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Marco Aurelio Weissheimer AVANfOS. LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA QUE ESTA TRANSFORMANDO A VIDA DE MILHOES DE FAMILIAS NO BRASIL

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Marco Aurelio Weissheimer

AVANfOS. LIMITES E POSSIBILIDADES DOPROGRAMA QUE ESTA TRANSFORMANDO AVIDA DE MILHOES DE FAMILIAS NO BRASIL

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BOLSA FAMÍLIA:AVANÇOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DO

PROGRAMA QUE ESTÁ TRANSFORMANDO AVIDA DE MILHÕES DE FAMÍLIAS NO BRASIL

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

W515b Weissheimer, Marco Aurélio.

Bolsa família : avanços, limites e possibilidades do pro-grama que está transformando a vida de milhões de famílias noBrasil / Marco Aurélio Weissheimer. – São Paulo : Editora Fun-dação Perseu Abramo, 2006.

160 p.

ISBN 85-7643-029-0

Política social – programas de assistência - Brasil. 2. Pro-grama Bolsa Família. 3. Desigualdade social e econômica – Brasil.4. Pobreza. 5. Desenvolvimento econômico e social - Brasil. 6.Trabalho infantil. 7. Educação infantil. 8. Reforma agrária. 9. Mo-vimentos sociais. I. Título.

CDU 329.63(81)364.442(81)

316.42(81)

CDD 361.981

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)

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EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

BOLSA FAMÍLIA:AVANÇOS, LIMITES E POSSIBILIDADES DO

PROGRAMA QUE ESTÁ TRANSFORMANDO AVIDA DE MILHÕES DE FAMÍLIAS NO BRASIL

MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER

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Fundação Perseu Abramo

Instituída pelo Diretório Nacionaldo Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.

DiretoriaHamilton Pereira (presidente)

Ricardo de Azevedo (vice-presidente)Selma Rocha (diretora)

Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor)

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação EditorialFlamarion Maués

Assistente EditorialViviane Akemi Uemura

RevisãoMaurício Balthazar Leal

CapaEliana Kestenbaum

Editoração EletrônicaEnrique Pablo Grande

ImpressãoBartira Gráfica

1a edição: setembro de 2006

Todos os direitos reservados àEditora Fundação Perseu Abramo

Rua Francisco Cruz, 22404117-091 — São Paulo — SP — Brasil

Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910Correio eletrônico: [email protected]

Visite a página eletrônica da Fundação Perseu Abramohttp://www.fpabramo.org.br

Copyright © 2006 by Marco Aurélio WeissheimerISBN 85-7643-029-0

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APRESENTAÇÃO – EM BUSCA DE UMA AGENDA SOCIAL .... 9

I – VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL .. 13ESTADO E TRAUMA ........................................................... 16

Bolsa Família e os

desafios da política externa ........................................ 18

II – A CRIAÇÃO DO BOLSA FAMÍLIA .......................... 25ANTECEDENTES HISTÓRICOS .............................................. 26

A UNIFICAÇÃO DE UM SISTEMA “ESPALHADO” .................... 32

O DESAFIO DE AMPLIAR A

PROTEÇÃO SOCIAL E CORRIGIR DISTORÇÕES ......................... 34

O pouco que vale muito ............................................... 38

EM BUSCA DE PORTAS DE SAÍDA ........................................ 39A Escala da Insegurança Alimentar ............................ 43

O FINANCIAMENTO DO ESTADO EM QUESTÃO ...................... 44

A ABERTURA DE NOVAS JANELAS ....................................... 47

III – UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA ............ 53AUMENTO DA FREQÜÊNCIA ESCOLAR ................................. 57OS ELOGIOS DA REVISTA VEJA ........................................... 59

Um programa dentro da lei e

não eleitoreiro – Patrus Ananias ................................ 62

IV – O DESAFIO DA SEGURANÇA ALIMENTAR

E O DRAMA DA FOME NO BRASIL ........................ 65

SUMÁRIO

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O desafio da fome – Josué de Castro ................................ 67

OS NÚMEROS DA BARBÁRIE . ................................................... 67

Problema da fome não é falta

de alimentos – José Graziano da Silva,

Walter Belik e Maya Takagi ........................................ 72

DESPERDÍCIO DE BILHÕES ...................................................... 73O DEBATE SOBRE O MODELO DE DESENVOLVIMENTO .................. 75

APERFEIÇOAMENTO INSTITUCIONAL ........................................ 78

V – O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO:

AVANÇOS E LIMITES ........................................................... 81

SOBRE A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE NO BRASIL ............. 84QUADRO – EVOLUÇÃO RECENTE DA DESIGUALDADE

DE RENDA FAMILIAR PER CAPITA NO BRASIL ...................... 84UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

POR SEUS BENEFICIÁRIOS................................................. 90

O BOLSA FAMÍLIA ESTÁ CHEGANDO

A QUEM DE FATO PRECISA DELE ....................................... 91

QUADRO – PERFIL DOS ENTREVISTADOS ............................. 92

QUADRO – SITUAÇÃO OCUPACIONAL

DOS ENTREVISTADOS ....................................................... 93

GASTOS COM ALIMENTAÇÃO, A

PRINCIPAL PRIORIDADE ................................................... 94QUADRO – GASTO DO DINHEIRO DO

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ........................................... 95

QUADRO – AVALIAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO

APÓS O BOLSA FAMÍLIA ................................................. 97

MELHORA NA AUTO-ESTIMA E NO CRÉDITO ......................... 97

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QUADRO – TRATAMENTO DA FAMÍLIA NO

LOCAL ONDE MORA APÓS O BOLSA FAMÍLIA ..................... 98

QUADRO – CRÉDITO COM OS COMERCIANTES DO

BAIRRO APÓS O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ..................... 99

AVALIAÇÃO GERAL DO BOLSA FAMÍLIA ............................. 99

QUADRO – AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

BOLSA FAMÍLIA ............................................................. 99

QUADRO – RESPONSÁVEL PELO

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ........................................... 100REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ................................... 102

CONTROLE DA FREQÜÊNCIA ESCOLAR ............................... 102

AUMENTO DE RENDA LEVA 6 MILHÕES À CLASSE C ............ 104CRESCIMENTO DA CLASSE MÉDIA ..................................... 107

Razões da desigualdade no Brasil –

Marcio Pochmann ................................................... 108

GASTO OU INVESTIMENTO? .............................................. 110

O IMPACTO NA ECONOMIA .............................................. 113UMA CRÍTICA A CONSIDERAR: MIGALHAS E CAVIAR ............ 116

O MENOR ÍNDICE DE DESIGUALDADE

DO ÚLTIMOS 30 ANOS ..................................................... 121

ANEXO 1 – SUMÁRIO DA LEGISLAÇÃO SOBRE

O BOLSA FAMÍLIA ...............................................125

ANEXO 2 – UMA AGENDA RECUPERADA – POSSIBILIDADES PARA O FUTURO: O EXEMPLO DA REFORMA AGRÁRIA. ....................131

NOTAS .....................................................................155

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Marco Aurélio Weissheimer, 42 anos, é jornalistada Agência Carta Maior, desde sua criação em 2001.Bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalhou comotradutor e editor na introdução das edições em portu-guês do jornal Le Monde Diplomatique. É um dos au-tores do livro 100 propositions du Forum SocialMondial (Éditions Charles Léopold Mayer – Alliancedes Éditeurs Indépendants, Paris, 2006), também lança-do no Brasil (100 propostas do Fórum Social Mun-dial, Vozes, Petrópolis, 2006) e na Venezuela (Cienproposiciones del Foro Social Mundial, EditorialLaboratório Educativo, Caracas, 2006). Trabalhando naCarta Maior, acompanha o Fórum Social Mundial desdesua primeira edição, em 2001, dedicando-se também àcobertura de outros fóruns sociais regionais e temáticospelo mundo.

SOBRE O AUTOR

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APRESENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

EM BUSCA DE UMAAGENDA SOCIAL

É possível pensar em políticas sociais que não se-jam meramente programas emergenciais de assistên-cia em um cenário econômico em que não se obte-nha um nível sustentável de desenvolvimento? E qualpode ser o papel de uma política social agressivacomo mecanismo indutor de desenvolvimento?

No Brasil, os 10% mais ricos da população são donosde 46% do total da renda nacional, enquanto os 50% maispobres – ou seja, 87 milhões de pessoas – ficam comapenas 13,3% do total da renda nacional. Somos 14,6 mi-lhões de analfabetos, e pelo menos 30 milhões de analfa-betos funcionais. Da população de 7 a 14 anos que fre-qüenta a escola, menos de 70% concluem o ensino fun-damental. Na faixa entre 18 e 25 anos, apenas 22% ter-minaram o ensino médio. Os negros são 47,3% da popu-lação brasileira, mas correspondem a 66% do total depobres. O rendimento das mulheres corresponde a 60%do rendimento dos homens nos mesmos postos de traba-

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lho. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), enquanto o Distrito Fede-ral apresentou um Produto Interno Bruto (PIB) per capitade R$ 16.920,00 em 2003, o estado do Maranhão ficoucom apenas R$ 2.354,00 anuais por pessoa. Esses núme-ros são mais do que suficientes para indicar o gigantescodesafio que o país enfrenta para implementar um projetode desenvolvimento social e econômico.

A tendência histórica de concentração de renda e depropriedade no Brasil é um dos principais obstáculos aserem enfrentados. Países com renda per capita simi-lar à brasileira têm 10% de pobres em sua população,enquanto nós estamos na casa dos 30%. Segundo dadosoficiais, cerca de 55 milhões de brasileiros vivem emsituação de pobreza. Destes, cerca de 22 milhões emindigência. No debate sobre os desafios para a supera-ção deste quadro, a relação entre política econômica epolíticas sociais ocupa um lugar central. Há uma rela-ção de subordinação entre elas? É possível pensar empolíticas sociais que não sejam meramente programasemergenciais de assistência em um cenário econômicoem que não se obtenha um nível sustentável de desen-volvimento? E qual pode ser o papel de uma política so-cial agressiva como mecanismo indutor de desenvolvi-mento? Há várias maneiras de abordar tais questões.Esse livro se propõe a investigar uma delas, aquela quefoi concretizada por meio da implementação do Progra-ma Bolsa Família, e a verificar seus possíveis impactosna diminuição da desigualdade de renda no país. Preten-

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APRESENTAÇÃO

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de, além disso, apontar alguns elementos fundamentaispara o debate sobre qual o modelo de desenvolvimentonecessário para superar o quadro de desigualdade soci-al e violência urbana que afeta o país. Pretende falar deavanços já conquistados e de seus possíveis limites. Equer falar também sobre possibilidades. O texto apre-sentado no Anexo 2, ao final deste trabalho, pretendeindicar algumas delas por meio de uma reflexão sobre opapel estratégico da reforma agrária e de seu potencialde articulação com outras políticas sociais.

O objetivo central deste texto não é fazer nenhuma apo-logia acrítica ao Programa Bolsa Família, mas sim contarum pouco da história de uma iniciativa que pretende mos-trar que é possível enfrentar a chaga da fome, da pobrezae da desigualdade social no Brasil. Se o Bolsa Família e oconjunto de políticas que se articulam com ele têm umviés demasiadamente assistencialista, como dizem algunsde seus críticos, seus resultados já mostram o impactoque políticas públicas de distribuição de renda podem terna vida diária da população mais pobre. Neste sentido, éum desafio histórico procurar analisar as dificuldades e osobstáculos que se apresentam a essa luta. Estamos lidan-do aqui com um desafio histórico e com uma dívida igual-mente histórica. O Brasil teve o maior índice de cresci-mento mundial no século XX. No entanto, isso não se tra-duziu em redução das desigualdades sociais. Pelo contrá-rio, elas aumentaram, transformando as grandes e as mé-dias cidades brasileiras em áreas de grande instabilidadesocial. O êxito do Bolsa Família, reconhecido hoje dentro

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e fora do Brasil, é um passo importante na direção detransformar essa realidade. Talvez seja um passo aindainsuficiente. Mas já representou uma série de avanços,como procuraremos mostrar, avanços que requerem mui-tos outros ainda para que milhões de brasileiros tenhamuma vida minimamente digna. Considerando o quadro dedesigualdade social brasileiro, este desafio é gigantesco.

O que os números mais recentes sobre a situação soci-al no Brasil parecem indicar é que a redução da desigual-dade, verificada nos últimos anos, é resultado de um con-junto de políticas públicas e decisões na área econômica.Destacam-se aí programas como o Bolsa Família e políti-cas como a do aumento do salário mínimo e o impactoque esse aumento teve no pagamento de benefícios daPrevidência Social. Como se verá, o Bolsa Família não éo programa mais importante em termos de volume de re-cursos investidos, mas talvez seja o de maior impacto navida cotidiana de milhões de pessoas que tinham muitadificuldade para colocar comida na mesa. Pessoas queestavam fora do alcance das políticas sociais e que vi-viam em situação de grande pobreza passaram a ser be-neficiadas por uma rede de proteção social inédita em suasvidas – e inédita no Brasil. E para quem não tinha pratica-mente nada, ter algum avanço de renda, mesmo que pe-queno, já causa um grane impacto na vida. Os recenteslevantamentos sobre as condições de vida da populaçãobrasileira mostram isso claramente. Pela primeira vez emmuitos anos houve melhoria na distribuição de renda. Paramilhões de pessoas, esse não é um detalhe menor.

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JOSÉ PRATA ARAÚJO

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I – VIOLÊNCIA E DESIGUALDADESOCIAL NO BRASIL

Em dois anos, meio milhão de brasileiros deverãoestar atrás das grades. Mantendo-se a tendênciaatual, seria preciso construir um novo presídio acada 15 dias. Ao mesmo tempo, o Brasil possui asegunda maior frota de helicópteros particulares domundo. Onde isso vai dar?

A explosão de violência que se abateu sobre São Paulo,especialmente a partir de maio de 2006, e que, com in-tensidades variadas, faz parte do cotidiano de centenasde cidades brasileiras, por si só é suficiente para mos-trar que estamos todos sentados sobre uma bomba-re-lógio. Não é o caso de falar de uma bomba-relógio pres-tes a explodir, pois ela vem explodindo e se retroali-mentando sucessivamente. Tampouco parece ser o casode resumir o problema à ausência de políticas públicasna área da segurança ou à falta de recursos. Há algomais profundo que parece ter se rompido, deixando asociedade brasileira flutuando sobre um caldo de cultu-ra de desagregação e de anomia. O crescimento dadesigualdade social nas últimas décadas e a escandalo-

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sa concentração de renda no país compõem um cenáriode profunda violência institucional e não-institucional. Oconvívio da opulência e do luxo, de um lado, e da misé-ria, de outro, já fez acender o sinal vermelho há um bomtempo. Mas permanecemos, em boa medida, cegos, sur-dos e mudos.

É verdade que não basta afirmar a existência da de-sigualdade social para equacionar o problema da vio-lência. Há diversas faces desse problema que exigemmedidas de curto prazo, que não podem esperar peladiminuição consistente dos níveis de desigualdade, oque só ocorrerá no longo prazo. Mas, mesmo os pro-blemas imediatos, como a falência do sistema peniten-ciário brasileiro, só podem ser entendidos em toda asua extensão se considerarmos o que ocorre tambémfora das prisões. Segundo estimativas do Instituto Bra-sileiro de Ciências Criminais (Ibcecrim), de São Paulo,em dois anos, meio milhão de brasileiros estarão atrásdas grades. Hoje esse número é de aproximadamente340 mil. De acordo com essa tendência, e conformeas normas das organizações internacionais de direitoshumanos que sugerem um máximo de 500 pessoas porpresídio, seria necessário construir um novo presídio acada 15 dias.

Somente as cadeias de São Paulo recebem, em mé-dia, 800 presos por mês. A falta de perspectivas dentroe fora das prisões e a fragilidade dramática das políticasde reintegração fazem com que o índice de reincidênciae retorno às prisões seja muito alto. Assim, além do flu-

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xo contínuo de novos encarcerados, as próprias prisõesfuncionam como alimentadoras do fluxo criminal. NoRio de Janeiro, segundo estimativa do Centro de Estu-dos de Segurança e Cidadania, pelo menos 70% da po-pulação carcerária têm envolvimento com o tráfico. Nãohá dados oficiais, mas o índice de reincidência no Rio deJaneiro pode atingir 80%. Em resumo, temos uma com-binação macabra de ausência de recursos para a cons-trução de novos presídios e para o desafogamento dosatuais convivendo com uma fábrica que não cessa deproduzir novos detentos.

Uma carta da juíza Sonáli Zluhan, publicada no jornalZero Hora, de Porto Alegre, ilustra esse quadro:

“Sou juíza em Caxias do Sul, na Vara de Execu-

ções Criminais. Aqui o presídio se chama INDUS-

TRIAL, no entanto os presos não têm trabalho. Asvagas oferecidas são 296 e atualmente a lotação é

de 750 presos. Cada cela para quatro pessoas tem

mais de 12. O albergue, que abriga os presos doregime aberto e semi-aberto, com serviço externo,

com 95 lugares, tem mais de 200. Eles têm dormido

sentados, na laje (em Caxias faz muito frio) ou emcima das mesas e no chão. Não existem colchões

para todos, apesar de já terem sido solicitados para

a Susepe (Superintendência de Serviços Peniten-ciários do Rio Grande do Sul), mais de uma vez.

Somente após eu haver interditado o presídio por

duas vezes é que se iniciou a obra do novo presí-

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dio, com 450 vagas. E, apesar de a obra já haver

começado há mais de [um] ano, não tem previsão

para terminar”1.

A juíza Zluhan prossegue seu relato:

“Os presos não têm qualquer assistência médica

ou odontológica, dependemos do serviço de volun-

tários que, esporadicamente, aparecem. Temos pre-sos com AIDS, tuberculosos, com câncer, e estes

recebem remédios graças à Pastoral Carcerária, que

arrecada fundos para medicamentos”2.

Essa é a realidade comum à esmagadora maioria dospresídios brasileiros. E o que a sociedade tem a vercom isso? Tudo, obviamente. Mais do que pode pare-cer à primeira vista. Por ocasião da onda de violênciainiciada em maio de 2006 em São Paulo, multiplica-ram-se sentimentos favoráveis à pena de morte, à exe-cução de criminosos sem qualquer tipo de procedimentolegal e ao abandono da população carcerária a sua pró-pria sorte. Em um certo sentido, esses sentimentos jáviraram realidade, pois convivemos diariamente comtodas essas práticas.

ESTADO E TRAUMA

Em seu livro Guerra civil: Estado e trauma, o jorna-lista Luís Mir escreve:

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VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

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“O Estado brasileiro optou pela guerra civil, uma

guerra dolorosa que empilha cadáveres com frieza

nazista e fúria primitiva. As vítimas desta guerra sãoos pobres, que vivem em permanente estado de

tensão e terror. As mortes desta guerra chegam a

150 mil por ano e elas custam, para o Estado, meta-de do que o país gasta com saúde”3.

O problema é que a quase totalidade dessas mortesnão tem qualquer repercussão na mídia. Ninguém ficasabendo nada sobre elas. O nome das vítimas, o quefaziam, o que suas famílias (aqueles que ainda tinham)sentiram e sofreram, quais foram os projetos de vidainterrompidos; todas essas informações cairão para sem-pre no esquecimento; é como se todas essas históriasde vida nunca tivessem existido.

Se não for por outra razão, pode-se argumentarcom esses sentimentos e posições a favor da pena demorte e do extermínio, do ponto de vista de sua eficá-cia. Seus defensores pregam tais práticas como solu-ção para o problema da criminalidade. Mas estariamdispostos a assumir as conseqüências de tais posições?Estariam dispostos a apoiar a matança generalizada detodos os criminosos e presidiários do país? E de todosos futuros violadores da lei? Em que isso resultaria mes-mo para a sociedade? A defesa dessas teses equivale adeclarar uma guerra contra milhares de pessoas, a es-magadora maioria delas oriunda dos estratos mais po-bres da população. Afinal de contas, quem superlota os

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a avaliação do embai-xador Samuel Pinheiro

Guimarães, secretário-geraldo Itamaraty, o ProgramaBolsa Família está relacio-nado também às priorida-des estratégicas da atualpolítica externa brasileira.Em seu novo livro, Desafiosbrasileiros na era dos gi-gantes (Editora Contra-ponto, 2006), ele explicaessa relação ao definiraquelas que considera asprincipais características doBrasil e do mundo hoje. Agrande característica da so-ciedade brasileira, segundoele, são as disparidades so-ciais. Disparidades de ren-da, de gênero, de etnias eentre regiões do país. OBrasil é hoje o país commaior concentração de ren-

Bolsa Família e os desafios da política externa

N da do mundo, com cerca de14 milhões de pessoasconvivendo com a fome emais de 72 milhões em si-tuação de insegurança ali-mentar (segundo pesquisadivulgada no dia 17 demaio pelo IBGE).

O grupo mais afetado poressa situação de insegu-rança é composto por mu-lheres negras que vivem noNordeste, um quadro queresume o conjunto de desi-gualdades presentes noBrasil. O Programa BolsaFamília é um reconheci-mento da importância des-se tema, destaca o embai-xador. Ele traça um paralelocom a outra ponta do espec-tro social no país. Ao mes-mo tempo que milhões debrasileiros enfrentam diari-

presídios brasileiros? E quem declararia essa guerra? OEstado brasileiro? Este Estado que tem uma dívida his-tórica para com seu povo e para com o que estabelecea Constituição do país?

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amente o drama da fome, oBrasil possui a segundamaior frota de aviões e heli-cópteros particulares domundo. Nós vivemos entreesses dois extremos. Aliadaa esta situação de vulnera-bilidade social há aindauma outra vulnerabilidadeque é definidora do que oBrasil é hoje: a vulnerabi-lidade externa, econômica etecnológica. Trabalhar pelasuperação dessas vulne-rabilidades, enfatiza, é umdos principais objetivos denossa política externa.

Uma das condições cen-trais para que isso ocorra éo desenvolvimento das po-tencialidades brasileiras,defende Samuel PinheiroGuimarães. “O Brasil possuio quinto maior território domundo, a décima populaçãoe está entre os dez maiores

PIBs do mundo. Só três paí-ses têm essas característi-cas: Estados Unidos, Chinae Brasil”, resume. Isso fazque o potencial de longo pra-zo da sociedade brasileiraseja extraordinário. Por isso,aponta, uma das grandestarefas do governo e do Es-tado brasileiro é trabalharpara a construção e o desen-volvimento deste potencial.“Não é uma tarefa simples”,reconhece. Entre outras coi-sas, pelo fato de que estesdesafios devem ser enfren-tados em um ambiente de-mocrático, o que não é nadafácil, considerando as dis-paridades sociais e regio-nais que marcam o Brasil.

(GUIMARÃES, SamuelPinheiro. Desafios

brasileiros na era dosgigantes. Rio de Janeiro,

Contraponto, 2006).

Há quem considere uma “tese esquerdista” a relaçãoentre violência e desigualdade social, fazendo uma con-fusão entre pobreza e desigualdade. Há vários estudosque mostram que a conexão mais íntima que existe não

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é entre violência e pobreza, mas sim entre violência edesigualdade social. O artigo “Desigualdade social, vio-lência e jovens no Brasil”, escrito pelas pesquisadorasEnid Rocha e Luseni Maria de Aquino, do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA)4, estabelece bemessa conexão, apresentando alguns dados para susten-tar que a desigualdade social é um dos fatores prepon-derantes para o comportamento violento ou criminoso.Segundo Luseni Aquino, a desigualdade social está en-tre as maiores causas da violência entre jovens no Bra-sil, especialmente na faixa entre 15 e 24 anos.

As pesquisadoras defendem que a violência cometidapor jovens socialmente desfavorecidos não é causadaapenas por necessidades materiais, mas também porsentimentos de injustiça e ausência de reconhecimentosocial. Esses fatores são potencializados pela convivên-cia com pessoas e ambientes que estão no extremo opos-to, o da inclusão social e do reconhecimento. Além daprivação material, defendem as pesquisadoras, essesjovens enfrentam também o problema da exclusão soci-al por não corresponderem aos padrões valorizados pelasociedade (pessoas brancas, bem vestidas, escolarizadas,trabalhadores com carteira assinada). Some-se a isso obombardeio publicitário e midiático que estimula as pes-soas a consumir e a desfrutar dos prazeres e comodida-des da sociedade moderna.

Há dados abundantes mostrando a situação de extre-ma vulnerabilidade social que afeta a maioria da popu-lação jovem entre 15 e 24 anos. Um dos mais eloqüen-

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tes é o que aponta a condição de extrema pobreza queatinge 12,2% dos 34 milhões de jovens brasileiros, mem-bros de famílias com renda per capita de até um quartodo valor do salário mínimo. Entre essa população, apro-ximadamente 67% não concluíram o ensino fundamen-tal e 30,2% não trabalham e não estudam, segundo da-dos do IPEA. E cerca de 71% desses jovens são negros.Ainda segundo o estudo do IPEA, o fato de ser negrosignifica maior probabilidade de ser pobre e barreirasmuito maiores para a ascensão social. As desigualda-des nos rendimentos associadas à discriminação racialtêm como um de seus efeitos perversos uma maior difi-culdade de integração social dos jovens negros.

Uma comparação entre o estado indiano de Kerala eo estado de São Paulo reforça a tese de que não é apobreza, mas sim a desigualdade e o convívio da opu-lência com a miséria que funcionam como um fator ge-rador de maior violência. A Índia tem taxas de homicí-dios muito menores que as brasileiras. Lá o número deassassinatos é baixo e decrescente, enquanto no Brasileste número tem crescido e é cinco vezes mais eleva-do. Oficialmente, foram mortos no Brasil, na década de1990, cerca de 300 mil jovens. Não há nada comparávelna Índia, mesmo com as tensões étnicas e religiosasinternas e os conflitos na região da Caxemira. No esta-do de Kerala, cujo PIB per capita equivale a US$ 398,00,os indicadores sociais são comparáveis aos de paísesdesenvolvidos. O índice de mortalidade infantil é de apro-ximadamente 10 mortos para cada mil nascidos vivos.

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Em São Paulo, esse número é quase duas vezes maior,16,7 mortos por mil nascidos vivos, apesar de ser umestado muito mais rico, com um PIB per capita em tor-no de US$ 9,2 mil. Quando comparada a situação eco-nômica dos paulistas com a da população de Kerala, osprimeiros podem ser considerados mais desenvolvidos.Mas, se a medida comparativa for a expectativa de vidaao nascer, os indianos têm maior qualidade de vida, poisvivem mais. Isto ocorre, em larga medida, devido à vio-lência que afeta os jovens brasileiros entre 15 e 24 anos,que faz cair a expectativa de vida. Segundo dados de1999, em Kerala ocorreram 472 homicídios dolosos/ano,contra 14.497 em São Paulo. A taxa de homicídios por100 mil habitantes foi de 1,33 no estado indiano e de33,15 em São Paulo.

Para reverter esse quadro, a tendência histórica deconcentração de renda e de propriedade no Brasil é umdos principais obstáculos a serem enfrentados. Comoafirmamos, países com renda per capita similar à bra-sileira têm uma situação de desigualdade menos acen-tuada que a nossa. Ao mesmo tempo em que milhõesde brasileiros enfrentam diariamente o drama da fome,o Brasil possui a segunda maior frota de aviões e heli-cópteros particulares do mundo. E São Paulo, que ga-nhou indesejáveis manchetes mundiais por causa da vio-lência, abriga a segunda maior frota de helicópteros domundo, perdendo apenas para Nova York.

A causa da violência não é, obviamente, esse honrosolugar no ranking da frota de helicópteros. Esse índice

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VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

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é, na verdade, um sintoma. Um sintoma de uma doençaque afeta a sociedade brasileira como um todo. É maiscômodo fazer de conta que isso é um problema do go-verno de plantão e colocar-se na posição de vítimas adefender a pena de morte contra os “homens de mávida” que não souberam aproveitar as oportunidadesquando estas apareceram. Mas, na verdade, o como-dismo aqui é apenas aparente. O resultado destasdisparidades atravessa nossas vidas diariamente, quan-do saímos às ruas, quando vamos à padaria, ao bancoou ao supermercado. Mais do que atravessar, ele nosafronta, nos enfrenta e nos ameaça. Diante disso, amaioria tende a reagir exigindo que o Estado eliminequem a ameaça. Mas talvez a questão não seja “quem”ameaça, mas sim o “que” ameaça. Os números sobre arealidade do sistema carcerário brasileiro são suficien-tes para mostrar que não há nenhuma solução mágicano horizonte.

Os presos continuam sendo “fabricados” diariamenteem um escala que o Estado não tem capacidade finan-ceira para dar conta. O que fazer, então? A solução épassar fogo na bandidagem, bradam muitos brasileiros.É mesmo? E de que bandidos estamos falando? Aque-les que moram na periferia, que acabam engrossandoas fileiras do tráfico? E os que, por uma sorte na vida,andam de helicóptero e infringem a lei, também devemser executados com um tiro na cabeça? E os policiaisque, por uma série de razões, acabam se envolvendocom o crime, também merecem o mesmo destino? E os

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governantes que são cúmplices ou omissos diante dessequadro também devem ser executados? E que tal oseleitores desses governantes também mereceremresponsabilização? Quem vai dar o primeiro tiro?

No início do século XX, o escritor norte-americano JackLondon escreveu uma série de artigos sobre os miserá-veis e desempregados que habitavam o East End londri-no. Esses artigos resultaram em um livro, intitulado Opovo do Abismo, publicado no Brasil pela Editora Fun-dação Perseu Abramo. Na abertura da edição brasilei-ra, algumas dezenas de palavras de London nos lançamuma advertência. A prudência recomenda, ao menos,sua leitura:

“Os rejeitados e os inúteis! Os miseráveis, os hu-

milhados, os esquecidos, todos morrendo no ma-

tadouro social. Os frutos da prostituição – prosti-tuição de homens e mulheres e crianças, de carne e

osso, e fulgor de espírito; enfim, os frutos da pros-

tituição do trabalho. Se isso é o melhor que a civili-zação pode fazer pelos humanos, então nos dêem a

selvageria nua e crua. Bem melhor ser um povo das

vastidões e do deserto, das tocas e cavernas, doque ser um povo da máquina e do Abismo”5.

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A CRIAÇÃO DO BOLSA FAMÍLIA

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II – A CRIAÇÃO DOBOLSA FAMÍLIA

Instituído pela Medida Provisória no 132, em outubrode 20036, o Bolsa Família é um programa federal detransferência direta de renda destinado às famílias emsituação de pobreza (renda mensal por pessoa de R$60,00 a R$ 120,00) e de extrema pobreza (com rendamensal por pessoa de até R$ 60,00). Uma das caracte-rísticas centrais do programa é que ele procura associara transferência do benefício financeiro ao acesso a di-reitos sociais básicos, como saúde, alimentação, educa-ção e assistência social. O Bolsa Família tem dois obje-tivos básicos: combater a miséria e a exclusão social, epromover a emancipação das famílias mais pobres. Umadas novidades do programa em relação a iniciativas si-milares anteriores foi a unificação de todos os benefíci-os sociais do governo federal (Bolsa Escola, Bolsa Ali-mentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás) em umúnico programa. O objetivo da unificação foi garantirmaior agilidade na liberação do dinheiro, reduzir a buro-cracia e melhorar o controle dos recursos.

O programa é gerido pelo Ministério de Desenvolvi-mento Social e Combate à Fome (MDS) em parceria com

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os estados e municípios. As prefeituras são responsá-veis pelo cadastramento das famílias e pela atualizaçãoda base de dados do Cadastro Único. Além disso, de-vem acompanhar o cumprimento das condicionalidadesdo benefício, além de promover ações complementaresdestinadas ao desenvolvimento autônomo e sustentadodas famílias pobres do município. Quais são essascondicionalidades? As famílias devem participar deações no acompanhamento de saúde e do estadonutricional dos filhos, matricular e acompanhar a fre-qüência escolar das crianças no ensino fundamental eparticipar de ações de educação alimentar. Com basenas informações do Cadastro Único elaborado pelasprefeituras, o MDS seleciona as famílias a serem benefi-ciadas. O controle social sobre o programa é exercidomediante a constituição de Comissões Municipaisintersetoriais e paritárias. A Caixa Econômica Federal(CEF) é o agente operador do cadastro e do pagamentodos benefícios.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Em discurso proferido no lançamento do Bolsa Famí-lia, no dia 20 de outubro de 2003, a secretária-executivado programa, Ana Fonseca, destacou que a criação destanova política só era possível graças à experiência acu-mulada ao longo da história em torno de programas detransferência de renda. Ela lembrou o projeto do sena-dor Eduardo Suplicy (PT-SP), de 1991, para a instituição

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de um programa de renda mínima. Segundo Fonseca, aíestaria “a origem de tantos programas espalhados pelosestados, municípios e pelo Distrito Federal”. Outros no-mes foram lembrados então como formadores destaexperiência acumulada: “Desde o lançamento dos pri-meiros programas, em 1995, no Distrito Federal”, como então governador Cristovam Buarque, em Campinascom José Roberto Magalhães Teixeira, e em RibeirãoPreto, com Antônio Palocci”. Ou seja, o Bolsa Famílianão é uma criação a partir do zero.

Uma história da implementação de políticas sociaisde distribuição de renda no Brasil teria que retroceder,pelo menos, à década de 1930, com a criação dos pri-meiros programas e leis voltados aos trabalhadores eaos setores mais pobres da população. Nesta época, apartir do governo de Getúlio Vargas, começou a surgirde modo mais concreto no país a idéia de construção deum Estado de bem-estar social, um projeto aindainacabado. Um passo importante neste processo foi aConstituição de 1988, que colocou efetivamente a as-sistência social no campo das políticas públicas, vincu-lando-a à Previdência Social e à saúde e determinandouma atenção especial do Estado às pessoas, famílias ecomunidades mais fragilizadas socialmente (como indí-genas, quilombolas, crianças e idosos).

A partir da constituição deste novo marco legal einstitucional, tivemos, no início dos anos 1990, a aprovaçãode leis importantes como o Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA) e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

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No final do governo Fernando Henrique Cardoso foramlançadas algumas políticas voltadas para a melhoria da rendae da qualidade de vida da população mais pobre: PETI (Pro-grama de Erradicação do Trabalho Infantil), Agente Jo-vem, Sentinela, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e AuxílioGás. O governo Lula, com a criação do MDS, vai incorporare integrar essas políticas em um único programa que pro-cura unificar as ações públicas nas áreas de assistênciasocial, segurança alimentar e nutricional, saúde, educaçãoinfantil e transferência de renda.

Um importante trabalho sobre o tema da desigualdadesocial no Brasil foi produzido pelo senador Eduardo Suplicy(PT-SP), no livro Renda de cidadania. Um dos méritosdeste livro é assinalar a relação existente entre o proble-ma da desigualdade social no país e a escravidão:

“O exame mais recente das desigualdades no Bra-sil, incluindo seus aspectos raciais, denota com cla-

reza que a sociedade e os governos pouco fizeram,

desde a abolição em 1888, para corrigir os efeitosde mais de três séculos de escravidão. De acordo

com os estudos organizados pelo Instituto de Pes-

quisa Econômica Aplicada (IPEA), com base nasinformações da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (PNAD-IBGE), em 1999, os afro-descenden-tes tinham uma presença proporcionalmente muito

maior entre os mais pobres no Brasil do que a sua

participação na população” 7.

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Segundo o levantamento do IPEA, citado por Suplicy,em 1999, dos 170 milhões de brasileiros, cerca de 34%viviam em famílias com renda inferior à linha de pobre-za e 14% em famílias com renda inferior à linha de indi-gência, correspondendo, respectivamente, a 54 milhõesde pobres e 22 milhões de indigentes:

“Os negros, incluindo os pretos e os pardos, re-

presentavam 45% da população, mascorrespondiam a 64% da população pobre e 69%

da população indigente. Enquanto os brancos

correspondiam a 54% da população total, entre ospobres eles eram 36% e entre os indigentes, 31%.

Dos 54 milhões de brasileiros pobres, 19 milhõeseram brancos, 30,1 milhões pardos, 3,6 milhões pre-

tos, 140 mil indígenas e 76 mil amarelos. Entre os 22

milhões de indigentes havia 6,8 milhões brancos,13,6 milhões pardos, 1,5 milhão pretos, 56 mil indí-

genas e 37 mil amarelos”8.

Suplicy também cita o trabalho de Hermione Parker,professora da London School of Economics, que asses-sorou sir Brandon Rhys Williams na Câmara dos Co-muns na defesa de uma política de renda básica. Parkerdefendeu a gradual integração do sistema de impostos ebenefícios no sentido de se instituir uma renda mínima,com a eliminação de impostos sobre a folha de paga-mentos como forma de promover o emprego e tornar otrabalho mais competitivo. O potencial transformador

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da renda mínima sobre a vida das mulheres (algo quecomeça a se verificar através do Bolsa Família) mere-ceu especial atenção de Parker:

“Uma mudança desse tipo pode transformar a

vida familiar. A dependência dentro da família é odestino tradicional da mulher casada, e em função

de nem sempre serem felizes, um número crescente

de mulheres procuram independência por meio domercado de trabalho. Outras vão trabalhar porque

suas famílias desejam o dinheiro extra. De qualquer

maneira, a decisão pode ser difícil, porque as mu-lheres, diferentemente dos homens, precisam adap-

tar o seu trabalho remunerado às suas responsabi-lidades familiares. A renda básica amenizaria esse

dilema dando um meio de independência financeira

a toda mulher (e todo homem), estejam ou não rea-lizando um trabalho pago. A renda básica não tira o

direito de trabalhar fora de casa, mas aumenta a li-

berdade de escolha. Não afasta a responsabilidadedos esposos para com cada outro acima do míni-

mo, mas aumenta a autonomia da/o esposa/o ou

parceira/o que não é remunerada/o”9.

Ao traçar uma linha histórica dos estudos e propostaspara o combate às desigualdades sociais, Suplicy citaoutros dois importantes estudos que começaram a darmaior materialidade a essas idéias. O primeiro deles,Um projeto para o Brasil, foi escrito por Celso Furta-

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do, em 1968. Nesta obra, Furtado defendeu a necessi-dade de modificar a distribuição do perfil da demandaagregada. O Brasil tinha então cerca de 90 milhões dehabitantes e uma renda per capita de aproximadamen-te US$ 350, com uma distribuição de renda em que “o1% de renda mais alta e os 50% de renda mais baixatinham acesso a parcelas idênticas da renda nacional,um quadro que praticamente se repetiria em 1999”10. Osegundo trabalho destacado por Suplicy foi o de Anto-nio Maria da Silveira que, em 1975, elaborou a primeiraproposta de garantia de renda mínima para o Brasil, em“Moeda e redistribuição de Renda”11. Criticando a ine-ficácia dos métodos e políticas adotadas até então paraenfrentar o problema da pobreza, Silveira propôs queela fosse atacada diretamente através do instrumentodo imposto de renda negativo.

Em 1978, destacou ainda o autor de Renda de Cida-dania, Edmar Lisboa Bacha e Roberto MangabeiraUnger propuseram, em Participação, salário e voto12,“que a reforma agrária e uma renda mínima por meiode um imposto de renda negativo deveriam ser instituí-dos como instrumentos fundamentais de democratiza-ção da sociedade brasileira”. Segundo eles, “só poderiahaver democracia política se houvesse um limite aosextremos de desigualdade e a erradicação da miséria”13.Anos mais tarde, no dia 17 de abril de 1991, Suplicyapresentou no Senado um projeto de lei para a criaçãodo Programa de Garantia de Renda Mínima, “que bene-ficiaria, sob a forma de imposto de renda negativo, to-

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das as pessoas residentes no país, maiores de 25 anos eque auferiam rendimentos brutos mensais inferiores aCr$ 45.000, que correspondiam a 2,5 vezes o saláriomínimo efetivo da época”14. O projeto de Suplicy repre-sentou um marco no debate sobre a adoção de políticasde distribuição de renda no país.

A UNIFICAÇÃO DE UM SISTEMA “ESPALHADO”

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomouposse, em janeiro de 2003, encontrou um sistema deprogramas sociais de transferência de renda espalhadopor vários ministérios, com diferentes listas de bene-ficiários e critérios para recebimentos de benefícios. Essesistema “espalhado” foi submetido a um processo deunificação, decisão que exigiu, entre outras coisas, orecadastramento e a unificação dessas listas e aredefinição de critérios. Nascia o Programa Bolsa Fa-mília, que se integra a um guarda-chuva maior denomi-nado Programa Fome Zero. Embora, no início, o FomeZero tenha obtido maior repercussão na mídia e no pró-prio discurso governamental, foi o Bolsa Família que seconsolidou como o programa social por excelência dogoverno Lula. Com ele ocorreram a integração e a con-solidação de programas de transferência de renda ante-riores, com o aumento do valor dos benefícios.

Inaugurou-se, assim, uma nova agenda social no Brasilcom a unificação, a racionalização e a ampliação de qua-tro programas sociais já existentes. Em 2003, o mais im-

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portante deles – o Bolsa Escola – beneficiava cerca de 5milhões de famílias, com transferência de renda de atéR$ 45,00 por família. Hoje, o Bolsa Família beneficia cer-ca de 11,1 milhões de famílias, com transferência de ren-da de até R$ 107,00 por família. Mas não se trata apenasde transferência de renda. Além da exigência da freqüên-cia escolar e da proibição do trabalho infantil, tambémpassou a ser exigida a vacinação das crianças. No finalde 2005, iniciou-se a integração do PETI com o BolsaFamília, o que possibilitou o atendimento a 3,2 milhões decrianças em ações socioeducativas e de convivência.

A integração com outros programas sociais é um dosconceitos centrais do Bolsa Família. Tomado isolada-mente, ele chega hoje a mais de 11 milhões de famíliaspobres para garantir uma complementação de rendafamiliar básica e garantir que as crianças fiquem na es-cola, além de controlar a vacinação delas. Articuladocom outros programas, ele tem sua ação potencializada.O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por exem-plo, integra a rede de proteção básica às famílias quevivem em grande risco social e carecem de ação pre-ventiva. Com ele, o governo pretende agir em conjunto,olhando cada família como um todo e procurando esta-belecer a interação dos programas e das ações so-cioassistenciais. Estas têm sido implementadas por meiodos Centros de Referência da Assistência Social, aschamadas Casas das Famílias, criadas em 2003 e que jásomam 2 mil em todo o país. A integração com o PETI éoutro exemplo. Além disso, há também programas em

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sinergia com a Política Nacional de Assistência Socialque rege o SUAS, atuando no que se chama “atendimentoespecial”, destinado àquelas famílias que já tiveram seusdireitos violados. É o caso do Sentinela, programa queacolhe vítimas da violência e da exploração sexualinfanto-juvenil.

O DESAFIO DE AMPLIAR A PROTEÇÃO

SOCIAL E CORRIGIR DISTORÇÕES

Após atingir a meta de 11,1 milhões de famílias bene-ficiadas, o Bolsa Família tem ainda uma série de proble-mas a resolver. Um deles é a cobertura em algumasregiões, particularmente no Rio de Janeiro, no Amapá eno Distrito Federal. No Rio de Janeiro, há problemas defalta de cadastramento das famílias por parte de prefei-turas. No Amapá, somente 53% das famílias que seenquadram nos critérios do programa estão recebendoo beneficio. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílios 2004 (PNAD-IBGE), aumentou o númerode pessoas pobres na faixa de cobertura do benefícionesta região. O Distrito Federal, por sua vez, conside-rando os números de julho de 2006, deveria ter 20 milfamílias a mais incluídas no Bolsa Família. Hoje, apenas54% das 96 mil famílias que têm direito recebem o be-nefício. Por outro lado, os estados de Santa Catarina,Rio Grande do Sul e Paraná estão com mais de 100%de famílias atendidas pelo programa, porque houve re-dução da pobreza e ainda estão incluídas pessoas que

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não teriam mais direito ao benefício (R$ 60,00 por famí-lia, mais R$ 17,00 por filho, até o limite de três filhos).

O cadastramento das famílias em situação de pobre-za exige a participação direta das autoridades locais.Vejamos um exemplo de como isso ocorre de modo aque o programa atinja seu propósito: a Secretaria dePromoção e Assistência Social de Várzea Grande, inte-rior de Mato Grosso, iniciou em julho de 2006 ocadastramento de cerca de 3.600 famílias para recebero Bolsa Família. Técnicos da Secretaria visitaram ascasas das famílias, a partir de uma lista de nomes entre-gues por presidentes de associações de moradores debairro com pessoas que preenchiam os requisitos parareceber o benefício. Com essa lista, 126 bairros foramdivididos em 16 pólos e 18 técnicos da prefeitura visita-ram as casas para preencher os cadastros. Para evitarque os técnicos chegassem nas casas e seus moradoresnão estivessem, foi realizada uma reunião prévia parainformar o dia e a hora em que ocorreria o cadastramento,além de esclarecer as famílias sobre os documentosnecessários. Ou seja, é necessário um envolvimento dasautoridades locais com suas respectivas comunidadespara que o programa funcione.

Desde o início do Bolsa Família a imprensa tem feitouma marcação cerrada em torno do tema do cadastra-mento e da concessão de benefícios a pessoas que nãose enquadram nos critérios do programa. No início, essafoi, provavelmente, a forma como o Bolsa Família maisapareceu na mídia. De um modo geral, a concessão irre-

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gular de benefícios deve-se a dois fatores: problemas deatualização de cadastro e irregularidades envolvendo aesfera local do poder público. Esse problema continua aexistir, embora já tenha sido consideravelmente reduzido.

Em julho de 2006, por exemplo, a prefeitura de Curitibaanunciou a suspensão, por oito dias, de 187 servidorespor terem passado de 90 dias a um ano e três mesesrecebendo dinheiro do Bolsa Família sem ter direito aoprograma do governo federal. O procurador-geral domunicípio, Ivan Bonilha, determinou que os servidoresdevolvessem o dinheiro ao caixa do programa, antes mes-mo de ordem judicial. A fraude foi descoberta por meiode uma investigação que começou em fevereiro de 2005,quando os benefícios foram suspensos. A investigaçãochegou a casos de funcionários beneficiados que rece-biam até R$ 2.000,00 de salário por mês. Mas a maioriaganhava de R$ 350,00 a R$ 600,00 mensais. Segundo oprocurador, o número de dependentes foi examinado ese confirmou que a renda mensal do grupo superava oscritérios do programa. Quando houve a irregularidade,a referência da renda era de R$ 100,00.

Em uma nota divulgada no dia 10 de julho de 2006,o MDS informou que 50 mil cadastros do Bolsa Famí-lia poderiam ser cancelados até o final daquele mêsdevido a suspeitas de duplicidade na folha de paga-mento de junho. O ministério ressaltou, porém, queessas duplicidades não significam, necessariamente,a ocorrência de fraudes, podendo se tratar de ocor-rência de homônimos. O MDS rebateu a notícia

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publicada na imprensa de que o Bolsa Família estariasendo pago para pessoas já mortas. Segundo a nota,a morte do responsável pelo recebimento do benefí-cio não implica o seu cancelamento, uma vez que eleé destinado à família, e não a uma pessoa específica.Nesse caso, a família deve procurar a prefeitura parasubstituir o responsável legal, mas pode continuar uti-lizando o cartão até que seja emitido um novo, emnome do responsável substituto.

Desde 2004, o ministério implantou procedimentospara a identificação de duplicidades e medidas de con-trole com o objetivo de evitar os pagamentos irregula-res. Segundo o MDS, esses procedimentos levaram aocancelamento de 562.351 benefícios do Bolsa Família(até junho de 2006), em função de duplicidades, mu-dança na situação socioeconômica das famílias e saí-das voluntárias. Outros 50 mil benefícios, no mesmoperíodo, estão bloqueados para verificação. Casos deduplicidade ocorrem, segundo o MDS, em função defalhas no fornecimento de informações quando docadastramento das famílias, em especial nos cadas-tros de programas remanescentes, como o Bolsa Es-cola e o Auxílio Gás, que estão sendo unificados noBolsa Família. Entre setembro de 2005 e março de2006, foram cancelados 974.120 benefícios do BolsaEscola e 1.634.268 benefícios do Auxílio Gás.

Há ainda um outro tipo de exigência para assegurara continuidade do benefício. Os beneficiários do BolsaFamília devem fazer avaliações de saúde regulares,

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para verificar o peso e medir a altura, entre outros tes-tes. Se deixar de cumprir as exigências nas áreas deeducação, saúde, e de manter o cadastro atualizado naSecretaria de Assistência Social, a família pode per-der o benefício instituído pelo programa. Após um pro-cesso de recadastramento feito entre beneficiários emtodo o país, o governo federal cortou o Bolsa Famíliapara 562.351 famílias em todos os estados. Nos casosem que ocorre o bloqueio, ainda é possível a retomadado benefício. A exclusão pode ser revertida se ocor-reu algum erro no repasse de informações. Há tam-bém casos de exclusão motivados por melhoria da con-dição das famílias – o que é, aliás, o objetivo final doprograma, a saber, a emancipação das pessoas da aju-da governamental para sobreviver.

importância do pro-grama é perceptível

quando se conhece um pou-co mais de perto a realidadede quem vive em extremapobreza. Exemplo é MariaLília Sodré Nunes, de 45anos, mãe de quatro filhos,dos quais dois recebem oBolsa Família. ‘Essa ajuda,que o governo (federal) estádando, é pouca, mas serve.

O pouco que vale muito

“A Pior é não se ter nada paragarantir o pão de cada dia’,afirmou ontem a dona-de-casa Maria Lília. Desempre-gada e separada do marido,ela é a chefe de uma famíliaque mora num dos lugare-jos mais insalubres da Ilhade São Luís, a área da Cam-boa, repleta de palafitas, ca-sebres de madeira erguidossobre manguezais.

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EM BUSCA DE PORTAS DE SAÍDA

Pode parecer um paradoxo, mas não é. O principalobjetivo do Programa Bolsa Família é justamente fa-zer com que seus beneficiados deixem de sê-lo. Essaé uma tarefa para muitos anos e não apenas para umprograma isolado. Promover o desenvolvimento socioe-conômico de famílias em estado de insegurança ali-mentar, gerar trabalho e renda, devolver ou mesmo criaruma dignidade capaz de levar a algo que possa serchamado de cidadania. Esse é o caminho para a saídado Bolsa Família. O caminho de entrada é bem conhe-cido: décadas – e mesmo séculos – de uma políticapatrimonialista, de apropriação privada do Estado, deconcepção da política como balcão de negócios e de

Luciana Silva de Carva-lho, uma jovem de 23 anosde idade, contou que é mãesolteira e trabalha como co-zinheira para sustentarseus dois filhos. Um deles,há mais de um ano, recebeo Bolsa Família. Ela morana rua dos Veleiros, naCamboa, onde um grupo decarpinteiros constrói embar-cações artesanais, às mar-gens do rio Anil. No outrolado da cidade, Marize Batis-

ta, de 30 anos, tambémmora em casebre, na áreapalafitada do bairro SãoFrancisco, nas proximida-des da Lagoa da Jansen eda praia da Ponta d´Areia.‘Dois de meus três filhos re-cebem o Bolsa Família.Para mim, isto é uma bên-ção’, salientou.”

(Jornal Pequeno,São Luís, Maranhão –

agosto de 2006)

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exclusão da imensa maioria da população não apenasdo mercado produtivo, mas de um sentimento mínimode pertencimento a uma comunidade, a algo que me-reça o nome de país.

Após superar a meta de 11 milhões de famílias be-neficiadas, o MDS passou a investir na atualização decritérios para atender um número mais amplo de pes-soas, na incrementação do valor do benefício e na con-solidação das chamadas “portas de saída” da pobreza.O objetivo estratégico é construir políticas que possamefetivar a transição da situação de dependência emrelação aos programas de transferência de renda paraum estágio sustentável de inclusão social que combineparticipação no mercado de trabalho com garantia dedireitos. Uma das medidas adotadas foi o aumento, emabril de 2006, de R$ 100,00 para R$ 120,00 do limitede renda para a inscrição das famílias no programa.Considerando que a renda foi desgastada pelo proces-so inflacionário, o MDS pretendeu manter comoparâmetro os mesmos níveis adotados em 2003, quan-do o programa foi criado.

Essa atualização também levou em conta os dados daPNAD de 2004, do IBGE, que apontaram uma redução daquantidade de famílias em estado de miséria. Mesmocom a atualização do limite para R$ 120,00, o movimen-to de melhoria na renda dos mais pobres deve resultar,segundo avaliação do MDS, numa redução de 100 milfamílias atendidas pelo programa – de 11,2 para 11,1milhões. A expectativa do MDS é investir até R$ 8,3 bi-

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lhões no programa em 2006. O ministério também pro-pôs ao governo um acréscimo no valor do benefício, deum pouco mais de 10% (quem hoje recebe R$ 15,00 pormês passaria a ganhar R$ 17,00, e os benefícios parafamílias que recebem R$ 95,00 seriam reajustados paraR$ 107,00). Outra medida em implementação é o aten-dimento diferenciado para diferentes perfis de pobreza.

O MDS aposta na segmentação de mecanismos paraatender diferentes perfis de pobreza, identificados tan-to na PNAD como em pesquisas feitas com as famíliasatendidas pelo programa. Essas pesquisas constata-ram que há um grupo de famílias em situação de po-breza estrutural, com baixa escolaridade, habitaçãoprecária e saneamento precário, geralmente chefia-das por mulheres. Há ainda as famílias novas, forma-das a partir de outras famílias de baixa renda. E háum outro grupo de famílias, mais estruturadas, quetêm alguma renda e são atendidas com o benefíciovariável de R$15,00 por possuírem crianças na esco-la. O atendimento diferenciado, considerando tais di-ferenças, passaria, inclusive, pela definição de tem-pos-limite para a permanência no programa. Aconcretização dessa idéia depende da agilidade naatualização dos dados do Bolsa Família.

Neste contexto, o MDS avalia que o programa podepassar a atender famílias com filhos até a finalização doensino médio e famílias sem crianças durante um perío-do entre cinco e dez anos. Após esse período, as pesso-as seriam incluídas em políticas públicas voltadas para a

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garantia de direitos e para a sua inserção no mercadode trabalho, condições que construiriam as chamadas“portas de saída” da pobreza. Para que essas portas desaída se tornem mais largas, o Bolsa Família começou ase integrar com políticas públicas de outras áreas, comoo Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar (Pronaf), por exemplo. Há famílias recebendoo financiamento orientado para pessoas de mais baixarenda, com o objetivo de criar condições para o seu de-senvolvimento no campo.

Segundo o secretário de Agricultura Familiar do Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Valter Bianchini,há uma coincidência entre o público do Bolsa Família e odo Pronaf. Há cerca de 800 mil famílias beneficiárias doBolsa Família e, ao mesmo tempo, dos créditos do Pronaf.A coincidência encontra uma explicação na realidadesocial do país. Atualmente, existem cerca de 4 milhõesde famílias de agricultores familiares, das quais 1,6 mi-lhão estão na linha de pobreza. Dos 72 milhões de brasi-leiros que vivem em situação de insegurança alimentarleve (PNAD-IBGE 2004), cerca de 15,4 milhões de pessoasvivem no meio rural. E dos 14 milhões de brasileiros emsituação de insegurança alimentar grave aproximadamente3,5 milhões residem na zona rural. Uma outra porta desaída no campo está associada à produção de biodiesel,óleo extraído da plantação de mamona. A idéia é que asfamílias beneficiadas pelo Bolsa Família recuperem aautoconfiança ao desenvolver atividades produtivas quepodem levar à sua emancipação.

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Outro desafio, neste mesmo contexto, é a integraçãono mercado de trabalho dos jovens das camadas maispobres e com menor índice de escolarização. Segundodados do IBGE, o índice de desemprego entre pessoascom nível superior é de 5%; entre pessoas com ensinomédio é de 12% e entre aquelas que possuem apenas oensino fundamental sobe para algo entre 20% e 30%.Fazer com que esta última faixa diminua é um dos prin-

mentos no futuro próximoe quando ocorrem arran-jos domésticos para queos alimentos durem mais.INSEGURANÇA

ALIMENTAR MODERADA

Ocorre quando há o com-prometimento da qualidadeda alimentação, buscandomanter a quantidade neces-sária. Neste nível de inse-gurança, inicia-se a redu-ção da quantidade de ali-mentos entre os adultos.INSEGURANÇA ALIMENTAR GRAVE

Ocorre quando há a restri-ção da quantidade de ali-mentos, levando à situa-ção de fome entre adultose crianças.

pesquisa do IBGE, base-ada na PNAD 2004, pro-

duziu, pela primeira vez, in-formações sobre a condi-ção domiciliar de seguran-ça alimentar em âmbito na-cional, utilizando a EscalaBrasileira de InsegurançaAlimentar (EBIA) para classi-ficar os domicílios em qua-tro categorias: segurançaalimentar (SA), insegurançaalimentar leve (IA leve), in-segurança alimentar mo-derada (IA moderada) e in-segurança alimentar grave(IA grave).INSEGURANÇA ALIMENTAR LEVE

Ocorre quando há preocu-pação com a falta de ali-

A Escala da Insegurança Alimentar

A

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cipais desafios do Bolsa Família e do conjunto de políti-cas públicas associadas a ele. É o desafio de construirum círculo virtuoso, integrando políticas emergenciaiscom outras de caráter estruturante.

Uma dessas políticas estruturantes que podepotencializar o Bolsa Família é o Plano Nacional deReforma Agrária, que, apesar de suas limitações orça-mentárias, é a ferramenta mais poderosa para concreti-zar na vida das pessoas o princípio da segurança ali-mentar. Trata-se de uma política que não se esgota namera distribuição de terras, mas que articula um con-junto de iniciativas que colocam no centro do debate opróprio conceito de modelo de desenvolvimento (con-forme procuraremos mostrar no Anexo 2 “Uma agendarecuperada”, texto que resultou dos debates preparató-rios à Conferência Internacional de Reforma Agrária,promovida pela Organização das Nações Unidas para aAgricultura e Alimentação-FAO, em março de 2006, emPorto Alegre).

O FINANCIAMENTO DO ESTADO EM QUESTÃO

Entre os desafios enfrentados pelo programa está otema de seu financiamento, um tema que diz respeito,entre outras coisas, ao próprio conceito de Estado. Hádefensores do Bolsa Família mesmo entre profissionaisdo mercado financeiro. No início de maio de 2006, porexemplo, a diretora para a América Latina da agênciade classificação de risco Standard & Poors, Lisa

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Schineller, disse em Nova York que a manutenção doprograma “será um desafio crucial para o próximo go-verno, não importa quem ganhe a eleição”15. Schinellerclassificou o Bolsa Família como “um programa muitoimportante em termos de desenvolvimento humano, muitobem estruturado e que ainda representa uma parte pe-quena dos gastos do governo”. Com um orçamento deR$ 8,3 bilhões para 2006, o Bolsa Família deve benefi-ciar cerca de 44 milhões de brasileiros de baixa renda.Mas a sua receita para o futuro do programa está longede ser consensual. “Para preservar o Bolsa Família emanter suas contas equilibradas, o próximo governo teráque cortar em outras áreas, como os salários do funcio-nalismo público e a previdência”, defendeu a diretorada agência.

Essa é a receita clássica do mercado em tempos deneoliberalismo. Uma receita paradoxal e contraditória.É paradoxal porque ao mesmo tempo que diz se tratarde “um programa muito importante para o desenvolvi-mento humano” sustenta que sua continuidade dependede cortes de gastos públicos em outras áreas vitais, comoé o caso dos salários dos servidores. E é contraditórioporque admite que o programa ainda representa umaparte pequena dos gastos do governo, mas defende queo futuro do programa exige cortes que têm repercus-sões para a implementação de políticas sociais de com-bate à fome e à pobreza. Sendo assim, cabe perguntar:um programa como o Bolsa Família pode ser implemen-tado, como uma política eficaz de redução de desigual-

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dades sociais, com soluções clássicas de mercado? Oque significa o conceito de eficácia neste contexto?Como se mede a eficácia de um programa social comoo Bolsa Família? Essas serão algumas das outras ques-tões que tentaremos responder ao longo deste livro.

Como se deve contabilizar, por exemplo, a contribui-ção do Bolsa Família para a redução do trabalho infantilno país? Segundo a PNAD, o Brasil retirou, entre 2002 e2004, quase meio milhão de crianças do trabalho infan-til. Ocorreu uma redução de 2.988.294 (2002) para2.574.717 (2004) no número de crianças de 5 a 15 anosno trabalho. Seria uma leviandade, obviamente, atribuiresse avanço fundamentalmente ao Bolsa Família, masparece inegável que a estrutura integrada de políticassociais tem algo a ver com isso. É o caso, por exemplo,da integração do Bolsa Família com o PETI, que, segun-do dados do MDS, atende cerca de 1 milhão de criançase adolescentes no país.

O resultado desse tipo de programa revela suapotencialidade quando se analisam períodos ainda maislongos. Ainda no terreno do trabalho infantil, o Brasilconseguiu uma redução de 60,9% na faixa etária de 5 a9 anos, de 1992 a 2004. A taxa de atividade entre 10 e17 anos caiu 36,4% no mesmo período. Esses dadosfazem parte do relatório divulgado no dia 4 de maio de2006 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).Segundo o documento, “com esses resultados o Brasil éconsiderado, juntamente com a China, um exemplo deque a eliminação do trabalho infantil é possível”. Entre

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os fatores que permitiram os avanços brasileiros, a OIT

destacou a ampliação do acesso ao ensino. Em 2004,97,1% dos jovens entre 7 e 14 anos estavam matricula-dos no ensino fundamental. No ensino médio as matrí-culas têm crescido cerca de 10% ao ano desde 1995,“taxa provavelmente sem paralelo” em qualquer outropaís, diz a OIT. O relatório afirmou ainda que “o ritmo deeliminação do trabalho infantil aumenta quando as es-tratégias abrem janelas de oportunidades aos pobres”.

A ABERTURA DE NOVAS JANELAS

Abrir janelas de oportunidades para a população po-bre. Essa é uma boa síntese do espírito do ProgramaBolsa Família. Infelizmente, desde seu lançamento, oprograma não teve, por parte da mídia brasileira, umacobertura preocupada em constatar se essas janelasestavam, de fato, se abrindo. A maior parte das maté-rias tratou de destacar irregularidades na execução doprograma, como o recebimento de benefícios por pes-soas não habilitadas a tal. O impacto do programa sobreo seu público-alvo recebeu bem menos destaque. Curio-samente, as melhores matérias neste sentido vieram doexterior. Um caso paradigmático sobre isso foi a repor-tagem publicada pela revista The Economist, em suaedição de 27/09/200516.

“Os governos democráticos da América Latina co-meçaram a produzir grandes e inovadores esforços paratratar da pobreza”, afirmou a respeitada revista inglesa

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de economia e política. Esses esforços, acrescentou,“se baseiam em programas que oferecem às famíliaspobres pagamentos em dinheiro mediante a condição,por exemplo, da manutenção das crianças na escolaou da realização de exames de saúde com regularida-de”. A The Economist citou dois programas: umimplementado no México e o Bolsa Família, no Brasil.A matéria intitulada “Pobreza na América Latina –Nova abordagem sobre um problema antigo” teve pou-ca repercussão no Brasil, limitando-se a rápidas cita-ções em alguns jornais. Muito pouca gente ficou sa-bendo, por exemplo, do impacto que o Bolsa Famíliateve na vida da família de Maria Rita Albino da Silva,para quem os R$ 120,00 recebidos por mês “fazem adiferença entre ter quase nada e o suficiente para co-mer”, conforme relatou a publicação.

Em dezembro de 2005, o presidente do Banco Mundi-al, Paul Wolfowitz, visitou famílias de uma comunidadepobre de Brasília (a comunidade do Varjão), que rece-bem o Bolsa Família. Segundo relato da assessoria decomunicação do Banco Mundial17, Dinalva Pereira deMoura, uma das beneficiárias, deu o seguinte testemu-nho durante a visita:

“Este programa foi uma coisa maravilhosa para

mim e para minha família. Tenho três filhos e meumarido está desempregado. O Bolsa Família me aju-

da a comprar comida. Às vezes até dá para comprar

frutas para as crianças. Meus filhos sabem que

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quando a gente recebe o dinheiro eles terão mais

para comer, e assim ficam bastante contentes. Eles

também não deixam de ir à escola, pois sabem que odinheiro depende disso”18.

E o presidente do Banco Mundial comentou:

“Antes de tudo estou impressionado com as difi-

culdades pelas quais passam essas pessoas, comotrabalham duro, e o esforço que fazem para ter uma

dignidade tão alta em face das circunstâncias. É muito

comovente. É bom saber que o Programa Bolsa Fa-mília tornará suas vidas um pouco menos sofridas.

Mas, com todos os benefícios do programa, aindaassim essas pessoas vivem uma vida muito difícil.

Isto enfatiza como é importante ajudar o Brasil a criar

empregos, melhores oportunidades para que possamter a vida que sonharam para seus filhos”19.

O Bolsa Família é apontado como o maior da novageração de programas sociais da América Latina, ba-seado no princípio da “transferência condicional de di-nheiro” (CCT, sigla em inglês para Conditional CashTransfer). A condicionalidade, aqui, refere-se àscontrapartidas exigidas nas áreas de educação e saúde,principalmente. Comparada com a maioria dos progra-mas de assistência social, a transferência condicionalde dinheiro está muito mais próxima da população po-bre por não se limitar ao sistema formal de empregos,

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que exclui a imensa maioria dos mais pobres, conformeavaliou Kathy Lindent, do Banco Mundial. O custo des-se tipo de programa, destacou ainda a The Economist,é relativamente modesto:

“o Bolsa Família do Brasil custa ao governo fede-ral 0,36% do PIB, muito menos do que o sistema de

previdência social. A transferência não se limita a dar

dinheiro para os pobres, mas também serve como in-centivo ao uso dos serviços governamentais”20.

Mas o programa também tem seus críticos, que con-sideram esse volume de recursos insuficiente e apon-tam a necessidade de avançar na direção de políticasque produzam dinâmicas de geração de emprego e dedesenvolvimento. Críticos como o cardeal arcebispo deSão Paulo, dom Cláudio Hummes, que considera o Bol-sa Família um programa meritório como propostaemergencial de assistência social, mas insuficiente comopolítica de geração de empregos. Ou como o economis-ta Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Uni-versidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp), que nãoé exatamente um crítico do programa, mas sim do volu-me de recursos alocado a ele. Em um seminário realiza-do em janeiro de 200621, no Rio de Janeiro, Pochmannresumiu assim sua crítica:

“O Brasil está jogando fora oportunidades. En-

quanto usamos 0,3% do nosso PIB para o Bolsa

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Família, gastamos 150 bilhões de reais com o paga-

mento da dívida. Se compararmos com a área eco-

nômica, nosso governo não tem coordenação naárea social. Não sabemos quais as metas para o setor,

quantos brasileiros queremos retirar da pobreza”.

Na linha da argumentação de Pochmann, o que osdefensores da prioridade absoluta do ajuste fiscal nãolevam em conta (ou desprezam) é que a redução dapobreza, em níveis significativos, é uma exigênciainadiável. Segundo um estudo divulgado pela Organiza-ção das Nações Unidas (ONU), no dia 3 de julho de 2006,a América Latina progride a um ritmo muito mais lentoque a maioria das outras regiões em desenvolvimentona direção do cumprimento dos Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio. Esse atraso, segundo o estudo, evi-dencia-se principalmente na luta contra a redução dosíndices de pobreza extrema. Na América Latina, diz aONU, a pobreza – medida pela proporção de pessoasque vivem com até 1 dólar por dia – só caiu de 11%para 9%, de 1990 para cá.

Embora reconhecendo limites, os defensores do pro-grama argumentam que ele é sim capaz de gerar dinâ-micas com impactos de médio e longo prazo nesta dire-ção. Cabe então tentar aprofundar um pouco mais essedebate, investigando quais são os resultados daimplementação do programa na vida das famílias bene-ficiadas e nas economias de suas comunidades. Infeliz-mente, não há ainda um debate amplo, de domínio públi-

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co, sobre esse tema. A maneira superficial e contami-nada eleitoralmente como ele é feito através da mídia éum claro indício dessa ausência.

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III – UM DEBATEESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

O tema da importância e da paternidade do Bolsa Fa-mília já gerou muitos discursos esquizofrênicos na mídia eno debate público. Ora o programa é atacado como umapolítica assistencialista e insuficiente, ora sua paternidadeé reivindicada para o governo Fernando Henrique Car-doso. Até o senador Antônio Carlos Magalhães já reivin-dicou a paternidade do programa. E há quem defendaque o programa deve ser visto como um patrimônio nacio-nal, sem reivindicações particulares de paternidade. É ocaso do jornalista Gilberto Dimenstein, que, em artigo pu-blicado na Folha de S.Paulo de 02/07/2006, intitulado “Lulaameaça o Bolsa Família?”, defendeu que, “para sobrevi-ver, o programa teria de ser visto como um patrimônio na-cional, e não como marca pessoal de Lula”. Dimensteinreconhece que o Bolsa Família é “o plano mais importantedestinado a reduzir a pobreza já criado em toda a históriado Brasil”. Mas defende uma tese exótica: “o presidenteLula é um de seus principais responsáveis e, ao mesmotempo, uma de suas principais ameaças”.

O “risco-Lula”, segundo Dimenstein, é a explora-ção eleitoral do programa, o que ameaçaria sua so-

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brevivência no futuro. Todas as pesquisas eleitoraismostram, reconhece o jornalista, que o Bolsa Famíliaé um dos fatores responsáveis pelo índice de aprova-ção do governo Lula. Diante disso, o presidente de-veria se abster de qualquer vínculo de seu governocom o êxito do programa. Segundo Dimenstein, apaternidade do programa deve ser reconhecida demodo coletivo. Ele escreve:

“Suas origens são as mais variadas e englobam

os principais partidos, como PSDB [Partido da Soci-

al Democracia Brasileira], PT [Partido dosTrabalhadores]e PFL [Partido da Frente Liberal].

Cristovam Buarque, então no PT, e José RobertoTeixeira (PSDB) lançaram experiências semelhantes

de renda mínima, respectivamente, em Brasília e

Campinas. Essas experiências localizadas se expan-diram, graças, em parte, ao fato de que Antônio

Carlos Magalhães criou um fundo, no Congresso,

que drenou recursos para o Bolsa Escola, assumi-do pelo então presidente Fernando Henrique Car-

doso, cujos assessores estudavam a junção de to-

das as bolsas em torno da família”.

Dimenstein reconhece que “Lula ampliou e melhoroua consistência desses programas”. Para o jornalista,

“Seria tão desonesto não reconhecer esse mérito

como deixar de ver que o Bolsa Família é uma he-

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rança positiva que ele recebeu de FHC. Se todos

fossem reconhecidos e o programa virasse um pro-

jeto de nação, um patrimônio coletivo, o mérito deLula, no futuro, seria ainda maior”.

Ele também menciona outros nomes que deveriamreceber crédito pelo êxito do programa:

“Agop Kayayan e Jorge Werthein, que coman-daram, respectivamente, Unicef e Unicef [sic], pa-

trocinaram avaliações do Bolsa Escola e as divul-

garam dentro e fora do Brasil, ajudando a dar-lhe acredibilidade necessária para ganhar escala nacio-

nal. O sociólogo Vilmar Faria, já morto, foi o grandepensador e construtor de um plano de prioridade

às famílias dentro do governo FHC, ao lado de Ruth

Cardoso. Como professor da USP [Universidade deSão Paulo] e da Unicamp [Universidade Estadual

de Campinas], ele influenciou muitas das pessoas,

algumas do PT, que estiveram direta ou indiretamentebuscando a sofisticação do assistencialismo”22.

O problema do argumento de Dimenstein é que ele,ao defender o necessário reconhecimento do históricode programas sociais no Brasil – história que não nas-ceu com o governo Lula –, dilui fortemente a importân-cia do que foi feito no atual governo. Se é certo dizerque os programas sociais não nasceram em 2003, tam-bém o é reconhecer que eles tiveram um forte impulso

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neste período, alcançando resultados inéditos até então.O que os números mostram – e aqui não se trata deuma questão de opinião – é que o atual governo deuuma ênfase muito maior à questão do combate à fome eà luta pela diminuição da pobreza e da desigualdade so-cial. Como se não bastassem os números de pesquisasque constatam os resultados desta maior ênfase, os prin-cipais adversários políticos do governo Lula atestam ereconhecem a importância do Bolsa Família ao defen-der a sua manutenção e ampliação.

Vale a pena ler o que algumas das pessoas citadaspelo jornalista já escreveram sobre o Bolsa Família.Tomemos o caso do senador Cristovam Buarque (Par-tido Democrático Trabalhista, PDT-DF), em um artigointitulado “Família-Bolsa” e publicado no final de outu-bro de 2005:

“O governo Lula mudou tudo isso [referindo-se

ao programa Bolsa Escola]. Substituiu Escola por

Família, retirou a execução do programa do MEC

[Ministério da Educação], transferindo-a para a

assistência social, dando-lhe um perfil totalmente

diferente do objetivo educacional. O próprio pre-sidente, na comemoração do segundo aniversário

da Bolsa Família, afirmou que não importa se o pro-

grama é assistencialista ou não. Importa sim. Aogarantir educação, a Bolsa Escola é um investimen-

to que emancipa, ao passo que a Bolsa Família é o

custo de manter a família na pobreza. Os filhos das

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UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

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crianças que receberam Bolsa Escola não vão pre-

cisar dessa ajuda. Os filhos dos filhos da Bolsa

Família continuarão dependendo dela. A Bolsa Es-cola permitia às famílias um ‘subir na vida’; a Bolsa

Família garante-lhes apenas o ‘continuar vivas’. Por

isso, elas terminarão conhecidas como Famílias daBolsa, permanentemente dependentes”.

AUMENTO DA FREQÜÊNCIA ESCOLAR

Não é correta a informação do senador CristovamBuarque que acusa o Bolsa Família de estar desvinculadoda questão educacional. Os números mostram que o pro-grama vem tendo um impacto positivo no setor educacio-nal. A porcentagem de freqüência escolar informada, queera de 51% em outubro e novembro de 2004, subiu para61% nos três primeiros meses de 2005. O índice superou,já no primeiro trimestre, a meta de 60% prevista peloMEC para julho daquele ano. De acordo com o resultado,7.970.802 alunos tiveram a freqüência informada ao mi-nistério. O número de escolas que informaram a freqüên-cia foi de 163.378, o que representa 79% do total. Emrelação aos municípios, 96% participaram do levantamen-to. Ou seja, 5.320 prefeituras enviaram informações aoministério sobre a freqüência de seus alunos. Do total dealunos inseridos no programa (12.975.071), 7.795.912registraram freqüência adequada, com mais de 85% depresença, e 174.890 tiveram freqüência abaixo de 85%no primeiro trimestre de 2005.

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Desde outubro de 2004, o MEC colocou à disposiçãodos municípios, na página eletrônica da Caixa Econô-mica Federal, um aplicativo para coleta dos dados dafreqüência escolar registrados pelas escolas e envia-dos às secretarias municipais. O banco de dados abran-ge as famílias beneficiárias do Bolsa Família e rema-nescentes do Bolsa Escola, com as respectivas crian-ças e adolescentes de 6 a 15 anos agrupados por esco-la. Os resultados do acompanhamento da freqüênciaescolar são encaminhados ao MDS para controle. Asrepercussões para as famílias que tiverem alunos combaixa freqüência à escola são, em primeiro lugar, umaadvertência (a família é comunicada quando há a pri-meira ocorrência de não-comparecimento da criançaà escola, ou seja, quando a freqüência fica abaixo de85%). Na segunda ocorrência, o benefício fica blo-queado por 30 dias.

Paradoxalmente menos crítico do que o senadorBuarque, o ex-governador de São Paulo e candidatodo PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin,elogiou o programa e prometeu ampliá-lo, durante umaentrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura,no dia 03/07/2006. Mas, ao mesmo tempo, Alckmincriticou o aumento de gastos públicos, reproduzindo oargumento de adversários do programa. “Nós vamosmanter, vamos ampliar, vamos aperfeiçoar o BolsaFamília. É um bom programa de proteção social”, afir-mou, sem explicar como vai ampliar o programa dimi-nuindo os gastos públicos.

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OS ELOGIOS DA REVISTA VEJA

Após ser várias vezes criticado na mídia, principal-mente em seu primeiro ano de implantação, o BolsaFamília foi conquistando progressivamente matériaselogiosas e de reconhecimento de seu papel na melhoriade vida de milhões de brasileiros. Até a revista Veja,uma ácida crítica do governo Lula, reconheceu que oprograma melhorou a vida de parcela importante dapopulação. “Com o Bolsa Família, Lula ganhou sua armanas urnas. Eleitoreiro ou não, é inegável que o progra-ma melhora a vida de milhões de brasileiros”, diz repor-tagem da revista, em abril de 200623. A revista ouviuvários especialistas e mesmo os mais críticos reconhe-ceram os efeitos positivos do programa na vida das fa-mílias mais pobres, especialmente na vida das crianças.Seguindo uma tendência verificada em outros órgãosde comunicação, Veja também introduziu o tema da pa-ternidade do programa.

Segundo a revista, sem entrar em maiores detalhes, o“avanço começou no governo FHC”. Na verdade, a for-mulação mais sistemática de transferir dinheiro do Es-tado para assegurar uma renda mínima às famílias maispobres começou a circular na sociedade por conta deproposta formulada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), em 1991, como vimos. O senador Cristovam Buarquedefendia proposta semelhante, quando ainda era pro-fessor na Universidade de Brasília (UnB). Buarque foieleito governador do Distrito Federal pelo PT em 1994

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tendo a implementação do programa Bolsa Escola comouma das prioridades de seu governo. Esse programaprevia como contrapartida das famílias beneficiadas afreqüência escolar dos filhos no ensino fundamental. Em1995, o então prefeito de Campinas, José Roberto Ma-galhães Teixeira (PSDB), chegou a implantar um progra-ma similar.

Por uma questão de coerência, Veja poderia ter men-cionado, como fez em relação ao governo Lula, que acriação do Bolsa Escola, no governo FernandoHenrique Cardoso, também teve motivações eleitorais.Foi criado em 1997, com vistas à reeleição do entãopresidente. Segundo o jornalista Nelson Breve, o ex-presidente, para não dar o crédito ao senador Suplicy,determinou que fosse aprovado o projeto do falecidodeputado Nelson Marquezan, que pertencia ao PSDB

na época. “Por trás da iniciativa estava o desejo deencorpar a pré-candidatura do então ministro da Edu-cação Paulo Renato à Presidência da República”24.Conforme a análise de Breve, a expansão dos progra-mas de transferência de renda no segundo mandato deFHC também teve viés eleitoreiro:

“Tanto no patrocínio do senador Antonio Carlos

Magalhães (PFL) para a aprovação do Fundo de

Combate à Pobreza, quanto na criação de um pro-grama semelhante ao Bolsa Escola vinculado ao

Ministério da Saúde, para dar suporte às pretensões

eleitorais do então ministro José Serra: o Bolsa Ali-

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UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

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mentação, que se transformou no Projeto Alvora-

da. Isso para não falar no Vale Gás, criado meses

antes da eleição de 2002 como forma de aliviar ocusto político da liberação dos preços do gás de

cozinha. Já que o assunto é moeda eleitoral, seria

justo que Veja contasse a história completa. O Bol-sa Família rende votos para Lula porque melhora a

vida das famílias pobres. Tudo que melhora a vida

das famílias pobres rende mais votos do que o quemelhora a vida das famílias ricas. É simples”25.

Na avaliação do jornalista, os programas de FHC nãotiveram eficácia eleitoral antes porque eram dispersos enão tinham controle. “A maior parte do dinheiro era re-partida entre cabos eleitorais dos chefes políticos deestados e municípios beneficiados. Passaram a ter al-gum efeito eleitoral quando chegaram a quem realmen-te precisa. E esse efeito eleitoral nem é tão grande as-sim”. E ele acrescenta:

“Se Veja prestasse mais atenção ao que um de

seus entrevistados vem dizendo sobre o assunto,

perceberia que o Bolsa Escola representa poucomais de 20% da cesta de moedas eleitorais do go-

verno Lula. O economista liberal José Márcio

Camargo calcula que cerca de 70% do aumento realde 33% da renda dos mais pobres, ocorrido entre

2002 e 2004, foi por causa da expansão dos empre-

gos e da renda dos trabalhadores”26.

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BOLSA FAMÍLIA

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Na mesma matéria, Veja comete um erro grosseiro.Diz que “até hoje ninguém jamais perdeu o benefíciopor descumprimento das exigências ou qualquer outromotivo”. Não é verdade, registra Nelson Breve:

programas do FomeZero, principalmente

o Bolsa Família, têm recebi-do críticas de algumas pes-soas que tentam desquali-ficá-los tachando-os, equivo-cadamente, de terem carátereleitoreiro, quando, na ver-dade, eles foram estrutu-rados justamente para com-bater e impedir essa prática.Nossos esforços, direciona-dos para consolidar no Bra-sil uma rede integrada deproteção e promoção social,estão referenciados naConstituição da República enas leis sociais que lhe de-ram desdobramento, inclu-sive a lei que instituiu o Bol-sa Família. Não pode seracusado de eleitoreiro um

programa ancorado em tex-to legal votado e aprovadopelo Congresso Nacional.Estamos agindo conformea lei, superando no país afase da ‘lei para inglês ver’,sobretudo aquelas que visa-vam assegurar os direitosdos pobres.

Na mesma linha, proce-demos à implantação doSUAS (Sistema Único de As-sistência Social), que inte-gra o Bolsa Família. As po-líticas sociais saem docampo do clientelismo parao campo das políticas públi-cas normatizadas, com cri-térios, transparência e pres-tação de contas. O SUAS e suaNorma Operacional Básica(NOB) foram construídos num

Um programa dentro da lei e não eleitoreiro

“O

Patrus Ananias, ministro doDesenvolvimento Social e Combate à Fome

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UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

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processo republicano e de-mocrático com todos os go-vernos estaduais e munici-pais e os conselhos de as-sistência social.

O Bolsa Família, além desua base legal e dentro dasdiretrizes do SUAS, vem se con-solidando rapidamente emtodo o país dentro dos mes-mos princípios éticos e derespeito ao pacto federativo.O programa está presenteem todos os estados e mu-nicípios sem qualquer discri-minação político-partidária,somando esforços e recur-sos com os governos esta-duais e municipais que tam-bém desenvolvem progra-mas de renda familiar bási-ca. Agora mesmo estamosatualizando os cadastrosnuma ação conjunta com osdemais entes federados e re-

passando recursos para to-dos os municípios sem qual-quer discriminação.

Todos os que nos debru-çamos sobre a história dosprocedimentos eleitorais noBrasil sabemos que umadas formas constantes decorrupção são as práticasperversas de compra de vo-tos. Pessoas, famílias, co-munidades inteiras que nãoreceberam no passado aatenção e os cuidados de-vidos pelos poderes públi-cos usam as eleições parareceber de candidatosinescrupulosos um poucodaquilo que o Estado nãolhes assegurou na forma dedireitos e políticas públicas.”

(Trecho do artigo “BolsaFamília e eleição”, publica-

do no jornal O Estado deMinas em 08/12/2005)

“De acordo com o MDS, Veja foi informada de que

45 mil famílias tiveram os benefícios cancelados

desde o início do programa até janeiro deste ano. Arevista deixou de informar também que de acordo

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com o último levantamento contabilizado, referen-

te a outubro e novembro de 2005, 76,2% dos alu-

nos (10,2 milhões entre 13,4 milhões atendidos) ti-veram a freqüência escolar informada. Os leitores

não ficaram sabendo que mais de 90% das escolas

(186,2 mil) informaram a freqüência e 97% dos mu-nicípios enviaram os dados exigidos ao Ministério

da Educação. Além disso, foram notificadas 24 mil

famílias cujos filhos não freqüentaram os 85% deaulas exigidos”27.

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UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

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IV – O DESAFIO DA SEGURANÇAALIMENTAR E O DRAMA DA

FOME NO BRASIL

No início do século XXI, cerca de 14 milhões debrasileiros ainda passam fome. Mais de 72 milhõesde pessoas vivem em situação de insegurança ali-mentar. Ao mesmo tempo, o país desperdiça cerca deR$ 12 bilhões todos os anos com alimentos que vãoparar no lixo.

Desde seu início, o Bolsa Família convive com críticasque pretendem apontar seu caráter compensatório eassistencialista. Embora reconhecendo avanços concretosna melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros(a simples presença de mais alimentos na mesa, por exem-plo), é preciso, dizem esses críticos, criar as condições paraque programas compensatórios não sejam a única maneirade o Estado relacionar-se com a vida concreta e as neces-sidades materiais e simbólicas das pessoas que mais so-frem do grande problema a que a fantasia liberal não res-ponde: a exclusão e sua filha, a barbárie. Antes de entrarneste debate, vale a pena lembrar um pouco a dimensão doproblema da fome e alguns dos desafios que devem sersuperados para a sua erradicação.

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Os programas e ações do governo que fazem partedo guarda-chuva de políticas de combate à fome talvezpudessem ser chamados de temas proibidos. Assimcomo a fome fora tomada, por Josué de Castro, desdeos anos 1940, como tema proibido, os programas volta-dos exclusivamente a esse mal ocupam hoje o lugar deinterdito. E tudo se passa como se as tais condições queevitariam a resignação das políticas compensatórias fos-sem dadas de barato, visto que evidentes. Trata-se deuma arrogância que anda de mãos dadas com uma boadose de desinformação.

Um dos textos que Josué de Castro não pôde con-cluir em vida tinha o projeto de chamar-se “Geografiado desespero”. Nas duas últimas décadas, duas idéiasdominaram o cenário econômico global e o debate so-bre o papel das políticas públicas: o vigor da economiade mercado e sua suposta capacidade auto-regulatória– cujo sinônimo incongruente é a desregulação legal – ea impotência e a ilegitimidade do Estado em ser mais doque um mero gerente administrador dos interesses des-se vigor. Dois aspectos de alguns fracassos esquecidostambém merecem registro: o excedente de pessoas jo-gadas na vala da exclusão e o avanço da barbárie soci-al, com a alarmante violência nas sociedades. A parti-ção entre o sucesso e o fracasso ganha uma nitidez quetalvez merecesse uma “geografia” nova. Do desespe-ro, como sugeriu Castro. E só acha exagerada essa pa-lavra quem avalia que os números a seguir representamuma questão secundária.

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OS NÚMEROS DA BARBÁRIE

Cerca de 14 milhões de pessoas convivem com a fomeno país e mais de 72 milhões de brasileiros estão em

guerra e a fome cons-tituem na hora atual

as duas maiores ameaçasque pesam sobre nossomundo. Se a ameaça daguerra é, na aparência,mais grave porque podeconduzir ao extermínio totalda espécie humana, é, noentanto, uma ameaça empotencial que pode ser con-tornada. A fome, no entanto,não é somente uma amea-ça em potencial; ela é umacalamidade já em ação, umflagelo que vem destruindo edegradando o potencial hu-mano representado por doisterços da humanidade”. (Ad-vertência feita em 1954 porJosué de Castro, médico,antropólogo, sociólogo, di-plomata e autor do clássicoGeografia da fome).

“O subdesenvolvimento éproduto da má utilização dosrecursos naturais e huma-nos realizada de forma anão conduzir à expansãoeconômica e a impedir asmudanças sociais indis-pensáveis ao processo deintegração dos grupos hu-manos subdesenvolvidosdentro de um sistema eco-nômico integrado. Só atra-vés de uma estratégia glo-bal de desenvolvimento, ca-paz de mobilizar todos osfatores de produção no inte-resse da coletividade, pode-rão ser eliminados o subde-senvolvimento e a fome nasuperfície da terra”. (“A ex-plosão demográfica e afome no mundo”, texto publi-cado na revista Civilità delleMachine, 1968, Roma).

O desafio da fome

“AJosué de Castro

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situação de insegurança alimentar. Ou seja, dois em cadacinco brasileiros não têm garantia de acesso à alimenta-ção em quantidade, qualidade e regularidade suficien-tes. Essas informações fazem parte de uma pesquisasobre segurança alimentar no país, divulgada no dia 17de maio deste ano pelo IBGE28. Segundo o estudo, queutiliza os dados da PNAD de 2004, crianças, negros emoradores das regiões Norte e Nordeste são os gruposque mais sofrem com restrições na alimentação. A gra-vidade do problema se expressa tanto pelo grande nú-mero de pessoas que convivem com a fome – cerca de14 milhões de brasileiros – como pelo número aindamaior de pessoas, quase 40% da população, que nãosabem se terão dinheiro para repor a comida que têm.

Por outro lado, a pesquisa indica que cerca de 109milhões de pessoas, cerca de 60% dos brasileiros, vi-vem em domicílios considerados em condições de segu-rança alimentar. Trata-se de residências onde há aces-so regular e permanente a alimentos de qualidade, emquantidade suficiente e sem que para isso sejam com-prometidas outras necessidades essenciais, como, porexemplo, saúde e educação. O estudo do IBGE tambémconstatou que cerca de 18% da população vivem emcondições de insegurança alimentar leve, 14,1% em in-segurança alimentar moderada, e 7,7% se enquadramna categoria de insegurança alimentar grave, caracteri-zada pela experiência de fome na família pelo menosuma vez em um período de 90 dias (ver box no capítuloII). A região Nordeste é a que apresenta o perfil mais

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preocupante de insegurança alimentar. Cerca de 60%da população nordestina não têm garantia de acesso àalimentação em quantidade e regularidade suficientes.

Mais da metade dos cerca de 14 milhões de brasilei-ros considerados em situação de insegurança alimentargrave vivem na região Nordeste. Segundo a pesquisado IBGE, 14,4% dos nordestinos convivem com a fome.Esse número equivale ao dobro da média nacional, queestá na casa dos 7,7% (de acordo com os dados da PNAD

2004). No outro extremo está a região Sul, que apre-sentou os menores índices de insegurança alimentar.Nesta região, o percentual de pessoas que conviveramcom a fome no período considerado pela pesquisa foi de3,7%. A região Norte apresentou resultados semelhan-tes aos do Nordeste, com 13,2% da população vivendoem situação de insegurança alimentar grave. Segundo aavaliação da coordenadora de Trabalho e Rendimento doIBGE29, Márcia Quintslr, Norte e Nordeste constituem umbloco diferenciado em relação ao resto do país, confir-mando sua condição socioeconômica desfavorável.

Pela pesquisa, o estado campeão da insegurança ali-mentar foi o Maranhão, com um índice de 69,1%, sendo18% de insegurança alimentar grave. Segue-se Roraima,com 68,7% de domicílios com insegurança alimentar e15,8% com insegurança alimentar grave. O Piauí regis-tra 63,5% e 10,8% e o Rio Grande do Norte 60,4% e13,9%, respectivamente. No extremo oposto, SantaCatarina é o estado mais bem situado em termos ali-mentares, segundo o IBGE. Apresenta 16,5% de domicí-

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lios com insegurança alimentar e 2% com insegurançaalimentar grave. O segundo colocado é São Paulo, com24,2% e 3,4%. Seguem-se o Rio Grande do Sul, com24,8% e 4%, e o Distrito Federal, com 24,9% e 4,1%.Sergipe, o estado Nordestino mais bem colocado, apa-rece em sexto lugar no plano nacional.

Realizado a pedido do MDS, o estudo do IBGE tambémapontou que mais da metade das crianças brasileirasaté 5 anos de idade estão vivendo em situação de inse-gurança alimentar. Na região Nordeste, o quadro é ain-da mais grave, com cerca de 17% das crianças nessafaixa etária passando fome. O estudo também compro-vou que a insegurança alimentar e a fome atingem maisduramente a população negra. O índice de insegurançaalimentar grave entre pessoas pardas e negras atinge11,5%. Entre a população branca, cai para 4,1%. E oquadro também se agrava no meio rural, onde o índicede pessoas vivendo com problemas de alimentação é de49,9%, contra 37,7% nas áreas urbanas. Cerca de 3,4milhões de pessoas convivem com a fome nas áreasrurais do país.

Esses números indicam a estreita relação entre de-sigualdade e discriminação no Brasil. Em 2004, maisda metade da população preta ou parda (52,3%) resi-dia em domicílios sob risco de conviver com a fome.Entre os brancos, esse percentual era de 28,1%. Das87,4 milhões de pessoas que se declaram pretas oupardas, 45,6 milhões estavam sujeitas à insegurançaalimentar em maior ou menor grau. E a região Nor-

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deste concentrava quase metade dos pardos e pretosque sofreram com o problema, 48,8%, cerca de 22,3milhões de pessoas. Ainda em 2004, 93,6 milhões depessoas se declaram brancas, das quais 26,3% relata-ram situação de insegurança alimentar. Sob a condi-ção de insegurança alimentar grave, em que a fome éuma realidade cotidiana, estavam 11,5% dos pretos epardos, cerca de 10,1 milhões de pessoas. Além disso,os negros representavam 72,4% do contingente totalde pessoas residentes em domicílios onde a fome foiconstatada com maior gravidade.

Ainda segundo o estudo do IBGE, as incidências maisgraves de insuficiência alimentar ocorrem em domicí-lios com mais de sete moradores, que têm mulherescomo chefes de família, garantindo a sobrevivência decrianças e de adolescentes com até 18 anos. Os resul-tados da PNAD 2004 mostraram que a segurança ou ainsegurança alimentar no Brasil, assim como ocorreem outros países, tem uma relação muito estreita coma composição dos domicílios. Há uma presença maiordo quadro de insegurança nos domicílios em que resi-dem menores de 18 anos de idade (41,9%), em com-paração com o índice verificado naqueles em que to-dos os moradores são adultos (24,2%). Na região Su-deste, por exemplo, foram classificados em situaçãode segurança alimentar 80,4% dos domicílios sem mo-radores menores de 18 anos. Esse índice cai para 66,8%nos domicílios onde há pelo menos um morador menorde 18 anos.

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problema da fome,hoje, não é por falta

de produção de alimentos,mas por falta de renda paraadquiri-los em quantidadepermanente e qualidadeadequada. As estimativasda FAO mostram que o Bra-sil tem uma disponibilidadeper capita de alimentosequivalente a 2.960 Kcal/dia, bastante acima domínimo recomendado de1.900 Kcal. O problema éque o consumo de alimen-tos é uma função da rendadas famílias; e como a ren-da está muito mal distribuí-da, uma parte importante dapopulação não tem acessoaos alimentos nem mesmona quantidade mínima ne-cessária para garantir a so-brevivência. Há no Brasiluma grande parcela de sub-nutridos, com um consumomédio de 1.650 Kcal/pes-

soa/dia, de tal forma queestamos classificados pelaFAO na categoria 3 (de 1 a 5para proporções crescentesde subnutridos), juntamentecom países como Nigéria,Paraguai e Colômbia.

Existe um círculo viciosoda fome, difícil de ser supe-rado apenas com políticascompensatórias de doaçãode alimentos, como tradicio-nalmente se tem feito (ces-tas básicas, por exemplo).Este círculo é retroalimen-tado, por um lado, pelos pro-blemas estruturais do país,de falta de emprego, salá-rios baixos e concentraçãode renda; por outro, pela fal-ta de políticas agrícolas e au-mentos dos preços dos ali-mentos” (“Para os críticos doFome Zero”, publicado narevista Teoria e Debate, Fun-dação Perseu Abramo, nº 51,jun./jul./ago. de 2002).

Problema da fome não é falta de alimentos

“OJosé Graziano da Silva, Walter Belik e Maya Takagi

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DESPERDÍCIO DE BILHÕES

O resultado da pesquisa do IBGE aponta os problemasmais urgentes a resolver, a saber, a ausência, na mesade milhões de brasileiros, da mínima alimentação ne-cessária para a sobrevivência. Mas o conceito de segu-rança alimentar não se resume à presença de alimen-tos. Há ainda a questão da qualidade, que, pelo menospara 14 milhões de brasileiros (que passam fome regu-larmente), não chega a ser um problema. No entanto, aqualidade da alimentação, principalmente nos grandescentros urbanos, é outro tema que deve preocupar asociedade. O fato é que o Brasil ainda precisa avançarmuito para reverter a situação atual, em que a fome e adesnutrição convivem com uma alimentação de má qua-lidade e também com o desperdício. Os indicadores dedesperdício de alimentos são menos conhecidos do con-junto da sociedade. Mas não são menos alarmantes doque os indicadores da fome.

Levantamento feito em 1992 pela Coordenadoria deAbastecimento da Secretaria de Agricultura e Abaste-cimento do Estado de São Paulo, estimou que o paísperdia o equivalente a 1,4% do PIB com alimentos quedeixavam de ser aproveitados em toda a cadeia produ-tiva. Assim, o Brasil jogaria fora por ano, considerandoa estimativa de 1992, cerca de R$ 12 bilhões em comi-da, o que daria para alimentar cerca de 30 milhões depessoas, ou 8 milhões de famílias durante um ano intei-ro. De acordo com essa estimativa, somente os super-

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mercados jogam fora cerca de 13 milhões de toneladasde alimentos a cada ano. Além disso, mais de mil tone-ladas de produtos de feiras livres vão para o lixo todosos dias. Pelos cálculos da Secretaria, aproximadamenteum quarto de tudo o que se produz em frutas, verdurase legumes no país acaba sendo jogado fora. O desperdí-cio ocorre também na ponta da produção. Na agricultu-ra, estima-se que cerca de 20% da produção édesperdiçada nos processos de colheita mecanizada,transporte e distribuição.

Por fim, o desperdício ocorre ainda dentro das casas.Ainda segundo a estimativa da Secretaria da Agricul-tura de São Paulo, cerca de 30% de toda a comida com-prada por uma dona-de-casa acabam indo para o lixo.Especialistas do setor de coleta urbana avaliam que cadamorador das cidades produz aproximadamente um quilode lixo por dia. Algo entre 50% e 70% desse lixo é com-posto por alimentos. Temos assim uma combinação es-candalosa de desigualdades sociais históricas,desequilíbrios regionais, concentração de renda, discri-minação e desperdício. Todos os dias nos acostumamosa ver homens, mulheres e crianças revirando latas esacos de lixo em busca de comida, concentrando-se emesquinas de supermercados pedindo esmolas ou um pou-co de alimento. É um retrato fiel do fracasso de suces-sivos governos e da sociedade como um todo, que vê,entre a omissão e a indiferença, milhões de pessoas se-rem empurradas para os recantos mais obscuros daexistência humana.

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O DEBATE SOBRE O MODELO

DE DESENVOLVIMENTO

Esse quadro de desequilíbrios e desigualdades colocano centro da agenda política o debate sobre qual modelode desenvolvimento pode gerar outro tipo de dinâmicasocial. No I Encontro Nacional de Segurança Alimentare Nutricional, realizado em Brasília, em maio de 2006,chegou-se a um consenso: a concretização de conquis-tas e a garantia de avanços necessários para erradicara fome e garantir o direito humano à alimentação ade-quada dependem de mudanças no modelo de desenvol-vimento. O crescimento da visibilidade do tema da se-gurança alimentar foi destacado como um importantepasso nesta direção.

Esse crescimento traduziu-se, entre outras coisas, emações de governo que foram consolidadas e geraram im-pactos reais na vida diária da população mais pobre. En-tre essas ações, destaque para o Programa Bolsa Famí-lia, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar(PNAE), que aumentou de R$ 0,13 para R$ 0,22 o valorper capita da merenda escolar, e para o programa 1Milhão de Cisternas, que está levando água para a popu-lação do semi-árido nordestino. Também foram citadasas ações no campo do fortalecimento da agricultura fa-miliar e do abastecimento alimentar, como o aumento dosrecursos do Pronaf de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões ea ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos(PAA), que compra a produção de agricultores familiares.

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Avanços necessários, mas ainda insuficientes. Paraos participantes do encontro, eles representam apenasum passo inicial, e ainda há muito a ser feito paraerradicar a fome e as condições de insegurança alimen-tar da população. O nó da questão é justamente o deque a superação deste quadro passaria pela correçãodo atual modelo de desenvolvimento brasileiro, caracte-rizado pela concentração de renda, voltado para a ex-portação, com impactos negativos no meio ambiente enas culturas locais. O documento final do evento apon-tou como desafios:

“A adoção de políticas que promovam um cresci-

mento econômico assentado na geração de empre-go e em oportunidades de trabalho na cidade e no

campo, reduzindo as desigualdades sociais e afir-

mando o primado da soberania em relação aos de-mais interesses nas relações internacionais [e a] prio-

ridade no resgate da imensa dívida social vigente no

país, rejeitando com vigor o argumento de que osrecursos destinados à garantia de direitos e emanci-

pação dos mais pobres são excessivos e indevidos”.

Na cerimônia de entrega da carta final do encontro, opresidente Lula reconheceu que há um discurso con-servador e elitista a ser combatido. “Este País tem umamaioria de homens, mulheres e crianças que precisamser assistidos pelo Estado brasileiro e, portanto, precisa-mos abolir a palavra gasto, quando se trata de dar edu-

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cação, dar saúde e dar alimento aos setores mais po-bres da população”30. “Precisamos buscar a eficiênciados programas, mas precisamos dar resposta a um dis-curso elitista que deseja destinar recursos para ganhosfinanceiros e defesa dos interesses dos mais ricos”, de-fendeu Francisco Menezes31, presidente do ConselhoNacional de Segurança Alimentar (Consea).

Na avaliação do presidente do Consea, a mudança domodelo de desenvolvimento passa por resistir à ofensi-va conservadora, mas também por superar o atendimen-to das necessidades emergenciais da população maispobre. “É importante que os programas de assistênciavoltados aos grupos mais vulneráveis sejam acompa-nhados de medidas que permitam um processo de eman-cipação destas famílias em relação à assistência do Es-tado”. Outro desafio destacado por Menezes foi o dainclusão de dimensões específicas como cor, gênero, etniae renda.

“A gente devia cada vez mais pensar que gru-pos populacionais específicos, como indígenas,

quilombolas e populações de rua, precisam de

programas específicos para garantir o respeito àssuas culturas. Não serão os programas mais

massivos que irão responder a estas necessida-

des específicas”32.

Ele citou como exemplo disso a dificuldade que popu-lações de rua estão tendo para receber o Bolsa Família.

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Presente ao encontro, o ministro Patrus Ananias re-conheceu que ainda há muito a ser feito para mudar aestrutura desigual do país, mas avaliou que o governoestá conquistando avanços dentro do possível.

“Sabemos que o Brasil acumulou, ao longo da suahistória, uma dívida social muito alta e o resgate

desta dívida é a grande prioridade do governo Lula

e de toda a sociedade brasileira, que querem um paísjusto e digno. É um processo que não se dá de um

dia para outro, mas estamos no rumo certo”.

APERFEIÇOAMENTO INSTITUCIONAL

Um dos requisitos apontados como condição para asuperação dos limites atuais foi o da consolidação de umarranjo institucional mais qualificado que fortaleça o con-ceito de segurança alimentar e permita a participação dasociedade civil na formulação, no monitoramento e naavaliação das políticas públicas. Nesta direção, uma dasprincipais recomendações do encontro foi a aprovaçãoda Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional(LOSAN), em tramitação no Congresso. O projeto de leiprevê a criação de um sistema nacional e de estruturassemelhantes nos estados e municípios.

Ele é importante para aperfeiçoar o diálogo entre asesferas federal, estadual e municipal, além de institucio-nalizar a participação e o controle social das políticas.Hoje, diversos órgãos de gestão pública têm ações na

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área de segurança alimentar e nutricional. O MDS, porexemplo, lida com a transferência de renda e programasde abastecimento alimentar. Os ministérios da Agricultu-ra e Desenvolvimento Agrário têm responsabilidade di-reta sobre a produção dos alimentos. O MEC está encar-regado da merenda escolar (um dos maiores programasde garantia de acesso a alimentos) e a pasta da Saúdecuida do combate à desnutrição. O bom funcionamentoda comunicação entre essas ações é fundamental para asua eficácia global. Por exemplo, se juntamente com po-líticas de transferência de renda não ocorrer também umtrabalho de educação alimentar, é possível que as pesso-as comam mal, o que já é verificado em casos como ocrescimento da obesidade entre a população.

E o debate sobre a necessidade da qualificação do ar-ranjo institucional também está relacionado ao do modelode desenvolvimento e à própria concepção de Estado.Afinal de contas, um dos resultados da implementaçãode políticas neoliberais foi justamente ter retirado do Es-tado importantes ferramentas institucionais para a for-mulação e a aplicação de políticas públicas. O desmonteda esfera pública, patrocinado pelos defensores das tesesdo Estado mínimo, teve impactos institucionais que aindanão foram adequadamente dimensionados.

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O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO: AVANÇOS E LIMITES

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V – O IMPACTO SOCIALE ECONÔMICO:

AVANÇOS E LIMITES

O que os defensores da prioridade absoluta doajuste fiscal não levam em conta é que a redução dapobreza, em níveis significativos, é uma exigênciainadiável. Segundo um estudo divulgado pela ONU

em julho de 2006, a América Latina progride a umritmo muito mais lento que a maioria das outras re-giões em desenvolvimento na direção do cumprimentodos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

No período 2005-2006, uma série de pesquisas temregistrado a melhoria das condições de vida de setoresmais pobres da população, com redução de desigualda-des sociais e aumento de renda. Se, por um lado, taispesquisas não permitem juízos categóricos afirmativossobre a existência de uma dinâmica sustentável de re-dução da pobreza no país, por outro sugerem que algu-mas condições básicas para que isso ocorra talvez jáestejam dadas. Além do impacto de programas sociaiscomo o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo éapontado como um fator responsável pelo aumento dosníveis de consumo, especialmente de alimentos, e pela

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elevação da expectativa positiva quanto ao futuro dopaís. Especificamente em relação ao Bolsa Família, aspesquisas indicam o impacto do programa na melhoriada nutrição infantil e também, de modo mais indireto, naredução do trabalho infantil.

O Bolsa Família foi responsável por um terço da que-da na desigualdade no Brasil entre os anos de 2001 e2004. O mercado de trabalho teria sido o responsávelpelos outros dois terços de queda na desigualdade, se-gundo estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (IPEA)33. De acordo com a pesquisa,a desigualdade caiu por ano em média 0,7 pontopercentual do Índice de Gini, coeficiente calculado pelaONU que mostra o grau de desigualdade a partir darenda per capita. Medida desenvolvida pelo estatísti-co italiano Corrado Gini, em 1912, o Coeficiente deGini é comumente utilizado para calcular a desigualda-de de distribuição de renda, em valores de zero a um –escala que vai da completa igualdade de renda à com-pleta desigualdade.

Na avaliação do pesquisador Sergei Soares, do IPEA,isso parece pouco, mas não é, representando uma que-da expressiva. Segundo ele, para se ter uma idéia doque essa queda significa, é importante assinalar que os30% mais ricos perderam renda e os 20% mais pobresestão ganhando a uma taxa de quase 7% ao ano. Ouseja, acrescenta o pesquisador, para a população maispobre, é como se estivesse morando na China, cuja eco-nomia está crescendo a essa velocidade.

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O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO: AVANÇOS E LIMITES

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A pesquisa do IPEA foi divulgada no mesmo momentoem que o Banco Mundial recomendava que o Brasil eos demais países da América Latina adotassem políti-cas mais agressivas de combate à pobreza, caso qui-sessem crescer e competir com países como a China.Segundo o relatório “Redução da pobreza e crescimen-to: Círculos virtuosos e viciosos”, do Banco Mundial34,embora o crescimento seja um fator importante parareduzir a pobreza, esta se constitui justamente em umentrave para o crescimento da América Latina. Na re-gião, segundo o documento, quase um quarto da popula-ção vive com menos de 2 dólares por dia. Para o econo-mista Ethan Weismam, do Banco Mundial, os investi-mentos em infra-estrutura e políticas sociais são umacondição básica para romper esse ciclo. Ele citou o BolsaFamília como um dos melhores programas emimplementação na região por condicionar a liberação dedinheiro a ações nas áreas de educação e saúde.

Outro estudo, divulgado pelo Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES)35, detectouum expressivo impacto do aumento do salário mínimo edo Bolsa Família sobre a desigualdade social. E um ou-tro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)36 revela que adesigualdade social atingiu o menor nível desde o Censorealizado em 1960. Esse estudo indica que o país vemavançando desde o início da década na redução dasdesigualdades entre pobres e ricos. A pesquisa da FGV,em parceria com pesquisadores do International PovertyCentre da ONU, apontou que, em 2004, a renda média do

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brasileiro cresceu 3,6%, enquanto a renda dos mais po-bres chegou a crescer 14,1%.

SOBRE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE NO BRASIL

Uma nota técnica produzida pelo IPEA, em 21 de julhode 2006, analisa a queda recente da desigualdade noBrasil. Segundo ela, “ao contrário do que vem ocorren-do na grande maioria dos países, durante os períodos dereferência abrangidos pelas Pesquisas Nacionais porAmostra de Domicílios (PNADs) 2001/2004, do IBGE, ograu de desigualdade de renda no Brasil declinou em4%”, uma queda que ocorreu de modo contínuo. Aindasegundo o estudo do instituto, a renda dos 20% maispobres do país cresceu no período cerca de 5% ao ano,enquanto a dos 20% mais ricos caiu 1%.

EVOLUÇÃO RECENTE DA DESIGUALDADE DE

RENDA FAMILIAR PER CAPITA NO BRASIL

COEFICIENTE DE GINI

Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1976 a 2004.Porém, nos anos 1980, 1991, 1994 e 2000, a PNAD não foia campo.

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O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO: AVANÇOS E LIMITES

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É importante assinalar que as pesquisas que traba-lham com o período 2001/2004 não abrangem o períodode maior expansão do Bolsa Família. Até 2004, o pro-grama estava ainda em fase de estruturação, atingindocerca de 6,5 milhões de famílias (o que equivalente a59% da população considerada pobre no país). Dois anosdepois, o programa beneficia mais de 11 milhões de fa-mílias, quase o dobro do universo atingido em 2004. Ouseja, é razoável supor que no período 2004/2006, a desi-gualdade deve ter diminuído ainda mais, uma vez que aabrangência do programa quase dobrou.

Para tentar entender melhor o significado e o impac-to destes números, o IPEA convidou alguns dos princi-pais especialistas brasileiros no tema e pediu propos-tas de caminhos e políticas capazes de reforçar essatendência de redução da desigualdade social no país.Além de técnicos do instituto, participaram deste de-bate: Ana Flávia Machado (Cedeplar/UFMG), AndréUrani (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade -IETS), Ângela Jorge (IBGE), Carlos Roberto Azzoni(FEA/USP), Francisco Ferreira (Banco Mundial), JoãoSabóia (UFRJ), José Márcio Camargo (PUC/RJ), Marce-lo Néri (FGV/RJ), Maria Carolina Leme (FGV/SP),Naércio Menezes Filho (Ibmec), Samir Cury (FGV/SP),Samuel Pessoa (EPGE/ FGV), Sonia Rocha (IETS) eTatiane de Menezes (UFPE). A partir das contribuiçõesapresentadas em um primeiro encontro, uma equipede pesquisadores do IPEA (Marcelo Medeiros, Mirelade Carvalho, Ricardo Paes de Barros e Sergei Soares)

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elaborou um texto preliminar que foi submetido a umComitê Internacional de Alto Nível.

Esse comitê foi coordenado por Manuela Carneiro daCunha, professora de Antropologia na Universidade deChicago, e contou com a participação das seguintes per-sonalidades: Álvaro Comin, presidente do Cebrap;François Bourguignon, vice-presidente e economista-che-fe do Banco Mundial; Glauco Arbix, sociólogo, professorda USP; James Heckman, professor da Universidade deChicago e Prêmio Nobel de Economia; José AlexandreScheinkman, professor de economia da Universidade dePrinceton; José Luis Machinea, secretário-executivo daCepal (Comissão Econômica Para a América Latina e oCaribe); Luiz Henrique Proença Soares, presidente doIPEA; Nanak Kawani, economista-chefe do Centro Inter-nacional de Estudos da Pobreza do PNUD (Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento) ; Nora Lustig,diretora do Grupo de Pobreza do PNUD/Nova York; eRodolfo Hoffman, professor de economia na Universida-de de Campinas. A nota técnica do IPEA divulgou os pri-meiros resultados deste esforço.

“No período observado pelas PNADs 2001/2004, ape-sar do modesto crescimento do PIB e da diminuição de0,8% na renda per capita, o Brasil foi capaz de redu-zir seus níveis de pobreza e extrema pobreza em doispontos percentuais”, diz a nota. O sucesso no combateà pobreza, conclui a nota a partir desses números, de-veu-se exclusivamente à redução na desigualdade derenda. E assinala:

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“Para se alcançar uma queda na extrema pobreza de

igual magnitude à efetivamente observada no perío-

do, sem contar com qualquer redução no grau de de-sigualdade, seria preciso que a renda per capita do

país tivesse crescido 4% ao ano, em vez de ter decli-

nado 0,8%. Ou seja, do ponto de vista dos mais po-bres, a redução no grau de desigualdade foi tão bené-

fica quanto teria sido um crescimento econômico anual

uniforme de 5% na renda familiar per capita”.

A despeito dessa queda recente, acrescenta, “a desi-gualdade de renda brasileira permanece extremamente ele-vada, muito acima da observada em países com grau dedesenvolvimento semelhante ao nosso”. Considerando-seque fosse mantida a velocidade de declínio da desigualda-de no Brasil, no período observado pelas PNADs 2001/2004,seriam necessárias mais de duas décadas para o país atin-gir o nível atual desses países. E esse quadro pode serainda mais delicado, assinalam os pesquisadores do IPEA:

“Ao que tudo indica, a desigualdade no Brasil,

assim como em outros países, é ainda maior do que

a apurada pelas estatísticas disponíveis, em decor-rência da subestimação dos rendimentos de ativos

como aluguéis e aplicações financeiras que benefi-

ciam os ricos”.

No entanto, ressaltam, este fato não tem sido obstá-culo para a utilização da PNAD como a melhor e mais

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abrangente fonte de informações sociais atuais sobre asituação da desigualdade social no país.

Sobre as causas mais imediatas da queda da desigual-dade no país, a conclusão é que uma parte substancialda redução verificada no período citado deve-se a “umaexpressiva melhoria no sistema de proteção social dopaís”. “Um grande número de famílias pobres passou aser beneficiado por transferências governamentais.Melhorias na distribuição dos rendimentos do trabalhotambém foram importantes.” Essas melhorias, segundoa avaliação do instituto, tiveram duas origens distintas.Em primeiro lugar, houve uma redução nas desigualda-des em remuneração decorrentes da desigualdade edu-cacional entre os trabalhadores. Cerca de 15% da que-da na desigualdade de renda entre famílias seriaexplicada por esse fator. Um segundo aspecto a serconsiderado está relacionado a “uma menor segmentaçãoverificada entre os mercados de trabalho das cidadesmédias do interior e das capitais – e entre os de áreasrurais e urbanas –, que, por sua vez, contribuiu adicio-nalmente com 15% da queda na desigualdade”.

Já a redução nas disparidades demográficas contri-buiu com menos de 2% para a queda na desigualdade,assim como a diminuição da discriminação por raça egênero. “Apesar de a taxa de desemprego ter caído ede a taxa de participação ter aumentado, estes fatoresapresentaram contribuição limitada (menos de 5%) paraa queda na desigualdade de renda familiar ocorrida noperíodo”, afirma ainda a nota técnica do IPEA. Os espe-

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cialistas reunidos pelo instituto consideraram que umapolítica ampla de combate à desigualdade de renda devenecessariamente atuar em três frentes:

a) desigualdade de acesso a capacidades produtivas(escolaridade, qualificação profissional), informações emeios de produção (terra, crédito etc.);

b) tratamento desigual no mercado de trabalho, seja porcausa de práticas discriminatórias ou devido a um acentu-ado grau de diferenciações que leva a que trabalhadoresigualmente produtivos recebam diferentes remunerações,de acordo com o segmento do mercado de trabalho emque se inserem – diferenças regionais, inter-setoriais e en-tre os setores formal e informal, entre outras;

c) escassez de empregos, que gera um acesso desigualao trabalho – na medida em que parte da força de trabalhonão está ocupada, nem todos os trabalhadores têm igualoportunidade para utilizar suas capacidades produtivas.

Considerando esses fatores, concluem os pesquisado-res, parte das políticas públicas deveria “se posicionar paraagir diretamente sobre a desigualdade de resultados, pormeio de um sistema tributário mais justo socialmente e/oude um sistema de transferências que privilegie os maispobres”. Esta seria a segunda frente de atuação das po-líticas de combate à desigualdade, a saber, a redistribuiçãode renda entre as famílias. A partir desses elementos, ospesquisadores do IPEA identificaram algumas diretrizesaparentemente consensuais para a definição de políticasde combate à desigualdade de renda:

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a) uma busca incessante por maior igualdade de opor-tunidades para que as capacidades de cada um sejamutilizadas produtivamente;

b) uma política educacional que promova uma acele-rada expansão quantitativa e qualitativa da escolaridadeda população, com plena atenção à redução das desi-gualdades educacionais;

c) amplo acesso ao trabalho por meio da geração depostos de qualidade; diferenças de acesso ao trabalhosão muitas vezes mais importantes para explicar a desi-gualdade de renda entre famílias do que a própria dife-rença de remuneração entre trabalhadores ocupados.

d) procurar diminuir as diferenças entre os diversossegmentos do mercado de trabalho e erradicar práti-cas discriminatórias.

e) construção de um sistema tributário socialmentemais justo;

f) reforçar a rede de proteção social, tornando-a ain-da mais eficaz no combate à pobreza e à desigualdade,e mais eficiente no uso dos recursos a ela destinados;só assim as políticas de transferência de renda serãocapazes de gerar o maior impacto possível.

UMA AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

POR SEUS BENEFICIÁRIOS

O programa também mereceu uma avaliação positivada parte de uma ampla maioria de seus beneficiários. ONúcleo de Pesquisas Sociais da Universidade Federal

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Fluminense (UFF) realizou, para o MDS, uma pesquisa deavaliação do Bolsa Família. Os pesquisadores AndréBrandão, Salete Da Dalt e Victor Hugo de C. Gouvêarealizaram uma pesquisa de opinião junto aos responsá-veis pelos domicílios e beneficiários do programa paraavaliar seu nível de impacto na melhoria de suas condi-ções de vida, principalmente no que se refere às ques-tões de segurança alimentar e nutricional. O questioná-rio foi elaborado em conjunto com o Departamento deAvaliação e Monitoramento da Secretaria de Avaliaçãoe Gestão da Informação (SAGI) e pré-testado entre osdias 12 e 14 de fevereiro de 2006 no município de Niterói(RJ). Na pesquisa de campo, foram realizadas 4 mil en-trevistas com responsáveis legais pelo recebimento dobenefício. As entrevistas foram aplicadas em dois gru-pos. O primeiro, denominado “experimental”, respon-deu a um total de 3 mil questionários. O segundo, deno-minado “grupo de controle”, respondeu aos mil questio-nários restantes. O grupo experimental era compostopor famílias que perfaziam mais de 12 meses devinculação ao programa, enquanto o grupo de controleera formado por famílias com no máximo 3 meses deinclusão no Bolsa Família.

O BOLSA FAMÍLIA ESTÁ CHEGANDO

A QUEM DE FATO PRECISA DELE

Dos 53 municípios investigados, 27 foram as capitaisdos estados. Não foi selecionado nenhum município com

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número inferior a 25 bolsas recebidas. A imensa maio-ria dos entrevistados foi composta por mulheres (93,9%).Entre as faixas etárias, a predominância de beneficia-dos se localizou entre 25 e 34 anos e entre 35 e 44 anos.Outra característica do levantamento: escolaridade muitobaixa. O percentual dos “sem instrução” chegou a 35,1%da amostra, e a soma destes com os que possuem so-mente o primário incompleto alcançou quase 70%. Nooutro extremo, somente 13,1% completaram o segundograu e aqueles que concluíram o ensino superior repre-sentaram um percentual ínfimo. No que diz respeito àcor dos entrevistados, predominaram os pardos (48,4%),seguidos dos brancos (32,5%) e dos negros (16,8%).Essa amostragem, segundo os pesquisadores, já apontaum acerto do programa.

O perfil dos entrevistados

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

O PERFIL DOS ENTREVISTADOS (%)

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Comparando o perfil dos entrevistados com o verifi-cado pelo Censo de 2000 para o conjunto da populaçãodo Brasil, constata-se que os brancos estão sub-repre-sentados como beneficiários do Bolsa Família (pois são53,74% da população nacional), enquanto pardos e ne-gros estão super-representados (na medida em que sãorespectivamente 38,4% e 6,21% no país). “Estes resul-tados apontam já de início para o fato de que o BolsaFamília vem elegendo de forma acertada os seusbeneficiários, na medida em que, como vários estudostêm apontado, a proporção de pobres no Brasil é muitomais elevada entre os pardos e pretos do que entre osbrancos”, avaliam os pesquisadores. Em função do per-fil de sexo dos entrevistados, a situação profissional maisencontrada foi a de “dona-de-casa” (37,5%). Outro dadosignificativo é que autônomos e trabalhadores por contaprópria superaram os assalariados na amostra.

Situação ocupacional dos entrevistados

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

SITUAÇÃO OCUPACIONAL DOS ENTREVISTADOS

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Domésticas e diaristas, tomadas em conjunto, tambémregistram um índice importante (10,1%). Já a presençade funcionários públicos, que poderia indicar uma maiorestabilidade nos cálculos econômicos domiciliares, apre-sentou um índice bastante reduzido (1%). O percentualde aposentados também foi pequeno (4,4%). Já a rendafamiliar no último mês nos domicílios pesquisados con-centrou-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos (56,8%). Opercentual de famílias com até um salário mínimo de ren-da foi bastante elevado (41,8%). Por outro lado, opercentual de beneficiários em famílias com mais de trêssalários mínimos de renda mensal foi ínfimo (1,4%). Es-tes resultados, segundo os pesquisadores, mostram que oBolsa Família está incorporando os beneficiados de for-ma acertada e coerente com os critérios para a sua esco-lha. Ou seja, de fato, são os brasileiros de renda maisbaixa que estão sendo os principais beneficiados.

GASTOS COM ALIMENTAÇÃO,A PRINCIPAL PRIORIDADE

Entre as famílias investigadas, os recursos recebidos atra-vés do programa foram gastos em primeiro lugar, em largamaioria, com alimentação (76,4%). Uma outra parcela dasfamílias (11,1%) priorizou a compra de material escolar.Em relação a este último grupo, porém, os pesquisadoresressaltam que é provável que as famílias que apontaram acompra de material escolar como prioridade o tenham fei-to em função do fato de que a coleta dos dados ocorreu no

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mês de março, quando são realizadas as principais despe-sas escolares por ocasião do início do ano letivo. Observa-ção que só reforça a importância do Bolsa Família para acompra de alimentos. Outro dado que reforça essa impor-tância é o que aponta que, em mais de 80% das famíliasinvestigadas, os alimentos acabaram antes que houvessecondições financeiras para a realização de novas compras.

Fonte: DataUFF/mar. 2006

No período anterior ao ingresso no Bolsa Família, asituação de término de alimentos antes da existência

GASTO DO DINHEIRO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA –PRIMEIRO LUGAR (%)

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de dinheiro para novas compras atingia 87,5% das fa-mílias dos beneficiários. A comparação entre o antese o depois do recebimento mostra uma queda de apro-ximadamente cinco pontos percentuais nesta situação.Cerca de 48% dos entrevistados responderam que, nosúltimos três meses, alguma pessoa da família tinha dei-xado de comer ou havia comido menos por causa dainsuficiência de alimentos. Antes da entrada no BolsaFamília, esse percentual era de 58,3%, o que significauma redução desta situação negativa em cerca de 10pontos. Segundo os pesquisadores, mais um indicadordos impactos positivos do programa. Além disso, 85,6%dos entrevistados apontaram a melhoria na alimenta-ção após o ingresso no programa, enquanto apenas14,2% responderam que a situação permaneceu se-melhante ao período anterior. Também houve melhoriano que diz respeito à quantidade de alimentos consu-midos. Entre os entrevistados, 59,2% responderam quehouve aumento da quantidade de alimentos consumi-dos, enquanto 40% responderam que essa situaçãopermaneceu estável na comparação entre antes e de-pois do ingresso no programa. Por outro lado, apenas0,4% responderam que houve uma piora neste quadro.Verificou-se também uma melhoria no que diz respeitoà variedade dos alimentos consumidos: 73,3% aponta-ram um aumento dessa variedade, contra 26,7% queresponderam negativamente a essa questão. Além dis-so, a pesquisa também avaliou a duração dos alimen-tos comprados: 33% responderam que conseguiram

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comprar alimentos para três semanas; 29,4% paraduas semanas; 21,5% para quatro semanas; e 16,1%afirmaram que conseguiram comprar alimentos ape-nas para uma semana de consumo.

Avaliação da alimentação.

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

MELHORA NA AUTO-ESTIMA E NO CRÉDITO

Antes do ingresso no Bolsa Família, essa situaçãoera bem distinta: 34,9% das famílias entrevistadas con-seguiam comprar alimentos suficientes para apenasuma semana; 34% conseguiam para duas semanas;20,2% para três semanas e apenas 10,9% disseramque suas famílias conseguiam comprar alimentos paratodo o mês. Essas melhorias tiveram outras conseqüên-cias na vida das famílias. Um expressivo percentualde entrevistados (41,6%) afirmou que a maneira comosuas famílias eram tratadas no local de moradia mu-dou para melhor após o ingresso no programa. Estedado, segundo os pesquisadores, aponta para dois as-

AVALIAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO APÓS O BOLSA FAMÍLIA (%)

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pectos positivos: em primeiro lugar, para uma maiorpossibilidade de estas famílias avançarem na direçãoda construção de redes locais de sociabilidade; em se-gundo, para uma melhora na própria auto-estima dosnúcleos familiares, um elemento fundamental para aconstrução de estratégias voltadas para a saída da si-tuação de pobreza extrema.

Tratamento das famílias.

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

Outro aspecto positivo está relacionado ao acessoao crédito. Cerca de um terço dos entrevistados(33,1%) respondeu que o crédito da família com oscomerciantes do bairro melhorou após o ingresso noBolsa Família. Outros 30,9% responderam que nãohouve tal melhoria, enquanto 36% disseram que nãoefetuam compras a crédito. Esta facilidade de crédito,segundo a pesquisa, tende a viabilizar possibilidadesconcretas de melhoria da qualidade de vida das famí-lias, apesar das inúmeras limitações impostas pela con-dição de pobreza.

TRATAMENTO DA FAMILÍA NO LOCAL ONDE

MORA APÓS O BOLSA FAMÍLIA (%)

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acesso ao crédito.

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

AVALIAÇÃO GERAL DO BOLSA FAMÍLIA

Este conjunto de indicadores positivos resultou em umaavaliação geral extremamente positiva do programa. Aavaliação satisfatória chegou a 88,7% dos entrevistados,somando aqueles que qualificaram o programa como “bom”(49,9%) e os que disseram que ele é “ótimo” (38,8%).Apenas 9,8% dos pesquisados avaliaram o programa como“regular”, enquanto um número ínfimo optou por avaliá-locomo “ruim” (0,9%) ou “péssimo” (0,7%).

áfico Avaliação geral. Pesquisa BF, p. 15 graf 3 Fonte: DataUFF/mar. 2006.

CRÉDITO COM OS COMERCIANTES DO BAIRRO

APÓS O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (%)

AVALIAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (%)

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A pesquisa avaliou ainda a associação entre a avali-ação do programa e as esferas de governo responsá-veis por sua implementação. Entre o total de entrevis-tados, 60% mencionaram o governo federal como res-ponsável pelo Bolsa Família. Esse resultado, avalia-ram os pesquisadores, indica que “a vinculaçãoinstitucional do programa está sendo divulgada de for-ma acertada”, mas que há espaço para melhorar estaperspectiva de visibilidade. Além disso, um expressivonúmero de menções foi feita diretamente ao presiden-te Lula (17,6%), “o que certamente se relaciona com aprópria lógica da visibilidade política em países como oBrasil, marcados historicamente pelo presidencialismo”,afirma a pesquisa. Os governos estaduais receberam9,5% das citações, os municipais 6,4% e outras refe-rências somaram 6,3%.

Gráfico Associação com governo. Pesquisa BF, p. 16

Fonte: DataUFF/mar. 2006.

RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (%)[DE ACORDO COM OS BENEFICIÁRIOS]

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Em sua conclusão, a pesquisa faz uma avaliação po-sitiva do Bolsa Família, a partir dos dados coletados jun-to às famílias beneficiadas. No que diz respeito à incor-poração dos beneficiários do programa, a conclusão éque ela “se faz de forma condizente com os objetivos dedistribuição de renda almejados, na medida em que98,6% das famílias pertencem à faixa de até três salá-rios mínimos de renda mensal, já considerando dentrodeste patamar o valor do benefício”. A representatividademaior de pretos e pardos entre os beneficiários, levandoem conta o peso demográfico destes grupos populacio-nais, é apontada como índice do acerto dos critérios es-colhidos para candidatos ao Bolsa Família. Quanto aoconsumo de alimentos, a pesquisa conclui:

“embora estejamos ainda longe de uma situação

ideal, na qual todas as famílias poderiam se alimen-tar de forma adequada todos os dias, a comparação

entre a situação atual e a anterior ao ingresso no

programa mostra impactos positivos expressivos,tanto no número de semanas cobertas pelos alimen-

tos comprados, quanto na possibilidade de intro-

duzir maior variedade na alimentação”.

Por fim, conclui a pesquisa, embora o levantamento“não tenha se aprofundado nos aspectos vinculados aocapital social, as famílias beneficiárias apontam para ummelhor tratamento no local de moradia e um conseqüenteaumento do crédito no comércio”. “Estes aspectos”,

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acrescenta, “indicam, ainda que de forma indireta, pos-sibilidades de aumento da inserção destas famílias emredes locais de sociabilidade”. E, por fim, afirma:

“é necessário considerar que o Programa Bolsa Fa-

mília, assim como tantos outros programas sociais cri-ados e/ou expandidos pela atual gestão federal, enfrenta

um gigantesco desafio: reverter uma situação de extre-

ma desigualdade na distribuição de renda que vem ca-racterizando historicamente a sociedade brasileira”.

REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

Outros impactos positivos foram registrados nas áreasde combate ao trabalho infantil e de controle da fre-qüência escolar, conforme a PNAD 2004/ IBGE. Como jáfoi mencionado, seria incorreto atribuir esse avanço fun-damentalmente ao Bolsa Família, mas parece inegávelque a estrutura integrada de políticas sociais contribuiupara o resultado. A redução do trabalho infantil e aampliação do acesso ao ensino são fenômenos que es-tão diretamente relacionados e representam a aberturade novas janelas de oportunidades para os setores maispobres da população.

CONTROLE DA FREQÜÊNCIA ESCOLAR

O programa também já apresenta resultados positi-vos no acompanhamento da freqüência escolar. Quase

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9 milhões de beneficiários do Bolsa Família na faixade 6 a 15 anos tiveram a freqüência escolar de feve-reiro a abril de 2006 registrada no sistema do progra-ma. Segundo o coordenador de Condicionalidades doBolsa Família, Cleiton Domingues de Moura37, desde2004, quando esse tipo de informação começou a sercoletada para o programa, o número vem aumentan-do. Este sistema de acompanhamento registra a fre-qüência individual de cada beneficiário na escola, comnome, número de identificação social, código da es-cola, marcação da freqüência no mês e, no caso dabaixa freqüência, os motivos. Como a oferta do ensi-no fundamental é universalizada, o desafio passa aser o de acompanhar a freqüência nas escolas. Se-gundo Moura, nem sempre a baixa freqüência signi-fica descumprimento dos compromissos da família.Por isso, a primeira análise se baseia nos motivos dabaixa freqüência.

Ele cita alguns exemplos: um caso de doença da cri-ança ou um problema de transporte que impossibilite apresença dela na escola; ou problema de saúde na fa-mília que inviabilize a ida da criança. Nada disso carac-teriza o descumprimento. “É importante estar atento aessas situações, pois elas tiram a criança da escola eisso é ruim, mas do ponto de vista do Bolsa Família issonão é equivalente a um descumprimento das condiçõesestabelecidas no programa”, esclarece38. Essa é umadas razões pelas quais, antes de o benefício ser suspenso,o MDS leva em consideração um conjunto de regras com

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sanções gradativas. Na primeira situação a família re-cebe uma notificação de que foi identificada baixa fre-qüência de um integrante da família. Nesse caso, o mi-nistério fica atento à situação da família nos próximosciclos de acompanhamento. Se ela continuar adescumprir, aí sim poderá ter o benefício bloqueado edepois suspenso.

E só depois de um ano, caso essas condições sejamdescumpridas insistentemente (a freqüência mínima àescola exigida pelo programa é de 85%), é que a famí-lia em questão pode ter o benefício suspenso. O obje-tivo deste tipo de condição e controle não é cancelarbenefícios, mas sim ter um olhar atento sobre a situa-ção educacional de crianças e adolescentes das fa-mílias pobres.

AUMENTO DE RENDA LEVA 6 MILHÕES À CLASSE C

O governo Lula produziu uma melhora considerávelna classificação econômica dos eleitores a partir de 2003,revelou pesquisa do Instituto Datafolha, publicada pelojornal Folha de S.Paulo em julho de 200639. Segundo olevantamento, cerca de 6 milhões de eleitores saíram daclasse D/E, a maioria deles migrando para a C. Pratica-mente a metade dos 125,9 milhões de eleitores (49%)considera que sua situação econômica vai melhorar. Aomesmo tempo, diz a mesma pesquisa, houve um aumen-to no consumo, sobretudo de alimentos. Cerca de 37%dos eleitores passaram a consumir mais desde 2003. Na

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avaliação do Datafolha, a melhora na renda se deu poruma combinação de cenário econômico positivo e forteaumento do gasto público dirigido aos mais pobres.

Na matéria em que divulgou a pesquisa do InstitutoDatafolha, o jornal Folha de S.Paulo também apresen-tou dados aparentemente paradoxais ao cruzar infor-mações de diferentes fontes. Mostra, por exemplo, quehouve queda nos investimentos em infra-estrutura entre2001 e 200440, de acordo com estudo da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), e que há dúvidas so-bre a possibilidade de sustentar as políticas sociais41.Ao mesmo tempo destaca, por um lado, que os maioresaumentos na renda foram registrados entre os que têmaplicações financeiras. Beneficiados pelos juros altos,os rentistas tiveram ganhos superiores aos dos assalaria-dos e beneficiados por programas sociais. Segundo ojornal, o setor público vem gastando com juros pratica-mente o dobro do que investe em programas sociais comoo Bolsa Família e em benefícios da Previdência. Os 10%mais ricos do país, que têm dinheiro aplicado a juros,obtiveram um rendimento médio real (acima da infla-ção) de 65,8% no período entre 2001 e 2004. Já os 20%mais pobres, que vivem da renda do trabalho, tiveram,no mesmo período, um aumento de renda de 19,2%. As-sim, a renda do trabalho dos 20% mais pobres cresceumenos de 30% do aumento da renda dos 10% mais ri-cos42. Os dados sobre a diferença do crescimento darenda do trabalho entre os mais pobres e os ganhos fi-nanceiros dos mais ricos foram elaborados pelo econo-

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mista Marcio Pochmann, da Unicamp. Por outro lado, olevantamento do Datafolha aponta que, desde 1994,nunca foi tão pequeno o percentual de brasileiros quereclama da insuficiência de seu baixo poder aquisitivo.Na pesquisa, 28% disseram achar “muito pouco” o quesua família estava ganhando. Antes da posse de Lula,esse índice era de 45%.

Além disso, no período entre 2001 e 2004, a renda dos10% mais pobres subiu 23,3%, puxada pelos benefíciosprevidenciários vinculados ao salário mínimo e por pro-gramas sociais como o Bolsa Família, conforme cálcu-los feitos pelo economista Marcelo Néri, da FundaçãoGetúlio Vargas43. A articulação desses números indicaa encruzilhada que cerca um programa como o BolsaFamília no contexto de uma política econômica que dámaiores margens de lucros ao rentismo do que ao tra-balho assalariado. A pergunta é: qual o potencial dessetipo de programa em um tal contexto?

Na avaliação do economista Marcio Pochmann44, daUnicamp, esses dados mostram que nos últimos dez anosos ganhos obtidos pelos mais ricos com outras formasde renda – como juros e aluguéis, por exemplo – cres-ceram 4,9 vezes mais do que a renda proporcionada pelotrabalho. Pochmann chamou a atenção para o fato deque os R$ 80 bilhões que o governo federal gasta atual-mente com cerca de 30 milhões de benefícios subsidia-dos totalmente (Bolsa Família) ou parcialmente (algunsbenefícios da Previdência) correspondem à metade doque todo o setor público compromete para pagar juros

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de sua dívida. Isso não impediu que a renda dos maispobres crescesse no período pesquisado. A questão quese coloca, diante destes números, diz respeito à compa-tibilidade entre uma política social mais agressiva e amanutenção desse patamar de pagamento de juros.

CRESCIMENTO DA CLASSE MÉDIA

No mesmo dia em que a Folha de S.Paulo publicavaesses dados, o jornal O Globo divulgava outra pesqui-sa45, com resultados similares. Segundo estudo do Insti-tuto de Pesquisa Target, mais de 2 milhões de famíliasbrasileiras (cerca de 7 milhões de pessoas) consegui-ram ascender na pirâmide de consumo em 2006, che-gando à classe média. Após anos de estagnação e em-pobrecimento, a classe média teria voltado a crescer nopaís. De acordo com o levantamento feito com base emdados do IBGE e da Associação Brasileira das Empresasde Pesquisa de Mercado (Abep), o crescimento recor-de do emprego com carteira assinada, a grande ofertade crédito e o crescimento da renda dos trabalhadoresexplicam essa migração da população mais pobre parasetores médios da pirâmide social.

Em 2005, foram criadas 1.251.557 vagas formais nomercado de trabalho. Em maio de 2006, a renda dostrabalhadores aumentou 7,7%, a maior alta desde 2002.Segundo os números da pesquisa, em 2005 aqueles queganhavam entre R$ 1.140 e R$ 3.750 (considerados peloinstituto classes B1, B2 e C, a classe média) somavam

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mais de 25 milhões de famílias. Já em 2006, esse núme-ro subiu para quase 28 milhões de lares – um cresci-mento de 7,9%. De acordo as projeções do InstitutoTarget, o consumo dessa parcela da população deve subirem R$ 31,19 bilhões em 2006, um crescimento de 4,5%em relação ao ano anterior. Para o diretor do instituto,

desigualdade na re-partição de renda, ri-

queza e poder é uma marcainalienável do Brasil. Deacordo com o Atlas da exclu-são social – Os ricos no Bra-sil (Cortez, 2004), somente5 mil clãs de famílias che-gam a se apropriar de maisde 40% de toda a riquezanacional, embora o país re-gistre mais de 51 milhõesde famílias. Se se conside-ra somente a parcela da po-pulação que se concentrano decil mais rico, verifica-se que 75% de toda a rique-za contabilizada terminamsendo por ela absorvida.Em outras palavras, restam25% da riqueza nacional a

serem apropriados por 90%da população brasileira.

Esse descalabro em rela-ção à concentração sem li-mites da riqueza no paísnão é algo recente. Pelocontrário, isso parece seralgo consolidado desdesempre no Brasil, emboradesde 1980, com o abando-no do projeto de industriali-zação nacional, tenha avan-çado no país o ciclo da finan-ceirização da riqueza, com oretorno ao modelo primário-exportador de matérias-pri-mas e produtos agropecuá-rios. Da mesma forma queos ciclos econômicos ante-riores, o padrão distributivosegue inalterado, a não ser

Razões da desigualdade no Brasil

“AMarcio Pochmann

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pelo aprofundamento da de-sigualdade de renda e rique-za. Entre 1980 e 2000, porexemplo, quando o cresci-mento econômico foi pífio,praticamente dobrou emtermos absolutos e relati-vos a quantidade de famí-lias ricas. Também se tor-nou geograficamente maisconcentrada ainda a pre-sença dos ricos no Brasil.Atualmente, somente quatrocidades respondem porquase oito de cada dez famí-lias ricas no Brasil (SãoPaulo, Rio de Janeiro, Bra-sília e Belo Horizonte).

Como explicar tal situa-ção, que remonta à estabi-lidade secular no padrãoexcludente de repartição derenda e riqueza no Brasil? A

resposta talvez deva ser en-contrada na estabilidade dopoder em mãos do conser-vadorismo das elites nopaís. Assim como a renda ea riqueza, o poder no Brasilencontra-se muito concen-trado. Daí por que o país ja-mais ter vivido alguma expe-riência revolucionária. As in-surreições existiram, masforam, em geral, massacra-das pelas forças do con-servadorismo. Mesmo a re-volução burguesa ocorreudesfigurada, sem que fosseinofensiva ao padrão exclu-dente de repartição da ri-queza e renda.

(“Razões da desigualda-de no Brasil”, artigo

publicado na AgênciaCarta Maior, 28/09/2005)

Marcos Pazzini, há um claro movimento de ascensãosocial em curso. “Os domicílios da classe D (renda fa-miliar de R$ 570) subiram na pirâmide. Compraram maisbens duráveis e, como na classificação leva-se em con-ta também a posse destes bens, houve o avanço para aclasse média”, declarou ao jornal O Globo46.

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GASTO OU INVESTIMENTO?

O aumento do volume de recursos destinados a pro-gramas sociais como o Bolsa Família divide os especia-listas no setor. Para alguns, trata-se de um investimentoestratégico capaz de gerar uma dinâmica de desenvol-vimento na economia. Para outros, são gastos que au-mentam o endividamento do Estado e que não podemser significativamente elevados. Segundo um estudo téc-nico publicado pelo IPEA47, os gastos com programassociais de transferência de renda e com a previdênciasocial são os principais responsáveis pelo crescimentodos gastos públicos nos últimos anos. Na avaliação des-se estudo, o crescimento e a sustentabilidade da econo-mia brasileira só podem ocorrer “com o sacrifício degastos com as políticas sociais”. O argumento para sus-tentar essa posição é que, apesar dos esforços fiscaisdo governo federal desde 1999 e da melhoroa do perfile do custo da dívida pública, o investimento público vemcaindo e a carga tributária aumentando.

Em matéria publicada em julho de 2006, o jornal Fo-lha de S.Paulo sustenta que a “Previdência reduz maisa pobreza do que o Bolsa Família”48. O conteúdo damatéria da Folha de S.Paulo é menos categórico doque o título, mas o paralelo é interessante e vale a penaser investigado. Segundo o estudo no qual se baseia,os benefícios pagos a idosos e deficientes e as apo-sentadorias e pensões vinculadas ao salário mínimo con-tribuíram mais do que o Bolsa Família para a redução

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da pobreza em 2004. Sem o conjunto desses três pro-gramas, a proporção de pobres teria alcançado 38%da população naquele ano, sete pontos percentuaisacima dos 31% registrados oficialmente, afirma o es-tudo em questão. “Desses sete pontos, cinco são atri-buídos aos benefícios ligados ao mínimo, e dois ao Bol-sa Família e ao benefício específico a idosos e defici-entes”, diz a matéria da Folha de S.Paulo, apoiadano estudo do IPEA.

Há uma ressalva importante, porém, que relativiza umpouco o caráter categórico do título da matéria. Os da-dos do IPEA são baseados na Pesquisa PNAD do IBGE de2004, quando o Bolsa Família ainda estava sendoestruturado e atingia cerca de 6,5 milhões de famílias(59% da população considerada pobre no país). Comojá afirmamos, em 2006 o programa beneficia 11,1 milhõesde famílias, quase o dobro do que em 2004. O estudo doIPEA investiga como o pagamento de aposentadorias epensões vinculadas ao salário mínimo contribuiu para aredução da pobreza no país. Os benefícios do institutoNacional do Seguro Social (INSS), vinculados ao saláriomínimo, garantiram a redução de 5% do número de po-bres e indigentes, segundo os pesquisadores do Instituto.

O estudo sugere que a redução da pobreza tem umpesado custo fiscal. Somente em 2006, o pacote de be-nefícios com impacto na redução da pobreza deve cus-tar mais de R$ 70 bilhões aos cofres públicos, avaliamos pesquisadores do IPEA. O último reajuste do saláriomínimo, de R$ 300,00 para R$ 350,00, elevou o custo

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mensal da folha para cerca de R$ 4,5 bilhões em abrildeste ano. Em 2005, aposentadorias e pensões vincula-das ao mínimo consumiram R$ 40,3 bilhões.Volta a ve-lha discussão: esses recursos representam gastos ouinvestimentos? A matéria da Folha lembra que a equi-pe do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ten-tou debater a desvinculação desses benefícios do valordo salário mínimo, mas essa proposta acabou derrota-da. Ela defendia que os aumentos reais, acima da infla-ção, para o piso previdenciário eram os principais res-ponsáveis pelo crescimento do déficit do INSS. A solu-ção para reverter esse quadro seria a desvinculação,defendiam assessores do Ministério da Fazenda.

Os defensores da tese da prioridade do ajuste fiscaltambém queriam cortar as asas do Benefício de Presta-ção Continuada (BPC), pago há dez anos a idosos oupessoas deficientes de famílias extremamente pobres,independentemente de terem ou não contribuído para aPrevidência Social. Ainda segundo a matéria da Folhade S.Paulo49, um estudo anterior do IPEA foi usado pelaequipe de Palocci para propor a redução do valor dobenefício a 70% ou 80% do salário mínimo, além deelevar para 70 anos a idade mínima para o pagamentoaos idosos. Uma proposta que caminhava na direçãocontrária do texto do Estatuto do Idoso, aprovado em2004, que baixou a idade mínima de 67 para 65 anos.Agora, o novo estudo do IPEA diz que o BPC contribuiutanto quanto o Bolsa Família para a redução da pobrezaem 2004. Pagando um benefício maior – o valor do sa-

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lário mínimo – do que o Bolsa Família, o BPC foi respon-sável pela saída de famílias da situação de indigência oupobreza. Afirma o estudo:

“Enquanto o BPC e as aposentadorias e pensões

vinculadas ao mínimo são capazes de tirar grandeparte das famílias beneficiárias da indigência e

da pobreza, os outros programas de transferência

atuam mais sobre a intensidade da pobreza do quesobre a proporção de pobres”

O BPC consome mais recursos do que o Bolsa Família,embora este último atinja um número bem maior de pes-soas. Em 2003, quando o Bolsa Família custou R$ 3,6bilhões, o BPC pagou cerca de R$ 4,7 bilhões em benefí-cios. Em 2006, o primeiro atingiu a meta de 11,1 milhõesde famílias a um custo de R$ 8,3 bilhões, enquanto oBPC custará R$ 8,9 bilhões, beneficiando 2,5 milhões depessoas. Ainda segundo o estudo do IPEA, entre 72% e80% destes recursos vão parar nas mãos das famíliasmais pobres do país.

O IMPACTO NA ECONOMIA

Segundo matéria do jornal Valor Econômico,

“as transferências de recursos pelos programas

sociais a famílias pobres estão assumindo um peso

crescente na composição da renda disponível para

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o consumo de alguns Estados e substituindo, in-

clusive, a renda proveniente do trabalho”. [...] “Isso

ajuda a explicar por que nesses locais as vendas dovarejo têm crescido acima da média nacional, ape-

sar do emprego formal ter recuado ou crescido bem

abaixo da média do país” 50.

No Ceará, exemplifica, as vendas do comércio va-rejista cresceram 10,7% de janeiro a abril de 2006, en-quanto a ocupação com carteira assinada sofreu umaqueda de 0,4%. O dinheiro recebido pelas famílias aten-didas pelo Bolsa Família equivale hoje a 3,7% da mas-sa mensal de rendimentos do Ceará, um número supe-rior à média nacional, que, até maio deste ano, estavaem 1%.

Desde o início do programa, prossegue a matéria,em outubro de 2003, as vendas do varejo na regiãoNordeste acumulam um aumento de 54,2% (até abrilde 2006). Na região Norte, essa alta é de 46% e, noCentro-Oeste, chega a 42,6%. Por outro lado, nas re-giões Sul e Sudeste, essa alta é bem menor: 26,4% e33,6%, respectivamente. A manutenção do baixo índi-ce de inflação também tem contribuído para a eleva-ção do consumo, especialmente de produtos alimentí-cios. Diz a matéria:

“Em locais mais pobres, como os estados do

Norte e Nordeste do país, os alimentos represen-

tam uma parte maior da cesta básica. Em maio, o

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peso dos alimentos para o IPCA no Brasil foi de 21%.

Na região metropolitana de Fortaleza, os alimentos

representaram 27% do total gasto pelas famílias. EmSalvador e Recife, esse percentual foi de 25%”51.

Por outro lado, nas regiões Sul e Sudeste, em SãoPaulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, o peso dos ali-mentos e bebidas na cesta básica de consumo foi de20%, abaixo da média brasileira. Por meio do cruza-mento de dados do MDS com números da PNAD/IBGE de2004, o texto conclui que os estados do Sul e do Su-deste são menos beneficiados pelos programas detransferência de renda. Em São Paulo e em SantaCatarina, por exemplo, a renda proveniente dessesbenefícios equivale a apenas 0,3% da massa total desalários. Nessas duas regiões, acrescenta a matériado Valor Econômico, o aumento da geração de em-pregos com carteira assinada não foi suficiente paraelevar significativamente as vendas do comércio. Jáno Norte e no Nordeste os programas sociais vêm aque-cendo o comércio, tendência que deve se acentuar como aumento do salário mínimo.

Ouvida pelo jornal, a economista Giovanna Roca, doUnibanco, opinou que “enquanto o governo concedero benefício a tendência é que essas regiões desempe-nhem [sic] melhor do que o resto do país”. Outro eco-nomista, Sergio Vale, da empresa MB Associados, fezuma previsão pessimista acerca da continuidade desteimpacto positivo do Bolsa Família sobre as vendas do

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comércio. Segundo ele, esse movimento já tem seu fimanunciado, pois as condições que geraram o aumentoda massa de renda não terão como continuar se ex-pandindo em 2007. “O déficit da Previdência vai co-brar o preço do aumento do salário mínimo e o BolsaFamília parece ter chegado a um teto”, opinou. Umaprevisão semelhante àquela feita pelo estudo do IPEA,mencionado anteriormente, acerca do custo fiscal daspolíticas de redução da pobreza.

UMA CRÍTICA A CONSIDERAR: MIGALHAS E CAVIAR

O impacto do Bolsa Família sobre a redução consis-tente da desigualdade social no Brasil não é livre depolêmicas. Há quem acredite que, embora tenha efeitospositivos para a melhoria da vida de famílias mais po-bres, o programa é insuficiente para alterar significati-vamente o quadro da desigualdade social no país. Oeconomista Guilherme Delgado, do IPEA, que também émembro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, é umdos que fazem essa crítica. Em uma entrevista concedi-da em julho de 2006 ao site do Instituto Humanitas52, daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), deSão Leopoldo (RS), ele sintetizou aquela que é, talvez, acrítica mais consistente e provocativa às possibilidadesde impacto de um programa como o Bolsa Família nocontexto da atual política macroeconômica.

Nesta entrevista, Delgado aponta verdades, meias-ver-dades e mentiras neste debate. Ele reconhece, em pri-

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meiro lugar, que a distribuição na renda pessoal, captadana pesquisa nacional por amostra de domicílios, melhorouem função dos pagamentos de benefícios da seguridadesocial. “Como esses pagamentos tiveram um peso muitoexpressivo depois da Constituição de 1988, sobretudodepois da sua regulamentação, eles são permanentes evêm crescendo ao longo do tempo. Eles praticamentedobraram sua participação na renda domiciliar.” O pro-blema, segundo ele, é o uso dessa informação para outrospropósitos. Delgado sintetiza assim sua crítica:

“O fato de ter melhorado a distribuição de rendapessoal não significa que melhorou a distribuição

da renda social como um todo. Essa renda repre-senta apenas 31% da renda interna bruta. Os ou-

tros praticamente 70% são gerados nas empresas

financeiras e não-financeiras, ou de administraçãopública, e o perfil dessa outra estrutura tem cará-

ter de piora na distribuição. Isso acontece porque

há uma concentração de rendimentos oriundosdos juros e dos lucros contra os rendimentos dos

salários e ordenados. Então, melhora a distribui-

ção de renda domiciliar, mas piora a distribuiçãofuncional da renda, como nós chamamos, em lin-

guagem econômica, ou seja, lucros e salários.

Aquilo que melhora, melhora fundamentalmentenão por conta dos salários, mas por conta das

transferências constitucionais associadas aos di-

reitos de cidadania”53.

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Para o economista, o Brasil não está caminhando nadireção da melhoria da distribuição de renda social comoum todo.

“E uso um ‘não’ categórico baseado em dados.

A distribuição de renda funcional, ou seja, salá-rios, lucros, pioraram no período. Isso não sou eu

que afirmo. Se pegarmos o sistema de contas nacio-

nais de 1999 até 2003, que é quando o IBGE levan-tou essa informação, a distribuição de salários

versus o que chamamos de excedente bruto, que

seria uma medida do lucro bruto, piora. A propor-ção dessa renda de excedente bruto com relação aos

salários é crescente no período, ou seja, a massa delucros brutos está se elevando, o que era de se es-

perar, dada a política que foi posta em prática, prin-

cipalmente na dívida pública”54.

Delgado chama a atenção ainda para a necessidadede fazer algumas diferenciações.

“Uma coisa é a renda apurada pela PNAD, que é uma

fatia pequena da renda interna. Outra coisa é o con-junto da renda social, no qual temos mais concentra-

ção, pelo menos até 2003, que é quando temos o sis-

tema estruturado. A partir de então, mesmo sem da-dos, pelo ‘desconfiômetro’, temos a continuação do

mesmo padrão. Não houve mudança, por exemplo,

na política de pagamento de juros da dívida pública,

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nem na distribuição funcional para que possa se fa-

lar numa reversão de 2004/2005. Então, para deixar

claro, a verdade é que melhorou a renda da PNAD. E ameia verdade (talvez até mentira), é que melhorou a

distribuição de renda. Não melhorou. A distribuição

no conjunto da renda piorou no período e as contasnacionais mostram isso”55.

Indagado sobre a relação entre o crescimento da ren-da e do consumo das classes baixas com a distribuiçãode renda, ele observa que, nos levantamentos feitos pelaPNAD com as classes baixas, estão incluídas na distri-buição de renda a renda do trabalho e a renda oriundada seguridade dos pagamentos e transferências. Essadistribuição melhorou um pouco, afirma, mas não teriasido por causa do Bolsa Família, como se costuma falar.

“O Bolsa Família é um pingo d´água nessa histó-

ria. São os pagamentos dos direitos sociais que re-

presentam a grande fatia dessa transferência derenda. Isso causou uma melhoria que tem corres-

pondência no consumo popular das classes mais

baixas, o que não significa que melhorou a distri-buição de renda, porque os excedentes brutos das

empresas têm aumentado nesse período. É como se

estivessem fazendo uma política de migalhas paraos pobres e de caviar para os ricos. O tamanho do

caviar dos ricos aumentou, assim como aumenta-

ram também as migalhas dos pobres”56.

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Delgado também analisa a contribuição dos benefí-cios da seguridade social pagos pelo INSS para o cresci-mento da renda familiar. Ele observa que o INSS (quepaga as aposentadorias do regime geral da Previdênciae os benefícios da assistência social) é responsável, so-zinho, pelo pagamento, sob a forma de benefícios, dealgo em torno de 7,5% da renda interna bruta.

“Em 2006, isso é algo em torno de um pouco mais deR$ 160 bilhões que estão previstos no orçamento. En-

tão, esses pagamentos estão fortemente concentra-

dos no salário mínimo, porque os benefícios do INSS,dos R$ 24 milhões que ele paga, R$ 15 milhões são

benefícios de salário mínimo, que acabam tendo umforte impacto distributivo sobre a renda familiar”57.

Continua o economista:

“É por isso que, quando pegamos os dados da

PNAD, aparece que melhorou a distribuição de renda.E logo vem um eleitoreiro de plantão que diz: ‘Ah! isso

se deve ao governo Lula, ao Bolsa Família’. Só para

termos uma idéia da ordem de magnitude, os pagamen-tos do Bolsa Família, no ano passado, corresponderam

a 1/20 dos pagamentos do INSS. Não é que o Bolsa

Família seja negligenciável ou desnecessário. Mas, doponto de vista da análise, não podemos distorcer a

explicação. Ou seja, são direitos sociais básicos do INSS

e as rendas imputadas sob a forma de educação fun-

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damental e saúde pública que, nas contas nacionais,

representam a principal fonte de rendimento que me-

lhora a distribuição da renda pessoal”58.

São esse contexto e essa institucionalidade de direitossociais básicos que mudam a distribuição de renda, de-fende Delgado.

O economista chama a atenção ainda para o fato deque os salários estão em queda livre há um longo período.

“Eles têm uma queda apreciável desde 1980, 1990 e

2000, caindo na renda interna, compensados parcial-mente por esses pagamentos diretos e imputados da

política de direitos sociais. E agora podemos somar al-guns pingos d´água dados pelo Bolsa Família, que não

são desprezíveis e são até necessários. Se essa popu-

lação que recebe o Bolsa Família não o receber, nãopoderá acessar direitos sociais básicos, porque ela não

tem cidadania ligada ao mercado de trabalho, que é um

pouco o que garante o acesso dessa população aospagamentos do INSS. O Bolsa Família é necessário, e

eu não estou criticando-o, não. O que critico é o uso

indevido da informação estatística para o público”59.

O MENOR ÍNDICE DE DESIGUALDADE

DOS ÚLTIMOS 30 ANOS

A crítica de Delgado é consistente, mas não consen-sual. Para o coordenador de Avaliação de Políticas So-

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ciais do IPEA, Ricardo Paes de Barros, entre 2001 e2004, o Brasil registrou uma queda de 4% na desigual-dade de renda, ou seja, neste período os pobres brasi-leiros ficaram menos pobres e os ricos menos ricos.Paes de Barros defendeu essa posição durante o 17°Fórum do Planalto, realizado em Brasília em agosto de2006, que teve como tema “A redução da desigualda-de no Brasil”. Segundo ele, em 2001 o Brasil apresen-tava a mesma média de desigualdade dos últimos 30anos e agora, em 2006, registra a menor desigualdadedos últimos 30 anos. “Em termos da nossa história, nósfizemos muito”, resumiu.

Ainda segundo Paes de Barros, uma queda de 4% noCoeficiente de Gini (ver p. 82) significa que a renda dapopulação mais pobre cresceu mais rapidamente do quea renda da parcela da população mais rica. De acordocom a análise do coordenador do IPEA, essa queda dadesigualdade tem uma base ampla e variada, o que podegarantir sua sustentabilidade.

Para ele, três fatores centrais explicam pelo menosa metade dessa queda: a melhoria na rede de proteçãosocial, com a criação de programas como o Bolsa Fa-mília e o PETI; a expansão educacional; e a interiori-zação da economia. “É impressionante”, destacou,“como se reduziu drasticamente o diferencial de salá-rio entre o interior e a capital dos estados”. Mas essaconquista é apenas um passo numa caminhada aindamuito longa. Paes de Barros lembrou que o Brasil ain-da é um dos países mais desiguais do mundo. Apenas

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para chegar ao patamar da Tunísia, por exemplo, pre-cisamos manter essa redução por mais 20 anos. Umdos desafios, defendeu, é melhorar as oportunidadespara que os brasileiros adquiram habilidades, melhorara qualidade do trabalho, ampliar e qualificar o acesso àeducação em todos os níveis. O aumento no grau deescolaridade ocasionará, entre outras coisas, uma re-dução na diferença de salário entre o mais bem quali-ficado e o pouco qualificado.

Há um debate aberto sobre esse tema. Um debateestratégico para o país. O que parece inegável é quepoucas vezes na história do Brasil discutiu-se tanto otema do combate à pobreza e à desigualdade social. Asmelhores críticas a programas como o Bolsa Famíliaapontam, na verdade, para a necessidade de avançar apartir do ponto onde chegamos. E se as pesquisas eanálises citadas até aqui estão corretas, o ponto ondeestamos, no que diz respeito à luta contra a desigualda-de social, é o mais avançado da história do país. Se esteponto ainda está longe do ideal também é porque nahistória do nosso país a luta contra a pobreza, a fome eem prol de uma vida digna nunca foi tratada verdadeira-mente como uma política de Estado. Com todos os seuslimites, o Bolsa Família é, no mínimo, um indicador doquanto é possível fazer com políticas desse tipo. Políti-cas que acabam mudando a vida de muita gente. Quan-do não se tem nada, a vida pode começar a mudar comum prato de comida na mesa. Alguém duvida?

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ANEXO I

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ANEXO 1SUMÁRIO DA LEGISLAÇÃO SOBRE

O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIAE O CADASTRO ÚNICO DOS PROGRAMAS

SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL*

• Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001Institui o Cadastramento Único para Programas Sociais doGoverno Federal

• Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003(convertida na Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004)Cria o Programa Bolsa família e dá outras providências.

• Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.

• Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004Regulamenta a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria oPrograma Bolsa Família, e dá outras providências.

• Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006Atualiza os valores referenciais para caracterização das situ-ações de pobreza e extrema pobreza, no âmbito do ProgramaBolsa Família.

• Portaria Interministerial MEC/MDS nº 3.789, de 17/11/2004Dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e omonitoramento das ações de educação relativas às con-dicionalidades das famílias beneficiárias do Programa Bol-sa Família.

• Portaria Interministerial MS/MDS nº 2.509, de 18/11/2004Dispõe sobre as atribuições e normas para a oferta e o mo-

* A íntegra dos documentos legais listados está disponível em: <http://200.152.41.8/bolsafamilia/bolsafamilia05_01.asp>

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BOLSA FAMÍLIA

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nitoramento das ações de saúde relativas às condicionalidadesdas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

• Portaria SENARC/MDS nº 1, de 3 de setembro de 2004Disciplina as ações voltadas ao desenvolvimento, aplicaçãoe aprimoramento da metodologia-padrão construída parainstrumentalizar as atividades de fiscalização, acompanhamen-to e controle da execução e gestão local de programas muni-cipais e estaduais, apoiados financeiramente pela União, doPrograma Bolsa Família.

• Portaria GM/MS nº 2.246, de 18 de outubro de 2004Institui e divulga orientações básicas para Ações de VigilânciaAlimentar e Nutricional, no âmbito das ações básicas de saúdedo Sistema Único de Saúde - SUS, em todo território nacional.

• Portaria GM/MDS nº 660, de 11 de novembro de 2004Autoriza, em caráter provisório, os Comitês Gestores do Car-tão Alimentação e os Conselhos Municipais de AssistênciaSocial a realizar o controle social do Programa Bolsa Família.

• Portaria GM/MDS nº 737, de 15 de dezembro de 2004Regulamenta o Benefício Variável de Caráter Extraordinário doPrograma Bolsa Família.

• Portaria GM/MDS nº 246, de 20 de maio de 2005Aprova os instrumentos necessários à formalização da ade-são dos municípios ao Programa Bolsa Família, à designa-ção dos gestores municipais do Programa e à informaçãosobre sua instância local de controle social, e define o pro-cedimento de adesão dos entes locais ao referido Programa.

• Portaria GM/MDS nº 360, de 12 de julho de 2005Estabelece critérios e procedimentos relativos à transferên-cia de recursos financeiros aos municípios, Estados e Distri-to Federal, destinados à implementação e desenvolvimentodo Programa Bolsa Família e à manutenção e aprimoramentodo Cadastro Único de Programas Sociais.

• Portaria GM/MDS nº 454, de 6 de setembro de 2005Altera os artigos 6°, 7° e 8°, modifica o Anexo I e cria os Ane-xos II e III da Portaria GM/MDS n° 360, de 12 de julho de 2005.

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ANEXO I

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• Portaria GM/MDS n° 532, de 3 de novembro de 2005Define regras de fixação do calendário de pagamento dos be-nefícios financeiros do Programa Bolsa-Família e dos Progra-mas Remanescentes.

• Portaria GM/MDS nº 551, de 9 de novembro de 2005Regulamenta a gestão das condicionalidades do ProgramaBolsa Família.

• Portaria GM/MDS nº 555, de 11 de novembro de 2005Estabelece normas e procedimentos para a gestão de benefí-cios do Programa Bolsa Família, criado pela Lei 10.836, de 9de janeiro de 2004.

• Portaria GM/MDS nº 666, de 28 de dezembro de 2005Disciplina a integração entre o Programa Bolsa Família e oPrograma de Erradicação do Trabalho Infantil.

• Portaria GM/MDS nº 672, de 29 de dezembro de 2005Altera prazos fixados nas Portarias GM/MDS nº 246, de 20 demaio de 2005, GM/MDS nº 360, de 12 de julho de 2005 e GM/MDS

nº 555, de 11 de novembro de 2005, e estabelece critérios pararemuneração no Cadastro Único das famílias beneficiárias doPrograma de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

• Portaria GM/MDS nº 68, de 08 de março de 2006Altera prazos fixados nas Portarias GM/MDS n° 246, de 20 demaio de 2005, GM/MDS n° 360, de 12 dejulho de 2005 e GM/MDS

nº 555, de 11 de novembro de 2005.• Portaria GM/MDS nº 148, de 27 de abril de 2006

Estabelece normas, critérios e procedimentos para o apoio àgestão do Programa Bolsa Família e do CadastroÚnico de Pro-gramas Sociais do Governo Federal no âmbito dos municípios,e cria o Índice de Gestão Descentralizada do Programa.

• Instrução Normativa MDS nº 1, de 20 de maio de 2005Divulga orientações aos municípios, Estados e Distrito Federalpara constituição de instância de controle social do Programa BolsaFamília (PBF) e para o desenvolvimento de suas atividades.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 1, de 19 de maiode 2004

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Divulga procedimentos operacionais aos municípios para tra-tamento de bloqueios por multiplicidade cadastral.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 4, de 14 de feverei-ro de 2005Divulga procedimentos operacionais aos municípios para tra-tamento de bloqueios por multiplicidade cadastral.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 5, de 15 de feverei-ro de 2005Divulga procedimentos operacionais aos municípios paraimportação de base cadastral do Cadastro Único.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 7,de 20 de maio de 2005Divulga aos municípios instruções sobre procedimentosoperacionais para o tratamento de eventuais inconsistên-cias nos dados do Cadastro Único, publica os novos crité-rios de validação dos registros desse cadastro, e defineorientações para análise e validação dos resultados dacomparação dos dados de renda do Cadastro Único comos da Relação Anual de Informações Sociais de 2003.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 8,de 20 de junho de 2005Divulga auditoria realizada sobre as folhas de pagamento dosprogramas de transferência de renda do Governo Federal,assim como orientação aos municípios para tratamento decasos de multiplicidade cadastral.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 9,de 05 de agosto de 2005Divulga instruções sobre os procedimentos operacionais ne-cessários à formalização da adesão dos municípios ao Progra-ma Bolsa Família e ao Cadastro Único de Programas Sociais,orienta os gestores e técnicos sobre a designação do gestormunicipal do Bolsa Família e a formalização da Instância deControle Social do Programa, e especifica a documentação aser anexada para fins de comprovação das medidas adotadas.

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ANEXO I

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• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 10,de 31 de agosto de 2005Divulga orientações e procedimentos operacionais aos mu-nicípios e esclarece sobre procedimentos utilizados pelo Go-verno Federal para marcação de domicílios ativos e inativosno Cadastro Único.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 11,de 22 de novembro de 2005Divulga auditoria realizada sobre o Cadastro Único de Pro-gramas Sociais do Governo Federal e sua repercussão sobreos benefícios dos programas de transferência de renda doGoverno Federal.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 12, de 3 de feverei-ro de 2006Divulga aos municípios orientações sobre a repercussão au-tomática de alterações cadastrais do Cadastro Únicode Programas Sociais do Governo Federal no Sistema de Ges-tão de Benefícios do Programa Bolsa Família.

• Instrução Operacional SENARC/MDS nº 13,de 20 de abril de 2006Divulga os critérios utilizados para o processamento do blo-queio dos benefícios dos Programas Remanescentes com baseno CADBES e orienta as Prefeituras acerca da complementaçãodos dados e do desbloqueio dos benefícios.

• Instrução Operacional ConjuntaSENARC/SNAS nº 01, de 14 de março de 2006Divulga aos municípios orientações sobre operacionalizaçãoda integração entre o Programa Bolsa família e o Programa deErradicação do Trabalho Infantil, no que se refere à inserção,no Cadastro Único, das famílias beneficiárias do PETI e famí-lias com crianças/adolescentes em situação de trabalho.

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ANEXO II

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ANEXO 2UMA AGENDA RECUPERADA

POSSIBILIDADES PARA O FUTURO: OEXEMPLO DA REFORMA AGRÁRIA

Atualmente, existem no país cerca de 4 milhões de famíliasde agricultores familiares, das quais 1,6 milhão está na linhade pobreza. Dos 72 milhões de brasileiros que vivem em situ-ação de insegurança alimentar leve (PNAD/IBGE 2004), cerca de15,4 milhões de pessoas vivem no meio rural. E dos 14 milhõesde brasileiros em situação de insegurança alimentar grave,aproximadamente 3,5 milhões residem na zona rural. Um dosobjetivos de caráter estratégico do Programa Bolsa Família écriar condições para a construção de políticas estruturantescapazes de gerar uma dinâmica sustentável de desenvolvi-mento, de redução da desigualdade social e de geração derenda, empregos de qualidade e de trabalho que gere valoragregado e conhecimento para o país.

Uma dessas políticas estruturantes que poderia poten-cializar o Bolsa Família é o Plano Nacional de Reforma Agrária(PNRA), que, apesar de suas limitações orçamentárias, mostrouser uma das ferramentas mais poderosas para concretizar navida das pessoas o princípio da segurança alimentar. Trata-se de uma política que não se esgota na mera distribuição deterras, mas que articula um conjunto de iniciativas que colo-cam no centro do debate o próprio conceito de modelo dedesenvolvimento. Apresentamos a seguir um resumo de umdebate preparatório à Conferência Internacional de ReformaAgrária, promovida pela Organização das Nações Unidas paraa Agricultura e Alimentação (FAO), em março de 2006, em Por-

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to Alegre, que apresenta as linhas gerais do que pode ser essenovo modelo e suas relações com um conjunto de políticaspúblicas que deveriam ser adotadas para torná-lo algo maispróximo da realidade.

Cerca de 40% da força de trabalho do mundo hoje vivemno campo, abrangendo uma população estimada entre 2 bi-lhões e 3 bilhões de pessoas. Esse dado, apresentado peloeconomista Ignacy Sachs, na Oficina Preparatória para a Con-ferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvi-mento Rural (CIRADR-FAO), já seria suficiente para justificar aatualidade da agenda da reforma agrária. Atualidade estaquestionada nas últimas décadas pelos defensores de ummodelo econômico que associou o trabalho rural ao atraso,igualou a modernidade à vida urbana e condenou a reformaagrária como uma pauta anacrônica e inútil. Mas os núme-ros citados pelo diretor honorário de estudos da Escola deAltos Estudos em Ciências Sociais, de Paris, vieram acom-panhados de diagnósticos que desmentem o elogio deslum-brado de uma modernidade que segue expulsando, todos osanos, milhões de pessoas do campo para a periferia das ci-dades. Outros números, relativos à realidade brasileira, re-forçam essa percepção. O Brasil possui 4,8 milhões de esta-belecimentos rurais. Destes, 4,1 milhões são estabelecimen-tos de agricultura familiar, responsáveis por 77% dos em-pregos rurais e 60% da produção de alimentos no país. Em2003, as cadeias produtivas da agricultura familiar respon-diam por 10% do PIB brasileiro.

Alicerçados nestes números, os debates da oficina prepa-ratória à conferência internacional da FAO, realizada em PortoAlegre de 7 a 10 de março de 2006, apresentaram, sobretudo,a atualidade de uma agenda recuperada. A expressão justifi-ca-se pela história recente do debate sobre a reforma agráriae o desenvolvimento rural. A última conferência internacio-nal da FAO sobre o tema foi realizada havia 27 anos, em 1979.O silêncio que se seguiu é elucidativo a respeito do que se

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ANEXO II

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passou no mundo neste período. E esse silêncio foi radiogra-fado no debate realizado no auditório do Itamaraty, uma inici-ativa do Comitê Brasileiro, coordenado pelo Ministério do De-senvolvimento Agrário (MDA) e pelo Ministério das RelaçõesExteriores, e composto por 29 entidades da sociedade civil eórgãos federais, e o escritório da FAO no Brasil. Uma das in-formações esquecidas que a radiografia mostrou foi a de queo processo histórico de ocupação de terras levou à confor-mação de um modelo agrário que coloca o Brasil entre os paí-ses com os maiores índices de concentração de terras do mun-do. A conferência organizada pela FAO será uma grande opor-tunidade para atualizar o debate sobre essa realidade.

Criada em 1945 com o objetivo de combater a fome no mun-do, a FAO experimentou uma inflexão em seu trabalho já no anoseguinte, a partir da publicação do livro Geografia da fome,de Josué de Castro. Ganhou intensidade aí, de um modo maispotente, o debate sobre a posse da terra. Uma das questõesque esse debate vai levantar é a relação íntima entre pobreza,fome, concentração de terra e de renda, uma conexão que vaiconter o crescimento da agricultura. No decorrer da décadade 1950, a FAO começou a discutir o conceito de propriedade.Na década seguinte, intensificou-se o debate sobre as rela-ções entre fome, pobreza e acesso à terra, processo que iriaculminar, em 1979, com a realização da primeira ConferênciaInternacional sobre reforma agrária, que teve como documentofinal a “Carta do Camponês”. A partir daí, veio um período desilêncio, um silêncio na verdade atravessado por aconteci-mentos bastante ruidosos que aumentaram a expulsão dehomens e mulheres do campo e ajudaram a engrossar osbolsões de pobreza nas periferias urbanas. Em 1992, lembrouPaulo Groppo, a FAO chegou a ser pressionada para retirar otema da reforma agrária de sua agenda, o que levou a organi-zação a pensar sobre essa pauta com mais profundidade. Foium período também em que os agricultores e suas organiza-ções foram submetidos a um intenso processo de exclusão.

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O que emergiu da radiografia desse silêncio de 27 anos?Em primeiro lugar, um diagnóstico sobre o crescente proces-so de exclusão de milhões de pessoas, expulsas de suasterras e despejadas nas periferias pobres de médias e gran-des cidades. Um processo repetido no Brasil e em váriasoutras partes do mundo. Como lembrou o secretário execu-tivo do Ministério das Relações Exteriores, Samuel PinheiroGuimarães, uma das principais características da sociedadebrasileira segue sendo a desigualdade social, a concentra-ção de renda e de propriedade. Historicamente, esse proces-so de concentração esteve associado, entre outras coisas,ao latifúndio e à escravidão. O latifúndio segue sendo umarealidade e a escravidão deu lugar às suas expressões mo-dernas, o trabalho escravo, o trabalho infantil. A agenda dareforma agrária bate de frente com essa realidade e, ao mes-mo tempo, é desafiada por ela.

Um dos maiores desafios é explicitar com mais clareza a rela-ção entre a questão agrária e o modelo de desenvolvimentoadotado pelo país. O Brasil mudou muito nas últimas décadas,tornando-se um país predominantemente urbano. No entanto,ao lado dessa urbanização crescente e da constituição de imen-sas concentrações populacionais nas regiões metropolitanas,a grande maioria dos municípios brasileiros segue tendo suadinâmica econômica e social marcada pelas atividades rurais,agrícolas e não-agrícolas. No campo, o chamado agronegócioé considerado por muitos a expressão da modernidade no se-tor rural. No entanto, a maior parte dos alimentos consumidospela população é produzida pelos agricultores familiares. Agri-cultores estes, homens e mulheres, que sofrem uma constantepressão dos mecanismos que alimentam o processo de con-centração de riqueza, propriedade e poder na sociedade brasi-leira. Assim, confrontar a estrutura agrária do país implica con-testar o próprio modelo de desenvolvimento que privilegia,entre outras coisas, a grande propriedade, o mercado externo ea desregulamentação do trabalho na cidade e no campo.

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ANEXO II

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UM PROBLEMA GLOBAL

É neste contexto que deve ser entendida a frase de SamuelPinheiro Guimarães: “a reforma agrária não é apenas um temade política interna”. Na verdade, o debate sobre esse tema estáintimamente ligado ao debate sobre qual o modelo de desen-volvimento que se quer para o país e em que medida esse mo-delo determina a inserção do Brasil no mundo. Reconhecer anatureza e o significado dessa relação é o primeiro passo paraentender não só a atualidade, mas também a amplitude da pau-ta da reforma agrária. Um dos pontos que a conferência demarço de 2006 pretendeu fixar é que essa amplitude é global epassa por temas como meio ambiente, comércio, desenvolvi-mento, energia, segurança alimentar, discriminação contra mu-lheres e opressão étnica, entre outros. A urgência que essestemas adquirem hoje se deve, em certa medida, à interdição im-posta a eles por um modelo econômico hegemônico que che-gou a apregoar o fim da história. O crescente clima de instabi-lidade social, política e ambiental, em escala global, provocourupturas nesta interdição.

Rupturas provocadas também por repetidas erupções deviolência, como a que surpreendeu os franceses no iníciode novembro de 2005, como assinalou José Tubino, repre-sentante da FAO no Brasil. Uma convulsão urbana cujos agen-tes centrais são jovens desesperados e desesperançados,sem oportunidade de emprego e sem perspectiva de futuro.Uma realidade conhecida em centenas de médias e grandescidades, que passaram a abrigar barris de pólvora, prontosa explodir quando menos se espera. O que isso tem a vercom o debate da reforma agrária e do desenvolvimento ru-ral? Nos explosivos cinturões de periferia que circundam ascidades, há milhões de pessoas que foram expulsas de suasterras, uma exigência da “modernização” industrial que pro-meteu conduzir o mundo a um período de paz e prosperida-de. Passaram-se os anos e, no lugar da paz e da prosperida-

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de, instalaram-se a violência e a ausência de perspectivas.Chegamos até aí não por acaso, mas por escolhas políticase econômicas muito bem identificadas.

O diretor da Divisão de Desenvolvimento Rural da FAO esecretário do Comitê Organizador da conferência de PortoAlegre, Parviz Koohafkan, apontou a lógica geral que regeutais escolhas. No contexto internacional, um modelo deglobalização baseado no capital financeiro, que trouxe comosaldo negativo a exclusão social, o crescimento da pobreza eda desigualdade social e a destruição ambiental. Esse modeloveio acompanhado de políticas econômicas quedesfavoreceram o setor rural, particularmente os pequenosagricultores e agricultoras que trabalham em regime familiar eas comunidades rurais tradicionais, e promoveram a degra-dação da terra, dos recursos hídricos, do ar e dabiodiversidade. Tal cenário justifica, por vários motivos, aimportância e a urgência da agenda da reforma agrária. O prin-cipal deles está baseado na compreensão de que ela é umacondição necessária para enfrentar esses problemas. E é ne-cessária porque a crítica desse modelo concentrador, destrui-dor e excludente anda de mãos dadas com a defesa da agri-cultura familiar e das comunidades rurais como fator de redu-ção da pobreza e da exclusão nas cidades, além de ser umacondição para a melhoria da segurança alimentar.

UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

A hegemonia desse modelo de globalização foi tal que aspautas da reforma agrária e do desenvolvimento rural foramquase varridas do mapa político internacional, um processoque se aprofundou a partir dos anos 1980. Nas duas décadasanteriores, a reforma agrária era uma iniciativa de governosque conseguiu alguns avanços significativos. A era de pre-domínio do capitalismo financeiro não só bloqueou esse pro-cesso como provocou vários recuos. A entrada em cena de

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novos movimentos sociais, organizados a partir da mobiliza-ção de agricultores sem-terra, de pequenos agricultores, po-vos indígenas e outras populações rurais tradicionais, foi fa-zendo com que, aos poucos, a agenda da terra começasse aser recuperada. Iniciativas como a do governo brasileiro, deimplementar, com todos os seus limites, um Plano Nacionalde Reforma Agrária, alimentaram e fortaleceram a esperançadessa retomada. E chegamos hoje a um renovado diálogo entregovernos, organismos internacionais e movimentos sociaispara tentar recolocar, de uma vez por todas, esse debate emescala global.

Essa retomada está acontecendo de um modo distinto àque-le verificado em outras épocas, quando os governos eram osprincipais protagonistas do debate sobre a questão agrária. Ametodologia de construção da CIRADR é um exemplo disso. Naabertura da oficina preparatória, os representantes da FAO elo-giaram o processo de consulta implementado pelo governobrasileiro junto a organizações sociais para a definição de umaagenda mínima comum a ser levada a Porto Alegre. Neste pro-cesso de construção coletiva, os canais de diálogo estendem-se também a outras áreas. A Conferência Nacional do MeioAmbiente, realizada em dezembro de 2005, integrou-se tambémna preparação do encontro para discutir reforma agrária e de-senvolvimento rural. No plano internacional, a FAO, por meiodo comitê organizador do evento, desenvolveu um processode consultas e debates envolvendo de 15 a 20 países. Por in-fluência brasileira, admitiu Flavio Perri, representante do Brasilna FAO, a organização abriu o processo de construção da con-ferência para a sociedade civil.

A escolha metodológica está relacionada também a um dosefeitos negativos do atual modelo de globalização: o déficitdemocrático e a destruição dos espaços de diálogo e deba-te. A conferência paralela, que tradicionalmente acompanhaos eventos da ONU, pretende inovar neste aspecto, com aconstrução de pontes entre os dois encontros (o oficial e o

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paralelo), através de intervenções o mais paritárias possívele com uma representação mais proporcional de participan-tes do fórum paralelo no oficial. Não se trata apenas do re-conhecimento da importância do método participativo, mastambém da compreensão de que os problemas em cada paíssão muito diferentes e de que somente um diálogo abertoentre essas diferenças pode auxiliar na identificação de pro-blemas e estratégias comuns.

A questão da democracia atravessa esse debate de diferen-tes maneiras. Como lembrou a ministra do Meio Ambiente,Marina Silva, a proposta de democratização do acesso à terraestá relacionada aos debates sobre novos paradigmas de de-senvolvimento sustentável, à defesa da preservação dos co-nhecimentos tradicionais das populações rurais, à segurançaalimentar, entre outros. Temas que mostram, segundo ela, anecessidade de construir uma ponte entre a tradição e amodernidade e de olhar para esses conceitos e problemas comuma nova perspectiva cultural e ética. Afinal de contas, em ummundo em que cerca de 2 bilhões de pessoas passam fome, otema da segurança alimentar não pode ser tratado meramentecomo uma questão técnica a ser resolvida por especialistas.

FORTALECER A CULTURA DA REFORMA AGRÁRIA

As ramificações culturais do debate sobre a questão agrá-ria podem ser mais profundas do que parecem. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, LuizDulci, citou um obstáculo a ser vencido nesta direção. Maisuma vez a referência à hegemonia neoliberal nos anos 1990 éinevitável. Além de estigmatizar a questão agrária como algosuperado, essa hegemonia fortaleceu forças políticas que tra-balharam – e seguem trabalhando – cotidianamente paradesqualificar esse debate, como se fosse uma questão resi-dual de menor importância. No Brasil, assinalou Dulci, há for-ças que não se assumem como adversárias da reforma agrá-

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ria, mas que são adversárias dela de fato. E com poder de in-fluenciar a opinião pública. Daí a necessidade de fortalecer acultura da reforma agrária e qualificar o debate conceitual emtorno dessa agenda.

A amplitude desse debate conceitual deve ser uma dasnovidades da conferência de Porto Alegre. O então ministrodo Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, relacionoualguns dos novos temas que já integram esse debate:quilombolas, povos indígenas, igualdade de gênero e acessoa direitos. E não o integram de um modo isolado, mas no con-texto da discussão sobre a necessidade de construção de ummodelo sustentável de desenvolvimento para o Brasil e dadefesa do fortalecimento dos organismos multilaterais por umanova agenda global. Na avaliação de Rossetto, a agenda so-bre políticas agrícolas não pode estar concentrada exclusiva-mente no âmbito das negociações da Organização Mundialdo Comércio (OMC). Na reunião de Hong Kong, em dezembrode 2005, lembrou, mais uma vez as políticas agrícolas expuse-ram as maiores contradições do modelo atual de comércio in-ternacional. E não há como a FAO não ter um papel protago-nista neste processo. Após 27 anos, a FAO terá essa oportuni-dade agora. A conferência de Porto Alegre representou umaoportunidade também para o resgate de algumas idéias e con-ceitos cuja morte já havia sido decretada pelos partidários domodelo econômico hegemônico hoje. Idéias e conceitos quepodem contribuir fortemente para a proposta de fortalecimen-to da cultura da reforma agrária junto à sociedade.

IDÉIAS PARA UMA NOVA AGENDA

Uma dessas idéias, muito discutida nos anos 1960, foi des-tacada por Ignacy Sachs. Ela defende que é possível avançarmuito com um modelo de crescimento puxado pelo empregosempre que haja, ao mesmo tempo, uma grande produção dealimentos para enxugar a maior demanda resultante de um

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crescimento da massa salarial. Isso é o “bê-á-bá” de Keynes,lembrou. Muitos economistas sustentam que países como oBrasil não podem ter grandes taxas de crescimento, pois issoaqueceria demasiadamente a economia, elevando muito o ní-vel de consumo e, por conseguinte, trazendo a volta da infla-ção. Mas, segundo a idéia citada por Sachs, não há risco deinflação se existe capacidade de lançar no mercado bens desalário que enxuguem o aumento da demanda. Os alimentossão justamente os maiores bens de salário. Ou seja, uma re-forma agrária e um projeto de desenvolvimento rural que es-timulem a produção de alimentos para o mercado interno po-deriam ser poderosos instrumentos para alavancar o cresci-mento da economia de um modo sustentável.

Outra idéia que aponta nesta mesma direção é a de umdesenvolvimento territorial participativo e negociado, quevem sendo desenvolvida pela FAO. Uma proposta que tam-bém prioriza a agricultura familiar e a produção de alimentospara os mercados nacionais. No início da oficina prepara-tória, alguém disse que essas idéias haviam sido jogadaspara escanteio nos últimos anos. Sachs corrigiu: elas nãoforam jogadas para escanteio, foram expulsas de campo comcartão vermelho. E quais são as chances reais de elas vol-tarem ao jogo agora? No caso do Brasil, apesar de todosos limites e contradições que atravessam o governo Lula,a implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária(PNRA), o Programa Fome Zero e o fortalecimento dos mo-vimentos sociais do campo ajudaram a criar um terreno maisfavorável para o seu florescimento. Em outros países, aocontrário, o que se deu foi um processo de contra-reformaagrária, de adoção de políticas para desfazer avanços quehaviam sido conquistados.

Por isso, registrou ainda o economista, nada melhor doque realizar uma conferência sobre reforma agrária em umpaís onde ela faz parte da agenda política. Esse clima maisfavorável, comparativamente ao que se verifica em outros

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países, é um fator que oferece mais tempo e espaço parainvestigações conceituais e metodológicas importantes.Como, por exemplo, estabelecer uma tipologia de reformasagrárias, propôs Sachs. Temos, entre um leque de modelos,a reforma agrária de mercado defendida pelo Banco Mundi-al (em que não há indenização mas operações negociadasde compra e venda) e a reforma agrária feita com desapropri-ações sem pagamento de indenizações. Entre esses doismodelos extremos, o uso de indenizações é o padrão maiscomum em todas as partes do mundo. Segundo Sachs, valea pena resgatar essa história e concentrar nosso estudo emuma questão fundamental: por que esse segundo tipo de re-forma agrária não avançou como deveria ter avançado?

A resposta a essa questão certamente tem a ver com o pe-ríodo de hegemonia do modelo neoliberal descrito acima e coma expulsão que atingiu a questão agrária como um fator rele-vante para o desenvolvimento de um país. Mas refletir sobreas implicações de tais perguntas ajuda a entender qual omodelo de reforma agrária que pode ser buscado hoje, nascondições atuais do mundo. Neste modelo a ser buscado, oacesso à terra certamente é um primeiro passo. E certamentenão é o único. Qualquer proposta séria nesta área deve ter aforma de um feixe de políticas públicas simultâneas que ga-rantam, além do acesso à terra, acesso a conhecimento técni-co, a equipamentos, a crédito e, importante não esquecer, amercados. Outra preocupação dessas políticas, defendeuSachs, está relacionada à organização das entidades que sur-gem do processo de reforma agrária.

Defensor do empreendedorismo coletivo, ele advertiu quenão é suficiente distribuir terra e deixar os agricultores se vi-rarem por sua conta. A terra precisa vir acompanhada de umconjunto de políticas de apoio e cooperação. Aí aparece maisum dos laços que vinculam a agenda específica da questãoagrária com a pauta mais ampla acerca de qual modelo de de-senvolvimento queremos. Pois pressupor a necessidade de

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um feixe de políticas públicas tais como as descritas acimaimplica defender a existência de um Estado desenvolvi-mentista, outra idéia que foi posta para escanteio ou expulsade campo, como prefere dizer Sachs. A aposta é que, em vir-tude do agravamento de um conjunto de problemas sociais eambientais, essas idéias interditadas estão ganhando umanova oportunidade.

Há muita gente que para defender a transferência das po-pulações rurais para as cidades diz que o rural pertence aopassado. Mas o que seria exatamente um campo sem homens,considerando que 40% da força de trabalho, algo entre 2 bi-lhões e 3 bilhões de pessoas, seriam jogados para favelas ezonas de periferia? Sachs perguntou e ele mesmo respondeu:isso não é um processo de urbanização, mas sim um processode êxodo forçado do campo. As pessoas submetidas a essetipo de deslocamento passam a viver num purgatório. Namelhor das hipóteses, elas são candidatas a serem urbaniza-das. Assim, é o próprio desenho de nossas cidades que estáem xeque quando pomos em evidência essas distorções gri-tantes. Como estão, elas se tornaram aglomerados altamenteinstáveis e potencialmente explosivos. O que é mais incrívelé que, apesar desse quadro, o rural siga sendo estigmatizadopor muitos como um sinônimo de atraso. Nossas grandes ci-dades seriam a expressão do avanço, portanto? Quem moranelas ou as conhece terá muita dificuldade de entender esseconceito de “avanço”. Esses seriam, segundo Sachs, algunsdos principais imperativos sociais para justificar a atualidadee a urgência da questão agrária.

IMPERATIVOS AMBIENTAIS E ENERGÉTICOS

Mas esses imperativos não são apenas sociais. Há aque-les de natureza ambiental também, acrescentou o economis-ta. Agricultores familiares, quando enquadrados em políti-cas de desenvolvimento, tornam-se os maiores defensores

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do meio ambiente. Para Sachs, a melhor maneira de protegero meio ambiente não é deixar o homem de fora dele, criandograndes reservas naturais inacessíveis ao homem. O cami-nho seria outro: não deixar de fora, mas aprender a usar semdestruir. O caminho da sustentabilidade não seria o cami-nho da criação de reservas, simplesmente. O segundo impe-rativo ambiental apontado por ele para justificar a importân-cia estratégica da reforma agrária está relacionado à atualmatriz energética do planeta.

Um dado sobre o Protocolo de Kyoto explicita onde está o“X” da questão: mesmo se esse acordo for realizado em 100%,o que é pouquíssimo provável, para dizer o mínimo, terão sidofeitos 6% do que precisa ser feito para reduzir de modo signi-ficativo o atual nível de emissão de gases poluentes para aatmosfera. Além disso, o Protocolo de Kyoto deixa fora paí-ses como a China, que caminha rapidamente para se tornar asegunda nação mais poluidora do planeta. Conclusão: se emduas décadas não sairmos da energia fóssil, vamos enfrentarproblemas muito sérios. Onde entram a reforma agrária e odesenvolvimento rural neste debate? Segundo Sachs, entramjustamente na medida em que significam uma peça-chave naconstrução de um novo modelo energético global baseadoem biocombustíveis.

Em 2005, já estaríamos começando a assistir ao início dofim da era do petróleo. O que 30 anos de discursoambientalista não conseguiram, seis meses de crise do preçodo petróleo conseguiram, ironizou. É claro que o petróleo nãovai desaparecer dentro de alguns anos. Como lembrou Sachs,essas transições normalmente não se dão por esgotamentofísico, nem por problemas de escassez, mas por razões de efi-cácia e da relação custo–benefício. Foi assim quando saímosda lenha para o carvão e, mais tarde, quando saímos do car-vão para o petróleo. Estaríamos hoje em vias de entrar em umprocesso semelhante, em função das imensas potencialidadesde energia renovável a partir do uso de biomassa, a partir do

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uso de resíduos que normalmente não são aproveitados paranada. E o Brasil é um dos países com maior potencial para de-senvolver uma espécie de “Programa Manhattan de energiarenovável” (uma referência de Sachs ao projeto do governodos Estados Unidos que reuniu uma elite de cientistas inter-nacionais para a criação da primeira bomba atômica). Já há al-guns projetos, ainda em fase inicial, que apontam nesta dire-ção, como é o caso do biodiesel. Isso abre possibilidades parabiocombustíveis e, sobretudo, para uma nova fase de desen-volvimento rural.

Mas a substituição do petróleo por biocombustíveis nãoesgota a necessidade de um novo modelo energético. O perfilessencial dessa mudança está na outra ponta, no perfil dademanda, dos consumidores de energia. A agenda aqui tam-bém é desafiadora: priorizar a construção de sistemas detransporte coletivo mais eficientes, diminuir a distância en-tre o lugar em que se produz e aquele em que se consome,redesenhar as cidades. É um programa de governo, pratica-mente. Tudo isso pode ser alavancado por políticas públi-cas ou ser contrariado por elas. Essa última opção tem sidomais freqüente. O fato é que o Brasil, um país que tem seisvezes mais terras que a França, está sentado sobre uma gran-de oportunidade, possuindo condições altamente favorá-veis para construir um novo paradigma energético. Abiodiversidade, a biomassa e a biotecnologia constituem,segundo Sachs, um tripé estratégico capaz de engendrar umnovo padrão civilizatório.

No entanto, aqui cabe uma advertência: também é possívelproduzir uma montanha de biocombustível sem homens. Ouseja, essa visão não garante, necessariamente, um modelo quepriorize a agricultura familiar. A ressalva feita por Sachs éimportante, entre outras razões, por chamar a atenção para acomplexidade e as armadilhas que podem estar no caminhoda construção de um projeto de desenvolvimento ruraldesconcentrador de propriedade e de renda. Serve também

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ANEXO II

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para alertar sobre a importância de estar preparado para res-ponder a argumentos que pretendem desqualificar propostasalternativas ao modelo do agronegócio.

Um exemplo disso é o argumento que recorre a premissasambientais para rejeitar a proposta de utilização da biomassapara produção de energia. Segundo esse argumento, nãopoderíamos permitir que problemas energéticos viessem acompetir com problemas de segurança alimentar. Sachs res-ponde: esse cálculo não está bem feito, falta uma visãosistêmica do problema, que leve em consideração os sistemasintegrados de produção que permitem a poupança de áreascultivadas. A maior lição que os ecologistas deram aos eco-nomistas, segundo ele, é que os modelos econômicos têm quelevar em conta as noções de ecossistema (sistemas integra-dos) e de resíduo (que, normalmente, pode ser reaproveitado).Diante da crise energética que o mundo vive hoje, um dosprincipais desafios políticos que se apresentam, defendeuainda Sachs, é usar essa situação como uma oportunidade,não para repetir experiências como a do Pró-álcool(implementada com concentração territorial e concentração derecursos), mas para construir políticas de desenvolvimentorural direcionadas segundo o princípio da FAO – desenvolvi-mento territorial, participativo e negociado. Uma última adver-tência: esse processo não deve ser pensado em abstrato, massim ancorado em realidades concretas, considerando-se todaa sua complexidade.

A AGENDA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

As propostas apresentadas até aqui para uma reforma agrá-ria articulada com um projeto de desenvolvimento rural são osonho de todos os movimentos sociais do campo e da cida-de, como resumiu Paulo Carallo, da Confederação Nacionaldos Trabalhadores na Agricultura (Contag). O problema éconfrontá-las com a realidade brasileira e ver o quanto ainda

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são um projeto a ser construído. A concentração fundiáriacontinua a ser uma realidade, o agronegócio expande-se peloCentro-Oeste e pelo Norte do país com a monocultura da soja,acompanhado por práticas de trabalho escravo e trabalhoinfantil. A violência no campo continua a matar trabalhado-res rurais. Outros efeitos do agronegócio são a destruição domeio ambiente, o aniquilamento da cultura camponesa e o au-mento da população das favelas urbanas. Todas essas con-seqüências negativas são potencializadas pela perda da capa-cidade de intervenção do Estado, após duas décadas de polí-ticas que defenderam e praticaram seu desmantelamento.

Essas são as linhas gerais do cenário no qual se movem osmovimentos sociais. A Conferência de Porto Alegre represen-tou uma oportunidade não só de elaborar uma proposta dedesenvolvimento rural com reforma agrária, mas também demostrar para a sociedade os problemas do país. Problemas quetêm uma raiz estrutural, mas que foram agravados pelaagressividade das políticas neoliberais. Na avaliação de Ro-gério Mauro, do Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST), o capitalismo em sua fase neoliberal não só nãodeu conta de resolver o problema agrário, como o agravou,especialmente nos países periféricos. A agricultura dessespaíses, entre os quais o Brasil está obviamente incluído, pas-sou a ser controlada pelo capital financeiro transnacional.Suas corporações controlam praticamente todos os proces-sos de produção e comercialização, condicionando fortementea produção de alimentos.

Uma das conseqüências perversas desta hegemonia foi quemais de 1 milhão de famílias de agricultores deixaram o campono Brasil na década de 1990. Além disso, ocorreu uma des-truição intensa de empregos agrícolas, com aumento de con-centração da terra, do capital e, conseqüentemente, do poderpolítico. A reforma agrária foi expulsa do campo e oagronegócio tornou-se o símbolo da modernidade, alimentan-do um modelo agrícola altamente concentrador de renda, vol-

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ANEXO II

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tado para o mercado externo e com um grande potencial des-truidor do meio ambiente. Neste contexto, assinalou RogérioMauro, a reforma agrária passou a ser tratada como uma merapolítica compensatória ou, pior, acabou engolida por movi-mentos de contra-reforma agrária. Mesmo diante de tantasadversidades, os movimentos sociais do campo conseguiramajudar a trazer a reforma agrária de volta ao debate internacio-nal. O futuro da experiência brasileira, sintetizada no PNRA, évisto com um misto de expectativa e preocupação.

Nas palavras de Paulo Carallo, o PNRA não é o ideal, mas éo melhor plano que já foi feito no país, apresentando avançosimportantes como a titulação de terras e um programa aindatímido, mas importante, de geo-referenciamento e regulariza-ção fundiária. Problemas não faltam, como a falta de recursose a dificuldade enfrentada para alterar os índices de produti-vidade utilizados na desapropriação, que permanecem osmesmos há 25 anos. A pressão dos ruralistas permanece muitoforte. Um dos problemas que acentuam a preocupação comos limites enfrentados para implementar o PNRA é que, do outrolado, monoculturas de soja e eucalipto avançam em vários es-tados do país. Mas o problema central é mesmo o dos limitesimpostos por uma política econômica condicionada pela lógi-ca de produzir superávits primários progressivamente rigoro-sos. Um cenário bastante adverso, em resumo, que só poderáser resolvido, avaliam os movimentos, com luta, mobilizaçãoe maior unidade estratégica entre as diferentes organizações.

Ignacy Sachs disse entender as manifestações de impaci-ência dos movimentos sociais, mas destacou que, nos últi-mos dez anos, houve uma aceleração do processo de reformaagrária no Brasil. Poderia andar mais depressa, mas é um dosmais avançados do mundo, sustentou, lembrando que assen-tar de 600 mil a 700 mil famílias não é uma coisa desprezível.Uma questão que não deve ser esquecida, assinalou, é que oBrasil está na contramão da tendência mundial de realizarcontra-reformas agrárias.

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A pergunta repetida várias vezes diante desse quadro delimitações e adversidades é clara e direta: qual é mesmo o realsentido da reforma agrária hoje? Há uma razoável convergên-cia nas respostas: política de democratização do acesso à terra,capaz de produção de emprego e renda, defesa de um modelode agricultura sustentável como apoio à agricultura familiar,democratização do acesso ao conhecimento, à educação, àinfra-estrutura, ao seguro agrícola, respeito aos direitos étni-cos de índios e negros, defesa da biodiversidade, fim das di-ferenças de tratamento entre homens e mulheres, valorizaçãodos conhecimentos tradicionais, para destacar as mais cita-das. Mas todo esse conjunto de propostas encontra abrigoem um conceito que funciona como guarda-chuva: a reformaagrária tem que ser um dos pilares de um novo modelo de de-senvolvimento que resolva os problemas essenciais do povobrasileiro. A construção de um modelo deste tipo, obviamen-te, depende de uma mudança estrutural no Estado brasileiro.

Alguns elementos centrais já estão razoavelmente fixados.A reforma agrária não é pensada como uma política compen-satória, mas sim como uma reforma estrutural que permitachegar a um outro patamar de desenvolvimento. Em segundolugar, a reafirmação do potencial da agricultura familiar, entreoutras razões pela compreensão de que a sua racionalidade édistinta daquela que caracteriza as empresas capitalistas. Naagricultura familiar, a unidade de produção e a unidade de con-sumo estão sobrepostas, o que implica necessariamente ou-tra lógica de funcionamento. Isso significa, por exemplo, lem-brou Sachs, que ela tem reservas latentes que podem ser usa-das para aumentar a produção. Teríamos aí, portanto, um po-tencial de produção muito grande, um potencial de expansãodo mercado interno. E o economista destacou um dado muitoimportante: de 85% a 90% dos homens e mulheres do mundotrabalham hoje para o mercado interno.

Historicamente, a expansão do mercado interno tem um efei-to multiplicador positivo para a economia nacional. Citando

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O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO: AVANÇOS E LIMITES

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o livro Desarrollo desde adentro do economista OsvaldoSunkel, da Comissão Econômica Para a América Latina e oCaribe (Cepal), Sachs destacou ainda que a dinamização domercado interno gera condições positivas para o fortalecimen-to do mercado externo. Para se chegar a isso, obviamente, sãorequeridas mudanças estruturais e não meras políticas com-pensatórias. Considerando que, no Brasil, há muita gente queenxerga a reforma agrária como uma política compensatóriapara “aliviar a pobreza”, o combate a essa concepção torna-se uma tarefa prioritária na agenda da reforma agrária.

E esse combate implica, entre outras coisas, revisar o pró-prio conceito de crescimento. Por maior que seja o crescimen-to, não é possível falar de desenvolvimento se houver reduçãode empregos decentes e aumento da pobreza. O Brasil, aliás, éum bom exemplo disso, pois, ao longo do século XX, apresen-tou a maior taxa de crescimento do mundo, chegando ao finaldo mesmo século como um dos campeões globais de desigual-dade e concentração de renda. Lutar pelo binômio reforma agrá-ria/desenvolvimento rural só faz sentido se for para reverteressa tendência. E esse é, justamente, um dos sentidos maisprofundos desta luta. Mas ela tem outros aspectos que nor-malmente são dissociados do debate econômico, como é o casodo machismo, do patriarcalismo, da discriminação das mulhe-res, do preconceito e da discriminação que afetam negros eíndios. Estabelecer essa conexão e dar visibilidade a ela é umoutro desafio a ser enfrentado pela conferência de Porto Ale-gre e pela luta cotidiana dos movimentos sociais.

LUTA SEM A MULHER É LUTA PELA METADE

Muitas vezes adicionada automaticamente nas agendas delutas dos movimentos sociais e de políticas governamentais, aquestão de gênero começa a aparecer com maior clareza comouma questão estruturante. Ignacy Sachs deu uma interessantesugestão sobre como começar a pesquisar as raízes do proble-

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ma: por uma análise do tempo, dos estilos de vida e dos usos dotempo. Ele apresentou uma tipologia de quatro formas de uso dotempo: tempo de trabalho no mercado, tempo de trabalho forado mercado, tempo do repouso biológico, tempo daquilo que éconsiderado “não-trabalho” (que uma mulher “dona-de-casa”conhece muito bem). Considerando essa tipologia, o economis-ta perguntou: como esses diferentes tipos de tempo estão distri-buídos entre as mulheres? A resposta não é difícil.

As mulheres sempre estiveram na linha de frente da luta pelaterra, ao lado de seus maridos, filhos e amigos. Além da discrimi-nação expressa na ausência de políticas públicas destinadas aenfrentar de fato a desigualdade entre gêneros, elas sofrem tam-bém com o machismo e o patriarcalismo de seus maridos e com-panheiros. “Se você é casada comigo não precisa ter o nome nocontrato de posse da terra”: essa é uma frase bem conhecida queexpressa bem o tamanho e a natureza do problema. Como lem-brou Maria Emília Lisboa Pacheco (Fase/ANA), o lugar da mulheré invisível porque, dentro da economia capitalista, seu trabalhoacaba não contando. Não entra nas estatísticas. Segundo ela,estamos aqui diante da questão política de criação de novossentidos para a democracia e a cidadania, sentidos que expres-sem as lutas por conquistas de novos direitos, conduzidas poratores sociais que afirmam sua identidade e buscam seu territó-rio. Acabar com essa invisibilidade implica, entre outras tarefas,questionar por que é mesmo que o trabalho da mulher ao cuidarde casa e da família não conta. E implica também, no interior dospróprios movimentos que lutam contra essa e outras formas dediscriminação, combater as manifestações de machismo,patriarcalismo e autoritarismo que ainda acontecem.

O QUE HÁ DE CONTEMPORÂNEONA REFORMA AGRÁRIA?

Temos, assim, um vasto e complexo leque de problemas elutas em torno do eixo reforma agrária/desenvolvimento rural.

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ANEXO II

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Não se corre aqui o risco de perder o foco e, com isso, perder osentido essencial dessa luta? Na verdade, antes de respondera essa pergunta, é preciso encarar uma outra prévia: qual é mes-mo o sentido contemporâneo da reforma agrária? O que é con-temporâneo, afinal de contas? Lembrando uma observação feitapor Oriel Rodrigues de Morais, da Coordenação Nacional deQuilombos (Conaq), Maria Emília destacou que a luta pela ter-ra começou ainda por volta de 1537 no Brasil. Portanto, não épropriamente a luta que é contemporânea, mas sim as nossasreflexões sobre ela e, principalmente, a emergência de novasidentidades políticas, novos agentes sociais e políticos, quetrazem consigo uma nova geração de lutas.

Além da questão da democratização do acesso à terra e daluta contra a concentração de propriedade e de renda no cam-po, ela chamou muito a atenção para um dos aspectos cen-trais desta nova geração de lutas: a crítica e o combate à apro-priação privada de recursos naturais por parte do modeloagroexportador. Nesta agenda constam o reconhecimento dabiodiversidade, a defesa dos usos sociais da biodiversidade,a luta pelo acesso aos recursos genéticos (que também estãosob ameaça de privatização), a defesa do acesso à água e aluta contra privatização dos recursos hídricos, a defesa dopatrimônio genético e dos saberes tradicionais. Uma agenda,portanto, que se choca frontalmente com a lógica do modeloagroexportador hegemônico que conhecemos. Essas lutas nãose darão sem conflito, observou Maria Emília, e é preciso tam-bém resgatar a compreensão do conflito como um fatorindissociável da construção da democracia.

Outra luta que, segundo ela, define a contemporaneidade dareforma agrária é aquela pelo cumprimento de um conceito assu-mido na Constituição de 1988, a saber, o de terras tradicional-mente ocupadas. Em várias partes do país, comunidades tradicio-nais estão tornando suas identidades visíveis e expressando suareivindicação de direito ao território. Por outro lado, a Constitui-ção brasileira não contempla explicitamente a questão do direito

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étnico. Daí a importância, disse Maria Emília, de lutar para que oBrasil cumpra a Convenção 169 da OIT que garante a populaçõestradicionais reaverem seus territórios perdidos. Esse é um pontoextremamente importante para a luta dos indígenas e das comu-nidades quilombolas. Ela acredita que pelo menos um quarto doterritório nacional pode estar enquadrado hoje nesta categoriade terras tradicionalmente ocupadas.

Na avaliação da Coordenação das Organizações Indígenasda Amazônia Brasileira (COIAB), a luta pela recuperação dessesterritórios vem encontrando muitas dificuldades e não avan-çou como era esperado no atual governo. As comunidades indí-genas vêm intensificando sua mobilização e tomando iniciativaspara tentar romper a pressão de interesses econômicos contrá-rios à demarcação de terras e à recuperação de territórios per-didos. Como fizeram, por exemplo, os tupis e os guaranis noEspírito Santo, ao usarem a convenção 169 da OIT como argu-mento para retomar uma área de terra hoje ocupada pela AracruzCelulose. Essa luta é fundamental para as comunidades indí-genas, pois a terra significa, acima de tudo, um espaço de re-produção cultural, um espaço coletivo essencial para a sua so-brevivência cada vez mais ameaçada.

E não é apenas o acesso à terra (e aos recursos hídricos)que está em jogo nesta luta. Como lembrou Joaquim Correade Souza Belo, da Coordenação Nacional dos Seringueiros(CNS), não basta garantir o acesso à terra, é preciso garantirtambém o acesso aos recursos naturais necessários a suaforma de subsistência, como os óleos vegetais, as castanhase os frutos. No caso da Amazônia, exemplificou, é precisoapostar em um modelo de desenvolvimento que leve em con-ta a região da forma como ela é, com sua fauna, flora, água ear. Para ele, o desafio maior da conferência de Porto Alegre étratar a reforma agrária levando em consideração toda essadiversidade e suas diferenças características. Quando se dis-cute o desenvolvimento rural numa perspectiva mais ampla,é fundamental considerar exatamente as diferenças.

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ANEXO II

153

Na Amazônia, por exemplo, há projetos embrionários comoos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) – comoaqueles em que trabalhava a freira Dorothy Stang, assassi-nada em fevereiro de 2005 por pistoleiros em Anapu (PA) – eprojetos de áreas comunitárias extrativistas. No entanto,ressaltou, o governo ainda não conseguiu internalizar estesmodelos de reforma agrária. Modelos que procuram combi-nar atividade econômica com inclusão social e preservaçãoambiental, e que defendem a necessidade de conhecer evalorizar as diferenças no uso e na gestão dos recursosnaturais para pensar as diferentes políticas de reforma agrá-ria. Maria Emília destacou essa necessidade de se pensar di-ferentes modalidades de uso e gestão na definição de polí-ticas de reforma agrária e desenvolvimento rural. Uma idéiaque deve ser muito valorizada neste processo, segundo ela,é radicalizar o princípio agroecológico dos sistemas de pro-dução e manejo, valorizando as práticas das comunidadestradicionais, com respeito às diferenças e ao reconhecimen-to da biodiversidade.

UM DESAFIO CONCEITUAL

A Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e De-senvolvimento Rural ocorreu em meio à eclosão desses no-vos movimentos e dessas novas lutas relacionadas à ques-tão agrária. Ocorreu também cerca de três meses depois dareunião da OMC em Hong Kong (dezembro de 2005), depois da2ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (dezembro de2005) e alguns dias antes da Conferência das Partes da Con-venção de Diversidade Biológica da ONU – COP-8 (março de2006), que se realizou em Curitiba. Essa proximidade delimitabem as relações estratégicas que existem entre esses encon-tros e, segundo se apurou na oficina preparatória para a con-ferência de Porto Alegre, ajudam a fixar aquela que talvez sejauma das principais tarefas daqueles que defendem a necessi-

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dade de construir um novo modelo de desenvolvimento: de-finir com mais clareza a natureza dessa agenda que vai da lutacontra a concentração de propriedade e de renda, passa pelaluta das mulheres e chega ao combate à apropriação privadados recursos naturais.

Encontrar o fio condutor dessas lutas e conseguir traçarum mapa com as relações entre essas diversas questões é umesforço conceitual importantíssimo que foi identificado comotarefa, por diversas pessoas e com diferentes inflexões, du-rante os debates da oficina CIRADR-Brasil. Pareceu haver umrazoável consenso de que não basta dizer que todas essasquestões estão relacionadas e que é preciso trabalhar em to-das as frentes ao mesmo tempo. Embora essa formulação nãoesteja errada, falta-lhe um elemento essencial: uma exposiçãomais qualificada e precisa da natureza dessas relações e dasimplicações políticas dessas conexões. Assim, por exemplo,deve-se estar preparado para acompanhar os debates da OMC,uma vez que são justamente as políticas agrícolas que expõemalgumas das mais importantes contradições da ordem econô-mica global hoje.

Falou-se várias vezes da necessidade de os movimentossociais fortalecerem a unidade entre si e entre suas lutas comouma condição para levar essa agenda adiante. Pelo que se viue falou na oficina preparatória, talvez uma das condições paraque esse objetivo possa ser atingido seja justamente ter maisclareza sobre o quanto elas estão relacionadas e exigem es-tratégias de ação em comum.

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ANEXO II

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I – VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

1 Carta da juíza Sonáli Zluhan reproduzida na coluna do jornalista

Paulo Santana, Zero Hora, 27/05/2006.2 Idem, ibidem.3 MIR, Luís. Guerra civil: Estado e trauma. São Paulo, Geração Editorial, 2004.4 ROCHA, Enid e AQUINO, Luseni Maria de. “Desigualdade social, violência

e jovens no Brasil”. IPEA – Diretoria de Estudos Sociais, com base no

Censo Demográfico 2000 (IGBE) e PNAD 2002.5 LONDON, Jack. O povo do Abismo. São Paulo, Editora Fundação

Perseu Abramo, 2004.

II – A CRIAÇÃO DO BOLSA FAMÍLIA

6 Veja no Anexo 1 um sumário da legislação que trata do Programa

Bolsa Família.7 SUPLICY, Eduardo. Renda de Cidadania – A saída é pela porta. São Paulo,

Editora Fundação Perseu Abramo/Cortez Editora, 2002, p. 106-107.8 Idem, ibidem, p. 107.9 PARKER, Hermione. Instead of the Dole: an Inquiry into Integration of the

NOTAS

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Tax and Benefit Systems. London/New York, Routledge, 1989, citado

em SUPLICY, Eduardo. Renda de Cidadania, op. cit., p. 110.10 SUPLICY, Eduardo. Renda de Cidadania, op. cit., p. 119.11 SILVEIRA, Antônio Maria. “Moeda e redistribuição de renda”. Revista

Brasileira de Economia, abr./jun., 1975. Reproduzido em SILVEIRA,

Antônio Maria. Moeda e redistribuição de renda. Rio de Janeiro, Edições

Multiplic, 1981.12 BACHA, Edmar Lisboa e UNGER, Roberto Mangabeira. Participação,

salário e voto. Um projeto de democracia para o Brasil. Rio de Janeiro, Paz

e Terra, 1978.13 BACHA e UNGER, op. cit., citado em SUPLICY, Eduardo. Renda de

Cidadania, op. cit., p. 120.14 SUPLICY, Eduardo. Renda de Cidadania, op. cit.15 “Financiar Bolsa Família será desafio para próximo governo”, BBC

Brasil, 02/05/2006.16 “Nova abordagem sobre um problema antigo”. The Economist, 27/

09/2005.17 Em http://www.bancomundial.org.br/index.php/content/

view_document/2600.html18 Idem.19 Idem.20 “Nova abordagem sobre um problema antigo”. The Economist, 27/

09/2005.21 BARBOSA. Bia. “Brasil começa 2006 sem quebrar ciclo da pobreza,

dizem especialistas”. Agência Carta Maior, 02/01/2006.

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NOTAS

157

III – UM DEBATE ESQUIZOFRÊNICO NA MÍDIA

22 DIMENSTEIN, Gilberto. “Lula ameaça o Bolsa Família?”. Folha de

S.Paulo, 02/07/2006.23 PERES, Leandra. “A moeda eleitoral de Lula”. Veja, 03/05/2006.24 BREVE, Nelson. “Até Veja reconhece que os brasileiros estão vivendo

melhor”. Agência Carta Maior, 04/05/2006.25 Idem, ibidem.26 Idem, ibidem.27 Idem, ibidem.

IV – O DESAFIO DA SEGURANÇA ALIMENTAR

E O DRAMA DA FOME NO BRASIL

28 IBGE/MDS. PNAD 2004 – Segurança Alimentar. Maio de 2006.29 “Nordeste é a região onde insegurança alimentar é mais preocupante”.

Agência Brasil, 18/05/2006.30 “Lula recebe conclusões do Encontro Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional”. Agência Brasil, 24/05/2006.31 VALENTE, Jonas. “Processo de emancipação exige novo modelo de

desenvolvimento”. Agência Carta Maior, 29/05/2006.32 Idem, ibidem.

V – O IMPACTO SOCIAL E ECONÔMICO:AVANÇOS E LIMITES

33 SOARES, Sergei. “Distribuição de Renda no Brasil de 1976 a 2004”.

IPEA, 2006.34 Disponível em: http://www.obancomundial.org/content/

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158

_downloadblob.php?cod_blob=173835 “Desmistificando o debate fiscal”. Secretaria de Assuntos Econômicos

da presidência do BNDES, 25/07/2006.36 NÉRI, Marcelo. “Crescimento pró-pobre: O paradoxo brasileiro”.

Fundação Getúlio Vargas, 2006.37 “Bolsa Família registrou freqüência escolar de quase 9 milhões até

abril”. Agência Brasil, 01/08/2006.38 Idem, ibidem.39 CANZIAN, Fernando. “Lula promove 6 milhões de eleitores para a

classe C”. Folha de S.Paulo, 09/07/2006.40 GOIS, Antônio. “Piora saneamento para os mais pobres”. Folha de

S.Paulo, 09/07/2006.41 CANZIAN, Fernando. “Analistas questionam estratégia para a renda”.

Folha de S.Paulo, 09/07/2006.42 CANZIAN, Fernando. “Renda financeira do rico sobe 66%; a do

trabalhador, 19%”. Folha de S.Paulo, 09/07/2006.43 NÉRI, Marcelo. “Crescimento pró-pobre: O paradoxo brasileiro”.

Fundação Getúlio Vargas, 2006.44 POCHMANN, Marcio. “Redução em parte”. Revista do Terceiro Setor,

30/06/2006.45 “Sete milhões de pessoas sobem para a classe média”. O Globo, 09/07/2006.46 Idem, ibidem.47 “Programas de transferência de renda no Brasil: impacto sobre a

desigualdade e a pobreza”. Citado em “Previdência reduz mais a pobreza

do que o Bolsa Família”. Folha de S.Paulo, 02/07/2006.48 SALOMON, Marta. “Previdência reduz mais a pobreza do que o Bolsa

Família”. Folha de S.Paulo, 02/07/2006.49 “Previdência reduz mais a pobreza do que o Bolsa Família”. Folha de

S.Paulo, 02/07/2006.

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NOTAS

159

50 “Bolsa Família substitui renda vinda do salário e impulsiona varejo”.

Valor Econômico, 28/06/2006.51 Idem, ibidem.52 “As verdades e mentiras sobre a distribuição de renda no Brasil”,

entrevista concedida ao IHU Online (site do Intituto Humanitas) em

14/07/2006.53 Idem, ibidem.54 Idem, ibidem.55 Idem, ibidem.56 Idem, ibidem.57 Idem, ibidem.58 Idem, ibidem.59 Idem, ibidem.

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LEIA TAMBÉM DA EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

LEITURAS DA CRISE:DIÁLOGOS SOBRE O PT, A DEMOCRACIA BRASILEIRA E O SOCIALISMO

Marilena Chaui, Leonardo Boff, João Pedro Stedile eWanderley Guilherme dos Santos, entrevistados

por Juarez Guimarães

UM RETRATO DO BRASIL: BALANÇO DO GOVERNO LULA

José Prata Araújo

A ESPERANÇA EQUILIBRISTA:O GOVERNO LULA EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO

Juarez Guimarães

MÍDIA: CRISE POLÍTICA E PODER NO BRASIL

Venício A. de Lima

MAPA DA CORRUPÇÃO NO GOVERNO FHCRonaldo de Moura e Larissa Bortoni

Bolsa Família foi impresso na cidade de São Paulo pelaGráfica Bartira em julho de 2006, ano em que a Funda-ção Perseu Abramo completa 10 anos de existência. Atiragem foi de 2.000 exemplares. O texto foi compostoem Times New Roman no corpo 11,4/14. Os fotolitosdo miolo e da capa foram executados pela GraphiumGráfica e Fotolito. A capa foi impressa em papel CartaÍntegra 220g; o miolo foi impresso em Offset 75g.