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OUTUBRO 2016 6 Análise da implementação do zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) sobre o uso e a ocupação do solo na Amazônia brasileira Boletim Amazônia em Pauta autores: CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN*; ANDREA A. AZEVEDO**; ANE ALENCAR** CONTATO: [email protected] * UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA) ** INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA (IPAM) Agradecemos ao Departamento de Zoneamento Territorial da Se- cretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente para discussão e contribuição ao texto. Agradecemos também às instituições que participaram das entre- vistas (2014): Federação das Indústrias e de Agricultura e Pecuária; no Acre: agradecemos às secretarias de Estado de Planejamento; de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis; e de Meio Ambiente; Instituto de Mudanças Climáticas; e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente; no Pará: secretarias de Estado de Planejamento Orçamento e Finanças - Diretoria de Pla- nejamento Estratégico; de Agricultura; de Obras Públicas; e de Meio Ambiente - Departamentos de Áreas Protegidas e de Licenciamento de atividades industriais. Pontos-Chave: O ZEE É UM INSTRUMENTO DE SUCESSO na gestão e no planejamento territorial da Amazônia, com legados positivos para o conhecimento do ambiente e do território e a institucionalização da sua gestão, a me- lhoria no ordenamento territorial e a contenção do des- matamento e licenciamento de atividades produtivas. No entanto, O ZEE TEM TIDO SEU PAPEL RE- DUZIDO, mesmo nos Estados onde suas diretrizes eram fundamentais para a definição e a implementa- ção de políticas públicas. Há um claro distanciamento entre os usuários públicos e os privados e as diretrizes indicadas no zoneamento, dificultando seu papel como indutor de mudanças no uso e na ocupação do solo. A PERCEPÇÃO A RESPEITO DA EFETIVIDADE do ZEE como instrumento de planejamento do desen- volvimento sustentável é semelhante no setor privado dos Estados analisados. Há diferenças no setor público, associadas às experiências de elaboração do ZEE e ao conhecimento dos entrevistados sobre o instrumento. OS OBSTÁCULOS NA AVALIAÇÃO dos impactos do instrumento ZEE no uso e na ocupação do solo na Amazônia relacionam-se com a carência de diretrizes objetivas, metas e indicadores explícitos de desempe- nho, multiplicidade de indutores de mudanças no uso e na ocupação do solo, implementação recente das diretrizes e das mudanças nos objetivos e nos métodos de elaboração do ZEE ao longo do tempo. OS DESAFIOS na implementação do ZEE a serem superados em curto e médio prazos estão asso- ciados às dificuldades na implementação de políticas públicas no Brasil, à escala dos trabalhos, à possi- bilidade de integração com o setor privado, ao fator tempo e à melhor qualificação da participação social. Introdução O modelo de ocupação e uso dos recursos naturais na região amazônica tem permitido o desenvolvimento, a ge- ração de riqueza e bem-estar de grande parte da população. Todavia, a expansão da produção e a fixação dos novos contingentes populacionais na região deram-se, muitas vezes, de forma desordenada e insustentável. Nessa perspectiva, o território amazônico, respeitando suas peculiaridades socioculturais, ambientais e eco- nômicas, vem sendo palco de projetos de zoneamento ecológico-econômico (ZEE, QUADRO 1) em diversas es- calas e metodologias de elaboração, expressando uma orientação sobre o desenvolvimento sustentável. Esses ZEEs, em todo o território dos Estados ou em áreas es- pecíficas, têm-se convertido após análise, modificações e aprovação legislativa, em leis estaduais com vistas à sua implementação. Muitos desses ZEEs foram realizados com a cooperação institucional, técnica e financeira do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Consórcio ZEEBrasil (QUADRO 2).

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OUTUBRO 2016

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Análise da implementação do zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) sobre o uso e a ocupação do solo na Amazônia brasileira

Boletim Amazônia em Pauta

autores: CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN*;ANDREA A. AZEVEDO**; ANE ALENCAR**

CONTATO: [email protected]* UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA)

** INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA (IPAM)

Agradecemos ao Departamento de Zoneamento Territorial da Se-cretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente para discussão e contribuição ao texto. Agradecemos também às instituições que participaram das entre-vistas (2014): Federação das Indústrias e de Agricultura e Pecuária; no Acre: agradecemos às secretarias de Estado de Planejamento; de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis; e de Meio Ambiente; Instituto de Mudanças Climáticas; e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente; no Pará: secretarias de Estado de Planejamento Orçamento e Finanças - Diretoria de Pla-nejamento Estratégico; de Agricultura; de Obras Públicas; e de Meio Ambiente - Departamentos de Áreas Protegidas e de Licenciamento de atividades industriais.

Pontos-Chave:O ZEE É UM INSTRUMENTO DE SUCESSO na

gestão e no planejamento territorial da Amazônia, com legados positivos para o conhecimento do ambiente e do território e a institucionalização da sua gestão, a me-lhoria no ordenamento territorial e a contenção do des-matamento e licenciamento de atividades produtivas.

No entanto, O ZEE TEM TIDO SEU PAPEL RE-DUZIDO, mesmo nos Estados onde suas diretrizes eram fundamentais para a defi nição e a implementa-ção de políticas públicas. Há um claro distanciamento entre os usuários públicos e os privados e as diretrizes indicadas no zoneamento, difi cultando seu papel como indutor de mudanças no uso e na ocupação do solo.

A PERCEPÇÃO A RESPEITO DA EFETIVIDADE do ZEE como instrumento de planejamento do desen-volvimento sustentável é semelhante no setor privado dos Estados analisados. Há diferenças no setor público, associadas às experiências de elaboração do ZEE e ao conhecimento dos entrevistados sobre o instrumento.

OS OBSTÁCULOS NA AVALIAÇÃO dos impactos do instrumento ZEE no uso e na ocupação do solo na Amazônia relacionam-se com a carência de diretrizes objetivas, metas e indicadores explícitos de desempe-nho, multiplicidade de indutores de mudanças no uso e na ocupação do solo, implementação recente das diretrizes e das mudanças nos objetivos e nos métodos de elaboração do ZEE ao longo do tempo.

OS DESAFIOS na implementação do ZEE a serem superados em curto e médio prazos estão asso-ciados às difi culdades na implementação de políticas públicas no Brasil, à escala dos trabalhos, à possi-bilidade de integração com o setor privado, ao fator tempo e à melhor qualifi cação da participação social.

IntroduçãoO modelo de ocupação e uso dos recursos naturais na região amazônica tem permitido o desenvolvimento, a ge-ração de riqueza e bem-estar de grande parte da população. Todavia, a expansão da produção e a fi xação dos novos contingentes populacionais na região deram-se, muitas vezes, de forma desordenada e insustentável.

Nessa perspectiva, o território amazônico, respeitando suas peculiaridades socioculturais, ambientais e eco-nômicas, vem sendo palco de projetos de zoneamento ecológico-econômico (ZEE, QUADRO 1) em diversas es-calas e metodologias de elaboração, expressando uma orientação sobre o desenvolvimento sustentável. Esses ZEEs, em todo o território dos Estados ou em áreas es-pecífi cas, têm-se convertido após análise, modifi cações e aprovação legislativa, em leis estaduais com vistas à sua implementação. Muitos desses ZEEs foram realizados com a cooperação institucional, técnica e fi nanceira do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Consórcio ZEEBrasil (QUADRO 2).

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2 FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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1 Em ambos Estados: Federação das Indústrias e de Agricultura e Pecuária. No Acre: secretarias de Estado de Planejamento; de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis; e de Meio Ambiente; Instituto de Mudanças Climáticas; e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente. No Pará: secretarias de Estado de Planejamento Orçamento e Finanças - Diretoria de Planejamento Estratégico; de Agricultura; de Obras Públicas; e de Meio Ambiente - Departamentos de Áreas Protegidas e de Licenciamento de atividades industriais. Indica-se que no início de 2015 houve mudanças na estrutura governamental dos Estados, as que não foram consideradas no momento de desenvolvimento das atividades.

O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um instrumento de organização do território definido na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/1981) e no Plano Na-cional de Gerenciamento Costeiro (Lei Federal 7.661/1988) que estabelece medidas e padrões de proteção da natureza destinados a assegurar a qualidade ambiental e a conser-vação da biodiversidade. O ZEE tem como objetivos:

a. Viabilizar o desenvolvimento sustentável, organizando e vinculando as decisões dos agentes públicos e priva-dos (Decreto Federal 4297/02, artigos 2º e 3º); e

b. Sistematizar dados e informações que permitam esta-

belecer condições para o desenvolvimento de outras ações de gestão ambiental.

A metodologia do ZEE estabelece a elaboração de diag-nósticos dos meios físico-biótico, socioeconômico e jurídico-institucional. Após levantamento e análise de informações e cenários exploratórios, são propostas di-retrizes, legais e programáticas, para subsidiar a gestão e o planejamento do território voltados para a consolidação das áreas mais antropizadas, a preservação da sociobio-diversidade, a expansão das dinâmicas socioeconômicas e a recuperação dos passivos ambientais existentes em cada zona identificada.

vadas dos Estados do Acre e Pará foram entrevistados sobre as temáticas de investimentos privados, planejamento, agricultura e pecuária, obras públicas, desenvolvimento e meio ambiente1.

Este boletim traz o resultado sobre os impactos no uso e na ocupação do solo na Amazônia, decorrentes da imple-mentação do ZEE, usando o exemplo dos Estados do Acre (Lei Estadual 1904/07) e do Pará (Lei Estadual 7243/09; 7398/10 e 7604/12, e Decreto Federal 7130/10). Pretendeu-se responder às seguintes questões:

a. O ZEE é um instrumento de sucesso na gestão e no planejamento territorial da região amazônica? Como o planejamento e as suas fontes de financiamento utilizam as diretrizes do ZEE? Existe uma integração sinérgica com outras políticas públicas associadas com as temáticas ambientais e territoriais?

b. Que mudanças ocorreram no papel do ZEE na definição do uso e da ocupação do solo desde a sua elaboração e implementação nos Estados estudados?

c. Qual é a percepção dos atores institucionais (públicos e privados) sobre a efetividade do ZEE como instrumento de planejamento do desenvolvimento sustentável?

Foram utilizadas informações documentais das atividades do setor produtivo obtidas junto às Federações Estaduais de Indústrias e da Agricultura e Pecuária e outras, disponibili-zadas na internet e em dependências de diversas secretarias estaduais. Dirigentes de instituições governamentais e pri-

QUADRO 1 O QUE É ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO - ZEE?

O ZEE é um instrumento de organização do território que estabelece medidas e padrões de proteção da natureza destinados a assegurar a qualidade ambiental e a conservação da biodiversidade

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3FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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O Programa de Zoneamento para a Amazônia Legal (PZE-EAL) na esfera federal e nas Comissões Estaduais de ZEE na Amazônia foram criados em 1991. Em 1995, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) passou a cooperar tecnicamente no treinamento de equipes estaduais e, em 1997, o Laboratório de Gestão Territorial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LAGET/UFRJ) apresentou o do-cumento “Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal”. Até o presente, a maioria dos trabalhos segue a Metodologia SAE (MMA/SAE, 1997).

A Medida Provisória 1975/99 (confirmada pela Lei Federal 10.683/03) responsabilizou o Ministério da Integração Na-cional pelo ordenamento territorial e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) pelo ZEE. A partir do ciclo 2000-2003, o Programa ZEE passou a integrar os Planos Plurianuais, sob a atual Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA.

Com base nos resultados de um processo nacional de discussão sobre o ZEE, envolvendo a participação de au-toridades, pesquisadores e representantes da sociedade civil, publicou-se em 2001 (atualizado em 2006) o docu-mento “Diretrizes Metodológicas para o ZEE do Território Nacional” (MMA, 2006). No mesmo ano, a articulação in-terinstitucional resultou no restabelecimento da Comissão

Coordenadora do ZEE (CCZEE) e na criação de um consórcio de empresas públicas, denominado de Consórcio ZEE Brasil (Decreto Federal s/nº de 28/12/2001). A CCZEE é a instância política responsável por planejar, coordenar, acompanhar e avaliar a execução dos trabalhos de ZEE, da qual fazem parte, atualmente, 12 ministérios, após as últimas modi-ficações na estrutura do governo federal.

Finalmente, o Decreto Federal 4297/02 estabeleceu obje-tivos, diretrizes, produtos e condições para execução de projetos de acordo com o documento de diretrizes meto-dológicas, regulamentando o processo de implementação do ZEE em território nacional.

No ano 2010 (Decreto Federal 7378), foi elaborado o Macro-zoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE) da Amazônia Legal por representantes dos nove Estados da região e pelas instituições do Consórcio ZEEBrasil (15 instituições públicas federais com atuação de cooperação com os Estados e nas ações de ZEE do governo federal), e com a participação de vários segmentos da sociedade civil. O MacroZEE repre-senta a construção de uma abordagem e uma perspectiva convergentes entre os autores no âmbito da CCZEE e de entendimento com os ZEE estaduais da Amazônia Legal. O MacroZEE da Amazônia Legal tem servido ao governo federal para elaborar políticas públicas e embasar os Estados na elaboração de planos, projetos e cronogramas.

QUADRO 2 BREVE HISTÓRICO DO ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO NO BRASIL E NA AMAZÔNIA

O Pará e o Acre diante do mesmo instrumentoO escopo do trabalho, seus resultados e conclusões associam-se a todo o território amazônico. Algumas pecu-liaridades são decorrentes da análise dos ZEEs do Acre e do Pará. Características próprias desses Estados permitem visões diferenciadas diante do ZEE e sua influência na gestão e no planejamento do uso e da ocupação do solo.

1. MATRIZ SOCIOECONÔMICA: as atividades socioeconô-micas relacionam-se principalmente ao uso dos recursos naturais. O Acre tem uma matriz baseada em poucas ativi-

dades (ex. pecuária, extrativismo florestal), induzidas por políticas governamentais estaduais com forte componente federal. Já o Pará apresenta uma matriz mais diversificada (ex. mineração, pecuária, agricultura, indústria, pesca, extrativismo florestal) e desenvolvida tecnologicamente, de maior escala e com grande influência do setor privado nacional e, em muitos casos, internacional.

2. MODELOS DE DESENVOLVIMENTO: eles influenciam as diferentes visões do uso do território. O Pará, com clara

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4 FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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preocupação sobre áreas degradadas e redução das frentes de expansão do desmatamento, concentra suas políticas de desenvolvimento na verticalização da produção, na melhoria das infraestruturas de escoamento de insumos e produtos e na descentralização (municipalização, regiona-lização) dos investimentos e da gestão pública. O modelo de desenvolvimento do Acre associa-se, principalmente na primeira década do século 21, ao uso dos recursos existen-tes nos territórios com cobertura florestal e nas populações que nela habitam, a denominada Florestania.

3. ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO ZEE NA ESCALA 1:250.000: o Acre elabora o ZEE de todo seu território em um só do-cumento. Quanto ao Pará, apenas parte do território esta-dual está contemplado pelo ZEE (ex. ainda não há ZEE no arquipélago de Marajó), sendo elaborado em duas zonas (Oeste e Leste), não plenamente integradas.

FIGURA 1. LOCALIZAÇÃO ESPACIAL DAS ÁREAS INTEGRANTES DOS TRABALHOS DE ZEE NA ESCALA 1:250.000 NO PARÁ. EM AMARELO, O PROJETO ZONA OESTE OU BR-163 (334.450 KM2) E EM VERMELHO O PROJETO ZONA LESTE E CALHA NORTE (406.000 KM2). ÁREA TOTAL DO ESTADO: 1.247.689,5 KM2. Fonte: SEMA/PA, 2012.

4. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO ZEE: as atividades da elaboração do ZEE têm no Acre uma das primeiras tentativas (1999 na escala 1:1.000.000; 2007 na escala 1:250.000) e no Pará uma das mais recentes (2005 na escala 1:1.000.000; 2009 a 2012 na escala 1:250.000 das regiões Oeste e Leste/Calha Norte, respectivamente). Mesmo seguindo metodologias aceitas no Brasil, os Estados têm desenvolvido seus ZEEs respeitando carac-terísticas próprias. O Acre inovou implementando aná-lises em três eixos (recursos naturais; socioeconômico; cultural-político), definindo Zonas Especiais de Desen-volvimento e de Atendimento Prioritário, privilegiando a participação popular (Brose, 2014). Os trabalhos do ZEE no Pará na escala 1:250.000 foram as primeiras ten-tativas de atuação estadual na Amazônia do Consórcio ZEE, implicando numa ação executada e coordenada por instituições do governo federal (FIGURAS 1 E 2).

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FIGURA 2. MAPA DE SUBSÍDIOS A GESTÃO TERRITORIAL DO ACRE, INTEGRANTE DO ZEE DO ESTADO NA ESCALA 1:250.000). Fonte: Governo do Estado do Acre.

O ZEE – planejamento, financiamento e integração de políticas públicas na AmazôniaApós anos de elaboração, definição legal e implementação parcial, o ZEE tem um papel claro e importante na indução de mudanças no uso e na ocupação do solo na Amazônia, particularmente no planejamento estadual, no finan-ciamento do desenvolvimento territorial e na integração sinérgica com outras políticas públicas.

1. O ZEE e o planejamento dos Estados

Os programas de ZEE nas diversas escalas objetivam sua integração aos sistemas de planejamento em todos os níveis da administração pública (Ferreira et al., 2010). Mas essa não é uma tarefa fácil. No Pará, foram realizadas tentativas parcialmente bem-sucedidas de territorialização do pla-

nejamento, como o Planejamento Territorial Participativo. No Acre, a integração entre o planejamento de políticas públicas no âmbito do modelo da Florestania e o ZEE é muito mais clara, explicada por origens quase simultâneas, mas também do alto grau de desconhecimento existente inicialmente de grande parte do território.

O Plano Plurianual (PPA) é um dos principais instrumentos constitucionais dos governos destinados a descrever, orga-nizar e viabilizar a ação pública para um período de quatro anos. Ressalta-se que o ZEE tem um notório papel nos PPA 2016-2019 do Acre e do Pará. O PPA do Acre (Lei 3.100/15) estabelece como parâmetro básico no eixo “Economia Sus-tentável”, que reúne as áreas voltadas para a promoção de

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uma economia alicerçada no desenvolvimento sustentável, o respeito aos limites de uso dos recursos naturais estabe-lecidos pelo ZEE. Um dos programas, “Gestão Ambiental”, tem como meta a elaboração de uma nova versão do ZEE e a publicação de versões didáticas do Etnozoneamento e Pla-no de Gestão de Terras Indígenas. O programa destaca que os avanços no setor florestal estão em consonância com as estratégias de gestão do território definidas pelo ZEE. A pri-meira fase do Programa de Valorização do Ativo Ambiental e Florestal visa a apoiar práticas sustentáveis para a redução do desmatamento e o pagamento por serviços ambientais. Isso valoriza o ativo ambiental florestal e ajuda a consolidar uma economia limpa, justa e competitiva, fundamentada no ZEE.

O PPA do Pará (Lei 8.335/15), regionalizado, descreve no programa temático “Meio Ambiente e Ordenamento Territo-rial” a existência ou não de ZEE como fator que possibilita o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis.

2. O ZEE e o financiamento do desenvolvimento territorial

A influência do ZEE na gestão e no planejamento do uso e da ocupação do espaço na Amazônia evidencia-se no seu papel no financiamento de ações públicas de intervenção territorial. O Banco Central do Brasil (Resolução 3545/08) estabelece exigências de documentação comprobatória de regularidade ambiental para financiamento agropecuário no bioma Amazônia, particularmente a observância das re-comendações e das restrições do Zoneamento Agroecológico (ZAE) e do ZEE. O Banco do Brasil, na concessão do crédito rural, observa exigências de regularidade no licenciamento ambiental, outorga de uso de água, averbação de reserva legal e, no caso do bioma Amazônia, a comprovação de regularidade ambiental do imóvel, observando os ZEEs e os zoneamentos agroecológicos disponíveis (www45.bb.com.br). O Banco da Amazônia alinha-se com a “Agenda 21 Brasileira”2, e assume compromisso de analisar projetos de investimento com base nas recomendações e restrições do ZAE ou, preferencialmente, do ZEE (www.bancoamazonia.com.br). O Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (Lei 10.177/2001), sob gestão do Banco da Amazônia, indica a observância da localização dos investimentos em áreas indicadas por ZEE como prioridade na aplicação de recursos.

2 Processo e instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento sustentável (http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-brasileira)

3 Decreto Federal 7.378/10 e dos ZEEs dos Estados da região. O PPCDAm 2012-2015 (MMA, 2013).

Finalmente, a lógica dos investimentos do Fundo Amazônia, gerenciado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-mico e Social (BNDES), associa-se a áreas dos Estados com presença do bioma Amazônia com ZEE na escala 1:250.000 (ou maiores) com as três primeiras ou o total das fases do processo do ZEE concluídas (planejamento, diagnóstico, prognóstico, normatização, validação federal e implantação).

3. O ZEE e a integração de políticas públicas

O Brasil carece de cultura de planejamento territorial e ambiental integrado (Vasconcelos et al. 2013). A integra-ção do ZEE com os demais instrumentos de planejamento ambiental territorial poderia gerar processos de sinergia positiva nas ações públicas.

Em escala federal, a maior relação estabelece-se com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm (MMA, 2013), estruturado em três eixos temáticos. No eixo ”Ordenamento Fundiário e Ter-ritorial”, destaca-se a indicação para a elaboração e o início da implementação do MacroZEE da Amazônia Legal3. Neste sentido, sobressai a influência dos resultados dos ZEEs na priorização de áreas para a implementação das diretrizes do PPCDAm, identificação e reconhecimento dos direitos originários e ancestrais de indígenas e quilombolas, criação de unidades de conservação (UCs) e assentamentos rurais diferenciados e regularização de ocupações particulares. Na mesma linha, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-tecimento realiza zoneamentos agrícolas de risco climático somente em áreas indicadas pelo ZEE para fins agrícolas.

Os ZEEs estaduais estabelecem claras afinidades com outras ferramentas da política de gestão territorial e ambiental. No Acre, é possível identificar essa relação com o etnozonea-mento, o ordenamento territorial local, os sistemas estaduais de áreas naturais protegidas e de gestão de riscos ambien-tais, os planos estaduais de Recursos Hídricos, de Gestão de Resíduos Sólidos e de Prevenção e Controle do Desmatamen-to, assim como políticas específicas para zonas especiais de desenvolvimento, a valorização do ativo ambiental florestal do Estado e o incentivo aos serviços ambientais. No Pará, o ZEE está vinculado ao Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e ao Programa Municípios Verdes.

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7FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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4 Exemplos da proposição de novas UCs e/ou a mudança de categorias podem ser observados no ZEE Brasil-Colômbia Eixo Tabatinga – Apaporis (CPRM-SINCHI, 2000).

O papel do ZEE no uso e na ocupação do solo nos EstadosO processo de elaboração e implementação do ZEE, dife-renciado em cada Estado amazônico, possibilitou o signi-ficativo papel desempenhado pelo ZEE, no que se refere ao conhecimento do ambiente e do território e à institucionali-zação da sua gestão, à melhoria no ordenamento territorial, e na colaboração da contenção do desmatamento e no licenciamento de atividades produtivas.

1. Conhecimento e institucionalização da gestão ambiental e territorial

O ZEE, desde a década de 1990, facilitou um melhor co-nhecimento dos territórios estaduais, particularmente de regiões isoladas, distantes e pouco ocupadas, assim como a caracterização de suas potencialidades e vulnera-bilidades na procura por um sistema de desenvolvimento sustentável. O conhecimento derivado dos diagnósticos subsidia a gestão e o planejamento de políticas públicas (por vezes com relevância maior que das próprias diretri-zes) e incipientemente pressiona pela descentralização da administração estadual. O conhecimento decorrente do ZEE tem fortalecido a institucionalidade da gestão am-biental e territorial, inaugurando novas áreas de pesquisas acadêmicas, fortalecendo secretarias de Meio Ambiente, criando e recriando órgãos de fiscalização (ex. Instituto de Meio Ambiente do Acre), estudos (ex. Instituto de De-senvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará) e gestão (ex. Instituto de Mudanças Climáticas do Acre) e introduzindo ferramentas como o geoprocessamento. Destaca-se o pioneirismo dos trabalhos integrados para a elaboração do ZEE, entre diferentes instituições estaduais e destas instituições estaduais com as pertencentes ao governo federal (ex. CZEE Brasil).

2. Melhorias no ordenamento territorial

A implementação de diretrizes do instrumento ZEE in-fluencia no ordenamento do uso e da ocupação do solo, já que subsidia o governo e o setor privado na titulação da terra e na melhoria do estabelecimento, da definição e do reconhecimento mútuo de limites geográficos, como de unidades de conservação, áreas produtivas consolidadas, expansão e áreas de reserva legal.

a) Unidades de conservação (UCs)Os limites de UCs dentro dos parâmetros legais dos Sis-temas Nacional e Estadual de UC não são sempre reco-nhecidos e/ou respeitados. O ZEE contribui permitindo a espacialização e o reconhecimento dos limites das UCs já existentes, a identificação de conflitos entre limites de áreas institucionais, assim como a proposição de novas UC e/ou a mudança de categorias e de limites das mesmas4. Nesse sentido, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará (Lei nº 6.745) apresentou já em 2005 propostas de numerosas unidades de conservação. Espe-cificamente após o ZEE, foram criadas novas unidades e ampliada a área protegida. No Acre, são 14 UCs (13 de uso sustentável e uma de proteção integral) e, no Pará, são 44, das quais 3 de uso sustentável (FIGURA 3). Mesmo sem ser definidos como uma UC, o ZEE da Zona Costeira do Pará deverá ser respeitado no planejamento da ampliação da ocupação de apicuns e salgados (Lei 12.727/2012).

b) Áreas produtivas consolidadas e para expansãoA agricultura e a pecuária, junto ao extrativismo vegetal, têm uma grande participação na economia amazônica, mas são identificadas como um dos principais fatores de avanço das fronteiras de desmatamento. A delimitação, a

FIGURA 3. PROPORÇÃO DO TOTAL DA ÁREA E DO NÚMERO DE UC CRIADAS APÓS OS PRIMEIROS ZEEs NOS ESTADOS DO ACRE E DO PARÁ. Fonte: SEMA/PA, 2012.

0

20%

40%

60%

80%

100%

52

Área de UC

ACRE / 2006 PARÁ / 2007

Número de UC

76 78

55

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8 FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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espacialização e a quantificação claras da superfície de áreas já consolidadas e a serem utilizadas nessas atividades fornecem mais segurança aos agropecuaristas no cumpri-mento de diretrizes ambientais da legislação, assim como facilitam a fiscalização por parte dos órgãos responsáveis.

c) Mudanças nas áreas de reserva legal O novo regime jurídico para reserva legal (Lei 12651/12) apresenta duas possibilidades de utilização do ZEE a fim de modificar seus percentuais de 80% para 50% da proprie-dade: (i) Estados com ZEE e mais de 65% de seu território ocupado por unidades de conservação de domínio público, devidamente regularizadas, e por terras indígenas homo-logadas podem permitir a redução, inclusive para novas supressões de vegetação; e (ii) Estados com ZEE podem permitir a redução para fins de regularização, mediante recomposição, regeneração ou compensação da reserva legal de imóveis em área rural consolidada, situados em área de floresta localizada na Amazônia Legal, excluídas as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos e os corredores ecológicos. Os setores de indústria e pecuária destacam essa normativa como um dos mais importantes resultados práticos do ZEE na indução de mudanças de uso e ocupação do solo, implicando em consequência no apoio às iniciativas gover-namentais para a elaboração e a implementação do ZEE5. Mas o ZEE não pode se limitar a essa flexibilização, o que é um risco em muitos Estados com influência política do setor agropecuário.

d) Titulação de terrasO ZEE tem um papel importante na resolução de um dos maiores problemas da gestão ambiental amazônica: o im-perativo de governança e titulação da terra como condição necessária para a redução do desmatamento (Reydon, 2011)6. Dois exemplos mostram que a aquisição ou o arrendamento de terras para fins rurais por estrangeiros deve ser compatível como os critérios do ZEE (Instrução Normativa conjunta 1/12 do Ministério do Desenvolvimento Agrário), e que ao tratar da regularização fundiária das ocupações em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, a Lei Federal 11952/09 estabelece que os Estados que não aprovarem, mediante lei estadual, o ZEE no prazo máximo de três anos, a contar da entrada em vigor desta lei, ficarão proibidos de celebrar novos convênios com a União até que tal obrigação seja cumprida.

3. Contenção do desmatamento

O ZEE tem um papel fundamental no controle e na fisca-lização do desmatamento, já que define zonas com possi-bilidade de desenvolver atividades florestais (madeireiras ou não) e áreas a serem preservadas ou recuperadas. As diretrizes do ZEE, ao delimitar e definir formas de uso e ocupação do território, conjuntamente a políticas am-bientais de educação, de fiscalização, de monitoramento e de conversão de atividades econômicas, têm construído um ambiente de apoio às tentativas governamentais de desmatamento ilegal zero. Reduções percentuais consi-deráveis nas taxas de desmatamento anual no Pará e no

5 Cabe lembrar que a mesma legislação estabelece que, quando indicado no ZEE, é permitido ampliar as áreas de reserva legal em até 50% os percentuais da Lei 12651/12, para cumprimento de metas nacionais de proteção à biodiversidade ou de redução de emissão de gases de efeito estufa.

6 Destaca-se que, a implementação efetiva das diretrizes do ZEE precisa da contribuição de uma malha fundiária regularizada.

0

20%

40%

60%

80%

100%

Usocontrolado

Usosespeciais

Consolidação Expansão Recuperação Socialmentesensíveis

Total geral

Zonas definidas no ZEE do Pará

FIGURA 4. REDUÇÃO DE TAXA DE DESMATAMENTO ANUAL POR ZONAS DEFINIDAS PELOS ZEE DO PARÁ, APÓS A SUA ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO EM 2010, CONSIDERANDO O INÍCIO DE MEDIÇÕES EM 2001. Fonte: IPAM com dados do INPE (www.dpi.inpe.br).

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9FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

Boletim Amazônia em Pauta6

FIGURA 5. REDUÇÃO DE TAXA DE DESMATAMENTO ANUAL POR ZONAS DEFINIDAS PELO ZEE DO ACRE, APÓS A SUA ELABORAÇÃO EM 2007, CONSIDERANDO O INÍCIO DAS MEDIÇÕES EM 2001. Fonte: IPAM com dados do INPE (www.dpi.inpe.br).

0

20%

40%

60%

80%

100%

Zona 1Consolidação

Zona 2Uso sustentável dos recursosnaturais e proteção integral

Zona 3Ordenamento

territorial

Zona 4Cidades do Acre

Total geral

Zonas definidas no ZEE do Acre

A conclusiva avaliação do papel do ZEE como instrumento de subsídio de decisões de gestão e planejamento do de-senvolvimento sustentável, especificamente seus impactos no uso e na ocupação do solo nos Estados amazônicos, apresenta alguns obstáculos:

A) A CARÊNCIA DE OBJETIVIDADE DAS DIRETRIZES, ALÉM DE METAS E INDICADORES EXPLÍCITOS, por parte das esferas federal e estaduais, que permitam a fiscalização e o monitoramento do desempenho de seus impactos após a implementação;

B) A MULTIPLICIDADE DE INDUTORES DE MUDANÇAS NO USO E NA OCUPAÇÃO DO SOLO, que se identificam: (i) não relacionados com políticas públicas de zoneamento territorial (ex. construção de infraestruturas, disponi-bilidade de recursos minerais, pressões demográficas extrarregionais, valorização de produtos agropecuários)

Obstáculos para avaliação dos impactos do ZEE(Barona et al., 2010; Southworth et al., 2011; Walker et al., 2000); (ii) relacionados com políticas públicas de zoneamento territorial (ex. zoneamento agrícola de risco climático, ZAE); e (iii) associados com políticas públicas de desenvolvimento sustentável (ex. Programa de Regula-rização Fundiária, Sistema de Áreas Naturais Protegidas e Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia);

C) A DEFINIÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO RECENTE DAS DIRE-TRIZES DO ZEE que dificulta a maturação do desenvol-vimento sustentável e o surgimento de resultados dos processos naturais, sociais e econômicos implicados; e

D) As MUDANÇAS DE VISÕES POLÍTICAS E SOCIAIS dos modelos de desenvolvimento, gestores governamentais, contextos econômicos e conscientização ambiental glo-bal, que têm projeção territorial e que consequentemente influenciam nos objetivos dos ZEE estaduais.

Acre são identificadas após a elaboração do ZEE em cada Estado (FIGURAS 4 E 5), ainda que não se possa atribuir ao instrumento toda a responsabilidade pela queda.

4. Licenciamento de atividades

O papel do ZEE nas etapas de licenciamento ambiental nos Estados, particularmente na análise da licença prévia, fica limitado a georreferenciar e comparar a lo-calização e as características do empreendimento com as diretrizes do ZEE, utilizando geotecnologias. O sucesso

do ZEE como instrumento de gestão e planejamento do território está associado ao tipo, ao porte e à origem dos investimentos. Os de grande porte e privados, como de empresas de capital aberto e/ou com origem ou atuação nacional e internacional, são mais cuidadosos com as legislações ambientais e de ordenamento territorial dos locais onde se pretendem instalar, seja por responsabi-lidade da empresa ou pela pressão e controle exercidos pelos acionistas. O ZEE estadual é escassamente con-siderado nos licenciamentos do IBAMA por suas sedes estaduais/regionais.

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Boletim Amazônia em Pauta 6

Desafios futuros e recomendaçõesMesmo avaliado positivamente, a redução do papel de im-portância do ZEE de indutor de mudanças no uso e ocupação do solo na Amazônia transformou-o paulatinamente num texto de referência e de contextualização da realidade. Os próximos anos são estratégicos para o uso desse instrumento pelos Estados amazônicos, considerando as obrigações im-postas pelo Código Florestal de 20127. O ZEE apresenta desa-fios a serem superados em curto e médio prazos associados às dificuldades na implementação de políticas públicas e na integração com o setor privado, à escala dos trabalhos, ao tempo e às características da participação social. Finalmente indicam-se potenciais recomendações para tomadores de decisão com vistas a recuperar o papel designado na sua construção como instrumento de planejamento.

Desafios

a. Dificuldades na implementação de políticas públicasNo Brasil, a implementação de muitos instrumentos legais não é bem-sucedida ou não é percebida dessa forma pela sociedade, independentemente de sua pertinência (Silva et al., 2012; Oliveira, 2002). O aspecto financeiro e a capaci-dade técnica dos recursos humanos em termos de compe-tência, motivação, experiência e equipamentos atualizados são identificados como os mais importantes motivos para a falha na implementação dos ZEEs8. A implementação e a continuidade temporal das diretrizes do ZEE está estrei-tamente associada a escassos recursos financeiros, parti-cularmente após sua elaboração. Em ambos os Estados, os valores disponibilizados são baixos9, principalmente quando analisados na proporção dos Orçamentos Gerais do Estado (OGE) e dos programas Pará Rural (no Pará) e de Gestão Ambiental (no Acre). Entre 2010 e 2014, o Programa Pará Rural obteve 0,17% do OGE do Pará, sendo que 10%

destes (ou 0,017%) correspondem a rubricas relacionadas com ZEE. No Acre, 1,8% do OGE destina-se a programas de gestão ambiental, sendo que 18,6% destes associam--se com o financiamento da Secretaria de Meio Ambiente, responsável pelo ordenamento do território, sem especificar quanto é destinado para o ZEE.

Outros desafios são identificados: (i) técnicos estaduais não têm participado da elaboração do ZEE, pela mobilidade intra e interinstitucional e renovação geracional, e com isso a maior participação fica na esfera federal, ou pela contra-tação de consultoras privadas; (ii) há carência de incentivos e/ou penalidades aos gestores públicos para fomentar o uso do ZEE; e (iii) há desconhecimento da importância ou falta de treinamento para compreensão das diretrizes, muitas vezes imersas em textos extensos e complexos. Esses fatores são muito mais evidentes na medida em que se migra das secretarias relacionadas com a temática da gestão ambiental e de assessoramento governamental, em muitos casos responsáveis pela formulação do ZEE, para outras áreas do governo, mais distantes tematicamente ou de caráter eminentemente executivo.

b. Integração com o setor privadoNo setor privado, associado às atividades agropecuárias, existe uma grande descrença no instrumento. A ingerência do governo na definição do tipo e da forma dos investimen-tos atrelados ao uso do solo não agrada pelos seguintes motivos declarados: (i) percepção que as diretrizes do ZEE priorizam a preservação do ambiente e não a produção; (ii) pouca compreensão dos mecanismos de levantamento de dados e informações e da elaboração das diretrizes, con-siderando o uso de dados secundários, em escalas e grau de atualização não compatíveis com os objetivos do ZEE; (iii) insatisfação com as frouxas consequências do controle, fiscalização e penalização dos infratores às diretrizes do ZEE; e (iv) escala e tipo de detalhe das diretrizes não aten-dem às necessidades dos produtores, que se voltam, em consequência, mais para o uso dos zoneamentos agrícolas elaborados pela Embrapa.

c. Escala dos trabalhosSeguindo a metodologia do MMA, o MacroZEE permitiria um zoneamento preliminar, regional. Com caráter pre-ventivo, esse instrumento objetivou conhecer o território

7 Os Estados que não possuem seus ZEEs segundo a metodologia unificada, estabelecida em norma federal, terão o prazo de cinco anos, a partir de 2012, para a sua elaboração e aprovação (Lei Federal 12651, art. 13).

8 Outro aspecto mencionado de forma secundária pelos entrevistados associado às dificuldades de implementação do ZEE relaciona-se à escassa participação dos órgãos centrais de planejamento (ex. secretarias de Planejamento estaduais) na condução do ZEE, assim como a pouca integração com outras políticas.

9 Os recursos orçamentários estaduais destinados ao ZEE/PA, depois de 2010, financiam atividades do Núcleo de Gerenciamento do Programa Pará Rural, que objetivam o fortalecimento da gestão ambiental e territorial mediante a criação de UCs, a implantação do ZEE, do ZAE, e do Sistema Gerenciador de Banco de Dados sobre ZEE nas Zonas Oeste e Costeira. No Acre, após 2010, os OGEs definem recursos para a gestão ambiental, em particular para a Secretaria de Meio Ambiente.

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11FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

Boletim Amazônia em Pauta6

10 Destaca-se que, segundo o estabelecido pela Lei Complementar 140 de 2011, são ações administrativas dos municípios a elaboração do Plano Diretor, observando os zoneamentos ambientais.

11 Os Estados devem seguir as diretrizes do governo federal de atualização a cada dez anos, o que nem sempre acontece.

e diferenciar as áreas institucionalizadas das livres para gestão e planejamento (MMA, 2006). Os trabalhos na escala 1:250.000 permitiram uma delimitação e uma caracteri-zação em zonas menores, com indicações de restrições e diretrizes de uso mais detalhadas. Ainda há pleito por parte dos usuários governamentais e da sociedade civil de trabalhos mais detalhados, que reflitam demandas, pressões e conflitos que acontecem localmente.

Destacam-se os trabalhos iniciais de ordenamento territo-rial local (OTL) e de ZEEs municipais do Acre em áreas com pressão de desmatamento , parcialmente concluídos, assim como, entre os objetivos da mais recente etapa do PPCDAm, a indicação para o desenvolvimento de iniciativas de OTL em municípios prioritários amazônicos10. A mudança de escala facilitará sem dúvida a influência do ZEE no uso e na ocupação do solo.

d. Atualização dos ZEEsAs zonas identificadas e descritas no ZEE continuam vigen-tes. E um dos maiores desafios do ZEE como instrumento de gestão e planejamento do uso e da ocupação do território amazônico é a reflexão prévia sobre as problemáticas nos territórios zoneados, para antever e acompanhar a dinâmi-ca do desenvolvimento dos processos ambientais e sociais que nele acontecem e das suas interrelações dentro e fora do Estado11.

e. Qualificação da participação socialIndependentemente das formas de elaboração dos ZEEs, to-dos são definidos pelos governos como de caráter participa-tivo (equipes técnicas debatem com diferentes segmentos da população, adquirem conhecimento local e apresentam resultados em oficinas), particularmente na elaboração. O ZEE do Acre foi um dos pioneiros no Brasil nesse tipo de construção. Ampliar a participação da sociedade é um desafio a ser vencido, a fim de elevar o potencial do ZEE como indutor de mudanças na gestão e no planejamento de uso e ocupação do solo.

Os processos atuais tendem a levar a uma discussão pobre sobre objetivos, métodos e resultados do ZEE. Também se

observa uma díspar representação de alguns setores sociais e econômicos (ex. o setor produtivo privado considera seu papel pequeno diante da sua importância socioeconômica e sua íntima associação com o território), o que implica em qualificação inferior dos resultados do ZEE e de pouca apropriação e baixo cumprimento dos pactos assumidos nas diretrizes de gestão e planejamento.

Recomendações

a. Estimular a participação ativa e institucional12, em todas as etapas do ZEE, de setores sociais e econômicos com atuação e interesse no território, em especial do setor pro-dutivo, assim como qualificá-la por meio de capacitação e do estabelecimento de formas simples de monitoramento e fiscalização das diretrizes do ZEE;

b. Incentivar a construção de nova versão dos procedi-mentos metodológicos de elaboração de ZEE no âmbito federal, considerando as mudanças ocorridas no Brasil nos últimos dez anos, e os diferentes potenciais de uso do instrumento para atender a demandas da gestão pública, incluindo a definição de diretrizes claras para a sua operacionalização;

c. Atualizar os conteúdos do ZEE existentes, incorporar temáticas e melhorar formas de apresentação e comu-nicação junto à sociedade, além de constituir diretrizes de uso e ocupação do solo que subsidiem com mais clareza os processos de licenciamento governamental e a implementação de atividades produtivas;

d. Construir e implementar, seguindo objetivos do PPCDAm, um conceito de ordenamento territorial que articule, com o MacroZEE da Amazônia Legal, os ZEEs estaduais e as grandes obras de desenvolvimento previstas para a região, assim como estabelecer mudanças institucio-nais, sociais e legais que permitam o empoderamento municipal e das sociedades locais para a facilitar a implementação das diretrizes do ZEE;

e. Estimular ações que permitam a análise de potenciais associações do ZEE com instrumentos ambientais e de

12 A participação da sociedade civil deveria ser ampliada, estimulada e fortalecida em instâncias institucionais como a Comissão Estadual do ZEE do Acre (Decreto estadual nº 503/99) e o Comitê Supervisor do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará (Decreto nº. 1.026/08).

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12 FINANCIAMENTOS NÃO REEMBOLSÁVEIS PARA A GESTÃO AMBIENTAL MUNICIPAL E SEUS DESAFIOS

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Barona E; Ramankutty N; Hyman G; Coomes O 2010. The role of pasture and soybean in deforestation of the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 5: 1-9.

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Oliveira J 2002. Implementing environmental policies in develo-ping countries through descentralization: the case of protected areas in Bahia, Brazil. World Development 30(10): 1713-1736.

Reydon B 2011. O desmatamento da floresta amazônica: cau-sas e soluções. Economia Verde - Desafios e oportunidades 8: 143-155.

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Walker R; Moran E; Anselin L 2000. Deforestation and cattle ran-ching in the Brazilian Amazon: External capital and household processes. World Development 28(4): 683-699.

APOIO

Sobre os autoresClaudio Fabian Szlafsztein é geólogo (Universidade de Buenos Aires, Argentina), mestre em Ciências Ambientais (Universidade de Hokkaido, Japão) e doutor em Geografia (Universidade de Kiel, Alemanha). Professor da Universidade Federal do Pará desde 1998.

Andrea Azevedo é bióloga, mestre em Economia do Meio Ambien-te e doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. Pesquisadora plena do IPAM, atualmente ocupa a posição de diretora de Políticas Públicas.

Ane Alencar é geógrafa, mestre em Sensoriamento Remoto e Sistemas de Informação Geográfica (Universidade de Boston, Estados Unidos) e doutora em Recursos Florestais e Conservação (Universidade de Flórida, Estados Unidos). Pesquisadora plena do IPAM, atualmente ocupa a posição de diretora do Programa Cenários da Amazônia.

ordenamento territorial como o Cadastro Ambiental Rural (CAR);

f. Estabelecer com os poderes Executivo (ex. Secretaria de Planejamento) e Legislativo mecanismos que assegurem a continuidade temporal e o incremento dos recursos orçamentários destinados ao zoneamento e ao ordena-mento territoriais e ambientais;

g. Fortalecer a participação das capacidades técnicas governamentais e acadêmicas existentes nos Estados na construção de todas as etapas dos projetos de ZEE, quando exista coordenação federal. É importante fomen-tar a capacitação de técnicos e gestores nas diferentes secretarias estaduais por parte do governo federal, a fim de disseminar conteúdos e diretrizes existentes e prepará-los para novos projetos de ZEE.

sugestão para citação: SZLAFSZTEIN, C.F.; AZEVEDO, A.A.; ALENCAR, A. Amazônia em Pauta No6: Análise da implementação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) sobre o uso e a ocupação do solo na Amazônia brasileira. Ipam, Brasília, 2016.