponto relevante em sua contraposição à Foster, mas perde boa parte de seu papel no caso ao optar por se abster na votação. Keen se mostra claramente positivista, o que acaba por conduzi-lo a um caminho muito distante da realidade, devido ao atrelamento excessivo ao texto e à letra jurídica. Handy se mostra como o juiz que mais se aproxima de uma decisão que seja juridicamente racional e responsável enquanto também próxima da realidade, principalmente por levar em consideração os fatores humanos presentes no caso: não os permite determinar o veredito, mas os leva em consideração durante todo o desenvolvimento deste. E concomitantemente se atenta à interpretação racional do texto jurídico,

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chegando finalmente à decisão de inocência dos réus. Que, apesar de correta, é frustrada devido ao empate dos votos e consequente ratificação da condenação à morte.

5. Referências bibliográficas

FULLER, Lon Luvois: O caso dos exploradores de cavernas, tradução do original em inglês por Sabrina Lotaif Kheirallah. São Paulo: Hunter Books, 2012.