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    RETERRITORIALIZAO DO ESPAO AGRRIO PERNAMBUCANO, A PARTIR DEPOLTICAS PBLICAS GOVERNAMENTAIS EM GARANHUNS-PE: ERRADICAO DO

    CAF E IMPLANTAO DA BACIA LEITEIRA

    Felippe Pessoa de Melo

    Graduao em Geografia-UPE, Especializao em Programao do Ensino de Geografia-UPE,Mestrado em Geocincias e Anlise de Bacias-UFS/PGAB, Doutorando em Geografia-UFS/PPGEO,Pesquisador do GEOPLAN, Docente nas Redes Estadual de Alagoas e Municipal de Garanhuns-PE.

    [email protected]

    Rosemeri Melo e SouzaProfessora Associada da Universidade Federal de Sergipe-UFS/NEAM, Bolsista de Produtividade em

    Pesquisa - CNPq, Graduao em Geografia-UFS, Especializao em Espao Rural no MundoSubdesenvolvido-UFS, Mestrado em Geografia-UFS/PPGEO, Doutorado em Desenvolvimento

    Sustentvel-UnB e Ps-Doutorado em Geografia Fsica-U. QUEENSLAND, [email protected]

    INTRODUO

    O presente artigo fruto de reflexes realizadas na disciplina Seminrios de

    Temas Especficos, ofertada pelo Programa de Ps-Graduao em Geografia/PPGEO da

    Universidade Federal de Sergipe/UFS, ministrada pelo professor visitante Dr. Bernardo

    Manano Fernandes. No transcorrer da disciplina, o docente apresentou e debateu uma

    nova proposta de classificao territorial, a tipologia do territrio, com trs ordens de

    classificao. A primeira, ou o primeiro territrio, representa o espao de governana; o

    segundo, a propriedade, mesmo havendo disputas; o terceiro caracteriza-se pela fluidez,

    sentido do fluxo no transcorrer do tempo. A trade conceitual supracitada, pode apresentar-

    se de forma material ou imaterial.

    Para Fernandes (2014), o uso do territrio definido pelas relaes capitalistas e

    no capitalistas, configurando um cenrio marcado por disputas vorazes, chegando ao

    ponto de derramamento de sangue. Pode-se citar como exemplo a situao do Pontal do

    Paranapanema. A coexistncia de territrios, nem sempre antnimo de conflitualidade,

    principalmente quando os modelos de uso e ocupao do solo se contrape, materializando

    um cenrio estruturado, do ponto de vista dos que detm o poder, e desestruturado pelos

    que so subjugados (Informao verbal).

    A multiterritorialidade se caracteriza por vrios usos no mesmo territrio. J a

    conflitualidade por atritos existentes pelos que esto disputando os modelos de

    desenvolvimento (Informao verbal). (FERNANDES, 2014).

    De acordo com Fernandes (2014), o modelo clssico de reforma agrria no Brasil

    composto por trs aes: desapropriao - 80%, compra - 10% e regularizao - 10%.

    Atualmente a estrutura a mesma, entretanto os percentuais so distintos. A primeira ao

    - 35%, a segunda 5% e a ltima com 60%. Caractersticas essas que demonstram drsticas

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    redues nos processos de compra e desapropriao em detrimento de um elevado ndice

    de regularizao. Verticalizando a leitura dessas informaes, observa-se que o processo

    de reforma agrria reduziu seu ritmo de forma significativa. O que vai de encontro aos

    dados oficiais do governo, o qual utiliza a maximizao dos percentuais de regularizao de

    forma que d a entender que mais expropriados do campo foram assentados, quando de

    fato o que ocorre a legitimao jurdica de reas j ocupadas. Questo essa que de

    suma importncia, mas deve ocorrer em consonncia com as demais medidas (Informao

    verbal).

    luz dessa nova proposta de classificao territorial, realizou-se uma anlise das

    causas da poltica de erradicao do caf (comercial) no municpio de Garanhuns - PE

    (Figura 1), implementada pelo Instituto Brasileiro do Caf - IBC em 1965 e as

    consequncias da substituio dessa monocultura, em detrimento da criao de gado

    leiteiro. Para tanto realizou-se uma pesquisa bibliogrfica sobre a temtica supracitada,

    norteada pela nova proposta para leitura, anlise e interpretao para essa categoria de

    estudo geogrfico (territrio) proposta por Fernandes (2014), o qual, conforme o prprio

    pesquisador/professor, encontra-se em fase de maturao terica.

    Figura 1 - Localizao da rea.

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    Essa poltica pblica de subordinao implantada pelo governo federal para com

    os cafeicultores provocou profundas mudanas no segundo territrio, pois o cultivo do caf

    era feito de forma artesanal, o que exigia grande quantidade de mo de obra, tanto no

    perodo da colheita como no posterior, devido a necessidade de manuteno dos cafezais.

    Segundo Fernandes (2014), a poltica pblica pode ser de subordinao ou de

    emancipao, ao passo que um determinado territrio pode ser estruturado para ter

    autonomia, poder de deciso mediante as questes que lhes so comuns, sem ceder s

    presses impostas pelo capital, sendo palco, nesse caso, palco de uma poltica

    emancipatria, mas quando a situao anttese, ocorre o processo de subordinao.

    Mas, com a substituio dessa lavoura pelo gado leiteiro, ocorre uma ruptura

    drstica nas relaes agrrias. Essa nova atividade necessitava de uma mo de obra menor

    e com uma qualificao diferente, ou seja, exigia a substituio do agricultor pelo vaqueiro,

    o que provocou um novo modelo de xodo rural em Pernambuco, no mais pela seca, e sim

    por uma poltica pblica agrria. Na teoria, a nova atividade proporcionaria o

    desenvolvimento econmico, o bem-estar social, mas na prtica, expropriou os

    trabalhadores rurais e concentrou ainda mais a renda.

    TERRITRIOS: UMA NOVA PROPOSTA DE ANLISE

    Ao ministrar a disciplina Seminrios de Temas Especficos no PPGEO, o Professor

    Bernardo Manano Fernandes apresentou uma nova proposta de anlise e interpretao da

    categoria territrio. Mas, preservando a essncia do conceito, que no caso so as relaes

    de poder exercidas em um determinado local.

    Para Santos (1994), o territrio/usado uma superposio de sistemas de

    engenharia diferentemente datados, e usados, hoje, segundo tempos diversos. As estradas,

    ruas, logradouros, no so percorridos igualmente por todos. Os ritmos de cada qual,

    empresas ou pessoas no so os mesmos.

    Segundo Souza (2013), territrio uma rea delimitada por e a partir de relaes

    de poder. Porm, uma frmula que deve ser entendida somente como uma primeiraaproximao, que refora a importncia da contribuio terica e metodolgica da nova

    proposta de anlise e interpretao da categoria territrio, que professor Bernardo Manano

    est desenvolvendo.

    Estando em trs territrios distintos porm indissociveis. O primeiro fixo, onde

    ocorre a governana, estando os demais subordinados a ele. O fato de no ser estabelecido

    uma escala de abrangncia, possibilita a aplicabilidade do modelo (terico/metodolgico)

    em diversos mbitos, ou seja, pode ser concebido tanto para reflexes que levem em

    considerao as questes territoriais, que tomam como base as hierarquizaes oficiais(Nao, estados, municpios, bairros...) e oficiosas (Fronteiras agrcolas, zonas de

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    expanso...). Deve-se deixar evidenciado que a versatilidade da proposta no compromete

    e nem induz/direciona as anlises.

    O segundo tambm fixo, entretanto, fica subordinado s decises tomadas no

    primeiro. Porm, pode haver nestes territrios disputas/choque de interesses. Logo, a posse

    permanente de uma propriedade uma falsa sensao que existe em uma propriedade

    particular ou pblica, controlada por um indivduo ou grupo, por um determinado tempo, que

    refora e ideia de conflitos nessa categoria. Como exemplo pode-se citar uma fazenda

    privada, onde existindo um dono o mesmo no tem pleno poder sobre ela, pois caso no

    cumpra as normas estabelecidas no primeiro territrio pode vir a ser punido, inclusive com a

    perda da propriedade.

    O terceiro mvel, fica relacionado dinmica espao/tempo. subordinado aos

    dois primeiros territrios. Tem como principais caractersticas a fluidez e a capacidade de

    adaptao s relaes de poder existentes entre os territrios os quais est subordinado.

    Pode-se citar como exemplo a expanso do rebanho bovino na regio norte. uma

    atividade que ocorre nos limites da fronteira nacional (primeiro territrio), mas pode

    transcender, ocupando um territrio supranacional, que no caso tambm ser primeiro

    territrio. Mas, para efeitos de segundo territrio s existe um, logo a atividade/modelo de

    produo a mesma, estando o terceiro territrio situado e formado pelas inter-relaes

    entre os dois primeiros.

    PRIMEIRO TERRITRIO

    FORMAO DO ESTADO DE PERNAMBUCO

    Para Andrade (1999), a aquisio do territrio pernambucano ocorreu devido os

    interesses dos portugueses nos produtos tropicais. No comeo, essa rea era ocupada por

    nativos tupi na costa, cariri e gs no interior do continente. Mas, com o advento dos

    europeus estabeleceu-se relaes comerciais utilizando o modelo de escambo, ou seja, os

    nativos forneciam os produtos locais, principalmente o pau-brasil (Caesalpinia echinata) em

    troca de objetos portugueses que despertavam seus interesses. Logo, esses produtos eramde fcil acesso e de baixo custo de produo, dentre eles destacavam-se: faces, armas de

    fogo, espelhos e enfeites de modo geral.

    Objetivando garantir suas lucrativas relaes econmicas, os portugueses

    construram feitorias em portos naturais e faziam alianas com as tribos que eram do seu

    interesse para lutarem juntos contra as tribos rivais dos aliados, o que proporcionava um

    processo mais rpido de aquisio de reas a serem exploradas.

    O processo de ocupao do territrio pernambucano de incio ocorreu no litoral, em

    seguida, ocorreu seguindo a margem esquerda do rio So Francisco, de forma que foipossvel contornar a formao da Borborema e, logo aps, para o norte subindo os

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    afluentes do Velho Chico. Ao chegarem no serto pernambucano, os portugueses fizeram

    lentamente, no transcorrer dos anos, sua marcha rumo a Borborema. Os dois principais

    caminhos para ascender essa barreira natural foram atravs dos vales: Ipojuca e

    Capibaribe. O que explica o fato do Agreste estar mais prximo do litoral do que do Serto e

    mesmo assim ter sido ocupado por ltimo (ANDRADE, 1999).

    Fato esse que, no transcorrer das dcadas, gerou inmeros problemas para coroa,

    pois logo os escravos passariam a olhar essa frao territorial com olhos diferentes dos

    europeus, e forma que para os dominadores representava risco, j para os escravos

    simbolizava o alento de liberdade, mesmo que a tentativa de fuga lhe custasse a vida.

    Essas esperanas se reforaram ainda mais com o advento da guerra do acar.

    COMPOSIO TERRITORIAL DE GARANHUNS

    Para o IBGE (2014), o processo de uso e ocupao do espao geogrfico de

    Garanhuns por indivduos estrangeiros remonta ao sculo XVII. Devido a topografia de

    difcil acesso, tornou-se um local atrativo para os africanos que conseguiam escapar do jugo

    europeu.

    So muitos os fatores locais que explicam esse papel de obstculointerposto pelo altiplano garanhuense. Em primeiro lugar o maiorafastamento do mar, nesse trecho, da Borborema, fez crescer as

    dificuldades de penetrao atravs de uma mais larga faixa da Zona daMata. Tambm a altitude superior cota dos 900m colocando esse relevoentre os nveis mais elevados do Nordeste brasileiro, tornou-se, dessemodo, mais difcil de ser atingido. Ainda a presena de espessa vegetaode mata, ento a cobrir essa poro do territrio pernambucano, completou,por muito tempo, um quadro hostil ocupao humana. (SETTE, 1956, p.45)

    Barbalho (1982 apud Ubirajara, 2001, p. 111), salienta que o nome Garanhuns viria

    a surgir pela primeira vez durante o processo de penetrao dos escravos no Agreste, rea

    alvo de inmeras expedies militares, tendo como objetivo principal garantir odomnio/controle do territrio, logo era um local de conflitos acirrados entre os quilombolas e

    os europeus.

    No que diz respeito origem da palavra Garanhuns, no existe um consenso entre

    os pesquisadores. As teorias mais aceitas so: originria da tribo Cariri - Guar/pssaros e

    Nhu/campos, ou seja, pssaros dos campos; Guara-nhum - indivduo preto - fundamenta-se

    no fato de que at hoje os Carijs de guas Belas chamam Garanhuns de Clai, local

    habitado por indivduos negros/escuros e palavra indgena para stio dos guars/ces

    selvagens (Chrysocyon brachyurus)e anuns/pssaro preto (Crotophaga ani).

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    De acordo com Sette (1956), a ocupao mais latente, comea a ocorrer com a

    invaso holandesa em Pernambuco em 1630, dando incio a chamada guerra do acar,

    desestruturando o cotidiano dos engenhos da Capitania de Pernambuco. Este fato teve

    repercusso imediata com a queda de produo nos engenhos e enfraquecimento da

    disciplina aplicada aos escravos. Mesmo com o fim da ocupao holandesa em 1654, os

    portugueses no conseguiram reestabelecer o antigo rigor da disciplina.

    Durante o jugo holands, os escravos fugitivos tiveram tempo suficiente para se

    organizarem em quilombos e traarem estratgias de fuga para seus condescendentes, dos

    quais muitos se instalaram sobre os contrafortes orientais da Borborema, na Serra da

    Barriga, formando o famoso Quilombo dos Palmares, o qual teve seu auge na segunda

    metade do sculo XVII, tornando-se o mais emblemtico dos quilombos do perodo colonial,

    ocupando uma rea que se estendia do Cabo de Santo Augustinho ao Rio So Francisco.

    Alvo de inmeras incurses portuguesas, que tinham como nico objetivo a aniquilao do

    quilombo. Mesmo sofrendo perdas territoriais ao longo das dcadas resistiu at 1694.

    Dentre os seus lderes destacaram-se: Ganga-Zumba e Zumbi.

    Aps quatro anos do trmino da invaso holandesa, ou seja, em 1658, e vivendo

    um processo histrico de formao e fortalecimento dos quilombos, no qual a regio de

    Garanhuns estava includa, surgiu a necessidade imediata de garantir o domnio desse

    territrio frente a ameaa territorial que os negros impunham a coroa. Logo, era um

    problema que os portugueses queriam resolver o mais rpido possvel, pois a formao de

    mais um quilombo, organizado/estruturado, geraria nus para coroa e ainda incitaria a

    formao de outras frentes de resistncia.

    Como nos engenhos do litoral/mata no havia folga para escravos, aomenor cochilo dos brancos e seus feitores, disso se aproveitavam osnegros mais ousados para fuga em direo ao interior, subindo os vales dosgrandes rios, atravessando a Serra das Russas, refugiando-se onde osbrancos sentiam medo de morar, no pleno Agreste de Pernambuco, emcujas vastides territoriais poderia haver a ferocidade dos tapuias-cariris oumesmo a de animais selvagens, ambas, contudo, no to malignas quantoo trato dos brancos litorneos em relao aos africanos cativos. Para esteso Agreste representava uma Cana, era a terra da liberdade plena e da vidadigna, muito diferente da podrido moral e social de l de baixo, onde anobreza no passava de apelido destitudo de fundamento e muito parecidocom safadeza e nada mais. No Agreste, os negros se aquilombavam,fundavam mocambos diversos, reproduziam-se atravs das ndias ou atmesmo de brancas e mulatas raptadas nas fazendas circunvizinhas. Defato, so os negros, os quilombolas, os primeiros civilizadores das pragasagrestinas, seus desbravadores e domadores, seus povoadores por quasetodo o sculo XVII, os verdadeiros descobridores de suas riquezas e

    potencialidades. Inversamente classificao de D. Francisco Manuel deMelo - perspicaz escritor lusitano do sculo XVII que classificava o Brasil

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    como: paraso das mulatas, purgatrio dos brancos e inferno dos negros(grifo nosso) - o Agreste agora poderia ser considerado como cu dosnegros, purgatrio dos ndios e inferno dos brancos em geral (BARBALHO,1982 apud UBIRAJARA, 2001, p. 110)

    O Governador da Capitania de Pernambuco concedeu a Nicolau Aranha Pacheco,Cosmo de Brito Cao, Antnio Fernandes Aranha e Ambrsio Aranha de Farias, uma

    sesmaria de 20 lguas de terras nos campos Garanhuns e Panema. Na sesmaria

    Garanhuns fundou-se o stio Garcia. Atualmente esse local corresponde a sede do

    municpio. Em 1699 foi expedida uma carta rgia, que tornava Garanhuns sede da

    Capitania do Serto do Ararob, sendo que em 1762, foi criada a vila de Cimbres. Com

    isso, Garanhuns passa a ser sede da Freguesia de Santo Antnio de Garanhuns. Devido ao

    seu notvel desenvolvimento, foi a levada a sede de Vicariato em 1796.

    Conforme o IBGE (2014), setenta e oito anos aps sua ltima elevao a sede foinovamente elevada categoria de vila pela carta rgia de 10/03/1811, sendo instalada em

    17/12/1813. A lei provincial n 204, de 04/02/1848, criou o distrito de Correntes e o anexou a

    Garanhuns, a qual passou a ser cidade em 04/02/1874, pela lei provincial n1.309. Em

    1879, Correntes desmembrada de Garanhuns e elevada a cidade.

    Esse desmembramento resultou em uma perda territorial de 3.290,86 km!, ou seja,

    16,1%. Dando continuidade a esse fenmeno territorial ao longo das dcadas, o municpio

    de Garanhuns foi tendo pores do seu territrio transformadas em distritos e os mesmo no

    transcorrer dos anos foram se emancipando (Figura 02).

    O segundo territrio a desmembrar-se foi o que hoje em dia corresponde a

    Palmeirina, sendo desanexado mais 1.582,41 km!; em seguida foi Angelim, como uma

    poligonal de 1.182,02 km!; na sequncia Paranatama, ficando com um territrio de 2.310,56

    km!.

    So Joo, foi o quinto distrito a ser desanexado e elevado a cidade, minimizando

    2.586,57 km! do municpio de Garanhuns; em seguida, ocorre o desmembramento de

    Brejo resultando em uma reduo de 1.599,47 km!, no espao geogrfico garanhuense; e

    por ltimo porm no menos significante, Caets emancipado, provocando uma

    desindexao de 3.297,42 km!. Esse desmembramento territorial reduziu 77,54% da

    paisagem de Garanhuns, mas at a presente data o municpio continua exercendo grandes

    influncias nos seus antigos territrios.

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    Figura 2 - Processo de desmembramento territorial.

    Os processos de desmembramentos do territrio de Garanhuns, transcorreram de

    forma pacfica, logo as pores desmembradas tinham suas prprias identidades.

    SEGUNDO E TERCEIRO TERRITRIOS

    De acordo com Ubirajara (2001), a chegada do trem em 1887 alavancou a

    economia e agilizou o processo de expanso urbana e escoamento da produo agrria, o

    que transformou Garanhuns em um importante entreposto comercial a servio dos

    municpios circunvizinhos e arredores, transformando - o em uma rea de influncia

    regional, chegando a exercer influncia no serto alagoano.

    Diversos produtos agrcolas contriburam de forma decisiva para o crescimento e

    desenvolvimento dos centros urbanos agrestinos, principalmente algodo e caf.

    As diversas atividades econmicas que se alternaram em Garanhuns, sobretudo

    as lavouras de subsistncia (Milho, feijo, mandioca...) e comercias (Algodo e caf.),

    juntamente com as grandes/mdias propriedades de gado e inmeras propriedades de

    pequeno porte, solidificaram e garantiram a apropriao da terra. At o final do sculo XVII,

    a pecuria foi o carro chefe na economia agrestina, em seguida passando a

    predominantemente agrcola, devido ao cultivo comercial do algodo, o qual j era cultivado

    desde o sculo XVI, mas sem grande expresso econmica.

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    A trade Revoluo Industrial na Inglaterra, guerra da Independncia nos Estados

    Unidos e as incurses de Napoleo na Europa, foram decisivas para a transformao dessa

    atividade agrcola at ento sem expresso econmica no principal produto agrcola do

    Agreste e at mesmo de Pernambuco. O apogeu dessa produo foi em 1860, com o

    advento da guerra da Secesso nos Estados Unidos. Fatos como: o fim da guerra em 1865,

    altos custos de produo devido o manejo inadequado do solo ao longo do tempo,

    surgimento de pragas e a baixa tecnologia utilizada no cultivo do algodo foram ao longo

    dos anos, inviabilizando o seu plantio em escala comercial no Nordeste, cedendo lugar para

    o Centro-Sul.

    De acordo com Sales (1982), os agricultores nordestinos passaram a enxergar a

    cultura do algodo como algo do passado e sem rentabilidade econmica, principalmente

    devido ao desgaste do solo. Em momento algum os ex-produtores fizeram meno a perda

    de mercado para o Centro-Sul.

    Para solucionar a estagnao econmica do campo, foi implantada a cultura do

    caf. O precursor da atividade cafeeira em Garanhuns foi Lus Burgo, o qual solicitou as

    sementes ao presidente da provncia de Pernambuco, que chegaram em 06/09/1887. O

    caf demonstrou-se de fcil adaptao as peculiaridades climticas e topogrficas locais, de

    forma que sua produtividade foi acima do esperado, estimulando outros agricultores a

    inserirem essa nova cultura em suas propriedades. Sessenta e dois anos aps o plantio

    das primeiras mudas, a produo j atingia 80.000 arrobas (1.200 toneladas) e em 1960 j

    atingia as 232.500 arrobas (3.488 toneladas).

    Mas, para infelicidade dos agricultores, em 1965 o Instituto Brasileiro do Caf-IBC,

    iniciou uma poltica nacional de erradicao do caf em reas consideradas de baixa

    produo. No levou em considerao que essa monocultura era cultivada de forma

    artesanal, o que exigia grandes quantidades de mo de obra, tanto no perodo da colheita,

    como nos meses subsequentes devido necessidade permanente de manuteno da

    lavoura. Devido a isso o cultivo do caf comea a sofrer um fenmeno reverso. Com o

    decorrer das dcadas, a cafeicultura foi praticamente erradicada do Agreste. Atualmente sexistem resqucios dessa monocultura na regio.

    O caf chegou a se situar como o mais importante produto agrcola dosbrejos agrestinos, com grande importncia no planalto de Garanhuns. E aproduo pernambucana de caf era na sua quase totalidade provenientedo agreste. Assim que: em 1958, para uma produo nordestina de26.200 toneladas que representava apenas 1,5% da produo brasileira,Pernambuco entrou com 20.976 toneladas, o que corresponde a 79,6% daproduo regional. O apogeu da cafeicultura tornou a regio de Garanhuns

    um Grande polo social e econmico. (ANDRADE, 1980, p. 158)

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    Conforme Ubirajara (2001), com as indenizaes fornecidas pelo IBC, os at ento

    agricultores, investiram na pecuria leiteira. Esse novo modelo agrrio foi responsvel por:

    grandes movimentos migratrios em direo as reas urbanas, pois a pecuria leiteira no

    exigia grandes quantidades de mo de obra, como a atividade anterior; aumento das reas

    desmatadas, para maximizao dos pastos; incio do processo de assoreamento nos cursos

    dgua, devido a remoo da mata ciliar para facilitar o acesso do gado.

    De uma s vez, o pequeno agricultor se viu sem seu trabalho permanente e sem

    seu roado. O que fazer? Como sustentar sua famlia? Para onde ir? Em contraposio a

    esses questionamentos, o governo salienta que houve progresso econmico.

    A lgica do paradigma do Capitalismo Agrrio cria um estado de mal estar,quando o assunto a ser discutido implica em contestar o capitalismo,porque isso lhe atinge o mago. Este o limite de sua ideologia. Adesobedincia s permitida dentro dos parmetros estipulados pelodesenvolvimento do capitalismo. A partir desse ponto subverso. Aintegrao plena carrega mais que um estado de subordinaocontestada, contm o sentido da obedincia s regras do jogo comandado

    pelo capital (FERNANDES, 2001, p. 23).

    Porm, essa nova atividade trouxe suas benesses. O gado leiteiro adaptou-se

    rapidamente a regio e passou a apresentar uma tima produtividade a um baixo custo,pois o gado tinha no pasto sua alimentao necessria. Essa atividade est presente no

    cenrio agrcola do Agreste at a presente data, ocupando um papel de destaque. A

    produo de leite do Brasil supera os 26 bilhes de litros por ano, sendo 0.747 bilhes so

    produzidos em Pernambuco, dos quais 73% so produzidos na bacia leiteira de Garanhuns-

    PE (IBGE, 2013).

    Independente da corrente ideolgica, inegvel que o modelo de desenvolvimento

    implantado em Garanhuns, a partir de 1965 pelo IBC, provocou drsticas mudanas no

    campo. E com evidentes consequncias no permetro urbano.Os ex-produtores foram forados a instalarem-se no permetro urbano, mas por

    no possurem renda suficiente para fixarem moradias em locais adequados, instalaram-se

    nas encostas dos vales e passaram a praticar a agricultura familiar. Devido a topografia das

    encostas (Figura 3), mais a retirada da cobertura vegetal e os elevados ndices de

    precipitao (Clima Mesotrmico Tropical de Altitude), configurou-se um cenrio propcio

    para deslizamentos ou desmoronamentos, colocando a populao em risco de vida.

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    Figura 3 - Morfologia do relevo.

    Com o advento da globalizao a partir da dcada de 90, pode-se dizer que o

    verde (paisagens com coberturas vegetais, sejam elas naturais ou artificiais) passou a ser

    uma materialidade agregadora de valores. So cada vez mais comuns propagandas de

    reas residenciais que enfatizam a questo do verde enquanto local que oferta qualidade

    de vida. Nesse novo marketing apela-se para preservao, conservao, sustentabilidade.

    Todo e qualquer conceito que caracterize a rea como ecologicamente correta.

    Mas o que tem por traz dessa propaganda? O que esse fenmeno socioespacial

    tem com a questo da reestruturao do espao agrrio de Garanhuns?

    o diferente que atrai o olhar. Vivemos em uma sociedade que consumiu maisrecursos naturais nos ltimos cem anos que em toda histria da humanidade.

    Apropriando-se dessa preocupao ambiental coletiva, o sistema capitalista

    atravs do mercado imobilirio passa a vender lotes em condomnios fechados, afastados

    do permetro urbano e ecologicamente corretos. E ainda transferem parte da culpa da

    devastao ambiental para populao que ocupa reas de riscos, os quais usam de forma

    insustentvel o territrio. Oneram os cofres pblicos, devido os projetos de recuperao

    ambiental, ou remoo de continentes populacionais. Devemos lembrar que a populao

    carente que ocupa essas reas de risco fruto de uma poltica pblica de ordenamentoterritorial imposta pelo IBC em 1965. Portanto, eles so atingidos e no culpados.

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    Sempre importante enfatizar a relao entre os territrios como espao degovernana e como propriedades. Esta relao determinada por polticasde desenvolvimento, portanto quem determina a poltica define a forma de

    organizao dos territrios. Aqui necessrio lembrar seus atributos: cadaterritrio uma totalidade, por exemplo: os territrios de um pas, de umestado, de um municpio ou de uma propriedade so totalidadesdiferenciadas pelas relaes sociais e escalas geogrficas. Essastotalidades so multidimensionais e s so completas neste sentido, ouseja, relacionando sempre a dimenso poltica com todas as outrasdimenses: social, ambiental, cultural, econmica etc. (FERNANDES, 2008,p. 5)

    A problemtica supracitada deixa evidenciado que crescimento econmico nem

    sempre sinnimo de desenvolvimento, pelo menos do ponto de vista socioespacial. At omomento que Garanhuns tinha uma agricultura dita subdesenvolvida/artesanal (caf),

    conseguia fixar o homem do campo nas reas rurais, mas a partir da reestruturao do

    espao agrrio (gado leiteiro), passou a concentrar ainda mais o capital e disseminar a

    pobreza, devido ao processo de expropriao dos trabalhadores rurais. As polticas pblicas

    de ordenamento territorial no podem ter como objetivo central apenas o desenvolvimento

    econmico, pois dentro de um territrio existem diversos interesses que devem ser levados

    em considerao. Para que o ordenamento territorial proporcione emancipao e no

    subordinao.

    Um princpio importante pensar o desenvolvimento territorial como umatotalidade, em que se desenvolvem todas as dimenses: poltica, social,cultural, ambiental e econmica, no necessariamente nesta ordem, mascomo um conjunto indissocivel. Desenvolvimento e territrio so conceitosmultidimensionais. (FERNANDES, 2008, p. 18).

    necessrio frisar que desenvolvimento econmico no sinnimo de melhoraria

    da qualidade de vida da populao. Logo, para que os reflexos do crescimento da economia

    cheguem de forma positiva, ele deve ocorrer levando em considerao os aspectos

    econmicos, polticos e sociais. Nas escalas locais, regionais, nacionais e supranacionais.

    De forma que ele no venha a maximizar a concentrao de riquezas, e sim minimizar as

    disparidades socioeconmicas.

    CONSIDERAES FINAIS

    A poltica pblica de erradicao do caf implantada pelo IBC (1965), foi um marcono segundo territrio de Garanhuns.

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    No perodo anterior poltica do IBC, o campo tinha como principal produto

    agrcola o caf, mas deve-se salientar que o cultivo dessa cultura era feito de forma

    artesanal. O que implicava na utilizao de grandes quantidades de mo de obra. As quais

    tinham o direito de cultivarem pequenos roados nas terras dos seus empregadores, desde

    que no comprometessem suas atividades na produo cafeeira. Analisando essas duas

    caractersticas, observa-se que existia a produo comercial em paralelo a de

    sobrevivncia. Dessa forma, o campons (pequeno), conseguia permanecer no campo de

    forma digna, logo existia duas fontes de renda o trabalho na monocultura e os lucros

    oriundos dos produtos excedentes do seu roado.

    Mas, a partir de 1965, essas relaes mudaram de forma drstica, com a

    substituio da monocultura do caf, pela criao de gado leiteiro. Essa nova atividade

    econmica no exigia grandes quantidades de mo de obra, nem to pouco a figura do

    agricultor. Nesse novo modelo de uso e ocupao do segundo territrio, o vaqueiro a

    figura central (enquanto mo de obra) e o gado leiteiro o produto. Outro fato importante

    que os pequenos agricultores que tinham permisso para cultivar seus roados nas terras

    dos seus empregadores, perderam essa permisso, pois o gado tinha como principal fonte

    de alimento o pasto, logo a necessidade de transformar todo o espao possvel em

    pastagens era latente.

    Com isso os camponeses, foram forados a deixarem o campo, e fixarem suas

    novas moradias no permetro urbano. Mas como no tinham condies financeiras para

    fixassem em reas adequadas, fixaram suas moradias nas encostas dos vales, e nelas

    comearam a praticar agricultura familiar. Ao essa que desestabilizou as encostas e

    maximizou os riscos de movimentos de massas. Deve-se ressaltar que esses habitantes

    so atingidos, de polticas pblicas de ordenamento territorial.

    Mas a mdia tenta camuflar essa situao, transferindo a culpa para esses

    habitantes, difundindo que os problemas ambientais da regio so agravados pelo uso

    insustentvel do territrio. Logo o verde agora um produto, e o capital est disposto a

    vende-lo, o mesmo capital que praticamente o destruiu. O sistema capitalista muito hbilem reinventar-se, e em transferir os efeitos secundrios de suas aes, que no caso em

    questo so os moradores das encostas.

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    REFERNCIAS

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    FERNANDES, B. M. Seminrios de Temas Especficos. So Cristvo-SE, UFS, 1 de abr.de 2014. Aula Ministrada aos Discentes do Programa de Ps-Graduao em Geografia.

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