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ENERGIA de 23 a 29 de outubro de 2008 9 américa latina Igor Ojeda correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia) “A MARCHA foi fundamental. Porque os parlamentares sa- biam que, se não aprovassem a lei convocando o referendo constitucional, iríamos fechar o Congresso”. As palavras de Pa- trícia Tellería, panicadora de Santa Cruz, no oriente bolivia- no, dão bem o tom do clima na Plaza Murillo, em La Paz, onde dezenas de milhares de pesso- as faziam vigília para que o Par- lamento boliviano aprovasse a lei de convocatória do referen- do sobre a nova Constituição do país – no dia 21, a consulta foi convocada para 25 de janeiro. A concentração no centro da capital da Bolívia foi a culmi- nação de uma marcha promo- vida pelos movimentos sociais que apóiam o governo do pre- sidente Evo Morales, inicia- da no dia 13, em Caracollo, no departamento de Oruro. Uma semana e cerca de 200 km de- pois, La Paz foi “tomada” pe- los manifestantes. “A marcha foi de muito sa- crifício, mas as organizações do oriente já têm experiên- cia, já sabem como é. Nos tra- taram muito bem, cávamos alegres que a marcha se massi- cava cada vez mais. E a cons- ciência do povo mudou. Já sa- em a nos saudar, a nos felici- tar”, comemora Patrícia, que lembra que os povos originá- rios do oriente do país vinham pedindo uma nova Constitui- ção desde a década de 1990. Segundo ela, os movimen- tos sociais de Santa Cruz, de- partamento cujas autorida- des e comitês cívicos fazem dura oposição a Evo, se com- prometem a garantir que a no- va Constituição seja aprovada por 70% da população local. “O povo boliviano está can- sado das manobras da direi- ta. As minorias devem apren- der a viver não como oposição, mas desfrutando o país que as maiorias vão construir”, diz. de La Paz (Bolívia) Para se chegar a um acordo que possibilitasse a aprovação no Congresso, no dia 21, da lei de convoca- tória ao referendo sobre a nova Constituição boliviana, o governo do presidente Evo Morales aceitou a modi- cação de mais de cem artigos (de 408 no total) da nova Carta Magna. Assim, a consulta será realizada no dia 25 de janeiro de 2009. Caso seja aprovada, novas eleições para presidente e congressistas serão realizadas em dezembro do mesmo ano. Entre os acordos fechados, está o que contempla a re- eleição de Evo Morales. Na proposta anterior, o man- datário boliviano teria direito a duas gestões caso fos- se eleito no pleito que seria convocado após a aprovação da Constituição. Agora, Evo terá direito a apenas uma, além da que exerce atualmente. Outro ponto do acordo estabelece que o limite máxi- mo de terra que uma pessoa pode ter (um referendo di- rimidor, que será realizado na mesma data do constitu- cional, decidirá se tal restrição será de cinco ou dez mil hectares) não se aplicará retroativamente. Ou seja, as propriedades atuais que cumprem a função econômica e social não serão afetadas. Na questão das autonomias, a nova Constituição reco- nhecerá a departamental, a municipal e a indígena (an- tes, as regionais estavam incluídas). Mas, no caso de San- ta Cruz, Beni, Tarija e Pando, seus estatutos autonômicos deverão se adequar ao novo marco constitucional. (IO) Carmen Moreno de Havana (Cuba) As lendárias reclamações pa- raguaias sobre o direito de co- mercializar a um preço justo seu excedente energético de Itai- pu, e a vendê-lo a outros paí- ses, avançam, pela primeira vez, com perspectivas favoráveis. Comissões técnicas do Brasil e do Paraguai, co-proprietários da hidrelétrica, iniciaram o di- álogo a pedido dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fer- nando Lugo, reunidos em Brasí- lia no dia 17 de setembro. A primeira jornada de nego- ciações, efetuada na última se- mana de setembro, deu abertu- ra à criação de duas subcomis- sões: uma de estudos energéti- cos, que analisa a livre dispo- nibilidade da energia e o preço justo reclamado por Assunção; e outra nanceira, que examina a dívida que a central mantém com a empresa brasileira de ele- tricidade Eletrobrás. Ricardo Canese, chefe da equipe paraguaia, disse que es- pera os primeiros resultados desses encontros no começo de 2009. As comissões técnicas se comprometeram com a cons- trução de uma subestação elé- trica de 18 milhões de dólares, que permitirá ao Paraguai rece- ber e distribuir o total da ener- gia que lhe corresponde. Também acordaram o início de um estudo de viabilidade pa- ra levar a cabo obras que permi- tam a navegação total sobre o rio Paraná, dicultada pela hidrelé- trica. Ambas comissões apresen- tarão um informe no dia 27 de outubro. O diretor paraguaio da represa, Carlos Mateo Balmelli, assegurou que as autoridades do país vizinho concordaram com duas das reclamações. O Paraguai utiliza somente 5% da cota de energia que lhe corresponde. O excedente deve ser comercializado com o Bra- sil a um preço estabelecido no tratado rmado em 1973, e não de acordo com o que rege hoje o mercado internacional. “O Pa- raguai não vem pedir nenhum tipo de privilégios. O que que- remos é que a energia produ- zida pela hidrelétrica seja ven- dida pela Administração Na- cional de Eletricidade (Ande) dentro do Brasil. Isso seria mui- to importante para o Paraguai”, explicou Balmelli. O funcionário e sua equipe conversaram com os executi- vos das empresas Tradener e Tractevel, ambas comercializa- doras de energia no mercado de São Paulo. Alguns dos empre- sários paulistas – acrescentou Balmelli – mostraram interesse em construir, no futuro, outras represas hidrelétricas de menor envergadura que Itaipu para aproveitar o patrimônio aqüífe- ro paraguaio. Encontro Lula-Lugo Ao m de um encontro de mais de três horas com Lula, Lugo abriu novas possibilida- des aos pedidos de modica- ção do Tratado de Itaipu, que proíbe o Paraguai de vender a outra nação a energia que não utiliza. “Não há contradições”, assegurou, em alusão à busca de um acordo mais justo pela energia que gera a sociedade entre os países. Segundo Lugo, o Brasil es- tá disposto a falar sobre os te- mas sem nenhuma diculda- de. A usina, localizada sobre o rio Paraná, a 350 quilômetros a leste de Assunção, gera cerca de 20% da eletricidade que o Bra- sil consome. O Tratado rma- do em 1973 estabelece a divisão igualitária da energia e obriga o Paraguai a vender todo o seu ex- cedente (quase 95%) com exclu- sividade ao Brasil. O Paraguai recebe cerca de 300 milhões de dólares ao ano por essa energia, mas Lugo considera, “segundo o preço de mercado, que o paga- mento justo tem que chegar a 2 bilhões de dólares, ou seja, entre seis ou sete vezes o valor atual”. Através dos anos, o Bra- sil têm mantido a postura de que esse assunto deve ser dis- cutido a partir de 2023, quan- do vence o tratado. Agora, Lu- go deixou claro que “o tema de Itaipu instalou-se deniti- vamente na opinião pública e não retrocederemos. Já tenho falado com Lula, com seu mi- nistro Celso Amorim [Rela- ções Exteriores] e com outras autoridades brasileiras”. Como uma novidade em mais de 20 anos de exploração e ad- ministração comum, o vice-pre- sidente paraguaio, Frederico Franco, assegurou que os gastos sociais da sociedade no rio Para- ná poderão ser revisados pelos organismos de controle do Es- tado, seja o Congresso ou a Con- troladoria Geral. A intenção de transparecer os gastos sociais se mantém rme; nunca um dire- tor paraguaio chegou até o legis- lativo para explicar as atividades da instituição, manifestou. Também Yacyretá O presidente Lugo colocou entre as propriedades do gover- no, que iniciou em 15 de agosto a recuperação do poder de de- cisão do Paraguai sobre a ener- gia que se produz tanto em Itai- pu como em Yacyretá, o comple- xo hidrelétrico que compartilha com a Argentina. Buenos Aires e Brasília impuseram cláusu- las nos convênios para a cons- trução das respectivas represas, que regulam o uso da energia e impedem ao Paraguai bene- ciar-se do consumo. Contudo, não existe docu- mento que respalde a descomu- nal dívida acumulada desde o início da construção, na década de 1970. Segundo cálculos ela- borados no centro da campanha da Aliança Patriótica para a Mu- dança, o Paraguai importa bi- lhões de dólares em hidrocarbo- netos. No entanto, os rendimen- tos produzidos na represa de Itaipu só alcançam 300 milhões de dólares. “34 anos de entrega, de doação, reclamamos o justo para o Paraguai, o faremos as- sim amanhã”, expressou Lugo. No caso da sociedade que compartilha com a Argentina e que ainda se encontra em cons- trução, o Paraguai só utiliza en- tre dois e cinco por cento. Re- verter a injusta situação dos cor- ruptos acordos das grandes fon- tes de energia – como assinalou Stella Calloni em um artigo pu- blicado pelo La Jornada – be- neciará a unidade sul-america- na. “Sigo sonhando, como segu- ramente o terão feito esses gran- des sonhadores que foram Bolí- var, San Martín e outros tantos, com uma América Latina unida e irmã”, revelou Lugo. Perspectivas favoráveis às aspirações paraguaias em Itaipu Comissões técnicas do Brasil e do Paraguai, co-proprietários da hidrelétrica, iniciam diálogo a pedido dos presidentes Lula e Lugo Movimentos comemoram convocatória a referendo constitucional na Bolívia AVANÇO Após marcha e vigília de dezenas de milhares de pessoas, Congresso Nacional fecha acordo para a convocação da consulta Festa Mesmo “cansados das mano- bras da direita”, e exaustos com os sete dias de marcha e com as 24 horas de vigília na frente do Congresso, os movimentos não deixaram de comemorar, efusi- vamente, a lei que convocou o referendo constitucional. Após sua promulgação, por Evo Morales – no mesmo pal- co, montado na Praza Murillo, onde ele, juntamente com mi- nistros e dirigentes de organi- zações sociais, esperou por qua- se um dia completo o debate no Parlamento – as dezenas de mi- lhares de pessoas que se encon- travam no local iniciaram um desle em volta da praça, com muita música e dança. As di- versas cores dos trajes típicos e os sons dos instrumentos lo- cais completavam o ambiente de alegria incontida. “Até agora, temos 12 dias de viagem, mas vou voltar feliz com o que foi aprovado aqui”, conta o indígena Antonio So- to Guatara, do departamento do Beni, na Amazônia bolivia- na, que participou dos 200 km da marcha. “Como disse o Evo, os que vão marchar já sabem que não vão comer nem dormir muito. Por isso, estamos con- tentes com a aprovação da lei”. Desde que saiu de Caracollo, no dia 13, a marcha dos movi- mentos foi ganhando, ao longo dos dias, cada vez mais adeptos. No caminho, os marchantes contaram com a solidariedade dos moradores locais, que con- tribuíam com alimentos, água e, eventualmente, estadia du- rante as madrugadas. Na passagem pela cidade de El Alto (onde Evo Morales aderiu à caminhada) e, posteriormente, na entrada em La Paz, no dia 20, a marcha foi recebida por milha- res de pessoas posicionadas ao longo do trajeto em direção ao Congresso, que aplaudiam e gri- tavam palavras de apoio. Inimigos Já na Plaza Murillo, os ma- nifestantes começaram a exi- gir a aprovação da lei do refe- rendo constitucional e, inclu- sive, a ameaçar fechar o Par- lamento à força caso sua de- manda não fosse atendida. Os ânimos iam sendo acalma- dos periodicamente pelo pre- sidente, que pedia paciência aos movimentos. Logo após ter promulgado a lei de convocatória do referen- do constitucional, Evo Morales agradeceu aos manifestantes por o terem ouvido. Além dis- so, justicou a decisão de abrir mão de sua reeleição. “Em no- me da unidade do país, pelo processo de mudanças, renun- ciei à reeleição. Agora, posso ir contente para o cemitério, por- que cumpri minha missão com o povo. Aí estão novos líderes que estão surgindo, crescen- do. O Evo Morales já não é im- portante. Antes, governavam os doutores. Isso nunca mais vai acontecer. Esse processo é irre- versível. Façam o que façam, di- gam o que digam, o neolibera- lismo não vai voltar”, celebrou. No discurso, o presidente bo- liviano criticou duramente a oposição regional, que anun- ciou não reconhecer os acordos fechados no Congresso para se aprovar a lei do referendo sobre a nova Carta Magna. “Ao rechaçarem tudo que foi modicado, entendo que eles são inimigos da autonomia de- partamental. São inimigos da pátria, porque estão rechaçan- do a nacionalização dos recur- sos naturais, o fato de que os serviços básicos sejam públi- cos. É hora de identicar os inimigos. Querem bases es- trangeiras na Bolívia. Agora podemos ver quem são os en- treguistas”, analisou. Congresso modifica 100 artigos da nova Constituição Ao centro, diante da imagem de Che Guevara, o presidente Evo Morales segura faixa Lula cumprimenta o presidente do Paraguai, Fernando Lugo: novas possibilidades Gmea/ABI Marcello Casal Jr/ABr

Bolívia aprova referendo após pressão popular

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Constituição

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ENERGIA

de 23 a 29 de outubro de 2008 9

américa latina

Igor Ojedacorrespondente do Brasil

de Fato em La Paz (Bolívia)

“A MARCHA foi fundamental. Porque os parlamentares sa-biam que, se não aprovassem a lei convocando o referendo constitucional, iríamos fechar o Congresso”. As palavras de Pa-trícia Tellería, panifi cadora de Santa Cruz, no oriente bolivia-no, dão bem o tom do clima na Plaza Murillo, em La Paz, onde dezenas de milhares de pesso-as faziam vigília para que o Par-lamento boliviano aprovasse a lei de convocatória do referen-do sobre a nova Constituição do país – no dia 21, a consulta foi convocada para 25 de janeiro.

A concentração no centro da capital da Bolívia foi a culmi-nação de uma marcha promo-vida pelos movimentos sociais que apóiam o governo do pre-sidente Evo Morales, inicia-da no dia 13, em Caracollo, no departamento de Oruro. Uma semana e cerca de 200 km de-pois, La Paz foi “tomada” pe-los manifestantes.

“A marcha foi de muito sa-crifício, mas as organizações do oriente já têm experiên-cia, já sabem como é. Nos tra-taram muito bem, fi cávamos alegres que a marcha se massi-fi cava cada vez mais. E a cons-ciência do povo mudou. Já sa-em a nos saudar, a nos felici-tar”, comemora Patrícia, que lembra que os povos originá-rios do oriente do país vinham pedindo uma nova Constitui-ção desde a década de 1990.

Segundo ela, os movimen-tos sociais de Santa Cruz, de-partamento cujas autorida-des e comitês cívicos fazem dura oposição a Evo, se com-prometem a garantir que a no-va Constituição seja aprovada por 70% da população local. “O povo boliviano está can-sado das manobras da direi-ta. As minorias devem apren-der a viver não como oposição, mas desfrutando o país que as maiorias vão construir”, diz.

de La Paz (Bolívia)

Para se chegar a um acordo que possibilitasse a aprovação no Congresso, no dia 21, da lei de convoca-tória ao referendo sobre a nova Constituição boliviana, o governo do presidente Evo Morales aceitou a modifi -cação de mais de cem artigos (de 408 no total) da nova Carta Magna.

Assim, a consulta será realizada no dia 25 de janeiro de 2009. Caso seja aprovada, novas eleições para presidente e congressistas serão realizadas em dezembro do mesmo ano.

Entre os acordos fechados, está o que contempla a re-eleição de Evo Morales. Na proposta anterior, o man-datário boliviano teria direito a duas gestões caso fos-se eleito no pleito que seria convocado após a aprovação da Constituição. Agora, Evo terá direito a apenas uma, além da que exerce atualmente.

Outro ponto do acordo estabelece que o limite máxi-mo de terra que uma pessoa pode ter (um referendo di-rimidor, que será realizado na mesma data do constitu-cional, decidirá se tal restrição será de cinco ou dez mil hectares) não se aplicará retroativamente. Ou seja, as propriedades atuais que cumprem a função econômica e social não serão afetadas.

Na questão das autonomias, a nova Constituição reco-nhecerá a departamental, a municipal e a indígena (an-tes, as regionais estavam incluídas). Mas, no caso de San-ta Cruz, Beni, Tarija e Pando, seus estatutos autonômicos deverão se adequar ao novo marco constitucional. (IO)

Carmen Morenode Havana (Cuba)

As lendárias reclamações pa-raguaias sobre o direito de co-mercializar a um preço justo seu excedente energético de Itai-pu, e a vendê-lo a outros paí-ses, avançam, pela primeira vez, com perspectivas favoráveis. Comissões técnicas do Brasil e do Paraguai, co-proprietários da hidrelétrica, iniciaram o di-álogo a pedido dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fer-nando Lugo, reunidos em Brasí-lia no dia 17 de setembro.

A primeira jornada de nego-ciações, efetuada na última se-mana de setembro, deu abertu-ra à criação de duas subcomis-sões: uma de estudos energéti-cos, que analisa a livre dispo-nibilidade da energia e o preço justo reclamado por Assunção; e outra fi nanceira, que examina a dívida que a central mantém com a empresa brasileira de ele-tricidade Eletrobrás.

Ricardo Canese, chefe da equipe paraguaia, disse que es-pera os primeiros resultados desses encontros no começo de 2009. As comissões técnicas se comprometeram com a cons-trução de uma subestação elé-trica de 18 milhões de dólares, que permitirá ao Paraguai rece-ber e distribuir o total da ener-gia que lhe corresponde.

Também acordaram o início de um estudo de viabilidade pa-ra levar a cabo obras que permi-tam a navegação total sobre o rio

Paraná, difi cultada pela hidrelé-trica. Ambas comissões apresen-tarão um informe no dia 27 de outubro. O diretor paraguaio da represa, Carlos Mateo Balmelli, assegurou que as autoridades do país vizinho concordaram com duas das reclamações.

O Paraguai utiliza somente 5% da cota de energia que lhe corresponde. O excedente deve ser comercializado com o Bra-sil a um preço estabelecido no tratado fi rmado em 1973, e não de acordo com o que rege hoje o mercado internacional. “O Pa-raguai não vem pedir nenhum tipo de privilégios. O que que-remos é que a energia produ-zida pela hidrelétrica seja ven-dida pela Administração Na-cional de Eletricidade (Ande) dentro do Brasil. Isso seria mui-to importante para o Paraguai”, explicou Balmelli.

O funcionário e sua equipe conversaram com os executi-vos das empresas Tradener e Tractevel, ambas comercializa-doras de energia no mercado de São Paulo. Alguns dos empre-sários paulistas – acrescentou Balmelli – mostraram interesse em construir, no futuro, outras represas hidrelétricas de menor envergadura que Itaipu para aproveitar o patrimônio aqüífe-ro paraguaio.

Encontro Lula-LugoAo fi m de um encontro de

mais de três horas com Lula, Lugo abriu novas possibilida-des aos pedidos de modifi ca-ção do Tratado de Itaipu, que

proíbe o Paraguai de vender a outra nação a energia que não utiliza. “Não há contradições”, assegurou, em alusão à busca de um acordo mais justo pela energia que gera a sociedade entre os países.

Segundo Lugo, o Brasil es-tá disposto a falar sobre os te-mas sem nenhuma difi culda-de. A usina, localizada sobre o rio Paraná, a 350 quilômetros a leste de Assunção, gera cerca de 20% da eletricidade que o Bra-sil consome. O Tratado fi rma-do em 1973 estabelece a divisão igualitária da energia e obriga o Paraguai a vender todo o seu ex-cedente (quase 95%) com exclu-sividade ao Brasil. O Paraguai

recebe cerca de 300 milhões de dólares ao ano por essa energia, mas Lugo considera, “segundo o preço de mercado, que o paga-mento justo tem que chegar a 2 bilhões de dólares, ou seja, entre seis ou sete vezes o valor atual”.

Através dos anos, o Bra-sil têm mantido a postura de que esse assunto deve ser dis-cutido a partir de 2023, quan-do vence o tratado. Agora, Lu-go deixou claro que “o tema de Itaipu instalou-se defi niti-vamente na opinião pública e não retrocederemos. Já tenho falado com Lula, com seu mi-nistro Celso Amorim [Rela-ções Exteriores] e com outras autoridades brasileiras”.

Como uma novidade em mais de 20 anos de exploração e ad-ministração comum, o vice-pre-sidente paraguaio, Frederico Franco, assegurou que os gastos sociais da sociedade no rio Para-ná poderão ser revisados pelos organismos de controle do Es-tado, seja o Congresso ou a Con-troladoria Geral. A intenção de transparecer os gastos sociais se mantém fi rme; nunca um dire-tor paraguaio chegou até o legis-lativo para explicar as atividades da instituição, manifestou.

Também YacyretáO presidente Lugo colocou

entre as propriedades do gover-no, que iniciou em 15 de agosto

a recuperação do poder de de-cisão do Paraguai sobre a ener-gia que se produz tanto em Itai-pu como em Yacyretá, o comple-xo hidrelétrico que compartilha com a Argentina. Buenos Aires e Brasília impuseram cláusu-las nos convênios para a cons-trução das respectivas represas, que regulam o uso da energia e impedem ao Paraguai benefi -ciar-se do consumo.

Contudo, não existe docu-mento que respalde a descomu-nal dívida acumulada desde o início da construção, na década de 1970. Segundo cálculos ela-borados no centro da campanha da Aliança Patriótica para a Mu-dança, o Paraguai importa bi-lhões de dólares em hidrocarbo-netos. No entanto, os rendimen-tos produzidos na represa de Itaipu só alcançam 300 milhões de dólares. “34 anos de entrega, de doação, reclamamos o justo para o Paraguai, o faremos as-sim amanhã”, expressou Lugo.

No caso da sociedade que compartilha com a Argentina e que ainda se encontra em cons-trução, o Paraguai só utiliza en-tre dois e cinco por cento. Re-verter a injusta situação dos cor-ruptos acordos das grandes fon-tes de energia – como assinalou Stella Calloni em um artigo pu-blicado pelo La Jornada – be-nefi ciará a unidade sul-america-na. “Sigo sonhando, como segu-ramente o terão feito esses gran-des sonhadores que foram Bolí-var, San Martín e outros tantos, com uma América Latina unida e irmã”, revelou Lugo.

Perspectivas favoráveis às aspirações paraguaias em ItaipuComissões técnicas do Brasil e do Paraguai, co-proprietários da hidrelétrica, iniciam diálogo a pedido dos presidentes Lula e Lugo

Movimentos comemoram convocatóriaa referendo constitucional na BolíviaAVANÇO Após marcha e vigília de dezenas de milhares de pessoas, Congresso Nacional fecha acordo para a convocação da consulta

FestaMesmo “cansados das mano-

bras da direita”, e exaustos com os sete dias de marcha e com as 24 horas de vigília na frente do Congresso, os movimentos não deixaram de comemorar, efusi-vamente, a lei que convocou o referendo constitucional.

Após sua promulgação, por Evo Morales – no mesmo pal-co, montado na Praza Murillo, onde ele, juntamente com mi-nistros e dirigentes de organi-zações sociais, esperou por qua-se um dia completo o debate no Parlamento – as dezenas de mi-lhares de pessoas que se encon-travam no local iniciaram um desfi le em volta da praça, com muita música e dança. As di-versas cores dos trajes típicos

e os sons dos instrumentos lo-cais completavam o ambiente de alegria incontida.

“Até agora, temos 12 dias de viagem, mas vou voltar feliz com o que foi aprovado aqui”, conta o indígena Antonio So-to Guatara, do departamento do Beni, na Amazônia bolivia-na, que participou dos 200 km da marcha. “Como disse o Evo, os que vão marchar já sabem que não vão comer nem dormir muito. Por isso, estamos con-tentes com a aprovação da lei”.

Desde que saiu de Caracollo, no dia 13, a marcha dos movi-mentos foi ganhando, ao longo dos dias, cada vez mais adeptos. No caminho, os marchantes contaram com a solidariedade dos moradores locais, que con-

tribuíam com alimentos, água e, eventualmente, estadia du-rante as madrugadas.

Na passagem pela cidade de El Alto (onde Evo Morales aderiu à caminhada) e, posteriormente, na entrada em La Paz, no dia 20, a marcha foi recebida por milha-res de pessoas posicionadas ao longo do trajeto em direção ao Congresso, que aplaudiam e gri-tavam palavras de apoio.

InimigosJá na Plaza Murillo, os ma-

nifestantes começaram a exi-gir a aprovação da lei do refe-rendo constitucional e, inclu-sive, a ameaçar fechar o Par-lamento à força caso sua de-manda não fosse atendida. Os ânimos iam sendo acalma-

dos periodicamente pelo pre-sidente, que pedia paciência aos movimentos.

Logo após ter promulgado a lei de convocatória do referen-do constitucional, Evo Morales agradeceu aos manifestantes por o terem ouvido. Além dis-so, justifi cou a decisão de abrir mão de sua reeleição. “Em no-me da unidade do país, pelo processo de mudanças, renun-ciei à reeleição. Agora, posso ir contente para o cemitério, por-que cumpri minha missão com o povo. Aí estão novos líderes que estão surgindo, crescen-do. O Evo Morales já não é im-portante. Antes, governavam os doutores. Isso nunca mais vai acontecer. Esse processo é irre-versível. Façam o que façam, di-

gam o que digam, o neolibera-lismo não vai voltar”, celebrou.

No discurso, o presidente bo-liviano criticou duramente a oposição regional, que anun-ciou não reconhecer os acordos fechados no Congresso para se aprovar a lei do referendo sobre a nova Carta Magna.

“Ao rechaçarem tudo que foi modifi cado, entendo que eles são inimigos da autonomia de-partamental. São inimigos dapátria, porque estão rechaçan-do a nacionalização dos recur-sos naturais, o fato de que osserviços básicos sejam públi-cos. É hora de identifi car os inimigos. Querem bases es-trangeiras na Bolívia. Agorapodemos ver quem são os en-treguistas”, analisou.

Congresso modifi ca 100 artigos da nova Constituição

Ao centro, diante da imagem de Che Guevara, o presidente Evo Morales segura faixa

Lula cumprimenta o presidente do Paraguai, Fernando Lugo: novas possibilidades

Gmea/ABI

Marcello Casal Jr/ABr