9
Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade científica de homens e mulheres Débora P. Menezes (1), Carolina Brito (2), Karina Buss (1), Celia Anteneodo (3) (1) Departamento de Física - CFM - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC - CP. 476 - CEP 88.040 - 900 - emails: [email protected], [email protected] (2) Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – CEP 91501-970 – email: [email protected] (3) Departamento de Física – PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22430-060 – email: celia.fis@puc- rio.br Resumo Neste artigo, apresentamos indicadores associados à produtividade científica de homens e mulheres que possuem bolsa de produtividade em pesquisa (PQ), as quais são distribuídas pelo CNPq aos pesquisadores de destaque no país. Nossa análise foi realizada a partir dos dados dos pesquisadores com bolsa PQ de física ou astronomia no ano de 2016. Para investigar se houve mudanças no perfil dos pesquisadores, comparamos alguns dos atuais indicadores com os seus respectivos valores nos anos de 2005 e 2010. Nossa análise e a comparação com dados anteriores sugerem que o perfil dos pesquisadores PQ de física e astronomia é bastante semelhante no que concerne o gênero. No entanto, o percentual de mulheres que possui bolsas PQ se mantém há mais de uma década em torno de 11%, o que é praticamente três vezes menor do que o percentual de mulheres pesquisadoras filiadas às Sociedade Brasileira de Física e Sociedade Astronômica Brasileira. Introdução As bolsas de produtividade em pesquisa são destinadas a pesquisadores que se destacam entre seus pares, valorizando sua produção científica segundo critérios normativos que dependem da sua área de atuação. Existem 6 níveis distintos, sendo o inicial o nível 2 (PQ-2), subindo para 1D (PQ-1D), 1C (PQ-1C), 1B (PQ-1B) e 1A (PQ-1A). Pesquisadores que permaneceram por mais de uma década com bolsas PQ-1B ou 1A podem pleitear a bolsa Sênior, não havendo mulheres nesta categoria e portanto, esta categoria não será considerada nesta análise. A norma completa que regulamenta a concessão dessas bolsas está no sítio do CNPq [1] e os critérios para sua alocação pelo comitê de assessoramento das áreas de física e astronomia (CA-FA) também são públicos [2]. O CNPq disponibiliza séries históricas sobre concessões de todas as bolsas [3]. Nos dados disponíveis para o ano de 2015, observa-se que 59% das bolsas de iniciação científica (IC), concedidas durante a graduação, vão para as meninas. Esse percentual cai para 52% no mestrado e 51% no doutorado, mas só 36% das pesquisadoras brasileiras obtêm bolsas PQ. Esse é o quadro apresentado quando se levam em conta todas as áreas, mas na física a situação é ainda mais limitadora para as mulheres, que são minoria já desde a iniciação científica [6]. A Sociedade Brasileira de Física (SBF) possui 27% de mulheres filiadas e na Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), esse percentual é de 29%. Uma análise do percentual de mulheres bolsistas na área de física mostrada no livro SBF 50 anos [4] e que contempla um período de 10 anos (2001-2011), mostra que a situação permanece praticamente inalterada, sendo que as mulheres obtêm aproximadamente 11% das bolsas PQ. Cabe salientar, que nas últimas composições do Comitê Assessor de Física e Astronomia (CA-FA), responsável por assessorar o CNPq na distribuição de projetos e bolsas, 16 membros eram homens e 4 eram mulheres, perfazendo um percentual feminino de 25%, mais próximo porém ainda abaixo do de mulheres trabalhando na área no Brasil. A seguir, analisamos alguns dados de todos os pesquisadores que eram detentores de bolsas PQ nos diversos níveis em 2016 nas áreas de física e astronomia. Na tabela 1, são apresentados os números de bolsistas PQ, distribuídos nos 6 níveis classificatórios do CNPq e a correspondente distribuição percentual dos bolsistas do sexo feminino e masculino. Excluímos

Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade científica de homens e mulheres Débora P. Menezes (1), Carolina Brito (2), Karina Buss (1), Celia Anteneodo (3) (1) Departamento de Física - CFM - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC - CP. 476 - CEP 88.040 - 900 - emails: [email protected], [email protected] (2) Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS – CEP 91501-970 – email: [email protected] (3) Departamento de Física – PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22430-060 – email: [email protected]

Resumo Neste artigo, apresentamos indicadores associados à produtividade científica de homens e mulheres que possuem bolsa de produtividade em pesquisa (PQ), as quais são distribuídas pelo CNPq aos pesquisadores de destaque no país. Nossa análise foi realizada a partir dos dados dos pesquisadores com bolsa PQ de física ou astronomia no ano de 2016. Para investigar se houve mudanças no perfil dos pesquisadores, comparamos alguns dos atuais indicadores com os seus respectivos valores nos anos de 2005 e 2010. Nossa análise e a comparação com dados anteriores sugerem que o perfil dos pesquisadores PQ de física e astronomia é bastante semelhante no que concerne o gênero. No entanto, o percentual de mulheres que possui bolsas PQ se mantém há mais de uma década em torno de 11%, o que é praticamente três vezes menor do que o percentual de mulheres pesquisadoras filiadas às Sociedade Brasileira de Física e Sociedade Astronômica Brasileira.

Introdução

As bolsas de produtividade em pesquisa são destinadas a pesquisadores que se destacam entre seus pares, valorizando sua produção científica segundo critérios normativos que dependem da sua área de atuação. Existem 6 níveis distintos, sendo o inicial o nível 2 (PQ-2), subindo para 1D (PQ-1D), 1C (PQ-1C), 1B (PQ-1B) e 1A (PQ-1A). Pesquisadores que permaneceram por mais de uma década com bolsas PQ-1B ou 1A podem pleitear a bolsa Sênior, não havendo mulheres nesta categoria e portanto, esta categoria não será considerada nesta análise. A norma completa que regulamenta a concessão dessas bolsas está no sítio do CNPq [1] e os critérios para sua alocação pelo comitê de assessoramento das áreas de física e astronomia (CA-FA) também são públicos [2].

O CNPq disponibiliza séries históricas sobre concessões de todas as bolsas [3]. Nos dados disponíveis para o ano de 2015, observa-se que 59% das bolsas de iniciação científica (IC), concedidas durante a graduação, vão para as meninas. Esse percentual cai para 52% no mestrado e 51% no doutorado, mas só 36% das pesquisadoras brasileiras obtêm bolsas PQ. Esse é o quadro apresentado quando se levam em conta todas as áreas, mas na física a situação é ainda mais limitadora para as mulheres, que são minoria já desde a iniciação científica [6].

A Sociedade Brasileira de Física (SBF) possui 27% de mulheres filiadas e na Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), esse percentual é de 29%. Uma análise do percentual de mulheres bolsistas na área de física mostrada no livro SBF 50 anos [4] e que contempla um período de 10 anos (2001-2011), mostra que a situação permanece praticamente inalterada, sendo que as mulheres obtêm aproximadamente 11% das bolsas PQ. Cabe salientar, que nas últimas composições do Comitê Assessor de Física e Astronomia (CA-FA), responsável por assessorar o CNPq na distribuição de projetos e bolsas, 16 membros eram homens e 4 eram mulheres, perfazendo um percentual feminino de 25%, mais próximo porém ainda abaixo do de mulheres trabalhando na área no Brasil. A seguir, analisamos alguns dados de todos os pesquisadores que eram detentores de bolsas PQ nos diversos níveis em 2016 nas áreas de física e astronomia. Na tabela 1, são apresentados os números de bolsistas PQ, distribuídos nos 6 níveis classificatórios do CNPq e a correspondente distribuição percentual dos bolsistas do sexo feminino e masculino. Excluímos

Page 2: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

das nossas análises os pesquisadores que trabalham em grandes colaborações (GC). Essa exclusão se deve ao fato de que as publicações envolvem uma quantidade enorme de pesquisadores (pode ultrapassar 200 coautores) e as análises ficariam contaminadas por números muito superiores aos de seus pares. PQ-2 PQ-1D PQ-1C PQ-1B PQ-1A Senior GC Total Homens 435 145 99 94 69 17 48 907 Percentual 88,6 % 87,9 % 86,8 % 92,2% 92,0% 100% 77,4% 88,4% Mulheres 56 20 15 8 6 0 14 119 Percentual 11,4 % 12,1% 13,2% 7,8% 8% 0% 22,6% 11,6% Total 491 165 114 102 75 17 62 1026 Tabela 1 – Número de bolsistas PQ de física e astronomia, distribuídos por níveis classificatórios em dezembro de 2016.

Artigos publicados

Dentre os critérios mais importantes na distribuição de bolsas, aparecem os

quantitativos de publicações em revistas conceituadas nas áreas de física e astronomia. Entretanto, cabe notar, que os dados aqui analisados incluem todos os artigos informados pelos pesquisadores no CV Lattes, sem distinção por fator de impacto, por exemplo. Também existe uma pequena contaminação por trabalhos apresentados em anais de conferências, que possuem DOI (identificador digital da publicação) atribuído a revistas e, portanto, por limitação do sistema, acabam sendo registrados como artigos que passam por revisões mais criteriosas.

A Figura 1 apresenta o número de artigos produzidos pelos pesquisadores usando diferentes janelas de tempo: as duas primeiras são referentes à produção nos últimos 5 e 10 anos respectivamente e a figura 1c mostra a produção total de artigos ao longo da carreira. Também são mostrados os valores para cada pesquisador (círculos vazados), a média, a mediana e o desvio padrão (barra de erro em preto). Cada um dos indicadores relativos aos artigos produzidos revela que, dentro de cada um dos níveis, quando comparadas as médias e medianas das distribuições para ambos os gêneros, as discrepâncias são em geral inferiores a 20%, exceto para a categoria 1A, como pode ser verificado na tabela II, incluída no Apêndice. Além disso, os valores sistematicamente negativos das discrepâncias indicam maiores números de publicações por parte dos homens.

(a)

(b)

(c)

Figura 1: Número de artigos produzidos por homens e mulheres nas diferentes categorias de bolsa do CNPq (a) nos últimos 5 anos, (b) nos últimos 10 anos e (c) o total de artigos produzidos durante toda a carreira do cientista. Cada um dos círculos representa um indivíduo, sendo que a cor laranja representa as mulheres e o lilás os homens. Tanto as médias como as medianas são mostradas nas figuras, e as barras de erro representam o desvio padrão dos dados. As cores e símbolos são as mesmas em todas as figuras do artigo. Uma característica proeminente nestas figuras é a existência de uma grande dispersão dos valores ao redor da média dentro de cada nível. Parte desta heterogeneidade é inerente às

Page 3: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

diferenças entre as subáreas, pois o número de publicações varia consideravelmente dependendo da área de pesquisa do(a) bolsista. Justamente devido à existência de grandes valores extremos é que escolhemos a escala logarítmica para o eixo da ordenada (eixo vertical). Comparando as diferentes categorias, observamos que, enquanto as médias para janelas de 5 e 10 anos praticamente independem da categoria, apresentando uma tendência levemente crescente, o número total de publicações encontra-se, em média, mais fortemente correlacionado com o nível PQ. Esta correlação é esperada dado que à medida que um pesquisador vai ficando mais experiente, crescendo seu número de publicações, mais chances tem de progredir para categorias mais altas. É importante notar que esta medida resulta de um valor acumulado na carreira do(a) pesquisador(a) e portanto, pode apenas aumentar ao longo da vida acadêmica do pesquisador. Observamos também que indivíduos em uma dada categoria podem apresentar números muito menores que indivíduos em categorias mais baixas. Isto pode estar relacionado em parte à heterogeneidade das áreas. Cabe também lembrar que a avaliação do CA-FA não é puramente baseada em números como os apresentados aqui; existe uma análise qualitativa dos artigos publicados, junto com vários outros critérios não relacionados somente a publicações. Analisando-se os valores extremos das distribuições, nota-se claramente que a variação em torno da média no caso dos homens é maior do que no caso das mulheres. Ou seja, para cada nível, o indivíduo com o menor e com o maior número de artigos publicados é um homem. Para interpretar estes dados é fundamental percebermos que o número de indivíduos em cada uma das amostras não é o mesmo – há praticamente 10 vezes mais homens que mulheres em cada nível – e que, em muitos casos, as estatísticas têm influências devido ao tamanho finito das amostras, sendo menos provável observar valores extremos em uma amostra pequena. No apêndice fazemos uma análise detalhada do efeito de tamanho finito das amostras. Para avaliar como a proporção de mulheres em cada categoria muda com o tempo, consideramos dados de 2005 e 2010 obtidos da referência [9]. A Figura 2 mostra a evolução na última década da média do total de artigos produzidos para ambos os sexos nas diferentes categorias.

Figura 2: Comparação do valor médio do total de artigos produzidos durante toda a carreira do(a)

cientista, separado por nível de bolsas PQ. Os dados de 2010 incluem apenas os pesquisadores da área de física (sem excluir os membros de GCs) e os de 2016 incluem os pesquisadores das áreas de física e de astronomia.

Page 4: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

A discrepância mais importante é observada para o nível 2 em 2005 (losangos). As mulheres tinham em média quase o dobro de publicações que os homens no mesmo nível. Em 2010 (quadrados) esta discrepância tinha sido corrigida com a promoção de algumas mulheres de 2 para 1D, mas parte da discrepância resultou transferida ao nível 1D, onde as mulheres continuavam a ter mais publicações do que os homens. Em 2016 (triângulos) essa tendência foi invertida. Outra discrepância não desprezível em 2005 existia para o nível 1B, no qual as mulheres tinham 20% mais artigos que os homens. Em 2010 esta tendência se inverteu e ficou mantida em 2016. No nível 1A em 2005, o número de publicações era 20% maior para os homens, se igualou em 2010 e voltou a ocorrer em 2016. Entretanto, é importante salientar que qualquer análise associada às bolsistas nos níveis 1B e 1A torna-se questionável, uma vez que os números de mulheres nessas categorias são muito baixos (e.g., apenas 8 e 6 mulheres respectivamente em 2016). Fator h Um outro indicador muito utilizado na avaliação de pesquisadores que atuam nas áreas das ciências exatas e das ciências da vida é o fator h [7], índice cunhado por J. Hirsch para identificar a constância da atuação de determinado pesquisador e que leva em conta o número de publicações, mas também a sua inserção na comunidade científica à qual pertence. Esse índice ganhou notoriedade em detrimento de análises que consideram apenas o quantitativo da produção científica ou apenas o número de suas citações. Um fator h=10, por exemplo, significa que o pesquisador possui 10 artigos que foram citados ao menos 10 vezes em outras publicações. Assim, como o número total de publicações, o fator h só pode aumentar com o tempo, ao longo da vida acadêmica do pesquisador. Na Figura 3, os fatores h dos bolsistas PQ estão identificados.

Figura 3: Fator h de homens e mulheres em cada categoria PQ.

Nesta figura utilizamos a mesma notação do que no caso anterior. Nota-se que o fator h aumenta gradativamente com o nível de bolsa do CNPq, assim como no caso da Fig1c para o total de publicações. Para o fator h, as discrepâncias, também mostradas na tabela II, são menores que no caso de artigos, sendo todas inferiores a 10%, exceto para a categoria 1B, na qual a discrepância é 12%, ficando o fator h das mulheres mais de 2 pontos acima do dos homens. Isto poderia apontar para certo obstáculo para a progressão a 1A. Na Figura 4 comparamos o fator h nos anos de 2010 e 2016. Os dados de 2010 foram obtidos da referência [9]. Em 2010, o fator h das mulheres era maior que o dos homens para os níveis 1D, 1C e 1B (em torno de dois pontos!), invertendo-se no nível 1A. Em 2016 notamos que os valores são muito próximos para os níveis 1D e 1C. Existe diferença no nível 2, e nos níveis 1A e 1B, onde as flutuações são sempre grandes.

Page 5: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

Figura 4: Comparação do fator h (2010 e 2016)

Orientações Por fim, a carreira científica também envolve a necessária formação de recursos humanos e o número de estudantes de doutorado e mestrado formados pelos pesquisadores que possuem bolsas PQ estão mostrados nas figuras 5a e 5b respectivamente. Estas são também medidas acumuladas que, para cada pesquisador, aumentam com o tempo. As figuras mostram que também nestes indicadores não existe diferença considerável entre os gêneros, apesar das discrepâncias serem grandes: tanto homens como mulheres orientam mestrandos e doutorandos estatisticamente em quantidade similar.

(a) (b)

Figura 5: Número estudantes de mestrado (a) e doutorado (b) orientados por homens e mulheres nas diferentes

categorias de bolsa do CNPq.

Page 6: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

Comentários finais Um artigo recente publicado pela Elsevier [8] faz uma análise comparativa entre o número de publicações de homens e mulheres nos países da União Europeia e mais 11 países, dentre os quais os Estados Unidos, a Inglaterra e o Brasil. A análise levou em conta os desempenhos de homens e mulheres em 27 áreas diferentes, ao longo de 20 anos. O artigo destaca as iniciativas locais para minimizar a disparidade de gêneros em diferentes regiões e conclui que a disparidade está diminuindo ao longo dos últimos 11 anos. O Brasil aparece com destaque neste aspecto e, incluídas todas as áreas de pesquisa, as mulheres despontam como uma liderança nas publicações científicas, sendo responsáveis por 49% do total, após um aumento de 11% desde 1996.

Neste trabalho o foco são as áreas de física e astronomia, nas quais o percentual de mulheres é menor do que o obtido quando todas as ciências são levadas em conta. Os indicadores de produtividade científica ora apresentados mostram que grandes distorções observadas no passado, como para publicações na categoria 2 em 2005, ou para o índice h nas categorias 1D e 1C, parecem ter sido corrigidas. Fora desses casos, não detectamos alarmantes vieses de gênero na distribuição de bolsas, segundo os indicadores estudados, embora o percentual de mulheres bolsistas continue muito aquém do percentual de pesquisadoras que trabalham em universidades e centros de pesquisa no Brasil em física e astronomia. Este é um ponto nevrálgico e seria interessante poder estender nossa análise para os pesquisadores sem bolsa, mas que concorrem para obtê-la. O percentual de mulheres pesquisadoras bolsistas do CNPq é praticamente 3 vezes menor do que o percentual de mulheres que fazem pesquisa em física e astronomia no Brasil: há aproximadamente 11% de bolsistas PQ e 27% de sócias da SBF e 29% de sócias na SBA. Esta expressiva diferença persiste há mais de 15 anos [4] e precisa ser compreendida. Uma vez que os índices não indicam viés na seleção de homens para ganharem bolsa de pesquisa, devemos recorrer a outras hipóteses para entender o porquê. É sabido que existe uma queda no percentual de mulheres à medida em que a carreira avança. Este fenômeno é conhecido como efeito tesoura e ocorre em todas as áreas do conhecimento e em muitos países do mundo [6, 10]. É um desafio entender as razões que levam a este fenômeno, o qual na carreira científica é diretamente relacionado ao baixo percentual de pesquisadoras no CNPq. É importante aumentar o percentual de mulheres pesquisadoras porque este seleto grupo de pesquisadores são as pessoas que participam mais diretamente da política científica no Brasil (integram comissões, fazem parte de conselhos, etc.). Assim, o fato das mulheres não alcançarem posições mais elevadas em suas carreiras significa que as políticas científicas continuarão a serem pensadas quase que exclusivamente pelos homens. É importante valorizar a existência de um esforço que tem sido realizado por diferentes pessoas no Brasil com apoio institucional da Sociedade Brasileira de Física (SBF) na direção de divulgar as diferenças e fortalecer a posição das mulheres no meio científico e acadêmico. Em 2003 a SBF criou uma Comissão de Gênero (atualmente Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero), a qual levantou estatísticas e lançou o debate sobre diversidade na ciência no Brasil. A antiga comissão também organizou duas conferências para mulheres na física, a primeira em 2013 e a segunda em 2015. Estes eventos foram espaços importantes de reflexão sobre o assunto e tomada de algumas decisões. Ao final de 2013 foi lançado o Edital MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013 que visava principalmente atrair meninas para seguirem carreiras científicas no Brasil. Tal edital catalisou muitas ações em prol da igualdade de gênero em diversas instituições do Brasil, o que acabou gerando uma cultura de debate em torno deste tema. Devemos ainda salientar que o debate de igualdade de gêneros dentro da academia está mais popularizado também internacionalmente [8,10,11], o que leva as pessoas a tomarem consciência do problema gerado pela falta de diversidade na ciência.

Apêndice Os valores numéricos dos indicadores do ano 2016 são apresentados na tabela II. Vimos que na maioria dos casos, as discrepâncias entre os valores de homens e mulheres não são muito grandes em termos percentuais. Ao efetuar comparações é importante saber o nível de significância das discrepâncias observadas. Ou seja, em que medida, os momentos estatísticos

Page 7: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

(médias, medianas, desvios) obtidos para homens e mulheres são verdadeiramente distintos ou simplesmente produto de flutuações aleatórias ou efeitos de tamanho finito. Para responder estas perguntas existem testes de hipóteses específicos, realizados a partir do conjunto de dados e que levam em conta, em particular, os tamanhos das amostras, como, por exemplo os testes T e F, disponíveis em planilhas de cálculo Excel, para comparar as médias e variâncias. Entretanto, esse tipo de análise está além do escopo do presente trabalho, destinado a detectar e exibir vieses de gênero claramente pronunciados. Além do número total de bolsistas PQ de física e astronomia ser pequeno em vários dos níveis, há uma dificuldade extra na comparação entre o desempenho de mulheres e homens, que é o fato de que as amostras têm tamanhos muito diferentes. O número de mulheres em cada um dos níveis é aproximadamente 10 vezes menor do que o número de homens. Assim, é esperado que a dispersão observada para a distribuição de qualquer indicador seja menor para as mulheres, pois os casos extremos, que têm baixa probabilidade de ocorrer, dificilmente aparecem em uma amostra muito pequena. Para exemplificar esse argumento, as figuras 6 e 7 foram produzidas para mostrar os histogramas normalizados dos fatores h e das produções totais de homens e mulheres detentores de bolsas PQ nos níveis 2 e 1D, nos quais os totais de mulheres são maiores.

PQ

NM/NH

fator H ISI

# publicações total

# public. 10 anos

# pulbic. 5 anos

# orient. D

# orient. M

2

56/435

M H M H M H M H M H M H mediana media desvio

10 11.0 4.0

11 11.7 4.0

37 40.0 19.2

41 44.6 21.7

25 28.2 10.1

28 31.3 12.6

16 17.1 7.4

17 19.3 8.6

0 1.3 2.1

0 1.1 2.0

2 2.7 3.0

2 3.3 3.5

discrepância -6 % -11 % -10 % -12 % 17 % -20 %

1D

20/145

M H M H M H M H M H M H mediana média desvio

16.5 16.1 3.7

15 15.9 4.2

56 64.3 25.5

69 78.3 30.6

32.5 36.9 16.0

39 45.0 21.5

16 19.8 10.0

23 25.7 15.1

2.5 2.8 1.9

4 4.2 3.1

4.5 6.1 4.5

7 7.9 5.4

discrepância 1 % -20% -20 % -26 % -40 % -26 %

1C

15/99

M H M H M H M H M H M H mediana média desvio

17 18.0 3.8

17 18.0 4.3

84 90.1 29.7

92 97.6 34.2

35 42.5 22.9

41 46.1 24.2

18 20.5 10.8

20 24.6 14.6

7 7 3.7

5 5.6 3.6

9 10.2 8.2

7 7.6 4.2

discrepância 0 % -8 % -8 % -18 % 22 % 29%

1B

8/94

M H M H M H M H M H M H mediana média desvio

24 24.7 3.2

21 21.8 6.7

113. 111.9 24.2

128 133.2 48.4

54.5 50.6 16.6

50.5 56.5 28.3

30 28.1 11.7

25 28.1 16.8

8 8.5 3.3

8 8.4 4.5

9 8.9 1.9

9 9.7 6.1

discrepância 12 % -17 % -11% 0 % 1 % -9%

1A

6/69

M H M H M H M H M H M H mediana média desvio

25 26.5 8.4

28 28.4 10.4

123 154.8 87.0

194 208.7 98.8

43.5 52.5 33.1

62 79.1 54.4

22 26.7 17.0

32 41.5 30.2

9.5 11.7 8.8

12 14.0 9.9

9 10.5 4.5

13 14.3 8.1

discrepância -7 % -30% -40 % -43 % -18 % -31%

Tabela 2 – Valores das medianas, medias, desvios padrão e discrepâncias para os indicadores analisados (ano 2016). Os pares de valores (para homens e mulheres) em verde indicam diferenças que não são significativas de acordo com os testes fornecidos pelo Excel. As discrepâncias das médias são também apresentadas e definidas como 100*2*(M-H)/(M+H), onde M e H, são os valores que correspondem a mulheres e homens respectivamente.

Consideremos o caso dos fatores h no nível 2 (Figura 3 a). Neste nível, o número de mulheres é Nm=56 e de homens é Nh=435, que corresponde à categoria com maior número de mulheres. Notamos que as duas distribuições tem formatos similares, podendo ser aproximadas por uma gaussiana, mas são ligeiramente assimétricas com caudas maiores à direita. Com relação aos valores centrais, observamos que os perfis estão deslocados em aproximadamente uma unidade de fator h. Com efeito, as medianas valem 10 e 11, e as médias 11.0 e 11.7, para homens e mulheres, respectivamente. O teste T para as médias indica que essa diferença é significativa, apesar da discrepância entre as médias ser de apenas 10%. Com relação à largura, o histograma dos homens apresenta mais valores nas caudas, entretanto o teste F para as variâncias indica que

Page 8: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

não há diferença significativa entre elas. Além disso fizemos o seguinte teste para x=H e x=M: i) sorteamos Nx números aleatórios gerados por uma distribuição Gaussiana com média x e desvio padrão x, ii) medimos a amplitude destes resultados, definida como a diferença entre os valores máximo e mínimo encontrados neste processo e iii) repetimos este procedimento 1000 vezes. O resultado (não mostrado) é que a amplitude simulada é compatível com o valor observado na distribuição real, tanto para o caso da distribuição de homens como de mulheres. Este resultado sugere que os desvios observados para homens e mulheres são compatíveis com os tamanhos das amostras, e não podem ser atribuídas a um viés de gênero além da relação de tamanhos.

Figura 6: Histogramas normalizados do fator h para mulheres e homens pesquisadores bolsistas nos níveis 2 e 1D do CNPq.

Figura 7: Histogramas normalizados do total de publicações para mulheres e homens pesquisadores bolsistas nos níveis 2 e 1D do CNPq.

Agradecimentos – O Grupo de Trabalho sobre Questões de Gênero da SBF é composto pelos professores Débora Peres Menezes (UFSC), Carolina Brito (UFRGS), Celia Anteneodo (PUC-Rio), Andrea Simone Stucchi de Camargo (IFSC – USP), Antonio Gomes Souza Filho (UFC) e João Plascak (UFMG).

Page 9: Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: … · 2018-01-24 · Bolsistas de produtividade em pesquisa em Física e Astronomia: análise quantitativa da produtividade

Referências [1] http://www.cnpq.br/view/- /journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/2958271?COMPANY_ID=10132#PQ visitada em 18/11/2016. [2] http://www.cnpq.br/web/guest/view/-/journal_content/56_INSTANCE_0oED/10157/49593 visitada em 18/11/2016. [3] http://www.cnpq.br/web/guest/series-historicas , visitada em 18/11/2016. [4] Sociedade Brasileira de Física - 50 anos – 1966-2016 - http://www.sbfisica.org.br/arquivos/SBF-50-anos.pdf, visitada em 23/11/2016. [5] P. Duarte, M. C.B. Barbosa e J.J. Arenzon, Produtividade em Pesquisa – CNPq, Física 2005- 2010: uma análise comparativa, Instituto de Física – UFRGS.

[6] Débora P. Menezes, Carolina Brito e Celia Anteneodo, Mulheres na Física: Efeito Tesoura – da olimpíada brasileira de física à vida profissional, Scientific America Brazil, no prelo. [7] J. Hirsch, PNAS 102, 16569 (2005); DOI: 10.1073/pnas.0507655102. [8] Gender in the Global Research Landscape, Elsevier, https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0008/265661/ElsevierGenderReport_final_for-web.pdf, visitada em 05/04/2017. [9] J. J. Arenzon, P. Duarte, S. Cavalcanti e M. C.B. Barbosa, Women and physics in Brazil: Publications, citations and H index, AIP Conference Proceedings, 1517, 78 (2013)

[10] M. Osborn, T. Ress, M. Bosh, H. Ebeling, C. Hermann, C. Hulden; MaLAREN, A. MaLaren,

R. Palomba; L. Peltonen, C. Vela, D. Weis, D. Wold, J. Mason, C. Wenneras, Science Policies in

European Union. Promoting Excelence through mainstream gender equality, 2001.

[11] Why Europes girls arent studying STEM, Microsoft Corporation,

http://www.voced.edu.au/content/ngv%3A76105 ,visitada em 10/05/2017.