Boneca Vodu

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    Boneco Vodu

    O Poder da Representao

    Shirlei Massapust

    Em 26/11/2012 acompanhei minha me numa visita igreja Nossa Senhora das

    Dores, no Rio Comprido, Rio de Janeiro, para apreciar a arte sacra e reparei que ao redor das imagens de So Peregrino e de Nossa Senhora das Dores havia grandes velas em formato de cabea humana. No espao de So peregrino havia outras velas na forma de ps, pernas e uma espinha dorsal esculpida em cera branco-amarelada. Todas essas velas estavam apagadas. Uma placa alertava que o referido santo protege contra o cncer e outras molstias. Fui loja de artigos religiosos situada nas dependncias daquela igreja e questionei sobre as velas exticas. Eles se limitaram a afirmar que aquilo vinha de fora. Achei isso muito interessante e acho que passei a admirar uma igreja que respeita o costume popular de depositar servios aos ps dos santos.

    Muitos livros temticos afirmam que no se deve falar em boneca vodu, mas sim usar a suposta palavra grega dagyde no sentido de esfinge ou boneca. O problema que tal palavra no existe. Esfinge em grego e boneca . Esttua . De acordo com o registro de Aristteles na Arte Potica IX:8, certa vez a esttua de Mtis

    ( ) que decorava o teatro de Argos caiu, esmagando um homem que havia matado um cidado grego chamado Mtis (). Curiosamente o nome do finado derivava da palavra usada para descrever a cera das abelhas (). Os gregos ficaram to admirados com a coincidncia que at o filsofo admitiu a verossimilhana da interpretao de quem considerou o caso fortuito como fruto da vingana do morto.

    Talvez a relao indireta do evento fortuito que quase abalou o ceticismo do pensador mais importante da histria do ocidente tenha elevado o status da cera acima

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    de todos os demais materiais usados em esculturas. Parafina custa pouco, reciclvel e muito mais fcil de modelar que o mrmore ou resinas de secagem rpida. Ento quando um feiticeiro brasileiro pensa em fazer bonecos para causar benefcios ou malefcios a si mesmo ou outra pessoa, ele quase sempre acaba comprando um boneco de cera de parafina industrial. (Lendas urbanas afirmam que noutros pases tem gente fazendo feitios com esculturas de impressora 3D). Funo da representao de vivos e mortos

    Na magia simptica a pessoa viva recebe benefcios, malefcios ou influncia por

    intermdio da representao. A pessoa morta recebe um meio de permanecer presente no mundo dos vivos, mantendo-se viva na memria das outras pessoas, podendo receber oferendas e escutar rezas com pedidos de interveno. por isso que os religiosos rezam diante de esculturas e figuras impressas que representam santos que um dia j foram humanos.

    Assim como a crendice popular afirma ser possvel infringir suplcios em algum que est vivo picando bonecos com alfinetes, tambm h variantes onde se castiga o esprito do dolo que no faz milagres. Um exemplo clssico o habito de pendurar a imagem de Santo Antnio de cabea para baixo dentro de um poo at ele cumprir a funo de cupido arrumando um marido para sua devota. Uma boneca carregada de dio pode matar?

    Paracelso opinou que o esprito (ens spirituale) produzido pela vontade ou

    desejo, sendo to forte quanto o grau que a vontade tenha alcanado.1 O esprito no deve ser confundido com a alma (anima), a razo (mens), nem com as manifestaes dos maus demnios (cacodoemones).2 O mundo material difere do espiritual onde existem os desejos, os dios, as discrdias e toda uma srie de sentimentos semelhantes.3 Um esprito substancial, visvel, tangvel e sensvel perante outros espritos com os quais interage. Contudo, como ele no gerado pela razo nem pela f, mas pela vontade por intermdio do livre arbtrio, todos os que vivem de acordo com sua vontade vivem no esprito, assim como todos os que vivem de acordo com a razo o fazem contra o esprito.4 Dois espritos podem ser unidos pelo amor, por afinidades ou pelo dio recproco. s vezes dois espritos lutam e se ferem reciprocamente estimulados por sua inimizade mtua. A luta acontece quando, por uma vontade fixa, firme e intensa, desejamos um transtorno ou malefcio para outro indivduo.5

    Se desejarmos com toda nossa vontade (plena voluntas) o mal de outra pessoa,

    esta vontade que est em ns acaba conseguindo uma verdadeira criao no esprito,

    1 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 126.

    2 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 120.

    3 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 126.

    4 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 124.

    5 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 128.

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    impelindo-o a lutar contra o da pessoa que queremos ferir. Ento, se este esprito perverso mesmo que o corpo correspondente no o seja acaba deixando nele (no corpo) uma marca de pena ou sofrimento, de natureza espiritual em sua origem, ainda que seja corporal em algumas de suas manifestaes. Quando os espritos travam essas lutas, acaba vencendo aquele que ps mais ardor e veemncia no combate. Segundo esta teoria, devemos compreender que em tais contendas se produziro feridas e outras doenas no-corporais. Por conseguinte, toda uma srie de padecimentos do corpo pode comear desta maneira, desenvolvendo-se em seguida conforme a substncia espiritual.6

    De aodo com a tese de Paracelso, quando os corpos fsicos se ferem numa luta

    nada acontece aos espritos, mas quando os espritos brigam entre si os corpos so afetados.7 A entidade espiritual uma potncia perfeita que tem a finalidade de conservar seu prprio corpo e destruir o do inimigo ad corpus universum violandum.8 Quem possui conhecimento da matria e domina a tcnica pode causar leses espirituais at matar ou escravizar o enfeitiado. Por isso os adeptos da nigromancia seriam capazes de causar malefcio utilizando bonecos:

    Se minha vontade se encher de dio contra algum, precisar expressar este sentimento de alguma maneira. E isto ser feito justamente atravs do corpo. Sem dvida, se minha vontade for demasiadamente violenta ou ardente, pode acontecer que meu desejo chegue a perfurar e ferir o esprito da pessoa odiada. E tambm posso encerr-lo fora (compeliam) numa imagem que eu consiga fazer dele, deformando-a e distorcendo-a a meu gosto, atingindo assim tambm a inteno de atormentar meu inimigo.9 Quando algum modela uma figura parecida com a do homem que se quer castigar, ou a desenha numa parede, golpeando-a com picadas ou pancadas, tudo isso acontece na realidade. A vontade do esprito transfere assim o sofrimento simblico da figura para a pessoa real que ela representa. Por isso conclumos que os espritos combatem entre si da mesma

    forma que os homens.10 Quando modelamos uma imagem de cera, a enterramos e a cobrimos de pedras, projetando sobre ela a vontade do esprito contra a pessoa representada (pela tal imagem), essa pessoa ser atacada pela ansiedade, principalmente, no local onde foram acumuladas as pedras. E s se livrar da angstia quando sua imagem for desenterrada. Da mesma forma, quando durante essas provas uma das pernas da imagem se quebra, a pessoa representada sofrer a mesma leso. Assim tambm acontecer se quisermos provocar feridas, picadas, e outras coisas semelhantes.11 Quando todo este trabalho da vontade estiver consumado pelo esprito influenciador sobre o sujeito onde mora o esprito influenciado, ou em sua figura ou imagem, o segundo ter se tornado prisioneiro do primeiro, sendo obrigado a executar o que lhe seja ordenado.12

    6 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 129.

    7 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 127.

    8 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 119.

    9 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 132.

    10 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 134.

    11 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 130.

    12 PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 130.

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    Ao comentar a medicina simptica que medicava membros de cera e operava sobre o sangue dado pelas chagas para curar as prprias chagas, Eliphas Levi sugeriu que a homeopatia uma reminiscncia das teorias de Paracelso e uma volta s suas prticas sbias.13 Sua tese do choque de retorno contm chaves ocultas. O feiticeiro ainda no um vampiro porque causa malefcios sem valorar a vitima como alimento. Mas a disputa espiritual como uma partida de boxe onde o vencedor e o perdedor saem repletos de cicatrizes. Ganhando ou perdendo, quem permanece impregnado de dio atrai para si todo o mal desejado aos outros e contrai seqelas que no podem ser curadas por medicamentos mundanos.14 O acmulo de hematomas enfraquece o esprito e produz reflexos no corpo fsico. O nico remdio para os males que correspondem ao esprito15 um filtro chamado nephesh habashar ou anima carnis que, sem delongas, consiste na aplicao de sangue humano. Com ele o corpo ser curado imediatamente.16 O feiticeiro de esprito esturricado se regenera virando vampiro.

    Principio da similitude mnima

    A tradio popular das Amricas e da Europa sustenta que a probabilidade de xito

    do feitio diretamente proporcional semelhana da representao com seu modelo porque o vulto um suporte de bruxarias dirigidas. Se a imagem no for feita pelo prprio feiticeiro na inteno de representar o enfeitiado nem contiver amostras de DNA em sua composio, o fetiche receber ao menos o mesmo nome para que a identidade seja inequvoca.

    Muitos aconselham a simular a f do enfeitiado caso este seja religioso. Por exemplo, para representar um cristo os autores mandam misturar gotas de leo ou vinho consagrado na missa17 e cinzas de hstias queimadas18 na cera quente liquefeita que ser usada para fazer o fetiche. Depois se simula os sacramentos tais como batismo, penitncia, matrimnio e eucaristia.19

    Uma escultura perfeita, impecvel, o que todos desejam. Porm sempre foi dificlimo encontrar feiticeiros com habilidade artstica suficiente para esculpir miniaturas de qualidade. Da o estabelecimento oficioso duma espcie de princpio da similitude mnima. por isso que encontramos a foto de uma boneca de feitio feita de penas, entranhas de animal e linha preta que certamente no se parecia em nada com o suplicado ao qual representa (ilustrao na pgina 58 do livro Do Vodu Macumba). Pelo mesmo motivo os brasileiros usam um par de olhos de boi isto , duas sementes do fruto da pitombeira (Talisia esculenta) para substituir olhos humanos em rituais de defesa contra o mau olhado. Pegue um ovo podre e escreva nele o nome da pessoa nove vezes, diz uma frmula para fazer com que uma persona non grata v embora, Escreva,

    13

    LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 358. 14

    PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 132. 15

    PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 135. 16

    PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 131. 17

    FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 98. 18

    LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 355. 19

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 60.

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    tambm, para onde quer que ela v. meia-noite atire o ovo contra a porta da casa da vtima.20

    Principio do contato ou contgio

    Encantada pelos saquinhos de p de amor, gotas de atrao, leo do inferno,

    diabinho na garrafa e pelo negro belssimo que vendia tudo aquilo numa loja vodu no Plaza de Aemas, em Nova Orleans, a brasileira Maria Helena Farelli encheu sua sacola de produtos exticos e interrogou sobre feitios pesados. Ento ele mostrou alguns bonecos feios e retorcidos:

    Quer fazer mal a algum? Vamos fazer uma boneca feita de cera, massa ou

    chumbo ou pano, vamos prepar-la e ela vai matar ou prejudicar quem a senhora queira. (...) Faz-se uma imagem da pessoa que se quer matar com p de pedra misturado com goma, depois coloca-se a imagem junto ao deus vodu que se adora, coloca-se a imagem dentro de um vaso e queima-se o vaso e o boneco no forno. Depois retira-se o vaso j chamuscado e pe-se um pedao de gelo na inteno da pessoa. O gelo se derrete e a feitiaria est completa... Ela funciona melhor que uma bola enfeitiada, mas se no for feita no preceito d choque de retomo em quem faz. Quando o voduno espeta uma boneca com dio ele est usando este sentimento para transferir para a pessoa o que quer que acontea. A vtima s sente os efeitos do feitio quando a imagem (boneca) est carregada de dio e deliberada e no ocasionalmente maltratada... Trouxe chumao de cabelo da vtima, pedaos de unhas?21

    Maria Helena Farelli no tinha inimigos e no carregava amostras de DNA de cobaias humanas. A falta destes ingredientes ps fim negociao. Ela estava especialmente decepcionada com a aparncia dos bonecos feitos por quem no tem talento para esculturas artesanais e, mesmo diante da rigorosa produo dum especialista, a coisa no parecia to boa quando as velas industriais do Brasil. Como pode ser isso? A similitude impressiona mais que o contato ou contgio.

    No mundo moderno a busca da facilidade e o avano da tecnologia parecem ter ultrapassado o velho costume de misturar amostras de DNA lascas de unhas, fios de cabelo, dentes de leite, etc., reduzidos a p na composio da parafina liquefeita em banho-maria. Atualmente tem se tornado cada vez mais raro o habito de costurar roupas de boneca com tecido de calcinha, cueca ou trajes usados pelo representado para que fique amarrado ao fetiche de tal maneira que tenha todas as sensaes das aes aplicadas em sua rplica.22

    Trinta anos atrs provavelmente nenhum feitio seria levado a srio no Brasil se no fosse feito com aqueles ingredientes especiais. Aleister Crowley chegou a afirmar que no suficiente pretender que a imagem de cera seja a pessoa que voc quer enfeitiar.

    20

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 73. 21

    FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 31-33. 22

    LE DRAGON ROUGE. Em: N. A.MOLINA. Nostradamus, a Magia Branca e a Magia Negra. (2a edio). Rio

    de Janeiro, Espiritualista, p 122-124.

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    necessrio estabelecer uma conexo real e ser capaz disso.23 Da o uso de amostras de DNA ou objetos de uso pessoal.

    J. G. Frazer tambm enumera a mmica como um dos dois princpios da magia simptica. O outro a lei de contato ou contgio onde coisas que alguma vez tiveram contato entre si continuam a agir umas sobre as outras a distncia, mesmo depois de interrompido o contato fsico.24 Para os orientais a melhor forma de resolver esse impasse transformar o prprio boneco num objeto de uso pessoal do enfeitiado. Por exemplo, um antiqssimo costume ensina a fazer bonecos de papel (shikishi ningy) para os enfermos, deixar na cama ao lado deles por alguns dias e depois levar os fetiches carregados de doena para longe. Quando o papel derretido pela chuva ou queimado ele leva a enfermidade embora fazendo o paciente melhorar.

    Ofensas, injrias e blasfmia

    O que acontece aps o preparo do fetiche depende da inteno do feiticeiro. Para

    causar malefcio simulam o assassinato do boneco. A cera de parafina frgil e fcil de espetar, cortar, derreter, etc. A parte destruda sem esmigalhar tudo de uma vez como comumente ocorre com vidro ou argila. O exemplo de tortura simulada mais comum manda encher o boneco de pregos ou alfinetes proferindo pragas, injrias25, ofensas e palavras de baixo calo26. Joo do Rio descreveu um procedimento em que o bruxo enforcava o boneco de cera e dizia as palavras Arator, Lepidator, Tentator, Soniator, Ductor, Comestos, Devorator, Seductor!27

    Embora Eliphas Levi concordasse com Paracelso quanto ausncia de influncia de deuses ou demnios no feitio, ele percebeu que certos praticantes europeus tinham inteno de evocar diabos:

    Os necromantes da Idade Mdia, ansiosos de agradar por sacrilgios quele que

    consideravam como seu senhor, misturavam esta cera com leo batismal e cinzas de hstias queimadas. Padres apstatas sempre se encontravam para lhes dar os tesouros da Igreja. Formavam com a cera maldita uma imagem to parecida quanto possvel com aquele que queriam enfeitiar; cobriam esta imagem com vestidos iguais ao dele, davam-lhe os sacramentos que ele tinha recebido, depois pronunciavam sobre a cabea da imagem todas as maldies que exprimiam o dio do feiticeiro e cada dia infligiam a esta figura maldita torturas imaginrias, para atingir e atormentar, por simpatia, aquele ou aquela que a figura representava. O enfeitiamento mais infalvel se a pessoa puder obter cabelos, sangue e, principalmente, um dente da pessoa enfeitiada. o que deu lugar a este modo de falar proverbial: Tendes um dente contra mim.28

    O antdoto ideal sugerido pelo mesmo autor:

    23

    CROWLEY, Aleister. Moonchild. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 46. 24

    FRAZER, J. G. The Golden Bough. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 46. 25

    FARELLI, Maria Helena. A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 98. 26

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 60. 27

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 60. 28

    LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 355.

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    Para o enfeitiamento pela figura de cera, preciso fazer uma figura mais perfeita,

    pr da prpria pessoa tudo o que puder dar, pr-lhe ao pescoo os sete talisms, coloc-la no meio de um grande pentculo representando o pentagrama e esfreg-la levemente, todos os dias, com uma mistura de leo e blsamo, depois de ter pronunciado a conjurao dos quatro para desviar a influncia dos espritos elementares. No fim de sete dias, ser preciso queimar a imagem no fogo consagrado, e podereis ter certeza de que a estatueta fabricada pelo enfeitiado perder, no mesmo instante, toda a sua virtude.29

    Os ritos de carregar so meios de concentrar a fria, a paixo e outros sentimentos

    marcantes do feiticeiro ou do enfeitiado na imagem que, por isso, passa a abrigar uma vitalidade prpria. Se o representado acredita e diabos e blasfema a imagem pode ser carregada de dio de vrias maneiras: Orao invertida, banho de sangue, uno de substncia txica ou venenosa, etc. Em tese tudo isso pode contribuir para que uma imagem, especialmente uma j associada destruio, ganhe uma negra e abundante vitalidade que pode destruir a si prpria, no consciente e subconsciente, sobretudo durante o sono30.

    Pregos, agulhas e alfinetes

    Tenho visto muitos mandingueiros dizendo que usar agulhas ou alfinetes comuns para espetar bonecos no to bom quanto usar pregos velhos e enferrujados extrados de caixo de defunto. (Devido ao problema de falta de espao urbano a grande maioria dos mortos no fica enterrada para sempre. Depois de dez anos os mortos so exumados e os restos cremados para desocupar vagas nas sepulturas. Por isso comum achar-se pregos de caixes deteriorados no lixo prximo aos crematrios). O problema que um acidente com pregos enferrujados pode ser fatal, causando ttano. Para evitar isso Murzim Gemwy sugeriu a vinculao duma agulha a um morto antes do enterro:

    So Cipriano (...) falava em passar uma agulha com um fio de linho galego

    por trs vezes, pela pele da barriga de um defunto. No original grego So Cipriano fala epiderme () significando em cima da pele. (...) Deve-se oferecer para ajudar a costurar a mortalha ou a roupa de um defunto31.

    No existe nenhum original em grego do Livro Vermelho e Negro de So Cipriano,

    mas graas a essa pegadinha o original brasileiro, em portugus, ficou famoso a ponto de dividir os crdulos em dois grupos de costureiros caridosos e feiticeiros tradicionais. Estes ltimos supostamente gostam tanto de rituais difceis que s deixam papis nos caixes

    29

    LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. Trd. Rosabis Camaysar. SP, Pensamento, 1997, p 358. 30

    BROMAGE, Bernard. The Occult Arts of Ancient Egypt. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 45-46. 31

    GEMWY, Murzim G. O Grande e Legtimo Livro Vermelho e Negro de So Cipriano. So Paulo, Edrel, p 77.

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    quando no conseguem enterrar bonecos aos ps de um defunto fresco pedindo que o leve a personalidade representada com ele32.

    Feitio para sugar a vida de algum mediante representao

    N. A. Molina ensina que quando se faz feitiaria com dois bonecos um deles

    representa o feiticeiro e o outro o enfeitiado. Amarrar e pregar o par de bonecos na cabea cria uma relao de dependncia e subordinao. Um prego no peito absorve a sade de um para o outro. Um prego no ventre causa intranqilidade. Pregos nas pernas e ps terminam de trancar os caminhos do enfeitiado33. De acordo com N. A. Molina, um boneco solitrio poder ser utilizado com o propsito de prejudicar sem transferir a vida do enfeitiado para o feiticeiro. No lugar disso o encargo de drenar a sade alheia ser dado a Guland (um personagem do Grimorium Verum associado ao Exu Morcego pela tradio oral brasileira).

    Disposta assim a figura, uma noite hora de Saturno atravessa-a em todos os

    sentidos, com agulhas ou espinhos envenenados, cobre-a de injrias e maldies em nome de Guland, imaginando firmemente que tens tua frente a mesma pessoa de corpo e alma; joga por fim o boneco no fogo. Se tudo isto fizeres como digo, pondo toda tua f e fora de vontade, no duvides de que, como a cera se derreter e consumir, assim se consumir a pessoa sofrendo dores agudas em todas as partes correspondentes s feridas feitas na figura34.

    O conselho de pregar o par de bonecos no feitio de amarrao um caso isolado.

    Normalmente se amarra com fios de cabelo colados em barbante. Outros mandingueiros diro que perfurar a ambos com pregos matar o feiticeiro e o enfeitiado ao invs de propiciar a transfuso da vida... A esmagadora maioria de outras referncias equivalentes no exige que se calcule o horrio dedicado ao planeta Saturno por tabelas de almanaques astrolgicos. A preferncia malevel de horrio para giras, trabalhos e servios de Exu a meia-noite, mas a interveno de Guland ou a ao do Orix Omulu acessria ao rito. O mesmo ocorre com a interveno de So Peregrino e de Nossa Senhora das Dores nos pedidos de cura. Tem at gente que pede benefcios ou malefcios para Satans ou Lcifer.

    O rito universal fundamentado no veculo da representao sem depender do apoio de interventores ou deuses que podem ou no estar subordinados a tais horrios de trabalho. O desejo do prprio feiticeiro canalizado pela idealizao do fetiche, mas, se o feiticeiro acredita ser fraco e precisar de ajuda, tendo f, poder solicitar auxlio ao santo de devoo, ao exu interventor, etc.

    32

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 85. 33

    N. A.MOLINA. Antigo Livro de So Cipriano: O gigante e verdadeiro Capa de Ao. (29a edio). Rio de

    Janeiro, Espiritualista, p 240-241. 34

    LE DRAGON ROUGE. Em: N. A.MOLINA. Nostradamus, a Magia Branca e a Magia Negra. (2a edio). Rio

    de Janeiro, Espiritualista, p 122-124.

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    Uso de outros materiais Nem s de imagens de cera de parafina vive o mito. O Picatrix menciona um par de

    estatuetas de p de pedra misturado com goma usadas num feitio para fazer uma pessoa se apaixonar por outra35. Outras fontes sugerem inmeros outros materiais, inclusive a tradicional impresso fotogrfica em gelatino bromuro. Hoje em dia tem gente que usa at Barbie na mandinga. Em francs o verbo enfeitiar (envoter) provm duma raiz latina que descreve qualquer face humana (vultus) real ou representativa. Pela etimologia deduz-se que para efetivar um feitio (envotement) necessria a posse dum vulto plano (desenho ou foto) ou tridimensional (esttua, boneca, altos e baixos relevos). Alguns estudiosos do tema, como Kurt Kloetzel, acreditam que as pinturas rupestres da idade da pedra no eram feitas por mera recreao, nem devem ser vistas como ensaios de expresso artstica.36 As cenas de caa abundante e grada serviam de alegorias atravs das quais o homem buscava dominar a realidade, dela extraindo aquilo que mais prezava: Alimento farto, fecundidade.37

    Substituio dum vivo por um cadver

    Numerosos feitios substituem um ser vivo saudvel por outro j morto ou

    moribundo com o objetivo de simular a morte. Talvez a famosa simpatia que manda escrever o nome da pessoa odiada num papel e costur-lo dentro da boca de um sapo derive do costume dos ndios carijs que amarravam o sapo numa rvore invocando o mal a algum para que o animal morresse e apodrecesse, carregando a vida da pessoa.38 Se bem que em 1932, na Frana, o jornalista William Seabrook encontrou uma boneca de bruxa crivada de alfinetes e borrada com sangue de sapo. Junto boneca havia uma Bblia com um crucifixo invertido no qual um sapo havia sido crucificado com a cabea para baixo.39

    H quem se valha de gatos, galinhas e at cadveres na mesma inteno. Por exemplo, certa vez algum violou o tmulo de Daniella Peres no Cemitrio So Joo Batista e depositou dois bonecos amarrados e espetados com alfinetes.40 Clarival do Prado Valladares descobriu urnas profanadas no interior de uma cripta com entrada de alapo pela Capela do Sacramento, anexa ao Convento de So Francisco, em Deodoro. As paredes e teto estavam cobertas de inscries de nomes e datas feitas a fumo de velas, at 1965, escritas numa mesma caligrafia. Tambm no Cemitrio de N. S. do Rosrio (1875), encontrou-se uma capela-jazigo cujo interior continha grande quantidade de objetos de uso pessoal (roupas, cartas, retratos, vidros, teros, etc.) e todas as paredes

    35

    PICATRIX. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 45. 36

    KLOETZEL, Kurt. O Que Superstio. So Paulo, Brasiliense, 1990, p 13. 37

    KLOETZEL, Kurt. O Que Superstio. So Paulo, Brasiliense, 1990, p 15. 38

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 59. 39

    MAGIA NEGRA E FEITIARIA. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 16. 40

    MATHEUS, Letcia. Tmulo de atriz violado. Em: EXTRA, 2 edio, 30/12/1999, p 12.

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    preenchidas com nomes e datas de pessoas riscadas a carvo, grafite, tinta, e tambm a fumo de vela.41

    Existe um jogo de empurra na cultura afro-brasileira para identificar os responsveis pela prtica ou apologia violao de sepulturas (ato ilcito tipificado no art. 210 do Cdigo Penal). Ningum pratica e em todo lugar se faz.

    Existem contra feitios para defender vtimas de magia pelo fechamento do corpo. Diversos despachos para cortar olho grande exigem um par de pedras olho de boi inteiras ou furadas com pregos para que algum, ou toda a coletividade ao redor, se torne incapaz de projetar os malefcios da inveja. Uma variante manda colocar o nome do suspeito dentro de uma graviola e espetar quarenta e dois palitos na fruta. Noutra usa-se uma imagem e deve-se espetar os alfinetes nos olhos da boneca.42 Uma manipulao (kibo-ngela) de origem angolana manda extrair os olhos dum peixe vermelho cru, em cujo interior posto o nome da pessoa, escrito numa fita roxa. O peixe despachado na praia enquanto os olhos so enterrados no lodo e regados com urina, chamando Aluvai Mavunangu.43

    Como nosso objetivo neste artigo apenas a investigao do mtodo, despindo-o de seus adornos e contextos culturais, recomendo aos interessados que leiam os livros Do Vodu Macumba, de Mrcia Cristina (contm feitios para o mal, para o bem, para questes de amor, etc.) e A Magia do Vodu, de Maria Helena Farelli (contm trabalhos de Vodu de Nova Orleans). Para maiores detalhes compilei alguns feitios extrados de outras fontes no final desta obra.

    Histrias extraordinrias

    Teoricamente tudo que for feito ao fetiche reflete no ser representado. Certos

    acontecimentos simultneos ou futuros devem estabelecer a relao de causa e efeito sob pena de comprovao ftica da ineficcia do mtodo. Por exemplo, certo relato passado de boca em boca conta que, em 1968, no Haiti, um jovem foi surrado por um policial e resolveu vingar-se levando um retrato de seu agressor a um velho mgico. Este realizou passes sobre o objeto e vaticinou: O que voc fizer foto acontecer ao seu dono.44 Trmulo, o jovem haitiano furou o olho esquerdo do retrato com a ponta de uma faca. No mesmo dia o policial acidentou-se e furou o olho esquerdo com uma pea de madeira pontiaguda.45

    41

    VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos Cemitrios Brasileiros: Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias at as necrpoles secularizadas. Vol I. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1972, p 439-1440. 42

    COSTA, Jos Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro, Pallas, 1991, p 50. 43

    COSTA, Jos Rodrigues da. Como Combater Olho-Grande. Rio de Janeiro, Pallas, 1991, p 66. 44

    PARALIZADOS POR BRUXARA. Em: Homem, Mito & Magia, fascculo 33. SP, Trs, 1973, p 667. 45

    Em 1964, perto de Sandringham, Norfolk, foi encontrada uma boneca de 15 centmetros de comprimento, feita de massa de modelar e com uma lasca de espinheiro perfurando-lhe o corao. Conforme a redao de Homem, Mito & Magia, o objetivo do feitio tanto poderia ter sido o de matar a vtima, como o de seduzi-la, ferindo seu corao com amor. Mas, segundo Maria Helena Farelli, dizem os vizinhos que a mulher que ali morava morreu de ataque cardaco. (A Magia do Vodu. Rio de Janeiro, Luz de Velas, 1995, p 32).

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    No tratado De Enti Sprirituali o mdico-alquimista Paracelso assegura que quando a imagem de um ladro for golpeada, este ser forado a voltar ao lugar onde roubou por mais longe que tenha ido.46 Por esta razo, na antiga Frana, se as autoridades no conseguiam encontrar um criminoso, executavam-no em efgie, declarando-o legalmente morto.47 O poeta latino Quinto Horcio Placo (65-8 a.C.) escreveu sobre os malefcios da mtica feiticeira Medeia, que picava bonecos de cera com alfinetes para causar desgraas s pessoas com eles identificadas: A morte de Germnico teria sido causada por este tipo de magia.48

    No livro Magical Papyrus o egiptlogo M. Chabas demonstra que o feitio da figura de cera era conhecido no Egito. Esta prtica nasceu a partir de uma derivao do rito de criao das figuras shabti, descrita no Papiro de Turim, decifrado e publicado em Paris em 1868. Esta fonte menciona uma conspirao contra um fara na qual pretendia-se a morte do rei com a incinerao, pura e simples, de pequeninos bonecos de cera virgem, feitos forma e semelhana de cada elemento da corte.49 Em 1447 a mulher do Duque de Gloucester foi acusada de acender chamas perto de uma efgie do rei Henrique VI, para mat-lo de insolao. Em face de sua posio social, a mulher escapou pena capital, mas seus cmplices, Roger Brolingbroke e um suposto feiticeiro, foram condenados.50 Em 1900 uma figura do presidente McKinley, crivada de alfinetes, foi queimada nas escadas da embaixada norte-americana, em Londres. William McKinley morreu em 14 de setembro de 1901. Foi o terceiro presidente dos EUA a ser assassinado.

    Conjugao de feitiaria com hipnose

    Desde o sc. XIX a fotografia tornou-se uma alternativa tecnolgica para os

    feiticeiros. Os exemplos mais famosos so as experincias sobre a exteriorizao da sensibilidade nos estados profundos da hipnose levadas a cabo a partir de 1891 pelo Coronel Eugne Auguste Albert de Rochas d'Aiglun (1837-1914). A primeira experincia compilada por Papus foi publicada no ms de Agosto de 1902:

    Rochas tentou transportar a sensibilidade de um paciente para uma placa fotogrfica. Colocou uma primeira placa em contato com um sujet no adormecido: a fotografia do paciente, obtida em seguida, no apresentou nenhuma relao com ele. Uma segunda, posta anteriormente em contato com um paciente adormecido, ligeiramente exteriorizado, deu uma prova apenas sensvel por relao. Uma terceira, enfim, que, antes de ser colocada no aparelho fotogrfico, havia sido fortemente carregada com a sensibilidade do sujet adormecido, deu uma fotografia que representou os mais curiosos caracteres. Toda vez que o operador tocava na imagem, o paciente fotografado o sentia: Por fim, tomou aquele, um alfinete e arranhou duas vezes a pelcula da placa no lugar da mo. Neste momento, o paciente desmaiou, em completa contratura. Quando voltou a si, pode-se ver sobre a mo dois estigmas vermelhos sobre a epiderme, correspondendo s duas

    46

    PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 134. 47

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 58. 48

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 58. 49

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 58. 50

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 58-59.

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    arranhaduras da pelcula fotogrfica. Rochas acabava de realizar to completamente quanto possvel, o envultamento dos antigos. (La Justice 2 de agosto).

    51

    Em LInitiation (vol. XVII, n. 2, de Novembro de 1892) o Coronel Rochas

    apresentou pormenores sobre fatos ocorridos em dois de agosto com a mesma paciente na qual pde-se, algumas vezes, determinar o fenmeno de dermografia (inchao da pele pela simples passagem de uma ponta romba).52

    A maioria dos pacientes, quando se hipereteziam seus olhos por meio de certas manobras, v escapar-se dos animais, vegetais, cristais e ims, alguns clares que poderiam ter uma relao direta com essas irradiaes. Foi o que constatou pela primeira vez, h cerca de cinqenta anos, por meio de numerosas experincias, um sbio qumico austraco, o baro de Reichenbach. No homem, esses eflvios saem dos olhos, das narinas, das orelhas e da extremidade dos dedos, enquanto que o resto do corpo anlogo a uma penugem luminosa. Quando se exterioriza a sensibilidade de um paciente, o sujet vidente v este envoltrio luminoso deixar a pele e situar-se no ar justamente nos pontos onde se pode verificar diretamente a sensibilidade do paciente por meio de contatos ou picadas.

    Continuando as manobras que produzem a exteriorizao, vi, com o auxlio destes diversos processos, que se formavam sucessivamente uma srie de camadas sensveis muito delgadas, concntricas, separadas por zonas insensveis, at vrios metros do paciente. Estas camadas distam umas das outras cerca de 5 a 6 centmetros e a primeira separada da pele, que fica insensvel, apenas a metade desta distncia...

    O que eu considero perfeitamente estabelecido que os lquidos, em geral, no somente detm o od, mas o dissolvem, isto , que, fazendo-se atravessar, por exemplo, um copo cheio de gua por uma das camadas sensveis mais prximas do corpo, produz-se uma sombra dica, e as camadas seguintes desaparecem por detrs do copo at chegarem a uma certa distncia; alm disto, a gua do copo torna-se inteiramente sensvel e emite mesmo, ao cabo de um certo tempo (provavelmente quando ela est saturada) vapores sensveis que se elevam verticalmente sobre a superfcie do lquido. Enfim, se se afasta o copo, a gua que ele contm fica sensvel at uma certa distncia; alm da qual o lao que a une ao corpo do paciente parece romper-se, depois de ir-se gradualmente enfraquecendo.

    At este momento, o paciente percebe, sobre a parte de seu corpo mais prxima do lugar em que se acha a gua carregada de sensibilidade, todos os toques que o magnetizador faz no lquido, se bem que a regio do espao para onde se transportou o vaso no contenha, fora deste recipiente, mais nenhuma parte sensvel.

    * * *

    A analogia que apresenta este fenmeno, com as histrias de pessoas que se fazem morrer distncia, ferindo uma figura de cera modelada sua imagem, evidente. Procurei ver se a cera no gostaria, como a gua, da propriedade de armazenar a sensibilidade e reconheci que ela a possua em alto grau, assim como outras substncias gordurosas, viscosas ou aveludadas como o cold-cream e o veludo de l. Uma estatueta confeccionada com cera de modelar e sensibilizada, sendo colocada alguns instantes em face e a uma pequena distncia de um paciente, reproduzia neste as sensaes das picadas que eu fazia na cera; ora no alto do corpo, se eu picava a figura na cabea, ora na parte inferior, se eu a picava nos ps. (Quer isto dizer que a picada era sentida de maneira mais ou menos vaga nas regies que haviam enviado mais diretamente seus eflvios). Entretanto, cheguei a localizar exatamente a sensao, colocando, como os antigos feiticeiros, na

    51

    PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. So Paulo, Pensamento, 1978, p 397. 52

    PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. So Paulo, Pensamento, 1978, p 401, nota 21.

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    cabea de minha figurinha, uma mecha de cabelos cortada da nuca do paciente durante seu sono hipntico.

    Esta foi a experincia da qual nosso colaborador na Cosmos foi testemunha e mesmo autor; ele havia transportado a estatueta assim preparada para trs das gavetas de uma escrivaninha, onde no a podamos ver, nem o paciente, nem eu. Despertei Mme. L... que, sem deixar seu lugar, ps-se a conversar com ele at o momento em que, voltando-se bruscamente e levando a mo parte posterior da cabea, perguntou, rindo, quem lhe puxava pelos cabelos; era no momento preciso em que X. tinha, sem que eu visse, puxado pelos cabelos da estatueta.

    Os eflvios, parecendo refratar-se de maneira anloga luz, que talvez os arraste em sua projeo, pensei que si se a projetasse, com o auxlio de uma lente sobre uma camada viscosa, a imagem de uma pessoa suficientemente exteriorizada, poderia chegar-se a localizar exatamente as sensaes transmitidas da imagem pessoa. Uma placa carregada de gelatino-bromuro e um aparelho fotogrfico me permitiram realizar facilmente a experincia que s teve xito completo quando eu tive o cuidado de carregar a placa de sensibilidade do paciente antes de a colocar no aparelho. Mas, operando assim, obtive um retrato tal, que se o magnetizador tocava um ponto qualquer do rosto ou das mos sobre a camada de gelatino-bromuro, a paciente sentia a impresso no ponto exatamente correspondente; e isto no s imediatamente depois da operao, mas ainda trs dias depois, quando o retrato foi fixado e colocado perto da paciente. Esta parecia nada ter sentido durante a operao de fixagem, feita longe dela, e sentia igualmente bem pouco quando se tocava, em lugar da camada de gelatino-bromuro, a chapa de vidro que lhe servia de suporte.

    Querendo levar a experincia o mais longe possvel e aproveitando a presena ali de um mdico, piquei violentamente, sem prevenir e por duas vezes, com um alfinete, a imagem da mo direita de Mme. L..., que soltou um grito de dor e perdeu os sentidos por um instante. Quando voltou a si, observamos sobre o dorso de sua mo duas raias vermelhas sub cutneas que ela no tinha antes, e que correspondiam exatamente s duas arranhaduras que meu alfinete havia feito sobre a camada gelatinosa.

    53

    Noutra experincia com Madame L, o coronel Rochas descobriu que o clich era sensvel aos seus contatos, mas no aos do fotgrafo. Estes s eram sentidos quando ele tocava o homem que tocava o clich. Em nove de outubro, tendo sido tirada uma prova sobre papel, a paciente percebia sensaes gerais agradveis ou desagradveis54. Dois dias depois toda sensibilidade havia desaparecido do clich e da prova. Consta que o Dr Luys reproduziu o fenmeno, tendo conseguido obter a transmisso de sensibilidade a 35 metros alguns instantes depois da pose. D Arsac repetiu a experincia da placa fotogrfica sensibilizada e publico um artigo no jornal Paris-Bruxelles de 12 de outubro e 1862. Em sua opinio tudo isto foi efeito de sugesto porque na ausncia do hipnotizador, podia-se, nove vezes sobre dez, picar o retrato, sem que a hipnotizada sentisse dor alguma. Nunca a paciente experimentou a menor dor, quando o clich era picado por uma pessoa que ignorasse completamente o fim da experincia. 55

    O fim das experincias cientficas no impediu a difuso e distoro da novidade e logo surgiu uma infinidade de adaptaes de feitios por fotografia. Obtenha uma fotografia e uma mecha do cabelo da vtima, diz uma frmula popular que ignora a hipnose, Enterre-os juntos, de preferncia na lama ou em areia umedecida, onde os objetos se desintegrem rapidamente. Da mesma forma, a vtima ir se desintegrando at

    53

    PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. So Paulo, Pensamento, 1978, p 397-400. 54

    PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. So Paulo, Pensamento, 1978, p 400, nota 20. 55

    PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. SP, Pensamento, 1978, p 400-401, nota 20.

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    a morte.56 Junto com os novos feitios vieram novos exorcismos. Segundo Hans Holzer, a fotografia tem o mesmo efeito que as amostras de DNA, carregando a imagem psicossomtica da pessoa. Este exorcista submeteu fotografias a mdiuns que forneceram detalhes da vida das pessoas fotografas, incluindo informaes sobre personalidades ligadas a ela:

    Numa recente investigao, na qual cooperei com a polcia, um mdium conseguiu

    localizar um assassino em potencial atravs da fotografia da vtima. Quando chega o momento adequado de matar a vtima, o feiticeiro entra num estado de exaltao e delrio, alcanado por meio de drogas aromticas ou auto-hipnose; formula o ato de morte em sua mente, com a miniatura nas mos (dgide) e em frente de seus olhos, emite a frmula de pensamento da morte da vtima. Se ele sabe onde ela se encontra, a mensagem a alcana e ela no pode escapar daquilo que no sabe que est indo ao seu encontro. A concentrao de energia contendo desejo de morte alcana e fere sua aura. Muitas vezes, so necessrios muitos desses assaltos mentais antes que a pessoa morra.57 Quanto a mim penso que se o ato de destruir fotos com dio causasse a morte por

    via remota todos os polticos cujas fotos e caricaturas so sujas, rasgadas, queimadas, etc., durante manifestaes populares deviam parecer de malefcio imediato. Contudo tal coisa nunca aconteceu.

    A lei do retorno

    A teoria do retorno ou contra-ataque automtico do esprito ofendido elevada ao

    cubo na lei trplice parece ter sido criada por Paracelso. Ele teorizou que o feitio nunca obra de demnios malvados (cacodoemones), mas s atinge os espritos culpados, assegurando que no pode acontecer aos homens justos e honestos pelo simples motivo de que seus espritos se defendem e se protegem energicamente58. Luiz da Rocha Lima fundamentou a critica desta opinio parafraseando o exorcista brasileiro Hans Holzer:

    Devemos desarraigar de nossas mentes a idia que o mago negro no pode prejudicar a ns outros, porque ns seguimos a senda reta ou porque vil ou perverso. uma idia equivocada difundida para evitar que o homem se fortalea e propagada pelos seguidores do caminho negro. to insensato como imaginar que se um boxeador profissional estivesse boxeando com um menino, este ganharia, porque sua alma pura. Milhares de pessoas carecem de suficiente ambio para desenvolver a fora necessria. Vivem honestamente como bons cristos, to negativamente puros que esto preconizando abertamente que so alvo fcil para qualquer um aproveitar a oportunidade. (...) So do tipo que facilita a perpetuao da magia negra.59

    56

    NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 72. 57

    HOLZER, Hans. A Verdade Sobre a Bruxaria. Record, p 193-194. In: LIMA, Luiz da Rocha. A Luta Contra a Bruxaria. Rio de Janeiro, Educandrio Social Lar de Frei Luiz, 1987, p 214-215. 58

    PARACELSO. A Chave da Alquimia. Trd. Antonio Carlos Braga. So Paulo, Trs, 1973, p 134. 59

    LIMA, Luiz da Rocha. A Luta Contra a Bruxaria. RJ, Educandrio Social Lar de Frei Luiz, 1987, p 2.

  • 15

    Talvez Paracelso tenha inventado a lei do retorno para no ser acusado de ensinar artes das trevas numa poca em que os tribunais do Santo Ofcio ainda eram ativos. Registros atestam que um casal foi executado em St. Albans, em 1649, sob a acusao de queimar uma boneca que representava uma mulher. Uma feiticeira inglesa, executada em 1618, brigara com o cunhado que, depois, viajou. Ela foi acusada de fazer um modelo de cera do navio e do capito, com o qual teria causado o naufrgio da embarcao e a morte do cunhado por afogamento. A tradio britnica atravessou o Atlntico e liga-se a isso o fato de se relatar que nas paredes do celeiro da casa de uma das feiticeiras de Salem terem sido descobertos bonecos feitos de trapos e plos de porco, nos quais estavam enfiados alfinetes sem cabea. Na casa de outra, dizem que havia pequenas bonecas de pano com enchimento de plos de bode, e esta feiticeira teria sido obrigada a admitir ter torturado uma vtima, molhando seu dedo com cuspe e acariciando uma das bonecas60.

    Por isso devemos interpretar com reserva e complacncia as passagens onde o mdico-alquimista se expressa de forma temerosa ou dbia.

    60

    A MAGIA DA IMITAO. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 45.

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    ANEXO Tomei a liberdade de compilar alguns rituais somente para estudo folclrico-

    antropolgico. Lembre-se de que alm de antiticos, os crimes de perturbao de cerimnia funerria, violao de sepulturas, destruio e vilipndio a cadver esto todos tipificados do artigo 209 ao 212 do Cdigo Penal Brasileiro.

    A AGULHA ENCANTADA Fonte: Livro Vermelho e Negro de So Cipriano (verso de Murzin G Gemwy).

    So Cipriano, propositalmente, tornava suas mgicas bem difceis de preparar, a

    fim de evitar que casse na mo de pessoas ignorantes ou mal intencionadas. Hoje, que o povo est mais evoludo, h mais instruo, pode-se publicar as frmulas mgicas sem aqueles obstculos propositais.

    A mgica da agulha falava em passar uma agulha com um fio de linho galego por trs vezes, pela pele da barriga de um defunto. No original grego So Cipriano fala epiderme () significando em cima da pele. (...) Referia-se pois, So Cipriano mortalha do defunto e no ao seu corpo. (...) Para fazer esta mgica deve-se oferecer para ajudar a costurar a mortalha ou a roupa de um defunto. Leve uma agulha virgem e use-a para isso. Enquanto costura a pea concentre-se nas seguintes palavras: Fulano (o nome do morto) esta agulha na tua pele vou passar, para que fique com fora de encantar. Terminado leve a agulha para casa e guarde-a muito bem, pois servir para muitas mgicas.61 PARA QUE UM MORTO NOS LIVRE DE UMA DOENA Fonte: Livro do Touro Negro.

    Aproximai-vos de um defunto que esteja para ser enterrado, e dizei: Fulano (dizei o nome do morto), j que ests indo embora, leva contigo esta minha doena (dizei o nome da doena), para que eu dela fique livre, e nunca mais volte a sofrer dela nem de coisa parecida62. TRABALHO AOS PS DE UM MORTO PARA MATAR ALGUM Fonte: O Livro de So Cipriano.

    Deve-se dirigir a um cemitrio em que esteja acontecendo um velrio (...) sendo

    que de preferncia o defunto seja amigo ou conhecido, mas se no o for que saiba-se o nome do mesmo. (...) Aproximando-se do defunto, o que dever ser feito pelos ps do defunto, finge-se que se est arrumando as flores que por certo estaro cobrindo o cadver, e com muito cuidado e concentrao, mentaliza-se o nome da pessoa que se

    61 GEMWY, Murzim G. O Grande e Legtimo Livro Vermelho e Negro de So Cipriano. So Paulo, Edrel, p 77. 62 BAKKATUYU, Sirih. Livro do Touro Negro. Rio de Janeiro, Ediouro, p 87.

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    quer despachar para o outro mundo e, com um pedao de papel branco em que j dever ter sido escrito o nome completo dessa pessoa, enterra-se no meio das flores. Ao faz-lo, como se falasse a si prprio, pede-se ao defunto que, ao partir para a eternidade leve com ele a tal pessoa. A seguir dever-se- dirigir para o lado em que se encontra a cabea do defunto e, curvando-se como se ao seu ouvido algo fosse dizer, pronuncia-se novamente o nome da pessoa que se quer despachar e pedir, mais uma vez, ao morto, que a leve desta para outra vida. (...) Ao sair dirigi-se imediatamente ao Cruzeiro das Almas e acende-se uma vela preta em homenagem a seu Omulu e pede-se ao mesmo que tome conta da pessoa que se quer despachar.63

    CIRCUNSTNCIA DESPENALIZADORA (CONSENTIMENTO DO OFENDIDO):

    Em 13/10/2012, o Programa do Pedro Augusto, na Rdio Tupi, noticiou uma ocorrncia policial inusitada. Logo depois que a me de uma mulher chamada Jussara faleceu, a filha escreveu dezessete nomes de desafetos num papel, abriu a boca do cadver e colocou a lista dentro. As pessoas cujos nomes estavam escritos no feitio ficaram sabendo e tentaram roubar o cadver durante o velrio para retirar o papel. A polcia impediu e a falecida foi enterrada enquanto as pessoas medrosas tentavam inutilmente explicar para a polcia que colocar o nome de algum na boca de um cadver faz com que o inimigo morra... Isso interessante porque se a me, sabendo que ia morrer, deu permisso para a filha fazer isso, no existe crime de vilipndio a cadver. o mesmo caso da pessoa que doa o corpo para autpsia educativa em faculdades de medicina ou para finalidade artstica (ao exemplo de certo amante das artes cnicas que s conseguiu realizar o sonho de ser artista de teatro depois da morte, doando o prprio crnio em testamento para fazer o papel do pai de Hamlet).

    Diferentemente dos maus tratos a animais, inclusive sapos, que ganharam penalidades severas com o artigo 32 da Lei Federal n. 9.605/98, o consentimento do moribundo por codicilo ou testamento pode fazer com que no haja crimes de perturbao de cerimnia funerria, violao de sepultura, destruio e vilipndio a cadver, todos tipificados do artigo 209 ao 212 do Cdigo Penal Brasileiro. E como o crime de tentativa de homicdio no prev pena para feitio, logo no existe ato ilcito quando se enterra pessoa que deixa testamento ou codicilo autorizando rituais exticos. OUTRO TRABALHO AOS PS DE UM MORTO PARA MATAR ALGUM Fonte: Mandinga ensinada por Mrcia Cristina Neves.

    Pegue um boneco de pano ou de cera e o batize em uma cachoeira com o nome da

    pessoa a ser atingida. V ao cemitrio, segure o boneco com a mo esquerda e v espetando alfinetes e agulhas virgens no boneco. A cada parte do boneco que for espetada, deve-se dizer: Com este alfinete estou atingindo fulano na perna, na cabea e assim por diante. Depois de espetar todas as partes do corpo, enfie uma agulha no

    63 STAMM, Samuel. O Livro de So Cipriano. Rio de Janeiro, Rede Carioca, 2002, p 103.

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    corao do boneco e diga as mesmas palavras. A seguir, enterre o boneco aos ps de um defunto fresco e pea a este que o leve com ele.64 TRABALHO PARA QUE TODOS OS MORTOS PERSIGAM ALGUM Fonte: Mandinga ensinada por Mrcia Cristina Neves.

    Obtenha uma amostra do cabelo da vtima, e coloque-a num pequeno caixo.

    Enterre-o num cemitrio. Em trs dias a pessoa morrer.65 EXEMPLOS DE CASOS CONCRETOS Fonte: Pesquisa de campo de Clarival do Prado Valladares.

    O achado mais estranho nessas pesquisas ocorreu no velho cemitrio, de cripta, no antigo

    Convento de So Francisco, de Vila Velha de Alagoas, hoje Deodoro. O cemitrio em desuso, com entrada de alapo pela Capela do Sacramento, consta de uma cripta de cerca de 4 X 6 m em correspondncia s dimenses da capela, com carneiros construdos nas paredes laterais e lajes de campas. Sua coberta tem a altura mxima de 2,5 m. Fizemos a documentao fotogrfica com um refletor que providencialmente nos serviu para o exame detalhado das inumerveis inscries de nomes de pessoas e datas recentes, at de 1965, em letras de imprensa e de uma mesma caligrafia, enchendo totalmente o forro abobadal da cripta. De maneira alguma aquelas inscries, feitas a fumo de velas, contra o reboco, poderiam corresponder aos nomes dos sepultados. Praticamente todas as datas j estavam fora do seu uso, e nem h sinais nem notcias de sepultamento nestes ltimos decnios. Encontramos urnas de restos mortais trasladados, violadas, com os ossos, cabelos e fragmentos de vestes, espalhados sobre um batente. As freiras que dirigem o educandrio instalado no antigo convento franciscano de Deodoro nada sabem informar porque uma ocorrncia antes da presena delas. Em nossa interpretao trata-se de prtica de feitiaria, com uma caligrafia idntica para vrias inscries, cujos nomes no parecem ser de mortos, mas de indiciados do fetichismo. Nada mais podemos indicar sobre esses achados, ignorados pelas pessoas locais, seno a evidncia das fotografias. No velho Cemitrio de N. S. do Rosrio (1875), das runas de Iguau Velha, alm da prtica de macumba em torno do Cruzeiro, que tem ao votiva e de apelo nas viscitudes dos crentes, h os restos de um luxuoso e impotente jazigo de cerca de cinco metros de altura construdo em base de alvenaria revestida de laje de mrmore, pedestal e nicho em colunatas de mrmore. Prximo deste jazigo encontram-se os restos da base de uma capela-jazigo cuja entrada foi fechada por parede de alvenaria e na qual, posteriormente, se fez uma abertura de 40 X 50 cm. Examinando o interior desta capela-jazigo, com o foco de uma lanterna, encontramos uma quantidade espantosa de objetos de uso pessoal (roupas, cartas, retratos, vidros, teros, etc.) e todas as paredes preenchidas com nomes e datas de pessoas riscadas a carvo, grafite, tinta, e tambm a fumo de vela. H uma certa semelhana entre esta observao e aquela outra de Deodoro, de Alagoas. Nossa cautela est em diferenciar a prtica ingnua da macumba, em termos de ao votiva e de apelo, com esta outra de carter de feitiaria demonolgica capaz de atingir a criminalidade do vandalismo, do sacrifcio e do infanticdio que no to desconhecido do prprio noticirio dos jornais brasileiros.66 64 NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, p 85. 65 NEVES, Mrcia Cristina A. Do Vodu Macumba. So Paulo, Trade, 1991, 72. 66 VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos Cemitrios Brasileiros: Um estudo da arte cemiterial ocorrida no Brasil desde as sepulturas de igrejas e as catacumbas de ordens e confrarias at as necrpoles secularizadas. Vol I. Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1972, p 439-1440.

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    TRABALHO PARA MATAR ALGUM Fonte: Mandinga compilada pela revista Homem Mito e Magia.

    Em 1939, teria chegado mais uma receita, procedente de Illinois, Estados Unidos: Uma maneira segura de matar um homem colocar sua imagem sob uma cantoneira do telhado da casa de quem executa o feitio, durante tempo chuvoso, e deixar que a gua pingue sobre ela.67 O MALEFCIO DA FIGURA DE CERA Fonte: Mandinga ensinada por N. A. Monina.

    Pegue um pedao de cera virgem, amolece-o em gua quente, modela ento com

    ele uma figurinha, pensando intensamente nas pessoas que queres enfeitiar: Fulano de Tal, tua semelhana fao esta efgie para que tu fiques amarrado a ela de tal maneira que teu corpo seja seu corpo e o seu seja lugar de todas as sensaes.

    Se tens cabelos, algum dente ou aparas de unhas provenientes da pessoa que ests enfeitiando, pe na figura e, se possuis roupas ou peas interiores usadas pela vtima, faze com elas um vesturio que o relembre quanto seja possvel. Disposta assim a figura, uma noite hora de Saturno atravessa-a em todos os sentidos, com agulhas ou espinhos envenenados, cobre-a de injrias e maldies em nome de Guland, imaginando firmemente que tens tua frente a mesma pessoa de corpo e alma; joga por fim o boneco no fogo.

    Se tudo isto fizeres como digo, pondo toda tua f e fora de vontade, no duvides de que, como a cera se derreter e consumir, assim se consumir a pessoa sofrendo dores agudas em todas as partes correspondentes s feridas feitas na figura.

    Eis a descrio do enfeitiamento clssico, que se encontra com ligeiras variaes na maioria dos antigos grimrios. Em alguns, descrio copiada, acrescenta-se: A figurinha de cera pode ser substituda por um sapo vivo mas as imprecaes so as mesmas. Outra prtica requer que o sapo seja amarrado com cabelos da vtima e, depois de ter cuspido sobre ele, enterra-se sob a entrada da casa da pessoa enfeitiada ou em outro stio sobre o qual a pessoa tenha que passar com freqncia.68

    CASTIGO DE AMOR Fonte: Livro Vermelho e Negro de So Cipriano (verso de Murzin G Gemwy).

    Para se castigar algum que no cede s nossas solicitaes amorosas, se for mulher, consiga um sapo e, segurando-o com a mo direita, estando inteiramente nua, passe-o pela barriga, at o sexo, por sete vezes, dizendo: Sapo, sapinho, assim como eu te passo na minha vagina, assim tambm (fulano) no tenha sossego nem descanso, enquanto no me procurar para praticar aquilo que desejo, ficando sob meu poder, de corpo e alma.

    67 A MAGIA DA IMITAO. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 44. 68 LE DRAGON ROUGE. Em: N. A.MOLINA. Nostradamus, a Magia Branca e a Magia Negra. (2a edio). Rio de Janeiro, Espiritualista, p 122-124.

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    Pega-se linha de retroz verde, com uma agulha bem fina, e costura-se as plpebras do sapo, com o mximo cuidado para no ceg-lo (se isso acontecer poder cegar a pessoa a quem se destina a magia) dizendo: Assim como este sapo deixar de ver, (fulano) tambm deixar de ver outras mulheres, tendo olhos s para mim. Guarda-se o sapo em uma gaiola onde se dever aliment-lo at ter conseguido tudo. Depois disso, com uma tesourinha de unha, corta-se a linha e solta-se o sapo em alguma lagoa.69

    COMO FAZER UMA MULHER APAIXONAR-SE POR UM HOMEM Fonte: Picatrix.

    Faz-se a imagem de cada um deles com p de pedra, misturado com goma e,

    depois, colocam-se as imagens, frente a frente, em um vaso com sete brotos; queima-se o vaso no forno, a seguir acende-se o fogo na lareira e pe-se um pedao de gelo no fogo; quando o gelo derrete, tira-se o vaso e a feitiaria est completa. O fogo derretendo o gelo representaria o amor aquecendo os coraes do homem e da mulher.70 MAGICA NEGRA OU FEITIARIA QUE SE FAZ COM DOIS BONECOS, PARA FAZER MAL A QUALQUER CRIATURA Fonte: Antigo Livro de So Cipriano (verso de N. A. Molina).

    Fazei dois bonecos. Um deles significa a criatura a quem se vai fazer o feitio, e o

    outro significa o que vai enfeitiar. Depois que os ditos bonecos estejam prontos, deveis uni-los um ao outro, de maneira que fiquem muito abraados. Depois de tudo isto pronto, atrai-lhes a ambos uma linha em volta do pescoo, como quem os Est a esganar, e depois de feita esta operao pregai-lhe cinco pregos, nas partes indicadas:

    1 Na cabea, que vare um e outro. 2 No peito, da mesma maneira. 3 No ventre, que vare de um lado ao outro. 4 Nas pernas, que vare de um ao outro lado. 5 Nos ps, de modo que lhes fure de um lado ao outro. H ainda uma condio que os ditos pregos devem ser empregados com

    acompanhamento das seguintes invocaes nos diferentes stios em que se espetam: 1 prego Fulano ou fulana, eu, fulano, te prego e te amarro e espeto o corpo, tal

    e qual como espeto, amarro e prego a tua figura. 2 prego Fulano ou fulana, eu fulano, te juro debaixo do poder de Lcifer e

    Satans que, de hoje para o futuro, no hs de ter nem uma hora de sade. 3 prego Fulano ou fulana, eu fulano, te juro debaixo do poder da mgica

    malquerena, que no hs de hoje para o futuro, ter uma s hora de sossego.

    69 GEMWY, Murzim G. O Grande e Legtimo Livro Vermelho e Negro de So Cipriano. So Paulo, Edrel, p 67. 70 PICATRIX. Em: Homem, Mito & Magia. So Paulo, Trs, 1973, p 45.

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    4 prego Fulano ou fulana, eu fulano, te juro debaixo do poder de Maria Padilha, que de hoje para o futuro ficars possesso de todo o feitio.

    5 prego Fulano ou fulana, eu fulano, te prego e amarro dos ps cabea, pelo poder da mgica feiticeira.

    Desta forma a criatura enfeitiada nunca mais pode ter uma hora de sade.71 EXEMPLO DE CASO CONCRETO Fonte: Pesquisa de campo de Letcia Matheus e testemunho de Glria Perez.

    Os ossos da atriz Daniella Peres, assassinada em 28 de dezembro de 1992, foram

    transferidos pela famlia para um lugar no revelado, depois que foi constatada a violao do tmulo da atriz, no Cemitrio So Joo Batista, em Botafogo. De acordo com a novelista Glria Perez, me da vtima, o tmulo foi aberto na semana do Natal, e, dentro dele, havia flores do cruzeiro. Ao lado, foram encontrados dois bonecos amarrados e espetados com alfinetes. Na lpide, uma inscrio indicava a data do assassinado. Havia um detalhe impressionante, que nos remete noite do crime: bem junto ao corpo dela, havia ossos de um animal grande serrados. As pontas da sapatilha que enfeita o tmulo tambm foram cuidadosamente serradas contou Glria, revoltada com o vandalismo. (...) Na poca do assassinato da atriz Daniella Perez, a escritora Glria Perez acreditava que ela teria sido morta num ritual de magia negra. Prximo ao seu corpo foram achados ossos e na casa onde Guilherme e Paula moravam, em Copacabana, a polcia encontrou uma imagem de um preto velho. Uma ex-empregada confirmou que o casal praticava rituais. (...) A tese de que a atriz teria sido morta num ritual ganhou as pginas dos jornais, mas a polcia no levou a srio a hiptese de a jovem ter sido assassinada em meio a um espetculo macabro. Ao ser encontrada, Daniella tinha 18 perfuraes no corpo.72

    PARA LIVRAR-SE ALGUM DA PERSEGUIO DOS FANTASMAS Fonte: Livro do Touro Negro.

    Aquele que souber pintar ou desenhar poder ver-se livre, muito facilmente, de algum fantasma que o perseguir. E que, ao desenhar o fantasma, estar fazendo com que ele fique preso na tela ou no papel. E o que se desenhar ou pintar h de ser o mais possvel semelhante ao fantasma que se v, porque s assim ficar ele preso. E de outra maneira no ficar.73 PARA LIVRAR-SE ALGUM DA PERSEGUIO DOS VAMPIROS Fonte: Manual Prtico do Vampirismo.

    Os que se crem perseguidos por vampiros devem pintar numa tela esses vampiros, ou desenh-los num papel. Uma vez pintados ou desenhados, os vampiros

    71 N. A.MOLINA. Antigo Livro de So Cipriano: O gigante e verdadeiro Capa de Ao. (29a edio). Rio de Janeiro, Espiritualista, p 240-241. 72 MATHEUS, Letcia. Tmulo de atriz violado. Em: EXTRA, 2 edio, 30/12/1999, p 12. 73 BAKKATUYU, Sirih. Livro do Touro Negro. Rio de Janeiro, Ediouro, p 76.

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    ficam presos, e deixam de importunar os seres humanos. Quem tiver habilidade para pintar ou desenhar deve aproveitar essa habilidade para livrar-se dos vampiros que sugam o nosso sangue durante noite.74

    O ALFABETO SIMPATICO Fonte: Magia ensinada por Grard Encause (1865-1916).

    Este gnero de operao consiste em traar algumas letras sobre o brao, por meio

    de uma agulha e em introduzir sangue de um amigo na inciso feita. Esta operao deve ser praticada igualmente sobre o indivduo com o qual se deve

    entrar em correspondncia e, ento, por muito afastado que esteja um do outro, podem ambos se comunicarem certos acontecimentos, dando o que avisa uma ligeira picada em certas letras de seu brao, e que ser sentida imediatamente por aquele com quem se comunica.75

    74 LIANO JR, Nelson e COELHO, Paulo. Manual Prtico do Vampirismo. 1 ed. Rio de Janeiro, ECO, 1986. 75 PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prtica. Trd. E. P. So Paulo, Pensamento, 1978, p 401.

    Boneco VoduO Poder da RepresentaoPara que um morto nos livre de uma doenaPARA LIVRAR-SE ALGUM DA PERSEGUIO DOS FANTASMASO ALFABETO SIMPATICO