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E ste boletim é o primeiro de uma série especial – de dois números focados na Amazônia brasileira. O objetivo principal dele é informar e propor questões que possam contribuir para aprofundar a reflexão e principalmente a ação política dos movimentos sociais, destinada a promoção dos direitos sociais e ambientais nessa região. Nele são apresentadas as mais importantes referências da atual abordagem metodológica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), que integra três temas caros ao trabalho desenvolvido pelo Instituto ao longo dos últimos trinta anos: direitos, meio ambiente e orçamento público. A base da abordagem proposta é o método de análise do orçamento à luz dos Direitos Humanos construída pelo INESC em 2009 – a qual denominamos metodologia Orçamento e Direitos – e que vem orientando o nosso trabalho com orçamento público. Com este e o próximo boletim pretendemos contribuir para uma maior compreensão e capacidade de influência social nas políticas públicas em curso na região, na direção de torná-las mais coerentes com o desafio de melhorar as condições de vida da população amazônica. Esperamos, por fim, que esses dois boletins estimulem o diálogo com organizações e movimentos sociais comprometidos com a defesa de direitos sociais e ambientais na Amazônia e com a construção e fortalecimento de parcerias. Boa Leitura! 2 4 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC EDIÇÃO E D I T O R I A L ORÇAMENTO & POLÍTICA AMBIENTAL Ano X - Fevereiro de 2011

Boletim Orcamento Socioambiental 24

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Boletim Orcamento Socioambiental 24

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Page 1: Boletim Orcamento Socioambiental 24

Este boletim é o primeiro de uma série especial – de doisnúmeros focados na Amazônia brasileira. O objetivoprincipal dele é informar e propor questões que possam

contribuir para aprofundar a reflexão e principalmente a açãopolítica dos movimentos sociais, destinada a promoção dos direitossociais e ambientais nessa região.

Nele são apresentadas as mais importantes referências da atualabordagem metodológica do Instituto de Estudos Socioeconômicos(INESC), que integra três temas caros ao trabalho desenvolvido peloInstituto ao longo dos últimos trinta anos: direitos, meio ambientee orçamento público.

A base da abordagem proposta é o método de análise doorçamento à luz dos Direitos Humanos construída pelo INESC em2009 – a qual denominamos metodologia Orçamento e Direitos – eque vem orientando o nosso trabalho com orçamento público.

Com este e o próximo boletim pretendemos contribuir parauma maior compreensão e capacidade de influência social naspolíticas públicas em curso na região, na direção de torná-las maiscoerentes com o desafio de melhorar as condições de vida dapopulação amazônica.

Esperamos, por fim, que esses dois boletins estimulem o diálogocom organizações e movimentos sociais comprometidos com adefesa de direitos sociais e ambientais na Amazônia ecom a construção e fortalecimento de parcerias.

Boa Leitura!

24 Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESCED

IÇÃO

E D I T O R I A L

ORÇAMENTO & POLÍTICA AMBIENTAL

Ano X - Fevereiro de 2011

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Além de ser o primeiro ano do governo da presidente Dilma Rousseff, 2011 se -rá importante para elaboração e aprovação de um novo plano plurianual, umnovo PPA, o PPA 2012-2015.

Em sendo um ano de definição de prioridades e metas para os próximos quatroanos, para o governo federal e estadual, 2011 será muito especial às pessoas e comu-nidades que vivem na Amazônia.

Ao mesmo tempo em que a Amazônia é tida como uma das regiões do planeta maisricas em recursos naturais, onde dispõe de reservas de recursos naturais estratégicosem várias áreas (florestal, biodiversidade, mineral, água, hidroeletricidade etc.), es-timativas recentes indicam estar lá um dos piores indicativos sociais do país: cercade 9,5 milhões de pessoas viveriam abaixo da linha da pobreza e 5,5 milhões comnão mais de que dois reais de renda por dia.

Diante disso, não faltam pessoas no governo, em-presários, banqueiros, instituições internacionais e or-ganizações da sociedade civil promotoras da “boago vernança”, que argumentam que o melhor caminhopara transformar esta situação é incrementar a produ-tividade e a competitividade da região para melhor in-seri-lá nos mercados globalizados. Na receita estão o“fortalecimento” da economia florestal, a instalação deuma logística e infraestrutura “mais adequada” à região,a exploração “sustentável” dos recursos minerais e oincremento da industrialização baseado no potencialhidroelétrico da região.

Na realidade, esse “pacote de soluções” não é novo. Retrospectivamente, vira-e-mexe a região e os amazônidas são chamados a "contribuir" com o crescimentoeconômico e o desenvolvimento nacional. Geralmente realizado de forma compulsóriae sem o direito de consulta “prévia, livre e informada”. Esse pacote tem gerado umadistribuição de benefícios de significância desigual, seja internamente na região, ouentre as demais regiões do país, especialmente com a região sul-sudeste. A isso sejunta os benefícios que são “extraídos” da região e são acumulados e desfrutados emoutros países e mercados, frequentemente no hemisfério norte.

O ano de 2011, portanto, será muito especial. Ano de disputas e de convergênciasem relação ao quanto, ao como e ao destino (para quem, no que e onde) do gastopúblico realizado pela União e os estados. Ano de pensar e agir de forma organizadaem favor de um modelo alternativo de desenvolvimento na região, o que passa peladefinição das prioridades e metas do PPA 2012-2015.

*Ricardo Verdum, 51, doutorem antropologia pela

Universidade de Brasília (UnB)é assessor político do Institutode Estudos Socioeconômicos(INESC). [email protected]

“ESTIMATIVAS RECENTES COMPROVAM

UM DOS PIORES INDICATIVOS SOCIAIS DO

PAÍS: CERCA DE 9,5 MILHÕES DE

PESSOAS VIVERIAM ABAIXO DA LINHA

DA POBREZA E 5,5 MILHÕES COM

NÃO MAIS DO QUE DOIS REAIS DE RENDAPOR DIA NA REGIÃO.”

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( Ricardo Verdum* )

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NOVOS APORTESEm 2009-2010 o INESC deu corpo a dois instrumentos complementares de acom-

panhamento e análise dos fluxos financeiros aportados na Amazônia brasileira, sejameles do orçamento público ou por intermédio de outros agentes e mecanismos –públi-cos, privado e misto.

Um desses instrumentos é o Observatório dos Financiamentos e Investimentos daAmazônia. Uma iniciativa desencadeada pelo Instituto ainda no segundo semestre de2009, que em 2010 tomou corpo com a realização de estudos iniciais sobre algunsagentes financeiros específicos (fundos de pensão e bancos privados) e os investimen-tos na região; e a definição de uma página específica para o Observatório na internet,dentro da página geral da instituição.

O outro instrumento é a incorporação da dimensão ambiental na nova abordagemmetodológica do INESC no trato do orçamento público. Desenvolvida em 2009, essaabordagem se baseia na noção de Direitos, na promoção e proteção de direitos, e éintitulada Orçamento e Direitos.

A opção do INESC por focar o trabalho de avaliação do orçamento público à luzdos direitos humanos na Amazônia decorre da decisão de territorializar a análise dapolítica orçamentária governamental. Também está ligada a uma maior preocupaçãodo INESC com o presente e o futuro da região e a população que vive lá.

A Amazônia é alvo de disputas envolvendo inúmeros atores e redes sociais inte -ressadas nas terras e nos recursos naturais lá disponíveis. O que tem provocado trans-formações cada vez mais aceleradas nos modos de vida e nas condições ambientaisdessa região. Mais de 14% da área de cobertura florestal da Amazônia brasileira de-sapareceu nas últimas décadas, para dar lugar a áreas de pastagem e monocultivosagrícolas ou ser inundada em decorrência do represamento de rios e igarapés.

Apesar da queda dos índices de desmatamento na Amazônia a partir de 2007, édifícil avaliar a sustentabilidade desta tendência. Essa dúvida decorre dos efeitos po-tenciais que poderá ter o conjunto de obras de infraestrutura previstas no Programade Aceleração do Crescimento (PAC) para a região∂. Componente nacional da de-nominada Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA),que hoje passa por revisões e transformações políticas, jurídicas e institucionais paraser incorporada como a dimensão hardware da União de Nações Sul-Americanas(UNASUL)∑.

Há expectativa de que, por exemplo, o corredor que segue até a Guiana Francesaestimule o turismo e a produção de grãos no Amapá. Já a ponte em Assis Brasil (AC),associada com as melhorias a serem realizadas nas rodovias BR-364 e BR-370, pos-sibilitarão maior acesso rodoviário do centro-sul ao extremo oeste do País, até a regiãolitorânea peruana, alcançando e dando maior acesso à regiões nacionais mais remotase isoladas dos centros econômicos mais dinâmicos.

Também parece próximo o licenciamento ambiental das obras de “recuperação”da BR-319 (Manaus-Porto Velho), que cortará a área mais preservada de floresta daregião. A rodovia integra o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da AmazôniaLegal (Macrozee), cujo decreto foi assinado pelo ex- presidente Luiz Inácio Lula daSilva em 02/12/2010 .

Além disso, as decisões tomadas em relação ao Código Florestal, em debate noCongresso Nacional brasileiro, e as alterações em cursos nas legislações ambientaisestaduais, numa clara tática do setor do agronegócio de “comer pelas beiradas”, de -verão influir decisivamente na dinâmica de ocupação territorial e nas condições so-ciais e ambientais da região.

l3

Informações oficiais do PAC estão

disponíveis no sitehttp://www.brasil.gov.br/pac

Criado em Quito, 10 deagosto de 2009, e com

estatuto aprovado em 18 dejunho de 2010, o Conselho

Sul-Americano deInfraestrutura e Planejamento(COSIPLAN) da UNASUL tementre suas atribuições ser um

espaço de promoção deentendimentos políticos e

estratégicos entre os paísespara a construção de redes

integradas de infraestrutura,transportes e

telecomunicações. Maisinformações sobre a IIRSA verna internet www.iirsa.org.br

Decreto Nº. 7.378, de01/12/2010, publicado no

Diário Oficial da União no dia02/12/2010, Seção 1. Mais

detalhes no site:www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&id

Estrutura=28

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Mas para colocar em prática o Observatório e a metodologia Orçamento e Direitos,só fará sentido ao INESC se ambos os instrumentos estiverem ancorados em legiti -midade e força política na região. O INESC não pretende realizar isso sozinho, masem parceria com os movimentos e organizações sociais, socioambientalistas e dejustiça ambiental na Amazônia. Ao INESC é aí, que reside de fato a capacidade dequalificar as análises e o potencial de influir no rumo das políticas.

Estabelecer essa interlocução é importante para formular e aplicar os indicadoresqualificados, que permitem analisar desde os sujeitos de direito a dotação orçamen-tária e a aplicação dela, os impactos gerados, a efetivação progressiva de direitos, eetc. Esse procedimento é imprescindível ao objetivo de formulação de um “orçamentoalternativo” ao estabelecido desde os grupos atualmente hegemônicos no aparelhoEstatal e as prioridades deles.

ORÇAMENTO PÚBLICO E DIREITOSEm linhas gerais, o enfoque baseado em Direitos implica em mudar a lógica do

processo de elaboração de políticas públicas. O ponto de partida do desenho deixade ser a existência de pessoas e comunidades com “necessidades” ou que devem ser“assistidas”, para a condição de titulares ou sujeitos de direitos aos quais é garantidopoder jurídico e político de exigir do Estado determinado comportamento. Ele condi-ciona o Estado a agir, inclusive, com medidas afirmativas se necessário, como meiode proteger e promover grupos ou setores da populaçãotradicionalmente discriminados. T rata-se, portanto, devirar a mesa no modo como “costumeiramente” são de -finidas as prioridades, metas e o planejamento das ações:de cima para baixo.

A análise da política orçamentária possibilita con -dições de perceber quais são as prioridades do Estado (oumelhor, do governo de plantão) e para onde ele está dire-cionando preferencialmente as ações e os recursos finan-ceiros (e humanos, logísticos etc.) a elas associadas. Per- mite também algum nível de percepção de quais grupossociais estão se beneficiando da arrecadação e principalmente da distribuição dessesrecursos. Permite entender que isso depende da correlação de forças/poder dentro dasociedade e nas instâncias de decisão no interior do aparelho de Estado.

Nesse sentido, ao INESC a análise da política orçamentária deve ir além de veri-ficar quanto de recurso financeiro foi ou não alocado para determinada política ouprograma e projeto, ou quanto foi efetivamente utilizado no final das contas. Outrasduas questões devem ser respondidas.

A primeira é em que medida os programas e as ações governamentais estão efe-tivamente orientados para a promoção dos direitos e o combate às desigualdades, deforma progressiva e sustentável. Isso implica num esforço de análise dos programase ações considerando o seguinte:

Se houve uma definição clara da população a ser direta e indiretamente im-pactada; se ela está devidamente circunstanciada e contextualizada, inclusive levandoem consideração as realidades localizadas e a especificidade dos diferentes processosde territorialização existentes;

A existência e a qualidade dos diagnósticos de desigualdades e déficits de di-reitos que serviram de base das propostas de políticas, programas e ações públicas,e se eles foram realizados de maneira participativa – caracterizada como “prévia, livree informada”;

“TRATA-SE, PORTANTO, DE VIRAR

A MESA NO MODO COMO

“COSTUMEIRAMENTE” SÃO

DEFINIDAS AS PRIORIDADES, METAS E O

PLANEJAMENTO DAS AÇÕES:

DE CIMA PARA BAIXO.”

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O nível de desagregação dos indicadores sociais e de direitos humanos aplica-dos nos diagnósticos (incluídas a dimensão geracional e de gênero) e se esses sãosuficientes para identificar o déficit de direitos da população (ou grupo social) sujeitoda ação;

A existência e a consistência das metas de curto, médio e longo prazo de rea -lização progressiva de direitos;

Se existem mecanismos de acompanhamento e de avaliação do ritmo e quali-dade dos impactos gerados, ao longo do tempo, na melhoria dos indicadores de acessoda população aos seus direitos;

Se os recursos orçamentários disponibilizados e executados são coerentes comas metas estabelecidas no tempo;

E por fim, o nível de transparência e controle social sobre o volume de recursofinanceiro destinado e aplicado nas políticas, programas e ações.

A segunda questão a ser respondida é “quem está” e “como estão” sendo finan-ciadas as políticas públicas, programas e ações governamentais. Qual a origem dorecurso que está financiando a política para determinado grupo social (étnico, racial,etário, gênero etc.), como a de saúde, saneamento e educação escolar; assim comoações de natureza ecológica, como a de “recuperação” de ecossistemas impactados.

Preocupa-nos identificar sobre quem recai a arrecadação tributária do Estadobrasileiro e onde estão sendo aplicados os recursos financeiros arrecadados. Issoporque partimos do princípio de que o financiamento das políticas públicas – inclu-sive as chamadas políticas sociais – deve se basear na justiça tributária. A ar-recadação deve evitar ser uma geradora da reprodução das estruturas sociais quepromovem e aprofundam as desigualdades sociais e a injustiça ambiental e climática.

É necessário avaliar os riscos e os danos gerados, devido o estabelecimento deuma relação de dependência do financiamento de políticas sociais universais comuma atividade que ocasiona significativos impactos ambientais e sociais negativosno plano local, ou mesmo globais, como é o caso de emissões de gases derivados daextração de petróleoπ.

Para se ter uma ideia, estima-se que as commodities representarão em 2010 cercade 70% da receita de exportação brasileira; e que a receita de apenas três commodi-ties (minério de ferro, complexo soja, e petróleo e derivados) deverá ultrapassar acasa dos 30% das receitas totais do Brasil nesse ano∫. O problema é que são exatosesses setores da economia extrativa os principais responsáveis por contaminação desolo e cursos d’água; o crescimento do desmatamento e das queimadas; o desloca-mento de populações; o adoecimento de indivíduos e comunidades por múltiplascausas; a escassez de recursos; o colapso dos modos de vida e das fontes de susten-tação de famílias e comunidades locais; de conflitos pela posse da terra, entre outros.

Há outro problema: o sistema tributário brasileiro é responsável pela produção emanutenção da discriminação e das desigualdades sociais, porque o modelo adotadono país é regressivo, ou seja, recai maior parte sobre a parcela da população de maisbaixa renda, diminuído progressivamente, regredindo na medida em que vai subindoa faixa de renda da pessoa.

Como salienta Evilásio Salvador (2009)ª, no Brasil os estudos sobre o financia-mento do Estado limitam-se a comentar o expressivo crescimento da carga tributáriados últimos 12 anos. Mas é necessário ir ao cerne da questão para desvendar sobrequem recaiu este aumento de tributos ou em outras palavras, quem de fato pagou epaga a conta. A questão-chave é: quem financia o Estado brasileiro?

É o caso do Fundo Federal dePagamento por Serviços

Ambientais (FunPSA), objetodo Projeto de Lei (PL) nº

792/2007, que estabelecesimultaneamente a PolíticaNacional de Pagamento porServiços Ambientais e cria o

Programa Federal dePagamento por ServiçosAmbientais (ProPSA) e o

Cadastro Nacional dePagamento por Serviços

Ambientais. Segundo o textodo PL, o Fundo poderá tercomo fonte financeira até

40% dos recursos do MMAsobre a participação especial

paga pela exploração depetróleo em grande volume

ou grande rentabilidade.

Ver Informativo de Comércio Exterior, Ano XI,número 102, agosto 2010.Acessado em 10/09/2010.

Ver Evilásio Salvador, “Comofazer a elite pagar conta?”,artigo disponível na página

do INESC; ver ainda “A distribuição da cargatributária: quem paga aconta?”, In: João Sicsú.

(Org.), Arrecadação (de onde vem?) e gastos

públicos (para onde vão?).São Paulo: Boitempo Editorial,

2007, p. 79-92.

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Historicamente, afirma Evilásio, os recursos fiscais do país foram usados para sub-sidiar e financiar a acumulação de capital, enquanto os recursos contributivos cobra-dos na folha de salários financiavam o social. A arrecadação tributária permanececentrada em tributos indiretos, significando que os mais pobres pagam proporcional-mente mais tributos em relação à renda deles do que os mais ricos.

Esta sobrecarga de impostos sobre os trabalhadores assalariados também se ex-pressa na política dos impostos diretos no Brasil, via objetos consumidos, que incidempredominantemente sobre a renda deste setor.

É na base da pirâmide onde está situada uma parcela considerável da populaçãonegra e a população indígena, sistematicamente depauperada pelo processo de colonia -lismo interno, que expropriou territórios e o acesso aos recursos naturais, inclusive ali-mentares básicos. Considerando o sexo, em 2009, a PNAD indica que o rendimentomédio mensal das mulheres (R$ 786) representou nesse ano 67,1% do obtido por homens(R$ 1.171). Em 2004, este percentual era de 63,6%, numa trajetória ascendente.

Já os ricos, diz Evilásio, que se encontram no topo da pirâmide social, pagam cadavez menos impostos, principalmente após 1994, com as inúmeras modificações reali -zadas na legislação tributária que caminharam na contramão da justiça social. Aliás,observa, este é um tema ausente na agenda de debates sobre reforma tributária apósa Constituição de 1988.

Em síntese, o sistema de tributação operante no país é indiscutivelmente um fatorduplamente gerador de desigualdades sociais e de injustiça ambiental.

DIREITOS E AMBIENTE NO ORÇAMENTOA agenda ambiental nacional, a biodiversidade e as florestas, os direitos coletivos

dos povos indígenas e comunidades tradicionais (território, terra e recursos naturais),o clima e as mudanças climáticas, a proteção e a gestão sustentável dos recursos hí-dricos (rios, lagos e aqüíferos) e os impactos ambientais e sociais decorrentes de obrasde infraestrutura, foram objeto do INESC na análise da política orçamentária do go -verno federal na última década.

Reconhecendo-se como situado no campo da ecologia política, que analisa a pro -blemática ambiental em função do contexto e das circunstâncias socioeconômicas epolítico-ideológicas em que essa se insere e relaciona. O INESC no exame da políticaorçamentária governamental tem buscado tratar a “questão ambiental” de duas pers -pectivas: a da justiça ambientalº e a da justiça ecológicaΩ.

Na primeira, a análise da política orçamentária é enriquecida pela incorporaçãodas lutas e demandas por justiça social; o direito a um ambiente seguro, sadio e pro-dutivo para as atuais e futuras gerações; o direito de não submeter-se e de resistir àspressões de ter que arcar com os danos ambientais decorrentes do denominado de-senvolvimento econômico. Destacam-se aí os orçamentos indigenistas, quilombola ede mudanças climáticasæ.

Na segunda, tomando a Natureza como um “sujeito de direito”, com valores in-trínsecos independentes de usos e valores outorgados pelos humanos; como sujeito aquem deve ser garantido o direito de não ser colocado em risco de sobrevivência, tantode ecossistemas quanto de espécies; sujeito com direito à restauração das condiçõesecológicas prévias a um impacto. Essa perspectiva foi incorporada na carta constitu-cional do Equador e encontra ressonância nas cosmovisões de vários povos indígenas,comunidades tradicionais e correntes ecologistas contemporâneas. Essa perspectiva éprovavelmente a mais complexa e a mais sujeita a desvios em decorrência da natura -lização de concepções antropocêntricas e economicistas no trato com a Natureza.

Ver notas técnicas e boletinsna página do INESC

na internet: www.inesc.org.br

Esta perspectiva vai aosentido desenvolvido por

ACSELRAD, Henri ET AL Oque é justiça ambiental (Rio

de Janeiro: Garamond, 2009),e por ALIER, Joan M. O

ecologismo dos pobres (SãoPaulo: Contexto, 2007).

Ver GUDYNAS, Eduardo, Losderechos de La naturaleza yLa construcción de La justicia

ambiental y ecológica enEcuador, In: Los derechos dela naturaleza y la naturalezade sus derechos. Ecuador:

Ministerio de Justicia yDerechos Humanos del

Ecuador, 2010.

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POLÍTICA AMBIENTAL

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Dessa perspectiva, as reparações, compensações e indenizações econômicas e fi-nanceiras outorgadas às pessoas afetadas –por uma rodovia, uma barragem ou a ins -talação de um complexo mineral-metalúrgico – podem ser importantes e desejadaspor elas, ser um direito seu, mas são insuficientes à Natureza. Esses direitos estão fo-cados nas pessoas, nos danos causados nos seus modos de vida, no direito cidadão,mas não da Natureza.

Ainda que tímida, a Constituição brasileira de 1988 reconhece algum direito àNatureza. No Artigo 225 ela estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e pre-servá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Embora predomine no caput do Artigo a narrativa que trata a natureza como umobjeto, um recurso e/ ou um bem ou um serviço, como algo que está ao serviço do bemestar das pessoas, os parágrafos que o complementam, em especial o primeiro ao qualdaremos destaque a seguir, apontam alguns direitos à Natureza. Senão vejamos:

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejoecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fis-calizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus com-ponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permiti-das somente através de lei, vedada qualquer utilização quecomprometa a integridade dos atributos que justifiquemsua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ouatividade potencialmente causadora de significativadegradação do meio ambiente, estudo prévio de impactoambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o em-prego de técnicas, métodos e substâncias que comportemrisco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveisde ensino e a conscientização pública para a preservaçãodo meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma dalei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinçãode espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meioambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público com-petente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarãoos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, inde-pendentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Panta -nal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

“TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE

ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE

USO COMUM DO POVO E ESSENCIAL À

SADIA QUALIDADE DE VIDA,

IMPONDO-SE AO PODER PÚBLICO E À

COLETIVIDADE O DEVER DE

DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES”.

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Como vemos a preocupação com os direitos da Natureza esteve, em alguma me-dida, no leque de preocupações da Assembleia Constituinte ao escrever a ConstituiçãoBrasileira de 1988.

Na análise da política orçamentária governamental para a Amazônia, pretendemosestar atentos a essas duas concepções igualmente importantes e complementares nomarco da “sustentabilidade”.

PARA PROTEGER TERRITÓRIOS E PAISAGENSEm agosto de 2010, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (IMA-

ZON) divulgou em relatório que entre 2008 e 2009 a Amazônia perdeu pelo menos49 mil quilômetros quadrados de áreas protegidas por causa da extinção e reduçãode unidades de conservação (UCs) e terras indígenas. Uma área equivalente aos es-tados de Alagoas e Sergipe juntos. Entre as medidas que contribuíram para isso estãoprojetos legislativos, ações judiciais, decretos, portarias e propostas de zoneamentoeconômico-ecológico.

Um dos casos é a Floresta Nacional de Roraima, reduzida por decreto legislativo.Outro é a Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, próxima às usinas do RioMadeira, envolvida em negociações entre o Ministério do Meio Ambiente e o governodo estado. Em julho de 2010, além desses quase 50 mil km², outros 86,5 mil km² corriamo mesmo risco – eram alvos de 13 projetos legislativos e ações judiciais em tramitação.

Engana-se, portanto, quem pensa que qualquer áreaprotegida está imune ou a salvo de ser suprimida ou re-duzida. De outro lado, fortalecer a fiscalização e consolidaras áreas protegidas é fundamental, sem isso será difícilesse direito ser garantido.

Em 13/04/2006, por intermédio do Decreto N. 5758, oMinistério do Meio Ambiente (MMA) instituiu o Plano Es-tratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), com a fi-nalidade de estabelecer no Brasil “um sistema abrangente de áreas protegidas,ecologicamente representativo e efetivamente manejado, integrado a paisagens ter -restres e marinhas mais amplas, até 2015”.

O PNAP parte do reconhecimento da necessidade de se estabelecer uma políticaintersetorial destinada às áreas protegidas que possa contribuir com a implementaçãode ações que assegurem a conservação e o uso sustentável da biodiversidade no âm-bito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), nas TerrasIndígenas, nas Terras de Quilombos, e nos demais espaços especialmente pro tegidoscomo as áreas de preservação permanente (APPs) e as reservas legais, numa abor -dagem ecossistêmica.

O conceito de áreas protegidas inclui, portanto, um conjunto amplo de direitos e de“bens e serviços” ambientais, tais como: a garantia de direitos territoriais de povos in-dígenas e comunidades tradicionais; a provisão de alimentos, fibras e energia; a qua -lidade e purificação do ar e da água; a manutenção da fertilidade do solo e do ciclo denutrientes; a manutenção de recursos genéticos para diferentes fins (farmacológicos,agrícolas e industriais); a possibilidade de estudos e de recreação; a estabilização doclima; os benefícios estéticos e culturais, entre outros. Hoje são 66 áreas protegidasfederais em que vivem comunidades tradicionais, sobretudo na região Amazônica.

O PNPA resultou de um processo de “construção coletiva” com diferentes setoresdo governo e da sociedade civil, no qual foram definidos os princípios, diretrizes, ob-jetivos e estratégias, com vistas a levar o país a contribuir com a redução da taxa deperda de biodiversidade. Essa redução é um compromisso assumido pelo governo

“HOJE SÃO 66ÁREASPROTEGIDAS FEDERAIS EM QUE

VIVEM COMUNIDADES TRADICIONAIS,

SOBRETUDO NA REGIÃO AMAZÔNICA”.

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POLÍTICA AMBIENTAL

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brasileiro para implantação do Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas da Con-venção sobre Diversidade Biológica (CDB).

O SNUC foi instituído pela Lei Federal N. 9.985/00, que estabelece diversas cate -gorias de unidades de conservação, nos níveis federal, estadual e municipal, subdi-vididas em dois conjuntos:

Uso Sustentável (UCUS) –aqui estão as Áreas de Proteção Ambiental (APA); Áreasde Relevante Interesse Ecológico (ARIE); Florestas Nacionais (FN); Reservas Ex-trativistas (Resex); Reservas de Fauna; Reservas de Desenvolvimento Sustentável(RDS); e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Nessas áreas sebusca compatibilizar o “uso sustentável” dos recursos naturais existentes com a“conservação da natureza”; a exploração e o aproveitamento econômico direto sãopermitidos desde que de forma planejada e regulamentada.

Proteção Integral (UCPI) –aqui estão incluídas as categorias Estação Ecológica;Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; e Refúgio de Vida Sil-vestre. A prioridade é garantir a “conservação da biodiversidade”, a preservaçãointegral da biota e demais atributos naturais existentes nos limites. A pesquisacientífica é permitida desde que autorizada pelo órgão público responsável, e al-gumas admitem a visitação pública para objetivos educacionais amplos ou restritos,sujeitas às normas estabelecidas pelo órgão responsável e por aquelas previstasem regulamento.

De um total de 304 unidades de conservação federais hoje regularizadas, as de “usosustentável” são em número de 173 e somam 38.835.516,35 hectares; já as 313unidades federais de “proteção integral” somam um total de 35.656.870,61 hectares deáreaø. Em 2009, as unidades de conservação (UCs) estaduais eram em número de 532.

Grande parte das UCs encontra-se na Amazônia compreendendo 26% da áreadesse bioma, o que representa 13% da área do território brasileiro.

Mas muitas não saíram do papel ou são “mantidas” de forma precária, numa situa -ção bastante aquém do seu potencial de conservação da biodiversidade, redução dasemissões de gases de efeito estufa, redução dos danos à saúde relacionados com adegradação ambiental, e promoção de desenvolvimento local sustentável.

“É necessário também que se promovam mais estudos sobre potenciais usoseconômicos das UCs e que se implementem as UCs efetivamente, de maneira quegerem renda e empregos locais, além de conservar os ecossistemas. Essa implemen-tação deve também estar alinhada com outras políticas públicas, como educação,saúde e infraestrutura, para que levem a uma efetiva melhora na qualidade de vidadas populações locais”, afirma um grupo de pesquisadores que tem em comum falarem

de dentro do MMA .

Ao contrário de outros biomas, a Amazônia tem para si uma ação específica dopoder público destinada ao tema: áreas protegidas, com o Programa Áreas Protegidasda Amazônia (ARPA). Instituído pelo Decreto Presidencial nº 4.326, em agosto de2002, o ARPA foi apresentado pelo Brasil à comunidade internacional durante a“cúpula ambiental” conhecida como Rio+10, realizada em Johanesburgo, na Áfricado Sul, em setembro desse ano.

O ARPA apóia a criação e a consolidação de unidades de conservação (UCs) emáreas prioritárias da Amazônia brasileira. O objetivo é conservar uma parcela rele-vante e ecologicamente representativa da biodiversidade da Amazônia brasileira, comseus ecossistemas, sua biodiversidade e suas paisagens, inclusive em sua interaçãocom as comunidades locais.

l11

Página do ICMBio, consultada em 30/11/2010.

Ver GURGEL, Helen C. ET AL“Unidades de Conservação e

o falso dilema entreconservação e

desenvolvimento”, BoletimRegional, Urbano e

Ambiental, nº 3(dezembro/2009),

Brasília, IPEA.

Fevereiro de 2011 - 9

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Page 10: Boletim Orcamento Socioambiental 24

Nos seis primeiros anos de atuação (dados de outubro/2010), o ARP A foi res -ponsável pela criação de 44 novas unidades de conservação na região e pela con-solidação de outras 18 áreas, num total de 62 unidades de conservação (UCs)apoiadas. Juntas essas 62 unidades de conservação somam 32 milhões de hectares.As áreas de “proteção integral” são em número de 31 e somando 21 milhões dehectares; as áreas de “uso sustentável” são em igual número, mas somam cerca de

11 milhões de hectares .

Aos povos indígenas está em discussão desde 2004 a criação de uma PolíticaNacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), quefundamente um Programa específico que abranja somente na Amazônia Legal porvolta de 23% da área dessa sub-região. Uma versão preliminar (minuta) de decretoda PNGATI foi debatida em 27 de agosto passado, na 14ª Reunião Ordinária daComissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). No documento, o objetivo dapolítica é “garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sus-tentável dos recursos naturais das terras indígenas, assegurando a integridade dopatrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de re-produção física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respei-tando a autonomia deles e formas próprias de gestão territorial e ambiental”.

Mas não obstante os avanços que houve desde a instituição do PNPA em 2006, aimplementação do SNUC não caminha no ritmo necessário e desejado. Segundo omesmo grupo de pesquisadores acima mencionado, em artigo recente sobre o falsodilema entre conservação e desenvolvimento:

“Atualmente o nível de implementação das UCs é muito heterogêneo, variandodas muito bem estruturadas, como o Parque Nacional de Iguaçu, a unidades que nãodispõem da infraestrutura necessária para seu funcionamento devido à falta de recur-sos. De acordo com estimativas, para que o SNUC funcione plenamente, seriam ne -cessários gastos correntes anuais da ordem de R$ 543 milhões para o sistema fe derale de R$ 361 milhões para os sistemas estaduais, além de R$ 611 milhões em inves-timentos em infraestrutura e planejamento no sistema federal e de R$ 1,18 bilhão nossistemas estaduais. Entretanto, os valores disponíveis nos orçamentos da União e dosestados têm estado muito abaixo disso. Em 2008, as UCs federais receberam somenteR$ 316 milhões do orçamento federal. Além disso, de 2001 a 2008, a receita do MMArevertida para as UCs federais aumentou 16,35%, enquanto a área somada das UCsfederais teve uma expansão de 78,46%”.

CUSTEANDO A PROTEÇÃOO Ministério do Meio Ambiente (2009), estima que para o SNUC alcançar um

patamar mínimo de estruturação são necessário investimentos de, ao menos, R$ 611mi lhões. Com 836 unidades de conservação, 304 federais e 532 estaduais (não con -sideradas as RPPN - Reservas Particulares do Patrimônio Natural), o MMA estimaainda um custo recorrente de R$ 360,8 milhões para manutenção do sistema nacional,isso pressupondo a instalação de toda a infraestrutura mínima para o funcionamentodos sistemas estaduais .

Um rápido exame do desempenho orçamentário em 2010 indica que essa metaestá difícil de ser alcançada no volume e velocidade necessária. Escolhemos três pro-gramas identificados mais diretamente com a promoção e proteção da biodiversidadee particularmente das áreas protegidas, são eles:

Conservação e uso sustentável da biodiversidade e dos recursos genéticos (CUS-BRG);

l12

l13

Ministério do Meio Ambiente.Pilares para o Plano de

Sustentabilidade Financeirado Sistema Nacional de

Unidades de Conservação. 2ª edição. Brasília: MMA,

(setembro) 2009.

Lançado em outubro passadodurante 10ª Conferência dasPartes da Convenção sobreDiversidade Biológica (COP

10/CDB), realizado emNagoya, no Japão, o relatório

com um balanço dosprimeiros seis anos de

implementação do Programaestá disponível na internet,

no endereçohttp://assets.wwfbr.panda.org/downloads/arpa___programa_areas_protegidas_da_amazo

nia___portugues.zip

10 - Fevereiro de 2011ORÇAMENTO &

POLÍTICA AMBIENTAL

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Conservação e recuperação dos biomas brasileiros (CRBB);

Conservação, manejo e uso sustentável da agrobiodiversidade (CMUSA).

Quatro ministérios participam da execução desses programas, são eles os Mi nis -térios do Meio Ambiente (MMA); da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA);do Desenvolvimento Agrário (MDA); e da Integração Nacional (MIN).

A análise global do desempenho orçamentário em 2010 desses três programas in-dica um valor autorizado de R$ 166,258 milhões. Desse total, até 30 de novembrohavia sido liquidado cerca de R$ 49,705 milhões, o equivalendo a 29,89% do aprovadopelo Congresso Nacional e sancionado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O MMA foi o ministério com mais recursos orçados: R$ 158,070 milhões, tendoliquidado até essa data cerca de R$ 47,240 milhões (29,88%).

Em relação aos programas, o CUSBRG teve aprovado um orçamento de R$ 39,973,liquidando até 30/11 aproximadamente R$ 10,416 milhões, ou 26,44%.

Dos R$ 102,657 milhões destinados ao programa CRBB, foram liquidados até30/11 cerca de 34,35%. Por fim, no programa CMUSA foram liquidados nessa dataaproximadamente R$ 3,869 milhões (16,37%) de um total de R$ 23,627 milhões.

O gráfico abaixo dá uma noção visual do quanto distancia o orçamento aprovadodo recurso financeiro efetivamente executado pelo governo federal até 30/11/2010.

ORÇAMENTO 2010 (em milhões de R$)

Criado pela Lei 11.516/2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodi-versidade (ICMBio) tem entre suas atribuições realizar a gestão de 304 Unidades deConservação (atualmente), propor a criação de novas áreas protegidas e apoiar aproxi -madamente 500 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Para a execu -ção das ações que integram os programas Conservação e uso sustentável da bio- di versidade e dos recursos genéticos (CUSBRG) e Conservação e recuperação dosbiomas brasileiros (CRBB), o Instituto teve autorizado, em 2010, um orçamento deR$ 100,630 milhões. Deste total, até 30/11 havia liquidado pouco mais de R$ 36,678milhões (36,44%).

A promoção e proteção das áreas protegidas dependem fundamentalmente, masnão exclusivamente de financiamento, como também de planejamento e capacidadede gestão. Nesse sentido, o investimento insuficiente, somado com o contingencia-mento dos recursos financeiros, nos níveis federal e estadual, têm se constituído numimportante limitante a esse objetivo. Isso a nosso ver reflete a baixa prioridade políticadada à “questão ambiental” no país, que por sua vez decorre parte da ganância queimpera sobre os recursos territoriais disponíveis, parte da “incompreensão” em relaçãoao potencial das políticas de conservação para o desenvolvimento do Brasil e das co-munidades locais em particular – sem falar às futuras gerações.

Fevereiro de 2011 - 11

Fonte: Senado Federal – Siga BrasilOrçamento Liquidado em 30/11

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Orçamento & Política Ambiental é uma publicação do INESC – Instituto de Estudos Socio -econômicos, em parceria com o Climate and Land Use Alliance - CLUA, Instituto Heinrich Böll eCharles Stewart Mott Foundation. Tiragem 1,5 mil exemplares. INESC – End: SCS – Qd, 01, BlocoL – 13º andar - Cobertura – Ed. Márcia – CEP. 70.307-900 – Brasília/DF – Brasil – Tel: (61) 32120200 - Fax: (61) 3212-0216 – E-mail: [email protected] – Site: www.inesc.org.br.Conselho Diretor: Analuce Rojas Freitas; Eva Teresinha Silveira Faleiros; Fernando Oliveira Paulino;Jurema Pinto Werneck; Luiz Gonzaga de Araújo. Colegiado de Gestão: Atila Roque, Iara Pietricovsky,José Antônio Moroni. Assessores: Alessandra Cardoso, Alexandre Ciconello, Cleomar Manhas,Edélcio Vigna, Eliana Graça, Márcia Acioli, Ricardo Verdum, Lucídio Bicalho Barbosa. Assistentede Direção: Ana Paula Soares Felipe. Comunicação: Vértice / Gisliene Hesse.

Este boletim é o primeiro de uma série especial – de dois

números focados na Amazônia brasileira. O objetivo

principal dele é informar e propor questões que possam

contribuir para aprofundar a reflexão e principalmente a ação

política dos movimentos sociais, destinada a promoção dos direitos

sociais e ambientais nessa região.

Nele são apresentadas as mais importantes referências da atual

abordagem metodológica do Instituto de Estudos Socioeconômicos

(INESC), que integra três temas caros ao trabalho desenvolvido pelo

Instituto ao longo dos últimos trinta anos: direitos, meio ambiente

e orçamento público.

A base da abordagem proposta é o método de análise do

orçamento à luz dos Direitos Humanos construída pelo INESC em

2009 – a qual denominamos metodologia Orçamento e Direitos – e

que vem orientando o nosso trabalho com orçamento público.

Com este e o próximo boletim pretendemos contribuir para

uma maior compreensão e capacidade de influência social nas

políticas públicas em curso na região, na direção de torná-las mais

coerentes com o desafio de melhorar as condições de vida da

população amazônica.

Esperamos, por fim, que esses dois boletins estimulem o diálogo

com organizações e movimentos sociais comprometidos com a

defesa de direitos sociais e ambientais na Amazônia e

com a construção e fortalecimento de parcerias.

Boa Leitura!

24Publicação do Instituto de

Estudos Socioeconômicos - INESC

EDIÇ

ÃO

E D I T O R I A L

ORÇAMENTO

& POLÍTICA AMBIENTAL

Ano X - Fevereiro de 2011

12 - Fevereiro de 2011ORÇAMENTO &

POLÍTICA AMBIENTAL

O sistema de planejamento e orçamento públicoA Constituição Federal de 1988 estabeleceu nos artigos 165 a 169 o ar cabouço legal básico do processo

de planejamento e de orçamento em uso no Brasil. Nesses artigos está definido que o chamado Plano Plurianualé o principal instrumento de planejamento em médio prazo do gover no, e que esse Plano deve conter , emgrandes números, a alocação dos recursos financeiros do orçamento da União, englobando as despesas doExecutivo, do Legislativo e do Judiciário.

Três são os instrumentos básicos do ciclo de gestão das políticas públicas, regulados por lei específica: a Leido Plano Plurianual (PPA); a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Com vigência de quatro anos, o PPA tem a função de estabelecer as diretrizes, os objetivos e as metas daAdministração Pública para o período, materializada em programas e ações.

Cada programa é um conjunto articulado de ações orientadas por um objetivo. O programa seria, então,o instrumento de organização das ações governamentais, definindo objetivos e metas a serem alcançados parasolucionar o problema que o originou. As ações são aquilo que os programas realizam na prática.

Os programas podem ser setoriais, quando articulam ações de um único ministério; ou multisetoriais,quando envolvem ações de mais de um ministério.

No PPA, o governo consolida o seu plano de ação. Esse plano é elaborado inicialmente pelo Poder Executivo,que o encaminha ao Congresso Nacional, na forma de projeto de lei (PL), até o dia 31 de agosto do primeiroano de cada mandato presidencial.

No Congresso Nacional, o PPA é debatido, sofre emendas, e deve ser aprovado até o final do ano legislativo.O Plano Plurianual 2008/2011, por exemplo, foi elaborado no primeiro ano do segundo mandato do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, em 2007, e sua execução estará concluída no final de 2011, ano em que o novo go -verno federal deverá elaborar e aprovar no Congresso Nacional um novo Plano, o de 2012/2015.

A LDO é encaminhada ao Congresso Nacional na forma de projeto de lei (PL) até o dia 15 de abril de cadaano. Nela, o governo apresenta as metas e prioridades para o exercício financeiro e os limites de receita e des -pesa do ano subsequente. Para a elaboração dessa Lei, o gover no toma como referência os programas e asações contidos no PPA.

A LDO é elaborada ano a ano e determina o que deverá constar na Lei Orçamentária Anual (LOA). Na LOAdevem estar previstas as projeções de receitas e os limites de despesas para o ano, considerando a projeção demetas físicas do governo para os três anos seguintes.

O terceiro instrumento é a LOA. Ela é encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional até o dia 31 deagosto. Nela, o governo explicita suas prioridades e prevê a programação das despesas com programas e açõesao longo do ano seguinte.

Constitucionalmente o Congresso Nacional tem até o último dia de trabalho do ano para aprovar o orça-mento do ano subsequente, o que nem sempre tem se mostrado factível por razões várias.

Uma última informação: O PPA da União e de cada estado da federação é elaborado e aprovado seguindoo mesmo calendário. Ou seja, em 2011 estarão sendo aprovados nos respectivos legislativos o PPA federal e oPPA de cada estado; já o novo PPA de cada município só será elaborado em 2013. Esse “descompasso” entrepor um lado a União e os estados, e de outro as administrações municipais se deve ao calendário eleitoral e aregra que estabelece que o novo PPA de cada ente da federação é elaborado e aprovado no primeiro ano degestão do novo governo.

Fique atento!Se organize e vá à luta!

ActionAid, Charles Stewart MottFoundation, Christian Aid, Climate

Works Foundation membro do Climateand Land Use Alliance; Conanda, Dfid,

EED, Fastenopfer, Fundação Avina,Fundação Ford, Instituto Heinrich Böll,International Budget Partnership, KNH(KinderNotHilfe), Norwegian ChurchAid, Oxfam Novib, Oxfam GB, União

Européia, Unicef, Unifem.

INSTITUIÇÕES QUE APÓIAM O INESC:

www.inesc.org.br

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