Bomfim, Despedida Arbitrária e Dignididade Do Trabalhador

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  • 7/25/2019 Bomfim, Despedida Arbitrria e Dignididade Do Trabalhador

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    A DESPEDIDA ARBITRRIA E A DIGNIDADE DO

    TRABALHADOR

    Benedito Calheiros Bomfim

    Ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros

    Ex-Conselheiro Federal - Da Academia Nacional de

    Direito do Trabalho

    So escassos na literatura do direito laboral os estudos

    sobre o tema da dignidade do trabalho e da pessoa do

    trabalhador, em que pese a relevncia e a importncia de tais

    postulados, consagrados em Constituies, legislaes, tratados

    e convenes internacionais.

    Em sua Enciclica Laborem Exercens, o Papa Joo Paulo II

    dedica vrios tpicos ao trabalho e dignidade da pessoa do

    trabalhador, lembrando que o principio da prioridade do trabalho

    em relao ao capital um postulado que pertence ordem da

    moral social. (...) O ensinamento da Igreja sempre exprimiu a

    firme e profunda convico de que o trabalho humano no dizrespeito somente economia, mas implica tambm e sobretudo

    valores pessoais e morais. A conhecida Carta circular pontifcia

    ressalta que o trabalho um bem do homem. E,no s um

    bem til, que se pode usufruir, mas um bem ,digno, ou seja,

    que corresponde dignidade do homem, um bem que exprime

    essa dignidade e que a aumenta, (...) um bem de sua

    http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1211290538174218181901.pdf

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    humanidade. Afirma que O principio do respeito do trabalhoexige que tal direito seja submetido a uma reviso construtiva,

    tanto em teoria como na prtica. Critica a degradao por causa

    do trabalho, em que o trabalhador desgasta as foras fsicas,

    com menoscabo sobretudo da dignidade e subjetividade que lhe

    so prprias. Sublinha que Os direitos humanos que promanam

    do trabalho inserem-se, tambm eles, precisamente no conjuntomais vasto dos direitos fundamentais da pessoa.

    certo que a Carta Maior brasileira e nossa legislao

    infra-constitucional so, em grande parte, prdigas em

    reconhecer direitos e garantias sociais aos trabalhadores e a

    exaltar sua dignidade e o valor do trabalho. A CF/88 proclama

    enfaticamente, entre seus princpios fundamentais, a dignidade

    da pessoa humana, a construo de uma sociedade livre, justa,

    solidria, a erradicao da marginalizao e da pobreza, a

    reduo das desigualdades sociais, enuncidos esses

    merecedores de todo o louvor.

    Ao inscrever os valores sociais do trabalho, como um dos

    princpios fundamentais da Repblica (CF, art.1, IV), prescrever

    que a ordem social tem como base o primado do trabalho e

    como objetivo o bem-estar social e a justia social (art. 193),

    nossa Constituio, no apenas erigiu o trabalho em valioso bem

    individual e social, como, mais ainda, o incorporou ordem

    jurdica e o integrou sociedade. digna de elogio, por igual, a

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    proclamao do livre exerccio de qualquer trabalho, ofcio ouprofisso (CF, art. 5, XIII).

    Mas no basta que a lei garanta o direito de livre acesso ao

    trabalho e a igualdade de oportunidades. indispensvel que,

    paralelamente, ao lado desses pomposos enunciados, sejam

    assegurados meios prticos e materiais para sua efetivao. Se

    o direito ao trabalho e a dignificao deste so reconhecidosapenas no plano terico, programtico, o prprio direito do

    trabalho torna-se igualmente enganoso, ilusrio, fictcio. Sem

    efetiva garantia de emprego e real direito ao trabalho, no existe

    um autntico direito do trabalho.

    A Constituio e as leis ordinrias do pas retiraram do

    trabalhador a estabilidade decenal que, at 1967, quando da

    instituio do Fundo de Garantia do Tempo de Servio, lhe era

    assegurada. Em matria de segurana de emprego, garantia

    pessoa e dignidade do assalariado, bem como o respeito ao

    princpio da irredutibilidade salarial, a Constituio (CF, art.5,Vl),

    justamente nesses pontos basilares, incorreu em retrocesso

    social.

    Com o outorgar ao empregador, embora no taxativamente,

    o direito de despedida arbitraria, o poder potestativo de extino

    do contrato de trabalho, nosso direito positivo investiu contra a

    dignidade do trabalhador, deixando seu maior bem - o direito ao

    trabalho e continuidade da prestao de servio, merc, ao

    alvedrio do empregador. O empregado, parte fraca na relao de

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    trabalho, quedou-se em situao de dependncia e humilhao.De fato, no h respeito condio social e moral do assalariado,

    sua individualidade, se, na prtica, efetivamente, no se lhe

    garante a manuteno da relao laboral, ou o real acesso

    imediato a novo emprego, alm da irredutibiidade salarial.

    Vivendo sob o risco da privao do emprego, o trabalhador sofre

    instabilidade emocional, sente-se ferido em sua auto-estima, v-se tratado como simples pea descartvel da engrenagem

    empresarial, to ao gosto do neoliberalismo. Colocado sob

    constante ameaa de desemprego, com os inevitveis reflexos

    psicolgicos decorrentes dessa instabilidade, sente-se inseguro,

    apreensivo, intranqilo, em permanente tenso na execuo do

    servio.

    O respeito permanncia do assalariado no emprego

    envolve a efetiva proteo ao trabalho, a prpria dignidade do

    trabalho e do trabalhador. A estabilidade no emprego na lio

    de Dlio Maranho sobre ser socialmente necessria num pas

    em que a esmagadora maioria da mo-de-obra se compe de

    empregados no qualificados e de precoce envelhecimento,

    fundamental sobrevivncia, dignidade e tranquilidade do

    trabalhador e de sua famlia. (Direito do Trabalho, 6 ed., pg.

    284). Soa como uma afronta ao brio do empregado o poder

    conferido ao empregador de, a seu talante, demiti-lo

    injustificadamente, ainda que mediante indenizao

    compensatria, como previsto na Constituio (art.7, e ADT,

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    art.10,l) Com efeito, dar ao empresrio o arbtrio de, sem umacausa socialmente justa, dispensar o trabalhador, equivale a

    instituir a denncia vazia no contrato de trabalho.

    Adverte, a propsito, Joo Paulo II que O problema do

    emprego fundamental. O desemprego constitui uma situao

    injusta. Ele sempre um mal e pode transformar-se em

    verdadeira calamidade social. A dramaticidade do desemprego assim retratada por Martin Luther King: Na nossa sociedade,

    privar um homem de um emprego ou de meios de vida, equivale,

    psicologicamente, a assassin-lo.

    Nem mesmo suficiente ao trabalhador possuir emprego.

    indispensvel libert-lo do medo de vir a perd-lo, livr-lo do

    temor de dele ser privado. Quem se encontra sob constante

    ameaa de desemprego, sofre os inevitveis reflexos

    psicolgicos decorrentes dessa insegurana. Nem podia ser de

    outro modo, pois o desemprego esse espectro que ronda

    sempre o assalariado pode significar, e na maioria das vezes

    significa, provao ao trabalhador e sua famlia, angustia,

    necessidades materiais, depresso, marginalizao social. E

    quando se vive em estado de necessidade financeira, sem meios

    de sobrevivncia, perde-se a independncia para reclamar

    contra abusos e violao do contrato de emprego. O temor de

    ser demitido inibe o empregado de, enquanto vigente o vnculo

    empregatcio, postular direitos e garantias legais e

    constitucionais. Veda-se-lhe, assim, o exerccio de um direito

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    fundamental: o acesso Justia. o que ocorre com a Justia doTrabalho, hoje transformada, na prtica, em Justia dos sem

    trabalho.

    No por outra razo que poucos pases democrticos no

    mundo conferem ao empregador o direito de dispensar, a seu

    arbtrio, imotivadamente, seus empregados.

    Entre os Enunciados aprovados na 1 Jornada de Direito doTrabalho, que reuniu no TST, entre 21 e 23 de novembro/2007,

    juzes, procuradores do Trabalho, advogados, numa promoo

    conjunta da Anamatra, TST, Enamat, com o apoio da

    Conemartra, um deles, a seguir transcrito, merece destaque:

    2. Direitos fundamentais Fora Normativa.

    I - Art. 7, INC. I, DA CONSTITUIO DA REPBLICA.

    EFICCIA PLENA .FORA NORMATIVA DA CONSTITUIO.

    DIMENSO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E

    DEVER DE PROTEO. A omisso legislativa impe a atuao

    do Poder Judicirio na efetivao da norma constitucional,

    garantindo aos trabalhadores a efetiva proteo contra a

    dispensa arbitrria.

    II - DISPENSA ABUSIVA DO EMPREGADO. VEDAO

    CONSTITUCIONAL. NULIDADE. Ainda que o empregado no

    seja estvel,deve ser declarada abusiva e, portanto, nula a sua

    dispensa quando implique a violao de algum direito

    fundamental, devendo ser assegurada prioritariamente a

    reintegrao do trabalhador.

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    Essas duas proposies tambm exprimem e sintetizam ascrticas e o pensamento do autor destas anotaes. So

    propostas socialmente justas e corretas, fruto da interpretao

    mais condizente com os princpios e o esprito do Direito do

    Trabalho, no qual devem preponderar a tutela e o respeito da

    dignidade da pessoa humana. Compete s associaes

    representativas da rea jurdica, particularmente s trabalhistas,aos operadores do direito em geral, s entidades sindicais, aos

    movimentos sociais, se arregimentarem para dar corpo a tais

    propostas e transform-las em realidade.