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Conferências do Estoril 2011 Bolsa de Investigação Relatório Final Integração Regional e Segurança Energética O Papel de Moçambique na África Austral João Veiga Esteves 2012

Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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A Bolsa de Investigação das Conferências do Estoril 2011 foi atribuída a João Veiga Esteves para o projeto - Integração Regional, Segurança Energética e Prevenção de Conflitos - o Papel de Moçambique no Sudeste Africano.

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Page 1: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

Conferências do Estoril 2011

Bolsa de Investigação

Relatório Final

Integração Regional e Segurança Energética

O Papel de Moçambique na África Austral

João Veiga Esteves

2012

Page 2: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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Índice Geral

1. Acrónimos e Abreviaturas

2. Resumo

3. Abstract

4. Citação

5. Agradecimentos

6. Prólogo

7. Introdução

7.1. Introdução Geral

7.2. Objetivos do Trabalho

7.3. Metodologia

7.4. Relevância e Motivação

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7.5. Estrutura e Organização

7.6. Limitações

8. Enquadramento Teórico

8.1. Integração Regional

8.1.1. Definição e Conceitos

8.1.2. Etapas e Motivações

8.1.3. Pré-requisitos e Benefícios

8.1.4. Obstáculos, Instrumentos e Impactos

8.1.5. Abordagem Neoliberal vs Heterodoxa

8.1.6. Evolução Histórica e Organizações Regionais

8.1.7. Idiossincrasias da Integração Regional

8. Enquadramento Teórico

8.2. Segurança Energética

8.2.1. Definição e Determinantes

8.2.2. Paradigmas Energéticos e Energias Renováveis

8.2.3. Power Pools: Conceito e Benefícios

8.2.4. Integração Regional Energética

Page 4: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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8.2.5. Organizações Regionais e Compromisso Político

8.2.6. Infraestruturas e Agentes Privados

8.2.7. Particularidades da Segurança Energética

8.2.8. Eletrificação e Desenvolvimento Humano

9. Integração Regional em África

9.1. Obstáculos e Condicionalismos

9.2. Economias Africanas e Infraestruturas

9.3. Contextualização Histórica

9.4. Gestão Transnacional de Recursos

10. Contexto Energético da África Subsaariana

10.1. Crise Energética: Características e Determinantes

10.2. Acesso à Eletricidade

10.3. Quebras e Energia de Emergência

10.4. Integração Regional Energética

10.5. Principais Atores Africanos

10.6. Recursos Energéticos Africanos

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11. Integração Regional na África Austral

11.1. Evolução Histórica

11.2. Motivações e Objetivos

11.3. Protocolo Comercial da SADC

11.4. Obstáculos à Integração

11.5. Contexto Económico Regional

11.6. Infraestruturas e Energia

11.7. Industrialização na SADC

12. Energia e Integração na África Austral

12.1. Dotações Energéticas e Portfolio Energético

12.2. Alterações Climáticas e Peso da África do Sul

12.3. Carvão, Hidroeletricidade e Renováveis

12.4. Análise Custo-Benefício da Integração Regional

12.5. Crise Energética: Causas e Consequências

12.6. Projetos Energéticos Transnacionais

12.7. Preço da Eletricidade na África Austral

12.8. Comércio Energético Bilateral vs. Multilateral

12.9. SAPP: Características e Objetivos

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5

12.10. Boas Práticas Internacionais

13. Integração Regional de Moçambique

13.1. Protocolo Comercial e Receitas Aduaneiras

13.2. Arranjos Institucionais: SADC vs. SACU

13.3. Relações Moçambique - África do Sul

13.4. Vantagens Competitivas e Desenvolvimento

14. Energia em Moçambique

14.1. Atores Principais do Setor Energético

14.2. Comércio Multilateral vs. Bilateral

14.3. Desafios e Objetivos do Setor Energético

14.4. Paradigma Energético e Acesso à Eletricidade

14.5. Potencial Hidroelétrico: HCB e Mphanda Nkuwa

14.6. Gás Natural, Carvão e Petróleo

14.7. Energias Renováveis em Moçambique

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15. Considerações Finais

15.1. Conclusões Fundamentais

15.2. Recomendações

15.3. Pistas Futuras

16. Referências Bibliográficas

17. Anexos

17.1. O Contributo da Gestão Transfronteiriça dos Recursos Hídricos

para a Prevenção de Conflitos em África

17.2. Integração Regional Energética na África Austral: O Caso da

Hidroelétrica de Cahora Bassa

17.3. Análise Comparativa dos Perfis Energéticos de Cabo-Verde e

Guiné-Bissau

17.4. O Impacto das Alterações Climáticas no Portfólio Energético da

África Austral

17.5. Lista de Personalidades Entrevistadas

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Índice de Tabelas, Gráficos e Figuras

Índice de Tabelas

Tabela 1 – Evolução do Peso das Receitas Aduaneiras nas Receitas Totais de

Alguns Países Africanos, Excluindo Doações (%)

Tabela 2 – Comércio Intra-Africano em Termos Absolutos e Relativos em 2004

Tabela 3 – Volumes de Comércio Energético Intrarregional das Diferentes

Power Pools da África Subsaariana

Tabela 4 – Comparação entre os Benefícios do Aprofundamento dos Arranjos

Institucionais de Integração Regional Energética e Consequente Crescimento

do Comércio Energético Intrarregionais na EAPP e SAPP

Tabela 5 – Seis Maiores Exportadores de Energia da África Subsaariana num

Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional

Tabela 6 – Dados Relevantes sobre as Organizações Regionais Africanas

Page 9: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

8

Tabela 7 – Peso da África do Sul nas Exportações da SADC para o Resto do

Mundo (%)

Tabela 8 – IDE da África do Sul para o Resto da SADC 1997/2001

Tabela 9 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP

Tabela 10 – Portfolios Energéticos dos Membros da SAPP (MW e %)

Tabela 11 – Potencial de Geração de Eletricidade via Energias Renováveis

Relativamente ao Consumo Doméstico Atual

Tabela 12 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP

Tabela 13 – Projeções para as Necessidades de Investimento até 2015 para

Responder à Procura de Eletricidade na SAPP

Tabela 14 – Procura Suprimida de Eletricidade na SAPP

Tabela 15 – Projeções para os Custos Marginais na SAPP em Cenários de

Expansão e Estagnação do Comércio Energético Intrarregional (cents/kWh)

Page 10: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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Tabela 16 – Projeções para os Padrões de Comércio Energético Intrarregional

da SAPP até 2015 em Cenários de Expansão e Estagnação

Tabela 17 – Custos Marginais de Longo Prazo da Geração de Eletricidade nos

Países da SAPP em Cenários de Expansão e Estagnação do Comércio

Energético Intrarregional

Tabela 18 – Comparação dos Volumes de Comércio Energético Intrarregional

em Cenários de Planos Energéticos Nacionais e Regionais

Tabela 19 – Projeções para o Crescimento Demográfico e da Procura de

Eletricidade na SAPP

Tabela 19 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade na SAPP

até 2015 (TWh)

Tabela 20 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade nos

Membros da SAPP até 2015 (MW)

Tabela 21 – Comércio Energético na SAPP em 2005

Tabela 22 – IDE da África do Sul em Moçambique por Província Moçambicana

(1990/2000)

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Tabela 23 – IDE da África do Sul em Moçambique por Setor Económico

(1990/2000)

Tabela 24 – Participação do Saldo Comercial no PIB de Países da SADC (%)

Tabela 25 – Novas Ligações Residenciais por Ano (milhares)

Tabela 26 – Abastecimento Elétrico em Moçambique, 2003/2004

Tabela 27 – Sistemas Isolados de Abastecimento Elétrico em Moçambique

Tabela 28 – Oferta e Procura de Eletricidade em Moçambique, 2006/2010

Tabela 29 – Distribuição dos Custos do Projeto de Gás Natural de Pande e

Temane

Tabela 30 – Produção e Consumo de Gás Natural do Projeto de Pande e

Temane

Tabela 31 – Hectares de Jatropha Necessários para a Produção de Biodiesel

em Moçambique

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Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras no Bem-Estar de

África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões

Gráfico 2 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras e da Redução dos

Custos de Transporte no Bem-Estar de África como um Todo e em Cinco das

suas Sub-Regiões da África Subsaariana

Gráfico 3 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras, da Redução dos

Custos de Transporte e do Estabelecimento de Uniões Aduaneiras no Bem-

Estar de África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões

Gráfico 4 – Capacidade de Geração de Eletricidade de alguns Países da África

Subsaariana em 2006

Gráfico 5 – Quebras de Energia em Dias por Ano, 2007/2008

Gráfico 6 – Custos Económicos das Quebras de Eletricidade em Percentagem

do PIB de Alguns Países da África Subsaariana em 2005

Page 13: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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Gráfico 7 – Peso da Geração Própria no Total da Capacidade Instalada por

Sub-Região da África Subsaariana em 2006

Gráfico 8 – Preço Médio da Eletricidade para Consumo Doméstico na África

Subsaariana e Outras Regiões do Mundo em 2005

Gráfico 9 – Fontes de Ineficiência Económica nos Sectores Energéticos dos

Países da África Subsaariana

Gráfico 10 – Desagregação das Fontes de Ineficiência Económica nos

Sectores Energéticos de Alguns Países da África Subsaariana

Gráfico 11 – Custos Operacionais por Tipo de Países em 2005

Gráfico 12 – Custos Operacionais de cada Power Pool da África Subsaariana

em 2005

Gráfico 13 – Estrutura Energética das Power Pools da África Subsaariana por

Recurso Energético e por Escala de Produção

Gráfico 14 – Custos Operacionais por Recurso Energético em 2005

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Gráfico 15 – Capacidade de Geração de Eletricidade de Alguns Países da

África Subsaariana per capita em 2005

Gráfico 16 – Poupança Obtida pelos Maiores Importadores de Energia num

Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional

Gráfico 17 – Portfolios Energéticos dos Países da SADC em 2006 (%)

Gráfico 18 – Taxas de Acesso à Eletricidade de Diversos Países da SADC em

2008

Gráfico 19 – Necessidades de Investimento por País em Cenários de Expansão

e Estagnação de Comércio Energético Intrarregional (% PIB)

Gráfico 20 – Evolução do Pico da Procura de Eletricidade na SAPP

Gráfico 21 – Projeções para a Capacidade Instalada da SAPP

Gráfico 22 – Preço Médio da Eletricidade em Alguns Países da SAPP

Gráfico 23 – Contabilização das Perturbações no Sistema da SAPP em 2010

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Gráfico 24 – Volume do IDE em Moçambique por Origem (2001/2005, Milhões

USD)

Gráfico 25 – Importações de Moçambique por Origem em 2004 (%)

Gráfico 26 – Exportações Moçambicanas por Destino em 2004 (%)

Gráfico 27 – Comércio Energético Africano em 2005 (TWh)

Gráfico 28 – Comércio Energético Intrarregional na SADC 2004/2008 (mil

milhões de kW)

Gráfico 29 – Desagregação do Consumo de Eletricidade entre Mega-projectos

e o Resto da Economia de Moçambique (GWh)

Gráfico 30 – Projeções para a Distribuição da Procura de Eletricidade por

Sector Económico, Excluindo Mega-projectos (GWh)

Gráfico 31 – Comparação dos Custos de Geração de Eletricidade da África do

Sul e de Moçambique

Gráfico 32 – Projeções para a Balança Comercial Energética de Moçambique

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Gráfico 33 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura

Gráfico 34 – Importações de Combustíveis por Moçambique

Índice de Figuras

Figura 1 – Sobreposição de Adesões dos Estados Africanos a Diversas

Organizações Regionais

Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético

Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)

Figura 3 – Infraestruturas de Geração e Transmissão de Eletricidade na África

Austral

Figura 4 – Procura e Capacidade de Geração de Eletricidade na SAPP

Figura 5 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010

Figura 6 – Estrutura de Governação da SAPP

Page 17: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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Figura 7 – Taxas de Eletrificação das Províncias de Moçambique em 2007

Figura 8 – Rede Moçambicana de Transmissão e Distribuição de Eletricidade

Figura 9 – Potencial de Energias Renováveis de Moçambique

Índice de Quadros

Quadro 1 – Membros da SAPP

Quadro 2 – Comparação entre os Tratados e Protocolos da SADC e ECOWAS

Quadro 3 – Comparação entre a SAPP e a WAPP

Quadro 4 – Necessidades de Eletricidade dos Mega-Projectos em Moçambique

Quadro 5 – Projetos de Mini-Geração de Hidroeletricidade em Moçambique

Page 18: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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1. Acrónimos e Abreviaturas

AGOA - African Growth and Opportunity Act

AICD – Africa Infrastructure Country Diagnostic

APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento

APE - Acordos de Parceria Económica

BAD – Banco Africano de Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

BRICS – Brazil, Russia, India, China, South Africa

CAPP – Central African Power Pool

CDM - Clean Development Mechanism

CEC - Copperbelt Energy Corporation

CESUL - Projeto Regional de Transporte de Energia Centro Sul

CMG - Companhia Moçambicana de Gás

CO2 – Dióxido de Carbono

COMESA - Common Market for Eastern and Southern Africa

CPI – Centro de Promoção de Investimento

DAM - Day-ahead Market

EAPP – East African Power Pool

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ECA – Economic Consulting Associates

ECOWAS - Economic Community of West African States

EDM – Eletricidade de Moçambique

ENE – Empresa Nacional de Eletricidade

ENH - Empresa Nacional de Hidrocarbonetos

EUA – Estados Unidos da América

FAO – Food and Agriculture Organization

FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNAE – Fundo de Energia de Moçambique

GPL – Gás de Petróleo Liquefeito

GWH – Gigawatt-hour

HCB – Hidroelétrica de Cahora Bassa

IDE – Investimento Direto Estrangeiro

IEA – International Energy Agency

IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos

IFC - International Finance Corporation

IMVF – Instituto Marquês Vale Flôr

ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

ITC - Independent Transmission Company

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IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

KV - Kilovolts

KW - Kilowatt

KWH - Kilowatt-hour

LHDA - Lesotho Highlands Development Authority

LIC – Low Income Countries

MGJ – Milhões de Giga Joules

MIC – Middle Income Countries

MW – Megawatt

NEPAD - New Partnership for Africa's Development

ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milénio

OECD - Organization for Economic Co-operation and Development

OMC – Organização Mundial do Comércio

OMVG - Organisation pour la Mise en Valeur du Fleuve Guinea

OMVS - Organisation pour la Mise en Valeur du Fleuve Senegal

ONU – Organização das Nações Unidas

OUA - Organization of African Unity

PD – Países Desenvolvidos

PIB – Produto Interno Bruto

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PME – Pequenas e Médias Empresas

PVD – Países em Vias de Desenvolvimento

RDC – República Democrática do Congo

REN – Rede Elétrica Nacional

REPGA - Regional Petroleum and Gas Association

RERA - Regional Electricity Regulators Association of Southern Africa

SACU – Southern African Customs Union

SADC – Southern African Development Community

SADCC - Southern African Development Coordination Conference

SAPP – Southern African Power Pool

STEM - Short-term Energy Market

TPC – Triliões de Pés Cúbicos

TWH – Terawatt-hour

UE – União Europeia

UNDP - United Nations Development Program

USD – United States Dollar

WAPP – West African Power Pool

ZESA - Zimbabwe Electricity Supply Authority

ZRA - Zambezi River Authority

Page 22: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

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2. INTEGRAÇÃO REGIONAL E SEGURANÇA ENERGÉTICA

O PAPEL DE MOÇAMBIQUE NA ÁFRICA AUSTRAL

João Veiga Esteves

RESUMO

Dois dos maiores desafios que se apresentam ao continente africano

são o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional e a

promoção da sua segurança energética. Os processos de integração regional

africanos ainda se deparam com variados obstáculos, desde a falta de

diversificação da atividade económica dos Estados vizinhos ao

subdesenvolvimento de infraestruturas transnacionais, entre outros. Por outro

lado, a deterioração do fornecimento elétrico em muitos países africanos e a

erupção de verdadeiras crises energéticas em vários deles deve-se

essencialmente ao aumento sustentado dos preços internacionais dos recursos

energéticos fósseis e às dificuldades reveladas por vários Estados africanos na

resposta ao aumento da pressão do lado da procura, aumento este motivado

sobretudo pelos fenómenos do crescimento demográfico, desenvolvimento

económico e urbanização das sociedades africanas.

Este trabalho tem como objetivo fundamental averiguar a possível

existência de um círculo virtuoso ligando a prossecução dos arranjos

Page 23: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

22

institucionais de integração regional e o robustecimento da segurança

energética dos diversos Estados duma determinada região. Mais

concretamente, procura-se, numa primeira fase, apurar de que forma os

arranjos de integração regional facilitam o incremento do comércio

intrarregional e, no caso do setor energético, elencar posteriormente uma série

de benefícios de vários âmbitos que podem advir para os países africanos dum

crescimento do comércio energético intrarregional.

Através do caso de estudo concreto da região da África Austral, verifica-

se que a região pode vir a retirar vantagens significativas para o

robustecimento da sua segurança energética por via do aumento do comércio

energético intrarregional. Mais, conclui-se que Moçambique, com a sua posição

geoestratégica privilegiada e com as suas volumosas dotações energéticas,

pode assumir um papel preponderante na prossecução desta estratégia.

Código JEL: F15, O13, O19, Q43, R11

Palavras-chave: Integração Regional, Segurança Energética, África Austral

Page 24: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

23

3. REGIONAL INTEGRATION AND ENERGY SECURITY

MOZAMBIQUE´S ROLE IN SOUTHERN AFRICA

João Veiga Esteves

ABSTRACT

Two of the present major challenges for the African continent are the

deepening of regional integration institutional arrangements and the

strengthening of its energy security. The African regional integration efforts still

face several obstacles, ranging from a poorly diversified economic activity of

neighboring countries to the underdevelopment of transnational infrastructures.

The growing inefficiency of electric supply networks in many African countries

and, indeed, some harsh surges of energy crisis in a few, are linked to a steady

increase of fossil energy resources international prices and to the meagre

results of several African countries in their efforts to cope with an increasing

demand pressure that is coming along with demographic growth, economic

development and fast urbanization in African societies.

This paper´s main goal is to establish whether or not is there a virtuous

circle linking the quest for regional integration institutional arrangements and the

strengthening of the energy security of several States in a given region. To put it

more accurately, the paper will start by trying to find out how do regional

Page 25: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

24

integration arrangements help intraregional trade growth, and then proceed to

the energy field and identify an array of different kinds of benefits for African

countries that may come from a growing intraregional energy trade.

The specific case study of Southern Africa will enlighten the benefits for

the region´s energy security that come with a growing intraregional energy

trade. Also will it show how Mozambique´s exceptional geostrategic location

and significant energy resources can grant that country a leading role in the

matter.

JEL Code: F15, O13, O19, Q43, R11

Key-words: Regional Integration, Energy Security, Southern Africa

Page 26: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

25

We must unite for economic viability, first of all, and then to recover our mineral

wealth in Southern Africa, so that our vast resources and capacity for

development will bring prosperity for us and additional benefits for the rest of

the world. That is why I have written elsewhere that the emancipation of Africa

could be the emancipation of Man.

Kwame Nkrumah, na Conferência da OUA no Cairo em 1964

Page 27: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

26

5. Agradecimentos

Apesar de este trabalho de investigação resultar dum projeto individual,

ele não poderia obviamente ter sido levado avante sem o concurso de diversas

entidades e personalidades. Sinto-me portanto no dever de prestar alguns

agradecimentos.

À Câmara Municipal de Cascais, pela oportunidade concedida para

desenvolver este projeto de investigação. Um agradecimento especial ao Eng.

Milton Sousa e à Dra. Cláudia Filipa Ferreira, pela disponibilidade que sempre

demonstraram em tudo o que se referia ao trabalho.

Ao Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, por me ter

acolhido na primeira fase do meu trabalho, e muito concretamente às colegas

Marta Rosa e Bárbara Soares, pela sua cooperação e amizade.

Ao Eng. Mira Amaral, pela amabilidade de encontrar a sua apertada

agenda profissional espaço para me receber e orientar na discussão final deste

relatório.

A todas as personalidades contactadas ou entrevistadas, tanto em

Portugal como em Moçambique, pelos valiosos depoimentos que me

concederam.

Ao Instituto Superior de Economia e Gestão, pela minha formação

académica, e ao seu Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento,

pela permanente disponibilidade. Um agradecimento muito particular à

Professora Doutora Joana Pereira Leite, pela sua já usual simpatia e

Page 28: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

27

disposição para acompanhar os progressos do meu trabalho, e sobretudo pelas

valiosas sugestões para a minha análise de campo.

Ao Dr. Ricardo Mota, delegado da Rádio Televisão Portuguesa em

Moçambique, pela amizade e contributo para que a minha adaptação a

Moçambique fosse a melhor possível e pelo seu testemunho sobre o tema do

projeto de investigação.

Ao Instituto de Apoio à Pequena e Média Empresa e à Inovação, pela

compreensão e apoio prestados durante a fase de candidatura ao Prémio

Bolsa de Investigação das Conferências do Estoril 2011.

À Marisa Bodião, por todo o apoio e incentivo que também me prestou

nos últimos meses da elaboração deste relatório

Finalmente, à minha família e amigos, que muito me ajudaram ao longo

deste projeto.

Page 29: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

28

6. Prólogo

Este projeto de investigação foi efectuado pelo autor no âmbito da bolsa

concedida pelo prémio Bolsa de Investigação das Conferências do Estoril 2011,

evento organizado conjuntamente pela Câmara Municipal de Cascais e o

Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.

O projeto procurou enquadrar-se no próprio espírito das Conferências do

Estoril 2011, Desafios Globais Respostas Locais. Assim, pretendeu demonstrar

como um dos maiores desafios que se coloca atualmente a um número

significativo de economias à escala global, o robustecimento da segurança

energética dos Estados, pode ser respondido duma forma eficaz e eficiente

através da implementação de políticas de cariz mais local ou regional,

designadamente o aprofundamento dos arranjos de integração regional. O

objetivo central das Conferências do Estoril 2011 foi a institucionalização dum

think tank sobre os impactos do fenómeno da globalização à escala

internacional. Neste sentido, este trabalho incide sobre uma das manifestações

mais evidentes deste fenómeno, a corrida aos recursos naturais, muito

particularmente os energéticos, que se constata à escala mundial, sobretudo

entre as maiores potências internacionais.

Para além deste relatório final, resultaram ainda da bolsa de

investigação várias participações do autor em conferências internacionais

relacionadas com a temática do processo de desenvolvimento africano.

Page 30: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

29

7. Introdução

7.1. Introdução Geral

Os Estados africanos reconheceram há muito as potencialidades do

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Com efeito,

mesmo antes dos processos de independência e descolonização os principais

líderes independentistas africanos afirmaram que África teria muito a ganhar se

adotasse uma estratégia de congregação das várias comunidades africanas

sob a égide duma única estrutura e organização política. Esta linha de

pensamento, apelidada de pan-africanismo, recusava os limites territoriais e

fronteiras então estabelecidas no continente, declarando que não passavam de

criações fictícias do colonialismo europeu. Além disso, os pan-africanistas

acreditavam que a África só conseguiria assumir verdadeiramente a sua

independência política e estatuto internacional, bem como romper

definitivamente com o círculo vicioso do subdesenvolvimento, se os vários

Estados recém-criados unissem os seus esforços e se integrassem num único

bloco verdadeiramente continental.

Todavia, os primeiros esforços concretos de institucionalização de

blocos regionais em África demonstraram a falta de racionalidade económica

subjacente a muitos deles. Obstáculos de variadas ordens, como a falta de

diversificação das estruturas produtivas das diversas economias nacionais ou o

subdesenvolvimento das redes infraestruturais transnacionais africanas, têm

impedido o incremento nos volumes de comércio regional.

Page 31: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

30

Perante este cenário, as autoridades governamentais da maioria dos

países africanos têm reafirmado sucessivamente o seu compromisso para com

o aprofundamento da integração económica nas respetivas regiões,

reconhecendo sempre os benefícios que dela podem decorrer. Esses

benefícios são de natureza variada, desde económicos a sociais e ambientais,

ou mesmo de índole mais estratégica.

No que se refere ao robustecimento da segurança energética, vários

países africanos têm vindo a experimentar crises energéticas graves. Estas

decorrem da incapacidade de muitos Estados para responderem

adequadamente à pressão do lado da procura de energia, especialmente e

elétrica. O aumento da procura deve-se sobremaneira à intensificação dos

fenómenos do crescimento demográfico, desenvolvimento económico e

urbanização das sociedades africanas. Além disso, a procura nos mercados

internacionais de recursos energéticos fósseis também tem aumentado,

motivada sobretudo pelo desenvolvimento económico das denominadas

economias emergentes. Tal tem provocado um aumento sustentado dos preços

internacionais dos recursos energéticos fósseis, que tem afetado as economias

africanas. Por outro lado, diversos Estados africanos apresentam um histórico

de subfinanciamento dos respetivos setores elétricos, impedindo estes de

realizarem os necessários investimentos de manutenção e expansão das

capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.

As manifestações mais comuns das crises energéticas africanas são as

baixas taxas de cobertura territorial do acesso à eletricidade, particularmente

para as comunidades rurais, e os cortes e quebras frequentes no fornecimento

elétrico mesmo nos principais centros urbanos.

Page 32: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

31

7.2. Objetivos do Trabalho

O objetivo central deste trabalho de investigação passa por atestar a

existência de um círculo virtuoso abrangendo o aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional e o robustecimento da segurança

energética dos países africanos. Este objetivo desdobra-se posteriormente em

vários objetivos intermédios, a saber:

aquilatar de que forma o aprofundamento dos arranjos institucionais

de integração regional económica facilitam e incrementam as

relações comerciais entre Estados vizinhos, com ênfase no comércio

energético intrarregional;

avaliar o impacto líquido do incremento do comércio energético

intrarregional no robustecimento da segurança energética dos

Estados duma determinada região, procurando desdobrar os

diversos impactos consoante a sua natureza;

sublinhar o contributo do robustecimento da segurança energética

dos países africanos para o seu próprio desempenho económico e

para o aumento do bem-estar das respetivas populações;

perspetivar como a aceleração do processo de desenvolvimento

económico dos países africanos pode, por sua vez, fomentar o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional,

pela via da diversificação das estruturas produtivas dos diversos

Estados e pela maior capacidade de financiamento da expansão das

redes infraestruturais transnacionais.

Page 33: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

32

Por outro lado, este trabalho de investigação pretende conseguir

responder satisfatoriamente a algumas questões iniciais fundamentais. Estas

questões são as seguintes:

1. Qual a evolução e o ponto de situação dos arranjos institucionais de

integração regional no continente africano?

2. Quais os principais obstáculos ao aprofundamento destes arranjos

institucionais de integração regional?

3. Que potencialidades tem o processo de integração regional para a

aceleração do desenvolvimento económico africano?

4. Como se encontram atualmente os setores energéticos e

designadamente os elétricos dos países africanos?

5. Quais as causas fundamentais das crises energéticas com que vários

países africanos se deparam neste momento?

6. Que impactos têm estas crises energéticas no desempenho

económico das economias africanas?

7. De que forma é que o aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional, que possibilita o incremento do comércio

energético intrarregional, pode contribuir para o robustecimento da

segurança energética dos Estados africanos?

8. Como pode o robustecimento da segurança energética dos países

africanos, ao fomentar o processo de desenvolvimento económico

das suas economias internas, concorrer para o aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional no continente?

Este trabalho de investigação está integrado no âmbito das Conferências

do Estoril 2011, que pretende criar um think-tank para as questões

Page 34: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

33

relacionadas com o fenómeno da globalização. Daí que ele procure ir mais

além da compreensão e exposição da temática apresentada, avançando com

algumas recomendações ao nível da policy-making para melhor enfrentar os

desafios que a integração regional e a segurança energética apresentam ao

continente africano.

Neste sentido, e procurando mais uma vez enquadrar este trabalho de

investigação no espírito das Conferências do Estoril 2011, procura-se expor

como as dinâmica próprias de uma determinada região são ou podem ser

influenciadas pelos fenómenos globais mais relevantes. No caso concreto,

demonstra-se como a região da África Austral pode encontrar respostas e

alternativas de cariz regional e local para o desafio que o fenómeno global da

segurança energética representa para o seu desenvolvimento económico.

7.3. Metodologia

Relativamente à metodologia utilizada, optou-se por uma combinação de

estratégias metodológicas distintas mas complementares, adotando-se para o

efeito uma perspetiva multidisciplinar e transdisciplinar sobre o tema e

procurando-se conjugar a informação de índole mais económica e financeira

com outros indicadores igualmente importantes como fatores sociais, políticos,

históricos, estratégicos e mesmo ambientais. Mais, procurou-se aplicar

diferentes técnicas de análise metodológica, conciliando técnicas quantitativas

com outras mais qualitativas, e também encontrar um equilíbrio entre métodos

Page 35: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

34

etnográficos, como a observação participante do autor, e métodos sociológicos,

como a realização de entrevistas semiestruturadas.

No que se refere à tipologia deste trabalho de investigação, ele resulta

de uma pesquisa aplicada, na medida em que procura compreender a temática

em causa a partir da utilização de um determinado método analítico e da

constatação dos resultados e conclusões extraídas.

Já no que toca aos objetivos a que o trabalho se propõe, pode-se

considerá-lo como uma pesquisa de âmbito exploratório, visto que procura

realizar uma análise crítica sobre as dinâmicas fundamentais da temática

proposta.

Quanto aos procedimentos utilizados, o trabalho abrange tanto uma

pesquisa como a revisão da bibliografia especializada nas questões da

integração regional e da energia para África, pretendendo assim conciliar a

construção dum enquadramento teórico suficientemente consistente com o

ensaio de um estudo de caso concreto, para facultar uma análise empírica que

permita validar ou não as premissas teóricas atrás referidas.

O estudo de caso escolhido foi o da região da África Austral, com

particular incidência em Moçambique. Vários motivos concorreram para esta

decisão. Primeiro, a região da África Austral é porventura a região africana

onde os arranjos institucionais de integração regional estão mais incrustados

na realidade económica dos diversos Estados, e onde se pode observar

maiores volumes de comércio regional e assim capturar melhor e mais

facilmente as suas dinâmicas. Segundo, esta região é aquela que maiores

progressos tem evidenciado ao nível da integração regional no subsetor da

Page 36: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

35

energia e eletricidade, e também aquela em que se registam os maiores

volumes de comércio energético intrarregional, logo onde se constatarão mais

e maiores benefícios deste. Terceiro, é das regiões do Mundo onde existe

maior quantidade e sobretudo diversidade de recursos energéticos, tanto

renováveis como não renováveis, pelo que as potencialidades em termos de

políticas económicas energéticas são significativamente mais amplas.

Quanto à escolha de Moçambique como país âncora do estudo de caso,

vários motivos levaram igualmente à sua eleição. Primeiro, a sua posição

geoestratégica privilegiada no seio da região, servindo como porta de acesso

ao mar a uma série de Estados vizinhos privados de acesso direto, o que por si

só potencia o volume e intensidade de relações económicas e outras entre

Moçambique e os seus vizinhos. Segundo, Moçambique detém um conjunto

significativo e diversificado de recursos energéticos, desde o carvão aos

recursos hídricos, ao gás natural e também ao petróleo, além dum potencial

assinalável em termos de energias renováveis - desde logo a hidroeletricidade,

mas também, e sobretudo, a energia eólica e a solar. Assim, este país oferece

um manancial de ângulos de análise muito interessante, permitindo a expansão

do leque de perspetivas consoante o recurso energético em questão.

Finalmente, Moçambique apresenta um histórico extenso de relações externas

ao nível do comércio energético intrarregional desde há várias décadas com

alguns dos seus vizinhos, sobretudo a África do Sul, mas também o Zimbabué,

o Malawi ou mesmo a Tanzânia, pelo que o país oferece uma base documental

e analítica extensa para se compreender as dinâmicas deste comércio ao nível

da África Austral.

Page 37: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

36

Além da pesquisa e tratamento da literatura mais relevante sobre esta

temática, este trabalho de investigação compreendeu uma análise de campo

realizada pelo próprio autor, na tentativa de verificar e comprovar in loco as

dinâmicas referidas atrás e realizar um conjunto alargado de entrevistas

semiestruturadas. Neste sentido, o autor deslocou-se a Moçambique, mais

concretamente à capital Maputo, por um período de quinze dias. Durante este

período o autor obteve o testemunho de vinte e seis personalidades.

O autor procurou também recolher em Portugal o depoimento do maior

número de personalidades relevantes possível, tendo para o efeito conseguido

obter o testemunho de onze. Fora isso, o autor entrou em contacto, via email,

com personalidades relevantes nesta área temática que se encontram em

outros países da África Austral, para assim achar pontos de vista não

moçambicanos sobre as dinâmicas do comércio energético intrarregional na

África Austral. Neste sentido, o autor recebeu depoimentos de dez

personalidades, de países como África do Sul, Tanzânia, Zimbabué, Botswana

ou República Democrática do Congo, bem como de dirigentes de organizações

regionais como a SAPP (Southern African Power Pool) ou a RERA (Regional

Electricity Regulators Association of Southern Africa).

Tem-se assim que, no total, o autor conseguiu os depoimentos de

praticamente cinco dezenas de personalidades. A lista com todos os nomes

pode ser encontrada nos anexos deste trabalho.

Os critérios adotados para a seleção das personalidades a entrevistar

passaram essencialmente pelo domínio científico e profissional das temáticas

da integração regional e do setor da energia na região da África Austral. Por

Page 38: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

37

outro lado, tentou-se alargar a base dos contactos para abranger os mais

variados setores que se debruçam sobre estas matérias. Neste sentido,

procurou-se auscultar as sensibilidades dos meios político, empresarial,

académico, jornalístico, diplomático, financeiro, da administração pública e

também das organizações internacionais mais proeminentes.

As questões levantadas durante estas entrevistas semiestruturadas

procuraram, numa primeira fase, aprofundar de forma separada os dois

fenómenos da integração regional na África Austral e do respetivo setor

energético, e, numa fase final, estabelecer as dinâmicas existentes entre os

dois e confirmar a existência de um círculo virtuoso que os integre. Como

entrevistas semiestruturadas que foram, elas não seguiram um modelo pré-

definido, pelo que o autor teve sempre a preocupação de adaptar quer o

conteúdo quer a forma das entrevistas consoante os conhecimentos e o grau

de participação dos entrevistados.

Finalmente, este trabalho de investigação procurou não se basear

apenas na literatura mais relevante ao nível internacional sobre esta temática,

nem tão pouco nos depoimentos obtidos durante as entrevistas. Assim, durante

a sua análise de campo em Moçambique o autor procurou complementar o

material que ia conseguindo com fontes bibliográficas locais, designadamente o

atual programa do Governo moçambicano, o corpo legislativo fundamental

sobre as políticas para a integração de Moçambique na África Austral e

exploração dos seus recursos energéticos, bem como notícias e artigos dos

principais órgãos de comunicação social moçambicanos.

Page 39: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

38

7.4. Relevância e Motivação

A motivação fundamental para a escolha desta temática prende-se

sobremaneira com a sua atualidade e relevância, bem como o enquadramento

que tem com o próprio espírito e âmbito das Conferências do Estoril 2011.

Com efeito, o tema da segurança energética tem merecido um grande

destaque praticamente em todo o Mundo. A aceleração que se constata nos

processos de desenvolvimento das economias ditas emergentes ou BRICS faz

com que estes países prossigam uma política de garantia do acesso aos

recursos energéticos necessários para permitir a sua expansão económica. Por

outro lado, as tradicionais grandes potências internacionais são estruturalmente

bastante dependentes de recursos energéticos para manterem os seus

padrões de desenvolvimento. Tem-se, assim, registado um aumento

significativo da procura de recursos energéticos à escala global, provocando

uma verdadeira corrida pela garantia de acesso aos mesmos. A segurança

energética tornou-se ultimamente, sobretudo nas últimas duas décadas, uma

das questões estratégicas fundamentais em todo o globo.

Esta corrida aos recursos energéticos à escala global tem recolocado o

continente africano no centro da política externa de muitas potências

internacionais, dados os seus imensos recursos energéticos. Também por isto,

muitos líderes africanos têm ressuscitado o debate sobre a necessidade de os

diversos Estados africanos aprofundarem a sua integração à escala regional,

visando não só aproveitar este enfoque no continente para afirmarem cada vez

mais os interesses africanos nas principais arenas internacionais, como

Page 40: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

39

também formar blocos económicos competitivos capazes de capturar

convenientemente todos os benefícios decorrentes desta nova vaga de

investimento direto estrangeiro orientado para a exploração dos recursos

naturais africanos.

Dentro do continente africano, Moçambique tem vindo muito

recentemente a adquirir uma importância geoestratégica assinalável, com a

descoberta e exploração de recursos energéticos como o carvão e gás natural

e o contributo que estes podem dar para a prossecução das políticas de

promoção da segurança energéticas das diversas economias regionais e de

aumento das taxas de acesso à eletricidade, tanto urbanas como rurais. Deste

modo o próprio estudo de caso é dos mais atuais em todo o panorama

continental e mesmo global.

Outra motivação central para a escolha desta temática é o encaixe que

faz com o espírito e âmbito das Conferências do Estoril 2011. O estudo do

modo como uma estratégia local, protagonizada pelo aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional, pode servir de resposta a uma

das manifestações mais marcadas do fenómeno da globalização, a corrida aos

recursos naturais para proteção da segurança energética dos Estados, radica

no espírito das Conferências do Estoril 2011, materializada no tema “Desafios

Globais, Respostas Locais”.

Finalmente, a temática escolhida vai ao encontro das áreas de interesse

do próprio autor, muito orientado para as questões da integração regional no

continente africano e das políticas de desenvolvimento económico adotadas

pelos Estados africanos.

Page 41: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

40

7.5. Estrutura e Organização

A própria estruturação deste projeto de investigação pretendeu adequar-

se ao espírito do lema das Conferências do Estoril, tentando realizar um

desdobramento progressivo entre as realidades global e local.

Assim, o trabalho começa pelo necessário enquadramento teórico dos

conceitos fundamentais nele tratados, concretamente a integração regional e a

segurança energética, nas suas várias dimensões e particularidades. De

seguida, restringe a análise destes dois conceitos ao cenário específico da

África Subsaariana, que apresenta uma série de particularidades demasiado

relevantes para serem ignoradas ou para serem apenas objecto de uma

análise excessivamente abrangente. Prosseguindo no aprofundamento do

espectro de análise, passa-se ao estudo das dinâmicas da integração regional

e segurança energética do caso particular da região da África Austral, que se

distingue de outras regiões do continente africano em questões fundamentais.

Finalmente, o âmbito de análise incide na realidade dum único país,

Moçambique, aprofundando certas notas mais importantes sobre algumas das

suas províncias. Finalmente, são apresentadas as conclusões fundamentais

retiradas pelo autor, bem como um conjunto de sugestões de políticas e

medidas que podem contribuir para a melhoria do cenário atual, num espírito

da promoção da policy-making.

Page 42: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

41

7.6. Limitações

Tal como qualquer outro trabalho de investigação de índole académica,

também este apresenta as suas limitações. A principal terá sido porventura a

incapacidade do autor em estender o âmbito temporal e geográfico da sua

análise de campo, permanecendo mais tempo em Moçambique e estendendo

essa análise a alguns dos seus vizinhos, sobretudo a África do Sul, pelo papel

que desempenha na região, e ao Botswana, onde está localizada a sede da

SADC (Southern African Development Community) ou o Zimbabué, onde está

localizada a sede da SAPP (Southern African Power Pool).

Page 43: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

42

8. Enquadramento Teórico

8.1. Integração Regional

8.1.1. Definição e Conceitos

Bothale (2010) define o processo de integração regional como o

conjunto de arranjos institucionais em que, por mútuo acordo, Estados vizinhos

removem as barreiras políticas, físicas, económicas e sociais existentes entre

si, e começam a colaborar na gestão de recursos partilhados e na provisão de

bens públicos regionais. Tal decisão decorre frequentemente da constatação

por esses Estados da existência de interesses, dificuldades e objetivos

comuns, levando-os a avançar com a integração das suas economias

domésticas, através da criação dum bloco económico regional único.

As experiências de integração regional têm como substrato teórico e

ideológico o conceito de regionalismo. Tsheola (2010) define-o como o

conjunto de ideias, valores e objetivos que pretendem transformar uma

determinada área geográfica num espaço regional perfeitamente identificável.

Já Correia (2008) afirma que as teorias da integração regional se baseiam

sobremaneira nas correntes da nova economia política e do institucionalismo,

segundo as quais a criação de organizações regionais e internacionais serve

muitas vezes como resposta a falhas de mercado e de coordenação entre os

vários Estados-membros. As manifestações mais comuns destas falhas de

Page 44: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

43

mercado internacionais são a escassa provisão de bens públicos regionais ou a

descoordenação ao nível da gestão transnacional dos recursos comuns.

Dentro da noção geral de integração regional, convém distinguir entre

integração regional negativa ou passiva e integração regional positiva ou ativa

(Correia, 2008). Enquanto a primeira traduz os processos de remoção das

barreiras e restrições à liberdade de circulação de pessoas, bens e serviços, a

segunda refere-se à criação ou modificação de instituições próprias dos

processos de integração regional, sempre com o objetivo de promover o

comércio e coesão regionais. De referir que estas denominações de positiva e

negativa não comportam em si mesmas nenhum valor normativo.

Qualquer arranjo institucional de integração regional integra dois

fenómenos relevantes: a criação e o desvio de comércio.

O fenómeno da criação de comércio ocorre sempre que um país passa a

adquirir um determinado bem a um seu vizinho a um preço mais reduzido do

que no caso em que ele próprio o produzisse, pelo que se verifica uma

substituição progressiva do consumo de produtos nacionais, que têm custos

associados mais elevados, pelo consumo de produtos oriundos da região a

preços ou com condições melhores (Van Rooyen, 1998; Magaia, 2003). Daqui

decorre que, pelo menos teoricamente, a criação de comércio representa um

ganho de bem-estar para as populações, na medida em que têm acesso ao

mesmo tipo de bens mas a preços mais reduzidos ou com maior qualidade.

Magaia (2003) frisa ainda que a criação de comércio é mais passível de se

verificar em regiões onde previamente já existe um volume significativo de

trocas comerciais intrarregionais, pelo que é menos plausível que se verifique

Page 45: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

44

em blocos económicos regionais com membros ainda em processo de

desenvolvimento, já que os volumes de comércio intrarregional a eles

associados têm menor dimensão.

Já o conceito de desvio de comércio traduz o fenómeno em que um

qualquer país, depois de acertar a sua adesão ao respetivo bloco regional,

deixa de importar de países terceiros para passar a importar de outros

Estados-membros, mesmo que os bens deles oriundos sejam mais caros ou de

pior qualidade. Esta situação advém da criação duma vantagem artificial por

meios alfandegários e/ou aduaneiros (Van Rooyen, 1998; Magaia, 2003).

Teoricamente, o desvio de comércio pode representar uma perda de bem-estar

para as populações, que, por enviesamentos provocados pelos arranjos

institucionais de integração regional, passam a ter acesso a bens e serviços de

pior qualidade ou com um preço final mais elevado. Todavia, Magaia (2003)

ressalva que este pode não ser necessariamente um efeito nocivo, se os

prejuízos de curto-prazo forem suplantados no longo prazo por modificações

estruturais positivas nas esferas produtivas do bloco regional, devidas

precisamente a este enviesamento aduaneiro em favor da região. Este é, por

exemplo, o princípio subjacente à teoria das indústrias nascentes, segundo o

qual o setor económico nacional necessita de ser apoiado e protegido numa

primeira fase, mesmo que não seja competitivo relativamente ao exterior, para

ganhar as experiência e know-how que lhes permitam vingar no mercado

internacional.

Posto isto, o impacto líquido dos arranjos institucionais de integração

regional no desenvolvimento e bem-estar duma determinada região não é

linear, dependendo da força relativa dos fenómenos do desvio e da criação de

Page 46: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

45

comércio: quanto maior a preponderância da criação de comércio sobre o

desvio de comércio mais positivo o impacto destes arranjos no

desenvolvimento socioeconómico duma região. Doutro modo, os promotores

dos arranjos institucionais de integração regional devem procurar que estes

criem verdadeiras dinâmicas de produção e procura regionais, e não se limitem

a tentar desviar as dinâmicas já existente para o âmbito regional.

8.1.2. Etapas e Motivações

Os processos de integração regional seguem normalmente um percurso

de aprofundamentos sucessivos, quer no âmbito institucional quer no âmbito

regional. Assim, existem várias etapas distintas associadas aos arranjos

institucionais de integração regional: zona de comércio livre, união aduaneira,

mercado comum, união económica, união monetária e união política (Van

Rooyen, 1998; Ennes Ferreira, 2005; Chiau, 2008). Tal não significa que todos

os arranjos institucionais de integração percorram todas estas etapas e

exatamente desta forma. Com efeito, a maioria dos esquemas existentes ainda

não atingiu o estádio final de integração política, e alguns deles superaram

certas etapas intermédias, avançando diretamente para fases posteriores e

mais profundas da integração regional.

Por zona de comércio livre entende-se o arranjo institucional em que os

Estados-membros decidem abolir certos obstáculos ao comércio intrarregional,

designadamente barreiras aduaneiras e alfandegárias ou restrições

quantitativas às importações e exportações. No entanto, cada Estado-membro

Page 47: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

46

mantém a sua própria política comercial e pauta aduaneira relativamente ao

exterior (Chiau, 2008; Correia, 2008).

A união aduaneira representa uma progressão relativamente à zona de

comércio livre, pois já pressupõe a introdução duma única pauta aduaneira

externa comum do bloco regional relativamente ao exterior. Para Alfieri et al

(2006), uma das vantagens da união aduaneira sobre a zona de comércio livre

é o facto de, aplicando-se a mesma pauta aduaneira externa por toda a região,

se eliminar os custos com o controlo das fronteiras e se tornar as regras de

origem desnecessárias, dessa forma se reduzindo os custos de transação.

O mercado comum representa um novo avanço relativamente à união

aduaneira, visto que prevê a abolição de todas as restrições à liberdade de

circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, ou seja, adota a abolição de

todas as restrições de movimento a todos os fatores produtivos (Chiau, 2008;

Correia, 2008).

A união económica representa uma fase posterior ao mercado comum,

em que os Estados-membros adotam uma política económica e social comum,

visando a promoção da coesão intrarregional. Esta fase pressupõe igualmente

a criação de instrumentos de coordenação e harmonização das políticas

económicas macroeconómicas domésticas e a progressiva substituição da

legislação interna por uma legislação regional comum.

Também a união monetária representa uma evolução relativamente à

união económica, pois abarca igualmente a criação e institucionalização de

uma moeda única, e a necessária coordenação das políticas financeira e

orçamental dos diversos Estados-membros (Correia, 2008).

Page 48: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

47

Finalmente, a união política constitui o estádio último dos arranjos

institucionais de integração regional. Para além da união económica, os

Estados-membros adotam políticas fiscais, orçamentais e monetárias comuns,

e criam organizações supranacionais com capacidade vinculativa para todos os

Estados-membros (Chiau, 2008: 15).

Este aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

deve ser realizado duma forma gradual, de modo a que os países consigam

absorver convenientemente os impactos que eles acarretam. Quanto maior o

grau de profundidade dos arranjos institucionais de integração regional maior a

dificuldade em harmonizar eficazmente todos os diferentes interesses dos

Estados-membros, pelo que é necessário ir acomodando da melhor forma

esses interesses (Gonçalves, 2005). Além disso, quanto mais profundo o grau

de integração regional maiores as implicações em termos de transferência de

poderes soberanos dos Estados-membros para as respetivas organizações

regionais, e, consequentemente, maior o compromisso daqueles para com os

ideais regionais.

Relativamente ao âmbito regional dos arranjos institucionais de

integração regional, Ennes Ferreira (2005) afirma que este se aproxima tanto

mais do seu ponto ótimo quanto mais conjugada for a dimensão territorial do

espaço económico regional com a complementaridade das estruturas

produtivas das diversas economias domésticas.

A adesão dos Estados aos arranjos institucionais de integração regional

pode ficar a dever-se a uma série de motivações distintas. A motivação básica

para a criação de blocos regionais é a constatação pelos diversos Estados-

Page 49: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

48

membros de que a resposta às suas necessidades básicas é mais fácil quando

realizada de forma conjunta e coordenada. Já Bothale (2010) distingue três

objetivos centrais em qualquer arranjo institucional de integração regional:

estabilidade política, desenvolvimento económico e provisão coordenada de

bens públicos regionais.

Centrando a análise nas motivações económicas para a implementação

de arranjos institucionais de integração regional, verifica-se que elas vão desde

o aumento da produção, decorrente do processo de especialização, aos

ganhos de eficiência daí decorrentes e ao redimensionamento do mercado

potencial. Chichava (2011) sublinha mesmo que atualmente esses processos

têm como uma das suas maiores motivações a captação de volumes

superiores de IDE e a potenciação de economias de escala. Muitos dos

esforços de adesão a blocos económicos regionais prendem-se com a

necessidade de contornar obstáculos ao desenvolvimento económico, de que

são exemplo certas limitações geográficas ou demográficas, quando não de

prevenir ou pelo menos atenuar algum dos impactos nocivos do fenómeno da

globalização (Chichava, 2011; Gonçalves, 2005; Magaia, 2003).

Contudo, as motivações para os arranjos institucionais de integração

regional não se cingem unicamente às de índole económica. Pode-se dar o

caso em que Estados vizinhos procuram institucionalizar arranjos de

cooperação e integração mais motivados por fatores extraeconómicos, como a

promoção da paz, segurança e estabilidade (Bothale, 2010; Chichava, 2011).

Os arranjos institucionais de integração regional podem ser igualmente

motivados pela necessidade de as economias nacionais evitarem a rigidez e

desigualdades do atual sistema comercial internacional promovido pela OMC,

Page 50: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

49

com Estados vizinhos a procurarem combater a sua falta de peso nas arenas

internacionais e a tentarem uma voz mais ativa e audível nas grandes

organizações internacionais, como a já referida OMC, o FMI ou mesmo o BM

(Chichava, 2011; Magaia, 2003). Finalmente, os arranjos institucionais de

integração regional na esfera económica podem ser encarados como uma

etapa ou instrumento de promoção de objetivos mais ambiciosos como a

institucionalização da integração regional política.

8.1.3. Pré-requisitos e Benefícios

Os arranjos institucionais de integração regional, para serem bem-

sucedidos, precisam que se cumpram alguns pré-requisitos de vária ordem na

respetiva região. O pré-requisito fundamental para o sucesso de qualquer bloco

económico regional é avançado por Correia (2008): os diversos Estados-

membros devem ter uma capacidade produtiva própria, de modo a que haja

uma oferta regional suficientemente dinâmica para aproveitar as

potencialidades da própria integração económica. Já Chichava (2011) defende

que o desenvolvimento sustentável duma região exige alguns pré-requisitos,

designadamente: boa governação económica e financeira, política monetária

que permita taxas de inflação e de juro reduzidas, taxas de poupança elevadas,

défices orçamentais controlados e políticas de promoção das exportações. Van

Rooyen (1998) acrescenta a estes requisitos a estabilidade política e

económica na região, o compromisso político das autoridades nacionais para

com os projetos regionais, a consulta das sociedades civis e comunidades

Page 51: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

50

locais, e a transparência e responsabilização das estruturas regionais. De notar

que, quando se refere o compromisso político das autoridades nacionais para

com os projetos regionais, está-se a falar concretamente do compromisso dos

diversos Estados-membros com a transferência de poderes soberanos para os

novos organismos regionais. Dinka & Kennes (2007) salientam que esse

compromisso é tanto mais difícil quanto mais recente é a formação dos

Estados soberanos, designadamente quando estes se envolveram em conflitos

regionais ou resultaram de lutas de libertação.

Tem-se assim que muitos dos requisitos para uma integração regional

bem-sucedida são de índole nacional: paz e segurança domésticas,

compromisso político de longo prazo, estabilidade macroeconómica, taxas de

câmbio liberalizadas e reformas económicas adequadas (Ndulu et al 2005).

Esta dicotomia entre políticas regionais e instrumentos nacionais levanta

alguns problemas de coordenação, levando mesmo Ennes Ferreira (2005) a

asseverar que o sucesso dum qualquer processo de integração regional

depende sempre em certa medida da capacidade dos seus membros em

harmonizarem as suas políticas domésticas. Finalmente, Van Rooyen (1998)

destaca a importância de dois outros requisitos para a integração regional: um

grau de interdependência e cooperação entre as economias domésticas

relevante, que pode ser robustecido pelas atuais iniciativas de desenvolvimento

espacial, e a existência de relações de cooperação ao nível bilateral entre os

diversos Estados duma região. Esta cooperação bilateral não deve ser vista

como um obstáculo ao aprofundamento da cooperação multilateral, mas sim

como um seu elemento facilitador e mesmo potenciador.

Page 52: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

51

Os arranjos institucionais de integração regional, quando implementados

eficazmente, podem trazer uma série de benefícios para uma dada região,

benefícios esses de natureza económica e não económica.

Começando pelos benefícios económicos, a teoria económica da

integração regional bebe muito da sua conceção na teoria das vantagens

comparativas de David Ricardo, que afirma que os países devem especializar

as suas economias para os bens e serviços que produzem melhor e mais

barato que os restantes países, com vantagens que podem até ser potenciadas

num cenário de remoção das barreiras e obstáculos ao comércio internacional

(Chiau, 2008). Ennes Ferreira (2005) frisa que uma das consequências dos

processos de integração regional é o alargamento dos mercados onde os

atores económicos operam, permitindo a estes aproveitar rendimentos

crescentes provenientes da exploração de economias de escala. Além disso,

esses processos permitem uma racionalização maior na exploração dos

recursos disponíveis e uma especialização produtiva crescente dos Estados-

membros. Este redimensionamento de vários mercados domésticos restritos

para um único mercado regional comum tem o condão de viabilizar projetos de

investimento de maior dimensão associada que de outra forma seriam inviáveis

(Alfieri et al, 2006). De modo sucinto, os arranjos institucionais de integração

regional, ao facilitarem e promoverem o comércio intrarregional, têm potencial

para reativarem o crescimento económico da região, na medida em que

fomentam as exportações dos Estados-membros.

Um dos aspetos mais referidos no que toca aos benefícios líquidos dos

arranjos institucionais de integração regional prende-se com o impacto que

estes têm ao nível das receitas públicas, muito particularmente das receitas

Page 53: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

52

aduaneiras. Está comprovado que este impacto não é linear, dado que as

perdas de curto-prazo ao nível das receitas aduaneiras decorrentes do

desarmamento tarifário dos arranjos institucionais de integração poderão ser

compensadas a longo prazo pela dinamização da economia e pela capacitação

dos tecidos empresariais domésticos. Esta dinamização da economia, ao

reativar o crescimento económico, vai provocar um aumento das receitas

fiscais pela via da coleta do rendimento das pessoas e empresas. Mais, o

desarmamento tarifário provoca uma quebra nas receitas aduaneiras e

incentiva o incremento no volume das importações. Assim, se o desarmamento

não for total, este crescimento das importações pode minorar o impacto da

quebra das receitas aduaneiras (Correia, 2008; Magaia, 2003; UNDP, 2011).

Os arranjos institucionais de integração regional têm um impacto mais

direto e positivo sobre o desenvolvimento humano das comunidades locais. A

integração regional, ao levar à substituição da produção doméstica de menor

qualidade ou mais cara por importações de Estados vizinhos, leva a um

aumento da qualidade de vida das populações (Chichava, 2011). O próprio

aumento da concorrência induzido pelo redimensionamento do mercado onde

os agentes económicos operam pode levar à eliminação de ineficiências

produtivas estruturais nas economias dos Estados-membros, elevando dessa

forma os padrões de produção e de consumo.

Os processos de integração regional podem provocar alterações radicais

nas estruturas produtivas das economias dos respetivos Estados-membros.

Correia (2008) defende que esses processos podem mesmo favorecer a

industrialização e modernização económica dos Estados-membros, pois, ao

provocarem uma redução real no valor das importações, permitem a

Page 54: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

53

importação de maquinaria e capital indispensáveis para o processo de

industrialização. Já Magaia (2003) crê que o redimensionamento dos mercados

domésticos decorrente do aprofundamento da integração regional pode facilitar

a diversificação da estrutura económica, ao incentivar o investimento em

setores económicos subexplorados.

Apesar de muitas vezes o enfoque dos benefícios da integração regional

incidir no âmbito económico, existem muitos outros de natureza não

estritamente económica que são igualmente relevantes. O aumento do

comércio intrarregional provoca uma maior interdependência entre as

economias vizinhas, logo cada país sofre impactos negativos se algo de menos

bom suceder nas economias vizinhas, pelo que a integração regional pode ser

um instrumento importante de prevenção de conflitos regionais (Bothale, 2010).

Mais, o aumento do comércio intrarregional implica um maior contacto entre as

pessoas e os governos de países vizinhos, familiarizando cada vez mais estes

com os bens e serviços oferecidos pelos seus vizinhos e construindo um

entendimento crescente e mais positivo entre as diferentes culturas. Esta

compreensão mútua entre Estados-vizinhos é um elemento importante na

procura da harmonização de interesses divergentes característico do

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Finalmente,

o incremento do comércio intrarregional, ao fomentar relações de confiança

entre Estados vizinhos, permite evitar custos de prevenção de conflitos.

A UNDP (2011) diferencia quatro canais de distribuição dos benefícios

da integração regional para o desenvolvimento humano: rendimento, acesso a

bens e serviços, empowerment e sustentabilidade.

Page 55: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

54

Começando pela sustentabilidade ambiental, refira-se que o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional, ao promover

a gestão conjunta dos recursos naturais, pode dar um contributo importante

para a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento e para a resolução

de problemas ambientais e ecológicos, eles próprios de natureza tipicamente

regional ou mesmo global. A integração regional pode contribuir para uma

exploração mais sustentável dos recursos naturais à escala regional, impondo

standards e normas legais que impeçam a sobreexploração

Os sectores da educação e da saúde podem ser igualmente

beneficiados com o aprofundamento do processo de integração regional, visto

que está comprovado que este promove o empowerment e a produtividade das

populações (UNDP, 2011). Esta questão do empowerment é particularmente

relevante. A remoção de barreiras à circulação de pessoas pode favorecer o

empreendedorismo feminino, com o aumento da sua participação no sector

laboral formal. Ao darem às comunidades locais a possibilidade de migrarem

em busca de melhores hipóteses de trabalho e de apoiarem as suas regiões de

origem com o envio de remessas, os arranjos institucionais de integração

regional concorrem para o empowerment das populações.

A UNDP (2011) avança três vias pelas quais a integração regional pode

contribuir para o combate às doenças infecto-contagiosas: em primeiro lugar,

as externalidades negativas deste tipo de doenças só podem ser enfrentadas

adequadamente à escala regional; por outro lado, as políticas de prevenção

destas doenças têm necessariamente de ter um âmbito geográfico regional; e

finalmente, o aumento da mobilidade das pessoas inerente ao aprofundamento

Page 56: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

55

da integração regional permite o acesso aos melhores cuidados de saúde que

a região tem para oferecer.

8.1.4. Obstáculos, Instrumentos e Impactos

Os arranjos institucionais de integração regional deparam-se com uma

série de obstáculos no decurso do seu processo de aprofundamento. Ennes

Ferreira (2005) enuncia cinco tipos de obstáculos fundamentais: falta de

compromisso político das autoridades dos diversos Estados para com os

projetos regionais; dependência estrutural das regiões face a atores externos;

estabelecimento de prazos e calendários excessivamente ambiciosos;

redistribuição dos benefícios da integração regional entre os Estados membros

marcadamente desigual. A UNDP (2011) complementa esta lista com os

seguintes obstáculos: instabilidade macroeconómica, fragmentação económica,

sobreposição de adesões de países a mais que uma organização regional,

inadequação da rede infraestrutural, prevalência de doenças transmissíveis

como o HIV/SIDA.

Os arranjos institucionais de integração regional enfrentam igualmente

uma série obstáculos de natureza económica. O BAD (2010) aponta dois deles:

a fraca capacidade produtiva das economias domésticas e a escassa adição de

valor na cadeia de produção. Os constrangimentos à atividade do sector

privado também devem ser integrados nos obstáculos ao aprofundamento da

integração regional, visto que são esses agentes os grandes dinamizadores

dos arranjos institucionais de integração regional. Como afiançam Ndulu et al

Page 57: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

56

(2005), a escassez de provisão de bens e serviços públicos aumenta os custos

operacionais das empresas privadas e diminui o leque de oportunidades de

negócio.

Um dos principais obstáculos ao aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional ao nível nacional é o fraco grau de

compromisso político das autoridades nacionais com os ideais e as

organizações regionais. Vários motivos podem concorrer para este cenário.

Dinka & Kennes (2007) avançam que o facto de os países menos

desenvolvidos duma determinada região serem os que têm mais a perder com

o processo de integração regional os leva a serem os menos entusiastas com

os projetos regionais e a dificultarem a prossecução do aprofundamento destes

arranjos institucionais. Tal deriva do facto empiricamente comprovado que a

dependência das receitas aduaneiras é inversamente proporcional ao

rendimento dum determinado país, pelo que são os menos desenvolvidos

duma dada região os mais afetados pelo aprofundamento do processo. Quanto

maiores as disparidades de níveis de desenvolvimento entre Estados-membros

maior a dificuldade em harmonizar interesses e objetivos, pois, como frisa

Ennes Ferreira (2005), cada vizinho tem o seu próprio poder económico, militar

e diplomático.

A existência de diferentes esquemas institucionais entre países vizinhos

é um dos maiores obstáculos ao aprofundamento da integração, porque

dificulta a necessária harmonização de enquadramentos legais e institucionais

dos vários Estados-membros. Por outro lado, Tsheola (2010) demonstra que a

adesão unilateral de países duma determinada região a iniciativas

internacionais ou globais acaba sempre por enfraquecer as respetivas

Page 58: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

57

organizações regionais, na medida em provoca uma perda de importância

relativa destas.

Finalmente, um dos maiores obstáculos ao aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional é a manutenção de políticas protecionistas

de substituição de importações pelos Estados-membros, que em muito limita o

comércio intrarregional (Ennes Ferreira, 2005). Também Alfieri et al (2006)

destacam que obstáculos institucionais como regras de origem demasiado

restritivas podem ter o efeito adverso de criar obstáculos ao comércio

intrarregional, acabando por ir contra os objetivos do próprio aprofundamento

dos arranjos institucionais de integração regional.

Tais arranjos comportam em si mesmos importantes desafios

institucionais, na medida em que eles preveem a criação de instituições que

devem responder a ambições e expectativas de todos os seus Estados-

membros. Isso implica necessariamente a implementação de diversos

instrumentos institucionais e políticas regionais que permitam a efetivação dos

projetos regionais. O aprofundamento do processo de integração regional

passa muito pela institucionalização de mecanismos de prevenção e resolução

de conflitos, pela harmonização de enquadramentos legais e institucionais e

pela provisão de bens públicos regionais de que são exemplo as infraestruturas

transnacionais, os instrumentos de coordenação de políticas industriais e os

fundos de investimento regionais (Dinka & Kennes, 2007: 14). A UNDP (2011)

complementa esta lista com a abolição das restrições à liberdade de circulação

de pessoas, bens e capitais e a adoção de políticas monetárias e fiscais

comuns. Para uma fase posterior do aprofundamento destes arranjos

institucionais, Chichava (2011) avança com alguns outros instrumentos

Page 59: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

58

importantes: i) troca e disseminação de informação entre Estados-membros

sobre os desempenhos económicos de cada um; ii) adoção de mecanismos de

monitorização dos desempenhos económicos de cada Estado; iii) definição de

metas e objetivos diferenciados para cada Estado-membro consoante o seu

nível de desenvolvimento. Relativamente a este último ponto, Van Rooyen

(1998) destaca o papel de princípios e instrumentos como geometria ou

velocidade variável.

Uma das dimensões centrais de qualquer arranjo institucional de

integração regional, é a política e cultural, pelo que Dinka & Kennes (2007)

defendem a criação de instrumentos económicos e financeiros de solidariedade

intrarregional que liguem os Estados mais e menos desenvolvidos de uma

determinada região.

Outro dos instrumentos mais relevantes consiste na gestão coordenada

e integrada dos recursos naturais duma região. A UNDP (2011) salienta a

importância destes instrumentos como forma de prevenção de conflitos

derivados da exploração não equitativa dos recursos comuns.

Finalmente, Bothale (2010) destaca a necessidade de se implementarem

mecanismos de monitorização e avaliação para os projetos de integração

regional que permitam identificar os principais obstáculos ao sucesso dos

mesmos e dessa forma removê-los rápida e eficazmente.

Como já foi referido, as infraestruturas desempenham um papel

importante no aprofundamento do processo de integração regional, ao ligarem

os vários mercados domésticos uns aos outros, o que requer algum grau de

cooperação regional (Ndulu et al, 2005). Além do mais, os benefícios da

Page 60: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

59

integração regional podem ainda ser potenciados com investimentos na

edificação de infraestruturas internas e transnacionais, como é o caso concreto

dos denominados corredores de desenvolvimento (UNDP, 2011).

Os arranjos institucionais de integração regional acarretam sempre

impactos estruturais e estruturantes na organização económica e política dos

Estados-membros. No que se refere aos impactos económicos, Chiau (2008)

destaca dois fundamentais: o redireccionamento dos fluxos comerciais dos

Estados-membros para um âmbito mais regional, e o surgimento de novos

fluxos comerciais em resultado da remoção das barreiras aduaneiras e

consequente aumento da propensão para importar. Alfieri et al (2006)

complementam esta tese, demonstrando que a alteração do preço final das

importações, resultado da remoção das tarifas aduaneiras, provoca também

uma alteração estrutural nas dinâmicas da procura interna, conduzindo a uma

maior procura de importações. Correia (2008) destaca igualmente o impacto

favorável que os arranjos institucionais de integração regional têm sobre o

ambiente de negócios propício ao investimento, devido ao sinal positivo que

enviam aos agentes económicos privados. Este autor conclui que o impacto

duma união aduaneira será tanto mais positivo quanto: i) menores as barreiras

aduaneiras do bloco regional relativamente ao exterior; ii) maior o volume de

comércio intrarregional antes da institucionalização da união aduaneira; iii)

maior a homogeneidade de níveis de desenvolvimento entre os diversos

Estados-membros.

Porém, nem todos os impactos dos arranjos institucionais de integração

regional têm uma natureza positiva, pois implicam frequentemente a existência

de alguns custos de ajustamento às várias fases do aprofundamento destes

Page 61: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

60

processos de integração regional. A UNDP (2011) frisa que tal facto leva à

necessidade de se adotarem políticas sociais adequadas e mecanismos de

solidariedade e compensação financeira entre Estados, visto que estes custos

de ajustamento assumem proporções distintas consoante os níveis de

desenvolvimento de cada Estado-membro.

Um dos impactos mais estudados verifica-se ao nível da criação de

emprego. Com efeito, a UNDP (2011) sublinha que a integração regional tem

uma relação muito direta e positiva com a produção e o rendimento nacional,

mas a relação com o emprego já não é tão linear, pois se, por um lado, cria

postos de trabalho em novos sectores económicos, por outro pode destruir

alguns já existentes nos setores tradicionais. Além disso, os processos de

integração regional podem traduzir-se numa aposta em sectores económicos

intensivos em capital e pouco geradores de emprego, como a extração de

recursos naturais, ou podem induzir a introdução de novas tecnologias, o que

leva sempre à destruição de algum emprego menos qualificado. Note-se ainda

que está mais uma vez empiricamente comprovado que o impacto da

integração regional no emprego, quer positivo quer negativo, não é distribuído

de forma equitativa pelos países vizinhos, por sectores económicos e por

classes sociais, o que poderá colocar alguma pressão nas tensões sociais

internas dos Estados-membros e nas respetivas relações externas.

Page 62: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

61

8.1.5. Abordagem Neoliberal vs. Heterodoxa

De uma forma geral, existem três abordagens principais ao processo de

integração regional: as que confiam nas dinâmicas próprias do mercado, as

que assentam nas políticas adotadas pelas autoridades governativas, e a

denominada integração funcional (Van Rooyen, 1998).

Os arranjos institucionais de integração regional que confiam nas

dinâmicas do mercado pressupõem a redução ou mesmo remoção das

barreiras comerciais, de forma a potenciar o comércio intrarregional. A opção

por esta via não é consensual, pois se, por um lado, ela é a preferida nos

blocos económicos regionais em que o fenómeno da criação de comércio

suplanta o do desvio de comércio, por outro está empiricamente demonstrado

que os países com economias domésticas de menor dimensão normalmente

não têm as condições iniciais necessárias para aproveitar as vantagens da

integração regional por esta via.

Já a abordagem dirigista dos arranjos institucionais de integração

regional parte do pressuposto de que o processo de industrialização tem que

avançar como pré-requisito para a via do mercado e defende que a intervenção

estatal é necessária para garantir a distribuição equitativa dos benefícios da

integração regional. Van Rooyen (1998) acredita que esta abordagem tem a

vantagem de reduzir potenciais fontes de conflito e tensão, elementos sempre

perturbadores do aprofundamento dos esquemas de integração regional.

Finalmente, a abordagem da integração regional funcional afiança que a

cooperação regional num determinado sector económico pode ter efeitos

Page 63: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

62

positivos de disseminação do espírito de cooperação para outras áreas, os

chamados efeitos spill-over. Por exemplo, a cooperação regional na área

económica pode ter efeitos positivos que acelerem e facilitem a cooperação e

integração na esfera política. Esta abordagem implica não só a cooperação no

planeamento e implementação de projetos comuns como também a

participação de muitas outras organizações para além das entidades estatais.

Daí que ela seja por muitos considerada como uma abordagem bottom-up.

Mais, nos arranjos institucionais de integração regional menos bem-sucedidos

a abordagem da integração funcional pode remover alguns obstáculos

institucionais importantes.

Como referem Alfieri et al (2006), a opção por uma estratégia de

integração tem impactos ao nível do investimento, ambiente de negócios e

criação de comércio. Duas perspetivas fundamentais opõem-se nesta área: as

abordagens neoliberais e as perspetivas mais heterodoxas.

Os académicos partidários da abordagem neoliberal da integração

regional afirmam que os arranjos institucionais de integração regional são uma

etapa prévia na prossecução do comércio livre à escala global, e que os

processos de globalização e liberalização económica são praticamente

irreversíveis, pelo que não resta alternativa válida aos Estados senão

adaptarem-se a esta realidade e procurarem retirar dela o máximo de

benefícios (Gibb, 1998). O argumento principal dos que defendem a

liberalização e abertura dos mercados domésticos é que tal estimula a

especialização e o aproveitamento de vantagens comparativas, aumentando os

níveis de produção interna pela via das economias de escala, o que por sua

Page 64: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

63

vez potencia a competitividade dos blocos económicos regionais (Chiau, 2008;

Dinka & Kennes, 2007).

Esta abordagem não tem conseguido evitar uma série de críticas às

suas conceções teóricas. Pallotti (2004) assegura que ela descura dois aspetos

importantes: 1) a redefinição das relações de poder entre Estados, e dentro

destes, motivada pelo processo de integração regional; 2) a possibilidade de

estratégias alternativas de desenvolvimento mais apropriadas para o contexto

próprio dos PVD. Gibb (1998) favorece esta posição, demonstrando que as

análises neoliberais sobre o impacto da integração económica nos PVD não

chegam a conclusões definitivas quanto a variáveis como o bem-estar e

rendimento ou produtividade das economias domésticas. As críticas à

perspetiva neoliberal dos arranjos institucionais de integração regional passam

também pela desconstrução crítica dos seus pressupostos teóricos. Bothale

(2010) defende que o incremento das trocas comerciais não implica

necessariamente crescimento económico ou desenvolvimento, visto que é uma

condição necessária mas não suficiente. Também Pallotti (2004) sustenta que,

ao contrário do defendido pelas correntes neoclássicas e neoliberais, o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional não implica

necessariamente a convergência entre os todos os Estados-membros, mas sim

a transição rápida de alguns deles de um contexto de subdesenvolvimento para

uma situação de desenvolvimento. Gibb (1998) conclui que os esquemas de

integração regional não se podem resumir à liberalização do comércio,

devendo incluir também a implementação de políticas industriais regionais e de

mecanismos de solidariedade regional, de forma a fomentar processos de

transformação estrutural das economias dos Estados-membros. Magaia (2003)

Page 65: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

64

sublinha a necessidade de se adotar uma posição crítica perante a abordagem

neoliberal da integração regional, que apresenta um enfoque excessivo nos

fenómenos da criação e desvio de comércio relativamente às mudanças

estruturais nas economias nacionais resultantes da integração regional.

As abordagens consideradas mais heterodoxas centram a sua análise

dos arranjos institucionais de integração regional nos impactos que estes têm

nas estruturas produtivas nos Estados-membros e nas possíveis ruturas

estruturais, bem como nos spill-overs e externalidades que podem ser

originados no processo de integração regional. Van Rooyen (1998)

complementa esta tese advogando que a abordagem ideal para a integração

regional e para o desenvolvimento deve ser flexível, inclusiva, e adaptável, com

elementos de cooperação, coordenação e integração em diferentes sectores.

8.1.6. Evolução Histórica e Organizações Regionais

O próprio conceito de arranjo institucional de integração regional sofreu

ao longo do tempo uma evolução nos seus princípios teóricos. De acordo com

Correia (2008), o conceito de integração regional atual advém dos princípios da

década de cinquenta, traduzindo o fenómeno da crescente interdependência de

economias domésticas isoladas. Nessa altura, o Mundo tinha fresca na

memória a dilaceração provocada pelas primeiras duas guerras mundiais, e as

principais potências constatando em primeiro lugar que a necessária

reconstrução das suas economias domésticas sairia significativamente

facilitada se elas entrassem em esquemas de cooperação internacional e

Page 66: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

65

procurassem integrar as suas economias internas, constataram também que

os arranjos institucionais de integração regional seriam um instrumento

relevante e eficaz para garantir que nunca mais o Mundo assistisse a uma

tragédia como uma guerra mundial.

Mais tarde, concretamente desde os anos oitenta, verificou-se um novo

modelo de regionalismo, em que, além da cooperação económica, se tem em

consideração aspetos políticos, culturais e sociais (Bothale, 2010). Mais,

Pallotti (2004) encontra uma rutura temporal nos objetivos dos esquemas de

integração regional, visto que as motivações de autarcia e solidariedade

continental que estiveram presentes no início do processo de integração

regional foram substituídos por princípios de liberalização comercial.

Os arranjos institucionais de integração regional pressupõem geralmente

a criação de organizações regionais que são mandatadas para gerir o processo

de aprofundamento desses arranjos. Tsheola (2010) destaca a importância

destas organizações, sobretudo na facilitação da implementação de estratégias

de desenvolvimento regionais e sub-regionais e no encorajamento aos países

para realizarem investimentos concertados e coordenados. O mesmo autor crê

ainda que estas organizações regionais podem e devem assumir uma postura

mais pró-ativa na promoção da diversificação produtiva dos seus Estados-

membros. Contudo, constata-se um efeito dinâmico entre o aprofundamento

dos arranjos institucionais de integração e a própria concretização das

respetivas organizações regionais, dado que o incremento nos volumes de

comércio intrarregional permite identificar mais claramente estas organizações

como blocos comerciais e económicos regionais.

Page 67: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

66

8.1.7. Idiossincrasias da Integração Regional

Posto isto, torna-se necessário ressalvar que os arranjos institucionais

apresentam sempre características próprias, dificilmente replicáveis, dadas as

especificidades e idiossincrasias dos Estados-membros dentro de cada bloco.

Assim, as teorias económicas da integração regional não podem nunca

descurar as idiossincrasias de cada região, pelo que é essencial adaptar

sempre estas teorias aos contextos regionais concretos (Correia, 2008; Ennes

Ferreira, 2005). Por outro lado, Van Rooyen (1998) defende que qualquer

processo de integração regional deve começar por reconhecer as disparidades

e desigualdades entre Estados, visto que uma das características mais

relevantes dos processos de integração regional é a natureza desigual da

distribuição dos benefícios entre os membros. Daí resulta que o

aprofundamento da integração regional, ao colocar em pé de igualdade

economias com diferentes níveis de desenvolvimento, pode ter o efeito adverso

de agravar os fossos existentes entre elas. Além disso, Chichava (2011)

observa que quanto mais diferenciados forem os níveis de desenvolvimento

entre Estados-membros mais difíceis de alcançar são os consensos

necessários ao aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional. Durante o aprofundamento do processo de integração é necessário

estabelecer critérios de assimetria, conceito que exprime o tratamento

diferenciado para países em estádios de desenvolvimento distintos.

Esta necessidade de diferenciar contextos diversos no quadro dos

arranjos institucionais de integração regional é particularmente relevante para a

Page 68: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

67

dicotomia existente entre os países mais desenvolvidos e os ainda em

desenvolvimento. Ennes Ferreira (2005) frisa que o princípio da teoria clássica

da integração económica segundo o qual um dos ganhos principais passa pela

especialização produtiva não se aplica no contexto dos PVD, visto que o

comércio intrarregional é muito reduzido e portanto insuficiente para incentivar

os países a especializarem-se. Por outro lado, Van Rooyen (1998) defende que

para os PVD, ao contrário dos PD, os arranjos institucionais de integração

regional não constituem um fim em si mesmo, antes um instrumento de

prossecução do processo de desenvolvimento. Eles são utilizados como

instrumento de promoção de processos de industrialização, já que permitem

eventualmente aceder à maquinaria necessária à industrialização a um preço

mais reduzido (Magaia, 2003).

Finalmente, Bothale (2010) defende a intervenção dos atores não

estatais no processo de aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional, sobretudo na fiscalização da intervenção das organizações

regionais, na consciencialização das sociedades civis ou no empowerment de

determinados grupos sociais mais desprotegidos perante os impactos dos

esquemas de integração regional.

Page 69: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

68

8. Enquadramento Teórico

8.2. Segurança Energética

8.2.1. Definição e Determinantes

O conceito de segurança energética pode ser traduzido como o grau de

facilidade com que determinada economia acede aos recursos energéticos de

forma a garantir aos seus agentes económicos um abastecimento energético

estável, barato e de qualidade (Bazilian & Nussbaumer, 2010). A prossecução

da segurança energética é um elemento central na promoção de qualquer

processo desenvolvimento económico sustentável em qualquer país ou região.

Esta temática tem vindo cada vez mais para o centro dos debates políticos,

sobretudo devido ao aumento da volatilidade dos preços dos recursos

energéticos nos mercados internacionais e às convulsões sociais que se têm

verificado em alguns dos principais países produtores de recursos energéticos.

Perante tal cenário, Kiratu (2011) descortina que as políticas de promoção da

segurança energética têm visado alargar as fontes energéticas de modo a

minimizar o risco de falhas ou quebras no abastecimento de energia. A

promoção da segurança energética é passível de ser alcançada através de

várias estratégias e políticas, cada uma com diferentes implicações diretas

tanto nas relações internacionais como no fenómeno das alterações climáticas.

Neste sentido, a via proposta, por exemplo, pelo Banco Mundial (2011) passa

Page 70: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

69

pela abertura dos sectores energéticos nacionais ao mercado internacional

como forma de se assegurar um sector energético mais eficiente e sustentável.

Um dos fatores que mais tem contribuído para o recrudescimento das

preocupações com a segurança energética dos Estados é o aumento da

pressão do lado da procura derivado do crescimento económico global,

sobretudo de algumas das principais potências económicas mundiais. O

crescimento económico e a agudização do fenómeno da urbanização em

algumas regiões do globo têm provocado um aumento da procura e consumo

de recursos energéticos, prevendo-se um crescimento ainda mais acentuado

nas próximas décadas. Rosnes & Vennemo (2009) demonstram empiricamente

que os ritmos de crescimento económico afetam diretamente a procura de

eletricidade, pois quanto maior o rendimento disponível das pessoas maior a

sua apetência para consumirem, e também maior a capacidade dos Estados

para responderem a esta procura através de programas de expansão das

capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.

A relação entre o crescimento económico e o abastecimento energético

assume um caráter biunívoco. A má qualidade do abastecimento tem um

impacto negativo empiricamente comprovado nos ritmos de crescimento

económico. Com efeito, Bazilian & Nussbaumer (2010) sustentam que um

acesso instável e dispendioso à energia coloca obstáculos à atividade

económica e ao crescimento, com uma incidência particularmente negativa na

produtividade das diversas economias. Por outro lado, há países que se vêm

confrontados com verdadeiras crises energéticas por evidenciarem tendências

simultâneas de aumento da procura de energia e esgotamento da capacidade

da oferta, ou seja, conjugarem dois fenómenos: o aumento da procura de

Page 71: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

70

eletricidade derivado do crescimento demográfico e económico e o

subfinanciamento dos respetivos sectores energéticos (Eberhard et al, 2008).

Dois dos recursos energéticos que têm visto a sua procura aumentar

exponencialmente nos últimos anos são o petróleo e o gás natural.

No que se refere aos recursos energéticos petrolíferos, Rolo & Tschanze

(2008) apontam duas tendências atuais fundamentais: a diminuição

progressiva das suas reservas e o aumento sustentado do seu preço

internacional. As flutuações do preço internacional do petróleo têm

consequências tanto nos países consumidores como nos produtores, na

medida em que estes últimos normalmente são muito dependentes das suas

exportações. A empresa petrolífera Total (2007) aponta mesmo que desde

2000 o crescimento económico mundial, em grande medida devido à

emergência dos BRICS, tem feito pressão acrescida sobre a procura mundial

de recursos energéticos, sendo que este grupo de países pode ser responsável

por sensivelmente 70% do aumento da procura futura de recursos energéticos

petrolíferos. Perante este cenário de aumento da procura, as grandes

potências internacionais têm tentado assegurar desde logo o seu

abastecimento normal de recursos energéticos, e assim robustecer a sua

segurança energética. É por isso que Cruz (2007) afirma que os recursos

energéticos petrolíferos têm vindo a ganhar uma importância tal que os eleva a

serem um dos fatores centrais da segurança dos Estados e mesmo das

relações de cooperação ou conflitos entre eles. O mesmo autor sustenta que o

aumento da exploração e prospeção de recursos petrolíferos, sobretudo para

as águas denominadas profundas e ultra-profundas, tem levado a um

recrudescimento de tensões entre Estados vizinhos devido a disputas

Page 72: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

71

territoriais, em grande parte potenciadas pela fraca delimitação das zonas

económicas exclusivas. Outro aspeto relevante nas dinâmicas dos recursos

energéticos petrolíferos é o facto de os países produtores de petróleo utilizarem

frequentemente as suas reservas como arma de arremesso nas principais

arenas internacionais (Levi, 2010). Além disso, a oferta mundial de recursos

energéticos é severamente afetada pela instabilidade política de alguns dos

maiores fornecedores internacionais, como o Iraque, Irão, Nigéria ou mesmo

Venezuela (Total, 2007), o que tem conferido às companhias petrolíferas

nacionais um papel de crescente relevo nas discussões sobre a segurança

energética.

Relativamente ao gás natural, este recurso energético tem vindo a

ganhar uma preponderância crescente, sobretudo graças à descoberta de

novas reservas e às melhorias obtidas no transporte, armazenamento e

distribuição até ao consumidor final. Aliás, Levi (2010) sublinha que o comércio

de gás natural tem um impacto maior que os recursos petrolíferos nas relações

entre Estados, visto que ele requer investimentos volumosos e projetos de mais

longo prazo.

8.2.2. Paradigmas Energéticos e Energias Renováveis

Um componente central de qualquer política de promoção da segurança

energética é o processo de tomada de decisão relativo ao paradigma

energético a adotar. Rosnes & Vennemo (2009) destacam que o paradigma

energético de qualquer Estado ou região depende dos seus recursos

Page 73: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

72

energéticos próprios, pelo que a abundância de um determinado recurso

energético de um país condicionará sempre mais significativamente o portfolio

energético desse país. A capacidade e o custo de exploração de fontes

energéticas alternativas depende sempre das tecnologias disponíveis e da

capacidade das economias para sustentarem os investimentos necessários

para a alteração do paradigma energético (Mbirimi, 2010; Kiratu, 2011).

Bazilian & Nussbaumer (2010) acrescentam que as alternativas em termos de

combinações destas diferentes fontes de energia são sempre condicionadas

por fatores como disponibilidades, aplicabilidade, aceitação, acessibilidade e

financiamento, daí resultando que a disponibilidade das comunidades para

mudarem de fonte energética em favor de uma mais moderna depende em

todos os casos do preço que pagam pela fonte que utilizavam anteriormente.

Ainda assim, Rolo & Tschanze (2008) constatam uma consciencialização

superior da necessidade de se alterar o paradigma energético atual, apostando

mais em fontes energéticas alternativas, concretamente nas renováveis.

Também Mbirimi (2010) sustenta que a evidência empírica sugere que, mais do

que as diferentes tecnologias disponíveis, são as barreiras institucionais que

mais dificultam a mudança de paradigma energético, sobretudo as

relacionadas com a geração, transmissão e distribuição de eletricidade.

Nas discussões sobre a possibilidade de reestruturação dos paradigmas

energéticos atualmente existentes, as tecnologias verdes ou as energias

renováveis têm assumido um papel de destaque. A adoção de tecnologias

verdes tornou-se num dos principais instrumentos para a prossecução de três

objetivos fundamentais: segurança energética, sustentabilidade ambiental e

mitigação de alterações climáticas. Ngwawi (2007) sublinha que, se, por um

Page 74: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

73

lado, os investimentos nas energias renováveis têm custos iniciais muito

significativos, por outro os custos operacionais posteriores são bem mais

acessíveis que as fontes energéticas tradicionais. Além disso, outra vantagem

das energias renováveis é que as tecnologias a elas associadas se adequam

com igual facilidade à rede nacional e ao abastecimento isolado, sendo por isso

de mais fácil implementação em comunidades remotas e portanto mais

adequadas para programas de eletrificação rural (Hankins, 2009).

Os biocombustíveis são um dos recursos energéticos modernos que tem

ganho uma popularidade crescente. Para o IMVF (2009), tal deve-se

principalmente a duas grandes ordens de razão: a necessidade de redução da

dependência energética relativamente aos recursos energéticos fósseis e a

necessidade de reduzir as emissões de CO2 no contexto de combate às

alterações climáticas. Deve-se ressalvar a diferença entre biocombustíveis de

1ª e de 2ª geração, devido aos diferentes impactos na segurança alimentar das

comunidades rurais. Por biocombustíveis de 1ª geração entende-se aqueles

derivados de matérias-primas vegetais agrícolas, como beterraba, trigo, milho,

girassol, cana-de-açúcar, que entram diretamente em competição com as

culturas agrícolas alimentares e por isso têm um impacto relevante na

segurança alimentar das comunidades. Já por biocombustíveis de 2ª geração

entende-se os derivados de matérias-primas vegetais não agrícolas, tal como a

celulose da madeira, que não entram em competição direta com as culturas

alimentares (IMVF, 2009). A aposta deve pois recair nestes últimos, que não

colocam tanto em perigo a segurança alimentar das populações e são mais

facilmente integráveis nos mercados internacionais.

Page 75: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

74

O debate sobre as consequências da aposta nos biocombustíveis tem

sido aceso, pois, enquanto uns defendem que eles podem ser a resposta para

promover a segurança energética e combater a pobreza e as alterações

climáticas, outros temem que tal acabe por desencadear fenómenos de fome

em massa e desastres ambientais. A constatação em alguns países duma

subida dos preços alimentares, em parte causada pela aposta nos

biocombustíveis, tem levado ao surgimento de temores sobre o seu impacto na

segurança alimentar das populações A própria FAO prevê que o aumento da

competição entre biocombustíveis e culturas alimentares poderá levar a uma

subida de preço destas últimas até cerca de 50% (IMVF, 2009). No mesmo

sentido, vários académicos têm procurado demonstrar a inevitabilidade do

fenómeno de substituição das culturas alimentares pelos biocombustíveis à

medida que a aposta nestes últimos cresce, o que levará a um aumento do

preço de mercado de muitas culturas alimentares, colocando em causa a

subsistência de muitas comunidades agrícolas e a segurança alimentar das

populações de vários países.

Todavia, os efeitos teoricamente negativos duma aposta efetiva na

exploração dos biocombustíveis não são inevitáveis. Com efeito, o IMVF (2009)

crê que a opção pela aposta nos biocombustíveis é tanto mais

economicamente racional quanto o contexto local o favoreça, designadamente

em termos de condições climatéricas e disponibilidades de terra arável e

mercados suficientemente desenvolvidos. Uma das formas de se amenizar o

impacto negativo dos biocombustíveis nas comunidades rurais é incentivar a

participação das pequenas unidades agrícolas na sua produção, através de

mecanismos de facilitação do acesso à terra e ao capital. Outro aspeto

Page 76: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

75

importante a considerar na aposta nos biocombustíveis é o impacto

potencialmente positivo que ela tem na promoção da igualdade de género.

Um conceito relevante que está enquadrado na temática do impacto dos

biocombustíveis nos processos de desenvolvimento dos PVD é o do biopacto,

segundo o qual os países têm a capacidade de apostar no desenvolvimento

dos biocombustíveis sem no entanto comprometer a segurança alimentar das

suas comunidades (IMVF, 2009). Partindo do pressuposto dum

desenvolvimento sustentado e progressivo do sector agrícola, ele afirma que os

países têm capacidade suficiente para garantir a segurança alimentar das suas

populações, e ainda produzir biocombustíveis para proveito próprio e mesmo

para exportação. A evidência empírica demonstra que o sucesso do conceito

de biopacto depende da concretização de alguns pressupostos, tais como a

remoção dos subsídios agrícolas e barreiras comerciais pelos PD e uma

transferência real de tecnologia agrícola destes para os países africanos.

8.2.3. Power Pools: Conceito e Benefícios

Um dos instrumentos mais advogados na prossecução das estratégias

de fortalecimento da segurança energética é o aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional no próprio setor da energia. O

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional energética

permite aos países desenvolver, entre outras soluções, as denominadas power

pools regionais. Castalia (2009) define as power pools como arranjos

institucionais entre as redes elétricas de dois ou mais países que passam a

Page 77: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

76

coordenar as suas estratégias e a aproveitar os recursos energéticos

existentes na região da forma mais economicamente racional possível. A teoria

subjacente à criação das power pools defende que o alargamento dos

mercados energéticos para fora das fronteiras nacionais fomenta o

investimento na capacidade de geração de países que têm vantagens

comparativas em termos de recursos energéticos, ao mesmo tempo que

estabiliza a procura e a oferta de eletricidade numa determinada região

(Eberhard et al, 2008). Apesar das power pools permitirem ganhos de curto-

prazo aos seus membros, os maiores proveitos ocorrem no longo prazo,

sobretudo por uma coordenação dos investimentos nos sectores elétricos

capaz de gerar poupanças nos investimentos e aumentar a capacidade de

geração. Ainda assim, Castalia (2009) ressalva que a institucionalização duma

power pool não é uma condição suficiente para o aumento do comércio

energético intrarregional.

O objetivo fundamental das power pools é a redução dos custos de

transação associados ao comércio energético intrarregional, permitindo

potenciar um comércio que de outra forma poderia ser impossível de

concretizar. Além disso, Ram (2007) destaca que a criação de power pools é

um instrumento importante para a redução da insegurança energética e dos

custos de transação associados ao abastecimento energético, pois oferecem

um enquadramento legal e institucional comum para a definição das mais

variadas questões técnicas relacionadas com o comércio energético

intrarregional. Por outro lado, elas devem desempenhar igualmente um papel

importante no financiamento das infraestruturas transnacionais de geração e

Page 78: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

77

transmissão de eletricidade, designadamente na fase de conceção dos seus

projetos.

Para Castalia (2009), os benefícios fundamentais das power pools

podem ser agregados em três grupos: benefícios técnicos (estabilização da

oferta, pois o excesso de capacidade dum país pode compensar a escassez do

outro); custos de transação (redução dos custos, pela provisão duma

plataforma comum para as transações de energia entre membros); e

oportunidades de negócio (possibilidade de os países explorarem diferenciais

de preços entre os fornecedores regionais de eletricidade). As power pools

oferecem igualmente a estabilidade legal necessária para uma rápida e fácil

resolução de disputas entre partes em conflito e permitem potenciar as

vantagens quer na coordenação do comércio energético intrarregional de curto-

prazo, quer na estabilidade e fiabilidade da oferta e abastecimento energético e

mesmo na potenciação dos recursos energéticos locais mais baratos.

A institucionalização de arranjos institucionais do tipo power pool tem

alguns pré-requisitos fundamentais, entre eles a estabilidade e segurança do

fornecimento elétrico. As experiências internacionais bem sucedidas

demonstram a necessidade de se desenhar adequadamente os acordos de

comércio energético para que estes garantam a estabilidade do fornecimento.

Segundo Castalia (2009), a segurança da oferta e do abastecimento energético

deve ser encarada em três dimensões distintas: adequação da oferta à

procura, fiabilidade mesmo em cenários de problemas técnicos e operacionais,

e segurança comercial na estabilidade dos acordos transnacionais. Essa

segurança deverá ser reforçada por via de um enquadramento legal e

institucional efetivo entre os fornecedores e os clientes de eletricidade, de

Page 79: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

78

modo a afastar muita da incerteza nas decisões de investimento dos agentes

económicos potencialmente interessados. Uma outra forma de se assegurar a

estabilidade da oferta e do abastecimento energético é incluir nos próprios

contratos comerciais penalizações para eventuais quebras no abastecimento

ou transmissão. Neste caso, há a necessidade de desenvolver mecanismos de

resolução de disputas, de forma a aliviar alguma da incerteza que ainda está

associada ao comércio energético (Castalia, 2009).

8.2.4. Integração Regional Energética

De uma forma mais geral, os arranjos institucionais de integração

regional energética de maior amplitude podem constituir uma resposta efetiva

para o desafio da promoção da segurança energética dos Estados e regiões.

Para Mbirimi (2010), os benefícios da integração regional energética são

variados: redução dos custos operacionais e de capital, aumento da segurança

do abastecimento elétrico, coordenação dos projetos de expansão da

capacidade de geração e transmissão de eletricidade. Kiratu (2011) acrescenta

que ela facilita o financiamento da edificação das infraestruturas energéticas

indispensáveis para fomentar o comércio regional energético e aumentar a taxa

de cobertura das redes elétricas nacionais. A contribuir para o financiamento

das infraestruturas está também a possibilidade de coordenação dos

investimentos em mais capacidade de geração e transmissão de eletricidade

(ECA, 2009). Um impacto positivo mais amplo destes arranjos institucionais

Page 80: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

79

consiste na redução da volatilidade do preço final dos recursos energéticos, o

que é essencial tanto para países exportadores como para importadores.

Em muitas regiões do globo, o desenvolvimento dum mercado

energético regional capaz de explorar o potencial de geração de

hidroeletricidade pode ser um passo importante para reduzir os custos

associados à geração e transmissão de eletricidade e também para imunizar as

economias locais contra choques petrolíferos exógenos, ao mesmo tempo que

contribui para o combate contra as alterações climáticas (Rosnes & Vennemo,

2009). Tal deriva em parte do facto de o comércio regional energético, dados

os montantes necessários em termos de infraestruturas de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade envolvidos, permitir aos países

vizinhos acederem a recursos energéticos mais acessíveis e baratos.

Os arranjos institucionais de integração regional energética são tanto

mais relevantes quanto mais díspares as dotações de recursos energéticos

entre Estados vizinhos, pois permitem que quando um dos Estados apresenta

excesso de capacidade e o outro escassez possa haver uma transferência de

energia entre eles que assegure que não haja quebras no abastecimento.

Porventura uma das vantagens mais relevantes destes arranjos institucionais é

a possibilidade de explorar convenientemente eventuais economias de escala

na geração, transmissão e distribuição de eletricidade e conferir maior

dimensão aos respetivos projetos (Ram, 2007; Mbirimi, 2010). As poupanças

obtidas com a redução dos custos operacionais de geração de eletricidade

podem ser consideradas como retorno financeiro dos investimentos realizados

no âmbito da integração regional energética. Aliás, a ECA (2009) demonstra

empiricamente que o impacto do aprofundamento dos arranjos institucionais de

Page 81: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

80

integração regional é detetável na diferença de custos de geração e

transmissão de eletricidade num cenário de estagnação de comércio e noutro

de expansão.

Ainda na área do comércio energético intrarregional, Castalia (2009)

distingue três tipos de projetos: i) projetos multilaterais de grandes dimensões;

ii) projetos multilaterais de dimensão média, envolvendo 3 ou 4 países; iii)

projetos de cariz meramente bilateral. Neste sentido, convém traçar a linha

entre comércio energético intrarregional bilateral e comércio energético

intrarregional multilateral. Uma das principais diferenças é que o primeiro

permite a captura imediata dos benefícios desse comércio, enquanto o

segundo pode demorar algum tempo para atingir a maturidade e oferecer

esses benefícios. Por outro lado, Eberhard et al (2011) assume que o

estabelecimento de acordos bilaterais de transmissão e comércio de energia é

mais fácil de alcançar que grandes tratados regionais. O comércio bilateral

incentiva o aprofundamento da integração regional energética na medida em

que fornece o estímulo para a expansão da rede regional de transmissão e

distribuição de eletricidade e para a harmonização dos diversos

enquadramentos institucionais nacionais. A ECA (2009) destaca um aspeto

importante neste domínio: nos mercados energéticos onde mais se constata a

necessidade de desenvolver infraestruturas verifica-se uma predominância dos

acordos bilaterais, visto que estes oferecem a estabilidade em termos de cash-

flows para maiores volumes de financiamento necessários. Em alguns casos o

comércio energético intrarregional multilateral de curto-prazo não oferece a

estabilidade financeira necessária para incentivar a expansão da rede

infraestrutural regional.

Page 82: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

81

Os projetos de comércio energético multilateral também apresentam

algumas diferenças relativamente aos projetos bilaterais. Bazilian &

Nussbaumer (2010) vêm várias vantagens na edificação de projetos

energéticos regionais: economias de escala, maximização da exploração dos

recursos regionais e aumento da consistência do abastecimento energético.

Porém, os projetos de âmbito regional têm outra complexidade na fase da

preparação, sendo que muito frequentemente os custos financeiros associados

a esta fase chegam ao dobro dos dos projetos nacionais. Quanto maior a

dimensão dos projetos energéticos regionais, mais difícil a sua concretização

em tempo oportuno: o financiamento é mais oneroso, a harmonização de

enquadramentos institucionais e legais é mais complexa e a prossecução de

consensos e entendimentos mais difícil (Eberhard et al, 2011). Perante tal,

Castalia (2009) sugere que uma das soluções para acelerar a obtenção de

consenso sobre os projetos prioritários à escala regional é adjudicar a uma

entidade externa a tarefa de identificar as prioridades regionais.

8.2.5. Organizações Regionais e Compromisso Político

As organizações regionais criadas para o aprofundamento da integração

regional energética são um elemento central em qualquer arranjo institucional.

Elas devem desempenhar uma série de funções importantes na facilitação do

aprofundamento dessa integração. Eberhard et al (2011) destacam a

necessidade da existência de instituições regionais que coordenem os

programas de desenvolvimento de infraestruturas transnacionais e garantam

Page 83: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

82

uma distribuição equitativa dos benefícios da integração. Para tal, as

organizações regionais devem ver os seus poderes e atribuições reforçadas,

tornando as suas estratégias e decisões vinculativas para os governos

nacionais e assim conferindo prioridade às dimensões regionais sobre as

nacionais (Castalia, 2009). Tal reforço de atribuições, poderes e competências

implica necessariamente uma entrega de poderes soberanos dos diversos

Estados-membros às respetivas organizações regionais, entrega essa que se

traduz num compromisso político com os projetos regionais. Quanto maior o

grau de compromisso dos Estados com as respetivas organizações regionais

maior a facilidade destas em atrair o investimento necessário para a

prossecução dos seus projetos regionais. As organizações regionais devem

adotar processos de tomada de decisão eficientes, sobretudo no que toca à

expansão da rede infraestrutural e à fixação dos preços do comércio

energético. Mais, devem procurar igualmente fomentar consensos entre as

autoridades nacionais e disseminar o máximo de informação sobre análises

custo-benefício dos projetos regionais (Castalia, 2009; Eberhard et al, 2011).

Como já foi referido atrás, o compromisso político dos Estados-membros

com os arranjos institucionais de integração regional energética é essencial

para o sucesso destes. Segundo Rosnes & Vennemo (2009), aspetos como o

compromisso e a confiança mútua entre Estados vizinhos e a estabilidade

sociopolítica numa região são fundamentais para este aprofundamento da

cooperação e integração regional. Deste modo, a maximização dos benefícios

dos arranjos institucionais de integração regional energética depende em

grande medida de compromissos políticos das autoridades nacionais, e da sua

predisposição para aumentarem a sua dependência de importações

Page 84: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

83

energéticas (Bazilian & Nussbaumer, 2010; Eberhard et al, 2011). A

modalidade mais avançada de compromisso político é a assinatura dum tratado

que atribua poderes e responsabilidades acrescidas às organizações regionais,

tornando-as responsáveis por assuntos regionais. Castalia (2009) defende que

tal opção envia sinais de mercado importantes para investidores internacionais,

potenciais financiadores da expansão das capacidades de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade.

8.2.6. Infraestruturas e Agentes Privados

Este investimento na expansão das capacidades de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade tem como pré-requisito uma rede

infraestrutural regional minimamente desenvolvida. A edificação de

infraestruturas de maior escala destinadas a abastecer a região como um todo

só fazem sentido num contexto de integração regional energética aprofundada.

O problema reside exatamente na capacidade de atrair financiamento para a

edificação destas infraestruturas de maior dimensão que, pela sua natureza,

exigem volumes e condições diferentes das das infraestruturas nacionais

(Ram, 2007). Todavia, Eberhard et al (2011) ressalvam que os maiores

retornos económicos não têm necessariamente de vir de novas infraestruturas,

pois a otimização das já existentes acarreta menos custos financeiros e permite

a captura de todas as potencialidades existentes.

Os investimentos na expansão das capacidades de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade são frequentemente

Page 85: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

84

sobredimensionados para as possibilidades de financiamento dos diversos

Estados-membros. Daí que muitos advoguem a participação dos agentes

económicos privados no financiamento destas infraestruturas. Brew-Hamond &

Kemausuor (2009) vão ao encontro desta posição, defendendo que as

organizações regionais devem procurar o aumento do acesso à eletricidade

através da capacitação simultânea dos agentes económicos privados e

públicos. O próprio redimensionamento dos mercados energéticos para um

âmbito mais regional torna-os mais atrativos para os investidores privados e

para potenciais parcerias público-privadas, pois contribui para a redução do

risco associado a este tipo de investimentos, e, consequentemente para o

financiamento destas infraestruturas (Ram, 2007; Eberhard et al, 2011).

8.2.7. Particularidades da Segurança Energética

No tratamento da temática do aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional energética é necessário ter em devida

consideração as idiossincrasias e os estádios de desenvolvimento das

diferentes regiões. No caso concreto dos PVD, Bazilian & Nussbaumer (2010)

demonstram que muitas das suas políticas de desenvolvimento,

designadamente o combate à pobreza, disparidades de género, alterações

climáticas, ou promoção da segurança alimentar, são extremamente

condicionados pelo acesso a uma energia sustentável, moderna e acessível.

Os mesmos autores diferenciam os PD dos PVD no que se refere ao peso da

energia nos orçamentos familiares: enquanto os agregados familiares de menor

Page 86: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

85

rendimento dos PD gastam em média 10% do seu rendimento em recursos

energéticos, os dos PVD podem chegar a gastar 30% do seu rendimento.

Os próprios arranjos institucionais de integração regional energética têm

impactos diferentes consoante os estádios de desenvolvimento das diferentes

regiões. Eberhard et al (2011) demonstram que os PVD, caracterizados pelas

dificuldades em acumular capital para investimentos em infraestruturas, são os

países que mais podem beneficiar do aprofundamento da integração regional.

Também a opção por paradigmas energéticos mais ecologicamente

sustentáveis comporta motivações diferenciadas: enquanto para os PD a opção

pelas energias renováveis tem uma motivação muito mais ecológica, para

muitos PVD elas representam a única alternativa economicamente viável.

Os arranjos institucionais de integração regional energética têm

impactos diferentes mesmo dentro do grupo dos PVD: a expansão do comércio

energético beneficia sobretudo os países com custos energéticos domésticos

elevados, que passam a importar eletricidade a preços muito mais reduzidos,

mas beneficia igualmente países com custos de produção reduzidos, que

podem assim potenciar as suas receitas de exportação (Rosnes & Vennemo,

2009; Eberhard et al, 2011).

Começando pelos países tradicionalmente importadores, os arranjos

institucionais de integração regional energética fazem mais sentido económico

que a autarcia nacional, na medida em que lhes permite aceder aos recursos

energéticos mais baratos, passando a depender mais dos seus parceiros

regionais do que de outros atores externos. Normalmente estes países

apresentam economias domésticas de pequena dimensão que, por isso

Page 87: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

86

mesmo, detêm redes infraestruturais elétricas nacionais mais pequenas.

Contudo, a ECA (2009) enfatiza que, apesar de para a maioria dos países

importadores as poupanças financeiras decorrentes de privilegiarem a região

em detrimento duma geração autárcica poderem não ser exponenciais, os

ganhos económicos com o aumento da estabilidade do abastecimento e a

eliminação dos apagões são muito significativos.

Em algumas regiões os recursos energéticos encontram-se muito

concentrados em poucos países, fazendo que os custos de investimento para a

exploração dos mercados regionais de eletricidade recaiam excessivamente

em alguns países que podem não ter a capacidade financeira para realizar

esses investimentos individual e isoladamente. Tal ainda é mais significativo no

caso dos países com economias domésticas mais pequenas mas que têm um

grande potencial em termos de energia hídrica e que se deparam com enormes

problemas de financiamento para prosseguir com os seus projetos (Eberhard et

al, 2011).

O outro grupo de países que mais beneficia com a expansão do

comércio energético regional é o dos que apresentam custos de geração

menores, logo com maior capacidade de exportação. O alargamento dos

mercados energéticos para um âmbito supranacional permite-lhes um aumento

da capacidade de investimento nas suas vantagens competitivas na geração

de eletricidade.

Há outras distinções que merecem ser feitas de acordo com as

idiossincrasias de cada país. Está empiricamente comprovado que os custos

operacionais dos sectores energéticos baseados no diesel são superiores aos

Page 88: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

87

dos baseados na energia hídrica. Países com sectores energéticos de menor

dimensão enfrentam custos operacionais médios superiores aos dos maiores.

Finalmente, países sem acesso direto ao mar e Estados insulares apresentam

em média custos operacionais superiores aos dos outros países devido aos

custos de transporte relativamente mais elevados para recursos energéticos

fósseis (Eberhard et al, 2008). Nestas disparidades os autores encontram

argumentos suficientes em favor do aprofundamento de arranjos institucionais

de integração regional energética.

Muitos especialistas consideram importante haver uma partilha dos

benefícios dos arranjos institucionais de integração regional energética para

dessa forma se manter o compromisso político de todos com o aprofundamento

desses arranjos. Eberhard et al (2011) defendem que, uma vez que os

benefícios do comércio energético regional são maiores para as pequenas

economias domésticas com elevados custos energéticos, é necessário

institucionalizar mecanismos de compensação para os outros tipos de países,

sobretudo aqueles que menos ganham. Os países que mais beneficiam destes

arranjos devem igualmente arcar com a maioria do financiamento para a

edificação de infraestruturas energéticas nos países exportadores.

8.2.8. Eletrificação e Desenvolvimento Humano

Na definição de estratégias de expansão da cobertura dos serviços

energéticos é indispensável ter em consideração os seguintes fatores:

características da procura, custos das soluções e tecnologias. Para Bazilian &

Page 89: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

88

Nussbaumer (2010) existe evidência empírica e histórica suficiente para afirmar

que não há um modelo único ou melhor que os outros no que toca a

providenciar serviços energéticos às populações, dependendo sempre das

idiossincrasias de cada contexto. De qualquer forma, os mesmos autores

creem que qualquer programa deste género necessita sempre de alguma

centralização e coordenação estatal para ser bem sucedido. Muitos governos

dão prioridade, nos seus planos de expansão da cobertura dos serviços

energéticos, aos sectores económicos produtivos em detrimento de outros

como a eletrificação rural. Daí que muitos PVD ainda apresentem taxas de

eletrificação rural relativamente baixas.

Finalmente, vários autores destacam a importância dum acesso

acessível e de qualidade à eletricidade para as políticas de fomento do

desenvolvimento humano. A falta de acesso a serviços modernos de energia

dificulta os progressos em áreas como saúde, educação ou redução da

pobreza. Veja-se o caso das eventuais melhorias no abastecimento elétrico

decorrentes do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional, que têm impactos positivos na saúde, ao permitirem, por exemplo, um

melhor armazenamento de vacinas, e na educação, onde viabilizam o aumento

do estudo nas escolas (Bazilian & Nussbaumer, 2010; Eberhard et al, 2011).

Page 90: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

89

9. Integração Regional em África

9.1. Obstáculos e Condicionalismos

O processo de integração regional no continente africano, mais

concretamente na África Subsaariana, tem sido alvo dos mais variados e

aprofundados estudos, na sua maioria almejando contribuir para a remoção

dos obstáculos que impedem o seu aprofundamento bem sucedido.

A imagem global da integração regional em África mostra que cada

organização regional tem vários níveis de desenvolvimento e de progressos.

Está empiricamente comprovado que os países africanos beneficiam tanto

mais dos arranjos institucionais de integração regional quanto maior o âmbito

geográfico e o grau de aprofundamento da sua organização regional. Quanto

maior o bloco económico, maiores e mais bem distribuídas serão as

potencialidades do mesmo, mas, por outro lado, mais difíceis de alcançar ficam

os necessários consensos entre Estados-membros (UNDP, 2011).

Todavia, a realidade demonstra que existem mais organizações

regionais em África do que em qualquer outro continente e que existe

igualmente uma grande sobreposição de filiações de países africanos em mais

que uma organização regional. Em vez das oito organizações regionais

reconhecidas no tratado de Abuja, existem agora em África mais de catorze,

com vários países a pertencerem a duas ou mais organizações. Esta

duplicação é apontada como um dos principais obstáculos ao aprofundamento

Page 91: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

90

da integração. Aliás, para o BAD (2010), a sobreposição de adesões dos

países africanos a mais que uma organização regional é uma das

características mais marcantes do processo de integração regional no

continente africano. Tal sobreposição acarreta alguns aspetos negativos,

designadamente a dificuldade em implementar programas de ação únicos para

uma determinada região. Por outro lado, Bothale (2010) nota que a adesão dos

países africanos a mais que uma organização regional é uma fonte potencial

de conflitos entre as próprias organizações.

Figura 1 – Sobreposição de Adesões dos Estados Africanos a Diversas

Organizações Regionais

Fonte: Dinka (2007: 30)

Page 92: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

91

É neste sentido que Dinka & Kennes (2007) afirmam que , no que toca

aos arranjos institucionais de integração regional, o principal desafio que se

coloca ao continente africano é proceder à racionalização dos blocos

económicos regionais africanos. A própria NEPAD defende que cada país

africano afirme o seu compromisso regional com uma única organização

regional.

Os processos de aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional enfrentaram desde cedo um conjunto de obstáculos que até

ao momento se têm revelado praticamente intransponíveis. Alguns deles são

as fracas capacidades produtivas da maioria das economias africanas, a falta

de complementaridade entre as estruturas produtivas dos diversos países,

todas elas dependentes da produção e exportação de bens primários a

pequena dimensão de muitos dos seus mercados domésticos, o

subdesenvolvimento da rede infraestrutural transnacional, a dependência

significativa de muitos Estados africanos das receitas aduaneiras e a

inexistência de instrumentos de redistribuição equitativa dos benefícios da

própria integração regional (BAD, 2010; Dinka & Kennes, 2007; Ennes Ferreira,

2005; Tsheola, 2010; UNDP, 2011). O subfinanciamento das organizações

regionais é um dos obstáculos crónicos ao aprofundamento do processo de

integração regional, devido em grande medida à falta de compromisso

financeiro das autoridades nacionais africanas. Também fatores de natureza

mais institucional contribuíram para a não prossecução da integração regional

em África. A fraca capacidade institucional de várias autoridades nacionais e

aspetos como procedimentos institucionais ineficientes, políticas de transporte

que favorecem cartéis pouco eficientes e barreiras institucionais de vária ordem

Page 93: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

92

encarecem o comércio intra-africano (UNDP, 2011). Finalmente, Ennes

Ferreira (2005) acrescenta que a utilização das organizações regionais pelas

potências regionais como meio de perpetuação das suas relações de domínio

regional retrai o empenho dos restantes membros do processo de

aprofundamento nos arranjos institucionais de integração regional.

Tabela 1 – Evolução do Peso das Receitas Aduaneiras nas Receitas Totais de

Alguns Países Africanos, Excluindo Doações (%)

Fonte: OECD (2010) in UNDP (2011: 69)

A dependência estrutural de vários Estados africanos das receitas

aduaneiras para os respetivos orçamentos nacionais tem sido sempre

Page 94: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

93

avançada como um dos maiores obstáculos ao aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional. Com efeito, a liberalização do comércio

intrarregional africano, ao eliminar em simultâneo as barreiras aduaneiras e

alfandegárias, provoca a quebra de uma importante fonte de receitas para

muitos Estados. Porém, a UNDP (2011) procura demonstrar que esta perda de

receitas aduaneiras é relativamente reduzida, mesmo para os países delas

mais dependentes para os seus orçamentos nacionais. Os países africanos, ao

integrarem-se regionalmente e começarem a atuar como um bloco, ganham um

poder de negociação superior nos mercados internacionais, concretamente

perante os agentes económicos promotores do IDE, pelo que as perdas de

receitas aduaneiras podem ser compensadas por uma maior taxação deste

investimento.

Gráfico 1 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras no Bem-Estar de

África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões

Fonte: UNDP (2011: 32)

Page 95: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

94

9.2. Economias Africanas e Infraestruturas

Como já foi referido anteriormente, o continente africano é caracterizado

por uma multiplicidade de países com economias domésticas pequenas, sem

acesso marítimo e com uma rede de infraestruturas inadequada. Em média,

cada país africano tem quatro vizinhos, quinze deles não têm qualquer acesso

marítimo e muitos são caracterizados por economias domésticas de pequena

dimensão (UNDP, 2011). Esta fragmentação geográfica do continente africano

impede um aproveitamento frutuoso de economias de escala ou provisão de

bens públicos regionais, o que retira a muitos projetos de investimento escala

suficiente para se tornarem atrativos (Ennes Ferreira, 2005; Ndulu et al, 2005).

O próprio processo de industrialização, ao requerer mercados de grande

dimensão para o aproveitamento das economias de escala, tornou-se mais

difícil para muitos países africanos. O caso mais extremo de condicionalismos

geográficos é o dos países de pequena dimensão privados de acesso direto ao

mar. A UNDP (2011) estima que cerca de 30% da população africana se

encontra nestes quinze Estados. Estes países não só dependem das suas

infraestruturas domésticas pouco desenvolvidas como ainda dependem das

infraestruturas dos seus vizinhos costeiros. Tal faz que os seus custos de

transporte sejam significativamente superiores quando comparados com dos

países costeiros, com impacto direto na viabilidade de muitos arranjos

institucionais de integração regional. Daí Ndulu et al (2005) concluírem que a

própria existência em África de vários países sem acesso direto ao mar torna

indispensável a coordenação e a facilitação do financiamento para a

Page 96: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

95

construção de infraestruturas transnacionais como os denominados corredores

de desenvolvimento.

Gráfico 2 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras e da Redução dos

Custos de Transporte no Bem Estar de África como um Todo e em Cinco das

suas Sub-Regiões da África Subsaariana

Fonte: UNDP (2011: 33)

Relativamente a este tipo de infraestruturas, Ndulu et al (2005) apontam

um histórico de subinvestimento no continente africano, mesmo quando em

comparação com outras regiões do Mundo em desenvolvimento como o

continente asiático. Muitos países africanos ainda dependem duma rede

infraestrutural que tem origem na época colonial e não foi pensada para

Page 97: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

96

fomentar as relações regionais, antes com as antigas metrópoles. Este

subdesenvolvimento da rede infraestrutural tem um importante impacto

negativo na atividade económica dos Estados africanos e nos próprios

processos de integração regional do continente.

Gráfico 3 – Impacto da Remoção das Barreiras Aduaneiras, da Redução dos

Custos de Transporte e do Estabelecimento de Uniões Aduaneiras no Bem-

Estar de África como um Todo e em Cinco das suas Sub-Regiões

Fonte: UNDP (2011: 35)

Ndulu et al (2005) calculam que o montante necessário para um

investimento associado à expansão e reabilitação da rede infraestrutural

africana seria à volta dos 9% do PIB africano, contra os atuais 3%. As

autoridades governamentais africanas têm um papel importante a

desempenhar na provisão de bens públicos como as infraestruturas ou na

Page 98: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

97

resolução de falhas de mercado, mas não têm sido bem sucedidos na atração

de investimento privado para o sector das infraestruturas, exceto no caso

particular das telecomunicações. A reabilitação e expansão das infraestruturas

africanas não são só fundamentais na prossecução dos ODM, como também

para a inserção das economias africanas no comércio internacional.

9.3. Contextualização Histórica

O início da conceptualização teórica sobre a integração regional em

África data das décadas de cinquenta e sessenta, quando os principais líderes

independentistas africanos abordaram o ideal do pan-africanismo que serviria

de modelo para após a independência. O ideal pan-africanista afirmava não

existir correspondência prática entre as fronteiras estabelecidas pelas

potências colonizadoras e as realidades africanas locais tanto em termos

étnicos como mesmo em termos económicos, sobretudo porque as fronteiras

coloniais não procuravam adequar-se às idiossincrasias africanas pré-

colonização. Todavia, de acordo com Ennes Ferreira (2005), o período após as

independências africanas, ao invés de efetivar este ideal pan-africanista, ficou

marcado pela afirmação de construções nacionalistas e pela promoção de

sentimentos identitários, o que em parte desacelerou o aprofundamento de

arranjos institucionais de integração regional. A afirmação de legados

históricos, culturais, linguísticos ou étnicos tinha como propósito fundamental

unificar territórios nacionais compostos por mais que um grupo étnico, alguns

deles mesmo em conflito. Ainda assim, o mesmo autor acredita que, mais do

Page 99: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

98

que intenções em afirmar identidades próprias nacionais ou consolidar

territórios internos, o que esteve em causa no desvio inicial dos ideais pan-

africanistas foi a relutância das elites africanas recém-emergidas em abdicar de

parte dos seus poderes soberanos, políticos e económicos, em favor de

organizações regionais. E na altura interesses políticos e económicos falaram

mais alto que partilhas históricas ou mesmo étnicas.

A construção das organizações regionais africanas propriamente ditas

foi, segundo Dinka & Kennes (2007), feita em dois momentos históricos

distintos: o primeiro nos finais dos anos setenta e o segundo no início dos anos

noventa. Enquanto as organizações instituídas na primeira fase foram

motivadas sobretudo pelas aspirações independentistas dos países africanos,

as da segunda procuraram reafirmar o compromisso das autoridades africanas

com o ideal da integração regional. As primeiras tentativas de implementação

de arranjos institucionais de integração regional em África aproximavam-se

mais de esquemas de cooperação económica e política de que propriamente

de integração efetiva das suas economias, e procuravam promover o comércio

intra-africano. Na prática, estes arranjos institucionais de integração regional

acabaram por perpetuar as desigualdades do comércio internacional ao

abrirem os seus mercados às grandes potências mundiais, como a UE ou os

EUA (Ennes Ferreira, 2005; Tsheola, 2010).

Uma das instituições africanas que mais tem sido responsabilizada por

esta perpetuação das desigualdades do comércio internacional é a NEPAD.

Para Tsheola (2010), esta organização falhou no fomento do comércio intra-

africano e na promoção das exportações africanas por não ter investido

suficientemente nas infraestruturas transnacionais que fomentam o comércio

Page 100: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

99

intrarregional, acabando então por perpetuar a excessiva extroversão e

dependência externa das economias africanas herdadas do contexto colonial.

Os Estados africanos optaram, no período pós-independência, por

diferentes estratégias de integração das suas economias nas dinâmicas

internacionais então vigentes, escolhendo fundamentalmente três vias

principais: integração com antigas colónias, integração com os seus vizinhos e

integração com a economia global como um todo (UNDP, 2011). Para

Gonçalves (2005), a marginalização do continente africano das principais

dinâmicas do comércio internacional que se veio a verificar posteriormente

ficou a dever-se tanto a fatores endógenos como exógenos. África não foi

capaz de aproveitar as potencialidades do comércio internacional, em grande

parte devido à sua incapacidade em inverter a situação de dependência do

exterior. Para as economias africanas, a opção pela abertura à economia

mundial como um todo pode ter o efeito adverso de cimentar as relações

verticais destes países com as grandes potências mundiais, que serão sempre

beneficiadas enquanto este padrão se mantiver. É por estas ordens de razão

que a UNDP (2011) crê que a integração dos países africanos na economia

global sem estarem previamente integrados regionalmente pode levar a uma

redução do desenvolvimento humano das suas populações. Os arranjos

institucionais de integração regional assumem uma importância crescente no

contexto económico atual, onde dois fenómenos aparentemente contraditórios

se sucedem e se intensificam simultaneamente: o fenómeno da globalização e

o da emergência de blocos regionais. Além do mais, Tsheola (2010) não

antevê uma alteração desta situação, visto que o novo paradigma de

regionalismo propõe o aprofundamento da inserção na economia mundial sem

Page 101: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

100

a consolidação prévia da integração e cooperação regional. É por isso que

vários autores defendem que as integrações regionais e globais do continente

africano devem ser consideradas complementares e não concorrenciais,

estando visto empiricamente provado que enquanto a integração dos países

africanos na economia mundial promove especialização no sector agrícola, a

integração na economia regional promove a industrialização destes países

(UNDP, 2011).

9.4. Gestão Transnacional de Recursos

Uma das áreas fundamentais da integração regional africana passa pela

gestão transnacional dos recursos naturais comuns. A maioria das fronteiras

políticas africanas não coincide com as fronteiras geográficas, pelo que a

gestão de recursos naturais comuns necessita da implementação de esquemas

de cooperação e integração regional. Um dos casos mais relevantes é o dos

recursos hídricos. A exploração eficiente e sustentável da água em África pode

ser um importante fator de desenvolvimento, pois a água contribui

sobremaneira para a aceleração dos processos de desenvolvimento africanos,

designadamente na produção de energia e irrigação agrícola. Bothale (2010)

acrescenta que esta gestão transnacional dos recursos naturais regionais é um

instrumento importante para a gestão e prevenção de conflitos no continente

africano, tanto ao nível nacional como regional.

A filosofia subjacente aos arranjos institucionais de integração regional

no continente africano foi caracterizada por acordos e tratados formais e pela

Page 102: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

101

institucionalização de obrigações para os Estados (Tsheola, 2010). Ainda

assim, apesar de muitas declarações e compromissos políticos assumidos

pelas autoridades africanas, a integração regional em África continua marcada

por uma relativa inatividade. De acordo com a UNDP (2011), o comércio intra-

africano representa, em média, apenas 10% do comércio total dos países

africanos, uma fatia muito menor que o comércio intra-asiático (cerca de 50%)

ou o intra-latino (cerca de 20%).

Um aspeto relevante no que se refere à dimensão dos arranjos

institucionais de integração regional africanos é que grande parte da sua

atividade intrínseca não é percetível, visto que muito do comércio entre

Estados africanos é realizado informalmente. Um dos setores onde a

informalidade mais se verifica é o agrícola. É exatamente esse que a UNDP

(2011) considera um dos mais relevantes, dado que a integração dos mercados

agrícolas africanos pode dar um contributo importante para o combate à

subnutrição e às crises alimentares geralmente associadas ao continente. Há

alguns produtos que, pelas suas idiossincrasias, têm maiores vantagens em

serem comercializados numa dinâmica intrarregional, como, entre outros, os

vegetais, flores ou frutos.

Page 103: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

102

Tabela 2 – Comércio Intra-Africano em Termos Absolutos e Relativos em 2004

Fonte: UNDP (2011: 74)

Page 104: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

103

10. Contexto Energético da África Subsaariana

10.1.Crise Energética: Características e Determinantes

A África Subsaariana está a sofrer uma crise energética marcada por

insuficiente capacidade de geração, instabilidade no abastecimento, preços

elevados para os consumidores e baixas taxas de acesso à eletricidade. As

estratégias de segurança energética do continente africano variam muito de

país para país e também em função da disponibilidade de cada um em

recursos energéticos e financeiros. Para Ngwawi (2007), os crescimentos

demográfico e económico que se têm registado na África Subsaariana não têm

sido devidamente acompanhados pelo necessário investimento no aumento da

capacidade de geração de eletricidade na África Subsaariana. Além disso, a

África Subsaariana é das regiões do Mundo onde o fenómeno da urbanização

é mais intenso, o que coloca desafios acrescidos em termos de aumento da

taxa de acesso urbana à eletricidade (Rosnes & Vennemo, 2009). Ainda assim,

mesmo com o presente fenómeno da urbanização das sociedades africanas,

muitas destas sociedades continuam a apresentar um peso esmagador das

comunidades rurais, o que vem colocar maiores dificuldades na expansão da

taxa de acesso à eletricidade (Eberhard et al, 2008). Aliás, a dispersão

territorial ainda significativa em vários Estados africanos é frequentemente

apontada como a causa dos progressos pouco relevantes na taxa de cobertura

territorial do acesso à eletricidade.

Page 105: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

104

Gráfico 4 – Capacidade de Geração de Eletricidade de alguns Países

da África Subsaariana em 2006

Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2011: 4)

10.2. Acesso à Eletricidade

Num número significativo de países da África Subsaariana a maioria da

população não tem acesso aos serviços energéticos básicos, apesar da

previsão de crescimento da procura de recursos energéticos. As estimativas de

Page 106: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

105

Eberhard et al (2011) apontam para que apenas cerca de 30% da população

da África Subsaariana tenham um acesso de qualidade à eletricidade. Já Brew-

Hamond & Kemausuor (2009) calculam que 90% da população da África

Subsaariana utilizem fontes energéticas tradicionais para cozinhar ou se

aquecer. Com estes níveis atuais de geração e acesso à eletricidade, os

valores de consumo das populações africanas têm necessariamente de ser

também reduzidos. Mais preocupante é o facto de a taxa de crescimento de

conexões a novos clientes não estar a acompanhar a taxa de crescimento

demográfico, pelo que as taxas de acesso à eletricidade estão a decair em

vários países africanos (Eberhard et al, 2008). De notar que em muitos países

africanos as taxas de acesso à eletricidade variam das zonas urbanas para as

rurais, sendo menores nas últimas.

Existe um consenso sobre a necessidade do crescimento da taxa de

acesso à eletricidade como uma das prioridades estratégicas dos processos de

desenvolvimento dos Estados africanos. Estes têm optado sobremaneira por

duas abordagens diversas quanto ao grau de centralização. De acordo com

Eberhard et al (2008), existe evidência empírica de que as abordagens mais

centralizadas, baseadas numa empresa estatal responsável por um programa

de eletrificação rural à escala nacional, têm obtido mais sucesso que

abordagens mais descentralizadas, com uma maior participação de privados.

Por outro lado, as abordagens mais descentralizadas podem fazer mais sentido

para programas de eletrificação rural quando se tenciona apostar em

tecnologias independentes da rede nacional, como é o caso em países como

Moçambique. Todavia, Bazilian & Nussbaumer (2010) frisam que em ambos os

Page 107: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

106

casos o sector privado pode desempenhar um papel importante na expansão

da cobertura territorial, com relevo para as empresas de telecomunicações.

Dos países africanos que obtiveram maiores progressos no aumento da

taxa de cobertura nacional da rede elétrica constam os nomes das Ilhas

Maurícias e da África do Sul. Estes servem de referência para os cálculos de

Brew-Hamond & Kemausuor (2009) que estimam que para se atingir o objetivo

duma taxa de cobertura de eletricidade de 100% para toda a África

Subsaariana seria necessário um investimento anual de sensivelmente onze

mil milhões de dólares. Este investimento teria um impacto económico positivo

e significativo,com Eberhard et al (2008) a estimarem uma aceleração média

do crescimento económico anual da África Subsaariana de sensivelmente

2,2%.

O crescimento da taxa de acesso à eletricidade tem necessariamente de

passar por um desenvolvimento da rede infraestrutural energética da região,

com investimento em novos transmissores transnacionais que satisfaçam o

aumento da procura e comércio energético regional africano. Uma vez que as

instalações elétricas de muitos países africanos estão a necessitar de

reabilitação urgente, há igualmente a necessidade de se investir na reabilitação

de capacidade perdida. O problema reside no facto de em muitos países da

África Subsaariana o financiamento afetado ao sector energético ser

praticamente absorvido pela cobertura dos custos operacionais, restando muito

pouco para investir. Em alguns países esse investimento não chega mesmo a

atingir os 0,5% do PIB (Eberhard et al, 2008).

Page 108: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

107

10.3. Quebras e Energia de Emergência

Gráfico 5 – Quebras de Energia em Dias por Ano, 2007/2008

Fonte: BM (2008) in Eberhard et al (2011: 8)

Uma das manifestações mais gravosas da crise energética que assola

muitos dos países da África Subsariana é o fenómeno das quebras sucessivas

no abastecimento elétrico. Essas quebras são muito frequentes, prejudicando a

Page 109: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

108

competitividade das empresas domésticas. Eberhard et al (2011) determinam

que estas interrupções podem chegar mesmo a representar qualquer coisa

como 2% do PIB de alguns países africanos.

Gráfico 6 – Custos Económicos das Quebras de Eletricidade em Percentagem

do PIB de Alguns Países da África Subsaariana em 2005

Fonte: Briceño-Garmendia (2008) in Eberhard et al (2011: 10)

Um dos sinais mais visíveis da instabilidade no abastecimento elétrico

que muitos países africanos experimentam é o recurso crescente à designada

energia de emergência, baseada no abastecimento privado e individualizado de

eletricidade. A utilização de geradores próprios de emergência implica custos

mais elevados que os das redes elétricas gerais, calculando Eberhard et al

(2011) que possam atingir os 4% do PIB de vários países africanos.

Page 110: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

109

Gráfico 7 – Peso da Geração Própria no Total da Capacidade Instalada por

Sub-Região da África Subsaariana em 2006

Fonte: Foster and Steinbuks (2008) in Eberhard et al (2011: 9)

O preço da eletricidade na África Subsaariana é relativamente elevado

em termos internacionais, chegando mesmo a ser o dobro do de outras regiões

em desenvolvimento, como o continente asiático, mas o abastecimento é

significativamente mais instável que o dessas regiões (Eberhard et al, 2011).

Tem-se assim um dos paradoxos mais importantes do cenário energético

africano: o preço da eletricidade é elevado em termos internacionais mas

apenas cobre os custos de geração, transmissão e distribuição da eletricidade

(Eberhard et al, 2008: 25). Este cenário de preços elevados da eletricidade tem

naturais implicações no acesso das populações. O conceito de procura de

mercado suprimida de eletricidade refere-se à diferença entre a procura

potencial e a procura efetiva de eletricidade numa determinada economia. No

caso de vários países do continente africano, há camadas sociais que

pretendem consumir mais eletricidade mas são impedidas pelos preços a ela

associados.

Page 111: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

110

Gráfico 8 – Preço Médio da Eletricidade para Consumo Doméstico na África

Subsaariana e Outras Regiões do Mundo em 2005

Fonte: Briceño-Garmendia and Shkaratan (2010) in Eberhard et al (2011: 13)

Perante tal cenário, vários Estados africanos têm adotado políticas de

acesso dos grupos sociais mais desfavorecidos à eletricidade que consistem

sobretudo na concessão de subsídios e na descentralização das redes

elétricas para as zonas rurais (Brew-Hamond & Kemausuor, 2009). Estas

políticas de subsidiação pública do preço final da eletricidade traduzem-se, na

prática, na não aplicação de modelos de recuperação dos custos da geração e

distribuição de eletricidade. Para Eberhard et al (2008), tal opção estratégica

representa não só uma preocupação social com os grupos sociais mais em

risco como também uma política económica e industrial de captação de IDE de

multinacionais.

Page 112: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

111

Gráfico 9 – Fontes de Ineficiência Económica nos Sectores Energéticos dos

Países da África Subsaariana

Fonte : AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 28)

Gráfico 10 – Desagregação das Fontes de Ineficiência Económica nos

Sectores Energéticos de Alguns Países da África Subsaariana

Fonte: AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 28)

Page 113: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

112

10.4. Integração Regional Energética

Tal como referido anteriormente, um dos problemas de muitos países

africanos é a dimensão excessivamente reduzida das suas economias

domésticas, que os impede de aproveitar eventuais economias de escala. Tal

também se verifica no caso concreto do setor energético. Poucos países

africanos têm procura interna suficiente para justificar projetos energéticos com

economias de escala minimamente significativas e capazes de levar à redução

dos custos com a geração, transmissão e distribuição de eletricidade (Ram,

2007). Estes condicionalismos geográficos levam Eberhard et al (2011) a

afirmar que, historicamente, o desenvolvimento dos sistemas energéticos dos

países africanos tem sido caracterizado por projetos de dimensões

excessivamente reduzidas, com tecnologias associadas pouco eficientes.

Gráfico 11 – Custos Operacionais por Tipo de Países em 2005

Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)

Page 114: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

113

A falta de coordenação entre Estados africanos vizinhos no que se

refere aos setores energéticos nacionais coloca igualmente alguns obstáculos

ao bom desempenho destes. O planeamento individual e isolado que os países

fazem das suas redes elétricas leva-os a incorrerem em custos de investimento

frequentemente incomportáveis para os seus orçamentos. Mais, a distribuição

desigual dos recursos energéticos pelo continente africano e a distância entre a

oferta e a procura de hidroeletricidade levaram muitos países africanos a

adotar paradigmas energéticos ineficientes (Eberhard et al, 2008).

Gráfico 12 – Custos Operacionais de cada Power Pool da

África Subsaariana em 2005

Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)

Está teórica e empiricamente comprovado que vários dos problemas

atrás enunciados podem ser, em parte, resolvidos com um aprofundamento

dos arranjos institucionais de integração regional que permita o incremento do

comércio energético intrarregional. Muitos destes problemas podem ser

Page 115: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

114

minorados se os países fomentarem as trocas comerciais energéticas,

possibilitando o aumento da escala dos projetos associados e a captura das

externalidades daí decorrentes (Eberhard et al, 2011). Um dos instrumentos

mais difundidos na prossecução desta estratégia é a institucionalização das

denominadas power pools. Atualmente, existem quatro power pools regionais

na África Subsaariana: WAPP, EAPP, CAPP e SAPP. Contudo, e apesar de

todo o potencial das power pools africanas, a quantidade de eletricidade

trocada continua a não ser significativa na África Subsaariana (Eberhard et al,

2008).

Tabela 3 – Volumes de Comércio Energético Intrarregional das Diferentes

Power Pools da África Subsaariana

Fonte: IEA (2008) in Eberhard et al (2009: 42)

Page 116: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

115

Gráfico 13 – Estrutura Energética das Power Pools da África Subsaariana por

Recurso Energético e por Escala de Produção

Fonte: Platts (2007) in Eberhard et al (2009: 7)

Os benefícios do comércio intrarregional energético suplantam, em

qualquer uma das regiões africanas, os custos em infraestruturas associados a

esse mesmo comércio. As poupanças em termos financeiros do

aprofundamento do processo de integração regional vêm sobretudo da

substituição da energia fóssil pela hídrica na geração de eletricidade, visto que

a hídrica, apesar de exigir investimentos iniciais mais volumosos, tem custos

operacionais posteriores mais reduzidos (Eberhard et al, 2011).

Assim, tem-se que os ganhos com o comércio energético intrarregional

são tanto maiores quanto maior for o preço dos recursos energéticos fósseis

nos mercados internacionais, tornando-se os projetos de hidroeletricidade por

essa via cada vez mais economicamente viáveis. Esta substituição progressiva

dos recursos energéticos fósseis pelos hídricos tem igualmente a vantagem de

permitir uma redução das emissões de dióxido de carbono e de melhorar a

sustentabilidade ambiental das economias africanas.

Page 117: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

116

Gráfico 14 – Custos Operacionais por Recurso Energético em 2005

Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 26)

Tabela 4 – Comparação entre os Benefícios do Aprofundamento dos Arranjos

Institucionais de Integração Regional Energética e Consequente Crescimento

do Comércio Energético Intrarregionais na EAPP e SAPP

Fonte: AICD (2008) in Eberhard et al (2009: 44)

O desenvolvimento dos mercados energéticos regionais em África

enfrenta ainda uma série de outras dificuldades. Ram (2007) avança com três

fundamentais: i) o panorama atual das infraestruturas elétricas e respetivos

Page 118: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

117

esquemas de transmissão e distribuição, marcado por um subdesenvolvimento

significativo; ii) escassez de financiamento para avançar com os projetos de

desenvolvimento da rede regional; iii) escassez de capacidade financeira /

humana das próprias organizações regionais. Além disso, a não vinculação dos

Estados-membros à maioria das decisões das organizações regionais africanas

impede frequentemente a prossecução dos projetos com verdadeiro cariz

regional. Eberhard et al (2011) complementam esta lista com a dificuldade dos

MIC no acesso ao financiamento em condições semelhantes aos seus vizinhos

menos desenvolvidos. No caso da África Austral tal é particularmente relevante

para economias como a da África do Sul.

A questão da capacidade de financiamento para a edificação de grandes

infraestruturas de geração e transmissão de eletricidade é frequentemente

apontada como um dos principais obstáculos ao incremento do comércio

energético intrarregional. Todavia, Rosnes & Vennemo (2009) ressalvam que,

apesar dos custos de investimento em infraestruturas de geração e

transmissão de eletricidade parecerem incomportáveis para muitos países

africanos individualmente considerados, tal já não é o cenário em

enquadramentos regionais e na presença de mecanismos de solidariedade

financeira. Aliás, vários países africanos têm potencial para se tornarem

exportadores relevantes no cenário continental desde que tenham acesso a

financiamentos transnacionais dos seus países vizinhos. Várias soluções têm

sido apontadas, como a criação de fundos de investimento regionais que

aproveitem a maior credibilidade das potências regionais juntos dos

financiadores internacionais para acesso aos recursos financeiros necessários.

Page 119: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

118

10.5. Principais Atores Africanos

Os principais exportadores de energia da África Subsaariana são, na

vertente da hidroeletricidade, RDC, Sudão e Moçambique; no gás natural,

Costa do Marfim, Nigéria e Moçambique; e, no carvão, a África do Sul e outra

vez Moçambique (Eberhard et al, 2011).

Tabela 5 – Seis Maiores Exportadores de Energia da África Subsaariana num

Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 31)

Já os Estados africanos com maior capacidade total de geração de

eletricidade são: África do Sul (40000MW) Nigéria (4000MW) RDC (2443MW)

Zimbabué (2099MW) Zâmbia (1778MW) Gana (1490MW) Quénia (1211) e

Costa do Marfim (1084MW) (Eberhard et al, 2011). Estes dados evidenciam a

liderança da África do Sul no panorama energético continental.

Page 120: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

119

Gráfico 15 – Capacidade de Geração de Eletricidade de Alguns Países da

África Subsaariana per capita em 2005

Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2009: 8)

Excluindo-se a África do Sul, o potencial energético da África

Subsaariana baseia-se em cerca de 70% na energia hídrica, sendo os

restantes 30% divididos de forma relativamente semelhante entre petróleo e

gás natural (Eberhard et al, 2008). Há muito que está comprovado que só uma

pequena parcela do potencial energético, hídrico ou fóssil, da África

Page 121: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

120

Subsaariana, está já a ser explorado. Eberhard et al (2011) estimam mesmo

que 90% do potencial de hidroeletricidade está ainda por explorar, e que ele

está maioritariamente localizado em países como RDC, Etiópia, Camarões,

Angola, Madagáscar, Gabão, Moçambique e Nigéria. Aliás, só na RDC e

Etiópia estão concentrados sensivelmente 60% do potencial de

hidroeletricidade de toda a África Subsaariana. O facto de estes dois países

estarem distantes do grande centro económico e industrial da região, a África

do Sul, bem como o de serem demasiado pequenos economicamente para as

necessidades de investimento necessárias exigidas por um aproveitamento de

todo o seu potencial de hidroeletricidade levam Eberhard et al (2008) a

advogarem como um pré-requisito fundamental para um aproveitamento total

do potencial de hidroeletricidade da região a necessidade de se implementar

arranjos institucionais de integração regional energética que fomentem a

edificação de infraestruturas de transmissão e distribuição transnacional de

eletricidade. No lado oposto dos principais países exportadores de

hidroeletricidade estão aqueles que mais dependem deste tipo de energia para

o abastecimento das suas economias domésticas, nomeadamente Gana,

Burundi, Lesoto, Malawi, Ruanda ou Uganda, entre outros (Eberhard et al,

2011).

Page 122: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

121

Gráfico 16 – Poupança Obtida pelos Maiores Importadores de Energia num

Cenário de Expansão do Comércio Energético Intrarregional

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 30)

O desenvolvimento deste potencial de hidroeletricidade é um processo

muito complexo, que na maioria das vezes requer esforços supranacionais e

processos de tomada de decisão transnacionais, com enquadramentos

institucionais regionais que favoreçam a cooperação e a gestão transnacional

dos recursos hídricos.

10.6. Recursos Energéticos Africanos

A África Subsaariana não esgota o seu potencial de recursos

energéticos renováveis na hidroeletricidade, tendo igualmente potencialidades

nas energias solar e eólica. Aliás, estudos recentes do Banco Mundial

comprovam que só o potencial de energia solar de África é suficiente para

cobrir as necessidades energéticas de todo o continente (Mbirimi, 2010). No

Page 123: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

122

entanto, esta região é das mais atrasadas em termos de tecnologias para

energias renováveis, cujo desenvolvimento só recentemente foi iniciado pela

maioria dos países africanos, e cujos custos de geração também apenas

ultimamente, e por isso mesmo, começaram a descer (Brew-Hamond &

Kemausuor, 2009; Rosnes & Vennemo, 2009).

Passando aos recursos energéticos fósseis, a África Subsaariana é um

ator praticamente irrelevante no consumo mundial de petróleo e gás natural. A

região produz muito mais petróleo e gás natural do que aquele que realmente

consome, pelo que muito daqueles recursos é explorado para fins de

exportação e não para consumo interno. De acordo com Rolo & Tschanze

(2008), o continente africano é a terceira região do Mundo com mais reservas

de gás natural comprovadas, ainda que essas reservas correspondam apenas

a 8% do total mundial. Não obstante, o continente africano é das regiões onde

se têm registado mais descobertas de reservas, pelo que muitos especialistas

acreditam que o potencial do continente africano é muito superior às reservas

atuais. Os cinco primeiros países africanos, em reservas de gás natural eram

em 2008 a Nigéria com 176 tpc, Argélia com 161 tpc, Egitpto com 59 tpc, Líbia

com 52 tpc e Moçambique com 4,5 tpc (Rolo & Tschanze, 2008). Além destes,

também Namíbia, Angola e Tanzânia apresentam reservas relevantes

(Eberhard et al, 2011). No lado oposto estão os países africanos que não

dispõem de recursos energéticos em dimensão necessária, pelo que são

estruturalmente dependentes de importações de petróleo e carvão. O aumento

significativo do preço internacional do petróleo colocou em perigo a segurança

energética de vários países africanos dependentes de importações petrolíferas,

nomeadamente Benim, Burkina-Faso, Cabo-Verde, Chade, Ilhas Comores,

Page 124: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

123

Eritreia, Guiné-Bissau, Libéria, Mauritânia, Senegal, Ilhas Seychelles, Serra

Leoa, Somália ou Togo (Eberhard et al, 2008: 13).

Além dos recursos em petróleo e gás natural, a África Subsaariana é

dotada de reservas de urânio relativamente significativas. Segundo Eberhard et

al (2011), essas reservas representam cerca de 20% das mundiais, estando

concentradas sobretudo na África do Sul e Namíbia.

Dados os níveis muito reduzidos de consumo elétrico atrás referidos, a

África Subsaariana quase não é responsável pela degradação ambiental e

alterações climáticas causada pelas emissões de dióxido de carbono para a

atmosfera. Contudo, o fenómeno atual das alterações climáticas tem um

impacto direto na segurança energética dos países africanos, pois, por

exemplo, afeta diretamente a previsibilidade do abastecimento de

hidroeletricidade. E, sendo muitos países africanos dependentes das

exportações de bens agrícolas, o agravamento das alterações climáticas pode

provocar uma degradação crescente dos seus termos de troca, o que acaba

sempre por colocar em causa a sua segurança energética.

Page 125: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

124

11. Integração Regional na África Austral

11.1. Evolução Histórica

Os arranjos institucionais de integração regional na África Austral

começaram a ser concebidos logo após a conclusão dos primeiros processos

de independência e descolonização na região. No entanto, só na década de

oitenta do século passado é que estes intentos tiveram concretização.

A SADCC (Southern African Development Coordination Conference) foi

criada em 1980 através da Declaração de Lusaka, ratificada na altura por nove

Estados africanos: Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique,

Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué. O objetivo central deste projeto era

reduzir a dependência económica da África Austral da África do Sul, já na

altura potência regional (Gibb, 1998). Neste sentido, o contexto político da

formação da SADCC foi fortemente influenciado pelos processos de

independência e descolonização de países como Moçambique, Angola ou

Zimbabué e pelo compromisso dos Estados da região no sentido do isolamento

económico e político o regime sul-africano do apartheid. Pallotti (2004)

sublinha, a este propósito, a força do apelo da integração regional na África

Austral. Os objetivos iniciais da SADCC assentavam nos seguintes pilares: i)

atenuar a dependência das economias da região da potência África do Sul e

igualmente das grandes potências internacionais, procurando assentar mais o

seu desenvolvimento nas complementaridades intrarregionais; ii) fomentar a

cooperação intrarregional e a coordenação e harmonização de políticas

Page 126: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

125

económicas sectoriais; iii) atuar como um bloco sólido nas principais

organizações internacionais para conseguir um maior poder de negociação

(Chiau, 2008). Para Van Rooyen (1998), a SADCC representou uma mudança

de paradigma na integração regional africana, ao não optar pela abordagem da

integração via mercado e seguir uma abordagem própria. Todavia, a mudança

nas políticas de APD dos principais doadores internacionais verificada nos

anos 90 veio aumentar o receio dos líderes políticos da África Austral quanto a

uma marginalização crescente da região da economia global. Numa segunda

fase, a própria natureza do regionalismo económico da África Austral alterou-

se, passando a não diferir significativamente dos programas de ajustamento

estrutural que foram implementados na região nos anos oitenta (Pallotti, 2004).

Mais tarde, em 1992, a SADCC foi transformada em SADC (Southern

Africa Development Community) pelo Tratado de Windhoek, passando dum

esquema de cooperação para um outro de integração. Porém Dinka & Kennes

(2007) ressalvam que só após a adesão da África do Sul em 1994 é que este

bloco adquiriu poder económico. Esta transformação significou igualmente uma

despolitização do processo de integração regional, a partir daí dominado pelas

forças de mercado e não pelas forças políticas, e em rutura com o paradigma

mais dirigista e desenvolvimentista em favor de um outro mais baseado nas

forças de mercado. É por isto que Chiau (2008) sustenta que a transformação

da SADCC em SADC fortaleceu o modelo de liberalização comercial

intrarregional, o que teve como uma das consequências o aumento dos

volumes de comércio entre Estados vizinhos.

Para além da SADC existe uma outra organização regional relevante no

cenário da África Austral, a SACU (Southern African Customs Union). A SACU

Page 127: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

126

compreende os Estados do Botswana, Lesoto, Namíbia, África do Sul e

Suazilândia, todos eles membros de igual direito. Desde 2002 que os membros

da SACU estão proibidos de estabelecer acordos bilaterais com países

terceiros, podendo apenas manter os estabelecidos antes de 2002. A África do

Sul tem acordos bilaterais como Malawi e Zimbabué, o Botswana com Malawi e

Zimbabué e a Namíbia com o Zimbabué (Alfieri et al, 2006). Fora estes arranjos

bilaterais, a SACU institucionalizou um acordo com outros países da região,

conhecido como SACU-MMTZ (Moçambique, Malawi, Zâmbia e Tanzânia). O

acordo permite a estes quatro países acederem ao mercado sub-regional da

SACU em regime de acesso preferencial para o setor têxtil (Magaia, 2003).

Tabela 6 – Dados Relevantes sobre as Organizações Regionais Africanas

Fonte: Dinka (2007: 6)

Page 128: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

127

11.2. Motivações e Objetivos

As motivações para a institucionalização de arranjos de integração

regional na África Austral são de vária ordem. Van Rooyen (1998) destaca

duas fundamentais: ajudar a região a integrar-se da melhor forma na economia

global e simultaneamente proteger os seus membros dos impactos nocivos da

globalização, conquistando uma melhor posição nos mercados internacionais.

A própria SADC definiu alguns objetivos centrais: i) contribuir para a

prossecução do crescimento económico e redução da pobreza na África

Austral; ii) harmonizar enquadramentos institucionais dos vários Estados-

membros; iii) assegurar a paz, segurança e estabilidade da região; iv) fomentar

relações de confiança mútua entre Estados-membros; v) aprofundar as

complementaridades económicas dos Estados-membros; vi) assegurar

processos de desenvolvimento sustentados e sustentáveis (Magaia, 2003).

11.3. Protocolo Comercial da SADC

Um dos instrumentos centrais da SADC é o seu protocolo comercial. Ele

foi implementado em 1996, com o intuito de fomentar o comércio intrarregional

na África Austral, mas desde logo se estabeleceu que só entraria em vigor em

Janeiro de 2008 (Chiau, 2008). O objetivo primordial deste protocolo comercial

é fomentar e incrementar o comércio intrarregional, designadamente através da

remoção de barreiras aduaneiras e não aduaneiras, restrições às importações

Page 129: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

128

e às exportações e outros obstáculos ao livre comércio na região.

Concretamente, os objetivos centrais deste protocolo são: i) acelerar a

liberalização comercial entre os países da região; ii) potenciar as vantagens

comparativas dos seus membros na arena internacional; iii) facilitar a captação

de IDE por parte das economias domésticas africanas; iv) apostar nos

processos de industrialização e diversificação das economias da região; v)

institucionalizar uma zona de comércio livre na região. A adoção do protocolo

comercial da SADC pressupôs a remoção de alguns dos principais obstáculos

ao comércio intrarregional, designadamente pautas aduaneiras, regras de

origem, práticas e costumes alfandegários diferentes e barreiras aduaneiras

não tarifárias (Correia, 2008). Alfieri et al (2006) certificam que o protocolo

comercial da SADC tem vários problemas, designadamente o incumprimento

de metas e prazos por alguns membros, regras de origem excessivamente

restritivas e o baixo volume de comércio intrarregional. Países como o Malawi,

Zâmbia ou o Zimbabué apresentam grandes atrasos na implementação do

Protocolo Comercial da SADC. Em 2004 foi realizada uma avaliação intermédia

do Protocolo, tendo as principais conclusões na altura sido: i) falhas na

calendarização do processo por parte de alguns membros; ii) regras de origem

excessivamente restritivas; iii) incapacidade de monitorização.

O processo de desarmamento tarifário na SADC foi gradual, de

acordo com o tipo de produtos em causa, segundo um conjunto de categorias:

i) categoria A, que integra produtos sujeitos a liberalização imediata e total em

2001; ii) categoria B, que integra produtos sujeitos a liberalização gradual até à

taxa zero até 2008; iii) categoria C, que integra produtos sensíveis ou

protegidos, pela sua importância estratégica para as economias locais, e

Page 130: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

129

portanto sujeitos a liberalização gradual e taxa zero entre 2012 e 2015; iv)

categoria E, que integra produtos que, por estarem sob a alçada de outras

convenções internacionais, não constam da lista do protocolo comercial da

SADC (Correia, 2008). Esta diferenciação foi realizada de acordo com o reflexo

de cada um em categorias relevantes como as receitas públicas ou os níveis

de emprego. Outro aspeto importante no desarmamento tarifário da SADC

prende-se com a definição das chamadas regras de origem. Elas foram

implementadas com o propósito de prevenir o fenómeno do desvio de

comércio, impondo que apenas os produtos que realmente produzidos na

região ou que nela tenham sofrido transformações significativas tenham direito

a tarifas aduaneiras zero. Assim, foram definidos os seguintes requisitos: i) as

mercadorias devem mudar de linha pautal; ii) 35% do seu valor agregado deve

ter sido criado na região; iii) os inputs oriundos de países terceiros não devem

superar os 60% do seu valor total. Apesar do mérito teórico deste princípio,

Alfieri et al (2006) ressalvam que a flexibilização das regras de origem pode dar

um contributo para o aumento do comércio intrarregional e da competitividade

da região da África Austral. Correia (2008) sugere que uma outra forma

possível de se garantir que são os produtos verdadeiramente regionais a

estarem isentos de tarifas alfandegárias ou aduaneiras é a emissão dos

denominados certificados de origem.

Um outro princípio basilar do processo de desarmamento tarifário dos

arranjos institucionais de integração regional é o da geometria variável. Aliás,

desde 1999 que as negociações regionais sobre a remoção de barreiras

alfandegárias na SADC assentam em três princípios fundamentais:

diferenciação das tarifas aduaneiras entre os vários países; assimetria nos

Page 131: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

130

prazos impostos para a liberalização dos mercados internos; fixação de

regulações específicas sobre a origem dos bens e serviços transacionados.

Este princípio afirma que países com contextos de desenvolvimento diferentes

devem ter metas e prazos diferenciados no processo de desarmamento

tarifário (Vines, 2008). No seguimento da adoção deste critério da geometria

variável foram constituídos três grupos de países no seio da SADC: i) países

desenvolvidos do grupo SACU (África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e

Suazilândia); ii) países em desenvolvimento (Maurícias e Zimbabué); iii) países

menos desenvolvidos (Moçambique, Malawi, Tanzânia e Zâmbia).

11.4. Obstáculos à Integração

Tal como na generalidade dos arranjos institucionais de integração

regional africanos, também o caso concreto da África Austral enfrenta ainda

uma série de obstáculos. Para o BAD (2010), os principais desafios ao

aprofundamento do processo de integração regional na África Austral são: falta

de capacidade produtiva, insuficiente inclusão de valor acrescentado no

processo produtivo, mau ambiente conducente a negócio, rede infraestrutural

regional inadequada, falta de meios humanos e financeiros, procedimentos

alfandegários desnecessários, taxas de trânsito elevadas, licenças de

importação excessivas, obstáculos à mobilidade das pessoas, imposição de

padrões de segurança excessivos. Correia (2008) complementa esta lista

defendendo que um dos obstáculos estruturais ao aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional na África Austral foi as opções de

Page 132: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

131

política económica de alguns Estados, com aposta na substituição de

importações, que tiveram como efeito uma diminuição dos volumes do

comércio intrarregional e o agravamento de alguns desequilíbrios económicos

estruturais das economias regionais. A própria SADC tem sido criticada por

estabelecer metas e prazos excessivamente ambiciosos para a realidade dos

países que a constituem, o que provoca atrasos sucessivos no aprofundamento

dos arranjos institucionais, bloqueando o respetivo progresso. A sua

abordagem ao processo de desenvolvimento, tipicamente top-down, não se

vislumbra de sucesso imediato para Van Rooyen (1998), visto que os Estados

desta região conquistaram as suas independências recentemente, estando

portanto pouco disponíveis para abdicarem de muita da sua soberania em favor

de organizações regionais. O próprio processo de desarmamento tarifário na

SADC, na forma como foi estruturado e conduzido, constitui um obstáculo ao

aprofundamento da integração regional. As suas rondas negociais, sobretudo

no que tocou a alguns bens mais sensíveis, como os do sector dos têxteis,

levaram muitos Estados-membros, sobretudo o Zimbabué, a suspeitarem das

verdadeiras motivações da potência regional África do Sul neste processo de

integração regional (Pallotti, 2004). Mais, o desarmamento tarifário, ao implicar

a correspondente perda de receitas aduaneiras, tem motivado o receio de

alguns Estados-membros quanto ao impacto de tal processo na capacidade de

gerar receitas públicas, levando-os por isso a tentar adiá-lo. Finalmente, o facto

de as economias da África Austral apresentarem uma muito baixa

complementaridade produtiva entre elas, bem como a dependência da

exportação de poucos bens primários, dificulta o fomento das suas interações

económicas. É por isso que Van Rooyen (1998) sustenta que, no caso da

Page 133: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

132

África Austral, antes de se avançar no processo da integração regional é

preciso assegurar a interação comercial dos diversos Estados.

O processo de integração regional na África Austral necessita de

responder simultaneamente à promoção do crescimento económico dos

Estados-membros e à melhoria das condições de vida das respetivas

populações, sobretudo num contexto socioeconómico marcado por uma grande

fragmentação territorial e elevada incidência da pobreza. Os Estados da África

Austral estão igualmente mal classificados internacionalmente em termos de

dimensão de mercado, o que reforça o apelo para a integração regional e

consequente alargamento dos mercados. Aliás, Correia (2008) frisa que este

redimensionamento dos mercados de intervenção das empresas locais é uma

das maiores vantagens dos arranjos institucionais de integração regional na

África Austral, já que a região da SADC compreende uma população total de

sensivelmente 240 milhões de pessoas.

A região da África Austral é bastante heterogénea em termos de

dimensão dos Estados, população, condições geográficas, distribuição de

recursos naturais e nível de desenvolvimento. Um dos motivos mais relevantes

para o impasse atual no aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional na África Austral é a grande disparidade entre os níveis de

desenvolvimento dos diversos Estados-membros, que dificulta a obtenção dos

necessários consensos à escala regional. Essa disparidade é muito marcante

entre a potência regional África do Sul e os restantes, o que leva muitos

autores a sustentarem que a SADC acaba por perpetuar as relações

comerciais Norte-Sul na região da África Austral (Magaia, 2003). Aliás, Pallotti

(2004) destaca que estas disparidades não só não estão resolvidas como se

Page 134: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

133

estão mesmo a agravar, potenciando conflitos entre Estados-membros. Daqui

resulta a necessidade de as organizações regionais como a SADC

desenharem políticas de desenvolvimento regional que tenham em devida

consideração estas disparidades. Pallotti (2004) conclui que o caso da África

Austral é paradigmático no sentido em que, ao focar-se quase exclusivamente

na liberalização do comércio, não se mostra capaz de promover o

desenvolvimento sustentável e equitativo da região como um todo, antes

promovendo uma polarização crescente entre Estados-membros.

Para Chichava (2011), quase todas as economias da África Austral são

praticamente insignificantes na ordem económica mundial, com exceção da

África do Sul. Esta é indiscutivelmente a potência regional, e o seu

compromisso com o projeto de integração regional é fundamental para o

avançar do processo de desenvolvimento da região. Por isso Van Rooyen

(1998) sugere que a África do Sul pode e deve desempenhar o papel de “irmã

mais velha” e guiar a região no caminho da integração sem impor a sua agenda

própria. Pelo contrário, Pallotti (2004) defende a necessidade de a análise do

processo de integração regional na África Austral abandonar definitivamente o

conceito de hegemonia benigna exercida pela África do Sul. Isto porque o autor

constata algum ressentimento dos países vizinhos com a África do Sul, já não

devido à sua política de apartheid mas ao seu poderio económico, inundando

os mercados internos desses países com os seus produtos ao mesmo tempo

que ainda aplica elevadas barreiras comerciais às importações.

Page 135: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

134

Tabela 7 – Peso da África do Sul nas Exportações da SADC para o Resto do

Mundo (%)

Fonte: SADC (2007) in Chiau (2008: 34)

Apesar da sua posição dominante na região, a relação entre a África do

Sul e os seus vizinhos é de significativa interdependência, visto que uma

importante parcela das exportações sul-africanas de produtos manufaturados

tem como destino a região da África Austral (Van Rooyen, 1998). Além disso,

os outros fluxos de investimento regional, realizados sobretudo pela África do

Sul nos anos 90, também contribuíram para o aprofundamento da integração

regional da África Austral. Esta tendência de investimento sul-africano tem

vindo mesmo a intensificar-se desde o final do século passado, mas agora os

restantes Estados-membros começam a investir igualmente na economia sul-

africana, particularmente no seu setor financeiro.

Page 136: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

135

Tabela 8 – IDE da África do Sul para o Resto da SADC 1997/2001

Fonte: SADC (2002) in Pallotti (2004: 525)

A região da África Austral partilha a característica geral do continente

africano da grande sobreposição de acordos comerciais bilaterais, multilaterais

e mesmo regionais, o que dificulta a harmonização de políticas comerciais ou o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional. Neste caso

concreto, vários Estados pertencem simultaneamente à SADC, SACU ou à

COMESA (Common Market for Eastern and Southern Africa), excetuando

Moçambique que decidiu abandonar a COMESA (Chichava, 2011). Tal tem

como consequência imediata a diluição das contribuições financeiras dos

Estados-membros por várias organizações regionais. Por exemplo, nas

negociações dos APE (Acordos de Parceria Económica) o Malawi, Ilhas

Maurícias, Zâmbia e Zimbabué preferiram entrar pela COMESA em vez da

SADC. Aliás, vários países pertencem simultaneamente à SADC e COMESA,

nomeadamente Angola, RDC, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurícias,

Suazilândia, Zimbabué e Zâmbia.

Page 137: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

136

Em resposta a este problema da sobreposição de filiações em

organizações regionais, Gonçalves (2005) concorda que se limite o número de

adesões nas primeiras fases dos arranjos institucionais de integração regional,

para dessa forma facilitar a obtenção de consensos. Todavia, no caso

específico da SADC tal não se verificou, o que para este autor pode em parte

explicar a sua dificuldade crónica em obter consensos. Assim, a SADC deveria

optar pelo aprofundamento da integração regional dos seus Estados-membros

atuais em vez de alargar sistematicamente o seu âmbito geográfico.

11.5. Contexto Económico Regional

O contexto económico da região da África Austral tem vindo a registar

uma melhoria sustentada nos últimos anos. Para o BAD (2010), a gestão

macroeconómica prudente adotada pela maioria dos países da região permitiu-

lhes obter taxas de crescimento económico significativas e crescentes, reduzir

a inflação e défices fiscais, melhorar os seus termos de troca internacionais e,

finalmente, reduzir os seus volumes de dívida externa. Esta melhoria do

contexto económico é igualmente importante para o aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional, na medida em que facilita o

processo de convergência macroeconómica entre os Estados-membros. Um

fator que tem contribuído sobremaneira para este ciclo de desenvolvimento

económico é pacificação e estabilização geral da região, ainda que Chichava

(2011) ressalve alguns focos de instabilidade na RDC ou Zimbabué. Esta

estabilização foi sempre um dos objetivos centrais dos arranjos institucionais

Page 138: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

137

de integração regional na África Austral. Segundo Vines (2008), os objetivos

fundamentais da SADC passam pela promoção do crescimento económico e

do desenvolvimento socioeconómico dos seus membros, a redução da

pobreza, manutenção da paz e segurança e promoção da democracia e dos

direitos humanos. Para a garantia da estabilidade e segurança a SADC instituiu

um órgão específico aquando do tratado de Windhoek de 1992. Ele é

responsável pela implementação de políticas de segurança, prevenção de

conflitos, mitigação de conflitos e reconstrução de sociedades. Até ao momento

já atuou nos conflitos do Lesoto e Suazilândia, mas, por outro lado, não tem

sido bem sucedido na mediação do conflito existente na RDC (Bothale, 2010).

Um dos obstáculos a uma maior eficácia da SADC na promoção da paz e dos

direitos humanos na região é a não obrigatoriedade de os Estados-membros se

vincularem diretamente às suas decisões e protocolos. Por outro lado, Pallotti

(2004) destaca que a análise neoliberal das negociações subjacentes ao

aprofundamento da integração regional da SADC tende a descurar aspetos

relevantes, como são os conflitos, alianças e compromissos entre os diversos

Estados-membros.

11.6. Infraestruturas e Energia

No quadro do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional na África Austral, os denominados corredores de desenvolvimento,

ligação intermodal entre os portos marítimos e a ferrovia, assumem uma

importância capital devido ao elevado número de países sem acesso direto ao

Page 139: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

138

mar (Gonçalves, 2005). Estes corredores estão a ser cada vez mais

associados às denominadas políticas de desenvolvimento espacial, zonas

especialmente consignadas para grandes empreendimentos industriais. Neste

âmbito, a SADC implementou um programa regional de edificação de

infraestruturas transnacionais, procurando integrar todas as vias de

comunicação principais no nível transnacional. No entanto, o mesmo

organismo restringe o seu papel ao de financiador.

Estes corredores de desenvolvimento são tanto mais importantes quanto

está empiricamente comprovado que a região da África Austral é das que

apresenta maiores custos médios de transporte (UNDP, 2011). A inadequação

crónica da rede infraestrutural regional provoca aumentos significativos nos

custos de importação e exportação dos países da África Austral. O

condicionalismo geográfico dos países vedados de acesso direto ao mar ou

aos portos marítimos dos seus vizinhos aumenta consideravelmente o custo

associado às suas importações e exportações. O BAD (2010) constata que, na

área do desenvolvimento das redes de transporte, os países da região têm

mudado o seu paradigma de preferências, passando da opção pela rodovia à

da ferrovia, sobretudo porque esta se adequa mais ao apoio às indústrias

extrativas, um dos setores mais importantes da economia regional. Porém,

mantém-se o obstáculo principal da falta de participação do sector privado no

financiamento destes projetos.

Ndulu et al (2005) avançam com o caso do Botswana para demonstrar a

importância para os países africanos da integração regional. O Botswana,

apesar de ser um país sem acesso direto ao mar e ser dependente do sector

dos recursos naturais, é uma das economias africanas com ritmos de

Page 140: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

139

crescimento económico mais elevados. Os autores acreditam que muito deste

crescimento se baseia no facto de o país estar integrado na união aduaneira e

monetária da SACU.

O BAD (2010) recomenda que a SADC concentre os seus investimentos

em infraestruturas nos setores rodoviário e ferroviário, energia

(fundamentalmente recursos energéticos renováveis), e tecnologias da

informação e comunicação. A região tem grandes potencialidades no setor

energético, em que projetos como redes elétricas regionais ou power pools

apresentam um potencial relevante de integração regional, tendo os diversos

Estados-membros avançado com a criação da SAPP (Southern Africa Power

Pool). A região é rica em recursos energéticos, designadamente carvão,

petróleo e hidroeletricidade, se bem que esta última esteja longe de ser

explorada no seu ponto ótimo. O próprio BAD estima que só a região possui

sensivelmente 1/3 do potencial de hidroeletricidade de todo continente africano,

explorando atualmente apenas cerca de 10% deste. Todavia, a má qualidade

das centrais de geração, as falhas nas ligações e o subdesenvolvimento dos

transmissores regionais dificultam a consolidação dum mercado energético e

elétrico verdadeiramente regional.

Para além das vastas dotações energéticas da África Austral, um dos

traços mais em comum das diversas economias regionais é o peso significativo

do setor extrativo nos níveis de produção nacional e de exportação (Gonçalves,

2005). O próprio sector mineiro da África do Sul tem historicamente beneficiado

do contributo de muitos trabalhadores dos países vizinhos, nomeadamente

Moçambique. Gibb (1998) complementa esta ideia afirmando que desde a era

Page 141: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

140

colonial que a própria génese do capitalismo existente na região da África

Austral levou a uma integração profunda entre a África do Sul e seus vizinhos.

11.7. Industrialização na SADC

Têm-se verificado frequentes críticas aos arranjos institucionais de

integração regional da África Austral pela fraca aposta nos processos de

industrialização dos Estados-membros. Pallotti (2004) crê que as estratégias

industriais desenvolvidas desde cedo pela SADC se têm revelado incapazes de

alterar radicalmente as estruturas produtivas dos seus Estados-membros,

perpetuando contextos de dependência da exportação de um ou dois bens

primários. Mais, estas estratégias têm sido igualmente inábeis a minorar a

polarização existente entre as economias de vários dos seus Estados-membros

e tensões subjacentes, sobretudo entre a potência regional África do Sul e seus

vizinhos. A não prossecução duma estratégia industrial regional tem sido

causada pela dificuldade em obter os necessários consensos. Também por isto

é que a SADC tem baseado muita da sua intervenção no processo de

liberalização comercial.

Finalmente, Alfieri et al (2006) fazem uma associação interessante entre

o processo de desarmamento tarifário e o fenómeno do contrabando,

afiançando que a redução das tarifas aduaneiras ameniza o incentivo para o

contrabando na África Austral, ao reduzir a diferença entre o preço legal e o

ilegal. Este cenário de diminuição dos volumes de contrabando faz que a perda

de receitas aduaneiras seja mais compensada pelo aumento das receitas

Page 142: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

141

arrecadadas por impostos tipo IVA, o que acaba por desagravar o impacto

líquido negativo do aprofundamento da integração regional nas receitas

públicas. Porém, os mesmos autores ressalvam que a transmissão integral

destes efeitos no preço final é dificultada por obstáculos como os custos de

transporte ou falta de competitividade das economias domésticas, que podem

sobrestimar os cálculos sobre os ganhos de bem-estar dos consumidores.

Page 143: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

142

12. Energia e Integração na África Austral

12.1. Dotações Energéticas e Portfolio Energético

A região da África Austral detém um conjunto de recursos energéticos

relevante tanto em termos de quantidade como de diversidade. A África do Sul,

Botswana e Zimbabué são abundantes em carvão; RDC, Moçambique e

Zâmbia têm potenciais de hidroeletricidade significativos; Moçambique tem

igualmente reservas de gás natural importantes, e Angola reservas de petróleo

de grande volume. Descortina-se assim uma concentração geográfica dos

recursos hídricos na zona Norte da região e das reservas de carvão mais a Sul.

Entre os países com dotações de carvão, a África do Sul destaca-se

claramente dos restantes, possuindo a quinta maior reserva mundial. A maioria

da eletricidade gerada na região tem como fonte estas reservas de carvão, mas

uma parte dela provém da hidroeletricidade. Esta é gerada sobretudo no curso

do rio Zambeze, em países como a Zâmbia, Moçambique ou Malawi. No

entanto, o maior potencial de hidroeletricidade reside na RDC, sobretudo no

seu mega-projeto do Grand Inga, que pode ser distribuído pela região via três

canais principais que são Angola, Zâmbia e Moçambique.

Page 144: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

143

Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético

Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 6)

Além destes recursos energéticos, a região apresenta igualmente

dotações de recursos petrolíferos, designadamente em Angola, RDC e África

do Sul, sendo que Moçambique poderá vir a juntar-se a este grupo no curto ou

médio prazo. Há também um conjunto de países com alguma capacidade de

refinação do petróleo, nomeadamente Tanzânia, Zâmbia ou Madagáscar

(Cilliers & Mashele, 2007). A região da África Austral detém uma percentagem

relevante do gás natural africano, sendo Moçambique destacadamente o país

com maiores reservas na região. Mais, a África do Sul e a Namíbia dispõem de

reservas de urânio importantes, sensivelmente 10% das dotações mundiais

(Total, 2007). Os dois países têm aproveitado estas suas dotações para

começarem a introduzir a energia nuclear nos respetivos portfolios nacionais.

Page 145: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

144

Tabela 9 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP

Fonte: ECA (2009: 10)

Ainda assim, e apesar desta diversidade de recursos energéticos na

região, Mbirimi (2010) ressalva que a maioria da energia ali gerada provém da

biomassa, sobretudo nas comunidades rurais. Países como Angola, Malawi,

Moçambique, Namíbia, Zâmbia ou Zimbabué dependem maioritariamente de

recursos energéticos como a madeira ou o carvão, o que tem um impacto

negativo significativo na sustentabilidade ambiental dos seus processos de

desenvolvimento. Aliás, o Botswana é considerado um dos poucos países da

África Subsaariana que conseguiu substituir a madeira por fontes energéticas

mais modernas (Brew-Hamond & Kemausuor, 2009).

Page 146: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

145

Gráfico 17 – Portfolios Energéticos dos Países da SADC em 2006 (%)

Fonte: BM (2010) in Kiratu (2011: 4)

O portfolio de qualquer região é sempre fortemente influenciado pelas

suas dotações energéticas próprias, daí não se estranhar que o portfolio

energético da África Austral seja atualmente dominado pelo carvão e pela

hidroeletricidade. Esse portfolio é composto em cerca de 75% por carvão, 20%

hídrica, 4% nuclear e 1% diesel e gás (ECA, 2009; Hankins, 2009). Todavia, a

SAPP tem como objetivo reformulá-lo até 2025, altura em que passará a ser

composto em 50% por carvão, 26% hídrica, 2% nuclear e 22% diesel e gás

natural.É verdade que o portfolio regional é baseado no carvão, mas, ao retirar-

se a África do Sul desta equação, constata-se que a energia hídrica domina o

portfolio energético do resto da região.

Page 147: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

146

12.2. Alterações Climáticas e Papel da África do Sul

Dois dos impactos mais significativos das alterações climáticas na África

Austral são o aumento das temperaturas médias e da imprevisibilidade da

precipitação, o que prejudica severamente a estabilidade e segurança do

abastecimento elétrico baseado nos recursos hídricos. Mais, está

empiricamente comprovado que o rio Zambeze é um dos cursos hídricos mais

afetados pelas alterações climáticas ao nível mundial (ECA, 2009). Essas

alterações têm um impacto adverso na segurança energética dos países da

África Austral, pois o aumento da frequência de fenómenos de seca severa e

prolongada torna o abastecimento de energia hídrica mais instável, impedindo

os países da região de apostarem convenientemente neste recurso energético.

As alterações climáticas, ao tornarem a geração de energia hídrica menos

estável e previsível, podem fazer aumentar os custos operacionais de geração

de eletricidade na região. A África Austral é frequentemente apontada como

uma das regiões do Mundo mais afetadas pelo fenómeno das alterações

climáticas, juntamente com a África Oriental. A SAPP (2010) chega mesmo a

afirmar que as principais causas da instabilidade no abastecimento de

eletricidade são as condições climatéricas adversas e o vandalismo.

Como foi referido anteriormente, o portfolio energético da África do Sul é

dominado pelo carvão, o que torna o país num dos maiores emissores

mundiais de CO2 per capita. Ainda não fazendo parte do lote de países

industrializados que já atingiram o seu máximo de emissões de CO2, o

crescimento económico acelerado daquele país exige já a implementação de

Page 148: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

147

medidas preventivas. A África do Sul é dominante no panorama energético

regional, representando cerca de 80% da produção e consumo regional (Cilliers

& Mashele, 2007; ECA, 2009; Mbirimi, 2010; Rosnes & Vennemo, 2009). Além

da produção e consumo domésticos, a África do Sul também desempenha um

papel relevante no abastecimento energético de alguns dos seus vizinhos,

exportando cerca de 5% da sua eletricidade para Botswana, Namíbia,

Suazilândia, Lesoto, Moçambique e Zimbabué.Destes, os três primeiros

importam dela mais de metade das suas necessidades energéticas totais.

As dinâmicas da procura de eletricidade da África do Sul são diferentes

das dos seus vizinhos, na medida em que ela tem um sector industrial bastante

mais desenvolvido que os restantes, setor este baseado em atividades

intensivas em energia, como as indústrias extrativas de minérios. Além disso, o

país já tem uma taxa de cobertura da rede elétrica superior à dos seus

vizinhos. De há uns anos a esta parte a África do Sul tem vindo a sofrer de uma

instabilidade crescente no seu abastecimento elétrico. Tal instabilidade está a

provocar um impacto negativo nos seus vizinhos, que são dependentes em

grande medida de importações da potência regional. A ECA (2009) constata

que a Eskom se tem mostrado cada vez mais reticente em renovar os seus

contratos de abastecimento para os países vizinhos, agravando a segurança

energética destes. O caso da Namíbia é paradigmático, na medida em que,

perante a instabilidade verificada no abastecimento elétrico da África do Sul, foi

obrigada a reativar em 2007 algumas centrais de geração de eletricidade a

carvão (Hankins, 2009).

A África do Sul herdou do regime do apartheid uma situação de excesso

de capacidade de geração de eletricidade, o que lhe permitiu levar a cabo

Page 149: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

148

grandes projetos de aumento da taxa de cobertura da rede elétrica nacional

para os grupos sociais mais desfavorecidos ao mesmo tempo que exportava

eletricidade para os seus vizinhos. Porém, este excesso de capacidade acabou

por ser absorvido pelo aumento sustentado da procura interna, o que acabou

por ter um efeito negativo nos países vizinhos que dependiam das importações

da sua eletricidade. O papel da África do Sul no panorama energético regional

alterou-se profundamente nas últimas décadas, abandonando o papel de

exportador estrutural de eletricidade para se assumir atualmente como um dos

países que mais procura a eletricidade gerada nos seus vizinhos,

principalmente Moçambique.

Um aspeto central das dinâmicas energéticas da África Austral é a

necessidade da África do Sul de reestruturar o seu portfolio energético

doméstico. Para cumprir os compromissos assumidos na arena internacional

relativamente às emissões de dióxido de carbono, a África do Sul não só tem

que adotar novas fontes energéticas além do carvão, como tem também de

implementar medidas fomentadoras da eficiência energética (Mbirimi, 2010). O

carvão continua a ser o recurso energético dominante no seu portfolio

energético nacional. Aliás, a ECA (2009) demonstra que a África do Sul é das

economias do mundo que mais se baseia no carvão para geração de

eletricidade, apresentando níveis de emissão de CO2 per capita superiores a

muitas das economias mundiais mais desenvolvidas.

Page 150: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

149

Tabela 10 – Portfolios Energéticos dos Membros da SAPP (MW e %)

Fonte: SAPP (2011: 29)

O passo economicamente mais lógico para a África do Sul na

restruturação do seu portfolio energético é proceder a um certo trade-off entre o

carvão e a hidroeletricidade, abundante na região. Todavia, as autoridades sul-

africanas têm vindo a considerar a exploração da energia nuclear, apesar dos

seus custos de geração muito superiores e os impactos ambientais

potencialmente desastrosos. Ram (2007) nota entretanto que, para que o

trade-off entre carvão e hidroeletricidade se concretize, é necessário

aprofundar os arranjos institucionais de integração regional energética de modo

a que a eletricidade importada pela África do Sul apresente um custo final

inferior ao da gerada internamente. Sem o compromisso e a integração do

mercado interno da potência regional África do Sul o projeto regional da SAPP

Page 151: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

150

deixa de fazer sentido, quer político, quer económico, quer mesmo energético.

Mais, a eventual aposta firme deste país na energia nuclear pode retirar muita

da racionalidade económica ao compromisso da potência regional com o

processo de integração regional energética, visto torná-la menos dependente

dos abastecimentos dos vizinhos. Contudo, Mbirimi (2010) sustenta que um

fator que tem favorecido o desenvolvimento da SAPP é precisamente o forte

compromisso da África do Sul com a promoção da integração regional

energética

12.3. Carvão, Hidroeletricidade e Renováveis

O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

energética tem sido avançado como uma das possíveis soluções no trade-off

entre o carvão e a hidroeletricidade regional. Rosnes & Vennemo (2009)

demonstram que, num cenário de aprofundamento dos arranjos institucionais

de integração regional energética e de expansão do comércio energético

intrarregional da SAPP, o peso da energia hídrica no portfolio energético

regional sobe de 25% para 34%, na sua grande maioria precisamente em

trade-off com o carvão. Para tal restruturação muito contribuirá o potencial de

hidroeletricidade de Moçambique, sobretudo dos seus projetos ao longo do rio

Zambeze (Mbirimi, 2010; Eberhard et al, 2011). Além de Moçambique, também

a RDC tem um papel importante a desempenhar neste contexto, se aumentar

sobremaneira as suas exportações, para sensivelmente o triplo daquilo que

consome internamente. Este aumento do peso da hidroeletricidade tem

Page 152: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

151

implicações positivas ao nível da sustentabilidade ambiental dos processos de

desenvolvimento dos Estados-membros da SAPP. Rosnes & Vennemo (2009)

estimam que o aumento de 25% para 34% da hidroeletricidade no portfolio

energético regional corresponda aproximadamente a uma diminuição de 40

milhões de toneladas nas emissões de dióxido de carbono para a atmosfera,

cerca de 20% do total dessas emissões.

As condições associadas à exploração da hidroeletricidade, aliadas à

abundância de carvão na região, têm levado as autoridades regionais a

optarem por um paradigma energético baseado neste recurso fóssil. O custo

relativamente reduzido do carvão e a sua abundância têm vindo a desincentivar

as autoridades regionais a aprofundarem o trade-off entre este e a

hidroeletricidade, dado que o carvão responde mais rápida e facilmente às

necessidades energéticas prementes. É por isto que Mbirimi (2010) considera

que o aumento da exploração do carvão enquanto fonte energética não pode

ser criticado, exatamente dadas as urgentes necessidades energéticas da

região, que dificilmente podem ser satisfeitas de forma alternativa. Já outros

especialistas temem que estas necessidades energéticas prementes de muitos

países da região dificultem a prossecução de acordos de cooperação e

integração regional, na medida em que os países, confrontados com tamanha

pressão, optem antes por responder unicamente às suas próprias

necessidades. Mais, Cilliers & Mashele (2007) creem que a pressão da procura

das grandes potências internacionais sobre os recursos energéticos da África

Austral poderá levar a uma perda de interesse das autoridades africanas por

esquemas de solidariedade e cooperação regional.

Page 153: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

152

Nesta temática do trade-off entre o carvão e a hidroeletricidade há que

proceder à distinção entre a racionalidade económica presente e a futura. Os

projetos de energia hídrica da região fazem mais sentido num cenário futuro

em que a potência regional, África do Sul, precisa de diversificar as suas fontes

energéticas para além do carvão. Por outro lado, a viabilidade económica dos

projetos de hidroeletricidade será tanto maior quanto mais caros forem os

recursos energéticos fósseis, quer pelo aumento da escassez destes quer por

imposições ambientais internacionais (Mbirimi, 2010).

Uma alternativa que tem vindo a ser crescentemente colocada no debate

sobre a promoção da segurança energética africana passa pela aposta mais

consistente nas energias renováveis. Kiratu (2011) afiança mesmo que a

segurança energética da África Austral pode ser assegurada se a região

conseguir explorar de forma minimamente significativa o seu potencial em

energia solar.

A região é dotada de vastos e diversos recursos energéticos renováveis,

designadamente hídricos, solares e eólicos, pelo que o potencial para o

comércio energético renovável regional é significativo. No que toca à energia

solar, o seu potencial na África Austral é relevante, dado que a maioria dos

países da região recebe mais de 2500 horas de luz solar por ano (Ngwawi,

2007). Para além das suas condições climatéricas favoráveis, experiências

recentes em países como a China ou a Índia demonstram que o

desenvolvimento da energia solar é exequível em contextos de PVD. Já a

energia eólica é das fontes energéticas menos exploradas na África Austral,

excetuando o caso da África do Sul. Este mercado encontra-se ainda

significativamente subdesenvolvido, pois os investidores privados são muito

Page 154: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

153

avessos a arriscar nele. Hankins (2009) conclui que o desenvolvimento dum

programa regional de energias renováveis vai depender muito do compromisso

e da vontade política da África do Sul, dado o peso económico esmagador do

país e os níveis de emissões de CO2 per capita que apresenta. Por fim, alguns

dos países da região estão já a substituir parte das suas necessidades de

importação de petróleo pela produção nacional de biodiesel, como África do

Sul, Zimbabué ou Moçambique.

Tabela 11 – Potencial de Geração de Eletricidade via Energias Renováveis

Relativamente ao Consumo Doméstico Atual

Fonte: Deichman et al (2010) in Mbirimi (2010: 8)

Dentro das energias renováveis, a hidroeletricidade é aquela que tem

sido historicamente mais explorada. No entanto, os projetos de geração e

transmissão de hidroeletricidade são menos atrativos para as autoridades

governamentais da África Austral, na medida em que têm um horizonte

Page 155: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

154

temporal de longo prazo, logo sendo incapazes de resolver os

constrangimentos energéticos do momento. Mbirimi (2010) destaca o nível de

compromisso político, os elevados custos financeiros iniciais e o horizonte

temporal de longo prazo como as principais causas para a lentidão no

desenvolvimento dos projetos de hidroeletricidade na região.

Um aspeto fundamental nas questões de restruturação de portfolios

energéticos é o efeito lock-in que os caracteriza. De acordo com Kiratu (2011),

os investimentos energéticos têm o senão de prender um país a determinado

paradigma energético, dificultando e encarecendo a alteração desse mesmo

paradigma. No caso concreto da África Austral, o efeito lock-in do paradigma

energético baseado no carvão poderá ser um dos maiores obstáculos ao

desenvolvimento do potencial da hidroeletricidade regional. O efeito lock-in dos

paradigmas energéticos concretiza-se tanto em barreiras económicas e

financeiras como institucionais e legais. Kiratu (2011) frisa que os

enquadramentos legais e institucionais muitas vezes dificultam a alteração de

paradigmas energéticos, dado que é muito difícil direcionar as instituições do

sector para novas prioridades ou fontes. É por isso que a autora afirma que a

mudança de paradigma energético do atual, baseado no carvão, para um outro

assente na hidroeletricidade necessitará sempre do apoio das autoridades

governamentais, pelo menos numa fase inicial de financiamento e edificação

de infraestruturas.

Page 156: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

155

Figura 3 – Infraestruturas de Geração e Transmissão de Eletricidade

na África Austral

Fonte: ECA (2009: 12)

12.4. Análise Custo-Benefício da Integração Regional

A expansão do comércio energético intrarregional, decorrente do

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional apresenta,

apesar de implicar volumes de investimento significativamente superiores,

taxas de retorno económico muito significativas, sobretudo em termos de

diminuição dos custos operacionais com a geração, transmissão e distribuição

Page 157: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

156

de eletricidade, que Rosnes & Vennemo (2008) calculam poder atingir os mil

milhões de dólares por ano na SAPP. Esta diminuição dos custos operacionais

advém sobretudo do trade-off no portfolio energético da SAPP entre o carvão e

a hidroeletricidade: apesar de esta última requerer investimentos mais

volumosos na fase inicial, tem custos operacionais posteriores

significativamente mais reduzidos.

Tabela 12 – Projeções para as Necessidades de Investimento até 2015 para

Responder à Procura de Eletricidade na SAPP

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 3)

No caso da África Austral, o retorno dos investimentos energéticos em

cenários de expansão do comércio intrarregional chega aos 160%, para

períodos de pay-back inferiores a um ano (Rosnes & Vennemo, 2009; Eberhard

et al, 2011). Mais, o retorno económico do aprofundamento da integração

regional energética é tanto maior quanto maior o nível de preços do petróleo

nos mercados internacionais, além de potenciar a exploração das energias

renováveis, particularmente a hidroeletricidade.

Page 158: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

157

Poucas regiões do Mundo apresentam uma disparidade entre dotação

de recursos energéticos e taxa de acesso das populações à eletricidade como

a África Austral. A região dispõe de vastos e diversos recursos energéticos

(petróleo, gás natural, carvão, hidroeletricidade), mas cerca de 2/3 da

população não têm acesso à eletricidade, sobretudo nas zonas rurais. Mbirimi

(2010) destaca que, retirando-se a África do Sul e as Maurícias do panorama

regional, nenhum país da África Austral tem uma taxa de acesso à eletricidade

rural superior a 50%.

Gráfico 18 – Taxas de Acesso à Eletricidade de

Diversos Países da SADC em 2008

Fonte: IEA (2009) in Mbirimi (2010: 4)

Eberhard et al (2008) avaliam que o objetivo dos 35% de acesso à

eletricidade na região da África Austral globalmente considerada requer a

criação de 32000 MW em nova capacidade de geração e a reabilitação de

cerca de 28000 MW da capacidade já existente. Tal corresponde

Page 159: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

158

sensivelmente a um investimento anual de 4% do PIB regional durante as

próximas duas décadas. A ECA (2009) nota contudo que, apesar de a SAPP

ter como um dos seus objetivos principais o aumento da taxa de acesso rural à

eletricidade, aquela organizaço tem-se até agora preocupado mais com o

desenvolvimento de transmissores de alta voltagem entre Estados-membros

para o abastecimento dos sectores industriais.

A SAPP apresenta uma capacidade instalada de cerca de 53000 MW

(Hankins, 2009). As necessidades de aumento da capacidade de geração de

eletricidade pressupõem praticamente a duplicação da capacidade atual.

Rosnes & Vennemo (2009) demonstram que, na próxima década, a capacidade

atual de cerca de 50000 MW poderá ser reduzida para cerca de 20000 MW,

pelo que poderá haver a necessidade de investimentos de recuperação de

capacidade perdida, à volta de 30000 MW, além de um aumento da

capacidade de geração de eletricidade de mais 35000 MW. Tais volumes

anuais de investimento representam cerca de 4,5% do PIB regional, valor

semelhante ao da África Subsaariana como um todo. Estes investimentos

implicam fluxos financeiros que Rosnes & Vennemo (2009) estimam em 38 mil

milhões dólares para a capacidade de geração, 30 mil milhões para nova

capacidade e 8 mil milhões para reabilitação da já existente. Além disso, os

custos associados à expansão das infraestruturas de transmissão e distribuição

de eletricidade rondam os 26 mil milhões USD, dos quais 16 mil milhões para

novas transmissões e 10 mil milhões para reabilitação das existentes. Tem-se

assim um volume de investimento total de cerca de 64 mil milhões USD para

responder às necessidades energéticas atuais e futuras. Já segundo a ECA

(2009), até 2025 serão necessários cerca de 83 mil milhões de dólares de

Page 160: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

159

investimento para acrescentar cerca de 57000 MW de capacidade de geração,

o que duplicará sensivelmente a atual. Um dado muito importante para a

apologia do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

é que estes 83 mil milhões de dólares de investimento são, ainda assim,

inferiores em 48 mil milhões de dólares num cenário em que cada país

prossegue as suas estratégias de forma individual e não coordenada. Desde

que se verificou o início da atual crise energética, a SAPP tem procurado

responder com o aumento da capacidade de geração de eletricidade. Segundo

a ECA (2009), em 2007 registou-se um aumento da capacidade de geração à

volta de 1700 MW, em 2008 1442 MW e em 2009 2266 MW. No entanto, estes

aumentos ficam muito aquém das necessidades prementes e da pressão do

lado da procura de eletricidade.

Tabela 13 – Procura Suprimida de Eletricidade na SAPP

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 215)

Page 161: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

160

Vários estudos têm apontado o aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional energética como um instrumento

importante de promoção da segurança energética da África Austral. Para

Rosnes & Vennemo (2008), a melhor forma de reduzir os custos com a

geração de eletricidade e de imunizar as economias dos países da África

Austral contra as flutuações dos preços internacionais do petróleo, e, ao

mesmo tempo, de combater o fenómeno das alterações climáticas, é

desenvolver um mercado energético.

Tabela 14 – Projeções para os Custos Marginais na SAPP em Cenários de

Expansão e Estagnação do Comércio Energético Intrarregional (cents/kWh)

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 202)

A criação dum mercado energético regional pode também contribuir para

a segurança dos países da África Austral, na medida em que diversifica as

suas fontes de abastecimento. Tal mercado permitiria igualmente um maior

peso negocial dos países da África Austral nos mercados energéticos

internacionais, pois, ao atuarem em bloco, podem obter melhores termos de

Page 162: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

161

compra e venda, fazendo-se valer para o efeito do estatuto internacional da

potência regional África do Sul. Eberhard et al (2008) estimam que, no caso da

SAPP, o processo de aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

energética permitiria um aumento do comércio energético intrarregional dos

atuais 45 TWh, para cerca de 140 TWh anuais, desde que se implementasse

um programa de recuperação e expansão das capacidades de transmissão e

distribuição de eletricidade.

Tabela 15 – Projeções para os Padrões de Comércio Energético Intrarregional

da SAPP até 2015 em Cenários de Expansão e Estagnação

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 201)

O aumento da preponderância da hidroeletricidade no portfolio

energético da África Austral decorrente da criação dum mercado energético

regional tem um impacto positivo na segurança energética da região, ao

imunizar as economias internas de eventuais flutuações nos mercados

energéticos internacionais.

Page 163: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

162

A não prossecução do aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional, com a expansão do comércio energético intrarregional e

com a consequente criação dum mercado regional acarreta consequências

económicas, políticas e outras. Rosnes & Vennemo (2009) demonstram que a

estagnação do comércio energético intrarregional leva a uma quebra

significativa das exportações de eletricidade da RDC de 41 TWh para pouco

mais de 2 TWh, o que tem como consequência a manutenção na dependência

do carvão da economia regional dominante, a África do Sul. Financeiramente,

os custos associados ao investimento em novas capacidades de geração são

mais baixos em cerca de 2,5 mil milhões de dólares num cenário de otimização

do comércio energético intrarregional.

Tabela 16 – Custos Marginais de Longo Prazo da Geração de Eletricidade nos

Países da SAPP em Cenários de Expansão e Estagnação do Comércio

Energético Intrarregional

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 7)

Page 164: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

163

Daqui se retira que os custos de geração doméstica de eletricidade

ultrapassam em grande medida os custos associados à expansão do comércio

energético intrarregional na SAPP. A não prossecução do aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional energética impede um

aproveitamento total do potencial de hidroeletricidade que a região apresenta,

sobretudo em países como Moçambique e RDC, pois o desenvolvimento de

projetos de larga escala nestes países só faz sentido económico se tiver como

destino final um mercado verdadeiramente regional. Para além do potencial de

hidroeletricidade, Cilliers & Mashele (2007) destacam que a inexistência dum

sistema integrado de abastecimento impede a região de aproveitar

potencialidades próprias como a abundância de petróleo em Angola ou mesmo

em Madagáscar.

Os exportadores regionais de eletricidade são atores centrais no

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional energética.

Os exportadores regionais de hidroeletricidade, concretamente RDC, Zâmbia e

Moçambique, podem aproveitar a expansão do comércio energético

intrarregional para diversificarem o seu padrão de exportações. Segundo

Rosnes & Vennemo (2009), o incremento do comércio energético intrarregional

permite à RDC tornar-se o principal exportador regional de energia hídrica,

vendendo ao exterior sensivelmente o triplo do seu consumo interno. Este

potencial exportador de alguns Estados da região foi precisamente uma das

motivações fundamentais para a institucionalização da SAPP em 1995,

procurando-se assim interligar as redes elétricas desde a RDC até à África do

Sul.

Page 165: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

164

Tabela 17 – Comparação dos Volumes de Comércio Energético Intrarregional

em Cenários de Planos Energéticos Nacionais e Regionais

Fonte: ECA (2009: 15)

Na África Austral, os produtos internos e as necessidades de

investimento dos diversos países estão muito mal distribuídos, existindo países

com grandes potencialidades energéticas mas que não têm capacidade

financeira para otimizar esse potencial, muito concretamente Moçambique. Os

investimentos em projetos regionais estão muito concentrados em poucos

Page 166: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

165

países, levando Rosnes & Vennemo (2008) a sustentarem ser ainda mais

necessário um processo de integração regional que facilite a solidariedade

financeira entre Estados-membros. Os projetos energéticos regionais estão

bastante sobredimensionados à escala nacional de países com economias

internas de menor dimensão, como é o caso de Moçambique, Zâmbia ou

Zimbabué. O financiamento destes projetos regionais comporta encargos

financeiros frequentemente incomportáveis para um Estado, pelo que se

constata a necessidade de estas infraestruturas regionais beneficiarem de

financiamento de idêntica escala (Mbirimi, 2010). Rosnes & Vennemo (2009)

concretizam esta ideia, defendendo que o aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional energética e expansão do comércio

energética intrarregional, requerem investimentos massivos em países ricos em

hidroeletricidade, como a RDC (7200 MW), Moçambique (3200 MW) e

Zimbabué (2200 MW). Tais investimentos assumem uma natureza

incomportável para estes países em termos de PIB per capita: 5,8% RDC,

6,2% Moçambique e 8,5% Zimbabué.

Passando a uma análise de sensibilidade, os investimentos na energia

hídrica da África Austral continuam a fazer todo o sentido económico, mesmo

num cenário de baixo crescimento económico, pois o aprofundamento dos

processos de integração regional aumenta a dimensão dos mercados

regionais, condição essencial para que os investimentos hídricos sejam

economicamente atrativos (Rosnes & Vennemo, 2009). Estes autores

destacam a viabilidade dos projetos de hidroeletricidade que, mesmo num

cenário de ritmos menores de crescimento económico, se mantém

praticamente inalterada, na medida em que cerca de 90% dos investimentos

Page 167: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

166

realizados num cenário de crescimento normal continuam a fazer sentido num

cenário de desaceleração do crescimento. O redimensionamento dos

mercados domésticos para um único regional é um fator essencial para a

viabilidade dos projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade. Só este

redimensionamento dá viabilidade económica aos projetos de geração e

transmissão de hidroeletricidade.

Gráfico 19 – Necessidades de Investimento por País em Cenários de Expansão

e Estagnação de Comércio Energético Intrarregional (% PIB)

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 4)

Page 168: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

167

12.5. Crise Energética: Causas e Consequências

A atual crise energética que afeta uma parte considerável dos Estados

da África Austral ilustra a sua incapacidade para responderem adequadamente

ao aumento da pressão do lado da procura de energia em geral e de

eletricidade em concreto. Os fatores fundamentais do aumento da pressão do

lado da procura de recursos energéticos na África Austral são o crescimento

económico, a urbanização e o crescimento demográfico. Este crescimento da

procura não foi devidamente acompanhado por um incremento do investimento

na expansão e manutenção das redes elétricas.

Tabela 18 – Projeções para o Crescimento Demográfico e da Procura de

Eletricidade na SAPP

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 214)

Page 169: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

168

Tabela 19 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade

na SAPP até 2015 (TWh)

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008) in Eberhard et al (2011: 223)

Para Mbirimi (2010), este crescimento acelerado da procura de

eletricidade representa tanto uma oportunidade como um risco para a própria

SAPP: uma oportunidade, pois oferece um mercado regional cada vez mais

apetecível para a expansão da capacidade de geração, transmissão e

distribuição de eletricidade; um risco, na medida em que este aumento

significativo e urgente da procura da eletricidade pode levar os Estados a

promover iniciativas estritamente nacionais de aumentos de capacidade,

minando os esforços de coordenação à escala regional. As projeções atuais

apontam para um crescimento anual da procura de eletricidade entre 4% e 5%

para a região da SAPP (Ram, 2007; Rosnes & Vennemo, 2009).

Page 170: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

169

Gráfico 20 – Evolução do Pico da Procura de Eletricidade na SAPP

Fonte: Hankins (2009: 28)

A região da África Austral não tem presentemente as capacidades de

geração, transmissão e distribuição de eletricidade necessárias para responder

à procura existente. Rosnes & Vennemo (2009) calculam que a SAPP precisa,

para conseguir responder adequadamente ao ritmo de crescimento da procura

de eletricidade, de obter mais de 31000 MW em nova capacidade de geração,

além de reabilitar cerca de 28000 MW de capacidade já existente. Uma das

manifestações mais relevantes da atual crise energética é o fenómeno das

quebras e falhas sucessivas no abastecimento elétrico, que tem impactos

económicos bastante relevantes.

Page 171: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

170

Tabela 20 – Projeções para o Crescimento da Procura de Eletricidade nos

Membros da SAPP até 2015 (MW)

Fonte: SAPP (2011: 31)

Figura 4 – Procura e Capacidade de Geração de Eletricidade na SAPP

Fonte: Hankins (2009: 44)

Page 172: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

171

O crescimento da pressão do lado da procura de eletricidade fez a

região da África Austral, e muito especialmente a África do Sul, desesperar

pelo aumento da capacidade de geração de eletricidade. Constata-se que a

SAPP continua a sentir dificuldades em aumentar a sua capacidade de geração

e em implementar projetos regionais prioritários.

Gráfico 21 – Projeções para a Capacidade Instalada da SAPP

Fonte: SAPP (2011: 10)

Para tal muito contribuem ainda obstáculos físicos e institucionais ao

comércio energético intrarregional. Para a ECA (2009), o desafio principal com

que a SAPP se defronta atualmente é o de expandir as capacidades de

geração, transmissão e distribuição da rede elétrica regional, de modo a

garantir uma maior estabilidade e segurança do abastecimento elétrico que

potencie o crescimento económico. Cilliers & Mashele (2007) acrescentam que

esta expansão das capacidades só é alcançável se as organizações regionais

Page 173: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

172

e os diversos Estados-membros acederem ao financiamento internacional em

condições minimamente vantajosas e também ao apoio técnico e institucional

da comunidade internacional. Finalmente, a região precisa encontrar com

urgência um equilíbrio entre a resposta às necessidades energéticas

prementes e a promoção das energias renováveis, no quadro do agravamento

do fenómeno das alterações climáticas.

Como foi referido anteriormente, a motivação para a implementação de

projetos regionais que aumentem a capacidade de geração tornou-se muito

mais forte desde 2007, quando a região começou a registar escassez crónica

na oferta de eletricidade. A partir desta altura a região da África Austral

começou a experienciar falhas sucessivas no abastecimento de eletricidade. É

por isso que Castalia (2009) nota um receio crescente na região quanto à

capacidade da SAPP para assegurar a estabilidade da oferta e do

abastecimento energético aos países importadores. Mais, a instabilidade

política e social que teima em permanecer em alguns países da África Austral

dificulta também a confiança mútua entre Estados vizinhos, o que mina os

esforços de integração regional energética.

Perante este cenário, a segurança energética tornou-se uma das

prioridades das autoridades da região, designadamente a garantia de um

abastecimento de energia estável e acessível. Para Mbirimi (2010), a

segurança energética da África Austral passa muito pela edificação de novas

infraestruturas, quer para aumentar a capacidade de geração quer para

diversificar mais para as energias renováveis. Segundo este autor, a segurança

energética regional tem três dimensões fundamentais: i) o papel da África do

Sul enquanto potência regional, maior produtor e consumidor de energia e

Page 174: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

173

potencialmente o maior importador da hidroeletricidade produzida na região; ii)

a persistência de fenómenos de pobreza e baixas taxas de cobertura das redes

elétricas nacionais; iii) as potencialidades que as energias renováveis têm na

região, designadamente a solar e a eólica.

12.6. Projetos Energéticos Transnacionais

O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

energética é materializado em projetos energéticos transnacionais. O projeto

do Kariba foi o primeiro a envolver um esquema minimamente complexo de

conexões entre diferentes Estados, implicando a construção da barragem

propriamente dita e a edificação de linhas de transmissão entre a Zâmbia e o

Zimbabué. Atualmente o maior projeto transnacional na África Austral é o

projeto Grand Inga na RDC, que tem um potencial significativo, sensivelmente

40000 MW, capaz de produzir a mesma eletricidade que toda a África do Sul, e

podendo satisfazer grande parte da procura do continente africano (ECA,

2009). No dia 22 de Outubro de 2004, os Ministros da Energia de Angola,

Botswana, RDC, Namíbia e África do Sul assinaram um memorando de

entendimento que previa o desenvolvimento da terceira fase do projeto Grand

Inga e respetivo transmissor Westcor (Eberhard et al, 2011. Para o efeito, foi

criada em 2005 a empresa Westcor, sediada no Botswana, com participações

sociais equitativas de todos os países envolvidos. Fora este, os outros projetos

de expansão das capacidades de geração e transmissão de eletricidade em

curso são: i) o conector entre o Moçambique e Malawi, desde a província

Page 175: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

174

moçambicana de Tete até Blantyre, para integrar o segundo na rede da SAPP;

ii) o conector entre a Zâmbia, Tanzânia e Quénia, para integrar a Tanzânia na

SAPP e ligar a SAPP com a EAPP; iii) o projeto Westcor, que liga o projeto

Inga à África do Sul, totalizando cerca de 3000 km; iv) entre a RDC e a Zâmbia;

v) entre Zimbabué, Botswana e África do Sul; vi) entre Moçambique e

Zimbabué, desde a estação moçambicana de Songo até Bindura (ECA, 2009;

SAPP, 2010). Ram (2007) complementa a lista com os seguintes projetos: vii)

Triangle – Orange Grove no Zimbabué; viii) Second Alaska – Sherwood no

Zimbabué; ix) Hwange – Livingstone – Kafue entre a Zâmbia e o Zimbabué); x)

Livingstone – Katima – Mulilo; xi) Kolwezi – Solwezi entre a RDC e a Zâmbia);

xii) Inga – Kolwezi na RDC; xiii) Karivia – Luano entre a RDC e a Zâmbia.

Relativamente ao projeto ii), a conexão entre Zâmbia, Tanzânia e Quénia visa

integrar a SAPP e a EAPP, e consiste fundamentalmente numa linha de cerca

de 600 km a 330 kV, para a transmissão de 200 MW de eletricidade da Zâmbia

para a Tanzânia, sendo que para ela chegar ao Quénia é preciso fortalecer a

rede elétrica interna da Tanzânia. Outro projeto regional relevante integra

Zimbabué, Botswana e Namíbia, que acordaram num empreendimento que

visa ligar as suas redes elétricas nacionais, desde a estação de Hwange

(Zimbabué) a Pandamatenga no Botswana e finalmente à estação do Zambeze

na Namíbia. Finalmente, um dos grandes projetos de hidroeletricidade à escala

regional está a ser executado por Angola e Namíbia, envolvendo as respetivas

empresas estatais ENE e NamPower.

Page 176: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

175

12.7. Preço da Eletricidade na África Austral

Nenhum país da África Austral transfere integralmente os custos de

geração transmissão e distribuição da eletricidade para o preço final a pagar

pelos consumidores, em função de objetivos de proteção dos mais

desfavorecidos. Segundo Eberhard et al (2008), países como Angola, Malawi,

África do Sul, Zâmbia e Zimbabué têm um histórico de manutenção de preços

de eletricidade muito baixos, mesmo abaixo dos custos de produção. Esta

opção política de não fazer refletir a totalidade dos custos operacionais da

eletricidade no preço final do consumidor leva a que muitas empresas elétricas

estatais acumulem prejuízos, tornado praticamente impossível realizar

investimentos de expansão ou mesmo manutenção da capacidade de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade. O investimento é também

negativamente afetado pela dificuldade em obter financiamento, dado que um

dos sinais de mercado a que os investidores privados mais dão importância

aquando das suas projeções de investimento é o nível de tarifas aplicadas. Daí

Mbirimi (2010) advogar a necessidade de romper com o paradigma de fixação

de preços de consumidor abaixo dos próprios custos da eletricidade na região

da África Austral. As tarifas da eletricidade na região variam: menos de 4

USc/kWh na África do Sul e Malawi, entre 4 e 7 USc/kWh no Botswana,

Moçambique, Namíbia, Suazilândia e Zâmbia, e acima de 8 USc/kWh em

Angola e Tanzânia, sendo que estes dois últimos não estão conectados com a

rede regional. Deste facto pode retirar-se que a integração regional energética,

ao baixar o preço da eletricidade para os países com maiores custos de

geração e transmissão domésticos, tem um impacto líquido positivo nos

Page 177: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

176

preços, e logo no bem-estar geral das populações. Ram (2007) defende que

uma das formas de se assegurar a formação equilibrada e justa dos preços da

eletricidade na África Austral é procurar mecanismos que garantam fórmulas

win-win entre geradores e distribuidores de eletricidade. Ou seja, os países que

servem de transmissores entre um país gerador e outro consumidor devem

igualmente ser compensados financeiramente pela transação, que desgasta as

suas linhas de transmissão domésticas.

Gráfico 22 – Preço Médio da Eletricidade em Alguns Países da SAPP

Fonte: ECA (2009: 17)

Page 178: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

177

12.8. Comércio Energético Bilateral vs. Multilateral

Muita da rede infraestrutural utilizada pela SAPP para o comércio

energético intrarregional multilateral vem de acordos bilaterais firmados há já

muito tempo, tratando-se, portanto, mais de uma questão de potenciar o já

existente. A maioria das infraestruturas de geração e transmissão de

eletricidade que a SAPP utiliza, orientadas para o apoio às indústrias extrativas

intensivas em energia, precedem a própria formação da organização regional.

As primeiras experiências de comércio energético intrarregional na África

Austral datam do início do século XX, quando a empresa Victoria Falls foi

constituída na antiga Rodésia do Sul para fornecer eletricidade à indústria

mineira da África do Sul (ECA, 2009).

Um dos aspetos relevantes da região da SAPP é que os seus Estados-

membros sempre realizaram trocas comerciais de energia, independentemente

do contexto político do momento. No passado, o regime do apartheid sul-

africano levou a que os países vizinhos da África do Sul prosseguissem

políticas energéticas de autarcia, apostando na geração interna de eletricidade.

Ainda assim, desenvolveram um conjunto de ligações elétricas transnacionais

entre si, com o objetivo de reduzirem a sua dependência relativamente à África

do Sul, ligações essas que constituem precisamente um dos eixos centrais

atuais da SAPP. A interligação das redes nacionais dos países vizinhos da

África do Sul – sobretudo Botswana, Zâmbia, Zimbabué e Moçambique - foi

exatamente uma das motivações subjacentes à criação da SADCC em 1980.

Os próprios tratados iniciais da SAPP foram baseados em grande medida nos

Page 179: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

178

acordos bilaterais previamente estabelecidos na região, e que ainda dominam

o comércio energético regional (ECA, 2009).

Figura 5 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010

Fonte: SAPP (2011: 32)

Page 180: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

179

A maioria da cooperação na área energética na África Austral assume a

modalidade bilateral e não a multilateral, dado que a primeira é de mais fácil

execução. A maior parte da rede infraestrutural energética da região da SAPP

foi desenvolvida no âmbito destes acordos bilaterais, sem grande preocupação

com possíveis tendências do comércio energético regional multilateral. Cerca

de 90% do comércio energético intrarregional da África Austral está

enquadrado em acordos bilaterais, sendo que apenas o remanescente é

realizado na modalidade multilateral.

Tabela 21 – Comércio Energético na SAPP em 2005

Fonte: ECA (2009: 28)

Uma das melhores práticas internacionais neste campo é a da região do

Mekong, que ilustra os benefícios da expansão do comércio energético

intrarregional bilateral como primeiro passo para a consolidação e fomento do

multilateral (Castalia, 2009). Foi na sequência disto que a SAPP desenvolveu

Page 181: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

180

um mercado energético de curto-prazo que permite o comércio diário dos

recursos energéticos, o STEM (Short-term Energy Market). O desenvolvimento

do STEM foi um marco significativo na integração regional energética, apesar

de os volumes de troca a ele associados terem sido pouco volumosos.

Aquando da criação do STEM, o mecanismo encontrado para a definição dos

preços da eletricidade baseou-se nas quantidades trocadas e na distância

entre comprador e vendedor (ECA, 2009). No entanto, depressa se constatou

que era necessário substituir o STEM por um outro arranjo que tornasse o

mercado energético regional mais competitivo, pelo que se avançou para a

institucionalização do DAM (Day-ahead Market) em Dezembro de 2009. Isto

aconteceu num momento em que a região já apresentava o atual défice de

capacidade de geração de eletricidade, mas o facto de alguns membros

apresentarem um superavit e outros um défice de capacidade incentivou os

Estados-membros a avançarem para a criação deste instrumento. Ao contrário

do STEM, em que compradores e vendedores interagiam, no DAM existe uma

autoridade coordenadora, a SAPP, que controla a procura e a oferta e

determina ela própria os preços. O DAM está aberto às empresas estatais,

produtores, transmissores e distribuidores independentes, na sequência do

processo de abertura da SAPP a atores não públicos. No início de atividade do

DAM os volumes e valores comercializados foram pouco significativos, dado

que os membros precisaram de algum tempo para se ajustarem a esta nova

plataforma. Contudo, o facto de o DAM registar mais propostas de oferta do

que de procura é um sinal encorajador, tendo em conta que a SAPP apresenta

um défice estrutural de capacidade de geração.

Page 182: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

181

12.9. SAPP: Características e Objetivos

Passando para a SAPP enquanto organização regional, refira-se que ela

foi criada em Agosto de 1995, e tem quatro departamentos: ambiental,

operacional, de mercados e de planeamento (SAPP, 2010). Foi a primeira

organização regional do género a ser criada fora da América do Norte e Europa

Ocidental, com o objetivo de otimizar a exploração dos recursos energéticos

disponíveis na região.

Figura 6 – Estrutura de Governação da SAPP

Fonte: ECA (2009: 36)

Page 183: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

182

As motivações subjacentes à criação da SAPP passaram muito pelo

desejo da África do Sul de responder às suas crescentes necessidades de

eletricidade através dum acesso mais facilitado ao potencial de

hidroeletricidade dos seus vizinhos do Norte. Para Mbirimi (2010) e Kiratu

(2011), a criação da SAPP é um sinal importante de compromisso político dos

países da região com a cooperação e o comércio energético regional,

reconhecendo os Estados-membros que a segurança energética de cada um é

facilitada pela cooperação regional. Enquanto organização regional, a SAPP

apresenta algumas características interessantes: i) a esmagadora maioria dos

seus projetos passam por infraestruturas de grande dimensão para

aproveitamento de água, gás ou carvão; ii) o preço da eletricidade é mantido a

um nível artificialmente baixo, como forma de promover o sector industrial; iii)

as novas energias renováveis têm sido praticamente ignoradas nos planos

estratégicos da SAPP (Hankins, 2009). Há outras condicionantes a considerar

na análise dos arranjos institucionais de integração regional energética: o

aprofundamento da integração regional energética no quadro da SAPP, que

viabilizará mais e maiores projetos geração de hidroeletricidade; os custos

iniciais superiores dos projetos de geração de hidroeletricidade quando

comparados com outras fontes energéticas. Cilliers & Mashele (2007)

descortinam igualmente algumas dinâmicas próprias nos padrões de produção

e consumo de energia na África Austral: as exportações de petróleo de Angola,

que são pouco canalizadas para a região, o que faz com que esta não consiga

satisfazer as suas necessidades energéticas próprias apesar da abundância

dos recursos petrolíferos angolanos; os níveis significativos de produção e

Page 184: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

183

consumo de eletricidade da África do Sul, com padrões de consumo distintos

dos dos seus Estados vizinhos.

Perante este contexto, a SAPP definiu os seguintes objetivos centrais: i)

estabelecer um sistema elétrico regional robusto, de confiança e eficiente na

África Austral; ii) implementar enquadramentos e standards harmonizados no

que toca à qualidade do abastecimento e respetiva monitorização; iii)

harmonizar as relações comerciais energéticas entre os Estados-membros iv)

facilitar o desenvolvimento dum mercado de eletricidade competitivo na região

da SADC; v) aumentar a oferta e a estabilidade do abastecimento de

eletricidade para o consumidor final; vi) assegurar um desenvolvimento

sustentável do potencial energético da região vii) fomentar a expansão da rede

elétrica regional para países que ainda não estão integrados; viii) introduzir um

mercado de curto prazo, o STEM, que facilite a comercialização dos

excedentes elétricos não abrangidos por contratos bilaterais; ix) incentivar a

exploração da hidroeletricidade em detrimento da energia nuclear; x) conjugar

a promoção simultânea de projetos de menor dimensão de distribuição local

com os grandes projetos de cariz regional (ECA, 2009; SAPP, 2010). Estes

objetivos procuram responder aos grandes desafios que se apresentam à

região da África Austral e à respetiva organização regional ,SAPP, e consistem

sobretudo na resposta adequada às necessidades energéticas crescentes

provocadas pelo processo de desenvolvimento económico, à promoção da

sustentabilidade ambiental da exploração energética e ao acesso ao

financiamento internacional em condições vantajosas.

A atuação e intervenção da SAPP não têm estado isentas de críticas.

Castalia (2009) criticam esta organização pelo enfoque excessivo no comércio

Page 185: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

184

energético intrarregional de curto prazo, que tem um potencial de expansão

reduzido, dado o cenário de constrangimento na oferta energética. Ram (2007)

apela à SAPP para que dê prioridade à integração dos países excluídos da

rede regional, sem os quais não se pode falar dum mercado energético

verdadeiramente regional. Mbirimi (2010) critica a prioridade absoluta atribuída

ao abastecimento ao setor industrial em detrimento do doméstico, aspeto que,

na sua opinião, tem contribuído para o fracasso no aumento das taxas de

acesso à eletricidade regionais. Já Hankins (2009) reprova a concentração de

esforços da SAPP no aumento da capacidade de geração de eletricidade e não

tanto nas políticas de controlo da procura de eletricidade ou no fomento das

novas energias renováveis.

Apesar dos progressos alcançados como o desenvolvimento duma rede

comum de abastecimento de eletricidade, a região da África Austral continua

confrontada com a ameaça de falta de eletricidade.

Gráfico 23 – Contabilização das Perturbações no Sistema da SAPP em 2010

Fonte: SAPP (2011: 15)

Page 186: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

185

Ao problema estrutural da fraca cobertura territorial das redes elétricas

nacionais tem-se juntado o fenómeno das quebras e falhas constantes no

abastecimento elétrico corrente. A atual oferta energética da região não reflete

a dimensão nem a estrutura dos seus recursos, dado que a esmagadora

maioria da exploração petrolífera da região não está associada à procura

regional mas sim à das principais potências mundiais.

O mercado energético regional da África Austral é considerado híbrido,

na sequência dos processos de liberalização e privatização a que o sector

assistiu nas décadas passadas devido aos programas de ajustamento

estrutural. Como, ao mesmo tempo, as empresas estatais continuam a

desempenhar um papel central no mercado regional, há toda uma série de

indefinições e áreas confusas em que não se sabe com exatidão quem deve

desempenhar que papel. Os operadores privados e públicos atuam sem

delimitações claras de atribuições, responsabilidades e poderes, o que dificulta

a cooperação entre atores públicos e privados.

A participação dos agentes económicos privados no mercado energético

regional tem sido um dos temas mais debatidos nos últimos tempos na África

Austral. Ela ainda não é expressiva nem consistente, até porque, segundo

Mbirimi (2010), a formação da SAPP per se não alterou a aversão ao risco que

investidores privados manifestam sobre os projetos energéticos na África

Austral. Para Eberhard et al (2011), a SAPP, apesar do seu já longo percurso

histórico, parece mais apostada em proteger os interesses internos dos seus

Estados-membros do que em facilitar a participação dos privados nos seus

projetos regionais, participação que, aliás, ainda sofre de vários obstáculos

institucionais. Assim, constata-se a necessidade de integrar os operadores

Page 187: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

186

privados e independentes na rede regional abrangente da África Austral. Ram

(2007) defende mesmo que deve ser dado acesso indiscriminado às redes de

transmissão e distribuição de eletricidade às empresas privadas independentes

que já tenham uma dimensão significativa. Todavia, o incentivo à participação

dos agentes económicos privados tem de passar pela criação de instituições

que consigam regular o mercado energético regional de forma coerente e

efetiva, pois a fraqueza das instituições existentes na África Austral é apontada

pelos agentes económicos privados como uma das razões para a sua aversão

ao risco. De referir que a única entidade privada membro da SAPP é a CEC

(Copperbelt Energy Corporation) da Zâmbia, na categoria de ITC (Independent

Transmission Company).

Quadro 1 – Membros da SAPP

Fonte: SAPP (2011: 3)

Page 188: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

187

12.10. Boas Práticas Internacionais

Voltando às boas práticas internacionais, a SAPP deve retirar cinco

conclusões fundamentais de outros exemplos mundiais: i) necessidade de se

contemplar desde a fase de institucionalização dos acordos de comércio

energético salvaguardas para a estabilidade da oferta e do abastecimento; ii)

necessidade de se reforçar as responsabilidades e poderes das organizações

regionais, tornando as suas decisões mais vinculativas para os Estados-

membros; iii) necessidade de se harmonizar e coordenar estratégias de

planeamento e fixação de preços; iv) importância das power pools para o

fomento do comércio energético intrarregional; v) necessidade de se

implementar mecanismos de regulação e supervisão perfeitamente claros e

transparentes vi) vantagens da institucionalização de acordos bilaterais para a

criação das bases para a expansão do comércio intrarregional energético

multilateral; vii) necessidade do aprofundamento dos arranjos institucionais e a

expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição de

eletricidade (Castalia, 2009). Do caso concreto da América Central a África

Austral pode retirar a necessidade de adotar processos de tomada de decisão

claros e transparentes, com o máximo de especificações possíveis. Naquela

região, perante a impossibilidade de se conseguir atingir um consenso, a

organização regional tem autoridade para tomar uma decisão vinculativa para

todos os Estados-membros, mesmo aqueles que estejam em desacordo

(Castalia, 2009). Tal facto evidencia o nível de compromisso político dos

Estados com os arranjos institucionais de integração regional, compromisso

esse que falta à região da África Austral e que tem sido frequentemente

Page 189: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

188

apontado como um dos principais obstáculos ao sucesso dos processos de

integração regional. Uma outra região que pode servir de exemplo é a África

Ocidental, que já adotou processos de elaboração de estratégias e de fixação

de preços bem definidos, claros e eficientes.

Quadro 2 – Comparação entre os Tratados e Protocolos da SADC e ECOWAS

Fonte: Castalia (2009: 24)

Page 190: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

189

Quadro 3 – Comparação entre a SAPP e a WAPP

Fonte: Castalia (2009: 57)

Na África Austral, constata-se a necessidade dum compromisso político

mais efetivo dos governos nacionais com organizações regionais: SADC SAPP,

RERA (Regional Electricity Regulatory Association) ou REPGA (Regional

Petroleum and Gas Association). A RERA tem nove membros: Angola, Malawi,

Namíbia, Tanzânia, Zimbabué, Lesoto, Moçambique, África do Sul e Zâmbia.

Esta organização tem como objetivo fundamental contribuir para a

harmonização dos diversos enquadramentos legais e institucionais dos setores

energéticos nacionais, fomentando a cooperação entre as diversas entidades

reguladoras dos Estados-membros da África Austral. A própria criação da

SAPP permitiu um enquadramento institucional favorável para a diversificação

e expansão da capacidade de geração. Com efeito, foram alcançados

progressos no que toca à harmonização de enquadramentos institucionais

nacionais na área da energia. Porém, Castalia (2009) ressalva que o

enquadramento legal subjacente ao comércio energético intrarregional na

África Austral é relativamente fraco, sobretudo quando comparado com o de

Page 191: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

190

outras regiões do Mundo, mesmo algumas igualmente em vias de

desenvolvimento.

Já a REPGA tem como objetivo central garantir um abastecimento de

petróleo e gás natural estável e de confiança aos países da África Austral,

aproveitando ao máximo eventuais hipóteses de economias de escala. A

integração regional energética ainda não atingiu o seu pleno potencial, na

medida em que a decisão final sobre projetos de geração e transmissão de

eletricidade permanece no seio dos Estados soberanos e não nestas

organizações regionais. O papel da SAPP no planeamento de novos projetos

energéticos da região não é vinculativo, antes meramente consultivo, sendo

que as decisões finais continuam a pertencer aos diversos Estados-membros

de forma individual e isolada. Também por isto é que a ECA (2009) constata

que os projetos que estão a avançar na África Austral não são aqueles que

fazem mais sentido económico em termos regionais, mas sim os que

respondem mais adequadamente às necessidades individuais dos Estados-

membros. Ainda assim, desde que se começou a registar falhas estruturais de

abastecimento de eletricidade na região a SAPP tem vindo a ganhar um peso

crescente na definição e coordenação dos investimentos elétricos regionais.

Castalia (2009) conclui que importa clarificar o papel da SAPP em três

dimensões distintas: o envolvimento dos reguladores nas negociações

comerciais, a definição do calendário dos processos de tomada de decisão e a

disponibilização pública de informação relativa aos contratos de fornecimento.

Page 192: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

191

13. Integração Regional de Moçambique

13.1. Protocolo Comercial e Receitas Aduaneiras

Moçambique é um dos Estados da região da África Austral que mais tem

apostado nos arranjos institucionais de integração regional. O país demonstrou

o seu compromisso com o processo de integração regional na África Austral ao

ter assinado o Protocolo Comercial da SADC, que pressupõe uma zona de

comércio livre até 2008, para além de vários protocolos sobre outras áreas. No

processo de desarmamento tarifário integrado no aprofundamento da

integração regional na África Austral, Moçambique apresentou duas propostas

de redução tarifária distintas no seio da SADC, uma para a África do Sul e

outra para restantes países, tendo em conta os diferentes níveis de

desenvolvimento da potência regional e dos restantes Estados-membros. O

Estado moçambicano elegeu como os seus produtos sensíveis a carne bovina

e o milho, entre outros produtos primários. A abertura das economias

domésticas à concorrência regional foi gradual. Segundo Correia (2008), o

efeito de redimensionamento dos mercados domésticos num único regional

provoca um aumento da concorrência entre agentes económicos privados que

pode resultar numa melhor relação qualidade-preço dos bens a oferecer aos

consumidores. No caso da economia moçambicana, as respetivas autoridades

definiram como objetivo liberalizar a economia interna em cerca de 92% até

2012, concluindo a liberalização total até 2015.

Page 193: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

192

Esta adoção do protocolo comercial provocou uma redução do volume

de receitas aduaneiras, pelo que as autoridades nacionais têm procurado

compensar tal perda com a diversificação da atividade económica interna e o

alargamento da base tributária social e geográfica nacional (Chiau, 2008;

Correia, 2008). Tal permitirá que a diminuição das receitas aduaneiras seja

devidamente compensada pelo aumento de outros tipos de receitas públicas,

designadamente as fiscais. O alargamento da base social fiscal é

particularmente relevante no caso moçambicano, visto que uma parte

considerável da população ativa ainda não está devidamente integrada no

sistema tributário nacional. As previsões mais recentes apontam para uma

diminuição gradual e sustentada das receitas aduaneiras até 2015, em

resultado sobretudo da remoção das tarifas aduaneiras nos chamados

produtos sensíveis. Ainda assim, apesar desta diminuição, elas continuarão a

assumir um peso significativo nas receitas fiscais do Estado moçambicano. As

receitas aduaneiras representaram, ainda em 2004, cerca de 25% do total das

receitas fiscais do governo moçambicano (Alfieri et al, 2006). Por outro lado, o

processo de desarmamento tarifário, ao induzir um aumento das importações,

pode igualmente provocar a subida das receitas públicas nas áreas do IVA.

A participação e inserção da economia moçambicana no comércio

internacional, apesar de registar progressos importantes, ainda está longe da

média das restantes economias da SADC (Chiau, 2008). Moçambique

contribuiu para o esforço de racionalização dos arranjos institucionais de

integração regional ao optar por aderir exclusivamente à SADC. Moçambique,

Lesoto e Tanzânia decidiram abandonar a COMESA nos anos 90. Ainda assim,

há hoje sete países que pertencem simultaneamente à SADC e COMESA:

Page 194: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

193

RDC, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabué. Este

processo de integração de Moçambique num único bloco continental pode

acabar por acelerar ainda mais o fenómeno da urbanização, segundo a UNDP

(2011).

13.2. Arranjos Institucionais: SADC vs. SACU

Alfieri et al (2006) procederam à análise sobre qual o arranjo institucional

de integração regional que mais benefícios pode trazer para o Estado

moçambicano, chegando à conclusão que a SACU é aquele que oferece um

resultado líquido mais positivo para Moçambique, e recomendando por isso

que o país aprofunde a sua integração nas dinâmicas regionais e altere a sua

estratégia de integração regional da SADC para a SACU. Mais, os mesmos

autores vislumbram a disponibilidade das autoridades moçambicanas para

reavaliar a sua estratégia de integração regional, procurando arranjos

institucionais mais favoráveis que a SADC. As conclusões iniciais deste

trabalho apontam prejuízos para o bem-estar de Moçambique com a

participação na SADC, porque os ganhos do lado dos consumidores não

compensam as perdas em receitas aduaneiras. Aliás, essa perda é sempre

maior que os ganhos de consumidor em todos os cenários colocados, se bem

que menos no caso da SACU e respetivos fundos financeiros de solidariedade,

o que se traduz num impacto líquido mais favorável do aprofundamento do

processo de integração regional. Os autores demonstram que estes fundos de

solidariedade e redistribuição da SACU têm um impacto líquido positivo na

Page 195: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

194

economia moçambicana superior aos ganhos de consumidor providenciados

pela liberalização unilateral da economia moçambicana. Mais, a eventual

adesão de Moçambique à SACU enviaria um sinal forte aos agentes

internacionais de maior integração com a economia sul-africana e de

compromisso com a boa governação.

As regras de origem demasiado restritivas impostas no Protocolo

Comercial da SADC são um dos motivos apontados por Alfieri et al (2006) para

a baixa intensidade de relações comerciais de Moçambique com os seus

vizinhos, excetuando a África do Sul, o que, por inerência, valoriza ainda mais

a hipótese SACU. A liberalização unilateral da economia moçambicana é o

cenário que acarreta maior subida das importações, seguido do da SACU e

finalmente do protocolo comercial da SADC. O efeito deste protocolo na quebra

da procura de bens domésticos é menor em alguns produtos agrícolas e têxteis

(Alfieri et al, 2006).

Moçambique tem acesso preferencial e isento aos principais mercados

mundiais (EUA via AGOA e UE via Acordo de Cotonou) e assinou igualmente

uma série de acordos bilaterais com África do Sul, Portugal, Zimbabué, Ilhas

Maurícias, França, Itália, China, Egipto, Indonésia, Argélia, Suíça, Alemanha,

Holanda, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Cuba e Malawi (Chichava, 2011).

Além destes, as autoridades moçambicanas têm procurado estabelecer mais

acordos bilaterais com países como Angola, Tanzânia ou Zâmbia. Todavia, os

constrangimentos da sua capacidade produtiva ainda não permitem um

aproveitamento total destas potencialidades.

Page 196: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

195

13.3. Relações Moçambique – África do Sul

Dentro do espaço da África Austral, Moçambique apresenta uma relação

económica muito forte com a África do Sul. Para Magaia (2003), as relações

económicas entre as duas economias têm sido estruturadas em torno de

algumas dinâmicas fundamentais: i) o poderio hegemónico da África do Sul na

região da África Austral; ii) as decisões de política económica das autoridades

moçambicanas; iii) o papel ainda pouco relevante da economia sul-africana no

panorama internacional; iv) o peso de setor extrativo na economia sul-africana.

Gráfico 24 – Volume do IDE em Moçambique por Origem

(2001/2005, Milhões USD)

Fonte: Alfieri et al (2006: 43)

Page 197: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

196

O IDE desempenha um papel importante na economia moçambicana, na

medida em que representa uma das principais fontes de poupança e

investimento na economia doméstica. Magaia (2003) afirma mesmo que o IDE

é uma necessidade para a economia moçambicana, que não é capaz de gerar

internamente os volumes de poupança necessários para realizar investimento.

A África do Sul é precisamente um dos principais atores externos na economia

moçambicana, sendo que Moçambique é um dos principais destinos do

investimento sul-africano. O IDE sul-africano concentra-se na província de

Maputo, em muito influenciado pela edificação do corredor de desenvolvimento

de Maputo, que permite desbloquear o potencial de desenvolvimento da região

nordeste da África do Sul e da província de Gauteng.

Tabela 22 – IDE da África do Sul em Moçambique por Província Moçambicana

(1990/2000)

Fonte: CPI (2001) in Pallotti (2004: 526)

Ele concentra-se em setores económicos como os recursos naturais,

indústrias extrativas, banca, telecomunicações, comunicação social e turismo.

Page 198: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

197

Moçambique tem uma vantagem comparativa significativa relativamente, por

exemplo, à África do Sul num dos fatores mais valorizados para o IDE, os

baixos custos salariais. Outra vantagem da economia moçambicana é de cariz

aduaneiro: enquanto as taxas aduaneiras para a importação de tecidos na

África do Sul podem ascender a 20%, em Moçambique estas taxas são nulas.

Contudo, Pallotti (2004) ressalva que a intensificação dos fluxos de IDE

sul-africanos para Moçambique não tem sido acompanhada por um incremento

da criação de emprego, dado que o padrão deste IDE é muito mais intensivo

em capital e exigente em termos de qualificações para a mão-de-obra. Mais,

excluindo o turismo, todos estes sectores são intensivos em capital e não têm

ligações diretas com muitos outros sectores da economia doméstica

moçambicana, como é o caso paradigmático de mega-projetos como o do

alumínio da Mozal. Chichava (2011) acrescenta a estas escassas ligações

entre o IDE e a economia local o subdesenvolvimento do sector das indústrias

de suporte moçambicanas, que impede um maior aproveitamento dos

benefícios do IDE no país.

O peso da África do Sul nas relações comerciais moçambicanas é

significativo, tendo em 2004 representado 55% das importações de

Moçambique, enquanto os restantes Estados da África Austral representaram

apenas 5%. Já o principal destino das exportações moçambicanas em 2004 foi

a UE, com 68%, enquanto a África do Sul apenas absorveu 14% (Alfieri et al,

2006). Daqui se retira a desigualdade da relação comercial entre a África do

Sul e Moçambique, sendo a penetração moçambicana na África do Sul muito

menor que a inversa. As exportações moçambicanas para a África do Sul

Page 199: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

198

apresentam uma concentração excessiva em alguns bens primários pouco

processados e com pouco valor acrescentado.

Tabela 23 – IDE da África do Sul em Moçambique por Setor Económico

(1990/2000)

Fonte: CPI (2001) in Pallotti (2004: 528)

Gráfico 25 – Importações de Moçambique por Origem em 2004 (%)

Fonte: Alfieri et al (2006: 7)

Page 200: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

199

Gráfico 26 – Exportações Moçambicanas por Destino em 2004 (%)

Fonte: Alfieri et al (2006: 7)

Teoricamente, os próprios arranjos institucionais de integração

regional potenciam os fluxos de IDE ao procederem ao desarmamento tarifário

entre economias domésticas e fomentarem um bom ambiente de negócios à

escala regional que reduz o risco dos agentes privados. Esta orientação para o

mercado regional em detrimento do mercado mais global implica forçosamente

um aprofundamento das atuais relações económicas com a África do Sul,

agravando ainda mais a dependência estrutural da economia moçambicana

deste parceiro comercial e potenciando o risco de predomínio dos agentes

económicos sul-africanos mais poderosos (Magaia, 2003; Correia, 2008).

Mesmo o impacto do IDE na arrecadação de receitas públicas é relativo, dado

que muito dele se localiza nas denominadas zonas económicas especiais,

onde a incidência fiscal é menor.

Não se pode dissociar a prossecução duma estratégia de

industrialização em Moçambique das dinâmicas próprias da sua integração no

Page 201: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

200

espaço regional da África Austral, sobretudo das relações com a potência

regional África do Sul. É neste sentido que Magaia (2003) afirma que as

dinâmicas do IDE em Moçambique não estão a contribuir para a diversificação

do aparelho produtivo moçambicano, dado perpetuarem a concentração do

investimento nas indústrias extrativas e renegarem o setor industrial.

A economia moçambicana é das que apresenta melhores resultados em

termos de crescimento económico na região, se bem que é também uma das

com maior dívida externa. Moçambique tem vindo a registar alguns progressos

na área da melhoria do seu ambiente de negócios, como a redução do tempo e

custo das operações de importações, a reformulação dos códigos de impostos,

aprovação do Código Comercial ou simplificação dos procedimentos de

constituição de empresas (Correia, 2008). A questão fundamental reside nos

limites da capacidade produtiva da própria economia moçambicana. Para

Magaia (2003), Moçambique, com as atuais capacidades produtivas e

limitações institucionais dificilmente poderá captar na sua plenitude os

benefícios decorrentes do aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional, perpetuando, isso sim, as dependências estruturais que já

apresenta.

13.4. Vantagens Competitivas e Desenvolvimento

A remoção destas limitações da capacidade produtiva da economia

moçambicana pode passar por um aproveitamento mais eficaz das suas

vantagens competitivas regionais. A economia moçambicana apresenta um

Page 202: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

201

conjunto de vantagens competitivas regionais nos setores dos transportes,

graças à sua posição geoestratégica privilegiada, bem como na energia e

mesmo no turismo, além dos custos reduzidos com o fator trabalho

relativamente. A localização geográfica de Moçambique torna-o um ator

privilegiado enquanto canal de comunicação da região da África Austral com o

continente asiático, através dos seus corredores desenvolvimento de Maputo,

Beira e Nacala. Estes corredores de desenvolvimento têm sido reconhecidos

como infraestruturas centrais no processo de aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional. Inclusive, Vines (2008) destaca a proteção

das tropas do Zimbabué à construção dos corredores de desenvolvimento de

Moçambique. Porém, apesar destas potencialidades, constata-se que estas

infraestruturas estão longe de serem exploradas no seu ponto ótimo. Uma

outra vantagem competitiva da economia moçambicana é a abundância e

diversidade de recursos energéticos, sobretudo energia hídrica, carvão, gás

natural e biomassa. O potencial de hidroeletricidade moçambicano encontra-se

concentrado no rio Zambeze, onde a hidroelétrica de Cahora Bassa é a

principal infraestrutura de geração e transmissão de eletricidade. Segundo

Chichava (2011), as vantagens competitivas de Moçambique no sector

energético passam, entre outros aspetos, pela plataforma logística que

transporta combustíveis desde o porto da Beira até ao Zimbabué, pelo

gasoduto que transporta gás natural desde os campos de Pande e Temane até

à África do Sul, e pela plataforma logística que transporta combustíveis desde o

porto de Maputo até à África do Sul. Porém, o aproveitamento integral das

vantagens competitivas de Moçambique no setor energético requer

investimentos volumosos no aumento das capacidades de geração e

Page 203: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

202

transmissão de eletricidade. Isto tendo em conta que o mercado regional da

África Austral pode beneficiar grandemente com o aumento da capacidade de

exploração do potencial energético moçambicano, visto que a região apresenta

um défice estrutural de capacidade de geração de eletricidade. Para além

destes dois setores principais, Moçambique pode apostar igualmente no

desenvolvimento da agropecuária e o do turismo para conquistar vantagens

comparativas regionais.

Chiau (2008) crê que atualmente o grande desafio da economia

moçambicana passa por proceder a uma alteração do seu paradigma de

desenvolvimento e pela reestruturação interna da sua economia, de modo a

potenciar as suas vantagens competitivas e diversificar a sua estrutura

económica produtiva. Duas estratégias distintas podem ser implementadas

pelas autoridades moçambicanas: uma consiste em privilegiar o mercado

comum da SADC, que atuaria como um bloco dentro do qual as diversas

economias regionais poderiam prosseguir com os seus processos de

desenvolvimento; outra estratégia possível passa pela utilização a região da

SADC como plataforma capaz de aumentar a competitividade da economia

nacional para melhor enfrentar a concorrência nos mercados internacionais

(Magaia, 2003).

Esta reestruturação da economia doméstica moçambicana deve apostar

em alguns setores económicos fundamentais. O setor dos serviços

moçambicano está ainda pouco integrado com o resto da economia doméstica,

pois esses serviços estão sobretudo orientados para as relações com os

Estados vizinhos, o que acaba por criar obstáculos à diversificação da esfera

produtiva moçambicana. A economia moçambicana apresenta um peso muito

Page 204: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

203

reduzido do setor manufatureiro, frequentemente apontado como chave de

qualquer processo de desenvolvimento. O processo de liberalização comercial

decorrente da integração das diversas economias regionais precisa de ser

conjugado com o estímulo e fomento das denominadas indústrias emergentes.

Correia (2008) defende que a opção estratégica deve passar pela manutenção

de barreiras comerciais nos produtos que os agentes económicos nacionais já

conseguem fornecer à economia doméstica (tomate, batata, cebola, entre

outros), liberalizando a entrada daqueles para os quais não existe produção

nacional. O que se verifica é que a imposição de tarifas aduaneiras elevadas

tem muito mais a ver com a recolha de impostos aduaneiros do que com a

proteção de indústrias moçambicanas. O desenvolvimento dum setor industrial

moçambicano será assim sempre influenciado pelas dinâmicas regionais, no

que se refere à transformação do mercado interno num regional e à

concorrência que pode advir dos Estados vizinhos.

A economia moçambicana é marcadamente dependente do exterior,

tanto para as suas importações como para escoar as exportações. O país

apresenta um saldo da balança comercial com a SADC estruturalmente

deficitário, muito graças às relações com a África do Sul.

Enquanto as importações moçambicanas provêm sobremaneira da

SADC, sobretudo da África do Sul, as exportações têm como destino

preferencial o mercado europeu. O grosso das importações moçambicanas

concentra-se na maquinaria, combustíveis, viaturas e bens intermediários,

sendo os mega-projectos responsáveis por uma parcela significativa destas.

Page 205: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

204

Tabela 24 – Participação do Saldo Comercial no PIB de Países da SADC (%)

Fonte: SADC (2007) in Chiau (2008: 50)

Correia (2008) advoga a intervenção das autoridades moçambicanas no

sentido de influenciarem as importações nacionais de modo a que a parcela de

bens de capital e bens intermédios cresça comparativamente aos bens de

consumo final. Já no que se refere às exportações moçambicanas, elas

apresentam um padrão bastante semelhante aos de alguns dos seus vizinhos,

baseado em alguns bens primários não processados e com pouco valor

acrescentado. Elas estão concentradas num número reduzido de mega-

projectos industriais, como o do alumínio da Mozal, a energia hídrica de

Cahora-Bassa ou o gás natural da Sasol. Curiosamente, o setor manufatureiro

assume uma importância maior nas exportações moçambicanas do que no

próprio produto nacional, sobretudo devido às dinâmicas próprias dos mega-

projetos. Este crescimento das exportações do setor manufatureiro não tem,

contudo, sido suficiente para alterar estruturalmente o padrão das exportações

da economia moçambicana, nem para se poder afirmar que se verificou uma

diversificação das exportaçõe (Magaia, 2003).

Page 206: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

205

14. Energia em Moçambique

14.1. Atores Principais do Setor Energético

O setor energético moçambicano pode ser desagregado em três

cenários: i) um caracterizado por uma grande capacidade de geração de

eletricidade, sobretudo graças à HCB, e por isso capaz de atrair investimento

para os denominados mega-projectos; ii) outro marcado pela incapacidade de

estender a rede elétrica a zonas rurais mais remotas, dado que a coluna

vertebral da sua rede está pensada para o abastecimento à África do Sul; iii) e

um outro pleno de potencialidades em termos de energias renováveis

descentralizadas. O mesmo setor pode ainda ser decomposto em três grupos

distintos: a) a procura local dos residentes; b) o sector industrial moçambicano

associado aos mega-projectos; c) a procura externa proveniente da África do

Sul e dos restantes membros da SAPP (Hankins, 2009; Chambal, 2010).

Os atores dominantes neste panorama energético de Moçambique são:

a EDM, a empresa elétrica estatal, que participa em todas as fases do

processo elétrico; a HCB, que está conectada com a SAPP e cuja capacidade

de geração de eletricidade tem como destino maioritário a África do Sul; e a

Motraco, uma joint-venture entre as empresas elétricas estatais de

Moçambique, Suazilândia e África do Sul que visa o abastecimento do mega-

projeto de alumínio da Mozal. O primeiro ator, a EDM, é o principal em

Moçambique no que toca à distribuição da eletricidade pelo território nacional,

visto a empresa ser detentora da rede nacional de transmissão e distribuição

Page 207: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

206

de eletricidade. Contudo, Moçambique apresenta a particularidade de este ator

EDM não ter capacidades de geração e distribuição de eletricidade suficientes

para responder adequadamente à totalidade das necessidades internas, pelo

que tem de adquirir capacidade de geração à HCB. Os planos de expansão da

EDM passam fundamentalmente pelos seguintes projetos de transmissão e

distribuição de eletricidade: i) de Tete para Maputo numa linha, a apelidada

“coluna vertebral”; ii) da HCB para o Malawi; iii) da HCB para a província de

Nampula, via Malawi (Hankins, 2009).

14.2. Comércio Multilateral vs. Bilateral

A adesão de Moçambique à SAPP e os acordos energéticos bilaterais

mantidos com a África do Sul influenciam grandemente as opções estratégias

moçambicanas no sector. Com efeito, o paradigma energético moçambicano

atual tem como prioridade exportar eletricidade no quadro da SAPP e

providenciá-la a preços reduzidos para o seu sector industrial, muito

particularmente para os mega-projectos. No quadro da SAPP, Moçambique é o

segundo maior exportador regional de eletricidade, atrás da África do Sul,

exportando mais de 2000 MW (Hankins, 2009; Chambal, 2010). O

representante moçambicano nesta organização regional é a própria empresa

estatal EDM, que tem o estatuto de operating member. A SAPP é a power pool

africana que tem mais e melhores resultados para apresentar, sobretudo

graças ao comércio de eletricidade entre a África do Sul e Moçambique.

Porém, convém notar que muita da eletricidade que a África do Sul importa de

Page 208: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

207

Moçambique é posteriormente reexportada para a Mozal, o que acaba por ter

um efeito de duplicação dos volumes de comércio elétrico entre os dois.

Gráfico 27 – Comércio Energético Africano em 2005 (TWh)

Fonte: IEA (2007) in Eberhard et al (2009: 42)

Já no que se refere ao comércio energético intrarregional bilateral, os

maiores clientes da energia moçambicana são a África do Sul e o Zimbabué,

podendo o Malawi juntar-se em breve a esta lista com a conclusão da ligação

da HCB ao país. O Malawi, que se depara atualmente com uma crise

energética severa, pode beneficiar muito com a sua conexão com Moçambique

para pelo menos amenizar essa crise. Contudo, a conclusão da ligação entre

Page 209: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

208

Moçambique e o Malawi tem sofrido atrasos sucessivos, não tanto devido às

autoridades moçambicanas mas sim às do Malawi.

Gráfico 28 – Comércio Energético Intrarregional na SADC

2004/2008 (mil milhões de kW)

Fonte: Mbirimi (2010: 12)

A MOTRACO é uma empresa de transmissão de eletricidade entre a

África do Sul, Suazilândia e Moçambique, que visa o abastecimento de

eletricidade desde a África do Sul até às minas de alumínio do projeto da

Mozal. Ela foi criada em 1998 e assumiu a figura jurídica de joint-venture. Para

além do projeto das minas de alumínio da Mozal, está previsto o abastecimento

ao projeto de areias de Chibuto, na província de Gaza (Chambal, 2010).

As potencialidades do sector energético moçambicano estão longe de se

esgotar no âmbito da economia interna, abrangendo igualmente as

necessidades energéticas da região da África Austral. Essas necessidades têm

Page 210: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

209

vindo a aumentar sustentadamente, pois a região deverá agravar o seu deficit

energético, devido sobretudo ao crescimento demográfico e a urbanização

acelerada. Mbirimi (2010) vai mesmo mais longe, afirmando que Moçambique

tem uma procura interna que não justifica os investimentos em grandes

projetos energéticos, pelo que grande parte da sua energia terá

necessariamente que ter como destino os países vizinhos ou as grandes

potências internacionais. Hankins (2009) contrapõe que é exatamente este

paradigma que tem levado a que a satisfação das necessidades energéticas

domésticas de Moçambique esteja a ser sacrificada em prol da satisfação das

necessidades regionais, muito concretamente da África do Sul.

14.3. Desafios e Objetivos para o Setor Energético

Moçambique, apesar de ser dotado de recursos energéticos em

quantidade e diversidade, tem um limitado nível de exploração desses

recursos. A abundância de recursos energéticos tem estimulado a atração de

muito IDE, sobretudo o associado aos sectores de extração de recursos e aos

intensivos em energia. Aliás, a grande maioria do consumo de eletricidade

registado na economia moçambicana advém dos denominados mega-

projectos.

Page 211: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

210

Gráfico 29 – Desagregação do Consumo de Eletricidade entre Mega-projectos

e o Resto da Economia de Moçambique (GWh)

Fonte: Mulder (2007: 26)

Hankins (2009) refere mesmo o seguinte paradoxo: o complexo

industrial de Moçambique é o maior consumidor de eletricidade per capita de

toda a África Subsaariana, mas o complexo residencial apresenta uma das

taxas de acessos mais baixas da região.

Quadro 4 – Necessidades de Eletricidade dos Mega-Projectos em Moçambique

Fonte: Hankins (2009: 25)

Page 212: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

211

Mais, se se excluir o mega-projeto das minas de alumínio da Mozal,

constata-se que o consumo de eletricidade per capita moçambicano é dos mais

baixos em toda a África. Retirando os mega-projetos, a procura de eletricidade

é praticamente repartida de forma equitativa entre os sectores familiar, da

indústria e dos serviços.

Gráfico 30 – Projeções para a Distribuição da Procura de Eletricidade por

Sector Económico, Excluindo Mega-projectos (GWh)

Fonte: Mulder (2007: 11)

Mulder (2007) realça que o desenvolvimento dos denominados mega-

projectos pode permitir às autoridades moçambicanas proceder a um

alargamento da base tributária doméstica através do aumento da incidência

fiscal sobre estes projetos e a institucionalização de mecanismos de

compensação da ocorrência de externalidades negativas. Uma maior

incidência fiscal sobre a geração de eletricidade em Moçambique terá sempre

um impacto maior nos países vizinhos, dada a extroversão que a geração

elétrica tem em Moçambique.

Page 213: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

212

As previsões para o crescimento anual da procura de eletricidade na

África Austral apontam para cerca de 5% até 2030, sendo que em países como

Angola ou Moçambique esse ritmo será ainda superior (Mbirimi, 2010). A

função procura de eletricidade é bastante heterogénea, dependendo sempre da

dimensão das unidades económicas e respetivo grau de intensidade de

consumo de eletricidade.

Gráfico 31 – Comparação dos Custos de Geração de Eletricidade

da África do Sul e de Moçambique

Fonte: Mulder (2007: 30)

A estratégia para o sector energético adotada pelas autoridades

nacionais moçambicanas para o período entre 2008 e 2012 teve os seguintes

objetivos: aumentar o acesso à eletricidade, tornar sustentável a exploração da

madeira como recurso energético, promover as energias renováveis,

diversificar as fontes energéticas, garantir a proteção ambiental na exploração

energética, introduzir preços que reflitam efetivamente os custos da exploração

Page 214: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

213

energética, fomentar uma voz ativa nos órgãos regionais e internacionais

ligados ao sector energético. Para Chambal (2010), as autoridades

moçambicanas têm vários desafios fundamentais pela frente: aumentar o

acesso das populações à eletricidade sem prejuízo da sustentabilidade

ambiental, desenvolver a capacidade de exploração dos recursos energéticos

renováveis, promover a criação de projetos ligados ao sector energético

orientados para a exportação, incentivar a participação do sector privado

através da liberalização do sector da geração de eletricidade e institucionalizar

mecanismos de atribuição de preços de mercado para os serviços de

eletricidade. Hankins (2009) tem uma abordagem um pouco diferente,

sugerindo as seguintes prioridades: i) conceção duma política nacional para as

energias renováveis, com definição clara de metas prioritárias; ii) remoção de

todo o tipo de tarifas e impostos sobre as renováveis; iii) atracão de

investimento privado para o sector das renováveis; iv) concessão de subsídios

estatais para o financiamento de infraestruturas relacionadas com as energias

renováveis; v) fomento pela SAPP de abordagens descentralizadas de

expansão da taxa de acesso à eletricidade e mecanismos de eficiência

energética

14.4. Paradigma Energético e Acesso à Eletricidade

Moçambique tem um portfolio energético relativamente pouco

diversificado, muito baseado na biomassa, carvão e hidroeletricidade, e uma

rede de transmissão e distribuição pouco desenvolvida, dados os custos

Page 215: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

214

elevados derivados da própria geografia do país. A transmissão e distribuição

de eletricidade em Moçambique representam um desafio enorme, dada a

dimensão do país e a natureza dispersa das suas diversas comunidades. Tal é,

segundo Eberhard et al (2008), igualmente o caso de países como

Madagáscar, Zâmbia ou Tanzânia. Moçambique tem os seus recursos

energéticos distribuídos de forma bastante díspar ao longo do território nacional

e o acesso ainda não está desenvolvido no seu ponto ótimo. Enquanto os

recursos hídricos estão concentrados no Norte do país, a maioria da procura de

eletricidade está mais concentrada no Sul, designadamente em províncias

como Maputo, Gaza ou Inhambane, logo o país precisa de realizar grandes

investimentos domésticos na expansão da sua rede interna de transmissão e

distribuição de eletricidade. O fraco desenvolvimento da rede infraestrutural

nacional de transmissão e distribuição de eletricidade tem limitado o

aproveitamento em muitas zonas de Moçambique do potencial de

hidroeletricidade significativo que o país possui.

A constatação deste facto tem levado ao debate sobre a necessidade de

se romper ou não com o atual paradigma energético em Moçambique. Por

exemplo, Hankins (2009) defende que Moçambique deve alterar esse

paradigma, que não deve basear-se em grandes projetos como hidroelétricas e

antes deve dar prioridade a outro mais descentralizado e orientado para a

expansão da eletrificação rural. O paradigma atual baseado na edificação de

infraestruturas como barragens de grande dimensão tem a desvantagem de

não permitir uma abordagem descentralizada do abastecimento elétrico para o

país. A solução, segundo este autor, deverá passar por essa abordagem, não

só para garantir a segurança energética do país como também para aumentar

Page 216: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

215

a taxa de acesso à eletricidade nas comunidades rurais moçambicanas. A

aposta na mini-geração de hidroeletricidade é economicamente racional, pois o

potencial existente no país está localizado em zonas que não têm um acesso

significativo à rede elétrica nacional, nomeadamente a província de Manica,

constituindo portanto essa aposta uma boa solução para o objetivo de

aumentar a taxa de acesso à eletricidade, ou pelo menos complementar às

grandes infraestruturas.

Quadro 5 – Projetos de Mini-Geração de Hidroeletricidade em Moçambique

Fonte: Hankins (2009: 15)

Existe uma grande disparidade em termos regionais no acesso à

eletricidade: enquanto a província de Maputo apresenta uma taxa de cerca de

40%, as províncias do Norte pouco ultrapassam os 10%. No ano de 2007, 244

Page 217: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

216

dos 364 MW de procura de eletricidade tiveram como destino as província de

Maputo, Gaza e Inhambane, 73 MW para Zambézia, Tete, Manica e Sofala, 59

MW para Cabo Delgado, Niassa e Nampula, donde se retira a preponderância

das províncias do Sul, em grande medida devida ao complexo industrial aí

existente e também à capital Maputo (Hankins, 2009).

Figura 7 – Taxas de Eletrificação das Províncias de Moçambique em 2007

Fonte: Hankins (2009: 27)

Atualmente, o sul do país é abastecido de eletricidade via África do Sul,

eletricidade essa que vem da HCB para a África do Sul e só posteriormente é

importada para o sul do país. Para alterar esta situação, está-se a projetar uma

linha de transmissão da HCB diretamente para Maputo, passando pelas

Page 218: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

217

províncias de Tete, Manica e Inhambane, linha que terá algumas subestações

para o abastecimento destas províncias. Daqui se pode concluir que muito do

comércio energético intrarregional realizado no quadro da SAPP entre África do

Sul e Moçambique é feito não por vantagens comparativas mas sim devido ao

subdesenvolvimento das redes de transmissão e distribuição de eletricidade

moçambicanas.

Figura 8 – Rede Moçambicana de Transmissão e Distribuição de Eletricidade

Fonte: Hankins (2009: 23)

No momento presente apenas cerca de 25% da população

moçambicana têm um acesso fiável à eletricidade (Chambal, 2010). A grande

maioria concentram-se nas zonas urbanas e seus arredores, o que acaba por

escamotear diferentes realidades regionais. A EDM tem um dos projetos de

Page 219: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

218

eletrificação rural mais ambiciosos de toda a África, pretendendo fazer cerca de

260000 novas ligações no curto prazo. Em 2008 foram alcançadas cerca de

100.000 novas ligações ao custo de 800 USD cada (Hankins, 2009). Para

(Chambal, 2010), a reduzida taxa de acesso à rede elétrica registada em

Moçambique deve-se a uma série de fatores, desde a falta de investimento aos

custos elevados associados à expansão dessa rede.

Como referido anteriormente, as autoridades moçambicanas

reconheceram a necessidade de se aumentar o acesso à eletricidade em

Moçambique, atribuindo à EDM a responsabilidade de fazer crescer o número

de novas ligações residenciais por ano. A empresa tem sido relativamente bem

sucedida, passando de cerca de 10000 novas ligações em 2000 para

sensivelmente 70000 em 2006 (Mulder, 2007). No entanto, o objetivo proposto

de se atingir uma taxa de acesso à eletricidade de 50% até 2030 irá requerer

das autoridades moçambicanas, e da EDM em concreto, a criação de cerca de

150000 novas ligações domésticas por ano, mais do dobro das realizadas em

2006.

Tabela 25 – Novas Ligações Residenciais por Ano (milhares)

Fonte: Mulder (2007: 5)

Page 220: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

219

Uma das outras entidades moçambicanas responsável pela expansão

da eletrificação rural é o FUNAE, que tem como missão fundamental instalar

sistemas elétricos baseados na energia solar nas províncias mais remotas.

Apesar dos seus resultados meritórios, os programas de expansão do acesso à

eletricidade às comunidades rurais estão ainda longe de responder

adequadamente ao crescimento da pressão do lado da procura. Estes

programas têm tido resultados assinaláveis em termos absolutos, mas em

termos relativos pouco se ultrapassa a taxa de crescimento demográfico do

país. De acordo com Hankins (2009), a taxa de crescimento do acesso à

eletricidade tem aumentado a uma média de 1,8% ano, o que é apenas

ligeiramente acima da taxa de crescimento demográfico de 1,7%.

Tabela 26 – Abastecimento Elétrico em Moçambique, 2003/2004

Fonte: EDM (2006) in Chambal (2010: 10)

Os programas de eletrificação rural em Moçambique sofrem de grandes

impedimentos no acesso ao financiamento e incentivos estatais. Mais, os

custos de desenvolvimento, transmissão e gestão de redes elétricas são

Page 221: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

220

maiores em zonas rurais que nas urbanas, sendo que no primeiro cenário as

receitas dificilmente conseguem cobrir os custos de investimento. Perante tais

obstáculos, muitas das comunidades mais remotas do país têm apostado em

sistemas de geração e distribuição isolados, sobretudo baseados em geradores

a diesel. O sector privado tem sido incentivado a implementar estes sistemas

de geração de energia em Moçambique, abastecendo as comunidades locais

alheadas da rede nacional e vendendo a esta os seus excedentes.

Tabela 27 – Sistemas Isolados de Abastecimento Elétrico em Moçambique

Fonte: Mulder (2007: 7)

Page 222: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

221

14.5. Potencial Hidroelétrico: HCB e Mphanda Nkuwa

A vantagem comparativa de Moçambique reside claramente na

hidroeletricidade, tanto para abastecimento doméstico como para exportação.

A maioria da eletricidade providenciada pela rede elétrica nacional provém da

hidroeletricidade, sendo que o remanescente provém de estruturas menores de

gás natural, carvão e petróleo. Num cenário de aproveitamento total do

potencial energético do país, Moçambique é capaz de gerar cerca de 14000

MW de eletricidade, com 85% desta a provir da energia hídrica, e sendo que

80% desta energia provém do rio Zambeze, o quinto rio mais volumoso do

Mundo (Hankins, 2009; Chambal, 2010). As autoridades moçambicanas

estimam que o país tenha potencial para mais de 60 projetos de mini-geração

de energia hídrica, numa capacidade total de 1000 MW, sobretudo na província

de Manica. Hankins (2009), mesmo reconhecendo que os custos operacionais

da mini-geração de energia hídrica são superiores aos dos grandes

empreendimentos como as hidroelétricas de larga escala, demonstra que os

primeiros requerem menores custos iniciais e têm um risco operacional menor,

pois não dependem dum único curso hídrico e permitem uma abordagem

descentralizada para o abastecimento elétrico. Porém, os obstáculos ao

desenvolvimento da mini-geração de hidroeletricidade em Moçambique estão

sobretudo nas restrições humanas e financeiras existentes ao nível regional e

a aversão ao risco dos agentes económicos privados, potenciais financiadores

deste tipo de projetos.

Page 223: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

222

A maioria do potencial energético atual de Moçambique, sensivelmente

80%, está no rio Zambeze, em infraestruturas como Cahora Bassa,

hidroelétricas de Lupara ou Boroma e a futura Mphanda Nkuwa (ECA, 2009;

Chambal, 2010). O projeto de Mphanda Nkuwa tem sido fomentado pelas

autoridades moçambicanas devido à estabilidade que ele pode trazer para ao

abastecimento elétrico nacional e também às divisas que pode angariar nas

exportações para a região da África Austral, no quadro da SAPP. Hankins

(2009) confirma mesmo que o projeto de Mphanda Nkuwa está totalmente

orientado para o exterior, procurando tirar partido das vantagens comparativas

do país em hidroeletricidade, num quadro de aprofundamento dos arranjos

institucionais de cooperação e integração regional. A sua operacionalização

deverá iniciar-se a partir de 2014, tendo uma capacidade de geração associada

de sensivelmente 1300 MW, e a empresa responsável pela prossecução deste

projeto é a brasileira Camargo Correia.

Gráfico 32 – Projeções para a Balança Comercial Energética de Moçambique

Fonte: Mulder (2007: 24)

Page 224: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

223

Relativamente à HCB, localizada no rio Zambeze, teve como objetivos

iniciais fornecer eletricidade à vizinha África do Sul e à zona industrial do sul de

Moçambique. Tem uma capacidade de geração de eletricidade de cerca de

2075 MW, assumindo por isso o papel de ator dominante no contexto da

geração e transmissão de eletricidade em Moçambique. A eletricidade por si

gerada é distribuída numa proporção de 80% para o exterior e os restantes

20% para a economia doméstica (Mulder, 2007). A HCB, e respetiva linha de

transmissão, foi um dos instrumentos utilizados pela África do Sul para aceder

à hidroeletricidade localizada no rio Zambeze. Aliás, desde o início da

conceção do projeto de Cahora Bassa se teve consciência de que a dimensão

só fazia sentido para o abastecimento da potência regional África do Sul, o que

logo implicou o envolvimento da Eskom na sua construção e desenvolvimento.

Mais tarde, com o eclodir da guerra civil moçambicana, a linha de transmissão

da HCB para a África do Sul foi alvo de muitos ataques de sabotagem,

acabando por ser desativada em 1981 e só sendo restaurada em 1998. O fim

do regime do apartheid sul-africano permitiu a institucionalização de arranjos

tripartidos de cooperação e integração energética regional entre a África do

Sul, Moçambique e Zimbabué no que respeita à HCB, e entre a África do Sul,

Botswana e Zimbabué no que respeita a Matimba.

Page 225: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

224

Gráfico 33 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura

Fonte: Mulder (2007: 23)

O abastecimento da HCB à EDM faz-se por via de um acordo buy-back

com a Eskom, que recebe eletricidade da HCB e posteriormente transfere parte

dela para a EDM (ECA, 2009). Uma das formas mais imediatas de a EDM

aumentar a sua capacidade de transmissão e distribuição de eletricidade é a

contratualização dum volume superior de energia gerada na HCB. Tais

pretensões poderão no entanto esbarrar nos contratos já estabelecidos entre a

hidroelétrica de Cahora Bassa e a empresa estatal sul-africano Eskom,

contratos esses de longa duração e que não dão azo a grande margem de

manobra para serem alargados a outros clientes. Chambal (2010) chama a

atenção para o facto de a HCB necessitar duma reestruturação interna

profunda devido ao seu nível elevado de endividamento. A HCB assume

igualmente um papel importante na atração do IDE para a economia

moçambicana, ao servir como garantia para o abastecimento de eletricidade

para os mega-projetos. Por exemplo, o mega-projecto de areias pesadas de

Moma recebe eletricidade diretamente da hidroelétrica de Cahora Bassa, via

linha de transmissão e distribuição com destino a Nampula.

Page 226: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

225

Uma outra solução considerada pelas autoridades moçambicanas passa

pela expansão da capacidade da HCB com a ativação da central norte, que

tem um potencial de capacidade de geração de eletricidade de sensivelmente

850 MW. A central norte da HCB tem a sua conclusão prevista para 2015, e

estará totalmente orientada para o abastecimento de eletricidade à região da

África Austral.

O desenvolvimento sustentável de alguns PVD como Moçambique está

a ser ameaçado pelas alterações climáticas e pelo crescimento explosivo da

procura mundial de recursos energéticos. No caso concreto moçambicano,

Hankins (2009) sustenta que a sua atual política energética depende

excessivamente da energia hídrica, numa altura em que é cada vez mais

reconhecida a importância da diversificação do portfolio energético dum país

num cenário de alterações climáticas e aumento da instabilidade das chuvas. A

aposta cada vez mais frequente na exploração do potencial de energia hídrica

do rio Zambeze torna o paradigma energético moçambicano muito exposto a

fenómenos naturais como secas severas provenientes das alterações

climáticas. Ainda assim, Moçambique, ao apresentar um portfolio energético

baseado grandemente na energia hídrica, tem emissões de CO2 bastante

reduzido. Tal não tem desmotivado a EDM de substituir progressivamente a

energia fóssil por uma parcela crescente da hidroeletricidade adquirida à HCB.

Page 227: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

226

14.6. Gás Natural, Carvão e Petróleo

Tabela 28 – Oferta e Procura de Eletricidade em Moçambique, 2006/2010

Fonte: EDM (2004) in Chambal (2010: 10)

Fora a hidroeletricidade, Moçambique é dotado duma vasta gama de

recursos energéticos, desde o carvão e gás natural às energias renováveis

solar e eólica. Por exemplo, na capital, Maputo, cerca de 25% da população

utilizam fontes energéticas alternativas como o GPL (Chambal, 2010).

Relativamente ao gás natural, Moçambique apresenta reservas

significativas, concentradas nas províncias centrais e ao longo da costa norte.

As reservas de gás natural moçambicanas estão localizadas sobretudo nas

províncias de Inhambane e Sofala, nas localidades de Pande, Temane e Buzi

(Mulder, 2007; Chambal, 2010). As primeiras descobertas de reservas de gás

natural em Moçambique datam da década de 60, mais concretamente 1962,

quando a empresa Gulf Oil o descobriu na região de Pande (Rolo & Tschanze,

2008). Todavia, a exploração económica do gás natural moçambicano não

aconteceu na altura da sua descoberta, devido a alguns obstáculos locais,

Page 228: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

227

designadamente o contexto político da altura na África Austral, caracterizado

pelo regime sul-africano do apartheid e lutas de libertação nacional, como o

acesso fácil e barato aos recursos petrolíferos que desincentivava a aposta

noutras fontes energéticas e ainda como a falta de dinâmica da procura local

da África Austral. Só em 2000 é que se apostou na exploração económica das

reservas de gás natural moçambicanas, com a celebração de acordos entre a

Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) de Moçambique e a empresa sul-

africana Sasol para a exploração conjunta das reservas de gás natural da

região de Pande e Temane e para a construção dum gasoduto que transporte o

gás natural daí proveniente até ao complexo petroquímico de Secunda na

África do Sul e respetiva zona industrial. Neste contexto do acordo de

exploração conjunta, ficou estipulado que o lado sul-africano tivesse uma

participação de 70% nas atividades de exploração do gás e o lado

moçambicano os restantes 30% (Rolo & Tschanze, 2008). Mais tarde, a IFC

(International Finance Corporation), parte integrante do grupo do Banco

Mundial, adquiriu uma total de 5% da participação moçambicana no projeto do

gás natural. O gás natural explorado em Temane é exportado para a África do

Sul atarvés de um gasoduto entre esta localidade e a província de Gauteng.

Este gasoduto é gerido conjuntamente pela Sasol, Companhia Moçambicana

de Gás (CMG) e a ROMPCO, empresa constituída pela Sasol com a

responsabilidade de levar a cabo a sua construção do e assegurar o transporte

do gás natural até Secunda, na África do Sul. Estes campos de Pande e

Temane têm uma capacidade projetada de produção de gás natural de cerca

de 120 MGj ano até 2030 (Rolo & Tschanze, 2008). Os mesmos autores

salientam como particularidade associada a este projeto de gás natural a

Page 229: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

228

abertura de cinco saídas de gás ainda em Moçambique, mais concretamente

em Temane, Chigubo/Funhalouro, Chokwé/Macarretane, Magude/Moamba e

Ressano Garcia, para fornecer energia à economia nacional. Relativamente a

esta última saída, ela foi adjudicada à companhia moçambicana de gás Matola,

prevendo a construção de um ramal de 75 quilómetros e com uma capacidade

de transporte até 1,5 MGj por ano, para fornecimento de energia ao

empreendimento industrial da Mozal.

Os custos do projeto de gás natural de Pande e Temane estão

distribuídos em 2/3 para Moçambique e 1/3 para a África do Sul.

Tabela 29 – Distribuição dos Custos do Projeto de Gás Natural de

Pande e Temane

Fonte: Tschanze and Rolo (2008: 59)

Também no caso do gás natural moçambicano se constata uma grande

extroversão da eletricidade gerada para a região da África Austral,

Page 230: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

229

concretamente para a África do Sul. As exportações moçambicanas de gás

natural para a potência regional África do Sul assumiram proporções

significativas, atingindo entre 2004 e 2005 os 2619 milhões de metros cúbicos

e os 620 barris de condensados. O processo de distribuição dos lucros do

projeto de gás natural de Pande e Temane é bastante detalhado por Rolo &

Tschanze (2008: 60): “à produção total, a Sasol está obrigada a deduzir uma

parcela de 5% correspondente ao imposto sobre a produção petrolífera,

obtendo-se assim a produção disponível; a esta deduz-se uma percentagem

até 65% a título de amortizações, o que dá o denominado lucro; este é

distribuído pelos parceiros através da aplicação de um fator R (crescente e

variável) que retrata a participação relativa dos parceiros no projeto”. Deste

método de distribuição dos lucros retira-se que o lado moçambicano vai

ganhando uma parcela cada vez maior, à medida que a amortização

necessária para compensar os custos de pesquisa da Sasol vai

progressivamente diminuindo.

As autoridades moçambicanas têm procurado expandir o âmbito

geográfico das prospeções de gás natural, sobretudo nas províncias de

Inhambane e Sofala, prospeções essas que estão a ser levadas a cabo pela

companhia norueguesa Det Norske. Com essa pesquisa pretende-se que a

afetação do gás natural moçambicano para o mercado interno seja cada vez

maior, sobretudo após a edificação do gasoduto para o parque industrial de

Beleluane em Maputo. Até 2008, os campos de gás natural de Pande e

Temane dominavam o panorama nacional moçambicano deste recurso

energético, representando sensivelmente 70% do potencial até aí atribuído

(Rolo & Tschanze, 2008).

Page 231: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

230

Tabela 30 – Produção e Consumo de Gás Natural do Projeto de

Pande e Temane

Fonte: Tschanze and Rolo (2008: 60)

Excluindo os campos de gás natural de Pande e Temane, a EDM está

igualmente em negociações com a empresa tanzaniana Artumus para a

importação de eletricidade mediante a edificação de uma linha de transmissão

de energia a gás da estação de Mtwara até às províncias de Nampula e Cabo

Delgado (Hankins, 2009).

Para além destas reservas de gás natural, Moçambique tem igualmente

reservas bastante significativas de carvão, à semelhança do que se verifica

noutros países da África Austral como Zimbabué, Botswana ou África do Sul. A

produção e exploração de carvão são das práticas mais disseminadas em

Moçambique para a geração de energia. Há no país três reservas de carvão

principais: Moatize, Senangoe e Mucanha-Vuzi, todos elas na província de

Tete, sendo que as estimativas apontam para reservas na ordem das três mil

milhões de toneladas (Chambal, 2010). A empresa brasileira Vale do Rio Doce

detém o direito de exploração das reservas de carvão de Moatize, mas está

Page 232: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

231

previsto que sensivelmente 15% da sua produção tenham como destino o

mercado interno moçambicano. Mulder (2007) avança que este projeto

contempla a edificação futura duma central de geração de eletricidade com

uma capacidade associada de cerca de 1500 MW. Um aspeto que tem vindo a

ser cada vez mais valorizado é a eficiência na produção e exploração do

carvão, importante não só para aumentar o rendimento de muitas comunidades

rurais como também para reduzir os impactos ambientais negativos da

exploração desta matéria-prima em Moçambique.

Dado que o país não tem capacidade de refinação de petróleo, todo o

consumo de combustíveis dele derivados tem de ser garantido pela

importação, o que coloca um grande problema em termos de segurança

energética. Além disso, Moçambique é bastante dependente do exterior para o

abastecimento de combustíveis, e tem visto a sua balança comercial deteriorar-

se com o aumento sustentado dos preços internacionais do petróleo.

Esta tendência tem levado alguns países a apostarem no biodiesel,

nomeadamente Moçambique, Lesoto, Malawi, Namíbia, África do Sul,

Suazilândia, entre outros (Ngwawi, 2007). Uma das diferenças mais relevantes

entre os setores petrolífero e elétrico moçambicanos é que, enquanto no

primeiro, o setor privado tem conseguido entrar e assumir uma posição

relevante, no segundo a EDM ainda controla praticamente toda a indústria.

Page 233: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

232

Gráfico 34 – Importações de Combustíveis por Moçambique

Fonte: Mulder (2007: 14)

O mercado moçambicano de GPL ainda está subdesenvolvido, existindo

apenas nos maiores centros urbanos e estando concentrado numa única

empresa privada. O consumo de GPL em Moçambique não tem crescido

significativamente nos últimos anos, pelo que o setor terá de ser alvo de uma

aposta mais concreta das autoridades moçambicanas, que vá da produção

interna de GPL até à edificação duma infraestrutura capaz de acolher

importações de grandes dimensões, para posterior reexportação ou mesmo

para consumo doméstico (Mulder, 2007).

Page 234: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

233

14.7. Energias Renováveis em Moçambique

Figura 9 – Potencial de Energias Renováveis de Moçambique

Fonte: Hankins (2009: 10)

Moçambique apresenta um grande potencial em termos de geração de

eletricidade via energias renováveis, designadamente as solar e eólica. Este

potencial permite a adoção duma abordagem mais descentralizada para o

abastecimento elétrico nacional, visto que permite o abastecimento tanto dos

Page 235: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

234

centros urbanos como das comunidades rurais mais remotas. Outra vantagem

destas novas energias renováveis é a sua dispersão geográfica pelo território

moçambicano, o que facilita as políticas de expansão das capacidades de

transmissão e distribuição de eletricidade. Contudo, Hankins, (2009) avança

que o aprofundamento da exploração deste potencial das novas energias

renováveis tem encontrado em Moçambique os seguintes obstáculos: i) o preço

da eletricidade mantido artificialmente reduzido; ii) a inexistência de incentivos

estatais para o seu desenvolvimento; iii) as grandes reservas e potencialidades

em outros recursos energéticos.

Um dos grandes desafios na promoção das novas energias renováveis

em Moçambique é conseguir atrair o investimento privado para estes projetos,

que deverão para isso assumir dimensão e escala suficientemente atrativas.

Para tal, é necessário que as autoridades nacionais moçambicanas

implementem políticas de eficiência energética e enquadramentos institucionais

favoráveis no sector energético

A maioria do potencial de energia eólica de Moçambique encontra-se ao

longo da sua costa marítima e na província do Niassa, mas o mapeamento

deste potencial ainda não está completo. A utilização da energia eólica é mais

comum em Moçambique para abastecimento de água às comunidades.

Moçambique apresenta um potencial imenso e praticamente inexplorado

de energia solar, rondando os 1,5 GWh (Hankins, 2009). A exploração mais

generalizada da energia solar pelas autoridades moçambicanas é a que o

abastecimento de eletricidade à escala micro de comunidades rurais remotas,

Page 236: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

235

desconectadas da rede elétrica nacional. Outra aplicação da energia solar em

Moçambique é o aquecimento da água, que consome muita eletricidade.

A energia da biomassa está a ser cada vez mais reconhecida como uma

alternativa muito viável para a geração de eletricidade em Moçambique.

Segundo Hankins (2009), ela pode ser dividida em duas categorias

fundamentais: i) a biomassa tradicional, como a madeira, carvão e resíduos

agrícolas); ii) biomassa moderna como a jatropha. Moçambique apresenta um

grande potencial de desenvolvimento dos biocombustíveis, dado que dos 63

milhões de hectares de terra arável existentes apenas cerca de 4 milhões, ou

seja, menos de 10%, estão a ser explorados (Mulder, 2007).

Tabela 31 – Hectares de Jatropha Necessários para a

Produção de Biodiesel em Moçambique

Fonte: Mulder (2007: 20)

Page 237: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

236

A produção de jatropha, não deverá colocar em causa a segurança

alimentar das populações, por não implicar sacrifício de terrenos reservados às

produções alimentares. No caso moçambicano, a vastidão de terrenos

agrícolas por explorar torna negligenciável a ameaça à segurança alimentar

derivada da produção de biodiesel. Fora a jatropha, Moçambique apresenta

uma produção tradicional significativa de cana-de-açúcar e outros bens

agrícolas geradores de energia, como a mandioca, coco, caju ou mesmo o

milho.

A aposta das autoridades moçambicanas no biodiesel pode ser

encarada como uma forma de combater a grande dependência da importação

de combustíveis que caracteriza a economia do país. Mulder (2007) calcula

que a racionalidade económica para a aposta no biodiesel em Moçambique

começa a ganhar força a partir dum preço internacional do petróleo acima dos

45 USD por barril, entendendo porém que com preços abaixo desse limiar as

autoridades moçambicanas devem procurar igualmente implementar um

mecanismo de subsidiação do biodiesel produzido internamente. A exploração

da energia da biomassa pode ter um efeito bastante positivo na criação de

emprego em Moçambique, dado que permite a integração de PME em

praticamente todas as fases do processo produtivo. Tal é particularmente

positivo num cenário de grande crescimento deste sector do biodiesel na

próxima década em Moçambique, aproveitando a aposta cada vez mais

consistente que nela faz a África do Sul.

As estimativas apontam para que em Moçambique se abatam

anualmente entre 45 milhões e 120 milhões de árvores para a geração de

energia (Mulder, 2007). E o fenómeno do crescimento demográfico colocará

Page 238: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

237

naturalmente uma pressão maior do lado do consumo no combustível lenhoso,

prevendo-se um crescimento de 230000 TJ em 2007 para 260000 TJ em 2030.

Os atuais programas de expansão da eletrificação rural terão também um

impacto positivo significativo sobre o consumo de combustível lenhoso, no

sentido de que quanto maior a taxa de eletrificação rural menor o consumo

deste recurso energético.

Page 239: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

238

15. Considerações Finais

15.1. Conclusões Fundamentais

A conclusão fundamental deste projeto de investigação procura

responder à própria questão de partida levantada pelo seu título. Conclui-se

que o papel de Moçambique no processo de aprofundamento da integração

regional e no robustecimento da segurança energética na região da África

Austral é absolutamente central.

A posição geoestratégica de Moçambique na região da África Austral

torna-o naturalmente um ator principal no aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional e no fomento do comércio intrarregional. O

seu papel enquanto canal de comunicação entre os seus Estados-vizinhos

vedados de acesso direto ao mar e o exterior, via infraestruturas como os

corredores de desenvolvimento, é essencial para a facilitação das trocas

comerciais de âmbito intrarregional e para o próprio processo de

desenvolvimento das economias vizinhas. Além disso, desde há muito que

Moçambique representa uma parte importante das trocas comerciais

intrarregionais da África Austral, sobretudo com a África do Sul, pelo que o país

já é um dos principais impulsionadores do comércio intrarregional.

O papel de Moçambique é ainda mais relevante no contexto energético

regional. Com efeito, o país desempenha há muito um papel de relevo nas

trocas comerciais energéticas da África Austral, principalmente com o

Page 240: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

239

fornecimento de eletricidade da hidroelétrica de Cahora Bassa para a África do

Sul. O país é igualmente um dos principais exportadores regionais de energia e

eletricidade, para países como África do Sul, Zimbabué, Malawi e mesmo

Tanzânia. Mais, as recentes descobertas de recursos energéticos

moçambicanos, como o carvão da província de Tete ou o gás natural da bacia

do Rovuma, poderão vir a ter um impacto decisivo no incremento do comércio

energético intrarregional e no robustecimento da segurança energética da

África Austral.

Na introdução deste projeto de investigação foram levantadas algumas

questões de partida que podem agora ser respondidas.

Fica comprovado que o aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional facilita o incremento do comércio intrarregional. No âmbito

do aprofundamento destes arranjos institucionais há medidas relevantes como

a harmonização de enquadramentos legais e institucionais, harmonização

essencial para a facilitação do investimento e comércio transfronteiriço, bem

como a criação de instrumentos de solidariedade financeira e de financiamento

de infraestruturas transnacionais que potenciam o comércio entre Estados-

vizinhos.

O incremento nos volumes do comércio energético intrarregional pode

ser um dos instrumentos mais válidos para as políticas de robustecimento da

segurança energética da região da África Austral. O aumento da parcela dos

recursos energéticos regionais nos portfolios energéticos dos diversos Estados

representa uma diversificação das fontes de fornecimento, o que reduz a

dependência dos Estados da região da África Austral de fornecedores

Page 241: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

240

externos. O aproveitamento mais completo dos recursos energéticos

endógenos pode contribuir igualmente para uma diversificação dos recursos

explorados, reduzindo a dependência dos recursos energéticos fósseis,

sobretudo petróleo, e aumentando o peso de recursos alternativos como as

energias renováveis, principalmente através da hidroeletricidade. Este aumento

do peso das energias renováveis no portfolio energético regional é em sim

mesmo um contributo importante para a segurança energética da África

Austral, num cenário internacional futuro de agravamento do fenómeno das

alterações climáticos e da diminuição progressiva das reservas mundiais dos

recursos energéticos fósseis.

O robustecimento da segurança energético é um pré-requisito para a

aceleração dos ritmos de crescimento económico das economias africanas e

tem duas dimensões fundamentais: a garantia de estabilidade e fiabilidade do

abastecimento elétrico já existente, com eliminação do fenómeno das quebras

e falhas constantes de energia, e a expansão das atuais taxas de acesso à

eletricidade. A fiabilidade do abastecimento elétrico é indispensável para a

redução dos custos operacionais da atividade económica e para a atração de

IDE, entre outros impactos positivos para o crescimento económico. A

expansão das taxas de eletrificação é um pré-requisito para o fomento da

atividade económica em zonas antes economicamente deprimidas.

A relação entre o aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional e o robustecimento da segurança energética de uma

determinada região assume uma natureza biunívoca. Os arranjos institucionais

de integração regional, ao fomentarem o comércio energético intrarregional,

contribuem para o robustecimento da segurança energética dos Estados duma

Page 242: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

241

determinada região. Este comércio, ao concorrer para a aceleração dos ritmos

de crescimento económico, induz um efeito positivo nas possibilidades de

interação comercial entre as diversas economias regionais, pré-requisito básico

para o aprofundamento da própria integração regional.

Os arranjos institucionais de integração regional da África Austral

encontram-se num momento particularmente decisivo. O interesse crescente

da comunidade internacional nas economias da região, motivado

essencialmente pela exploração dos seus recursos naturais, coloca um desafio

histórico às autoridades destes Estados, desafio esse que passa pela atuação

das diversas economias como um bloco único e sólido capaz de uma maior

capacidade de negociação nas principais arenas internacionais e nos acordos

de IDE. Por outro lado, o aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional pode ser um mecanismo fundamental para que a África

Austral garanta que o seu processo de desenvolvimento não é motivado

exclusivamente por determinantes exógenos, favorecendo igualmente os

determinantes endógenos.

Atualmente, os arranjos institucionais de integração regional da África

Austral encontram-se num certo impasse. Verifica-se que o recrudescimento do

interesse das grandes potências internacionais nas economias da região tem

desviado um pouco as atenções das autoridades governamentais de cada

Estado do compromisso com o aprofundamento da integração regional. Apesar

dos objetivos traçados para a liberalização total do comércio intrarregional,

estes têm em certa medida objetivos por materializar. Assim, há que imprimir

um estímulo renovado ao compromisso dos Estados com as respetivas

organizações regionais.

Page 243: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

242

Os setores elétricos africanos têm vindo a sofrer as repercussões da

crise energética que se verifica em muitos Estados do continente, que têm sido

incapazes de responder adequadamente ao aumento da pressão do lado da

procura de eletricidade. Esse aumento é motivado sobretudo por fenómenos

como o crescimento económico, o crescimento demográfico ou a urbanização

de muitas sociedades africanas. A pressão do lado da procura não tem sido

devidamente acompanhado por um aumento proporcional da capacidade de

investimento nos setores elétricos, designadamente na expansão e

manutenção das suas capacidades de geração, transmissão e distribuição de

eletricidade. Tal tem levado a que os Estados africanos não consigam não só

garantir a qualidade e estabilidade do fornecimento atual como expandir o

acesso à eletricidade para as comunidades mais remotas.

Este projeto de investigação comprova que o aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional podem contribuir para o

robustecimento da segurança energética da África Austral.

O aprofundamento da integração regional permite à África Austral um

aproveitamento mais completo dos recursos energéticos existentes na região,

designadamente a hidroeletricidade, petróleo ou gás natural, tornando-a mais

independente quanto ao seu abastecimento energético. O redimensionamento

dos vários mercados nacionais num único bloco regional permite à África

Austral avançar com infraestruturas de geração e transmissão de eletricidade

de maior dimensão, com as economias de escala e redução dos custos

operacionais daí decorrentes, sendo exemplo o projeto do Grand Inga na RDC.

Page 244: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

243

O aprofundamento da integração regional permite à África Austral

proceder a uma necessária reestruturação e diversificação do seu portfolio

energético. Ele evidencia atualmente uma dependência excessiva do carvão,

mas o incremento no comércio energético intrarregional potencia o aumento do

peso de outros recursos energéticos, nomeadamente a hidroeletricidade e gás

natural. Tal representa uma oportunidade para a região fortalecer a

sustentabilidade ambiental do seu processo de desenvolvimento, visto que o

trade-off entre o carvão e a hidroeletricidade se traduz numa redução das

emissões de dióxido de carbono para atmosfera.

A atuação dos diversos Estados da região da África Austral como um

único bloco regional pode permitir o acesso aos mercados financeiros e de

capitais internacionais em melhores condições, aproveitando para o efeito os

ratings superiores de países mais avançados como a África do Sul, e

avançando com mais projetos de expansão ou reabilitação das capacidades de

geração, transmissão e distribuição de eletricidade. Além disso, a

institucionalização de mecanismos de solidariedade financeira intrarregional

pode contornar o facto de as maiores necessidades de investimento à escala

regional para projetos energéticos estarem concentradas em países sem a

necessária capacidade de financiamento individual. Todavia, estes benefícios

dificilmente podem ser capturados sem um compromisso político e financeiro

forte da potência regional África do Sul.

O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

ameniza em certa medida o efeito lock-in do paradigma energético da África

Austral, ao fomentar investimentos em projetos de geração e transmissão de

hidroeletricidade. Esta alteração do paradigma energético regional é

Page 245: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

244

indispensável para a sustentabilidade da segurança energética da África

Austral num horizonte de mais longo prazo.

Relativamente à racionalidade económica e financeira do

aprofundamento dos arranjos institucionais, ela fica comprovada com a

constatação de taxas de retorno dos investimentos na expansão e reabilitação

das capacidades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade acima

dos 100% e também nos períodos de pay-back inferiores a um ano. Para tal

muito contribui a diminuição dos custos operacionais com a geração e

transmissão de eletricidade que resulta do trade-off entre a geração de

eletricidade via carvão e a hidroeletricidade, esta última com custos

operacionais significativamente inferiores à primeira.

O aprofundamento da integração regional no setor energético e elétrico

possibilita uma maior racionalização das necessidades de investimento, visto

que fica empiricamente comprovado que a prossecução de uma resposta à

escala regional às necessidades energéticas e elétricas é marcadamente

menos dispendiosa que o cenário em que cada Estado procura responder de

forma isolada às suas próprias necessidades internas.

Finalmente, o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional contribui o robustecimento da segurança energética da África Austral

na medida em que torna os diversos Estados-membros menos dependentes do

fornecimento energético de atores externos à região, e também para a

diminuição da vulnerabilidade às flutuações do preço dos recursos energéticos

fósseis, sobretudo do petróleo, nos principais mercados internacionais.

Page 246: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

245

15.2. Recomendações

A promoção do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional e da segurança energética da África Austral necessita da aplicação de

um conjunto de políticas que incentivem e facilitem o comércio energético

intrarregional na África Austral. Do âmbito global ao local, passando pelo

regional e nacional, as principais recomendações são:

1. Ao nível global, as principais instituições internacionais (FMI, BM,

entre outros) devem criar linhas de financiamento próprias para

infraestruturas e outros projetos de cariz marcadamente regional,

como, por exemplo, linhas de transmissão transnacional de

eletricidade ou infraestruturas de geração de eletricidade que, pela

sua dimensão, tenham o mercado regional como mercado-alvo.

2. As condições associadas a estas linhas de financiamento devem

poder ser alvo de bonificações ao nível das taxas de juro, dado que

alguns dos países envolvidos nestes projetos transnacionais podem

ter dificuldades acrescidas em aceder ao financiamento internacional

e também de períodos mais latos de carência, visto que as

infraestruturas normalmente associadas a estes projetos têm um

horizonte temporal associado de mais longo prazo.

3. Ao nível regional, as organizações devem dar prioridade aos projetos

transnacionais cuja motivação regional seja superior à da mera

resposta às diversas necessidades dos Estados-membros, mesmo

Page 247: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

246

que tal implique uma satisfação menos imediata às necessidades

destes.

4. As organizações devem ver fortalecida a sua capacidade de decisão

e vinculação dos respetivos Estados-membros, de modo a que a

racionalidade regional prevaleça efetivamente sobre as diversas

racionalidades nacionais.

5. Ao nível nacional, os diversos Estados vizinhos devem adotar

medidas que facilitem o comércio energético intrarregional, como a

harmonização dos diversos enquadramentos institucionais e legais

dos setores elétricos ou a expansão das capacidades de transmissão

e distribuição de eletricidade para as zonas transfronteiriças.

6. Os Estados devem reafirmar o seu compromisso com o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional e

respetivas organizações regionais, aceitando uma maior vinculação

às decisões e projetos destas últimas e permitindo-lhes uma maior

capacidade financeira, institucional e humana.

7. Ao nível local é necessário que as comunidades sejam devidamente

integradas e consultadas aquando da prossecução de projetos de

expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição de

eletricidade.

8. Os programas de eletrificação rural podem igualmente dar um

contributo relevante para a facilitação do comércio energético

intrarregional, na medida em que permitem integrar as zonas

transfronteiriças nas respetivas redes nacionais.

Page 248: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

247

15.3. Pistas Futuras

A elaboração deste projeto de investigação abre algumas pistas para

investigações futuras relacionadas com as problemáticas da integração

regional e segurança energética na região da África Austral.

Será importante estudar o impacto que as mais recentes descobertas de

recursos energéticos moçambicanos, concretamente carvão e gás natural,

terão ao nível dos volumes de comércio energético intrarregional, e verificar se

serão canalizados pelo menos em parte para a África Austral ou

exclusivamente para potências exteriores à região.

Outro aspeto que merecerá análise é a prossecução de projetos de

geração e transmissão de hidroeletricidade moçambicanos como Mphanda

Nkuwa e a central Norte da HCB que terão como destino final a SAPP

globalmente considerada, e a África do Sul em particular, e o contributo que

elas darão para o robustecimento da segurança energética regional.

Finalmente, convirá verificar o grau de impacto da recuperação em curso

das potencialidades dos corredores de desenvolvimento moçambicanos,

sobretudo os da Beira e de Nacala, na melhoria da acessibilidade de Estados

vizinhos vedados de acesso direto ao mar, e na consequente intensificação das

relações económicas destes com Moçambique.

Page 249: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

248

16. Referências Bibliográficas

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17. ANEXOS

Page 257: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

256

17.1. O CONTRIBUTO DA GESTÃO TRANSFRONTEIRIÇA DOS RECURSOS

HÍDRICOS PARA A PREVENÇÃO DE CONFLITOS EM ÁFRICA1

João Veiga Esteves2

RESUMO

O fenómeno do agravamento da escassez de água é crescentemente

reconhecido pela comunidade internacional como uma das ameaças mais

sérias ao bem-estar da população mundial no século XXI. As tendências de

aumento da procura dos recursos hídricos, aliadas à degradação da qualidade

destes, devido à poluição ambiental, diminuem a quantidade de água per capita

em muitas regiões do Mundo, particularmente em África, onde o crescimento

demográfico e a urbanização das sociedades são mais vincados. Tal acaba por

levar a um aumento da competição pelo controlo e acesso dos recursos

hídricos por parte de Estados, preocupados com a segurança e soberania

nacionais. Assim, o objetivo central deste trabalho é averiguar que opções

estão em aberto para prevenir que esta competição entre Estados degenere

em conflitos armados. Baseando-se na revisão da bibliografia especializada, e

partindo do caso concreto da região da SADC, o trabalho conclui que a

1 Comunicação apresentada no âmbito do seminário In Progress, organizado pelo CEsA-ISEG

(Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento) nos dias 27 e 28 de Outubro de 2011.

2 Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG-UTL (Instituto Superior de

Economia e Gestão). Endereço de email: [email protected]

Page 258: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

257

implementação de arranjos institucionais de gestão transnacional da água pode

ser fundamental para prevenir tensões e conflitos entre Estados co-ribeirinhos.

Palavras-chave: Recursos Hídricos, Prevenção de Conflitos, Cooperação

Regional

Código JEL: F51, F52, F55, H41, Q25, Q34, Q42

Page 259: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

258

THE TRANSNATIONAL MANAGEMENT OF WATER RESOURCES AS A

CONTRIBUTION FOR CONFLICT PREVENTION IN AFRICA3

João Veiga Esteves4

ABSTRACT

The increasing scarcity of water has become more and more perceived by the

international community as one of the biggest threats for the well-being of the

world population in the 21st century. The growing demand for water resources

whose quality is being degraded by environmental issues threatens the volume

of water per capita in many regions of the World, and mostly so in Africa, a

continent where the problems of demographic growth and urbanization

phenomena are particularly incisive. As a result of this, there is a growing

competition for the control and access of water resources by states which

regard them as linked to national security and sovereignty issues. Bearing this

in mind, the goal set for this paper is to find and establish available options to

prevent this competition from degenerating into armed struggles. Taking as a

starting basis a review of present specialized studies and the analysis of the

SADC region case, this paper concludes that the implementation of institutional

3 Communication to the In Progress seminar held by CEsA-ISEG (Center for African and

Development Studies) on the 27th and 28

th of October 2011.

4 Master in Development and International Cooperation by ISEG-UTL (Business and Economic

School, Lisbon University). Email address: [email protected]

Page 260: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

259

arrangements for transnational management of water resources may prove

crucial in preventing tensions and conflicts opposing co-riparian states.

Key-words: Water Resources, Conflict Prevention, Regional Cooperation

JEL Code: F51, F52, F55, H41, Q25, Q34, Q42

Page 261: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

260

Introdução

“Upstreamers use water to get more power.

Downstreamers use power to get more water.”

Zeitoun & Warner (2006)

A água é um recurso indispensável para a sobrevivência humana. O

homem necessita dela não só para consumo, mas também para funções

essenciais como a produção agrícola ou industrial. Como frisa Wolf (1998:

251), os recursos hídricos são o único recurso escasso para o qual não há

substituto, sendo a necessidade humana deles constante, imediata e

esmagadora. Assim, qualquer fenómeno associado aos recursos hídricos

assume imediatamente uma importância capital nos debates sobre o

desenvolvimento e as relações internacionais.

É crescentemente reconhecido que um dos principais desafios do século

XXI passa por conciliar o aumento da procura humana de recursos hídricos,

devido ao crescimento demográfico, com a necessidade de preservação dos

ecossistemas. Tal é sobretudo verdade nas regiões em desenvolvimento, onde

o crescimento demográfico é mais acelerado e as pressões

desenvolvimentistas são mais pronunciadas. O acentuar destas tendências

acaba por determinar uma quantidade menor de recursos hídricos per capita, o

que dada a sensibilidade humana para com este bem, provoca sempre alguma

tensão dentro das sociedades humanas. Ao nível nacional, os Estados podem

Page 262: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

261

começar uma corrida pelos recursos hídricos disponíveis, competição essa que

pode degenerar em conflitos armados, situação de todo evitável.

Posto isto, este trabalho pretende analisar de que forma, ou através de

que instrumentos, se pode garantir que o fenómeno da escassez hídrica não

conduza à eclosão de tensões e conflitos entre Estados, ou mesmo dentro dos

Estados. Concretamente, o trabalho parte do pressuposto de que os conflitos

motivados pela escassez hídrica não são inevitáveis, e que há margem de

manobra para a criação de mecanismos que dispensem a competição dos

Estados pela água. Ele parte também de um outro pressuposto, o de que a

gestão dos recursos hídricos é uma matéria altamente politizada,

ultrapassando em larga medida as questões meramente técnicas. A solução

preconizada por este trabalho passa pela adoção dum novo paradigma de

intervenção, preterindo o atual, centrado nos Estados-Nação, em favor dum

outro mais direcionado para as regiões como um bloco. A gestão transnacional

dos recursos hídricos supranacionais pode ser um importante fator de

interdependência, estabilidade e boas relações entre Estados co-ribeirinhos,

prevenindo assim tensões e conflitos entre eles.

A atualidade confere a este tema pela justificação. Com efeito, em várias

regiões do Mundo são cada vez mais frequentes os conflitos motivados pelo

controlo e acesso aos recursos hídricos. Regiões como o Médio Oriente, África

ou Sudeste Asiático têm sido fustigadas por tensões entre Estados vizinhos e

por erupções sociais dentro das suas fronteiras nacionais motivadas pela água.

O caso do Médio Oriente é particularmente preocupante, dado que a questão

hídrica pode ser o catalisador dum conflito armado à escala regional. Por outro

lado, o tema vem impondo-se à medida que a comunidade internacional vai

Page 263: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

262

tomando consciência da necessidade duma adequada gestão transnacional

dos recursos hídricos, e também porque a maioria das reservas de água doce

está localizada em bacias hídricas transnacionais.

Para atingir o desiderato proposto, este trabalho utiliza uma metodologia

baseada na revisão da literatura especializada em matérias como a prevenção

de conflitos, integração regional e a geográfica económica. Além disso,

apresenta o estudo de caso da África Austral, não só porque é uma das regiões

mais afetadas pela escassez hídrica, mas também porque nela passam um

número significativo de cursos de água transnacionais. Finalmente, a região

tem sido reconhecida como uma das que mais progressos e resultados tem

alcançado na área da gestão transnacional da água.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta introdução,

expõe-se o cenário atual de escassez hídrica, as suas causas e respetivas

consequências. De seguida, relaciona-se o problema da escassez hídrica com

o surgimento de tensões e conflitos - que tipos de conflitos, como emergem,

que atores estão associados e que perigos acarretam. A seguir, advoga-se as

potencialidades dos modelos de gestão transnacional de recursos hídricos,

frisando diferentes instrumentos e os vários benefícios que deles podem advir.

Finalmente, apresentam-se as conclusões principais deste trabalho, suas

limitações e pistas que deixa para futuras investigações.

Page 264: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

263

O Fenómeno da Escassez Hídrica

O fenómeno da escassez hídrica tem uma componente absoluta e uma

outra relativa. Por escassez absoluta entende-se a falta real de recursos

hídricos para suprir as necessidades humanas. Já a escassez relativa refere-se

a cenários onde a água não é escassa mas é distribuída de uma maneira

desigual (Haftendorn, 2000: 51).

Para Postel (2000: 941), verifica-se uma situação de crescente conflito

entre duas das funções mais importantes dos recursos hídricos, ou seja,

enquanto pré-requisito para todo o tipo de vida e enquanto bem económico. O

crescimento demográfico verificado em várias partes do globo irá determinar

inevitavelmente um conflito entre a afetação de água para o sector agrícola e

para o sector doméstico. Uitto & Duda (2002: 366) vão mesmo mais longe,

afirmando que o fator determinante do aumento da escassez de água à escala

mundial é a taxa de crescimento demográfico de algumas regiões do globo,

sobretudo as menos desenvolvidas. Também no caso dos países mais

desenvolvidos tal se verifica, pois à medida que as suas economias crescem e

se desenvolvem e as suas populações vão ganhando rendimento, o seu

consumo de água per capita também aumenta. Outros fatores que contribuem

para o agravamento da escassez hídrica são a extração excessiva crónica de

água realizada por alguns dos principais produtores agrícolas5 e as próprias

alterações climáticas, que têm vindo a provocar secas cada vez mais

frequentes e prolongadas, sobretudo nas regiões mais áridas (Postel, 2000:

5 Como é o caso de grandes potências mundiais como a China ou os EUA.

Page 265: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

264

942; Uitto & Duda, 2002: 367). Este fenómeno da escassez hídrica já começou

a manifestar as suas consequências. Postel avança que o facto de cada vez

mais cursos de água estarem secos durante períodos cada vez mais longos do

ano, sobretudo no período de seca onde a água é particularmente relevante

para a agricultura, é um indicador de sobreexploração dos recursos hídricos.

A crescente escassez de recursos hídricos coloca três desafios

fundamentais: 1) manutenção da segurança alimentar face aos

constrangimentos hídricos do sector agrícola; 2) prevenção da degradação da

qualidade dos ecossistemas; 3) prevenção do surgimento de tensões e

conflitos nas bacias hídricas transnacionais. Deste modo, para Postel (2000:

946) a estratégia futura terá necessariamente que passar por aumentar a

produtividade e eficiência da exploração de recursos hídricos, por instituir

mecanismos de controlo da procura de recursos hídricos, e por garantir os

volumes de água necessários para que os ecossistemas procedam à sua

função natural de autorregeneração. Este aspeto é fundamental, visto que à

medida que se retiram volumes cada vez maiores de recursos hídricos para

utilização humana, os ecossistemas vão tendo cada vez maiores dificuldades

em proceder à sua regeneração, o que provoca uma diminuição da qualidade

dos mesmos (Curtin, 2000: 1; Uitto & Duda, 2002: 366).

Os Conflitos Hídricos – Causas e Consequências

De um modo geral, o surgimento de tensões e conflitos entre Estados

co-ribeirinhos tem origem em diferentes interpretações sobre a exploração de

Page 266: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

265

recursos hídricos transnacionais. Tal dissonância ainda não foi resolvida, dado

que atualmente não há um consenso generalizado sobre qual o grau de

autoridade que os Estados têm sobre as partes dos cursos de água

transnacionais que se encontram nos seus territórios nacionais (Haftendorn,

2000: 66).

Uitto & Duda (2002: 367) sublinham que, apesar de ao longo da história

se terem travado guerras pelo acesso a recursos naturais, no caso concreto

dos recursos hídricos tal ainda não se registou numa escala significativa. De

facto, a cronologia real dos conflitos hídricos é bem menos dramática do que é

sugerido pela literatura das guerras hídricas. Wolf (1998: 251) explica esta

dissonância com o facto de as guerras hídricas carecerem de racionalidade

estratégica, hidrográfica e económica, e os benefícios resultantes da partilha de

interesses terem suplantado sistematicamente as motivações belicistas. Este

autor avança com pelo menos quatro argumentos contra a os que defendem a

existência futura de guerras hídricas: argumento histórico, argumento dos

interesses estratégicos, argumento dos interesses partilhados, e argumento da

resiliência institucional dos tratados transnacionais. Já Zeitoun & Warner (2006:

437) tomam por base a teoria da hegemonia hídrica para afirmarem que um

dos fatores que mais tem contribuído para a inexistência de guerras hídricas é

a circunstância de os países hegemonizados duma dada região tenderem a

aceitar a ordem estabelecida pelo Estado hegemónico.

Posto isto, convém ressalvar que a ausência de guerra não implica

necessariamente a ausência de conflito no contexto hídrico. O nível de tensão

entre partes em conflito pode nunca chegar ao extremo das ações militares

mas pode assumir uma grande variedade de níveis de conflitualidade.

Page 267: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

266

Relativamente aos conflitos hídricos, parece existir uma correlação inversa

entre a dimensão geográfica e a intensidade dos conflitos hídricos (Wolf, 1998:

258). Os conflitos hídricos tanto se podem suceder entre Estados como dentro

destes, entre diferentes grupos sociais ou sectores económicos. Podem

assumir diversos graus de intensidade, desde o expressar de desacordo

relativamente a uma qualquer matéria à recusa em cooperar até à declaração

formal de guerra (Zeitoun & Warner, 2006: 440; Curtin, 2000: 2). O âmbito

geográfico destes conflitos também é diverso, indo desde tensões à escala

regional até tensões de cariz meramente local. Aliás, com a falta de

preocupação com a sustentabilidade ambiental e a inexistência de reformas

nos sectores públicos da água, os antigos problemas e tensões relacionadas

com o acesso aos recursos hídricos de carácter tipicamente nacional estão a

ganhar outras proporções e a ultrapassar as fronteiras políticas.

Para Haftendorn (2000: 51), existem quatro fontes fundamentais de

tensão e conflito relativamente aos recursos hídricos: utilização, poluição e

escassez relativa e absoluta. Teoricamente, os conflitos derivados da utilização

ou poluição dos recursos hídricos são mais facilmente resolvidos do que os

motivados pela escassez ou distribuição dos mesmos, pois enquanto os

primeiros podem no máximo levar a retaliações diplomáticas, os últimos têm o

potencial para conflitos militares e armados. Já a exploração dos recursos

hídricos pelo sector das pescas difícil e raramente dá azo a conflitos entre

Estados co-ribeirinhos. Como constatou Haftendorn (2000: 62), as fontes de

conflitos hídricos apresentam diferenças estruturais entre si, diferenças estas

que dificultam a tarefa de definição de mecanismos de resolução de conflitos.

Page 268: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

267

A análise das motivações subjacentes aos conflitos hídricos tem

necessariamente de ser multidisciplinar. Zeitoun & Warner (2006: 435)

defendem que as análises convencionais tendem a minimizar o papel que as

assimetrias de poder têm na manutenção ou intensificação de situações de

conflitos entre Estados co-ribeirinhos. Também Curtin (2000: 2) afiança que os

conflitos hídricos não advêm meramente de questões políticas ou geográficas,

podendo igualmente assumir dinâmicas sociais, económicas e mesmo étnicas.

Wolf (1998: 254) vai mesmo mais longe, afirmando que os conflitos hídricos

tendem a ser mais resultado de tensões políticas do que propriamente de

questões hídricas, sendo que estas apenas são usadas como instrumento ou

desculpa para outras motivações.

A posição geográfica relativa dos Estados co-ribeirinhos é determinante

para aferir as suas relações hídricas, nomeadamente na divisão entre países a

montante (teoricamente privilegiados) e a jusante (teoricamente

desfavorecidos), pois os primeiros podem influenciar ou mesmo determinar a

qualidade da água a que os últimos podem aceder. O cenário mais

problemático verifica-se quando o país a jusante é a potência hegemónica,

económica e militarmente, e essa potência depende bastante dos recursos

hídricos da bacia transnacional e está a ser afetado pela atuação dos países a

montante, que necessitam igualmente desses recursos hídricos6 (Wolf, 1998:

256; Zeitoun & Warner, 2006: 436; Curtin, 2000: 5). No mesmo sentido,

Haftendorn (2000: 56-59) defende que a probabilidade de um conflito militar é

tanto maior quanto mais o Estado a jusante for incapaz de influenciar as

6 Os exemplos mais conhecidos deste cenário são o rio Nilo em África, o rio da Prata na

América Latina e o rio Mekong na Ásia.

Page 269: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

268

decisões dos a montante por outro qualquer meio disponível. A situação

agrava-se ainda mais em cenários onde a escassez de água é absoluta e há

grandes disparidades de desenvolvimento entre Estados co-ribeirinhos,

determinando níveis de exploração dos recursos hídricos também díspares7.

Uma abordagem alternativa às relações entre Estados co-ribeirinhos é

proposta por Zeitoun & Warner (2006), que a apelidam de hidro-hegemonia.

Esta defende que as relações de poder existentes entre Estados co-ribeirinhos

são o fator central na determinação de controlo de cada um dos recursos

comuns, podendo assumir três formatos fundamentais, sempre em função da

disposição do Estado hidro-hegemónico: 1) partilha ou cooperação, 2)

consolidação da posição hegemónica ou 3) competição expressa entre Estados

co-ribeirinhos. Deste modo, o conceito de hidro-hegemonia refere-se às

relações entre Estados vizinhos ao nível das bacias hídricas transnacionais e à

situação de privilégio que uns têm sobre outros, nomeadamente através de

estratégias de controlo de recursos como a captura de recursos ou a

integração regional e partilha de benefícios. Por captura de recursos entende-

se a estratégia dum Estado, que na ausência de qualquer entendimento

regional formal, decide unilateralmente avançar com projetos que afetam a

quantidade ou qualidade dos recursos hídricos dos seus vizinhos co-

ribeirinhos.

As barragens e outras infraestruturas hídricas são um instrumento

fundamental para analisar as relações entre Estados co-ribeirinhos nas bacias

7 O exemplo mais conhecido de Estados co-ribeirinhos com grandes disparidades de

desenvolvimento, sendo do país a jusante incapaz de influenciar a montante, é o de Israel e

Palestina.

Page 270: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

269

hídricas transnacionais, dado que são a forma mais direta de os Estados

afetarem, armazenarem ou redirecionarem os cursos de água, com

consequências para os seus vizinhos co-ribeirinhos (Curtin, 2000: 3). A

construção deste tipo de infraestruturas nos países a montante pode ter efeitos

adversos para jusante, como o aumento da poluição da água. Haftendorn

(2000: 52) sublinha os casos em que os países a jusante não deram o seu

consentimento prévio para a construção de barragens como uma poderosa

fonte de tensão e conflito entre Estados co-ribeirinhos.

Uma fonte de conflito hídrico que tem vindo a ser crescentemente

reconhecida é a que advém dos processos de privatização da propriedade,

gestão ou distribuição da água. Swatuk (2002: 529) demonstra que a

privatização dos recursos hídricos pode agravar ainda mais o surgimento de

tensões e conflitos entre diferentes grupos sociais, pois geralmente faz com

que aqueles que já têm um acesso mais facilitado e dominante a água

aprofundem essa desigualdade, ficando os grupos sociais mais desfavorecidos

com o seu acesso à água ainda mais dificultado. Além disso, a participação do

sector privado nos recursos hídricos acarreta ameaças maiores na sua versão

transnacional, sobretudo quando as grandes multinacionais descuram por

completo a ótica social e política dos serviços associados aos recursos

hídricos.

Page 271: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

270

Contributos da Gestão Transnacional de Recursos Hídricos

Como foi referido anteriormente, os Estados têm duas formas distintas

de lidar com o fenómeno do agravamento da escassez hídrica: ou entram

numa espiral de competição pelo acesso e controlo da água, que

inevitavelmente leva a tensões e conflitos entre eles, ou aceitam entrar em

arranjos institucionais de gestão e cooperação sobre os recursos hídricos

transnacionais. É sobre esta segunda opção que este trabalho incide de

seguida.

A gestão transnacional dos recursos hídricos pressupõe normalmente a

institucionalização de entidades ou organismos supranacionais aos quais se

atribui a responsabilidade de gerir em nome de todos os Estados co-ribeirinhos.

Haftendorn (2000: 65) crê que foi a erupção regular de tensões e conflitos entre

Estados vizinhos uma das motivações fundamentais para a criação destas

instituições, com o intuito de facilitar a troca de informação entre Estados co-

ribeirinhos, fornecer assistência técnica aos mesmos e servir como terceiro ator

neutral nas suas disputas. Também Wolf (1998: 260) vai ao encontro desta

posição, afirmando a importância e as vantagens da existência duma terceira

parte neutral que fomente e encoraje a aproximação dos Estados co-ribeirinhos

para a gestão transnacional da água. É no seguimento desta defesa das

terceiras partes neutrais que as organizações regionais têm assumido o

aprofundamento da cooperação regional na área dos recursos hídricos como

objetivo central dos seus mandatos. O espectro de intervenção das

organizações regionais não se esgota aqui. Com efeito, elas assumem uma

Page 272: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

271

grande próactividade na harmonização das políticas hídricas nacionais em

torno de estratégias regionais e fomentam a troca de informações entre

Estados co-ribeirinhos, partilha essa que tem o efeito positivo de estimular as

relações de confiança (Uitto & Duda, 2002: 376; Haftendorn, 2000: 52).

Existem outros tipos de organizações que lidam com a gestão

transnacional dos recursos hídricos, sendo as mais comuns as organizações

responsáveis pela gestão de bacias hídricas transnacionais. Rangeley (1994:

7) distingue três tipos fundamentais de organizações das bacias hídricas

transnacionais: 1) aquelas que se focam na gestão e exploração dos recursos

hídricos pertencentes a determinada bacia hídrica; 2) aquelas que alargam este

âmbito de intervenção para tratarem de outros sectores como a agricultura ou a

energia; 3) outras, ainda, com um âmbito de intervenção mais abrangente e

que se preocupam com o desenvolvimento regional como um todo8.

A definição mais abrangente da missão das organizações das bacias

hídricas internacionais é a promoção de estudos e relatórios que ofereçam

soluções para um modelo de exploração de recursos hídricos integrado,

sustentável tanto em termos económicos como ambientais e tecnicamente

adequado para o caso concreto de cada bacia (Rangeley, 1994: 25). Porém, as

suas funções podem ser divididas em oito categorias principais: recolha de

dados e informação; planeamento; afetações de recursos hídricos; obtenção de

financiamento; partilha de custos9; implementação dos projetos no terreno;

8 No caso concreto da África Austral, a sua organização regional (SADC) está incluída na

terceira categoria, as de âmbito de intervenção mais alargado.

9 A partilha de custos é organizada pela organização supranacional, sendo posteriormente os

custos divididos pelos diversos Estados-membros (Rangeley, 1994: 22).

Page 273: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

272

gestão e manutenção de infraestruturas e monitorização dos níveis de

exploração da água. Há finalmente outras organizações de bacias hídricas que

têm por missão garantir a proteção ambiental dos respetivos ecossistemas.

As organizações mais bem-sucedidas nesta área apresentam alguns

traços em comum: 1) prioridade dos benefícios socioeconómicos sobre as

aspirações políticas; 2) objetivos bem definidos e específicos; 3) enfoque no

trabalho de construção em detrimento dum planeamento excessivo; 4) inclusão

dum menor número de Estados-membros; 5) compromisso efetivo das

autoridades de cada Estado co-ribeirinho; 6) apoio das entidades financiadoras

internacionais; 7) mandato de intervenção mais focado e circunscrito. Mais, a

evidência empírica demonstra que as organizações das bacias hídricas mais

bem-sucedidas foram aquelas que subcontrataram as tarefas de planeamento

para empresas externas de consultoria (Rangeley, 1994: 15).

Está comprovado que os custos de envolvimento num conflito hídrico

aberto são muito superiores aos de em arranjos institucionais de cooperação.

Daqui se retira que os recursos hídricos transnacionais, em vez de serem

potenciais fontes de tensão e conflito, podem assumir um papel de promoção

da cooperação regional e da partilha de benefícios. Seguramente devido a este

facto, a análise histórica permite constatar que os Estados co-ribeirinhos têm

vindo a optar esmagadoramente por formas de cooperação em detrimento de

conflito sobre o controlo e acesso dos recursos hídricos10. Já Zeitoun & Warner

(2006: 436) oferecem um outro ponto de vista sobre a matéria, defendendo que

10

Desde 1814 já se assinaram mais de 300 tratados internacionais relacionados com assuntos

hídricos, como o controlo das inundações, geração de energia hídrica e outras utilizações

(Wolf, 1998: 256).

Page 274: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

273

o facto de os países recorrerem muito mais vezes a acordos de cooperação do

que a conflitos terá mais a ver com a constatação de muitos Estados da sua

inferioridade em termos de poder económico e militar relativamente aos seus

vizinhos do que propriamente à constatação dos benefícios dos esquemas de

gestão transnacional dos recursos hídricos. Um facto curioso sobre estes

acordos regionais de gestão transnacional da água é que eles, uma vez

estabelecidos, têm-se provado bastante duradouros ao longo do tempo,

mesmo aquando da erupção de novas tensões entre Estados co-ribeirinhos por

outros motivos não relacionados com a água11.

Já relativamente ao relevo que as questões hídricas têm merecido na

arena internacional, há que destacar a Convenção da ONU sobre os Cursos

Hídricos Internacionais de 1997. Nela estão inscritos alguns princípios

fundamentais das bacias hídricas transnacionais, nomeadamente o do uso

equitativo e responsável da água e o da necessidade de garantir que as

intervenções dum Estado isolado não prejudiquem sobremaneira os seus

vizinhos co-ribeirinhos. Porém Zeitoun & Warner (2006: 450) e Curtin (2000: 5)

declaram que a não ratificação desta convenção pelo mínimo exigido de

países, e muito menos pelos Estados mais relevantes, fere de morte a

capacidade vinculativa daquela e permite a perpetuação de situações de hidro-

hegemonia em muitas regiões do globo. Além disso, a imprecisão e falta de

concretização dos princípios expressos nesta convenção leva a interpretações

diversas dos mesmos, consoante os interesses de cada Estado. Por exemplo,

11

Veja-se o caso de Moçambique e África do Sul, em que nem mesmo a interferência direta e

indireta desta na guerra civil moçambicana bloqueou as negociações relativas a questões

hídricas.

Page 275: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

274

enquanto os países a montante focam as suas reivindicações no princípio da

utilização equitativa, os a jusante baseiam a sua argumentação no da

minimização prejuízos significativos nos outros. Por outro lado, os Estados

menos poderosos muitas vezes utilizam as convenções internacionais para

reivindicarem algum poder de legitimidade e de negociação com as potências

hegemónicas regionais, enquanto estas aproveitam a falta de ratificação destas

para perpetuarem o domínio (Wolf, 1998: 252; Zeitoun & Warner, 2006: 442).

Algumas das lições mais valiosas de experiências passadas com

convenções e tratados internacionais são que quanto mais efetivos forem os

acordos e tratados regionais relativos aos recursos hídricos, e sobretudo

quanto mais específicos e concretos forem, maiores as probabilidades de

sucesso da gestão transnacional. Por outro lado as convenções ou tratados

mais circunscritos a nível geográfico têm-se revelado maior eficácia (Uitto &

Duda, 2002: 376; Haftendorn, 2000: 66).

Como já referido anteriormente, as barragens são um elemento central

de qualquer análise das relações transfronteiriças relativas aos recursos

hídricos, sendo frequentemente responsáveis por tensões entre Estados co-

ribeirinhos. Todavia, está provado que mesmo as barragens têm margem de

manobra para o aprofundamento de arranjos institucionais de cooperação

regional na questão hídrica. Com efeito, a edificação duma barragem num país

a montante pode ter um impacto positivo em todos os Estados co-ribeirinhos,

pois se para o construtor a barragem gera energia hídrica, para os a jusante

pode ajudar a controlar os fluxos hídricos das inundações, com ganhos

agrícolas importantes. As barragens, se geridas conjunta e eficazmente, podem

ser um estímulo importante para o alargamento da cooperação regional para

Page 276: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

275

outras áreas, além de que a energia hídrica produzida nestas barragens leva

muitos países a dependerem menos das potências internacionais. Tal é

crescentemente importante, num contexto de subida generalizada dos preços

de fontes energéticas como o petróleo. Além disso, o desenvolvimento dum

sistema de barragens eficiente à escala regional pode ter um efeito positivo na

sustentabilidade ambiental, ao prevenir fenómenos como a desertificação,

poluição da água, cheias e inundações. Finalmente, a cooperação regional

pode ter um papel importante na área das barragens e na prevenção dos

conflitos, ao instituir mecanismos de compensação para as comunidades ou

sectores económicos prejudicados, tanto nos países a montante como a

jusante pela edificação de barragens, prejuízos esses que devem ser mais

valorizados do que aqueles estrita e meramente económicos (Curtin, 2000: 8).

A institucionalização de arranjos institucionais de gestão transnacional

de recursos hídricos pode também dar o seu contributo para a mudança de

paradigma nas relações entre Estados co-ribeirinhos, nomeadamente entre as

potências hegemónicas em termos hídricos e os hegemonizados. Contudo, tal

dependerá sempre da disponibilidade do Estado hegemónico para mudar de

atitude. Efetivamente, se, por um lado, o Estado hidro-hegemónico pode

sempre obter um resultado final positivo para si, por outro ele também tem o

poder de estabelecer um enquadramento regional positivo para todos. Zeitoun

& Warner (2006: 437) defendem que a partilha de recursos entre o Estado

hegemónico e os hegemonizados é teoricamente o contexto mais estável e o

que menos probabilidade de conflitos apresenta, ou seja, onde a situação de

hegemonia traz, na realidade, benefícios para todos os vizinhos co-ribeirinhos.

Page 277: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

276

Além disso, um cenário de hidro-hegemonia pode facilitar a provisão de bens

públicos regionais como a estabilidade e a ordem.

Posto isto, importa ressalvar que a cooperação regional na área dos

recursos hídricos não obedece a qualquer metodologia do tipo one size fits all,

dado que cada caso concreto exige uma solução particular que tenha em

devida consideração as idiossincrasias locais. Curtin (2000: 6) avança que o

passado histórico duma região é uma variável importante na aferição da

possibilidade de implementar acordos de cooperação entre Estados vizinhos,

pois a memória de guerras e conflitos dificulta a confiança necessária para a

cooperação.

Um instrumento cada vez mais reconhecido pela sua capacidade de

fomentar a disponibilidade dos Estados co-ribeirinhos para acordos de

cooperação é a partilha dos benefícios das bacias hídricas transnacionais que

vão para além do direitamente relacionado com a exploração da água. O tipo

de benefício mais conhecido é a geração de energia hídrica. Outro interesse

que deve ser partilhado por todos os Estados co-ribeirinhos é a preservação da

qualidade dos cursos de água. Wolf (1998: 259) afirma que os benefícios da

partilha de interesses tendem a suplantar as motivações para a entrada em

conflitos de natureza hídrica, daí a evidência histórica da preferência dos

países em entrar em arranjos de cooperação em alternativa ao desencadear

conflitos hídricos. Zeitoun & Warner (2006: 447) vão mesmo mais longe,

defendendo que os projetos hídricos transnacionais que se baseiam no

respeito dos interesses de cada um e na partilha de benefícios têm provado ser

um incentivo para a cooperação regional e para mais estáveis relações entre

Estados, mesmo em situações de hegemonia.

Page 278: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

277

Outro instrumento importante para a promoção da gestão transnacional

dos recursos hídricos é a realização de levantamentos de dados e outras

informações conjuntas sobre as condições geográficas das bacias hídricas

transnacionais, ainda antes do início dos projetos de cooperação. Como frisam

Uitto & Duda (2002: 367) e Curtin (2000: 3), o trabalho conjunto na procura de

informações e dados é um instrumento importante para fomentar a confiança

entre Estados co-ribeirinhos e a participação destes nas organizações

regionais, além de ser importante para avaliar a natureza e extensão de todas

as consequências para todos os Estados afetados, permitindo a estes tomar

suas decisões com o máximo de informação disponível possível. Estes autores

defendem ainda que esta recolha conjunta de informação terá um impacto

ainda mais positivo se forem formados comités transnacionais formados por

pessoal ministerial de todos os países em detrimento dos organismos

autónomos supranacionais, pois o primeiro modelo fomenta melhor a confiança

entre Estados co-ribeirinhos. Porém, Curtin (2000: 8) sublinha que a

informação não pode ficar retida nos níveis ministeriais, devendo ser partilhada

com a população em geral e muito particularmente com as comunidades locais

que são afetadas por estes projetos de cooperação.

A questão da confiança mútua entre Estados co-ribeirinhos é

fundamental para um nível de compromisso forte sobre os arranjos

institucionais de gestão transnacional de recursos hídricos. É claro que quanto

maior o grau de compromisso político para com os projetos hídricos

transnacionais mais fácil é a implementação no terreno e a gestão nas

organizações transnacionais. Este compromisso necessita que sejam

derrubadas algumas barreiras de desconfiança que possam existir entre

Page 279: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

278

Estados vizinhos, motivadas geralmente por questões históricas ou culturais.

Sem este compromisso não é possível institucionalizar mecanismos de revisão

e controlo dos progressos alcançados nesta área, tanto a nível nacional como

regional.

Um tema que tem sido trazido para o centro do debate sobre a gestão

transnacional dos recursos hídricos é a inclusão de todas as partes

interessadas e as próprias comunidades locais nos processos de tomada de

decisão. As comunidades locais necessitam de ser devidamente informadas de

tudo o que diga respeito aos projetos a desenvolver na sua região, até como

forma atrair a sua participação enquanto parte interessada e fomentar

consensos e a cooperação local. Uitto & Duda (2002: 375) sugerem uma forma

de atrair as comunidades locais para os projetos transnacionais, que passa

sobretudo por demonstrações locais durante as fases iniciais dos benefícios e

vantagens dos projetos para cada uma das comunidades.

A questão da boa governação tem necessariamente que estar presente

na gestão transnacional dos recursos hídricos. Swatuk (2002: 530) e Curtin

(2000: 8) advogam a necessidade de os acordos e negócios transnacionais

serem realizados com o máximo de transparência para deste modo facilitar a

responsabilização das autoridades responsáveis por eventuais prejuízos e para

garantir o apoio das populações para com os projetos hídricos transnacionais.

Finalmente, a relação entre os arranjos institucionais de gestão

transnacional dos recursos hídricos e a prevenção de conflitos é bastante

direta. Os acordos de cooperação nas bacias hídricas transnacionais devem

contemplar desde o início mecanismos estandardizados de resolução de

Page 280: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

279

conflitos entre as partes, como a criação de comissões independentes.

Haftendorn (2000: 68) propõe os seguintes mecanismos de resolução de

conflitos propostos: 1) facilitação da troca de informação para a promoção da

confiança entre Estados co-ribeirinhos; 2) integração do conflito num

enquadramento mais geral e positivo; 3) construção de um pacote de soluções

através de estratégias de encadeamento de benefícios; 4) participação de

organizações externas que desempenhem papeis de mediação e arbitragem;

5) notificação prévia a todos os Estados co-ribeirinhos de qualquer intenção de

intervenção nos cursos de água transnacionais. A concluir, Wolf (1998: 259)

atesta que a eficácia dos arranjos institucionais de cooperação é tanto maior

quanto mais cedo forem estabelecidos relativamente ao ponto de escassez

hídrica.

Caso de Estudo: África Austral

O caso concreto da África Austral é relevante para a análise da gestão

transnacional dos recursos hídricos por uma série de motivos. Em primeiro

lugar, esta é uma das regiões do globo onde a escassez de água mais se faz

sentir e onde as perspetivas de agravamento são mais pessimistas. Em

segundo lugar, e talvez devido ao reconhecimento desta situação, é das

regiões onde os Estados co-ribeirinhos são mais proactivos na prossecução de

acordos de cooperação regional para a gestão transnacional da água. Com

efeito, a SADC atribui uma importância capital à questão dos recursos hídricos

transnacionais, e tem sido reconhecida pelos progressos alcançados nesta

Page 281: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

280

matéria. Assim, o caso desta região permite assinalar o papel da gestão

transnacional dos recursos hídricos na prevenção de conflitos.

Os principais rios africanos têm cinco características fundamentais que

influenciam sobremaneira as possibilidades de cooperação transnacional: 1) os

países a jusante estão bastante dependentes das intervenções dos países a

montante; 2) os volumes e fluxos hídricos anuais estão sujeitos a variações

significativas, o que desde sempre motivou a edificação de barragens; 3) os

cursos de água perenes estão muito distantes entre si; 4) a qualidade dos seus

recursos hídricos é elevada (Rangeley, 1994: 5-6). Do primeiro ponto ressalta a

necessidade ainda maior duma concertação a nível regional, de modo a

prevenir o surgimento de tensões entre estes dois tipos de países. O contexto

hidrográfico da região acaba por fomentar a institucionalização de arranjos de

cooperação e gestão regional. O facto de, por um lado, os níveis de

pluviosidade serem maiores no Norte e Leste da região, e de a maioria da

população e do dinamismo industrial residirem no Sul e no Oeste, leva à

necessidade de mecanismos intrarregionais de transferência e partilha da

água12.

O contexto histórico é igualmente determinante na evolução das

relações regionais no que concerne aos recursos hídricos. Para Swatuk (2002:

510) o antigo modelo colonial de privilégio aos colonos forçou a grande maioria

da população indígena a habitar em zonas muito distantes dos recursos

hídricos, pelo que desde essa altura se desenvolveram infraestruturas de

12

Países como a África do Sul e o Zimbabué já estão em situação de stress hídrico, enquanto

o Botswana e a Namíbia estão mesmo em situação de escassez absoluta de água (Swatuk,

2002: 519).

Page 282: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

281

armazenamento e transporte de água. Mais, o facto de os poderes coloniais

terem entendido os cursos de água como boas demarcações transfronteiriças

fez com que atualmente a maioria dos recursos hídricos da região tenham um

âmbito supranacional. Além disso, Curtin (2000: 5) destaca o facto de, na

época do regime do apartheid e do conflito latente com todos os seus vizinhos,

a África do Sul ter construído uma série de barragens no seu território nacional

sem ter em mínima consideração as consequências nos seus vizinhos co-

ribeirinhos, o que determinou os problemas estruturais de escassez de água de

muitos vizinhos da potência regional. Por outro lado, a política colonial deixou

um legado de infraestruturas hídricas marcadamente direcionadas para os

sectores industrial e agrícola, em detrimento do doméstico (Swatuk, 2002: 511).

Tal ajuda a explicar o fenómeno atual de tensão em muitos dos países da

região motivado pelo conflito de interesses entre os sectores agrícola e

doméstico, com o último a reclamar para si uma parcela cada vez maior da

água disponível como condição de resposta ao crescimento demográfico e à

urbanização de muitas destas sociedades, e de alcance dos ODM relativos à

população com acesso às redes de abastecimento de água e saneamento.

Posto isto, a organização regional da África Austral, a SADC, tem como

um dos seus objetivos estatutários principais a exploração sustentável dos

recursos naturais, incluindo naturalmente os hídricos. O facto de o primeiro

protocolo a ser implementado pela SADC ter sido o referente aos cursos de

água transnacionais revela a importância atribuída a esta questão. Este

protocolo tem os seguintes objetivos: 1) desenvolver uma cooperação mais

próxima entre os diversos Estados membros no que toca aos recursos hídricos,

de forma sustentável tanto em termos económicos como sociais; 2)

Page 283: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

282

institucionalizar acordos e tratados regionais para uma exploração dos recursos

mais equitativa entre vizinhos; 3) utilizar a cooperação na área dos recursos

hídricos como exemplo para o aprofundamento da integração regional noutras

áreas, como a comercial (Swatuk, 2002: 518). Rangeley (1994: 28) afirma

mesmo que, com a institucionalização deste protocolo, a SADC está a

contribuir com o seu exemplo para a disseminação de boas práticas na área da

gestão transnacional da água.

A geração de energia hídrica é, desde sempre, um dos objetivos centrais

das organizações responsáveis pela gestão dos recursos hídricos

transnacionais. Com efeito, o plano atual da SADC passa por uma estratégia

integrada para o sector energético a nível regional, apostando concretamente

na energia hídrica no Norte e na termal no Sul da região, estratégia esta

devidamente coordenada pela SAPP (Southern African Power Pool) (Swatuk,

2002: 514). O potencial de energia hídrica africana é tremendo, revelando-se

central para qualquer política de segurança e soberania energética à escala

regional.13 Mais a mais, a geração de energia hídrica tem um impacto muito

menor que o da irrigação agrícola nos volumes de água disponíveis, logo

menos prejudicial para a escassez hídrica (Rangeley, 1994: 16).

A África do Sul é frequentemente sugerida como um exemplo de

potência hegemónica regional que optou pela estratégia de cooperação e

integração regional na área dos recursos hídricos e pela partilha e difusão dos

respetivos benefícios pelos Estados seus co-ribeirinhos (Zeitoun & Warner,

13

Rangeley (1994: 25) estima que somente 5% a 10% de todo o potencial de energia hídrica

esteja a ser atualmente explorado.

Page 284: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

283

2006: 452)14. O caso concreto do LHDA (Lesotho Highlands Development

Authority) confirma isto. Efetivamente, o acordo celebrado em 1986 entre o

Lesoto e a África do Sul estipulou que esta ajudava financeiramente o Lesoto a

construir uma barragem no seu território, com a África do Sul a ter direito de

acesso à respetiva água a preços mais acessíveis para abastecimento da sua

cidade Joanesburgo e com o Lesoto a ganhar maior capacidade de geração de

energia hídrica e royalties provenientes da África do Sul (Wolf, 1998: 257). Fora

isso, ficou ainda acordado que cada país seria responsável pelo financiamento

das obras nos seus territórios nacionais, se bem que o Lesoto pode utilizar

garantias sul-africanas para se financiar internacionalmente. Para Rangeley

(1994: 8), dois dos fatores para o sucesso deste caso concreto são a estrutura

sólida e eficaz da LHDA e o compromisso de longo-prazo dos dois Estados.

Outro caso de gestão transnacional dos recursos hídricos é a edificação

conjunta duma barragem no rio Komati pela Suazilândia e a África do Sul, com

vista ao desenvolvimento do sector rural através da expansão de sistemas de

irrigação para algumas das regiões mais áridas dos dois países. Outro exemplo

ainda é a institucionalização, em 1986, da ZRA (Zambezi River Authority) pelo

Zimbabué e Zâmbia, para a gestão conjunta dos recursos hídricos e respetivo

potencial energético do rio Zambeze. Um aspeto central que subjaz a todos

estes acordos bilaterais é o facto de, para muitos países africanos

caracterizados por economias domésticas de pequena dimensão, os

investimentos em barragens de grande dimensão serem incomportáveis, além

14

Todavia, o facto de a África do Sul ser dos países da região com maiores necessidades de

água, para responder às pressões do seu processo de desenvolvimento, também contribui

para esta sua disponibilidade para institucionalizar acordos regionais (Swatuk, 2002: 523).

Page 285: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

284

de que posteriormente não conseguem capturar muitos dos benefícios deste

tipo de investimentos. Daqui resulta que muitos dos projetos de construção de

infraestruturas de barragens apenas façam sentido económico dum ponto de

vista regional. É neste contexto que as organizações regionais podem

contribuir como cofinanciadoras deste tipo de investimentos transnacionais.

Swatuk (2002: 507) crê na existência duma nova arquitetura de gestão

dos recursos hídricos na região da SADC, arquitetura essa produto das

correntes teóricas internacionais e dos condicionalismos socioeconómicos e

políticos da região. Esta nova arquitetura procura integrar devidamente todas

as partes interessadas nos recursos hídricos, e preconiza um modelo de

privatização do desenvolvimento, gestão e distribuição dos recursos hídricos. É

neste contexto que a represa do rio Save é um bom exemplo para caracterizar

esta nova arquitetura hídrica da região da SADC, pois segue os seguintes

princípios: 1) atribuição da responsabilidade da gestão da represa às partes

interessadas, mas sempre orientada por princípios como o utilizador-pagador e

poluidor-pagador e como a comercialização da água enquanto bem económico;

2) adoção duma gestão ambiental integrada de toda a bacia hídrica,

desconsiderando para o efeito as fronteiras políticas; 3) apelo à participação

das ONG e sociedade civil e imposição de limites à interferência estatal direta,

criando para o efeito entidades independentes supranacionais. Segundo o

mesmo autor, os principais benefícios desta nova arquitetura passam por um

aprofundamento da cooperação regional, o reforço da capacitação institucional

das organizações responsáveis pela gestão da água e uma melhoria na

qualidade da prestação dos serviços hídricos. Porém, esta nova arquitetura

sofre dum paradoxo estrutural, pois se, por um lado, pretende alcançar uma

Page 286: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

285

afetação mais equitativa e sustentável dos recursos hídricos, o que

teoricamente implica uma consideração da água como um bem social, por

outro defende que as organizações das bacias hídricas sejam

autossustentáveis em termos financeiros, o que implica a consideração da

água como um bem económico.

A questão da privatização da propriedade e gestão dos recursos hídricos

tem suscitado um debate intenso na região da SADC. Todos os seus Estados-

membros têm vindo a demonstrar preocupação com gestão da procura de

recursos hídricos. Alguns dos Estados têm vindo a defender que a melhor

maneira de combater e prevenir a escassez absoluta de água é racionalizar a

sua procura através duma política de atribuição de preço. Por outro lado, o

desejo de providenciar água para toda a população colide normalmente com os

problemas da dívida externa e com os programas de ajustamento estrutural

impostos pelas organizações internacionais. Daí que alguns países se tenham

decidido pela privatização da gestão dos recursos hídricos, assumindo

implicitamente desta forma a sua incapacidade de prover este bem em

condições aceitáveis e sustentáveis15.

15

Tanto Moçambique como a Tanzânia tiveram que proceder à privatização dos seus serviços

de distribuição da água como condição dos seus programas de ajustamento estrutural.

Page 287: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

286

Considerações Finais

A conclusão fundamental deste trabalho é a de que, perante o cenário

atual de crescente escassez hídrica, os Estados têm duas vias possíveis de

atuação. A primeira passa pela competição e corrida pelo acesso e controlo da

água, que necessariamente degenerará em tensões e conflitos entre Estados

co-ribeirinhos. A segunda passa pela implementação de arranjos institucionais

de cooperação e gestão regional dos recursos hídricos. Esta última é deveras

preferível, não só porque contribui para a estabilidade regional e a prevenção

de conflitos entre Estados vizinhos, como também porque potencia a eficiência

da exploração dos recursos hídricos. Assim, conclui-se que a gestão

transnacional dos recursos hídricos é um catalisador do desenvolvimento de

qualquer região, mas sobretudo daquelas onde a escassez hídrica é mais

gravosa, como é o caso da África Austral.

O objetivo de conciliar as crescentes necessidades humanas de água

com a preservação dos ecossistemas hídricos será indubitavelmente um dos

mais difíceis de alcançar pelas sociedades humanas no século XXI. A resposta

a este desafio terá sempre que passar pela conciliação de várias estratégias,

designadamente o aumento da produtividade e eficiência da exploração de

recursos hídricos, a instituição de mecanismos de controlo da procura humana

de água, e a garantia dos volumes de água necessários para que os

ecossistemas procedam à sua autorregeneração.

De uma forma geral pode-se afirmar que todos os conflitos hídricos

resultam dum contexto de assimetria geográfica entre Estados co-ribeirinhos,

Page 288: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

287

em que uns têm a capacidade de determinar a quantidade e qualidade da água

que os outros acedem. Além disso, constata-se uma correlação inversa entre a

dimensão geográfica e a intensidade dos conflitos hídricos, ou seja, a

frequência e intensidade dos conflitos locais é superior às dos regionais.

Porém, ficou provado que a análise dos conflitos hídricos tem de passar mais

pela sua estrutura do que propriamente pelas suas causas, ou seja, há que ter

em devida consideração idiossincrasias históricas, culturais, étnicas e mesmo

políticas quando se estuda os conflitos hídricos.

Uma outra conclusão relevante deste trabalho é que a evidência

histórica aponta para uma tendência dos Estados co-ribeirinhos a preferirem na

maioria das vezes entrar em arranjos institucionais de cooperação regional do

que se envolverem em conflitos. Muitos deles, nas suas análises custo-

benefício, constatam que os benefícios da partilha de interesses tendem a

suplantar os da entrada em conflitos.

Relativamente aos arranjos institucionais de gestão transnacional dos

recursos hídricos, ficou provado que quanto mais tempestivamente eles forem

implementados em relação ao momento da escassez hídrica, maior será a sua

eficácia. Por outro lado, comprovou-se que existem vantagens na inclusão

duma terceira parte neutral que fomente e encoraje a aproximação dos Estados

co-ribeirinhos, missão essa que pode e deve ser assumida pelas organizações

regionais. Esta aproximação dos Estados co-ribeirinhos é fundamental para o

sucesso inicial destes arranjos de cooperação, visto que a visão comum e o

compromisso entre Estados co-ribeirinhos podem ser facilitados por estratégias

iniciais que destruam barreiras de desconfiança entre estes. Quanto mais forte

este compromisso político para com os projetos hídricos transnacionais mais

Page 289: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

288

fácil é a implementação no terreno dos mesmos. Um outro requisito para a boa

implementação dos projetos transnacionais é a inclusão de todas as partes

interessadas em todas as etapas dos mesmos. Ainda na fase inicial dos

projetos, é importante que os países façam um levantamento conjunto de toda

a informação e dados relevantes, até como forma de alcançarem um

entendimento comum entre todos os. Por fim, a boa governação é relevante

para este tipo de arranjos de cooperação, pelo que há a necessidade de os

acordos transnacionais serem realizados com o máximo de transparência,

facilitando a responsabilização das autoridades responsáveis por dolos.

Relativamente ao caso de estudo da África Austral, ele serve de

exemplo de como a cooperação regional pode ser institucionalizada mesmo em

cenários de maior escassez hídrica, desde que haja vontade e compromisso

político para a implementar. Há claramente a consciência entre as autoridades

governamentais de que o caminho tem de ser o da cooperação, de modo a não

colocar em perigo a estabilidade da região. Deste estudo de caso também se

retira a importância que as organizações regionais podem desempenhar nesta

matéria, visto que a SADC tem sido, desde a sua fundação, um dos atores

regionais mais proactivos na prossecução destes arranjos de cooperação. Os

resultados obtidos nesta região são encorajadores para o futuro, apesar de

ainda nem minimamente perto do potencial pleno.

Como qualquer outro trabalho de investigação, também este apresenta

as suas limitações. Em primeiro lugar, a falta de fontes de informação de

natureza primária, como entrevistas, inquéritos ou trabalho de campo, não

permite porventura o aprofundamento que o tema necessita e merece. Em

segundo lugar, o facto de este trabalho se circunscrever à realidade da África

Page 290: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

289

Austral, implica ignorar eventuais diferenças entre esta região e outras de

África. Não se pretende, portanto, fazer um retrato fidedigno da realidade

africana como um todo, mas sim duma sua região.

Finalmente, o trabalho deixa algumas pistas para eventuais

investigações futuras sobre o tema. Primeiro, e até como resposta à última

limitação elencada, seria importante estudar outras regiões do continente

africano, sobretudo aquela que integra o rio Nilo, geralmente apontado como

um dos focos potenciais de conflito mais importantes de todo o Mundo.

Segundo, será interessante estudar de que forma a cooperação regional na

área dos recursos hídricos contribuiu para o aprofundamento da integração

regional noutras áreas na região da África Austral.

Page 291: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

290

Referências Bibliográficas

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Page 292: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

291

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ZEITOUN, Mark; WARNER, Jeroen (2006) “Hydro-hegemony: A Framework for

Analysis of Transboundary Water Conflicts”, Water Policy, Vol. 8, N. º 5, pp.

435-460

Page 293: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

292

Anexos

Figura 1 – Principais Bacias Hídricas do Mundo

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 6)

Quadro 1 – Escala de Intensidade dos Eventos Hídricos

Fonte: ZEITOUN & WARNER (2006: 441)

Page 294: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

293

Tabela 1 – Número de Eventos Hídricos por Intensidade

Fonte: RAVNBORG (2004: 20)

Quadro 2 – Estrutura e Soluções para os Conflitos Hídricos

Fonte: HAFTENDORN (2000: 65)

Page 295: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

294

Quadro 3 – Resumo das Formas e Resultados da Hidro-hegemonia

Fonte: ZEITOUN & WARNER (2006: 453)

Quadro 4 – Principais Conferências Internacionais sobre Recursos Hídricos

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 116)

Page 296: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

295

Quadro 5 – Principais Bacias Hídricas Transnacionais em Risco de Conflito

Fonte: RAVNBORG (2004: 25)

Page 297: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

296

Tabela 2 – Projeções para o Crescimento Demográfico na SADC

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 109)

Tabela 3 – Projeções para a Urbanização dos Estados da SADC (%)

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 116)

Page 298: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

297

Tabela 4 – Acesso às Redes de Água e Saneamento na SADC

Fonte: SWATUK (2002: 509)

Tabela 5 – Disponibilidades de Recursos Hídricos per capita na SADC

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 17)

Page 299: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

298

Tabela 6 – Características das Bacias Hídricas da SADC

Fonte: REDELINGHUYS (2008: 7)

Page 300: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

299

Tabela 7 – Recursos Hídricos e Afetação Sectorial na SADC

Fonte: SWATUK (2002: 512)

Page 301: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

300

17.2. INTEGRAÇÃO REGIONAL ENERGÉTICA NA ÁFRICA AUSTRAL

O CASO DA HIDROELÉTRICA DE CAHORA BASSA16

João Veiga Esteves17

RESUMO

Os processos de integração regional ao nível dos sectores energéticos

podem trazer uma série de benefícios para o continente africano.

Primeiramente, a integração regional permite aos países africanos

maximizarem o potencial energético que o continente comprovadamente

possui. Segundo, possibilita uma redução significativa dos custos associados à

geração, transmissão e distribuição de eletricidade, via aproveitamento de

economias de escala. Mais, os arranjos institucionais de integração regional

energética são particularmente relevantes para as pequenas economias

domésticas africanas, onde programas de autarcia energética são ineficientes e

economicamente irracionais. Finalmente, o aumento da dimensão dos

mercados energéticos permite uma capacidade de financiamento superior,

16

Comunicação apresentada no âmbito do 8º Congresso Ibérico de Estudos Africanos nos dias

14, 15 e 16 de Junho de 2012, no painel 42: Partnering regions: Africa's internal and external

strategic relations.

17 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais), no âmbito das

Conferências do Estoril 2011. Endereço de email: [email protected].

Page 302: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

301

possibilitando assim a edificação de infraestruturas de geração e transmissão

de maior dimensão com as devidas economias de escala associadas.

No caso concreto da África Austral, desde a constituição da a SADCC

em 1980, que o sector energético emergiu como uma das áreas prioritárias de

intervenção. Em 1995 deu-se um passo importante com a criação da SAPP

(Southern African Power Pool), que procura liderar o processo de integração e

harmonização das diversas redes eléctricas nacionais e simultaneamente

financiar a expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição

de eletricidade da região como um todo.

A hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB) é uma das infraestruturas de

geração e transmissão de eletricidade com maior dimensão no panorama da

África Austral. Ela é frequentemente apontada como um dos casos mais

antigos e mais bem-sucedidos de infraestruturas transnacionais. Desde a sua

edificação contou com a participação e financiamento da África do Sul.

Actualmente, a HCB fornece energia à África do Sul, Moçambique, Zimbabué,

e está igualmente projetado o abastecimento para o Malawi. Tem-se assim que

a HCB representa um dos atores fundamentais da integração regional

energética à escala da África Austral.

Esta comunicação pretenderá, num primeiro momento, fazer um

enquadramento do contexto energético da África Austral, e o sucesso das

tentativas de integração regional nesta área, concretamente SAPP. Posto isto,

salienta o papel que a HCB desempenha neste quadro regional.

Palavras-chave: Integração Regional, SAPP, Hidroelétrica de Cahora Bassa

Page 303: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

302

ENERGY REGIONAL INTEGRATION IN SOUTHERN AFRICA

THE CAHORA BASSA HYDROELECTRIC CASE18

João Veiga Esteves19

ABSTRACT

Regional energy integration processes may prove to bring a lot of

benefits for the African continent. Such integration allows the African countries

to maximize the continent´s well known energy potential and significantly

reduce their electricity generation, transmission and distribution costs. And the

institutional arrangements that come with the energy regional integration are

particularly relevant for small African economies whose energy self-sufficiency

programs are inefficient and irrational from an economic point of view. We

should also bear in mind that larger energy markets can get easier access to

the financial resources needed to build bigger generation and transmission

infrastructures with scale costs benefits.

In Southern Africa the energy sector claimed high priority as an

intervention area from the very beginning of the institutional arrangements for

18

Communication to the 8th Iberian Congress of African Studies, on the 14

th, 15

th and 16

th of

June 2012, at the 42th panel: Partnering regions: Africa's internal and external strategic

relations.

19 Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril

Conferences 2011. Email address: [email protected].

Page 304: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

303

regional integration, namely SADCC in 1980. A major step forward was given

en 1995, when SAPP (Southern Africa Power Pool) was created to lead the

simultaneous processes of integrating and harmonizing the national electric

networks and financing the enlargement of electricity expansion, transmission

and distribution in the Region as a whole.

Cahora Bassa Hydroelectric (HCB) is one of the most important of such

electricity generation and transmission infrastructures, and is often singled as

one of the most ancient and well succeeded cases. It was built in the 6th

decade of last century, and the South Africa Republic was involved from the

very beginning in cooperation and financing processes. Nowadays the HCB

sells energy to South Africa, Mozambique and Zimbabwe and considers

supplying Malawi. HCB is, therefore, one of the landmarks of energy integration

at a Southern Africa scale.

The aim of this paper is to establish the framework of the Southern Africa

energy context and evaluate the success of regional integration attempts,

paying special attention to the SAPP evolution. The paper will also stress the

role of HCB in the regional framework, looking at its evolutionary process and

trying to establish future tendencies.

Key-words: Regional Integration, SAPP, Cahora Bassa Hydroelectric

Page 305: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

304

A Integração Regional Energética

Por integração regional energética entendem-se os arranjos

institucionais de aprofundamento da coordenação entre os Estados duma

determinada região no que concerne às políticas de desenvolvimento dos

respetivos sectores energéticos. Esta coordenação tanto pode ser realizada

diretamente entre os Estados-membros como pode ser atribuída como missão

às organizações regionais. As manifestações mais comuns desta coordenação

são a harmonização de enquadramentos legais e institucionais dos sectores

energéticos, o cofinanciamento de projetos de maior arcaboiço financeiro e a

conexão das redes de transmissão e distribuição de eletricidade, muito

frequentemente através da institucionalização das denominadas power pools.

O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

energética comporta benefícios de natureza diversa. Como já foi referido, a

integração permite a uma região potenciar a exploração dos seus recursos

energéticos domésticos, adotando para o efeito uma perspetiva mais autárcica

de fomento das suas dotações próprias, reduzindo assim a dependência de

fornecedores externos. Esta menor dependência é relevante para o

fortalecimento da segurança energética dos vários Estados-membros. Ao

mesmo tempo, a atuação dos vários Estados-membros como um bloco nos

mercados energéticos internacionais pode conceder-lhes um maior poder

negocial, que se traduzirá em contratos de abastecimento mais vantajosos para

a região como um todo.

Page 306: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

305

Os processos de integração regional são um sinal de compromisso

político forte que os Estados-membros duma determinada região enviam para o

exterior, de prossecução do desenvolvimento económico e da estabilidade

política e social de forma coordenada. Assim, muitos afirmam que o

aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional é um

instrumento importante de redução do risco associado à atividade económica

numa dada região e, por inerência, um instrumento de atração de investimento

privado oriundo do exterior.

Uma das principais consequências do aprofundamento dos arranjos

institucionais de integração regional é o redimensionamento dos mercados

internos. Assim, os vários mercados internos deixam de estar fragmentados e

passam a englobar um mercado regional mais vasto. Tal permite às empresas

energéticas operar numa maior escala de produção e assim capturar os

benefícios resultantes das economias de escala. Finalmente, estas economias

de escala reduzem os custos de geração e transmissão de eletricidade, que se

podem repercutir nos preços finais da eletricidade para o consumidor. A criação

de mercados energéticos regionais é portanto um instrumento importante para

a redução da insegurança energética e dos custos de transação associados ao

abastecimento energético.

Outro benefício relacionado com o anterior está direcionado para os

Estados com pequenas economias domésticas. Estas são caracterizadas pela

impossibilidade de potenciar economias de escala e apresentar custos internos

de geração e distribuição de eletricidade mais elevados, por vezes

incomportáveis mesmo para a prossecução de planos de autarcia energética.

Um caso ainda mais grave é o das pequenas economias vedadas de acesso

Page 307: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

306

direto ao mar e sem dotações significativas de recursos energéticos

domésticos. Neste caso, o acesso abastecimento de recursos energéticos sai

encarecido por obstáculos aduaneiros e infraestruturais. Para estes países é

vital o aprofundamento do processo de integração regional, na medida em que

esta pressupõe a abolição das barreiras aduaneiras e o livre acesso às

infraestruturas dos seus países vizinhos. Tal pode resultar numa redução

significativa dos seus custos associados à geração, transmissão e distribuição

de eletricidade.

A coordenação dos investimentos na expansão da capacidade de

geração e transmissão de eletricidade permite, no quadro regional, permite

proceder a escolhas mais economicamente racionais sobre que projetos devem

ter primazia no acesso ao financiamento. Por outro lado, a coordenação

supranacional permite adotar um critério por interesses verdadeiramente

regionais em detrimento dos nacionais na definição dos projetos prioritários.

Finalmente, a coordenação supranacional permite uma canalização mais direta

e volumosa da capacidade de financiamento para os projetos considerados

prioritários.

O Sector Energético da África Austral

Atualmente, a África Austral está a sofrer uma crise energética marcada

por uma insuficiente capacidade de geração, instabilidade no abastecimento,

preços para os consumidores elevados e baixas taxas de acesso à eletricidade.

Outros fatores igualmente a considerar são o aumento da pressão da procura

Page 308: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

307

de eletricidade derivado do crescimento demográfico e económico e o

subfinanciamento crónico dos respetivos sectores energéticos. Rosnes e

Vennemo (2009) notam que um dos sinais mais visíveis da atual crise

energética africana é o recurso crescente à designada energia de emergência,

baseada no abastecimento privado de eletricidade.

A taxa de crescimento da procura de eletricidade é significativamente

elevada um pouco por todo o continente africano. No caso da África Austral,

Rosnes e Vennemo (2009) estimam que, na próxima década, se registe um

crescimento anual da procura de eletricidade entre os 4% e 5%. O cerne do

problema é que a taxa de crescimento de novas ligações à eletricidade não

está a acompanhar a taxa de crescimento demográfico, pelo que as taxas de

acesso estão a mesmo a decair em vários países africanos. Um dos motivos

para este desfasamento é que, em muitos países da África Austral, o

financiamento afetado ao sector energético é praticamente absorvido na sua

totalidade pela cobertura dos custos operacionais, restando muito pouco para

investir na expansão das capacidades de distribuição da eletricidade.

O preço médio da eletricidade na África Subsaariana é relativamente

elevado em termos internacionais, atingindo mesmo o dobro de outras regiões

em desenvolvimento. O estabelecimento de preços elevados para a

eletricidade disponibilizada à população tem importantes implicações sociais,

designadamente o problema d procura suprimida de eletricidade, que se refere

ao facto de muitas camadas sociais se verem impossibilitadas de usufruir da

eletricidade, por não conseguirem suportar os encargos financeiros associados

a este serviço básico.

Page 309: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

308

Existe uma correlação direta e positiva entre a taxa de crescimento

económico e a taxa de crescimento da procura de eletricidade. Com efeito, os

ritmos de crescimento económico afetam diretamente a procura de eletricidade,

pois quanto maior o rendimento disponível das pessoas maior a sua

disponibilidade e apetência para consumirem eletricidade, e mais capacitados

ficam os Estados de responderem financeiramente a esta pressão. Todavia, a

taxa de acesso à eletricidade tem também um impacto positivo no crescimento

económico. Rosnes e Vennemo (2009) estimam que, se todos os países da

África Subsariana alcançassem o líder regional na taxa de acesso à

eletricidade, as Ilhas Maurícias, o crescimento económico anual deles seria

acelerado em média cerca de 2,2%.

A África Austral depara-se ainda com um dilema particular que em muito

influencia as suas políticas energéticas, que é a coexistência de fenómenos

como o aprofundamento do fenómeno da urbanização e a manutenção de

elevadas percentagens da população residentes meio rural. O continente

africano é mesmo a região do Mundo onde o fenómeno da urbanização é mais

intenso. Porém, mesmo nos países onde a urbanização é mais vincada, a

maioria da população continua no meio rural, o que apenas vem colocar

maiores dificuldades na expansão da taxa de acesso à eletricidade. Existem

igualmente casos de países onde a cobertura elétrica das comunidades rurais

representam um desafio acrescido, devido à dispersão territorial das suas

populações. Tal é o caso de Moçambique, entre outros.

Perante este contexto, torna-se evidente que os volumes de

investimento necessários para responder adequadamente à pressão da

procura de eletricidade no continente africano, em geral, e na África Austral, em

Page 310: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

309

particular, assumem uma dimensão muito significativa. Tal investimento deve

ser desdobrado em duas componentes: uma de aumento da capacidade de

geração, transmissão e distribuição de eletricidade e outra de manutenção e

restauro da capacidade já existente. Rosnes e Vennemo (2009) estimam que,

para a região da África Austral conseguir acompanhar as exigências do

crescimento demográfico, desenvolvimento económico e dos objetivos de

aumento da taxa de acesso à eletricidade estabelecidos na região, serão

necessários investimentos na ordem dos 5% do PIB regional por ano pelo

menos até 2025, valor esse em linha com o restante continente africano.

Contudo, há que notar que, no quadro da África Austral, as capacidades de

financiamento e as necessidades de investimento dos diversos países estão

significativamente mal distribuídos, pois há países com grandes

potencialidades energéticas que não têm capacidade financeira para as

otimizar, como é o caso de Moçambique. No que se refere aos investimentos

de manutenção, constata-se que as infraestruturas elétricas de muitos países

da África Austral estão a necessitar de restauro e manutenção urgente, pelo

que há igualmente a necessidade de se investir na recuperação de capacidade

perdida. No caso concreto da África Austral, Rosnes e Vennemo (2009)

calculam que, até 2025,a capacidade atual da região, de cerca de 50000 MW

poderá vir a ser reduzida para cerca de 20000 MW, pelo que se a região

precisará realizar investimentos de recuperação de capacidade à volta de

30000 MW, além de cerca de 35000 MW necessários de nova capacidade de

geração, transmissão e distribuição de eletricidade.

Por fim, é importante distinguir os sectores energéticos dos países

africanos consoantes as idiossincrasias de cada um. Por exemplo, os custos

Page 311: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

310

operacionais dos sectores energéticos baseados no diesel são superiores aos

baseados na energia hídrica. Já países com sectores energéticos de menor

dimensão enfrentam custos operacionais médios superiores aos dos com

maiores dimensões. Finalmente, os países sem acesso direto ao mar e os

países insulares apresentam em média custos operacionais superiores aos

outros países, devido aos custos de transporte relativamente mais elevados

para recursos energéticos fósseis.

Integração Energética na África Austral

A maioria da eletricidade gerada na região tem como fonte as reservas

abundantes de carvão aí existentes, mais concretamente no Norte da África do

Sul, Leste do Botswana e Oeste do Zimbabué. Contudo, ao se retirar o peso da

África do Sul no portfolio regional, constata-se que a energia hídrica domina o

portfolio do resto da região, sobretudo com o potencial localizado no rio

Zambeze. Deste modo, constata-se uma concentração das reservas de carvão

no Sul da região20, enquanto os recursos hídricos estão localizados sobretudo

no Norte21. Têm sido igualmente desenvolvidas tecnologias de ponta, como a

energia nuclear na África do Sul e Namíbia ou o gás natural em Moçambique,

para além do petróleo em Angola.

O pressuposto teórico desta comunicação é que o aprofundamento dos

arranjos institucionais de integração regional, sobretudo no que se refere à

20

África do Sul, Botswana e Zimbabué.

21 República Democrática do Congo, Zâmbia e Moçambique.

Page 312: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

311

integração das redes infraestruturais de geração e transmissão de eletricidade

nacionais e à coordenação dos investimentos de aumento das capacidades de

geração e transmissão, é fundamental para a expansão do comércio energético

intrarregional na África Austral, com os benefícios já acima referidos.

O historial de arranjos institucionais de comércio energético

intrarregional na África Austral já é longo. As primeiras experiências datam do

início do século XX, aquando da constituição da empresa Victoria Falls na

antiga Rodésia do Sul para abastecer eletricidade à indústria mineira da África

do Sul (ECA, 2009). Já a hidroelétrica do Kariba foi o primeiro projeto a

envolver um esquema mais complexo de conexões entre diferentes Estados

vizinhos, implicando a construção de uma hidroelétrica, uma subestação

elétrica com uma capacidade aproximada de 666 MW e a edificação de linhas

de transmissão entre a Zâmbia e o Zimbabué. Outro dos maiores projetos

regionais no sector da eletricidade, que atualmente ainda está em

desenvolvimento, é o projeto do Inga. Na sua conceção pretendia abastecer

eletricidade à zona industrial do Katanga, mas logo em 1956 foi igualmente

criada uma linha de transmissão de 220 kV para a Zâmbia. Esta linha de

transmissão do Inga para a Zâmbia permitiu que o Zimbabué tivesse acesso à

eletricidade ali gerada, institucionalizando o primeiro acordo tripartido de

transmissão de eletricidade, entre República Democrática do Congo, Zâmbia e

Zimbabué.

Mais tarde, aquando da criação da SADCC (Southern Africa

Development Coordination Conference) em 1980, procedeu-se à integração

das redes elétricas nacionais de países como Botswana, Zâmbia, Zimbabué e

Moçambique, numa tentativa de reduzir a dependência económica destes

Page 313: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

312

países da potência África do Sul. Constatando os progressos alcançados nesta

área, mas também os obstáculos com que ainda se deparavam para um

aprofundamento superior, os Estados-membros da SADC (Southern Africa

Development Community) avançaram em 1995 com a institucionalização da

SAPP, organização regional focada nas questões da energia, e da eletricidade

em particular. Todavia, grande parte da rede elétrica regional precede a própria

formação da SAPP. Os seus primeiros tratados foram igualmente baseados em

grande medida nos acordos bilaterais previamente estabelecidos na região. A

ECA (2009) nota que nos mercados energéticos com grande défice

infraestrutural constata-se uma predominância dos acordos bilaterais, visto que

estes oferecem a estabilidade de cash-flows necessária para garantir maiores

volumes de financiamento.

O enfoque inicial da SAPP foi o aproveitamento do excesso de

capacidade de geração de eletricidade que se registava na região na altura,

pelo que a prioridade foi para o investimento em infraestruturas de transmissão

e distribuição de eletricidade e assim integrar as redes nacionais desde a

República Democrática do Congo até à África do Sul.

No âmbito deste processo, é importante referir que o papel da SAPP no

planeamento de novos projetos energéticos da região não é vinculativo,

assumindo meramente um papel consultivo, dado que as decisões finais

continuam a pertencer aos diversos Estados-membros. Porém, desde que se

começou a atual crise energética, em que se registaram falhas estruturais de

abastecimento de eletricidade na região, concretamente a partir de 2007, a

SAPP tem vindo a ganhar um peso crescente na definição e coordenação dos

investimentos elétricos regionais.

Page 314: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

313

Tabela 1 – Comércio Energético na SAPP em 2005

Fonte: ECA (2009: 28)

Atualmente, a estratégia da SAPP consiste em: i) aumentar a segurança

e estabilidade do abastecimento na rede elétrica regional; ii) fomentar a

expansão da rede elétrica regional para redes nacionais ainda não integradas;

iii) introduzir um mercado de curto prazo22 que facilite a comercialização dos

excedentes elétricos não abrangidos por contratos bilaterais (ECA, 2009). O

desenvolvimento deste mercado é um marco significativo na integração

regional energética, apesar dos volumes de troca realizados serem ainda

relativamente pouco significantes. O presente mix energético da SAPP é o

seguinte: 74% carvão, 20% hídrica, 4% nuclear e 2% diesel e gás natural.

Todavia, a SAPP já definiu como um dos seus objetivos centrais a

reformulação do seu portfolio energético até 2025 para o seguinte: 50% carvão,

26% hídrica, 2% nuclear e 22% diesel e gás natural (ECA, 2009).

22

Através da institucionalização do STEM (Short-term Energy Market) e do DAM (Day-ahead

Market).

Page 315: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

314

A África do Sul assume uma posição dominante no mercado elétrico

regional. Com efeito, este país representa cerca de 80% da produção e da

procura de eletricidade de toda a África Austral, além de ser um exportador

relevante de eletricidade para a região. Países como a Namíbia, Botswana,

Lesoto ou a Suazilândia apresentam défices estruturais na capacidade de

geração de eletricidade, daí serem importadores estruturais da África do Sul.

Contudo, desde que a África do Sul começou a experienciar quebras

estruturais no abastecimento de eletricidade, sobretudo nos últimos anos que a

Eskom se tem mostrado cada vez mais reticente em renovar os seus contratos

de abastecimento para os países vizinhos, o que tem agravado a segurança

energética destes (ECA, 2009).

Num cenário de aprofundamento da integração regional energética,

países como Botswana, Lesoto, Suazilândia, Tanzânia e Zimbabué assumem a

posição de importadores, enquanto países como a República Democrática do

Congo, Moçambique, Namíbia, África do Sul e Zâmbia assumem o papel de

exportadores regionais. Os benefícios ocorrem em ambos os lados: os

importadores diversificam a sua rede de fornecedores energéticos e garantem

um abastecimento de eletricidade mais estável e barato. Já os exportadores

diversificam a sua carteira de exportações e melhoram o saldo da sua balança

comercial.

Page 316: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

315

Figura 1 – Comércio Energético Intrarregional na SAPP em 2010

Fonte: SAPP (2011: 32)

Page 317: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

316

Figura 2 – Projeções para o Pleno Potencial de Comércio Energético

Intrarregional até 2015 na SAPP (TWh)

Fonte: Rosnes and Vennemo (2008: 6)

Potencial do Zambeze para África Austral

Uma parte significativa do potencial de geração de hidroeletricidade da

África Austral está concentrada no rio Zambeze, um dos maiores cursos de

água a nível mundial. Tem-se assim que, enquanto a esmagadora maioria da

procura de eletricidade está situada na zona mais a Sul da África Austral, mais

concretamente na potência regional África do Sul, a maior parte do potencial de

hidroeletricidade está localizado no Norte da região, sobretudo em países como

Page 318: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

317

a República Democrática do Congo, a Zâmbia ou Moçambique. Neste sentido,

é frequentemente avançado que o compromisso político dos Estados da região

para com o aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional,

mais concretamente no que toca ao sector energético, foi alcançado em grande

medida com o forte patrocínio da potência regional África do Sul, que pretendia

um acesso mais facilitado e estável à hidroeletricidade gerada a Norte.

Tabela 2 – Potencial e Capacidade Instalada de Energia Hídrica da SAPP

Fonte: ECA (2009: 10)

Page 319: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

318

Tabela 3 – Potencial de Energia Hídrica de Alguns Países da SADC

Fonte: Frost and Sullivan (2009) in Mbirimi (2010: 11)

No caso concreto de Moçambique, muito do seu potencial de

hidroeletricidade está concentrado neste curso de água. Com efeito, (Chambal,

2010: 7) estima que cerca de 80% do potencial de energia hídrica de

Moçambique esteja concentrado nas províncias mais a Norte, ao longo do rio

Zambeze. Assim, desde sempre os projetos de geração de hidroeletricidade

em Moçambique sofreram um enviesamento em torno do rio Zambeze, onde a

Hidroelétrica de Cahora Bassa é uma das maiores e mais antigas

infraestruturas, com uma capacidade de geração de eletricidade de cerca de

2075 megawatts. Contudo, Cahora Bassa está longe de esgotar o potencial de

hidroeletricidade do rio Zambeze. Neste sentido, as autoridades moçambicanas

têm projetada a edificação de mais infraestruturas de geração e transmissão de

eletricidade, nomeadamente a barragem de Mphanda Nkuwa ou a extensão

Norte da Hidroelétrica de Cahora Bassa, e também projetos de menor

dimensão associada como as barragens de Lupata e Boroma23.

23

As barragens de Mphanda Nkuwa, Lupata e Boroma têm um potencial de geração de

eletricidade associado de aproximadamente de 1800, 650 e 450 megawatts respetivamente,

enquanto a extensão Norte da hidroelétrica de Cahora Bassa pode atingir os 1200 megawatts

de capacidade de geração (ECA, 2009:10).

Page 320: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

319

Relativamente aos dois primeiros projetos, a barragem de Mphanda

Nkuwa nunca poderá ter uma capacidade instalada superior à hidroelétrica de

Cahora Bassa, dada a localização geográfica a jusante. Porém, são evidentes

os benefícios em ter uma gestão conjunta das duas infraestruturas, para

aproveitar ao máximo o potencial de complementaridade entre elas. Já alguns

peritos em engenharia previamente entrevistados duvidam da capacidade de

avançar com o projeto da Central Norte em Cahora Bassa, sobretudo num

cenário de redução dos volumes de precipitação associados ao fenómeno das

alterações climáticas. Além disso, ainda não é consensual que a o complexo da

hidroelétrica de Cahora Bassa apresente as condições de segurança mínimas

necessárias para a prossecução do projeto da central Norte. No entanto, no

caso desta infraestrutura avançar, está previsto que o destino da sua

hidroeletricidade deverá ser a região da África Austral como um todo, no

quadro institucional da SAPP, até porque a hidroeletricidade gerada na central

Norte não está abrangida pelo acordo de exclusividade com a Eskom.

Gráfico 1 – Capacidade de Geração de Eletricidade por Infraestrutura (GWh)

Fonte: Mulder (2007: 23)

Page 321: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

320

O Sector Elétrico de Moçambique

Hankins (2009) traça um perfil do sector elétrico como dual e

disfuncional: por um lado marcado por infraestruturas com grande capacidade

de geração de eletricidade, como a hidroelétrica de Cahora Bassa ou o projeto

de Mphanda Nkuwa, mas por outro caracterizado pelo subdesenvolvimento da

sua rede interna de transmissão e distribuição de eletricidade, o que tem vindo

a impedir o crescimento mais significativo da taxa de eletrificação nacional. Já

Chambal (2010: 9) destaca três atores fundamentais na oferta de eletricidade

em Moçambique a empresa estatal EDM24, a hidroelétrica de Cahora Bassa e a

Motraco, uma joint-venture entre os Estados da África do Sul, Moçambique e

Suazilândia.

Destes três, a hidroelétrica de Cahora Bassa destaca-se claramente:

enquanto ela tem uma capacidade de geração de 2075 megawatts, a EDM

possui uma capacidade própria de sensivelmente 600 megawatts. A

hidroelétrica tem assumido um papel central na economia moçambicana, na

medida em que tem servido como garantia dum abastecimento elétrico estável

e de qualidade para o investimento direto estrangeiro concretizado nos

denominados mega-projectos em Moçambique, coluna vertebral da sua política

económica mais recente.

Já no que se refere à EDM, esta tem acesso à eletricidade proveniente

da hidroelétrica de Cahora Bassa via da África do Sul, através de um acordo

buy-back com a Eskom, que após receber a eletricidade oriunda da

24

Eletricidade de Moçambique EP.

Page 322: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

321

hidroelétrica, transfere uma parte para o sul de Moçambique, cerca de 300

MW, tendo então a EDM liberdade para a vender para o exterior ou não,

consoante as suas necessidades (ECA, 2009: 32). Ainda, a EDM tem tentado,

pela via negocial, garantir uma parcela maior da oferta de eletricidade da

hidroelétrica de Cahora Bassa, para desta forma prosseguir os seus programas

de aumento da taxa de eletrificação nacional, sobretudo para as províncias

mais a Norte. Contudo, o maior obstáculo a esta pretensão da EDM consiste

nas cláusulas contratuais de longo-prazo do fornecimento de eletricidade da

hidroelétrica de Cahora Bassa ao seu principal cliente, a empresa estatal sul-

africana Eskom (Mulder, 2007: 12). Num cenário futuro de acesso mais fácil e

significativo à hidroeletricidade de Cahora Bassa, Chambal (2010) acredita que

a EDM procederá a um crescente trade-off no seu portfolio relativamente a

recursos energéticos, substituindo uma parcela crescente de eletricidade

proveniente de energia fóssil pela aquisição de quantidades maiores de

hidroeletricidade. Tal, além das imediatas vantagens ambientais, terá também

um impacto positivo em termos financeiros, visto que os custos de geração de

eletricidade da energia hídrica são menores que os da energia fóssil.

A Hidroelétrica de Cahora Bassa

Desde a sua conceção, na década 60 do século XX, que a hidroelétrica

de Cahora Bassa foi projetada mais para o abastecimento de eletricidade à

potência regional África do Sul do que propriamente para abastecimento do

mercado interno moçambicano. A dimensão associada ao projeto e a

prossecução da maximização do seu pleno potencial indicavam que a procura

Page 323: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

322

interna moçambicana seria insuficiente para representar a maioria da procura

de eletricidade do projeto. Tal constatação levou a que desde essa altura as

autoridades portuguesas tenham procurado atrair e integrar a empresa estatal

sul-africana Eskom nos planos de conceção, financiamento e expansão da

hidroelétrica. Contudo, as motivações desta aliança não se esgotavam aí: ela

tinha igualmente a intenção, das duas partes, de criar um tampão em

Moçambique para os movimentos independentistas africanos que se vinham

desenvolvendo um pouco por todo o continente.

O abastecimento de eletricidade da hidroelétrica de Cahora Bassa para

a África do Sul faz-se através duma linha de corrente contínua com uma

distância de cerca de 1400 km, partindo da estação de Bongo em Moçambique

até ao centro de distribuição Apolo na África do Sul. Ficou contratualmente

proibida a derivação desta linha contínua no território moçambicano. O primeiro

contrato entre a hidroelétrica de Cahora Bassa e a Eskom data de 1969, e

assumiu a modalidade de take or pay, estipulando para o efeito um preço fixo

reduzido. Desde então que a África do Sul se mostrou sempre intransigente

relativamente a uma possível alteração tarifária. Mesmo durante os anos 90,

em que a hidroelétrica de Cahora Bassa avançou com um plano arrojado de

reconstrução das linhas de transmissão, a África do Sul mostrou-se irredutível

na manutenção das tarifas então vigentes. Para tal, muito contribuía o contexto

de excesso de capacidade de geração de eletricidade que a África do Sul

apresentava para responder às suas necessidades internas, o que lhe permitia

inclusive exportar para os seus vizinhos.

Todavia, a partir do início do século XXI, este cenário de excesso de

capacidade começou a alterar-se, pelo que a África do Sul começou a

Page 324: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

323

abandonar a sua posição intransigente25. Neste sentido, em 2004 foi celebrado

um acordo para a revisão da tabela tarifária do abastecimento da hidroelétrica

para a Eskom, tendo sido igualmente implementado um mecanismo de

atualização do preço da eletricidade para o futuro.

Até recentemente, Portugal detinha a maioria do capital social da

hidroelétrica de Cahora Bassa, tendo havido várias rondas de negociação entre

Moçambique e Portugal para que o primeiro ficasse com a maioria do capital.

Só em Novembro de 2005, Portugal vendeu parte da sua participação social na

HCB a Moçambique, por 950 milhões de dólares, ficando o capital social da

empresa dividido da seguinte forma: Moçambique com 85% e Portugal com

15%, tendo as negociações continuado para que Moçambique adquirisse a

totalidade do capital social da empresa. Só recentemente é que as

negociações foram dadas por concluídas, tendo os 15% do capital social detido

pelo Estado português sido divididos em 7,5% diretamente para o Estado

Moçambicano e os restantes 7,5% para a empresa portuguesa REN26.

O período associado à construção de Cahora Bassa foi muito longo, com

várias paragens, até que finalmente se deu por concluída em finais de 1974.

Contudo, o período de guerra civil que assolou Moçambique pouco após a sua

independência afetou negativa e profundamente a atividade operacional da

hidroelétrica de Cahora Bassa. Os movimentos de guerrilha moçambicanos

elegeram a linha de transmissão contínua de eletricidade entre a hidroelétrica e

a estação recetora na África do Sul como um dos alvos principais das suas

25

Além disso, muito contribuiu um contexto de mudança de quadros dirigentes na empresa sul-

africana estatal Eskom.

26 Rede Elétrica Nacional.

Page 325: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

324

movimentações, sendo sucessivamente alvo de ataques de sabotagem, com

destruição de sensivelmente 2000 torres de ligação. Perante tal cenário, a

hidroelétrica avançou com a desativação da linha em 1981. Apenas com o fim

da guerra civil, e passado o período de reconstrução, é que a linha de

transmissão para a África do Sul foi restabelecida em 1998.

O âmbito marcadamente regional da hidroelétrica de Cahora Bassa não

se cinge à África do Sul, possuindo igualmente uma ligação para o Zimbabué,

através duma linha de corrente alterna. Desde o início ficou estipulado que a

ZESA27 pagaria um preço mais elevado que a Eskom pela eletricidade de

Cahora Bassa, sendo que uma percentagem desse diferencial vai diretamente

para a própria Eskom. A ECA (2009: 22) afirma que a inclusão do Zimbabué no

leque de clientes da hidroelétrica de Cahora Bassa foi fortemente motivada

pelas graves secas que se registaram naquele país nos anos de 1991/92, que

provocaram uma grave crise energética no Zimbabué, levando as suas

autoridades a procurarem responder às necessidades internas com

fornecimentos externos. Mais tarde, por altura da eclosão da crise política e

socioeconómica atual do Zimbabué, este começou a demonstrar dificuldades

em cumprir com os planos de encargos para com a hidroelétrica, e esta retaliou

com o corte do abastecimento de eletricidade. Aliás, recentemente a

hidroelétrica avançou mesmo com o corte do abastecimento de eletricidade

para o Zimbabué, devido à acumulação de uma dívida que já ronda os 75

milhões de dólares. Tal tem sido uma opção tomada já diversas vezes pela

hidroelétrica, dadas as constantes e estruturais dificuldades das autoridades

zimbabueanas em cumprir com o acordado. Porém, várias personalidades

27

Zimbabwe Electricity Supply Authority.

Page 326: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

325

moçambicanas entrevistadas referem que o abastecimento de eletricidade ao

Zimbabué está muito mais imbuído de motivações políticas que propriamente

económicas ou financeiras, pelo que dificilmente o abastecimento será alguma

vez cancelado por incumprimentos nos planos de pagamento.

Contudo, deve ser ressalvado que este aprofundamento dos processos

de integração regional energética e o crescimento do comércio energético

intrarregional, dos quais a hidroelétrica de Cahora Bassa é um dos expoentes

máximos, só foram possíveis após o término do regime sul-africano do

apartheid e consequente retoma das relações institucionais e diplomáticas

entre a África do Sul e respetivos Estados vizinhos.

Relativamente às perspetivas futuras da hidroelétrica de Cahora Bassa,

elas passam necessariamente pela manutenção da grande extroversão da sua

capacidade de geração de eletricidade, fornecendo-a aos países vizinhos como

África do Sul, Zimbabué, e agora também ao Malawi. Todavia, Mulder (2007:

23) acredita que a empresa terá uma maior preocupação em afetar uma

parcela crescente da sua oferta de eletricidade para o mercado interno e

respetiva empresa estatal EDM.

Apesar da grande extroversão da oferta de eletricidade da hidroelétrica

de Cahora Bassa para os países vizinhos, tal não significa que a infraestrutura

não seja um elemento central do abastecimento do mercado interno

moçambicano. A relevância da hidroelétrica de Cahora Bassa para o

abastecimento de eletricidade em Moçambique é tal que, dado o

subdesenvolvimento da rede de distribuição interna, as províncias mais a sul

de Moçambique são igualmente abastecidas via Cahora Bassa: a eletricidade é

Page 327: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

326

exportada primeiramente para a África do Sul e só depois é reimportada dali

para o sul de país, em particular para a capital Maputo. Este contexto tem

colocado Moçambique numa situação de dependência estrutural relativamente

à África do Sul, pelo que as autoridades moçambicanas têm vindo a projetar

uma linha de distribuição direta da hidroelétrica de Cahora Bassa para a capital

Maputo, com subestações de distribuição em províncias como Tete, Manica e

Inhambane, para garantir o abastecimento próprio destas províncias e assim

alcançar o objetivo de aumentar a taxa de eletrificação quer regional quer

nacional (Hankins, 2009: 22). Este projeto, já denominado CESUL, faz parte do

plano estratégico da hidroelétrica de Cahora Bassa, que consiste

fundamentalmente em três projetos de expansão da capacidade de

transmissão e distribuição da sua eletricidade: este da HCB diretamente para a

capital Maputo, outro de HCB para a província de Nampula, via Malawi, e outro

de exportação da eletricidade de HCB para o Malawi. Este último tem como

motivação fundamental o desejo do Malawi de amenizar a sua atual crise

energética e beneficiar dum abastecimento de eletricidade barata

providenciado pela hidroelétrica.

Outro ponto relevante nas perspetivas futuras da hidroelétrica de Cahora

Bassa é a sua crescente integração no quadro institucional regional da SAPP.

A África do Sul desde sempre se mostrou relutante na integração da

hidroelétrica no quadro regional, pois tal permite a esta reduzir a sua

dependência perante a potência regional, através da diversificação do seu

portfolio de clientes. Porém, os picos de geração da hidroelétrica de Cahora

Bassa não estão contratualmente reservados para a Eskom, pelo que a

primeira tem aproveitado para escoar esses picos de geração para a SAPP.

Page 328: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

327

Figura 3 – Rede Moçambicana de Transmissão de Eletricidade

Fonte: Hankins (2009: 23)

Page 329: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

328

Considerações Finais

A África Austral depara-se atualmente com uma crise energética grave.

A combinação de fenómenos distintos como a aceleração do crescimento

económico, o crescimento demográfico e o aprofundamento da urbanização de

muitos países da região tem colocado uma grande pressão do lado da procura

de eletricidade, procura essa que está longe de obter a resposta adequada da

parte dos governos da região. Com efeito, em alguns países a taxa de acesso

à eletricidade não só não tem aumentado como tem mesmo diminuído.

Contudo, este cenário não é uma fatalidade para a região da África

Austral. Com efeito, a região dispõe de recursos energéticos variados e em

quantidades significativas. Do carvão aos recursos hídricos, passando pelo gás

natural, petróleo e urânio, a África Austral tem recursos internos suficientes

para adotar qualquer paradigma energético. Assim, a África Austral dispões de

condições para, não só assegurar um acesso à eletricidade generalizado e de

qualidade, como ser praticamente autossuficiente em termos energéticos. Para

atingir tal desiderato, o aprofundamento da integração regional no sector

energético, que permita um crescimento do comércio energético intrarregional,

é um passo importante.

O aprofundamento dos arranjos institucionais de integração regional

permitirá à África Austral expandir as suas capacidades próprias de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade. Além disso, permitirá que o excesso

de capacidade de geração de alguns países, como Moçambique ou a

República Democrática do Congo seja aproveitado por países que se deparam

Page 330: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

329

com crises energéticas, como é o caso mais relevante da África do Sul. Posto

isto, conclui-se que a crise energética da África Austral pode ser resolvida se a

região adotar uma perspetiva mais inward e procurar desenvolver, em bloco, as

suas dotações energéticas endógenas.

Desta comunicação conclui-se que os Estados da África Austral têm

consciência das suas potencialidades energéticas e têm procurado aprofundar

os arranjos institucionais de integração regional no sector energético. Desde a

institucionalização da SADCC que o sector da energia foi considerado como

um dos prioritários para a intervenção da organização regional. Aí, procurou-se

reduzir a dependência dos países vizinhos da África do Sul em termos

energéticos, através da integração das diversas redes elétricas nacionais e do

aumento do comércio energético entre eles. Já depois do fim do regime do

apartheid sul-africano, e com o desenvolvimento da SADCC para a SADC, o

sector energético ganhou uma preponderância ainda maior, sobretudo desde

que a potência regional África do Sul começou a experienciar crises

energéticas regulares. Um dos passos mais importantes neste processo foi a

institucionalização da SAPP, organização regional especialmente vocacionada

para a coordenação dos investimentos energéticos na região e para a

promoção do comércio energético intrarregional, através de instrumentos como

o DAM que facilitam estas mesmas trocas. Concluindo, tem-se que os Estados

estão a realizar um esforço meritório para se integrarem na área da energia,

têm apresentado resultados positivos visíveis, mas todavia ainda estão longe

de atingir o máximo do seu potencial.

Os Estados da região da África Austral deverão igualmente procurar

retirar ilações de outras experiências internacionais de integração regional nos

Page 331: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

330

sectores energéticos, visto que há casos bem-sucedidos na América do Norte,

Europa e mesmo em outras regiões em desenvolvimento. Castalia (2009)

sugerem cinco lições fundamentais para a África Austral, mais concretamente

para a sua organização regional SAPP: i) necessidade de se assegurar logo

numa primeira fase da institucionalização dos arranjos de integração energética

a estabilidade da oferta e do abastecimento de eletricidade; ii) necessidade de

se reforçar o papel das organizações regionais, tornado as suas decisões

vinculativas para os governos nacionais, sobretudo nas áreas do planeamento

e fixação de preços; iii) a institucionalização de acordos bilaterais permite a

criação das bases para a expansão do comércio intrarregional energético

multilateral; iv) o aumento do comércio energético intrarregional pressupõe, por

um lado, o aprofundamento dos arranjos institucionais e a harmonização de

políticas nacionais, e por outro, a expansão das capacidades de geração,

transmissão e distribuição de eletricidade; v) necessidade de implementar

mecanismos de regulação e supervisão perfeitamente claros e transparentes.

Relativamente ao primeiro ponto, a segurança da oferta e do

abastecimento de eletricidade deve ser encarada em três dimensões distintas:

adequação da oferta à procura, fiabilidade mesmo em cenários de problemas

técnicos operacionais, e segurança comercial na estabilidade dos acordos

transnacionais. Ela deve ser reforçada através dum enquadramento legal e

institucional efetivo e de um desenho adequado dos acordos de comércio

energético entre os fornecedores e os clientes, que garantam a estabilidade do

fornecimento de energia. Um dos métodos mais utilizados para assegurar a

estabilidade da oferta e do abastecimento energético passa pela inclusão de

Page 332: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

331

penalizações nos próprios contractos comerciais para eventuais quebras no

abastecimento ou transmissão.

Quanto ao segundo ponto, as experiências internacionais bem-

sucedidas demonstram claramente a necessidade das organizações regionais

verem os seus poderes e atribuições reforçadas, para que as suas estratégias

e decisões sejam vinculativas para os governos nacionais. As organizações

regionais devem ser reforçadas e fortalecidas, de modo a que as decisões

estratégicas tenham em consideração dimensões regionais e não meramente

nacionais, o que implicará sempre um maior compromisso político dos Estados

e a entrega de soberania. No caso concreto da África Austral e da SAPP,

constata-se a necessidade dum compromisso político ainda mais efetivo dos

governos nacionais para com as organizações regionais, dado que estas ainda

se encontram bastante constrangidas na sua capacidade de tomar decisões.

Constata-se igualmente a necessidade da institucionalização de

enquadramentos legais claros e objetivos, como um passo importante para

retirar muita da incerteza nas decisões de investimento dos agentes

económicos potencialmente interessados. Neste sentido, as organizações

regionais devem adotar processos de tomada de decisão eficientes, sobretudo

no que toca ao planeamento da expansão da rede infraestrutural e na fixação

dos preços do comércio energético. Além disso, devem desenvolver

mecanismos de resolução de disputas, de forma a retirar alguma da incerteza

que ainda está associada ao comércio energético intrarregional. No caso

concreto da África Austral, o enquadramento legal subjacente ao comércio

energético intrarregional na África Austral ainda é relativamente

subdesenvolvido quando comparado com o de outras regiões do Mundo. Um

Page 333: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

332

dos obstáculos é a falta de clarificação do papel dos reguladores no quadro da

SAPP, sobretudo em três dimensões distintas: o envolvimento dos reguladores

nas negociações comerciais; calendário dos processos de tomada de decisão;

e disponibilização pública de informação relativa aos contratos.

Outro ponto que tem merecido críticas à intervenção da SAPP é o seu

enfoque excessivo no comércio energético intrarregional de curto-prazo, dado o

pouco potencial de desenvolvimento que apresenta, face à escassez de oferta

energética atual. Mais, o comércio energético intrarregional de curto-prazo não

oferece a estabilidade financeira necessária para incentivar a expansão da

rede infraestrutural energética regional.

No âmbito do comércio energético intrarregional, a hidroelétrica de

Cahora Bassa é um ator central, não só pela sua capacidade associada mas

também pelo portfolio de clientes que apresenta. Com efeito, Cahora Bassa é

uma das maiores hidroelétricas no panorama africano, com um potencial

máximo de geração que ultrapassa os 3000 megawatts. No portfolio da SAPP,

a hidroelétrica de Cahora Bassa é uma das infraestruturas que apresenta uma

maior capacidade de geração. Por outro lado, Cahora Bassa desde a sua

edificação que adotou um paradigma marcadamente orientado para o exterior.

A grande maioria da eletricidade por si gerada não tem como destino final o

Estado moçambicano, mas sim a vizinha África do Sul. Além disso, também o

Zimbabué recebe eletricidade da hidroelétrica, e está em fase avançada o

projeto rede de transmissão para o Malawi. Tem-se assim que a hidroelétrica

de Cahora Bassa representa um caso exemplar das potencialidades do

aprofundamento da integração energética regional e do crescimento do

comércio energético intrarregional no cenário da África Austral.

Page 334: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

333

Referências Bibliográficas

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Ambiental, Maputo

Page 335: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

334

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Energy Security Policy Report 5, Canada

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Ministério da Planificação e Desenvolvimento, Maputo

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Infrastructure Investment Needs in Southern and Eastern Africa, Econ Poyry,

Oslo

SAPP (2011) SAPP 2010 Annual Report, SAPP, Gaborone

Page 336: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

335

Anexos

Anexo 1 – Exportações e Importações Intrarregionais de Eletricidade na África

Subsaariana em 2005

Fonte: Eberhard et al (2008) in Eberhard et al (2011: 27)

Page 337: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

336

Anexo 2 – Planos Energéticos em Moçambique

Fonte: Hankins (2009) in Chambal (2010: 14)

Anexo 3 – Dados sobre a Capacidade de Geração de Eletricidade dos

Membros da SAPP

Fonte: SAPP (2011: 29)

Page 338: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

337

17.3. ANÁLISE COMPARATIVA DOS PERFIS ENERGÉTICOS DE

CABO-VERDE E GUINÉ-BISSAU28

João Veiga Esteves29

RESUMO

Muitos países africanos têm vindo recentemente a experienciar crises

energéticas cada vez mais frequentes e gravosas. As causas fundamentais

deste fenómeno são o subfinanciamento crónico dos sectores energéticos

estatais aliado à crescente pressão do lado da procura de eletricidade, esta

derivada do agravamento dos fenómenos do crescimento demográfico,

económico e da urbanização. Este cenário é ainda mais preocupante em

países de menor dimensão, como Cabo-Verde ou a Guiné-Bissau, onde a

impossibilidade de aproveitamento das economias de escala traduz-se em

custos operacionais de geração de eletricidade mais elevados. Por outro lado,

a privação de recursos energéticos significativos sofrida por estes dois países

torna-os excessivamente dependentes do exterior para garantirem o seu

abastecimento energético, logo mais vulneráveis a choques exógenos. No caso

28

Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional Cabo-Verde e Guiné-Bissau: Percursos

do Saber e da Ciência, nos dias 21, 22 e 23 de Junho de 2012, no ISCSP, Lisboa.

29 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais) no âmbito das

Conferências do Estoril 2011. Contacto telefónico: +351 96 764 20 13. Contacto de email:

[email protected]

Page 339: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

338

concreto de Cabo-Verde, este depara-se com um obstáculo adicional, derivado

da sua situação de insularidade. Tal impossibilita o país usufruir dos benefícios

dos esquemas regionais de integração dos diferentes sectores energéticos

nacionais (no caso concreto a West African Power Pool) e de incremento do

comércio energético intrarregional. Este é particularmente vantajoso para

países com custos internos de geração de eletricidade elevados, pois permite-

lhes importar eletricidade mais barata dos seus Estados vizinhos. Já no caso

concreto da Guiné-Bissau, o seu estatuto de Estado Frágil coloca-lhe desafios

de outra dimensão. Um dos traços característicos deste grupo de países é a

deterioração avançada da sua rede infraestrutural, onde a rede elétrica está

naturalmente incluída. Esta deterioração leva à sucessão de cortes de

eletricidade, com imediatas repercussões na competitividade da economia

doméstica e no bem-estar das populações. Posto isto, esta comunicação

pretende, numa primeira fase, traçar o perfil energético destes dois países, nas

suas dimensões fundamentais. De seguida, descortinam-se as principais

semelhanças e diferenças entre os dois casos de estudo, e avança-se com

algumas explicações possíveis para estas. Finalmente, apresentam-se as

principais conclusões da comunicação e as pistas que deixa para futuras

investigações.

Palavras-chave: Perfil Energético, Cabo-Verde, Guiné-Bissau

Page 340: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

339

ENERGY PROFILES OF CAPE-VERDE AND GUINEA-BISSAU

A COMPARATIVE ANALYSIS30

João Veiga Esteves31

ABSTRACT

Several African countries face frequent and increasingly serious energy crisis.

The roots of these phenomena are to be found in a chronic underinvestment in

public energy sectors combined with an increasing pressure on the electricity

demand side that comes with those countries´ demographic, economic and

urban growths. The smaller the countries the worse the cases, as it can be seen

in Cape Verde or Guinea-Bissau, two States whose incapability to generate

economies of scale leads to higher electricity generation costs, and whose lack

of energy resources makes them too dependent on outer energy supplies and

therefore more vulnerable to exogenous shocks. Cape Verde´s insular condition

is an additional hardship, hampering that country´s ability to take advantage of

regional energy sectors integration systems (specifically the West African

30

Communication to the 8th Iberian Congress of African Studies held at Madrid on the 14

th, 15

th

and 16th of June 2012.

31 Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril

Conferences 2011. Phone Contact: +351 96 764 20 13. Email: [email protected]

Page 341: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

340

Power Pool) and of an interregional energy trade growth that gives state

members faced with high internal energy production costs a chance to import

cheaper energy from their neighbours. Guinea-Bissau´s bigger challenges, on

the other hand, stem from its Fragile State condition, which always means high

infrastructures deterioration. Electricity networks are naturally an important part

of the problem, leading to frequent energy cuts with consequent and immediate

repercussions on the domestic economic competitiveness and on its citizens´

quality of life. This paper aims to establish the two countries´ basic energy

profiles and then go deeper in the main similarities and differences and their

possible explanations. This done, the paper will draw the main conclusions and

propose possible clues for further investigation.

Key-words: Energy Profiles, Cape-Verde, Guinea-Bissau

Page 342: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

341

Contexto Energético de Cabo-Verde

Cabo-Verde é frequentemente avançado como um estudo de caso na

avaliação do impacto dos condicionalismos geográficos nos paradigmas

energéticos dos países africanos. O caso concreto cabo-verdiano é em grande

medida influenciado por dois fatores fundamentais: os condicionalismos

geográficos impostos pela sua insularidade e a ausência de dotações

energéticas próprias em quantidades significativas, que coloca o país mais

vulnerável perante flutuações e choques exógenos.

Relativamente à questão da insularidade, está empiricamente provado

que os arquipélagos apresentam, em média, custos de geração de eletricidade

superiores aos dos restantes, pois os recursos energéticos que obtêm sofrem

uma penalização no preço final devido a custos de transporte de combustíveis

fósseis mais elevados (Foster et al, 2008).

Por outro lado, a descontinuidade do território nacional em diversas ilhas

de pequena dimensão torna mais difícil a exploração de economias de escala

na geração de eletricidade. Assim, cada ilha do arquipélago tem que possuir a

sua própria rede infraestrutural de geração e distribuição de eletricidade, com

uma dimensão da procura associada necessariamente mais reduzida, o que se

traduz forçosamente numa atividade operacional abaixo do ótima.

No caso concreto cabo-verdiano, há um particularismo relevante que

impacta significativamente o paradigma energético nacional: a necessidade de

proceder à dessalinização da água para abastecimento às populações. Tal

Page 343: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

342

processo é intensivo em energia, estimando-se que sensivelmente 10% da

energia consumida no país seja para efeitos de dessalinização da água.

Gráfico 1 – Desagregação dos Custos Operacionais dos Diferentes Sectores

Elétricos Consoante Características Geográficas dos Países Africanos

Fonte: Eberhard et al (2011: 26)

Finalmente, a insularidade representa uma outra desvantagem para os

arquipélagos africanos. Tal consiste no facto de estarem impossibilitados de

beneficiarem do aprofundamento dos arranjos institucionais de integração

regional energética, por não poderem ver as suas redes elétricas conectadas

com as dos seus vizinhos mais próximos. O incremento do comércio energético

intrarregional comporta uma série de benefícios, entre eles: diminuição dos

custos de geração de eletricidade, decorrentes do redimensionamento dos

Page 344: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

343

mercados internos num único verdadeiramente regional; diversificação do

portfolio de fornecedores energéticos, com uma maior dependência de

fornecedores regionais; diversificação do próprio portfolio energético, com uma

aposta mais efetiva em recursos energéticos da região. Cabo-Verde teria a

ganhar em integrar a WAPP32, dado os elevados custos de geração de

eletricidade que apresenta.

Tabela 1 – Taxa Média de Crescimento da Procura de Eletricidade em alguns

Arquipélagos Africanos

Fonte: Eberhard et al (2011: 215)

Desta tabela retira-se que Cabo-Verde é o Estado que sofre maior

pressão do lado da procura de eletricidade, dentro desta amostra de

arquipélagos africanos, porventura graças ao dinamismo económico que tem

apresentado. O crescimento económico, por si só, é um fator de pressão sobre

o lado da procura de eletricidade, dado o primeiro exige um abastecimento

estável e acessível de energia. Assim, constata-se a existência de um círculo

32

West African Power Pool.

Page 345: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

344

virtuoso entre crescimento económico e procura de eletricidade: a capacidade

de um Estado prover eletricidade de modo acessível e seguro é um pré-

requisito na prossecução do crescimento económico; por outro lado, este

permite a arrecadação das receitas fiscais necessárias para a manutenção e

expansão da rede infraestrutural dum país, o que por sua vez permitirá

novamente a expansão da atividade económica. Cabo-Verde, apesar das

dificuldades pontuais em garantir um normal abastecimento de eletricidade,

com algumas quebras e cortes no abastecimento de eletricidade, está a

conseguir acompanhar este círculo virtuoso.

Tabela 2 – Previsões para a Composição da Procura de Eletricidade em alguns

Arquipélagos Africanos

Fonte: Eberhard et al (2011: 224)

Esta tabela demostra que Cabo-Verde enfrenta um grande desafio no

sector elétrico. As previsões apontam para um aumento de sensivelmente

250% na procura de eletricidade entre 2005 e 2015. As autoridades cabo-

verdianas têm procurado responder adequadamente a este aumento da

Page 346: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

345

procura, mas um incremento desta dimensão coloca necessariamente

problemas operacionais imediatos significativos, pelo que se justifica o

fenómeno das quebras regulares do abastecimento de eletricidade no país.

Esta incapacidade das autoridades cabo-verdianas responderem

imediatamente à pressão do lado da procura de eletricidade está patente na

tabela abaixo, que quantifica as quebras no abastecimento de eletricidade.

Tabela 3 – Dimensão da Procura Suprimida de Eletricidade em alguns

Arquipélagos Africanos

Fonte: Eberhard et al (2011: 217)

Apesar de Cabo-Verde apresentar um contexto melhor que o das Ilhas

Maurícias, é necessário ter em conta que estas apresentam já uma cobertura

do fornecimento elétrico pelo território nacional praticamente total, o que ainda

está longe de se verificar em Cabo-Verde. Oral, tal dimensão da cobertura nas

Maurícias coloca maiores desafios na garantia da estabilidade do

abastecimento à população, pelo que são realidade dificilmente comparáveis.

Esta instabilidade no abastecimento de eletricidade tem naturais

impactos económicos. O gráfico abaixo demonstra que, apesar dos bons

Page 347: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

346

desempenhos que Cabo-Verde tem vindo a apresentar, estes poderiam ser

robustecidos em sensivelmente 1% do PIB caso o respetivo setor elétrico

garantisse o normal abastecimento de eletricidade à economia doméstica.

Gráfico 2 – Impacto Económico das Quebras no Abastecimento de Eletricidade,

em alguns Países da África Subsaariana, em 2005

Fonte: Eberhard et al (2011: 10)

Tabela 4 – Quebras no Abastecimento e Geração Própria em Cabo-Verde

Fonte: Eberhard et al (2011: 192)

No que se refere ao sistema elétrico nacional, este apresenta um dado

importante e positivo, que a operacionalidade de toda a sua capacidade

Page 348: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

347

instalada, o que implica que o investimento a realizar no futuro poderá ser

canalizado na sua totalidade para a expansão das capacidades. Por outro lado,

a tabela abaixo demonstra a escassez de recursos energéticos do país e a

dependência do abastecimento externo de combustíveis fósseis. Tal escassez

de combustíveis fósseis leva a uma outra questão relevante, que é a

sobreexploração da biomassa para efeitos de geração de energia, e o impacto

que tal opção tem ao nível das alterações climáticas e da própria

sustentabilidade dos processos de desenvolvimento.

Perante este cenário, as autoridades cabo-verdianas tem vindo a

procurar fomentar a exploração do potencial de energias renováveis que o

arquipélago apresenta, sobretudo a eólica. Com efeito, o Estado cabo-verdiano

assumiu o objetivo de alterar o seu portfolio energético, passando a contemplar

50% da eletricidade gerada proveniente de fontes renováveis, bem como o de

garantir que algumas ilhas do arquipélago tenham a sua eletricidade gerada em

100% por energias renováveis33.

Tabela 5 - Características do Sistema Elétrico Nacional de Cabo-Verde

Fonte: Eberhard et al (2011: 188)

33

Está previsto que a primeira ilha do arquipélago a garantir um fornecimento elétrico via 100%

energias renováveis é a Ilha da Brava.

Page 349: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

348

O Estado cabo-verdiano, eventualmente em virtude da constatação da

dificuldade em responder aos desafios que o setor elétrico lhe coloca de forma

individual e isolada, tem optado por uma política de abertura deste setor aos

agentes económicos privados. Aliás, Cabo-Verde é frequentemente avançado

como um dos poucos exemplos de países africanos onde concessões privadas

para a geração e distribuição de eletricidade têm sido bem-sucedidas no longo-

prazo. Mais, Cabo-Verde é um dos poucos países africanos que implementou o

princípio cost recovery na fixação das tarifas elétricas. Todavia, tornou-se

evidente que a aplicação deste princípio se deveu ao aumento significativo do

preço do fornecimento elétrico consumidores.

Tabela 6 – Tarifas e Custos do Sector Elétrico de Cabo-Verde

Fonte: Eberhard et al (2011: 292)

Finalmente, o setor elétrico cabo-verdiano apresenta uma eficiência

operacional assinalável. Não só as perdas sistémicas não assumem um valor

particularmente significativo, como a capacidade de coletar as receitas

operacionais é relativamente satisfatória. Além disso, as autoridades cabo-

verdianas têm vindo a implementar medidas visando melhorar estas duas

dimensões, pelo que as perspetivas são otimistas.

Page 350: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

349

Tabela 7 – Eficiência do Setor Elétrico de Cabo-Verde

Fonte: Eberhard et al (2011: 295)

Page 351: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

350

Contexto Energético da Guiné-Bissau

Na Guiné-Bissau, o setor elétrico tem acompanhado o desempenho da

economia nacional como um todo. O país está incluído no grupo dos

denominados Estados frágeis34 por parte da comunidade internacional. Aqueles

partilham uma série de características que impactam o respetivo paradigma

energético: i) deterioração assinalável da situação económica; ii) sucessão de

crises políticas e conflitos armados; iii) elevadas taxas de população a viver

abaixo do limiar de pobreza; iv) insuficiente massa crítica de capital humano; v)

subdesenvolvimento da rede infraestrutural interna.

Os Estados frágeis apresentam algumas idiossincrasias relevantes no

que se refere ao sector energético. Está empiricamente comprovado que os

Estados frágeis são dos países africanos que afetam uma parcela superior do

seu orçamento público ao setor elétrico, mas a grande maioria dele tem como

destino a atividade corrente, o que se traduz numa incapacidade de realizar

despesas de investimento para a expansão das capacidades de geração e

distribuição de eletricidade (Foster et al, 2008).

Talvez por constatar esta incapacidade de investir em programas de

expansão das capacidades existentes, as autoridades guineenses optaram

pela liberalização do sector e pela entrada de agentes económicos privados na

geração e distribuição de eletricidade, sobretudo através da institucionalização

34

Em 2010 os Estados africanos considerados frágeis eram: Burundi, República Centro

Africana, Ilhas Comores, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Libéria, Serra Leoa, Togo, Chade,

República Democrática do Congo, Somália, Zimbabué, Djibuti, Eritreia, Sudão, São Tomé e

Príncipe, República do Congo, Guiné-Conacri.

Page 352: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

351

de parceiras público-privadas. Tal opção tem vindo a ser encarada como uma

alternativa viável para a promoção da segurança energética do Estado

guineense, e as autoridades nacionais têm demonstrado a sua satisfação com

os resultados até agora alcançados.

Gráfico 3 – Fontes de Financiamento para o Investimento de Capital nos

Sectores Energéticos dos Países da África Subsaariana

Fonte: Eberhard et al (2011: 158)

Este gráfico ilustra as dificuldades dos Estados frágeis no financiamento

do respetivo setor elétrico. Duas notas ressaltam daquele: a proporção

Page 353: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

352

relativamente baixa de APD35 afetada aos setores elétricos dos Estados

frágeis, ainda mais quando comparada com a destinada aos LIC36; a forte

presença de atores internacionais externos à OECD nas economias dos

Estados frágeis, e nos respetivos setores elétricos em concreto.

A tabela abaixo indica bem uma outra idiossincrasia dos sistemas

elétricos dos Estados frágeis. Estes são aqueles que apresentam, ao nível de

ineficiências do setor elétrico, um peso maior da incapacidade de taxar e

coletar devidamente o fornecimento elétrico às populações. Duas ordens de

razão concorrem para tal: a incapacidade das administrações públicas destes

países desempenharem eficaz e eficientemente esta função, e as maiores

dificuldades que as populações locais, a maioria a viver abaixo do limiar da

pobreza, em pagar este serviço público.

Tabela 8 – Dimensão dos Ganhos de Eficiência nos Sectores Elétricos dos

Países da África Subsaariana

Fonte: Eberhard et al (2011: 162)

35

Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

36 Low Income Countries.

Page 354: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

353

Tal como Cabo-Verde, também a Guiné-Bissau tem uma economia

interna com uma dimensão reduzida. Assim, o mercado doméstico guineense

também não permite a exploração de economias de escala na geração de

eletricidade, o que se traduz naturalmente em custos operacionais superiores.

Além disso, também a Guiné-Bissau não dispõe de dotações energéticas

próprias significativas, estando por isso significativamente dependente de

fornecedores externos de combustíveis fósseis. Tal torna a economia

guineense necessariamente mais vulnerável às oscilações dos preços

internacionais e a choques petrolíferos exógenos. Também por isso o país

sobreexplora cronicamente a sua biomassa37 para efeitos de geração de

energia. Efetivamente, estima-se que 90% da energia gerada no país provenha

da biomassa, e desta a esmagadora maioria de combustíveis lenhosos.

A Guiné-Bissau, enquanto caso de estudo sobre setores elétricos

africanos, é frequentemente avançado como um dos países africanos que mais

tem a beneficiar com o aprofundamento dos arranjos institucionais de

integração regional energética, e com o decorrente incremento nos volumes de

comércio energético intrarregional. Como se pode constatar abaixo, o Estado

guineense terá ganhos económicos e financeiros muito relevantes num cenário

de incremento do comércio energético intrarregional, com poupanças na ordem

dos 0,07$ / kWh38. Este é igualmente o caso da maioria dos países de menor

dimensão que dependem sobretudo da energia térmica.

37

Esta sobreexploração verifica-se principalmente nas regiões de Gabú, Bafatá e Oio.

38 Kilowatt por hora.

Page 355: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

354

Tabela 9 – Custos Marginais da Geração de Eletricidade na Guiné-Bissau em

Dois Cenários Distintos ($ / kWh)

Fonte: Eberhard et al (2011: 37)

Esta diferença que se verifica no custo de geração da eletricidade, entre

um cenário de incremento e outro de estagnação do comércio energético

intrarregional, deve-se à diferença de custo da eletricidade gerada na Guiné-

Bissau e a da gerada na região da WAPP, como se constata na tabela abaixo.

Tabela 10 – Custos Marginais da Geração de Eletricidade na Guiné-Bissau em

Diferentes Cenários

Fonte: Eberhard et al (2011: 204)

Page 356: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

355

Gráfico 4 – Potencial de Poupança para alguns Países da África Subsaariana

derivada do Aumento do Comércio Energético Intrarregional

Fonte: Eberhard et al (2011: 30)

Este cenário advém da possibilidade da Guiné-Bissau aproveitar o

potencial energético que a região da África Ocidental dispõe, tanto ao nível da

energia hídrica como também as reservas de gás natural já comprovadas. O

recurso energético dominante na região da Guiné-Bissau, a África Ocidental, é

o gás natural. Só a Nigéria apresenta reservas de gás natural que teoricamente

seriam suficiente para abastecer toda a região para as próximas décadas. Além

do gás natural, também a hidroeletricidade está a ser explorada na região.

Neste caso, o maior potencial encontram-se no Mali e na Guiné-Conacri

(Castalia, 2009).

Assim, a Guiné-Bissau tem a possibilidade de diminuir o peso da

eletricidade gerada internamente, com custos associados mais elevados, e

passar assim a depender mais da eletricidade menos dispendiosa importada da

Page 357: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

356

região. Além disso, a WAPP, apesar de não apresentar uma dimensão como a

SAPP, tem vindo a registar progressos muito assinaláveis.

A WAPP apresenta um conjunto significativo de projectos de

transmissão transnacional de electricidade, sendo que no caso concreto da

Guiné-Bissau o mais importante é a organização OMVG/OMVS39, que tem

como membros o Senegal, a Gâmbia, a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau. Este

organismo tem levado a cabo fundamentalmente projetos de geração

hidroeletricidade, um deles a barragem do Saltinho no rio Corubal da Guiné-

Bissau (Ram, 2007).

Tabela 11 – Exportações Intrarregionais de Energia num Cenário de

Incremento do Comércio Energético Intrarregional na West African Power Pool

Fonte: Eberhard et al (2011: 32)

39

Organisation pour la mise en valeur du fleuve Guinea / Organisation pour la mise en valeur

du fleuve Senegal.

Page 358: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

357

Todavia, esta integração na rede elétrica regional da WAPP implica

necessariamente um investimento significativo, por parte da Guiné-Bissau, na

reabilitação e expansão da sua rede interna, para conectá-la com as redes dos

seus Estados-vizinhos. Além disso, a rede elétrica interna da Guiné-Bissau

dispõe de poucas ligações com as redes vizinhas, pelo que a maioria do

investimento associado terá que ser realizado de raiz, o que onera ainda mais

os cofres guineenses.

Gráfico 5 – Gastos no Sector Energético, por País, na West African Power Pool

(% PIB)

Fonte: Eberhard et al (2011: 63)

Este gráfico salienta um outro aspeto relevante do aprofundamento dos

arranjos de integração regional energética: a institucionalização de

instrumentos e mecanismos de solidariedade financeira na expansão das redes

Page 359: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

358

de distribuição nacionais. Tal é particularmente importante no caso guineense

por dois motivos distintos: a dificuldade do país em aceder aos mercados de

capitais internacionais para financiar este tipo de projetos com condições

minimamente vantajosas, e a dimensão financeira que o investimento

necessário para integrar a rede elétrica nacional na regional tem na economia

doméstica guineense, ultrapassando os 20% do PIB. A tabela abaixo comprova

a dimensão do investimento associado: se por um lado o cenário da expansão

do comércio energético intrarregional permite uma poupança derivada da

ausência da necessidade de investimento na expansão da capacidade interna

de geração de eletricidade, por outro lado implica um investimento de grande

dimensão na expansão da capacidade de transmissão e distribuição da rede

elétrica interna.

Tabela 12 – Necessidades da Guiné-Bissau em Infraestruturas Energéticas em

Diferentes Cenários

Fonte: Eberhard et al (2011: 208)

O aprofundamento da integração da Guiné-Bissau na rede elétrica

regional da WAPP tem um outro impacto relevante, que é a alteração do

portfolio energético do país. O país apresenta uma dependência excessiva do

abastecimento externo de combustíveis fósseis, o que a longo-prazo é

Page 360: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

359

insustentável, não só pelo impacto ambiental que esta dependência acarreta

como este tipo de recursos energéticos não são renováveis. Contudo, o

incremento do comércio energético intrarregional permite à Guiné-Bissau tirar

proveito do potencial de energia hídrica que a região da África Ocidental

apresenta, equilibrando o seu portfolio nacional com um recurso energético

limpo e renovável, o que assume uma importância significativa no curto-prazo,

mas sobretudo numa perspetiva mais de longo-prazo.

Tabela 13 – Portfolio Energético da Guiné-Bissau em Diferentes Cenários

Fonte: Eberhard et al (2011: 206)

Centrando agora a análise nas dinâmicas internas do setor elétrico

guineense, constata-se que o país apresenta uma taxa de população com

acesso à eletricidade bastante reduzida, praticamente nula no meio rural,

exatamente onde ainda vive a maioria da população. Daqui se compreende o

montante de investimento associado à expansão da capacidade de distribuição

de eletricidade tão volumoso e à falta de ligações que o setor nacional tem com

as redes dos países vizinhos.

Page 361: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

360

Tabela 14 – População com Acesso à Eletricidade na Guiné-Bissau em 2005

Fonte: Eberhard et al (2011: 219)

Tabela 15 – População com Acesso à Eletricidade na Guiné-Bissau em 2005

Fonte: Eberhard et al (2011: 221)

Perante este cenário, as autoridades guineense têm reiterado o seu

compromisso para com a expansão da cobertura da eletricidade a parcelas

cada vez maiores do território nacional, procurando cada vez mais abranger as

comunidades rurais. Contudo, as políticas de acesso universal à eletricidade

colocam importantes desafios económico-financeiros ao Estados frágeis, na

medida em que as respetivas populações sentem muitas dificuldades em

suportar tarifas elétricas, por mais reduzidas que sejam. Veja-se o caso da

Guiné-Bissau na tabela abaixo, em que para cerca de metade da população

urbana uma conta mensal de eletricidade de 7 USD já ultrapassa 5% do

rendimento familiar mensal.

Page 362: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

361

Tabela 16 – Percentagem da População Urbana que Excederia os 5% do

Rendimento Mensal Familiar com Diferentes Preços da Eletricidade

Fonte: Eberhard et al (2011: 282)

Relativamente às perspetivas futuros para o setor elétrico guineense,

para além da expansão da capacidade de distribuição da eletricidade e

consequente aumento da taxa de população, um dos grandes desafios das

autoridades guineenses para por garantir um abastecimento de eletricidade

mais estável, visto que a economia guineense sofre bastante com cortes

sistemáticos e prolongados de energia, como a tabela abaixo elucida.

Tabela 17 - Taxa Média de Crescimento da Procura de Eletricidade na Guiné-

Bissau

Fonte: Eberhard et al (2011: 214)

Page 363: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

362

Tabela 18 – Procura Suprimida de Eletricidade na Guiné-Bissau

Fonte: Eberhard et al (2011: 216)

Page 364: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

363

Considerações Finais

O continente africano tem vindo a enfrentar uma grave crise energética

nos últimos anos. A incapacidade de muitos Estados africanos em responder

adequadamente ao aumento da pressão do lado da procura de eletricidade,

fomentado pelos fenómenos do crescimento demográfico e económico e da

urbanização, tem conduzido ao registo de parcos progressos no crescimento

das taxas de população com acesso à eletricidade e à manutenção de

problemas estruturais de instabilidade no abastecimento de eletricidade aos

setores doméstico, agrícola e industrial. Mais, o agravamento dos preços

internacionais dos combustíveis fósseis, recurso energético dominante na

maioria dos portfolios energéticos de países africanos, tem colocado uma

pressão acrescida nos orçamentos nacionais dos mesmos. Tal tem levado a

um agravamento do subfinanciamento dos respetivos setores elétricos, e

necessariamente a uma diminuição da capacidade de investimento nestes.

No entanto, uma das conclusões fundamentais desta comunicação é a

necessidade de distinguir diferentes tendências dentro do continente africano.

Diferentes Estados africanos apresentam diferentes portfolios energéticos,

diferentes dotações energéticas próprias, diferentes estádios de

desenvolvimento das redes infraestruturais internas e diferentes graus de

integração nas respetivas power pools regionais. Neste sentido, os casos de

estudo de Cabo-Verde e Guiné-Bissau são relevantes, pois conseguem

conciliar semelhanças importantes e diferenças estruturais.

Page 365: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

364

Começando pelas semelhanças, tanto Cabo-Verde como a Guiné-

Bissau dispõem de economias domésticas com mercados internos de pequena

dimensão, o que os impossibilita de explorarem economias de escala na

geração de eletricidade e por essa via reduzirem os custos operacionais

associados à mesma.

Ambos os países estão desprovidos de recursos energéticos

significativos, o que os torna necessariamente mais dependentes do

abastecimento externo para responder às necessidades internas. Tal torna

ambos os países mais vulneráveis às oscilações dos preços dos recursos

energéticos nos mercados internacionais e a choques exógenos.

Cabo-Verde e a Guiné-Bissau apresentam algumas similitudes no que

se refere à composição do portfolio energético, dado que ambos os países

dependem sobremaneira dos combustíveis fósseis não renováveis. No entanto,

quer Cabo-Verde quer a Guiné-Bissau já mapearam algumas hipóteses de

explorar algumas fontes energéticas renováveis, como a energia eólica em

Cabo-Verde ou a energia hídrica na Guiné-Bissau, pelo que o cenário pode vir

a sofrer algum tipo de alteração no futuro. Ainda assim, convém frisar que

ambos os países, como aliás a maioria dos países africanos, ainda utiliza

sobremaneira a biomassa para a geração de energia, o que tem importantes

implicações ambientais no que se refere às alterações climáticas.

Finalmente, no que toca às semelhanças entre os dois cenários

energéticos, ambos os países enfrentam o problema da instabilidade no

abastecimento de eletricidade às respetivas populações, com quebras e cortes

frequentes e prolongados. Porém, convém frisar que o fenómeno assume

Page 366: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

365

gravidades distintas entre os dois Estados, com uma dimensão muito mais

preocupante no caso guineense. Este problema tem tido um impacto negativo

no desempenho nos desempenhos económicos dos dois Estados, pelo que a

sua resolução deverá constituir uma prioridade para as respetivas autoridades

governamentais.

No que toca aos contrastes entre os dois perfis energéticos, uma das

mais relevantes prende-se com as diferentes capacidades de participação nos

arranjos institucionais de integração regional energética. Enquanto Cabo-

Verde, dado o seu contexto de insularidade, tem dificuldades em conectar a

sua rede elétrica nacional com a dos seus Estados vizinhos, a Guiné-Bissau

está localizada perto dum dos países com maior potencial de exportação de

energia para a região da África Ocidental, a Guiné-Conacri. Assim, enquanto a

Guiné-Bissau tem a possibilidade de diminuir significativamente os custos com

a geração da eletricidade, através do aumento da importação de eletricidade de

âmbito regional mais barata, Cabo-Verde vê essa hipótese vedada, tendo por

isso dificuldades em diminuir os custos associados à geração de eletricidade.

Uma outra diferença importante entre os dois países reside nas

capacidades distintas de taxar e coletar o fornecimento elétrico. Tal disparidade

está associada aos diferentes estádios de desenvolvimento dos próprios

Estados e respetivas administrações públicas e ao poder de compra das

populações nacionais. A Guiné-Bissau, integrada no grupo dos Estados frágeis,

apresenta uma fraca implementação da administração pública no território

nacional e também elevadas taxas de incidência da pobreza. Tal, por um lado,

dificulta uma coleta eficaz das receitas provenientes do fornecimento elétrico e

por outro dificulta a aplicação do princípio cost recovery para sustentar a

Page 367: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

366

necessária expansão do acesso à eletricidade. Já Cabo-Verde está num

estádio de desenvolvimento diferente, estando mesmo incluído na categoria

dos MIC40. Deste modo, a sua administração pública apresenta já uma

capacidade superior de taxar e coletar eficazmente as receitas provenientes

fornecimento elétrico, e a sua população dispõe já de um poder de compra

capaz de suportar tarifas elétricas com uma dimensão que contribua para o

autofinanciamento do setor elétrico nacional.

Este financiamento dos setores elétricos constitui uma outra diferença

estrutural entre os dois países, facto também está naturalmente associado aos

diferentes estádios de desenvolvimento dos dois países. A Guiné-Bissau não

tem capacidade para autofinanciar a manutenção e expansão do seu setor

elétrico, pelo que ainda depende sobremaneira do financiamento externo,

particularmente pela via da APD. Neste caso, têm sido os novos atores

internacionais, as denominadas economias emergentes, a desempenhar um

papel relevante. Já Cabo-Verde tem uma capacidade de autofinanciamento

diferente, tanto que o seu setor elétrico é financiado maioritariamente pelo

respetivo orçamento nacional do Estado.

Finalmente, um aspeto importante a considerar prende-se com as

perspetivas de futuro de cada um dos setores elétricos. Dado que Cabo-Verde

ostenta uma dinâmica económica, aqui apelidada de círculo virtuoso

eletricidade – crescimento económico – eletricidade, as perspetivas apontam

para um crescimento significativo da procura de eletricidade, o que representa

um desafio importante para as autoridades cabo-verdianas. Já a Guiné-Bissau

dificilmente poderá aspirar a um processo sustentado de desenvolvimento 40

Middle Income Countries.

Page 368: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

367

económico enquanto não estabilizar e pacificar em definitivo a sua situação

sociopolítica. Por outro lado, a Guiné-Bissau depara-se com um importante

desafio no setor elétrico: integrar a sua rede infraestrutural elétrica nacional na

rede regional da WAPP e retirar daí todos os benefícios atrás referidos.

Como qualquer comunicação desta natureza, esta não pretende esgotar

este tema em si mesma, deixando por isso algumas pistas para futuras

investigações. A mais relevante será porventura investigar o potencial de

energias limpas renováveis que estes países apresentam, e qual o impacto que

uma exploração mais intensiva deste potencial pode ter nos respetivos

cenários energéticos nacionais.

Page 369: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

368

Referências Bibliográficas

EBERHARD, Anton; Rosnes, Orvika; Shkaratan, Maria; Vennemo, Haakon

(2011) Africa´s Power Infrastructure: Investment, Integration, Efficiency, World

Bank, Washington D.C.

CASTALIA (2009) International Experience with Cross-border Power Trading,

Report to the RERA and the World Bank, Castalia, Paris

RAM, Babu (2007) Africa´s Intra-regional, Inter-regional and Inter-continental

Electricity Trade: Techno-politico-economic Considerations and Future

Prospects, 20th World Energy Congress, Rome

VENNEMO, Haakon, Rosnes, Orvika; (2009) Powering Up: Costing Power

Infrastructure Investment Needs in Sub-Saharan Africa, Econ Poyry, Oslo

FOSTER, Vivien; Eberhard, Anton; Briceño-Garmendia, Cecilia; Ouedraogo,

Fatimata; Camos, Daniel; Shkaratan, Maria (2008) Underpowered: The State of

the Power Sector in Sub-Saharan Africa, AICD Background Paper 6, World

Bank, Washington D.C.

Page 370: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

369

Anexos

Tabela A1 – Previsões para o Contexto Energético de Cabo-Verde em 2015

Fonte: Vennemo et al (2009: 170)

Page 371: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

370

Tabela A2 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica de

Cabo-Verde (M$)

Fonte: Vennemo et al (2009: 171)

Page 372: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

371

Tabela A3 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica de Cabo

Verde (% do PIB 2015)

Fonte: Vennemo et al (2009: 172)

Page 373: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

372

Tabela A4 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica de

Cabo-Verde (M$)

Fonte: Vennemo et al (2009: 172)

Tabela A5 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica de

Cabo-Verde (% do PIB 2015)

Fonte: Vennemo et al (2009: 173)

Page 374: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

373

Tabela A6 – Previsões para o Contexto Energético da Guiné-Bissau em 2015

Fonte: Vennemo et al (2009: 109)

Page 375: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

374

Tabela A7 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica da

Guiné-Bissau (M$)

Fonte: Vennemo et al (2009: 110)

Page 376: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

375

Tabela A8 – Custos Anualizados da Expansão da Capacidade Elétrica da

Guiné-Bissau (% PIB 2015)

Fonte: Vennemo et al (2009: 111)

Page 377: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

376

Tabela A9 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica da

Guiné-Bissau (M$)

Fonte: Vennemo et al (2009: 112)

Tabela A10 – Volume de Investimento para Expansão da Capacidade Elétrica

da Guiné-Bissau (% PIB 2015)

Fonte: Vennemo et al (2009: 112)

Page 378: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

377

17.4. O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO

PORTFOLIO ENERGÉTICO DA ÁFRICA AUSTRAL41

João Veiga Esteves42

RESUMO

O portfolio energético da África Austral apresenta uma dependência

significativa dos recursos energéticos fósseis não renováveis, sobretudo do

carvão. Tal deve-se em grande medida à posição dominante que a África do

Sul detém no cenário regional. Este país representa sensivelmente 80% do

consumo energético da região, e cerca de 90% deste é derivado do carvão, ou

seja, mais de 70% da eletricidade gerada na África Austral provém do carvão.

Os recursos energéticos fósseis são os que mais contribuem para o

agravamento do fenómeno das alterações climáticas, dados os volumes

elevados de emissões de dióxido de carbono. Daí que o atual paradigma

energético da África Austral não seja sustentável no longo-prazo em termos

ambientais. Além disso, os diversos Estados da região comprometeram-se

internacionalmente com o combate às alterações climáticas, ratificando vários

protocolos. Tal implica necessariamente uma reestruturação profunda do

41

Comunicação apresentada no âmbito da 3ª Conferência Internacional do IESE, nos dias 4 e

5 de Setembro de 2012, em Maputo.

42 Investigador no IEEI (Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais) no âmbito das

Conferências do Estoril 2011. Contacto de email: [email protected].

Page 379: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

378

portfolio energético regional, procedendo-se a um trade-off entre a energia

fóssil e as energias renováveis. Esta reestruturação pode passar por um

aproveitamento maior do potencial significativo que a região apresenta em

hidroeletricidade, sobretudo em países como Moçambique ou a República

Democrática do Congo. Este tem sido, aliás, o objetivo fundamental de arranjos

de integração regional na África Austral, como a SAPP (Southern African

Power Pool). No entanto, uma das principais consequências do fenómeno das

alterações climáticas é o aumento da irregularidade e imprevisibilidade dos

fluxos de precipitação, combinando períodos cada vez mais regulares e

prolongados de secas extremas e cheias incontroláveis. O impacto que estas

consequências terão nos fluxos dos cursos hídricos pode colocar em causa a

viabilidade, ou pelo menos encarecer sobremaneira os custos operacionais de

alguns projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade na região.

Assim, tem-se que o fenómeno das alterações climáticas representa um círculo

vicioso para o paradigma energético da África Austral: por um lado, incita à

substituição progressiva da energia fóssil pela hidroeletricidade, mas por outro

retira alguma da viabilidade aos projetos de geração dessa hidroeletricidade.

Código JEL: Q25, Q47, Q52, Q54, Q56

Palavras-chave: Alterações Climáticas, Mix Energético, Energias Renováveis

Page 380: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

379

CLIMATE CHANGES IMPACT ON

SOUTHERN AFRICA´S ENERGY PORTFOLIO43

João Veiga Esteves44

ABSTRACT

Southern Africa´s energy portfolio shows a significant dependence on non

renewable fossil energy resources, mostly on coal. The main cause for this is

the overwhelming weight of the South Africa Republic, a country that by its own

captures around 80% of that region´s energy total production, 90% of which

comes from coal. That is to say that 70% of the electricity generated in

Southern Africa comes from coal. The fossil energy resources stand as the

most important factor on increasingly harsh climate changes due to their high

carbon dioxide emissions levels. Therefore, the present Southern Africa´s

energy paradigm is environmentally unsustainable on the long run.

Furthermore, a few regional States ratified several international protocols, thus

committing themselves to fighting climate changes and necessarily paving the

way for an in depth reshaping of the Region´s energy portfolio with a trade-off

between non-renewable and renewable energy resources. This reshaping may

43

Communication to the 3rd

IESE International Conference, on the 4th and 5

th of September

2012, at Maputo. 44

Researcher at IEEI (Institute for Strategic and International Studies) for the Estoril

Conferences 2011. Email address: [email protected].

Page 381: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

380

mean a stronger use of hydroelectricity, an important potential energy asset in

the region, namely in countries like Mozambique or the Democratic Republic of

Congo. This is, by the way, the main goal of some Southern Africa´s regional

integration arrangements such as the SAPP (Southern African Power Pool). On

the other hand, one of the main consequences of climate changes is the

increasing irregularity and unpredictability of rains, combining more recurrent

and extent periods of extreme draughts and uncontrollable floods. The impact of

these consequences on the river flows can jeopardize the viability or at least put

extreme pressure on the operational costs of some hydroelectricity generation

and transmission projects in the region. This is why the climate changes

phenomenon means a vicious circle for Southern Africa´s energy paradigm:

indeed, it is at the same time an incentive to the increasing change from fossil

energy to hydroelectricity and an obstacle to the viability of hydroelectricity

generation projects.

JEL Code: Q25, Q47, Q52, Q54, Q56

Keywords: Climate Changes, Energy Mixes, Renewable Energies

Page 382: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

381

Emissões de CO2 e Alterações Climáticas

Os processos de desenvolvimento das economias mais avançadas do

Mundo têm historicamente implicado uma emissão excessiva de dióxido de

carbono e outros gases poluentes para a atmosfera. Kiratu (2011) frisa que,

apesar das grandes potências industriais mundiais serem as principais

responsáveis pelo fenómeno atual das alterações climáticas, estas são

incapazes de travar o processo por si sós eficazmente, pelo que as potências

emergentes e o próprio mundo em desenvolvimento necessitam igualmente de

dar o seu contributo. A região da África Subsaariana é das que menos

contribuiu e contribui para o agravamento deste fenómeno das alterações

climáticas, sendo um emissor insignificante de dióxido de carbono e outros

gases nocivos para a atmosfera. As suas emissões de CO2, tanto per capita

como em percentagem do PIB, são das menores do Mundo. Eberhard et al

(2011) avançam mesmo que, excluindo-se a África do Sul, o resto da região

representa menos de 1% das emissões mundiais de dióxido de carbono.

Perante as evidências das alterações climáticas, a comunidade

internacional tem procurado organizar-se e concertar estratégias de prevenção

e mitigação dos efeitos adversos deste fenómeno. A convenção da ONU

relativa às alterações climáticas de 1992 e o Protocolo de Quioto são os

principais resultados concretos destes esforços. O protocolo de Quioto apela

aos à implementação de medidas de prevenção e mitigação das alterações

climáticas, com a redução da emissões de dióxido de carbono e outros gases

poluentes para a atmosfera, concretamente através da promoção da eficiência

Page 383: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

382

energética e do trade-off entre os recursos energéticos fósseis e as

denominadas tecnologias verdes ou energias renováveis.

Enquanto países ratificantes do Protocolo de Quioto, os Estados da

região da África Austral comprometeram-se com a redução das suas emissões

de dióxido de carbono. No entanto, as perspetivas de aumento da pressão do

lado da procura de energia, motivada pelos crescimento económico e

demográfico, aliadas à manutenção dum paradigma energético baseado nos

recursos energéticos fósseis colocam um desafio de grande dimensão a esta

região. Kiratu (2011) crê mesmo que tal desafio pode representar uma

verdadeira revolução no portfolio energético da África Austral. No caso

particular da África do Sul, este repto dificilmente pode ser respondido através

duma estratégia meramente nacional, dadas a dimensão e premência das suas

necessidades energéticas e do grande enviesamento do seu portfolio

energético nacional em favor do carvão, necessitando por isso de soluções e

compromissos à escala regional. Deste modo, a promoção da segurança

energética de um país como a África do Sul depende em certa medida da

região onde está inserida. O caso concreto deste país deve ter um tratamento

diferenciado do resto da região, visto que, enquanto economia em expansão e

desenvolvimento acelerados e dependente sobremaneira dos recursos

energéticos fósseis, necessita de desde já adotar medidas de combate às

alterações climáticas. De acordo com Mbirimi (2010), é o que se tem verificado,

sendo que o compromisso político das autoridades sul-africanas para com a

redução da sua dependência da energia fóssil e combate ao fenómeno das

alterações climáticas aparenta ser forte.

Page 384: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

383

O fenómeno das alterações climáticas tem-se repercutido de forma

particularmente significativa e violente na região da África Austral. Ele

manifesta-se sobretudo através do aumento da frequência de acontecimentos

como secas extremas, cheias diluviais ou crises alimentares. Um dos efeitos

mais gravosos do fenómeno das alterações climáticas é o aumento da

imprevisibilidade dos volumes de precipitação. Esta imprevisibilidade torna

mais difícil estimar os volumes dos caudais dos cursos hídricos ao longo dum

determinado período de tempo. Além disso, o fenómeno das alterações

climáticas afeta diretamente os padrões de precipitação, tanto em termos

quantitativos como na incidência geográfica da mesma. Tal torna

necessariamente a geração de hidroeletricidade menos estável e previsível,

repercutindo-se na viabilidade económica e no custo operacional associado à

sua geração (Eberhard et al, 2011). Tal tem levado alguns Estados da região

da África Austral a preservar o paradigma energético baseado na energia fóssil,

pois ganha uma nova racionalidade estratégica e económica. Mantém-se

igualmente a nova aposta no modelo de geradores independentes a diesel para

o fornecimento elétrico às comunidades rurais. Todavia, este paradigma não é

sustentável no longo prazo, e acaba por contribuir para o agravamento do

próprio fenómeno das alterações climáticas. Assim, tem-se que o fenómeno

das alterações climáticas representa um círculo virtuoso no paradigma

energético da África Austral: se por um lado ele reduz a estabilidade da

geração de eletricidade proveniente de recursos energéticos renováveis e

sustentáveis, como a hidroeletricidade, levando muitos países africanos a

retomarem a aposta na energia fóssil, por outro tal aposta tem uma

repercussão negativa em termos de preservação dos ecossistemas e no

Page 385: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

384

próprio combate pela mitigação dos impactos do fenómeno das alterações

climáticas (Rosnes et al, 2009; Eberhard et al, 2011).

África do Sul e o Comércio Energético Intrarregional

A África do Sul desempenha um papel preponderante na região da

África Austral, sendo por muitos considerada como uma verdadeira potência

regional, sobretudo devido ao seu dinamismo económico e à fase mais

avançada do seu processo de desenvolvimento.

Este Estado é o ator dominante no panorama energético da África

Austral, representando cerca de 80% do total da procura regional. A sua

economia baseia-se numa indústria extrativa intensiva em energia. Além disso,

países como o Botswana, Namíbia ou Suazilândia importam mais de metade

das suas necessidades elétricas da África do Sul, e Estados como o Lesoto,

Moçambique ou Zimbabué também importam volumes significativos de

eletricidade sul-africana. Assim, tem-se que a atual crise de capacidade de

geração de eletricidade sentida pela África do Sul assume uma escala e

repercussão de âmbito regional (Kiratu, 2011). O paradigma energético deste

Estado é sintomático do cenário regional. Cerca de 90% da sua eletricidade é

gerada via carvão, até porque as suas reservas são das mais acessíveis do

Mundo. Por outro lado, a África do Sul é dos países africanos mais

comprometidos com programas de eletrificação rural, apresentando mesmo

uma das maiores taxas de acesso à eletricidade em todo o continente. Existe

portanto uma grande pressão do lado da procura sobre um paradigma

Page 386: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

385

energético sul-africano, este quase exclusivamente baseado em recursos

energéticos fósseis. Compreende-se portanto quando Kiratu (2011) avança que

a África do Sul é responsável por sensivelmente 40% das emissões de dióxido

de carbono de todo o continente africano. Tal representa naturalmente um

desafio muito significativo no combate ao fenómeno das alterações climáticas

em toda a região da África Austral.

Tabela 1 – Capacidade Instalada dos Países da SAPP por Recurso Energético

Fonte: Rosnes et al (2009: 19)

As previsões apontam para que o consumo energético interno da África

do Sul venha a crescer rápida e sustentadamente nos próximos anos, devido

ao incremento significativo da pressão de fatores como o crescimento

demográfico, desenvolvimento económico urbanização da sua sociedade.

Mais, muitos dos Estados vizinhos da África do Sul devem igualmente

apresentar níveis de consumo energéticos crescentes, enquanto mantêm

dependências estruturais do fornecimento sul-africano. Assim, as políticas de

Page 387: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

386

mitigação das alterações climáticas implementadas pela África do Sul têm um

impacto verdadeiramente regional (Rosnes et al, 2009).

Gráfico 1 – Projeções da Procura e Produção de Energia da SAPP em 2020

Fonte: Rosnes et al (2009: 39)

A opção mais lógica para a África do Sul na sua estratégia de redução

da dependência dos combustíveis fósseis passa pela exploração do

significativo potencial de hidroeletricidade que existe na África Austral. No

entanto, o longo-prazo associado ao desenvolvimento deste tipo de projetos

implica que a África do Sul não consegue basear a sua resposta de

emergência à procura de eletricidade via energia hídrica. No entanto, Mbirimi

(2010) advoga que a África do Sul deve incentivar o desenvolvimento de

projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade na região, visto que

estes necessitam da inclusão da África do Sul como destino da sua produção,

Page 388: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

387

pois é praticamente o único mercado na região com capacidade e dimensão

suficiente para absorver os volumes de hidroeletricidade gerados. Este autor

conclui que estão criadas as condições para que a África do Sul assuma a

posição de líder neste processo de reestruturação do portfolio energético

regional, o que abre um conjunto de perspetivas otimistas para o sucesso desta

reestruturação.

A estratégia de diversificação do portfolio energético da África Austral

pode passar por uma aposta no potencial de geração de hidroeletricidade de

países como Moçambique. A economia doméstica deste país não apresenta a

procura suficiente para justificar o investimento em grandes infraestruturas de

geração de hidroeletricidade, pelo que boa parte da sua produção tem

necessariamente que ter como destino o mercado regional.

Tabela 2 – Potencial de Hidroeletricidade de alguns Países da África Austral

Fonte: Mbirimi (2010: 11)

Desde há muito que os Estados da região da África Austral reconhecem

o impacto do comércio energético intrarregional para os seus processos de

desenvolvimento. Para capturarem eficazmente os seus benefícios, eles

Page 389: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

388

criaram um organismo regional diretamente responsável pela coordenação dos

fluxos comerciais intrarregionais no setor energético e pela prossecução de

projetos de expansão das capacidades de geração, transmissão e distribuição

de eletricidade da região, a SAPP (Southern African Power Pool). A

institucionalização deste arranjo institucional regional demonstra o

entendimento que existe na África Austral sobre as oportunidades com que

esta se depara à escala regional, bem como que a segurança regional dos

diferentes Estados reside numa resposta regional e nunca meramente nacional

(Mbirimi, 2010; Kiratu, 2011). Eberhard et al (2011) estimam que um

incremento do comércio energético intrarregional na África Austral tem o

potencial de aumentar o peso da hidroeletricidade no portfolio energético

regional dos atuais 25% para 35%, o que corresponderia a uma redução de

sensivelmente 40 milhões de toneladas nas emissões anuais de dióxido de

carbono da região.

Page 390: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

389

Gráfico 2 – Composição dos Portfolios Energéticos das Power Pools Africanas

Fonte: Eberhard et al (2011: 25)

Gráfico 3 – Composição dos Portfolios Energéticos dos Países da Região da

África Austral

Fonte: Kiratu (2011: 4)

Page 391: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

390

Energias Renováveis vs Energias não Renováveis

Os Estados da região da África Austral deparam-se atualmente com um

dilema estratégico em termos de escolha dos respetivos paradigmas

energéticos. São chamados a escolher entre os recursos energéticos

renováveis, limpos e virtualmente inesgotáveis, mas também mais onerosos, e

os não renováveis, economicamente mais viáveis no curto-prazo mas

insustentáveis num âmbito temporal mais de longo prazo.

O carvão sempre foi o recurso dominante dos portfolios energéticos da

maioria dos países da África Austral, devido à sua abundância na região e

consequentemente preço mais acessível. No entanto, Mbirimi (2010) ressalva

que, à medida que as diversas autoridades nacionais implementarem políticas

de mitigação e combate às alterações climáticas, o custo associado à geração

de eletricidade derivada de recursos energéticos fósseis subirá, o que tem um

efeito indireto de promoção dos recursos energéticos renováveis como a

hidroeletricidade. Por outro lado, as reservas de carvão não são inesgotáveis, e

a atual exploração deste recurso energético já é mais onerosa do que há

algumas décadas atrás. Aliás, Rosnes et al (2009) estimam que o custo unitário

dos investimentos em centrais a carvão na África do Sul tem vindo a subir,

estando mesmo a atingir valores a rondar os $1500/kW. Tal facto poderá ter

um impacto em termos de redução dos investimentos em novas centrais a

carvão na região, provocando uma quebra calculada à volta de 4000 MW, o

que implicará um interesse renovado nos investimentos na geração e

Page 392: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

391

transmissão de hidroeletricidade em países como a República Democrática do

Congo ou em Moçambique.

No entanto, a aposta na hidroeletricidade implica maiores compromissos

financeiros, que por vezes não têm estado ao alcance dos Estados da região

da África Austral. Os projetos de geração e transmissão de hidroeletricidade

acarretam montantes de investimento na fase inicial significativamente

superiores aos, por exemplo, da geração a carvão. Mbirimi (2010) adianta que

os projetos de geração de hidroeletricidade apresentam custos de capital e

volumes de investimento na fase inicial significativamente superiores aos dos

outros recursos energéticos, pelo que podem tornar-se menos interessantes no

processo de tomada de decisão das autoridades governamentais, avançando

mesmo que construir uma infraestrutura de geração de eletricidade via energia

hídrica com uma capacidade de 1000 MW pode custar sensivelmente o dobro

que uma infraestrutura de geração de eletricidade via carvão. Além disso, a

aposta no potencial de hidroeletricidade existente na região pressupõe

investimentos significativos na expansão das linhas de transmissão e

distribuição transnacionais, de modo a permitir a transferência da

hidroeletricidade gerada no norte da região para o principal consumidor final

que é a África do Sul. Por outro lado, os projetos de geração de

hidroeletricidade compensam os custos de investimentos iniciais superiores

com menores custos operacionais durante a fase da exploração e maiores

períodos de vida útil.

Daqui se retira que o aproveitamento efetivo do potencial de

hidroeletricidade da África Austral passa muito pela capacidade dos respetivos

Estados em conseguir obter financiamento vantajoso nos mercados

Page 393: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

392

internacionais, pelo que estes precisam enviar sinais de mercado positivos para

retirar a aversão ao risco que os investidores privados ainda têm para o

financiamento de projetos de recuperação e expansão da capacidade de

geração de eletricidade. Conclui-se assim que o paradigma energético da

África Austral será em grande medida determinado pela capacidade financeira

própria dos diversos Estados-membros e da possibilidade destes se

financiarem convenientemente nos mercados de capitais internacionais. Aliás,

para Mbirimi (2010), a não verificação destes pressupostos até ao momento é

uma das causas fundamentais para a incipiente exploração do potencial de

hidroeletricidade existente na região.

Uma das questões que tem estado mais em cima da mesa no debate

sobre diferentes opções para o paradigma energético da África Austral é a

viabilidade operacional dos projetos de geração de hidroeletricidade num

contexto de crescente imprevisibilidade dos fluxos de precipitação motivada

pelo fenómeno das alterações climáticas, como foi atrás referido. Contudo,

vários autores têm salientado que tal é praticamente uma falsa questão no

cenário da África Austral, dada a subexploração a que este recurso energético

tem sido sujeito. Ramachandran (2009) defende que o potencial de

hidroeletricidade da África Austral está significativamente subexplorado, pelo

que mesmo o impacto das alterações climáticas dificilmente retirará viabilidade

aos projetos de geração e transmissão de eletricidade. O BAD (2010)

concretiza esta tese, estimando que a região da África Austral possui

sensivelmente 1/3 do potencial de hidroeletricidade do continente africano, mas

atualmente explora apenas cerca de 10% do mesmo.

Page 394: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

393

Outra solução que pode contribuir para o combate às alterações

climáticas e à mitigação dos seus efeitos nocivos passa pela aposta em

recursos energéticos renováveis alternativos à hidroeletricidade, como as

energias solar ou eólica. Vários países africanos apresentam um potencial de

exploração dos recursos energéticos renováveis que ultrapassa em grande

medida as respetivas necessidades energéticas. Mbirimi (2010) frisa mesmo

que tal se verifica mesmo na potência regional África do Sul, com níveis de

industrialização e emissão de dióxido de carbono muito superiores aos seus

parceiros regionais. Todavia, o mesmo autor ressalva que a promoção dos

recursos energéticos renováveis necessita, pelo menos numa fase inicial, do

apoio das autoridades governamentais, dada a dificuldade e o elevado custo de

reestruturar paradigmas energéticos há muito estabelecidos, pelo forte efeito

lock-in que qualquer paradigma energético acarreta. Este fenómeno é

particularmente relevante no caso da África do Sul, onde o efeito lock-in do seu

paradigma energético baseado sobremaneira na energia fóssil é

significativamente poderoso.

Um dos instrumentos criados para promoção de paradigmas energéticos

sustentáveis e renováveis e para o combate às alterações climáticas é o CDM

(Clean Development Mechanism), um sistema de créditos sobre as emissões

de dióxido de carbono. O CDM propõe-se cobrir a diferença entre os custos

associados às tecnologias de energias não renováveis mais baratas e as

tecnologias de energias renováveis mais dispendiosas, para tornar as últimas

mais atrativas do ponto de vista económico e financeiro (Rosnes et al, 2009).

Quanto mais generalizado e aprofundado for o CDM à escala mundial, maior

será o incentivo para a aposta nas energias renováveis, como a geração de

Page 395: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

394

hidroeletricidade à grande e pequena escala ou as energias eólica e solar,

entre outras. Mesmo Moçambique já se comprometeu em alinhar as suas

políticas ambientais com as melhores práticas internacionais, diversificar o seu

portfolio energético com um maior peso das energias renováveis e aproveitar

as potencialidades deste instrumento.

Figura 1 – Potencial de Energia Solar do Continente Africano

Fonte: Ramachandran (2009: 26)

Page 396: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

395

Quadro 1 – Potencial de Recursos Energéticos Renováveis em Moçambique

Fonte: Chambal (2010: 13)

Page 397: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

396

Considerações Finais

A região da África Austral depara-se atualmente com um dilema

estratégico no setor energético. Por um lado enfrenta uma crise energética

severa, marcada por uma incapacidade de responder adequadamente ao

crescimento do lado da procura de eletricidade. A resposta mais óbvia para

esta situação seria apostar nos recursos energéticos locais mais abundantes,

no caso concreto o carvão. Todavia, tal opção é insustentável no longo-prazo

no que se refere à promoção de um desenvolvimento sustentável. Por outro

lado, a aposta em recursos energéticos alternativos, como as energias

renováveis, implicam um horizonte temporal de desenvolvimento de

infraestruturas que se revela desajustado à resposta às necessidades

energéticas mais prementes.

A África Austral é das regiões do globo que mais têm sentido o impacto

do fenómeno das alterações climáticas, apesar de ser uma contribuidora

irrelevante para o mesmo. Assim, ela vê-se obrigada a, desde já, adotar

medidas de combate e mitigação dos efeitos nocivos deste fenómeno. Uma

das medidas mais relevantes será reestruturar o seu portfolio energético

regional, abandonando o domínio dos recursos energéticos fósseis em favor de

uma aposta mais consistente nas energias renováveis. Para tal, muito

dependerá do compromisso da África do Sul, player dominante no cenário

energético regional, para reduzir a sua geração doméstica de eletricidade pela

via do carvão e começar a depender mais do potencial de hidroeletricidade que

existe na região, nomeadamente em países como Moçambique.

Page 398: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

397

Um dos aspetos que tem suscitado maior discussão no debate sobre

diferentes paradigmas energéticos para a África Austral tem sido o eventual

impacto do fenómeno das alterações climáticas na viabilidade da aposta na

hidroeletricidade regional. Com efeito, uma das manifestações mais comuns

das alterações climáticas é o aumento da inconstância e imprevisibilidade da

precipitação, que tem impacto direto ao nível do volume dos caudais dos rios, e

portanto pode colocar obstáculos operacionais à expansão da rede

infraestrutural de geração e transmissão de hidroeletricidade. No entanto, no

caso concreto da África Austral, o potencial de geração de hidroeletricidade é

de tal forma significativo e está ainda estão subexplorados que a questão

dificilmente se coloca em termos de viabilidade técnica e económica dos

projetos de geração e transmissão de eletricidade.

Ainda assim, e por uma questão de robustecimento da segurança

energética da região no longo-prazo, a aposta nas energias renováveis não

deverá recair somente na hidroeletricidade, englobando igualmente as energias

solar e eólica, até porque está empiricamente comprovado e documentado que

a África Austral apresenta um potencial relevante nesta área.

Dois dos maiores obstáculos à ascensão das energias renováveis no

portfolio energético são, por um lado, os maiores volumes de investimento

necessários para a edificação de infraestruturas a elas associadas, e por outro

as tecnologias de ponta que elas comportam e que não são de fácil acesso aos

países da África Austral. Para contornar tais dificuldades, torna-se necessário

que as principais instituições doadoras internacionais criem janelas de

financiamento especialmente direcionadas para o financiamento de

infraestruturas associadas às energias renováveis, no quadro mais amplo dos

Page 399: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

398

programas de combate e mitigação das alterações climáticas. Além disso, as

políticas de apoio ao desenvolvimento das grandes potências mundiais

precisam de fazer uma referência explícita e efetiva à facilitação da

transferência de tecnologia entre eles e os PVD.

Em futuras investigações, será importante aprofundar quais os projetos

de geração e transmissão de eletricidade via energias renováveis mais

relevantes na região da África Austral e que impacto estes terão na

recomposição do portfolio energético regional.

Page 400: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

399

Referências Bibliográficas

BAD (2010) Southern Africa Regional Strategy Paper 2011-2015, BAD, Tunes

CHAMBAL, Hélder (2010) Energy Security in Mozambique, International

Institute for Sustainable Development, Series on Trade and Energy Security

Policy Report 3, Canada

EBERHARD, Anton; Rosnes, Orvika; Shkaratan, Maria; Vennemo, Haakon

(2011) Africa´s Power Infrastructure: Investment, Integration, Efficiency, World

Bank, Washington D.C.

KIRATU, Sheila (2011) Energy Security in South America and Southern Africa:

Synthesis Report, International Institute for Sustainable Development, Series on

Trade and Energy Security, Canada

MBIRIMI, Ivan (2010) Regional Energy Security Dynamics in Southern Africa,

International Institute for Sustainable Development, Series on Trade and

Energy Security Policy Report 5, Canada

Page 401: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

400

RAMACHANDRAN, Vijaya (2009) Power and Roads for Africa: What the United

States can do, Center for Global Development, Washington D.C.

ROSNES, Orvika; Vennemo, Haakon (2009) Powering Up: Costing Power

Infrastructure Investment Needs in Southern and Eastern Africa, Econ Poyry,

Oslo

Page 402: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

401

17.5. Lista de Personalidade Entrevistadas

Personalidades Entrevistadas em Portugal

Dr. Jacob Jeremias Nyambir – Embaixador de Moçambique em Portugal

Dr. Nuno Ribeiro da Silva – Delegação da Endesa em Portugal

Dr. Robin de Andrade – Ex-Administrador da Hidroelétrica de Cahora Bassa

Sr. Coronel Costa Brás – Ex-Presidente da Hidroelétrica de Cahora Bassa

Eng. José Gonçalves Guedes – Ex-Director da Hidroelétrica de Cahora Bassa

Prof. Dra. Joana Pereira Leite – Instituto Superior de Economia e Gestão

Prof. Dr. Manuel Ennes Ferreira – Instituto Superior de Economia e Gestão

Dr. Adélio Tschanze - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa

Dr. José Rolo - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa

Dr. Bruno Pereira – Banco Espírito Santo

Dr. André Março - IAPMEI

Page 403: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

402

Personalidades Entrevistadas em Moçambique

Dr. Guilherme Mavila – Conselho Nacional de Eletricidade de Moçambique

Prof. Dr. João Mosca – Universidade Politécnica de Moçambique

Dra. Marie Sofie Furu – Embaixada da Noruega em Moçambique

Dr. João Mabombo – Delegação do Banco Africano de Desenvolvimento em

Moçambique

Dr. Momade Piaraly – Direção Nacional de Planificação Ministério da

Planificação e Desenvolvimento

Dr. Francisco Meireles – Embaixada de Portugal em Moçambique

Dr. Jordão Muvale – SADC National Media Coordinator

Eng. Mário Rassul – Delegação da Anadarko em Moçambique

Dr. Rafael Saúte – Delegação do Banco Mundial em Moçambique

Dr. Ricardo Mota – Delegação da RTP em Moçambique

Dr. Gustavo Mavie – Agência de Informação de Moçambique

Dr. Luís Sá – Delegação da Agência Lusa em Moçambique

Prof. Dr. José Chichava – Departamento de Economia da Universidade

Eduardo Mondlane

Dr. Abílio Madalena – Delegação da Petrogal em Moçambique

Page 404: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

403

Dr. Adriano Ubisse – Direção de Investimento e Cooperação do Ministério do

Planeamento e Desenvolvimento

Eng. Augusto Sousa Fernando – Presidente da Eletricidade de Moçambique

Eng. José Nicolau – Consultor Externo do Ministério da Energia de

Moçambique

Eng. Carlos Matos – Delegação da Selfenergy em Moçambique

Dr. Rafael Banguine – Fundo para a Eletrificação Rural de Moçambique

Prof. Dr. Yussuf Adam – Departamento de História da Universidade Eduardo

Mondlane

Dra. Telma Matavel – Direção de Relações Internacionais do Ministério da

Energia de Moçambique

Dra. Laura Nhacale – Direção de Planeamento do Ministério da Energia de

Moçambique

Dra. Maria Gomes – Direção de Relações Internacionais do Ministério da

Indústria e Comércio de Moçambique

Dra. Célia Correia – Instituto Nacional dos Petróleos de Moçambique

Prof. Dr. Carlos Castel-Branco – Instituto de Estudos Sociais e Económicos de

Moçambique

Dr. Pedro Cossa – Centro Coordenador Nacional de Moçambique para

assuntos da SADC (CONSADC)

Page 405: Bolsa de Investigação 2011 - Relatório Final

404

Personalidades Entrevistadas via Email

Dr. Jason Schaffer - Renewable Energy and Efficiency Partnership (África do

Sul)

Eng. Willem Theron - Eskom (África do Sul)

Eng. Decklan Mhaiki – Tanesco (Tanzânia)

Eng. Julian Chinembri - Zesa (Zimbabué)

Eng. Lovemore Chilimanzi - BPC (Botswana)

Eng. Jean-Bosco Kayombo – SNEL (República Democrática do Congo)

Dr. Henk Vogues - Integrative Consulting Solutions (África do Sul)

Dr. Barry Brendenkamp – Sanedi (África do Sul)

Dr. Elijah Sichone - RERA

Eng. Alison Chikova - SAPP