210

Boneco Teste Revista

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Boneco Teste Revista
Page 2: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

2 Revista cientifica da ong narrativa da imaginação voltada a análise de

experiências e pesquisas sobre role playing

EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL

Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO EXECUTIVO

Dr. Sergio Paulo Morais - UFU

Dr. Túlio Barbosa – UFU

Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)

Esp. Fernando Paulino de Oliveira - UFU

Fernando José Calazan Florêncio – UFU

CONSELHO CONSULTIVO

Alessandro Eleutério de Oliveira – UFSCAR

Carlos Eduardo Klimick Pereira - PUC-Rio

Dilma Andrade de Paula - UFU

Edvaldo Souza Couto - UNICAMP

Eliane Bettocchi - PUC-Rio

Fabiano Rodrigo da Silva Santos – UNESP Ana Letícia de Fiori - USP

Gercina Santana Novais - USP

Lucas Ferreira de Paula – UFU

Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos – UFU

Márcio Roberto do Prado – UNESP

Marialva Pinto Moog - Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques - Unesp - Universidade Júlio de Mesquita

Matheus Vieira Silva - Universidade Tuiuti do Paraná

Michele Mogami - Universidad de La Empresa (Uruguai)

Rafael Carneiro Vasques - Unesp Araraquara

Rafael Duarte Oliveira Venancio - USP

Raimundo Rangel Dinello - Universidade de Bruxelas (Belgica)

Sonia Aparecida Silva Gonçalves – Uniube

Paulo Roberto de Almeida - UFU

Wagner Luiz Schmit - Universidade Estadual de Londrina

Waléria Furtado Pereira – USP

COLABORADORES EXTERNOS

Ana Letícia de Fiori – USP

Goshai Daian Loureiro - Fundação Oswaldo Cruz

Luiz Falcão - Unicentro Belas Artes

Page 3: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167

REVISOR: Ismael Gonzaga Magalhães Neto

CAPA: Rafael Correia Rocha

PERIODICIDADE: Anual

INDEXADORES: Sumários.org.

DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.com/p/revista-mais-dados.html

CORRESPONDÊNCIA

ONG Narrativa da Imaginação

Av: Estrela do sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 – Uberlândia/MG

E-mail: [email protected]

MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da imaginação.

Número editado pela mesma em julho de 2014.

R349 Revista mais dados: o role playing por diferentes

olhares e contextos – Ano 1, v. 1 (2014) -

Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação,

2014-.

v. : il. ; 15 cm.

Anual.

ISSN: 2358-1301.

1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game

(RPG) I. Título

CDD 794

CDU 79

Page 4: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

2 ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

05

Artigos 07

POR TRÁS DA MÁSCARA, OS SIGNOS DE CAIM: REMINISCÊNCIAS DO

ROMÂNTICO E DO TRÁGICO EM VAMPIRO: A MÁSCARA, DE MARK

REIN-HAGEN - Fabiano Rodrigo da Silva Santos

08

A LINGUAGEM DO ROLE PLAYING - Rafael Correia Rocha

35

POR UMA TEORIA LACANIANA DO ROLE PLAYING GAME - Rafael Duarte

Oliveira Venancio

54

ROLE-PLAYING GAME: o que é isso que me faz desejar criar e aprender?

- Eliane Bettocchi e Carlos Klimick

70

Traduções 92

LINGUAGEM CULTURAL DE ROLE-PLAYING - Angelina Ilieva – Trad.

Giovanni Barbon de Oliveira

93

Page 5: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

3

AS REGRAS INVISÍVEIS DO RPG: O QUADRO SOCIAL DO PROCESSO DE

RPG – Markus Montola – trad. Reynaldo Allan Fulin e Giovanni Barbon de

Oliveira

123

NOVOS SABORES NO LARP BRASILEIRO: Da coca-cola à caipirinha com

gelo nórdico – Luiz Falcão – Trad. Luiz Falcão

158

Entrevistas 179

GRUPO INTERPRETAR E APRENDER – Lucas Educardo de Freitas

180

ARTICULAÇÕES SOBRE PROJETOS DE RPG E EDUCAÇÃO EM

UBERLÂNDIA (MG) – Vinicus Rennó

185

ASSOCIAÇÃO E ENCONTROS DE RPG EM VIÇOSA (MG) - Rafael Correia

Rocha

190

Jogos 196

Álcool - Luiz Prado

197

Café amargo - Luiz Prado

Page 6: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

4 200

Aos Colaboradores 203

Page 7: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

5 APRESENTAÇÃO

Este primeiro volume, surgiu com o amadurecimento de discussões que

fomentadas em 2006 no quarto e último Simpósio de RPG e Educação. Havia

na época debates sobre as produções acadêmicas do gênero role playing,

assim como hoje e uma das questões mais comuns feitas na academia era o

por que estudar esse tema tão incipiente, ―que ninguém pesquisa‖ ou ―que

ninguém ouviu falar‖, com o tempo e muitas conversas entre pesquisadores

dois pontos se tornaram chave para compreender as questões deste tema:

organização e notoriedade.

Os materiais sobre role playing estão espalhados na internet, nem todos com

profundidade acadêmica, assim como os livros produzidos ou traduzidos sobre

o tema são poucos. Neste contexto o pensamento mais transparente era sobre

―como estudar o que não tem fontes seguras e não se identifica trabalhos

periódicos por núcleos de estudo, revistas, livros, simpósios, etc? O tema

parecia que boiava em um oceano ondulado.

Porem mesmo em um cenário aparentemente crítico e vago, os pesquisadores

Brasileiros surgem como um dos maiores produtores acadêmicos do tema na

américa latina, junta a revistas sobre educação, arte, psicologia, ciências

sociais, entre outras e eventos acadêmicos, os trabalhos sobre role playing

estão sempre presentes, mas de maneira dispersa e este é um dos principais

motivos para que o tema não seja levado a sério.

O estudo do role playing no Brasil ainda é muito jovem, e necessita de

orientação crítica, para criar distinção do campo do entretenimento sem perder

sua raiz lúdica. Esta revista vem como uma devolutiva de representação social

e cientifica sobre os saberes produzidos em relação ao tema e buscará suprir

os pré requisitos de organização e notoriedade.

Atualmente, existem dois canais evidentes, até então experimentados para

estudar role playing, o live action role playing (representação ao vivo) e o role

playing game (jogo de representação de papéis), porem estes não são padrões

Page 8: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

6 rígidos de representatividade, outros elementos lúdicos e expressivos

interagem na composição destas práticas ou derivam das mesmas. Penso que

a revista possa criar espaços para diálogos entre LARP, RPG, MMORPG, RPG

eletrônico, BOARD GAME, CARD GAME, entre outros produtos e sub

produtos, nesta teia espiral de produção imaginativa.

Rafael Correia Rocha

Editor Chefe

Page 9: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

7 ARTIGOS

Este primeiro exemplar refletiu a distinta coligação entre ensino, pesquisa e

extensão no ensino superior. Anunciando que o role playing de acordo com

as manifestações sócio-culturais e educacionais no eixo sul-sudeste, dentro

e fora das universidades, apresenta certo norteamento. Projetos de

extensão e ensino são muito mais atuantes em forma de eventos,

atividades em sala de aula e cursos, todavia se contrapõe em densidade na

relação com a pesquisa, com o devido registro de experiências e análise

crítica sobre a mesma.

Nestes breves artigos, é possvivel vislumbrar a flexibilidade de olhares

diante do campo das ciências humanas, na busca de compreender em parte

uma identificação conceitual sobre o role playing e suas variantes, seus

encontros com o posicionamento de autores de maneira transdisciplinar.

Estes encontros de produções acadêmicas se agrupam com intuito de se

tornar um eixo referencial teórico e investigativo, para os pesquisadores

que buscam compreender e trabalhar com este tema com seriedade

estabelecendo melhores parâmetros de dialogo com a academia.

Vislumbrando assim possibilidades futuras de núcleos de pesquisa e

diposição de pesquisadores que contribuam para a produção na relação

entre a experiência e a analise crítica, permitindo assim aprofundar sobre

determinados interesses, instigando questões, dúvidas e problemáticas

pertinentes ao exercício científico.

Rafael Correia Rocha

Editor Chefe

Page 10: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

8 POR TRÁS DA MÁSCARA, OS SIGNOS DE CAIM:

REMINISCÊNCIAS DO ROMÂNTICO E DO TRÁGICO EM VAMPIRO: A MÁSCARA, DE MARK REIN-HAGEN.

Fabiano Rodrigo da Silva Santos

Mestre e Doutor em Estudos Literários pela UNESP-FCL.

[email protected]

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo tecer algumas considerações acerca das

reminiscências da estética romântica presentes no jogo de Vampiro: a

máscara, de Mark Rein-Hagen. Tal perspectiva é sensível aos aspectos

temáticos do jogo, que atestam vínculos com a literatura fantástica de

orientações romântica e manifestam motivos reincidentes na poética do

romantismo, tais como o tema do duplo, o elemento fantástico e modernização

do trágico. Pretende-se aqui tratar Vampiro: a máscara como um jogo, cuja

constituição vale-se de alguns expedientes próprios da literatura, matizados

pela perspectiva lúdica, é justamente nesses expedientes que residem os

nexos do jogo em que questão com a tradição da modernidade entrevista nos

produtos da sensibilidade romântica.

Palavras-chave: Romantismo, modernidade, Role Playing Games.

A dinâmica do passatempo contemporâneo conhecido como jogos de

representação, ou, na terminologia de sua origem Role Playing Games (jogo de

interpretação de papéis), desafia qualquer tentativa de categorização conforme

as disposições dos jogos ordinariamente conhecidos. Ao contrário de práticas

Page 11: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

9 lúdicas mais comuns, como jogos de cartas, tabuleiros, atividades esportivas,

etc., os RPGs não pressupõem a adversidade entre seus participantes, ou seja,

não tem como ponto de orientação ou objetivo a competição entre jogadores e,

portanto, a vitória. Como a vitória surge como o término da maioria dos jogos,

sua ausência em uma atividade lúdica exclui também seus limites e torna

imprecisa a sua finalidade; ora, partidas de RPG não costumam terminar,

exceto quando delimitados os fins objetivados por seus jogadores.

Se a vitória não é necessariamente o norte dos jogos de RPG, seriam

eles jogos de fato? Eis um questionamento comum que geram, inclusive,

especulações a respeito de a que categoria de atividade pertenceriam os jogos

de RPG.

Como a dinâmica do jogo conta com forte participação de expedientes

narrativos e dramáticos (os jogadores vivem histórias na pele de personagens

que interpretam) é possível encontrar consonância entre os RPGs e

determinados gêneros estéticos, podendo-se levantar questões acerca de

quais seriam as fronteiras circunscritas ao conceito de jogo transpostas pelo

RPG e se essa prática poderia ser observada sob os postulados da estética.

Seria, contudo, um exagero considerar o RPG como atividade artística, visto

que faltam aos RPGs objetivos de plasmação estética, criação de produto

artístico, sem contar que eles não atendem às pretensões comuns à arte,

sejam elas quais forem; ora, RPGs não buscam efeitos catárticos sobre o

espectador, suscitar um novo olhar sobre o real ou permitir a eclosão da

transcendência. Mesmo o belo, em qualquer acepção, não é agente motriz dos

jogos de representação.

Excluída a hipótese estética volta-se à questão inicial: RPGs são, de

fato, jogos? O mais correto seria classificá-los dentro de atividades lúdicas sim,

mas que renovam o conceito de jogo, retrocedendo aos alicerces do conceito

de jogo como atividade de entretenimento, distração e destituída de objetivos

pragmáticos. Talvez, seu vínculo com a essência da atividade lúdica o

distancie, paradoxalmente, das práticas lúdicas mais comuns; Elementos como

vitórias, disputas, a superação de um jogador por outro não possuem

correlação com os RPGs, mas sim a intenção de configurar narrativas

Page 12: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

10 vivenciáveis virtualmente, de constituir um simulacro de mundo edificado na

imaginação.

Originalmente inspirado por romances de ficção – sabe-se que o

primeiro RPG de que se tem nota, o Dungeons and Dragons, foi inspirado nas

narrativas de Tolkien – os jogos de interpretação possuem uma identidade em

comum a prática de contar histórias; de certo modo, o jogo serve de mote para

o desenvolvimento de uma atividade análoga aos velhos contos populares e

formas pré-literárias e estéticas; práticas, curiosamente, revivenciadas pelos

RPGs em épocas contemporâneas. Os RPGs, de certo modo, ecoam as

primeiras tentativas de mimesis do real, lembrando aqueles gêneros

primordiais nos quais o embrião da arte ainda repousa no seio do lúdico. Pode-

se admitir, grosso modo, que, arte, jogo e religião frutificaram do mesmo tronco

– são oriundos da tentativa de representação do mundo, estando a religião e a

arte em uma esfera mais vinculada ao transcendente (na religião, representada

pelo sacro e na arte, pelo ideal) e os jogos mais ligados ao profano. Arte e

religião seriam atividades miméticas mais pragmáticas, ao passo que os jogos

não; contudo, os três gêneros encontram-se na esfera da tentativa de criação

de um simulacro do real com o intento de explicá-lo; uma tentativa de

localização do homem na ordem cósmica e mesmo de atribuição a ele de

poderes performáticos.

A semelhança entre jogo, religião e arte é flagrante em várias atividades.

Por exemplo; jogos de azar, como dados ou cartas, se por um lado constituem

meros entretenimentos, por outro, flertam com a imprevisibilidade da fortuna –

força que, por obedecer a uma ordem desconhecida ao homem, evocam o

caráter hermético do caos, o monstro devorador que levou as religiões a

plasmarem suas cosmogonias e suscitou representações que estiveram

sempre entre o sacro e o estético. Poder-se-ia dizer que dados não são menos

que oráculos profanos, brincadeiras com as forças do destino que sempre

assombraram a humanidade em sua tentativa de depreender a ordem que ata

o universo a um eixo. Artes, práticas religiosas e jogos desfrutariam, portanto,

do mesmo status de rito; atividade humana arquetípica vivenciada

cotidianamente, de forma quase intuitiva, em práticas aparentemente

Page 13: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

11 dissociadas de suas formas originais, mas que guardam certo fundo

transcendente.

Mesmo em nossos tempos os ritos se mantêm ativos e dotados de

função indispensável, de modo que o enfraquecimento de seu conteúdo sacro

foi percebido, e por vezes lamentado, desde o início da modernidade.

Muitos estetas, ao se depararem com o fenômeno moderno, viram a

necessidade de se recuperar a perspectiva do religioso em uma época, iniciada

em meados do século XVIII, tomada pelo utilitarismo, pela falta de referência

metafísica e pelo fenômeno definido por Max Weber como Entzauberung der

Welt (desencantamento do mundo). O romântico alemão Friderich Schlegel, em

sua Conversa sobre a poesia (1800), com efeito, vê a urgência de se recuperar

o senso de religião no cerne da estética, para que a poesia moderna

alcançasse o mesmo status da poesia dos antigos. Em suas palavras:

Afirmo que falta a nossa poesia um centro, como a mitologia o foi para os antigos, e tudo de essencial que a arte poética moderna fica a dever à antiga reside nessas palavras; nós não temos uma mitologia. [...] é chegado o momento em que devemos colaborar seriamente para produzi-la. Pois ela nos virá através do caminho inverso da de outrora, que por toda parte surgiu como a primeira floração da fantasia juvenil, diretamente unida e formada com o mais vivo e o mais próximo do mundo dos sentidos. A nova mitologia deverá ao contrário, ser elaborada a partir do mais fundo do espírito; terá de ser a mais artificial de todas as obras de arte, pois deve abarcar todo o resto, um novo leito para a velha e eterna fonte primordial da poesia; ao mesmo tempo, o poema infinito, que em si oculta o embrião de todos os outros poemas. (SCHLEGEL, 1994, p. 51)

Mais tarde, Baudelaire, no ensaio intitulado O pintor da vida moderna

(1859-1860), dissertará sobre o fenômeno moderno, materializando-o na

alegoria da transitoriedade urbana, chamando a atenção para o fato de que o

objetivo da arte moderna seria alcançar a dignidade de ser antiguidade; algo

que ocorria mediante a apreensão do elemento eterno em meio ao contingente,

ao cotidiano e ao passageiro; enfim: ―para que toda Modernidade seja digna de

tornar-se Antiguidade, é necessário que dela se extraia a beleza misteriosa que

a vida humana involuntariamente lhe confere‖ (BAUDELAIRE, 1996b, p. 27).

Page 14: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

12 Como a eternidade é a instância do sacro, Baudelaire parece buscar na

arte um elemento além dos limites do mundo finito e físico; esse outro mundo

por ele aspirado, seja ele localizado na esfera do ideal, do eterno ou da

imaginação, encontra correspondente na religião e no mito por ser uma

instância superior, acessível apenas pela ponte da transcendência.

Os exemplos de Friedrich Schlegel e Baudelaire, apesar de incidirem

sobre a estética, refletem como há no centro da sensibilidade moderna

(sobretudo aquela parcela definível pelo conceito de romantismo) o mal-estar

quanto à perda de referência metafísica, de unidade religiosa, de sentido

transcendente, de ―encantamento‖. Tal perspectiva levou, na arte, a uma

mitificação do estético, fazendo com que o ideal artístico se tornasse cada vez

mais inacessível e hermético e que a atividade artística encontrasse

correspondência no sacerdócio, no anátema religioso ou no vaticínio. Assim, o

artista converte em demiurgo de um mundo sem Deus.

Esse fenômeno se observa desde o século XIX e contemporaneamente

ainda se preserva não apenas na arte. Em atividades mais cotidianas, na

esfera dos costumes, por exemplo, ocorre algo análogo: gosto pelo exotismo

místico, ritualização de agremiações, mitificação do ordinário, surgimento de

novas superstições, lendas urbanas, etc. Se houve de fato o Entzauberung der

Welt na modernidade, como supõe Weber, esse fenômeno não parece ter

ultrapassado muito além dos limites do imaginário oficial; e como a

modernidade se define pela autoaniquilação e pelas contradições

(COMPAGNON, 1996), o desencantamento sempre conviveu com o seu

contraponto e, hodiernamente, em uma época em que se auspicia a superação

da modernidade, a revitalização do imaginário de outros tempos se torna mais

intensa, adentrando inclusive a indústria cultural, os entretenimentos de massa

e o kitsch.

Nessa esfera, os jogos de representação parecem se inserir justificando

o caráter de rito a eles inerente. Voluntariamente, todavia, os RPGs não

parecem ter de imediato reconhecido a sua intimidade com as histórias ao pé

do fogo evocadas pela sua prática. O primeiro deles, Dungeons and Dragons,

surge na década de 1970 como uma espécie de sistema de jogo que poderia

Page 15: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

13 simular aventuras ambientadas nos universos de fantasia medieval criados por

Tolkien, popularizados, sobretudo, entre jovens norte-americanos e ingleses

por conta do sucesso de seus romances do ciclo do Senhor dos Anéis.

No início e durante muito tempo, o paradigma dos jogos de tabuleiro

prevaleceu sobre os RPGs, sofisticado, contudo, pelo ensejo que esses jogos

davam à interpretação de personagens e ao desenvolvimento de histórias.

Trajetória essa que toma outros rumos com o desenvolvimento de uma linha de

jogos surgida no início da década de 1990, tributária às contraculturas urbanas

com ênfase no misticismo e na adaptação da tradição da literatura fantástica do

século XIX para a juventude e as ruas do século XX. É em meio à cultura

conhecida como punk-gótica que surgem os jogos da White Wolf da série

Storyteller, divisores de águas no mundo dos RPGs por pretenderem constituir

uma forma de entretenimento mais ―sério‖ que o regular entre os jogos de

fantasia, enfatizando mais a interpretação de personagens e o

desenvolvimento de histórias que seus antecessores ainda atrelados aos jogos

de tabuleiro.

O primeiro jogo da série, Vampiro: a máscara (1991) compartilha com

cultura urbana punk-gótica o cultivo de uma espécie de neo-romantismo,

misticismo apocalíptico e estetização da decadência, elementos aclimatados à

industria cultural; daí ser possível ler as particularidades desse jogo à luz de

muitos postulados estéticos do romantismo, com se pretende com as seguintes

considerações.

A linha de jogos Storyteller tem como motivo axial a invenção de

universos ficcionais nos quais os jogadores seriam capazes de interpretar

entidades sobrenaturais difundidas pelo folclore de várias culturas e,

hodiernamente, presentes em diversos veículos de entretenimento, tais como a

literatura e o cinema. Vampiros, lobisomens, fantasmas, magos e fadas, estão

entre os protagonistas desses jogos. Tais entidades, favorecidas pelo sistema

de jogo e orientações temáticas que as estruturam, são passíveis de receber

humanização na prática desses jogos. Os livros da Storyteller são concebidos

com o propósito de que essas criaturas, tradicionalmente antagonistas nos

jogos de fantasia, forneçam personagens aos próprios jogadores.

Page 16: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

14 Tanto no imaginário, quanto nos meios de entretenimento, esses seres

surgem como alegorias de temores humanos, tais como o medo da noite, do

desconhecido, do ctônico, do macabro e dos próprios ―eus‖ soterrados nos

recessos mais profundos da subjetividade; por conta dos possíveis riscos

decorrentes de se ―brincar‖ com temas tão delicados, a proposta dos jogos da

storyteller é direcionada ao público adulto.

Com efeito, a confrontação com tais arquétipos do temor exige um grau

maior de maturidade por parte dos jogadores, tanto com fins de manter o jogo

na esfera segura do lúdico quanto para favorecer o divertimento. Tal

―maturidade‖, no caso dos jogos da linha Storyteller, parece ter como resultado

o incentivo a um maior papel da atuação e desenvolvimento das histórias. A

série Storyteller coloca constantemente em relevo que o ato de conferir

profundidade tanto às personagens quanto às tramas nas quais essas tomam

parte oferece garantias de um entretenimento mais significativo, de modo que o

jogo possa assumir novas conotações. Como o próprio nome da série supõe

(Storyteller, vocábulo que em português significa ―contador de história‖) esses

jogos seriam como motes e sugestões para a invenção de narrativas

interativas, criação de universos virtuais e de simulacros de mundos que

inevitavelmente esbarrariam em fantasmagorias oriundas do imaginário

humano. Trata-se, portanto, de um passatempo complexo e, como se pode

notar, evocador de ritos aparentemente esquecidos em épocas mais recentes.

Storyteller, apesar de se destinar a um público adulto, tem grande difusão entre

adolescentes e acaba surgindo como uma proposta na contra-corrente dos

entretenimentos imediatistas contemporâneos; trata-se de um convite para que

jovens sentem-se ao redor de si e contem histórias.

O jogo inaugural da série, Vampiro: a máscara (Vampire: the

masquerede), de autoria de Mark Rein-Hagen, já lança as diretrizes que seriam

seguidas pela série – favorecimento do desenvolvimento psicológico de

personagens, utilização dos leitmotivs do horror sobrenatural, reflexões sobre a

natureza humana e criação de uma modalidade de entretenimento cujo cerne

encontra-se na construção de narrativas. Embasado em uma tradição cultural

que remete tanto à literatura do século XIX quanto às linguagens mais

recentes, como os romances de fantasia, o cinema fantástico e a música de

Page 17: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

15 contra-cultura, Vampiro: a máscara cria uma mitologia própria de vampiros

muito semelhante àquela encontrada nos romances de Anne Rice e em filmes

como The Hunger – nele os vampiros deixam de ser os monstros misteriosos

das catacumbas e cemitérios dos confins da Europa e das narrativas

ambientadas na Idade Média e são transpostos para o meio urbano de nossa

época. Os vampiros do jogo são também indivíduos às voltas com conflitos

psicológicos complexos, como a tentativa de adequação da natureza humana à

condição de cadáver trazido da morte e legado a uma eternidade assombrada

pela violência e pelos impulsos da vontade que os converte em predadores de

sua própria espécie.

Eternidade versus transitoriedade, monstruosidade versus humanidade,

vida versus morte, vontade indômita versus racionalidade, esses parecem ser

os conflitos paradigmáticos de Vampiro; eles exprimem a tentativa de fazer a

radiografia anímica de um monstro, tarefa análoga a da literatura do século XIX

que expressava a inadequação do homem a si próprio em tempos modernos.

Daí ser comum na leitura de Vampiro a evocação de romances tais quais The

strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hide (1886), de Stevenson, Frankenstein or

the modern Prometheus (1818), de Mary Shelley, fantásticos de Hoffman e

Poe, entre outras obras românticas que encontrou no monstruoso e fantástico,

alegorias das tramas profundas dos dilemas próprios da condição humana.

A literatura fantástica sempre esteve às voltas com a materialização dos

conflitos particulares do indivíduo na imagem do sobrenatural; com efeito,

Tzvedan Todorov quando depreende a estrutura do gênero fantástico a

considera sob a ótica da confrontação subjetiva, dividindo tais narrativas em

dois temas fundamentais: os temas do ―eu‖ e os temas do ―tu‖ (TODOROV,

1992).

Na esfera dos temas do ―eu‖ estariam principalmente as narrativas que

tem como leitmotiv e perspectiva principal o topos do olhar. Tais histórias

expressariam o confronto do eu consigo próprio através do contato com seus

desdobramentos: o dopplegänger, os simulacros, os autômatos – formas de

plasmação da subversão da unidade individual e do isolamento do sujeito em si

– mesmo seriam as manifestações principais desse tipo de narrativa. O duplo

Page 18: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

16 obsessivo do William Wilson, de Poe, o retrato vivo, espelho da degeneração

do Dorian Gray, de Wilde, a sombra furtada pelo diabo no Peter Schlemill, de

Chamisso, o reflexo perdido por Erasmo Spikher nas aventuras de uma noite

de São Silvestre, de Hoffmann, os duplos, reflexos, mecanismos diabólicos e

as lentes tidas como acesso a um universo fora dos eixos, do Der Sandmann,

também de Hoffmann, entre tantos outros exemplos, seriam materializações

desse motivo que representa a perda da individualidade em meio aos múltiplos

―eus‖ com os quais o homem do século XIX se deparou. Ora, nessa época, a

exploração da subjetividade pela arte, a resistência do indivíduo ao nascente

fenômeno da massificação e a futura descoberta do inconsciente mostraram

que a palavra ―eu‖ guardava em si uma polissemia inaceitável sem certo

incômodo.

Já os temas do ―tu‖, mais tradicionais desde os relatos maravilhosos de

outras épocas, expressam a confrontação do eu com o exótico e com

desconhecido. Trata-se de um horror permeado pelo fascínio, de uma atração

ambígua pelo que é funesto; o que justifica que sua expressão mais comum se

dê por meio de experiências eróticas subversivas nas quais tabus são

confrontados e o prazer se torna veículo de danação e vice-e-versa. Em torno

desses temas, orbitam conceitos como necrofilia, incesto, sadismo, auto-

aniquilação e violação de interditos, todos eles presos à vertigem erótica.

Vampiros, demônios, fantasmas, seres encantados, surgem nessas narrativas

como objetos de atração sexual, como monstros sedutores; seriam eles

figurações de um mundo ctônico e desconhecido que buscaria a integração

com a vida comum. A forma de contato da realidade conhecida com esse outro

mundo, o contrato diabólico pelo qual a fatalidade se deflagra, seria justamente

o magnetismo erótico. O Drácula, de Bran Stocker, a bruxa Mathilda do The

Monk, de Mattew Gregory Lewis, romance emblemático da literatura gótica

inglesa do século XVIII, as insinuações satânico-orgiásticas da cena da

Walpurgsnacht aos pés do Blocksberg, no Fausto, de Goethe, o Lovelace, de

Richardson, o Maldoror, de Lautréamont, os vampiros, cortesãs e marginais da

lírica baudelairiana, as femmes fatales das aquarelas de Gustave Moreau,

enfim, uma miríade vasta de seres que dão corpo a motivos ligados a uma

Page 19: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

17 sexualidade oblíqua e sinistra, que marcaram as épocas alentadas pelo espírito

romântico, é enfeixada pelos temas do ―tu‖.

Por seu turno, o leitmotiv da confrontação do eu com uma alteridade

hostil por meio do fascínio erótico tem origens muito remotas. Em muitos mitos

e lendas encontram-se suas manifestações: as tentações do diabo e a

ambiguidade entre êxtase sagrado e prazer carnal na hagiografia dos santos,

entidades sedutoras ctônicas, símbolos da sucessão entre vida e morte que

nas farsas da Idade Média e Renascimento se transformariam em rainhas dos

diabos, como a Perséfone dos gregos e a Lilith dos hebreus, as baladas

medievais nas quais criaturas sobrenaturais surgem como sedutores que,

quando preteridos destroem seus pretendentes, tais como as baladas de elfos

que inspiraram posteriormente os poemas ―Erlekönig Tochter‖, de Herder, ―Der

Erlkönig‖, de Goethe e ―La belle dame sans mercy‖, de Keats, as donzelas

diabólicas célebres nos romances, lendas e relatos da Idade Média como as

melusinas, a sibila de Cumas, a Vênus de Tannhäuser, a Belkiss com pés de

asno do folclore muçulmana, e tantos outros, comprovam que o que Todorov

designa como temas do ―tu‖ pertence às bases do imaginário humano,

expressando a ambígua perplexidade, amálgama de terror e fascínio, que o

homem demonstra face ao desconhecido e à alteridade.

Comparando-se os temas do ―eu‖ com os temas do ―tu‖, nota-se que a

dinâmica do horror está centrada na confrontação do eu com o imprevisível, ou,

remetendo ainda a Todorov, com ―a falha da causalidade‖ que levaria ao

fantástico. Se outrora a alteridade hostil encontra-se precisamente no outro –

no outro mundo do exótico e do sobrenatural, no outro indivíduo, nos

estrangeiros, nas aberrações e nas mulheres (outro da cultura patriarcal), no

lado oculto da existência (a morte), no outro exterior à ordem cósmica (o caos)

– modernamente, contudo, o homem parece ter se deparado com o outro em

si próprio, com o monstro interior; daí surgirem os complexos temas do ―eu‖

que apresentam correlações com a mitologia criada por Vampiro: a máscara.

Como dito, a figura que mais perfeitamente encarna os chamados temas

do ―eu‖ todoroviano é o duplo. Mesmo que a confrontação com um

desdobramento de si própria seja comum ao imaginário humano de todas as

Page 20: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

18 épocas, esse motivo se torna mais sofisticado na modernidade. Tal fenômeno

se deve, como se pretendeu demonstrar, principalmente a descoberta do

caráter poliédrico da individualidade, que recebe relevo na modernidade por

conta do embate entre a urgência de afirmação do sujeito em uma época de

incertezas e de fundamentos difusos, em oposição a um meio externo que se

impõe como força opressora ao sujeito. Ora, o maior certame de Vampiro se dá

entre o indivíduo e si próprio, daí a importância da perspectiva do duplo para se

entender o jogo.

Em múltiplas esferas o duplo se manifesta em Vampiro, desde as mais

exteriores, nas instâncias em que se dão as relações sociais entre os cainitas

(termo utilizados pelos vampiros do jogo para se autodefinirem) até as esferas

mais particulares.

A sociedade vampírica, conforme o jogo, é dividida em grupos que

funcionam como espécies de sociedades secretas; atualmente, existiriam três

desses grupos predominantes, sendo eles a Camarilla, o Sabá e o Inconnu. O

Inconnu, dos três, é o mais singular e sua existência se justifica,

sistematicamente, apenas pela intenção de conferir uma atmosfera de paranóia

obsessiva ao jogo. O Inconnu (inspirado no vocábulo francês inconnu, ou seja,

―desconhecido‖) seria composto por vampiros muito velhos, distantes da

sociedade dos mortos vivos, dedicados à observação dessa e a atividades

absolutamente desconhecidas que, por sua natureza hermética, despertam o

terror entre os mortos-vivos. Já os outros dois grupos atendem perfeitamente

ao sistema temático do duplo.

Camarilla e Sabá estabelecem-se em perspectiva especular. Ambos

foram criados em decorrência da caçada aos vampiros que teria sido

empreendida pela humanidade nos anos da inquisição. Como a violência teria

deflagrado uma revolução entre os jovens vampiros, os anciãos dentre eles

resolveram organizar a sociedade de sua espécie, reunindo seus clãs sob a

égide de uma única sociedade que tinha como primado a proteção dos

vampiros da agressão humana por meio de uma política de esconder a

natureza vampírica da humanidade. Essa sociedade recebera o nome de

Camarilla e sua lei principal estabelece que os vampiros vivam em meio aos

Page 21: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

19 humanos de forma velada, manipulando os rumos da sociedade mortal ao seu

proveito, sem que sejam descobertos. Essa existência discreta e segura se

daria sob a sombra da lei da Máscara, tradição que determina que nenhum

vampiro deve revelar a um mortal (ou permitir que outros o façam) sua real

natureza. Criada no século XV, a Camarilla tornou-se a mais bem sucedida

sociedade vampírica, e também a mais numerosa. Sua política discreta

permitiu que os vampiros vivessem entre os humanos, possibilitando, mesmo

sendo os não-vivos seres amaldiçoados e canibais, que seus membros se

mantivessem, embora muitas vezes apenas virtualmente, próximos da natureza

humana. Como a Camarilla foi fundada pelos vampiros mais velhos, sua

estrutura possibilita que as tradições dos clãs (unidades básicas da sociedade

dos mortos-vivos) sejam preservadas, desde que não afetem os interesses da

seita (esse é o termo pelo qual os vampiros designam suas agremiações

dominantes).

Comparada com seu gêmeo antípoda, o Sabá, a Camarilla é uma

sociedade mais harmônica e mesmo reacionária, já que busca a conciliação

forçada entre opostos: nela a tradição convive com a urgência dos novos

tempos, a besta vampírica com a humanidade, e assim por diante. Apesar da

aparência plácida, não se pode dizer que a Camarilla seja composta por

entidades protetoras da humanidade, pelo contrário; os membros da Camarilla

são manipuladores e dissimulados, suseranos que exploram lentamente o

gênero humano e o usa como joguete de suas intrigas. Contudo, se comparada

ao Sabá, nota-se que a hipocrisia que rege a relação da Camarilla com a

humanidade torna seus membros menos explicitamente monstruosos.

O Sabá seguiu uma diretriz oposta à da Camarilla. Formado pelos

jovens rebeldes sobreviventes da revolta eclodida nos anos da inquisição, e

atualmente aberta a todos os refugos e desajustados da sociedade vampírica,

o Sabá optou por explorar ao máximo a natureza morta-viva de seus membros.

Enquanto a Camarilla usa os valores humanos como referência moral, o Sabá

ressuscitou velhos códigos de moralidade tipicamente vampíricos,

distanciando-se dos humanos.

Page 22: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

20 A cúpula do Sabá é composta por dois clãs que desde sempre estiveram

mais próximos do lado obscuro da natureza dos mortos-vivos; talvez essa

característica ajude a determinar muitas das diferenças entre as duas seitas.

Enquanto a Camarilla é formada por clãs como os Toreador, vampiros estetas

e hedonistas que se julgam patronos do gênero humano pelo seu amor às

artes e às sensações mortais, os Brujah, seres empreendidos em uma

revolução constante que concebe os sistemas sociais humano e vampírico

quase como o mesmo fenômeno, os Ventrue, acostumados desde sempre a

conviver com a política mortal, ou mesmo os Nosferatu, que a despeito de

possuírem uma aparência inumana, tendem a conceber a maldição vampírica

como uma espécie de purgatório para a corrupção1; o Sabá tem com espinha

dorsal duas famílias de monstros. Uma delas, os conspiradores do Lasombra,

por um lado lançavam seus tentáculos de influência sobre a igreja católica e a

política ibérica, durante a Idade Média, e por outro travavam pacto com as

sombras em troca de poder. A outra, os Tzimisce sempre assombraram a

região balcânica como déspotas fantasmagóricos das regiões remotas do leste

da Europa. Ambos os clãs viram-se obrigados a formar o Sabá por nunca

poderem ser aceitos entre a nascente Camarilla, já que haviam derramado o

sangue de seus próprios senhores; daí terem reunido todos os anátemas e

criminosos (aos olhos dos anciões, é claro) da guerra dos vampiros para fundar

a sua sociedade. Dissidentes dos demais clãs juntaram-se ao Sabá adotando a

alcunha de anti-tribu, e desenvolvendo uma personalidade antípoda em relação

a de seus clãs oficiais.

O Sabá parece ser um duplo distorcido da Camarilla, e a recíproca também

procede. Enquanto a Camarilla é reacionária, discreta, equilibrada e tende a

1 A Camarilla ainda conta em suas fileiras com os selvagens Gangrel e os psicóticos

Malkavianos. Com efeito, esses clãs não compartilham os traços “humanistas” dos demais,

sendo mesmo corpos estranhos dentro da ideologia da seita. Provavelmente sua inclusão na

Camarilla se deva a uma intenção do jogo de permitir a seus jogadores o acesso a uma gama

variada de personagens que representem aspectos distintos da condição vampírica.

Originalmente, apenas era permitido aos jogadores criarem personagens pertencentes a

Camarilla; isso explicaria a inclusão desses excêntricos em seu meio. Em edições futuras do

jogo, contudo, a contradição das características de tais clãs com as diretrizes da Camarilla

parece ter sido reconhecida, ao menos no caso dos Gangrel que, segundo a ambientação do

jogo, viriam a abandonar, paulatinamente, a seita.

Page 23: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

21 tratar as lendas vampíricas pelo viés da objetividade ilustrada, o Sabá é

agressivo, desarmônico, extremista e místico. Todo membro do Sabá vê a si

como um cruzado empreendido em uma missão para o salvamento da raça

vampírica, ao passo que a Camarilla se coloca com um ponto de conciliação

das relações travadas entre os vampiros com seus semelhantes e com o

mundo. Enquanto os mais ufanos e ingênuos dentre os membros da Camarilla

nutrem a pretensão de voltarem a ser humanos, dentre o Sabá, esses mesmos

espíritos otimistas acreditam estar a um passo de se tornarem deuses mortos-

vivos. Em ambos os casos, busca-se a solução para o dilema do duplo, o

remédio ao mal de se estar cindido, localizado na zona limítrofe entre o homem

e o monstro.

Esse dilema é por excelência a pulsão fundamental de Vampiro já que

cada um dos não-vivos se vê como uma criatura divida entre dois mundos.

Seja sob a ótica da Camarilla ou a do Sabá, a condição vampírica é um grande

desconforto, o que aproxima a ontologia do jogo do mal-estar romântico-

moderno que a arte celebrizou mediante o motivo do duplo. A epígrafe inicial

de Vampiro já antecipa esse conflito que será explorado a exaustão pelo jogo;

lê-se na folha de rosto do livro: ―By becoming a monster, one learns what it is to

be a human‖ (REIN-HAGEN, 1994). Deve-se se tornar um monstro para se

aprender a ser humano, frase que ecoa no conflito central de Vampiro, entre a

sanidade e os ditames da fome canibalesca que os inclina a matar – vontade

essa definida pelo jogo como Besta.

A besta é justamente o Mr. Hyde que clama no interior de cada vampiro,

o qual não pode ser reprimido, mas liberado em doses homeopáticas. Reprimir

a besta, em termos mais práticos, não se alimentar de sangue humano, torna-a

ainda mais faminta e agressiva; no entanto, libertá-la sem qualquer orientação

pode corromper a alma de um vampiro, precipitando-o na insanidade e

decretando sua derrota sobre si mesmo. Daí, os vampiros serem obrigados a

se cercarem por todos os lados de códigos de moralidade e se manterem

vigilantes quanto aos caprichos de parcela negra de suas almas. Eles se vêem

obrigados a sustentar o equilíbrio entre seus dois lados; vampiros que queiram

preservar sua sanidade devem se entregar a um convívio doloroso com seu

Page 24: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

22 duplo. Ao fim, todavia, a derrota sempre se anuncia, e a besta, cuja fome

nunca cessa de crescer, acaba por consumir seu hospedeiro.

Por mais dura que seja a convivência com a besta, Vampiro ainda lança

as esperanças de resolução do dilema; essas, contudo, residem apenas nas

esferas das lendas e das crenças. Uma delas é uma fonte de esperança e a

outra é a consumação trágica da existência dos vampiros na Terra.

A primeira, a Golgonda, consiste em um estado de espírito desenvolvido

pelo jogo, possivelmente, a partir do sistema de crenças hindus e budistas,

assim como influenciado pela filosofia schopenhauriana. Como a besta pode

ser vista como uma espécie de hipérbole da faculdade definida por

Schopenhauer como vontade (assim como o vampiro, em muitos aspectos, é

uma hipérbole do humano), a solução para o mal-estar proporcionado pela

besta é correlata aos postulados de Schopenhauer – para se vencer a vontade

deve-se tentar conviver com ela para que se possa extinguí-la juntamente com

a noção de individualidade. Com a besta dá-se o mesmo; deve-se domá-la,

inclinando-se cada vez mais aos resquícios de humanidade preservados pelo

vampiro, até que a voz da besta emudeça e então se alcance esse estado

nirvânico para os mortos-vivos – a Golconda.

O jogo frisa que não se têm registros precisos de alguém que tenha

alcançado tal estado, mesmo assim, a crença na Golconda encaminha muitos

vampiros por uma vereda de esperança e redenção. O duplo vampírico, a

besta, seria portanto uma manifestação distorcida da vontade; nesse ponto,

Vampiro, mostra-se como um jogo alegórico, uma tentativa de representação

da condição humana.

Como a perspectiva do duplo rege Vampiro, a própria redenção possui o

seu antípoda maldito; a outra saída para os vampiros seria a entrega total às

intrigas da Jyhad. Segundo as lendas vampíricas, os fundadores de seus clãs,

vampiros que de tão antigos são chamados de Antidiluivianos, estariam

aguardando em um sono sedento a noite em que retornariam ao mundo para

extinguir todos os seus descendentes, com o fim de saciar sua fome. No

entanto, eles não aguardam quietos a noite fatídica, mas preparam terreno

para tal desfecho por meio de uma guerra silenciosa, constituída por uma

Page 25: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

23 corrente de intrigas que afetam toda a sociedade vampírica; qualquer conflito

entre vampiros, por menor que seja é tomado, de forma paranóica, como parte

dessa guerra chamada de Jyhad (nome inspirado pela guerra sagrada

islâmica). A Jyhad seria o prelúdio da noite final. Essa noite é conhecida como

Gehenna (nome extraído de umas das definições hebraicas de inferno).

Tanto Gehenna como a Golconda são encaradas como lendas pelos

vampiros; no entanto, isso não impede que alguns grupos as tomem como

crenças oficiais. A linhagem (um tipo de clã menor) dos Salubri, por exemplo,

deposita sua única razão de existência na crença na Golconda e há os que

digam que o real objetivo dos Inconnu seria alcançar esse estado. Quanto a

Gehenna, enquanto a Camarilla desacredita lendas escatológicas, o Sabá

coloca-se como o exército que há de livrar os vampiros de seus avós canibais

nessa noite apocalíptica.

Golconda e Gehenna são, de certo modo, o paraíso e o inferno dos

vampiros; por mais que a Gehenna tenha um cunho histórico – ao passo que a

Golconda é um estado metafísico – sua aceitação dentro do imaginário

vampírico parece se constituir de maneira semelhante a do Juízo Final entre os

cristãos; trata-se de um dia hipotético, além do tempo terreno, localizado,

portanto, em uma instância transcendente. Indiretamente, a Gehenna seria

uma espécie de fim dos tormentos impostos pela besta, já que traria a extinção

dos vampiros, criaturas cujo único alento, único sopro que anima seus

cadáveres, é, paradoxalmente, insuflado pela febre que os consome; ou seja,

pela besta.

Destruição e redenção, Gehenna e Golconda, são a dupla via de

aniquilação do sofrimento dos mortos vivos. Ambos os conceitos ligam-se pelo

nexo da diluição do sujeito em um esforço desesperado de conter seu duplo –

tal qual se dá nas muitas mortes trágicas e auto-induzidas das histórias de

duplo do romantismo.

Como se pode notar, a despeito de não possuir pretensões além as de

se estabelecer como jogo, Vampiro desenvolve-se em consonância com vários

expedientes artístico-literários; de fato, o jogo não apenas presta tributo à

tradição literária como busca na literatura a chancela para a proposta de

Page 26: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

24 diversão nele contida. De imediato, ao se percorrer o livro, depara-se com uma

série de intertextos que não servem apenas à ambientação do jogo, como

também à implementação de um estilo sofisticado ao livro. A leitura de Vampiro

surpreende por não conter apenas um manual de regras e uma apresentação

sistemática do pacto ficcional necessário às partidas do jogo; na verdade, tal

pacto se dá de forma quase espontânea, já que a leitura do livro é envolvente,

tragando o leitor para atmosfera de desolação, decadência e ânsia por

redenção que envolve a obra. Ora, o primeiro contato com Vampiro se dá por

uma epístola que pela forma e conteúdo faz referência direta àquele que pode

ser considerado o maior clássico da literatura fantástica que explora o mito do

vampiro e que, inquestionavelmente, serviu de paradigma para a visão que a

cultura mais recente tem dessas criaturas – o romance vitoriano Drácula

(1897), de Bran Stocker.

A carta inicial presente em Vampiro dialoga com o romance já pelo

próprio gênero a que pertence; como se sabe, Drácula é um romance epistolar,

constituído por cartas, páginas de diário e registros fonográficos de autoria das

personagens. A narrativa epistolar consiste em uma estratégia enunciativa

bastante utilizada, principalmente nos romances do final do século XVIII (que já

antecipavam o romantismo), com a qual sua forma se adapta perfeitamente

por, ao dar lugar às reflexões e impressões das personagens. Esse recurso

não apenas dota as narrativas de veracidade (que favorece o pacto ficcional

romanesco) e profundidade psicológica, como opera intimidade entre a

narrativa e as impressões particulares de suas personagens. Trata-se de um

gênero que, se por um lado aproxima os eventos narrados da realidade

vivenciável (já que é tutelado pelos juízos e experiências de indivíduos

plenamente desenvolvidos psicologicamente), por outro, relativiza tais fatos ao

submetê-los a impressões particulares.

Através do gênero epistolar depara-se com versões, impressões, juízos

e não se tem acesso a uma diegése próxima do inquestionável, como

aconteceria em uma narrativa objetiva e analítica apresentada por um narrador

onisciente. Romances precursores do romantismo como La novelle Éloise, de

Rousseau e o Werther, de Goethe valem-se desse expediente narrativo para

Page 27: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

25 imprimir pathos particular a suas personagens, contribuindo para o egotismo

acentuado que se tornaria a tônica das narrativas românticas futuras.

Se nos romances subjetivistas dos precursores do romantismo a epístola

pode ser índice de egotismo, nas narrativas fantásticas o impressionismo

favorecido pelo gênero conta ainda com outro efeito – a relativização das

certezas, a promoção da hesitação entre o possível e o impossível que,

segundo Todorov, resultam no efeito fantástico (TODOROV, 1992. p. 166) e a

identificação do universo fictício com a realidade exterior ao texto que torna

possível a cumplicidade da atmosfera de horror e sobrenatural, experimentada

pelas personagens do romance, com a vida cotidiana do leitor. Tal expediente

cria a ilusão de que, se um mundo ficcional tão semelhante ao real pode ser

palco do anômalo, o mundo real também poderia vivenciar eventos de natureza

semelhante. Nesse segundo caso favorece-se o fenômeno definido por

Wolfgang Kayser como grotesco, algo que, para o crítico alemão, definir-se-ia

pela manifestação do anormal e hostil no cotidiano, a sensação do ―alheamento

do mundo‖ conhecido (KAYSER, 2003). Tal efeito de fruição estética parece

justificar a preferência que as narrativas de Poe nutrem pelo relato confessional

em primeira pessoa, as correspondências de Nathanael no Der Sandmann

(1815), de Hoffmann, o relato de Victor Frankenstein aos marinheiros, no

romance de Mary Shelley e as já mencionadas epístolas de Drácula.

A correspondência de Vampiro (REIN-HAGEN, 1994, p. 07-17),

possivelmente escrita por Vlad Tepes e destinada a Wilhimina Harcker – algo

flagrante nas iniciais do remetente ―V.T‖ e do destinatário ―W.H‖ –, parece

nutrir-se dessa dupla potencialidade do gênero epistolar; por um lado, torna o

universo de Vampiro tridimensional, palpável, como se fosse possível nele

viver, e, em segundo – o que soa mais inovador na constituição da linguagem

do jogo – permite uma empatia entre o leitor e ―as crianças da noite‖,

mostrando que o sulco que separa o monstro do homem não é um abismo,

mas uma estreita vala.

Na carta, Drácula, como voto de arrependimento e busca por redenção

da humanidade perdida, dispõe-se a revelar a Mina todos os segredos da raça

dos amaldiçoados, apresentado, desse modo, as premissas temáticas do jogo

Page 28: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

26 em relato particular. Lá já estão presentes todas as singularidades da

ambientação de Vampiro: a ancestralidade de Caim sobre a espécie dos

mortos-vivos, lendas, costumes, particularidades anatômicas, a fisiologia dos

não-vivos, a maneira como vêm ao mundo; enfim, toda a matéria que o jogo

era desenvolver, surge nessa carta no ritmo em adágio de uma confissão

penitente. As particularidades psicológicas do jogo, a substância anímica de

Vampiro, também se manifestam nessas páginas; arrependimento: embate

entre o bestial e o humano, inadequação dos poderes oriundos das trevas aos

resquícios de virtude mortal; em suma, o mal-estar do entre-lugar que separa o

monstro do homem, da confrontação do indivíduo com o duplo maldito e a

consciência do trágico.

Pode-se entender Vampiro sobre os parâmetros do herói trágico,

sobretudo levando-se em conta as implicações que envolvem essa figura

estética na modernidade. O texto introdutório de Vampiro, o prelúdio intitulado

―Monstros...monstros por toda parte‖, cava a grota que as potencialidades de

Vampiro podem preencher. Nas palavras contidas nesse prelúdio, a dimensão

trágica do jogo se apresenta de forma explícita, como se pode notar pelo

seguinte fragmento:

Tal o herói da lenda, que desce ao poço do purgatório para enfrentar o algoz, derrotar as fraquezas pessoais e finalmente ser purificado, retornando para a casa com a dádiva do fogo, também nós precisamos descer às profundezas de nossas almas e renascer com os segredos conquistados. Essa é a verdadeira jornada de Prometeu, o significado do mito. Apenas embarcando nessa jornada podemos descobrir nossos eus verdadeiros e ver nossos reflexos no espelho.

O fascínio desta promessa de conexão espiritual é práticamente irresistível. Mas trata-se de uma aventura por demais perturbadora. É preciso manter-se vigilante e caminhar com cautela – toda a jornada reserva seus perigos. Não olhe a própria alma, a menos que esteja preparado para enfrentar o que descobrir.

E, neste momento, lembre-se:

Monstros não existem... (REIN-HAGEN, 1994, p. 05)

A percepção da influência do fatum sobre os indivíduos e o peso dos

efeitos da violação de suas interdições são premissas de ação desde as

Page 29: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

27 primeiras manifestações da tragédia grega de que se tem registro. Uma dos

textos mais antigos desse gênero, a tragédia de Ésquilo, Prometeu

acorrentado, configura aquele que será o modelo do herói vítima da fatalidade

e que, posteriormente, será adotado como símbolo da genialidade insubmissa

do artista e, conseqüentemente, do indivíduo moderno – Prometeu. O titã que

desafia a autoridade suprema recentemente instaurada de Zeus e que por

hybris não se curva frente ao punho despótico do novo regente do Olimpo será

adotado, principalmente pelos poetas românticos, como alegoria do artista

demiurgo e rebelde que, em suas criações, rouba um pouco de divindade dos

céus na forma do fogo para voar na mesma esfera dos deuses e iluminar a

trajetória da humanidade rumo ao desconhecido. Como o ato de genialidade,

ou seja, de afirmação de uma individualidade autônoma, constitui uma

atividade subversiva, a punição sempre estará no cerne dessa temática.

Prometeu é ressuscitado pelo ímpeto rebelde romântico, Shelley e

Goethe prestaram-lhe tributos; no entanto, o Prometeu moderno é diverso do

da antiguidade, pois nele o signo da maldição é ainda mais acentuado, já que,

ao contrário do sistema mítico grego antigo, no qual o caráter cíclico do cosmo

implicava a futura queda de Zeus e redenção de Prometeu quando eclodisse o

retorno à Idade de Ouro. O ―sistema mítico moderno‖ do tempo moderno, por

sua vez, não admite um recomeço. A época moderna crê em uma linha

temporal progressiva ad infinitum, o que torna o cárcere de Prometeu tão

duradouro quanto o tempo e sua punição e exílio mais amargos, portanto.

John Milton em seu Paradise Lost (1665) já sugerira aos românticos uma

analogia que tornava a trajetória do herói trágico mais dolorosa – ao aproximar

o diabo precipitado no inferno de Prometeu, Milton torna o demônio medieval

mais altivo e sugere a aproximação do futuro gênio (e, portanto, o homem) do

diabo. Essa nova tônica confere ao herói trágico, somados, os pesados

estigmas do anátema, da derrota, do exílio eterno e do mal – eis a equação

que configura o herói trágico moderno que os românticos cantaram e que

inspirou, talvez de forma menos indireta do que se possa supor, a base

ontologia das personagens de Vampiro.

Page 30: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

28 O fragmento destacado comprova o caráter voltuntário da aproximação

operada por Mark Rein-Hagen entre seu jogo e o topos do herói satânico-

prometeico. Em vampiro, esse herói desce ao fundo da garganta do mal para

extrair dessa jornada de precipitação a iluminação e o autoconhecimento.

Vampiro sugere que sua proposta central de permitir aos jogadores interpretem

monstros que alegorizam o mal em sua substância é, na verdade, um percurso

de autodescoberta, de vislumbramento dos contornos e matizes do que

definimos como mal, da forma daquela parcela negra e inconfessável da

natureza humana.

Um ensaio sobre o mal, essa seria uma forma de se resumir as

pretensões de Vampiro, um jogo que se propõe a, após cada seção, insuflar

em seus jogadores as descobertas inspiradas pelas flores nascidas do solo de

cinzas e desolação semeado pelo jogo. Como toda tragédia, Vampiro é

catártico; ele não pretende se limitar ao instante efêmero e irregistrável (exceto

pela memória) das seções de jogo.

Para que se torne mais claro o caráter trágico de Vampiro pode-se tomar

como modelo aquele que é, segundo a mitologia do jogo, o ancestral em

comum dos mortos-vivos – Caim. A ambientação de Vampiro propaga a crença

comum entre os membros (termo pelo qual os vampiros designam a si e seus

semelhantes), ao menos os ocidentais, de que Caim, por ter se tornado o

primeiro assassino teria recebido de Deus a maldição da vida eterna e da sede

canibalesca por sangue humano. O Caim de Vampiro, ao menos pelas

palavras contidas no Livro de Nod (narrativa fictícia criada para ambientação do

jogo como texto mítico de formação da sociedade dos mortos-vivos), seria

dotado de uma humanidade e de uma divinização ausentes nas sóbrias

escrituras bíblicas. Como ao Satã de Milton, a maldição da precipitação no mal

lhe atormenta, tendo manifestação máxima no exílio, não apenas determinado

diretamente por Deus em sua expulsão, mas principalmente no anátema

imposto pela vontade canibalesca e pela imortalidade contida na condição de

morto insepulto. Tais elementos seriam signos do mal, que o impediriam de

viver entre os que outrora foram seus semelhantes. O exílio de Caim o

acompanha, e essa parece ser a maior maldição legada por ele a seus

descendentes.

Page 31: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

29 Todos os vampiros trazem em si o signo de Caim e o Caim de Vampiro é

muito semelhante ao Caim da peça de Byron; seu pecado é o amor excessivo

e mal orientado que desafia as leis divinas, a revolta e a hybris comum aos

espíritos altivos – o Caim de Byron, assim como o de Vampiro é um Satã

miltoniano, um Prometeu gauche, um gênio moderno. E o Caim que há em

cada vampiro, imortalizado pela maldição do sangue, traz consigo o signo do

exílio. Ora, vampiros são impossibilitados de viver entre os homens de cujo

seio surgiram, assim como são impossibilitados de repousar entre os mortos;

não bastando isso, adaptam-se mal ao convívio entre seus confrades de

maldição. A sociedade vampírica estabelece-se muito mais por uma dinâmica

de necessidade e frágil tolerância, que por determinação inerente a suas

naturezas. Vampiros não são seres sociais; são predadores, mal instalados na

cadeia das relações naturais; sua única pulsão é consumir tudo que os cerca, o

que os destina à solidão. Com efeito, vampiros, mesmo que desejem, não

encontram boa acolhida entre seus pares simplesmente pelo fato de sua

sociedade ter como base o princípio da desconfiança. A Jyhad, a guerra eterna

e invisível, afeta todas as esferas das intrigas dos mortos-vivos, mesmo que

sua existência nem chegue a ser confirmada.

Vampiros não deveriam existir; Caim os teria gerado por temor à solidão

e, ironicamente, acabou criando uma raça fadada ao ermo, mesmo em meio às

metrópoles modernas. A condição de imortais torna os vampiros degredados

em meio à sucessão cronológica e o status de mortos, estrangeiros em

qualquer reino da vida. Não bastando isso, a sede da besta os exila da

natureza humana. Contudo, como na trajetória do gênio trágico, há uma

compensação para todo esse sofrimento; ora, o gênio moderno, como

demonstra a arte, seria uma entidade dividida entre a majestade e a miséria, a

exemplo do Satã de Milton. Os vampiros também possuem o seu fogo

prometeico, esse, por sua vez, extraído das grotas do inferno e não roubado

dos céus.

Imortalidade e disciplinas (poderes sobrenaturais vampíricos) são,

concretamente, as conquistas sorvidas da maldição do vampirismo; através

deles, os cainitas inscrevem-se como senhores dos homens; no entanto, tais

poderes nunca deixam de esconder sua natureza sinistra e sua relação íntima

Page 32: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

30 com a maldição. Ora, cada clã de vampiros possui poderes que manifestam

sua identidade particular, distinguindo-os dos demais. Paralelamente, cada clã

possui uma leve fraqueza que surge como estigma da condição de

amaldiçoado, que antes de servirem de meio para que as regras de Vampiro se

equiparem, seriam lembranças constantes da idéia de danação que cerceia a

condição de morto-vivo. São esses, precisamente, os vínculos de Caim com

sua prole. A cumplicidade de sua maldição com a de seus filhos.

Uma das características definidoras do tema do gênio moderno é

precisamente a melancolia. Desde a medicina medieval e a astrologia árabe, a

melancolia é tida como um tipo de benção diabólica; Constantinus Africanus,

baseado na teoria dos humores de Hipócrates, professa que a melancolia

tomava conta do caráter de um indivíduo quando houvesse maior produção de

bile negra no baço, órgão que, posteriormente, entre os românticos servirá de

designação do sentimento cabal do zeitgeist conhecido como mal do século;

ora, spleen (baço, em inglês), será o termo designativo do tédio, do fastio

criativo romântico. Sob influência do humor melancólico, segundo a medicina

medieval, os indivíduos tornar-se-iam pusilâmines, anti-sociais e vis;

semelhantes aos cães, buscariam a solidão e se bestializariam. No entanto, há

um benefício trazido pela melancolia; os delírios por ela provocados, poderiam

resultar na vidência, no acesso a esferas de conhecimento velados ou mesmo

proibidos; nesse sentido, a proximidade entre o melancólico e o cão dar-se-ia

pelos nexos analógicos fornecidos pelo faro do animal. A capacidade sensorial

extraordinária do cão seria metáfora para a consciência superior do

melancólico (BENJAMIN, 1984, p. 168-169).

Talvez influenciado por essas associações Aegidius Albertinus chegou a

afirmar que o órgão mais influente sobre a fisiologia do cão fosse o baço. Com

efeito, Albrecht Dürer, célebre pintor da renascença germânica, quando cunhou

a sua gravura alegórica do gênio da melancolia, retrata uma musa, com um

stylo nas mãos, cismando sobre algo que há de riscar em sua tábua de cera e

tendo por companhia uma pilha de livros e um cão.

Os livros fornecem outra associação imediata com o melancólico, visto

que, segundo a sabedoria medieval, o melancólico nasceria da solidão, daí

Page 33: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

31 serem fontes da melancolia o amor não correspondido e as atividades

intelectuais.

A ligação entre melancolia e saber também é sancionada pela astrologia

árabe; o astrólogo muçulmano Âbu Ma dissera que o aumento de produção de

bile negra no organismos seria provocado pela influência de Saturno sobre os

indivíduos; planeta esse, desde os mais remotos tratados astrológicos,

identificado com o mal e com o conhecimento subterrâneo (BENJAMIN, 1984,

p. 170-171).

Para a configuração da entidade nomeada Saturno, dois deuses

amalgamam-se; o que torna clara essa associação entre o planeta e os

conhecimentos secretos. O antigo deus ceifador dos latinos, Saturno, em

contato com a cultura grega, foi associado a Cronos, divindade ctônica,

símbolo do tempo. A ligação entre os subterrâneos e a sucessão das estações

presentes no Saturno latino com a passagem do tempo, oriunda do Cronos

grego, gerou a imagem do ceifador de vidas, do esqueleto portando foice e

ampulheta das gravuras barrocas. Desse modo, imprimem-se na imagética do

melancólico as ideias de morte e acesso aos saberes ocultados dos vivos. Daí

o melancólico ser um vidente e o conhecimento portado por ele poder ser

tratado como um saber proibido – o fogo de Prometeu que arrasta mais uma

vez nossas reflexões ao topos do gênio maldito.

As personagens de Vampiro parecem ecoar esse histórico de

constituição do gênio; suas disciplinas mágicas e imortalidade são dons

malditos, punições pela hybris de Caim que, por seu turno, encontra

correspondente no orgulho individual de cada um de seus descendentes. De

bom grado, poucos vampiros abrem mão de sua condição, alguns por apreço

aos poderes das trevas, mas a grande parte por não ter mais nada a esperar,

além do vagar monótono de seus cadáveres pela vereda da eternidade.

Vampiro se compromete a cotejar os motes da morte e do mal,

parecendo serem essas as essências de seu elemento trágico. Todavia, dentro

do jogo de simulacros apresentados pelo livro, esses dois temas surgem como

reflexos exteriores do elemento mais angustiante suscitado pelo universo da

obra – a consciência da fatalidade moderna que reside no sentimento de

Page 34: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

32 degredo em si próprio e da convivência íntima com o inimigo supremo que

reside dentro de nós. As personagens de vampiro são exiladas, exceto pela

companhia de sua nemesis – essa parece ser a substância amarga de

Vampiro, destilada outrora pela sensibilidade romântica e que vem orvalhar

esse inquietante produto de época tão recente.

Com Vampiro, os RPGs tornaram-se coisa séria, levando-nos mesmo a

cogitar se os jogos limitam-se à esfera do entretenimento ou possuem também

potencialidades catárticas. Não gratuitamente, o autor de Vampiro esclarece no

epílogo de seu despretensioso ensaio sobre o mal: ―Vampiro é uma

exploração do mal, e como tal, é arriscado. Quando jogamos Vampiro,

cavamos fundo. Este jogo não foi criado para ser confortável, mas para

provocar e inspirar. Foi planejado para fazer você sentir, sonhar e aspirar‖

(REIN-HAGEN, 1994, p. 268).

O jogador que lança os dados ou se entretém com cartas talvez não

saiba que a dinâmica de sua diversão é regida pelas mesmas leis dos oráculos,

assim como o atleta talvez não perceba claramente que há uma essência

bélica nos treinamentos e regras adotadas por seu esporte – no entanto, não

se pode negar que a natureza grave das origens da maioria dos jogos,

eventualmente, ecoe sobre eles.

Descendente, mesmo que distante, de várias correntes estéticas,

Vampiro está para a sensibilidade romântica e para tragédia como um jogo de

dados para a profecia e o esporte para a guerra. Um jogo nunca é apenas um

jogo; isso justifica a nossa tentativa de analisar Vampiro sob uma perspectiva

de fruição diferente da fornecida pelas disciplinas destinas ao estudo dos

entretenimentos de massa. Ora, como se pretendeu mostrar, Vampiro também

pode ser visto como veículo de fruição estética.

Page 35: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, R. O óbvio e o obtuso. Tradução de Isabel Pascoal. Portugal:

Éditions du seuil, 1982.

BATAILLE, G. La Littérature et le Mal. Paris: Gallimard, 1957.

_____. O Erotismo. Tradução de Antonio Carlos Viana. Porto Alegre: L&PM,

1987.

BAUDELAIRE, C. Escritos sobre arte. Tradução de Plínio Augusto Coelho.

São Paulo: Imaginário, 1998.

______. Les fleurs du mal. Paris: Gallimard, 1996a.

______. O pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996b.

______. Oeuvre complète. Paris: Gallimard, 1954.

BENJAMIN, W. . Mythe et violence. Tradução de Maurice de Gandillac. Paris:

ëditions Donöel, 1971.

______.Origem do drama barroco alemão. Tradução, Apresentação e Notas

de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.

BOTTING, F. Ghotic. London and New York: Routledge, 1996.

COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da Modernidade. Tradução de

Cleonice P. B. Mourão, Consuelo F. Santiago e Eunice D. Galéry. Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 1996

DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente 1300-1800 uma cidade sitiada.

Tradução de Maria Lúcia Machado. Notas de Heloísa Jeahn. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989.

ELIADE, M. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1982.

KAPPLER, C. Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade

Média. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes,

1993.

Page 36: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

34

KAYSER, W. O Grotesco: Configuração na pintura e na literatura. Tradução de

J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2003.

LIMA, L. C. O controle do imaginário: razão e imaginário no Ocidente. São

Paulo: Brasiliense, 1984.

MIELIETINSKI, E. M. A poética do Mito. Tradução de Paulo Bizarro. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 1987.

MILTON, J. Paradise Lost. London: Pinguin Books, 1996.

REIN- HAGEN, M. Vampiro: a máscara. Tradução de Sylvio Gonçalves, São

Paulo: Devir, 1994.

SCHLEGEL, Friedrich. Conversa sobre a poesia e outros fragmentos.

Tradução, prefácio e notas Victor-Pierre Stirnimann. São Paulo: Iluminuras,

1994 (Biblioteca Pólen).

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade de representação (III Parte).

Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Abril, 1974.

SUZUKI, M. O gênio romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998.

Page 37: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

35 A LINGUAGEM DO ROLE PLAYING

Rafael Correia Rocha

Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa

[email protected]

Na brincadeira, temos uma licença para explorar a nós mesmos e a nossa sociedade. Na brincadeira, investigamos a cultura

mas também a criamos. SILVERSTONE, 2002: pp.124-125

1. ROLE PLAYING

O termo Role Playing que na década de 80, foi traduzido como interpretação, é

um termo pobre oriundo da explicação por estabelecimento de padrões de

determinada situação, sujeito ou coisa percebida (Dicionário inFormal), ou

também, pode ser concebida como uma idéia que surge entre uma consciência

e determinada informação externa. Por meio de estudos de Schmit (2008) e

Falcão (2013) emerge uma concepção mais adequada denominada

―representação‖.

O Role Playing que debateremos aqui é encontrado comumente em dois

seguimentos distintos, no RPG - Role Playing game (jogo de representação de

papéis) também conhecido como RPG de mesa e no LARP - Live Action Role

Playing (Representação ao vivo), mas esta não é uma regra imutável, ambos

apresentam similaridades e diferenças que serão debatidas no decorrer do

texto, sua viabilidade para atuação educacional prática, tem relevância ao

abordar tal temática sendo Mayara(2004) apud Schmit(2008):

―estudar os RPGs é justificável por muitas razões, mas uma dela é que nele estamos confrontando um fenômeno que é ao mesmo tempo muito antigo e algo muito atual para a ruptura que esta atravessando o nosso modo de vida atualmente. Nos últimos anos temos presenciado um aumento poderosos de

Page 38: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

36

publicações, currículos e atividades de pesquisa relacionada a jogos, mas estes começaram do estudo e designers digitais. As pesquisas independentes de mídia sobre RPG de mesa e LARP em suas importantes formas multiplas ainda estao para trás no mundo acadêmico‖ (MAYARA, 2004, p.9)

Diante deste paradigma desafiador, para uma melhor compreensão iremos

definir morfologicamente alguns pontos chave que sustentam a nossa

compreensão do que vem a ser Role Playing. Acreditando que o ato de

representar pode ser compreendido como uma das áreas de expressão

humana, e para comprovar e contestar esta afirmação, analisaremos

atenciosamente esta relação entre os conceitos de representação e expressão

com criatividade e imaginação.

Com a proximidade destes termos abordada por Abbagnano(2007), que

descreve representação como ―imagem‖ ou ―idéia‖ ou ambas as coisas, e neste

misto sugere-se pela similaridade o termo ―imaginação‖ que segundo Carlos

Ceia pode ser compreendido como:

―Uma primeira definição de imaginação, restringida a sua referencialidade pode dizer respeito á capacidade mental para relacionar, criar, inventar ou construir imagens. Este processo criativo pode intervir tanto em fantasias como na criatividade artística e intelectual. O Termo é derivado do latim imaginatio que por sua vez substitui o grego phantasía. Aristóteles, em De Anima (428ª 1-4), deu-nos uma primeira reflexão teórica sobre o conceito de imaginação (phantasía) que se refere apenas ao processo mental através do qual concebemos uma imagem (phantasma). Amente humana, segundo Aristóteles, não é capaz de pensar sem imagens. Este procedimento mental faz parte da atividade de todas as formas de pensamento e não se confunde com o que se virá a designar por criatividade ou imaginação criativa. O conceito aristotélico dephantasía / imaginação está ligado ao sensuscommunis, isto é, aquela parte da mente (psyche) que é responsável pela representação inteligível das coisas. De forma simplificada, podemos dizer que o conceito de imaginação daqui decorrente consiste no processo mental de representação das coisas que não são imediatamente presentes aos sentidos. A imaginação é uma forma de representação do que sentimos não existir no nosso mundo próximo‖

Esta habilidade da imaginação de criar imagens mentais reais, irreais ou

surreais, se mantem interno e individual a cada sujeito, como faculdade

humana. Pode-se acreditar que a imaginação cria a partir de parâmetros

Page 39: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

37 provenientes da inter-relação de saberes do sujeito, assim como a percepção e

reinterpretação das informações que se fazem conscientes.

Quando o autor descreve a mesma como uma ―forma de representação do que

sentimos não existir no nosso mundo próximo‖ merece uma atenção à parte.

Ao assumir primeiro que é uma forma de representação, nivela a imaginação

como forma de expressão, porém, o caráter de sentir fica mais adequado

quando se descreve o mundo concreto. Penso que a imaginação pertence

inicialmente ao campo abstrato, mas a representação ao plano do concreto,

tornando essa afirmação contraditória. Para ir mais além, ao aprofundar em

termos similares a imaginação e que nos remem a ela, como criar e

criatividade, que acordo com a compreensão de Dinello (2009), se pode

conhecer ambas na distinção de que:

―Criatividade: substantivo de criar, do latim crier, creare. Dar existência, tirar do nada, conceber, imaginar, produzir, realizar o que ainda não existia. O grito de um novo existir. Criar: como distinto de reproduzir. Criar é engendrar, sucitar, inovar, dar á luz o novo‖

Dinello, além de retomar a imaginação, nos faz compreender que devido a

criatividade, o sujeito pode existir além do automatismo da reprodução, tão

combatido em sala de aula maquinal. Com a imaginação o sujeito pode se criar

e se recriar quantas vezes quiser para um continuo ―novo existir‖. De acordo

com o mesmo autor ―Devemos consentir que tanto a expressão como a

criatividade são formas de manifestar a existência do sujeito humano‖, sendo

assim, essa relação ocorre em todo processo bio-psico-social do sujeito.

Por outro ângulo, a ideia de representação apresentada por SANTOS (2011)

propõe uma construção que aprimora o conceito anterior:

―Representação pode ter vários sentidos em português. Trata-se de uma palavra de origem latina, oriunda do vocábulo repraesentare que significa ―tornar presente‖ ou ―apresentar de novo‖. (...) A língua alemã existe o termo ―vertreten‖, quesignifica ―atuar comoum agente para alguém‖ (...) Aexpansão da palavra ―repraesentare‖ começa nos séculos XIII e XIV, quando sediz que o papa e os cardeais representam a pessoa de Cristo e dos apóstolos. Um outroexemplo é o dos juristas medievais que começaram a usar o termo para personificar avida coletiva. Desta forma, uma comunidade seria

Page 40: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

38

uma persona non vera sedrepraesentata. Assim, a partir deste momento, o termo representacao, passa a significartambém ―retratar‖, ―figurar‖ ou ―delinear‖.O termo passa a ser aplicado a objetosinanimados que ―ocupam o lugar de‖ ou correspondem a ―algo ou alguém‖.

Assim, pode-se compreender que a ação de representar gera significado e uma

aura de simbologia para objetos e sujeitos. Incutindo uma importância além do

visível, promovendo um valor subjetivo. De maneira que quando um sujeito

representa há promoção da expressão de conhecimentos objetivos por meio de

canais subjetivos sutis, que podem se concretizar como a manifestação de arte

desde a clássica tríade plástica, cênica e musical até estruturas não

convencionais.

Todavia, para que ocorra a representação existe a necessidade de um canal ou

instrumento. No caso do Role Playing trata-se do corpo e suas atribuições

expressão, fala e gestos. Diferente do teatro convencional, não existe falas pré-

definidas ou roteiros 100% lineares, tão pouco, uma platéia, representa-se para

si mesmo. Parafraseando Michel Ende em seu livro ―Historia sem fim‖ onde seu

protagonista, o garoto Bastian, descreve sua condição representativa da

seguinte maneira ―imagino histórias, invento nomes e palavras que ainda não

existem e outras coisas assim ‖. Mas, mesmo com essa produção que poderia

ficar dispersa, a criatividade se concentra em um único ponto, o personagem

ou Role. Ao qual Moreno (1993) se aprofunda na origem histórica do termo:

[...] o termo inglês role (= papel), originário de uma antiga palavra

francesa que penetrou no Francês e Inglês medievais, deriva do latim

rotula. Na Grécia e também na Roma Antiga, as diversas partes da

representação teatral eram escritas em ―rolos‖ e lidas pelos pontos

aos atores que procuravam decorar seus respectivos papéis; esta

fixação da palavra role parece ter-se perdido nos períodos mais

incultos dos séculos iniciais e intermediários da idade média. Só nos

séculos XVI e XVII, com o surgimento do teatro moderno. É que as

partes dos personagens teatrais foram lidas em ―rolos‖ ou fascículos

de papel. Desta maneira, cada parte cênica passou a ser designada

como um papel ou role (MORENO, 1993, p. 27).

Por meio do personagem a representação se manifesta um jogo entre o

universo interno do sujeito e como ele se manifesta com multiplicidade no

campo externo. O personagem, propicia forma, meios, percepções, limitações

Page 41: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

39 e aberturas para que as imagens internas geradas pela imaginação se

manifestem, ou seja, à partir do momento que esta manifestação não pertence

apenas ao mundo das imagens mentais do sujeito, eleva-se ao grau de uma

representatividade social.

Todo sujeito carrega uma imagem interna do que representa para si, e para o

grupo social onde esta inserido.

A prática do Role Playing gera o exercício de múltiplas facetas do sujeito que o

permite constantemente experimentar-se. Agregando ainda mais peso a

representação, Dinello (2009) trás definições de expressão, como:

Expressão: voz do latim (1360) expressio-exprimere, de: ex e premere (pressar) que dão lugar nas línguas vivas atuais a expressão (substantivo de expressar e expressar-se). ‗Tirar para fora‘. Expressar: é o fato de manifestar emoções, os sentimentos, uma parecer pelo comportamento exterior. Expressar-se: é a aptidão para manifestar vivamente o que se pensa ou o que se sente. Expressar: é fazer sensível ou comunicável por sinais (da linguagem, do pensamento, do comportamento, do gesto, na arte, pelos gestos,...) que dão um sentido – próprio ou figurado – a algo de si mesmo. É crescer desde dentro. Expressar-se: é manifestar uma sensibilidade, um fazer conhecer; é por onde passa a afirmação do ser; do contrário, seria utilizar os sinais e a linguagem para repetir um conteúdo ensinado (colocado em sinais pelo outro) (DINELLO, 2009, p. 13)

O Role Playing teria esse mecanismo articulado, no qual parte da criatividade

para o processo interno da imaginação e a expressão, depois dela como

representação. Em um comparativo, pode-se compreender que criatividade é o

ato de criar em si, imaginar é criar para dentro, expressar é criar para fora,

representação é o como se dá a manifestação dessa expressão. E essa

expressão vem como um conhecimento representado. Visualizamos melhor o

Role Playing como um resultado final, que o sujeito atravessa rapidamente em

um processo onde identificamos quatro estágios.

Page 42: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

40 1° Estágio 2° Estágio 3° Estágio 4° Estágio

Criatividade Imaginação Expressão Representação

(Role Playing)

Ato de criar Processo de

criação

(interno)

Ato de exposição da

criação (externalização)

(Processo) Forma

manifesta da expressão

Quadro 01 – Acervo da pesquisa

Para instigar um pouco mais a curiosidade sobre esse processo, pode-se dizer,

segundo alguns autores que existe um estagio zero que antecederia a

criatividade.

Dinello (2009) descreve que por meio do impulso lúdico a criatividade e a

expressão são impulsionadas a se manifestar. Já Piaget (1967) descreve que

somente um desconforto promove alterações de base biológica nos patrões

mentais antigos na busca da construção de novas estruturas mentais. Não nos

cabe apontar para um ―estagio zero‖ exato, pois cada sujeito desenvolve seus

mecanismos internos e símbolos, que estimulam a produção da criatividade.

É importante também delimitar, que o Role Playing não se enquadra como

teatro do invisível, teatro do oprimido, teatro fórum, ou qualquer nomenclatura

articulada pelos profissionais das artes cênicas. Pois, mesmo na essência

semântica, a palavra "teatro" (theastai) deriva o termo "ver, enxergar", ou seja,

é algo a ser mostrado, para ser visto por alguém, sugere-se nesta situação

sempre a existência de um observador sendo este passivo ou não. Em termos

mais conceituais:

―O Teatro do Invisível é o teatro em que os atores encenam em um lugar público, diante de espectadores que não são espectadores e sim pessoas que ali estão por casualidade. Após um espetáculo de teatro invisível nunca se deve dizer que se tratava de uma peça, pois práticada diante de pessoas que não estão advertidas de que se trata de uma peça, a ação passa a ser realidade. Já no Teatro Fórum é apresentado um problema, através do espetáculo, e o espectador pode entrar em cena e mostrar alternativas, substituindo o ator em questão. É uma espécie de ensaio para a vida real. Portanto, o Teatro do Oprimido é o teatro dele mesmo. É o teatro em que o espectador deixa ser mero ouvinte e representa seu próprio papel, descobrindo formas de libertação de sua individualidade através do teatro.‖ (Leite, SiteAcademia.edu, p 4.)

Page 43: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

41 A representação aplicada no Role Playing se faz pelo e para o próprio

participante, não existem espectadores, agindo constantemente no mecanismo

da interação. Sendo que cada sujeito dá sua forma única para cada

personagem, um mesmo personagem pode apresentar várias facetas quando

interpretado por diversos sujeitos. O teatro em si seria a representação para o

externo, enquanto o Role Playing se pauta na representação para o interno,

para o próprio sujeito e seu mundo interior subjetivo.

Toda essa disposição promove uma experiência vivencial rica devido a

simulação, atuação e imersão individual ou coletiva. Mas para compreender um

pouco mais a fundo essa questão, seguiremos por um outro caminho, não da

experiência cênica, mas da experiência histórica que se interage com o

aspecto cultural, que segundo Thompson (1891) propicia:

―com a ‗experiência‘ e ‗cultura‘, estamos num ponto de junção de outro tipo. Pois as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como idéias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos, ou (como supõem certos práticantes teóricos) como instinto proletário etc. Elas experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidade, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral‖. (Thompson, 1981.p.189)

Nota-se que a experiência nutre a consciência, é colocada em prática

culturalmente nas relações humanas, situa o sujeito em seu contexto, assim

como se torna o combustível de sua movimentação. Entretanto, quando no

Role Playing pode-se exercer varias linhas de pensamento, provar sensações e

emoções, resolver situações inusitadas e fora da rotina, o sujeito torna-se

sujeitos, o coletivo lhe proporciona esse afrontamento e liberdade, de tal forma

que todas as resistências criadas são questionadas, analisadas e se assim

desejar o participante, superadas.

Um dos principais pilares no Role Playing, não está no vencer, mas no

experimentar. A experiência seria a mais-valia do valor do produzido pelo

sujeito. O valor do sujeito se produzir. E, ao continuar o caminho traçado por

Thompson, encontramos:

Page 44: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

42

―Os homens e as mulheres retornam como sujeitos, dentro deste termo [experiência] – não como sujeitos autônomos, ‗indivíduos livres‘, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses como antagonismos, e em seguida ‗tratam‘essa experiência em sua consciência e sua cultura (...) das mais complexas maneiras (sim, ‗relativamente autônomas‘) e em seguida (muitas vezes mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada‖ (Thompson, 1981, p.182).

Retomamos a ideia no qual, por meio do Role Playing, se vive uma experiência

selecionada, consciente ou semiconsciente, mas também se questiona a

mesma, e se debate em grupo as percepções de cada sujeito sobre a

experiência individual e coletiva. De tal forma, que não se sabe onde começa o

debate sobre a experiência e quando este chega a um debate sobre cultura.

Para Thompson, ―a experiência é exatamente o que constitui a articulação

entre o cultural e o não cultural, a metade dentro do ser social, a metade dentro

da consciência social‖.

―Talvez pudéssemos chamá-las experiência I – a experiência vivida – e

experiência II – a experiência percebida‖. (Thompson, 1984, p.314). O conceito

de experiência apresentado pelo autor, torna-se complexo e ao mesmo tempo

mais completo, veja que por meio da experiência nasce a cultura e o sujeito

como produto dessa relação entre experiência e cultura, na sociedade. Pode-

se debater agora sobre a experiência vivenciada e como ela é percebida e

interpretada pelos sujeitos históricos.

Neste ponto, de acordo com Thompson, a cultura deve ser aprendida por meio

da experiência para que o sujeito seja consciente de quem é, e onde está. No

aspecto do Role Playing, o participante está conectado a uma estrutura de

conceitos e sensações contextualizadas sobre um personagem.

O personagem permite ao participante sensibilizar-se, e se inserir em mundos

sociais diversos, aproximando-o como uma linguagem sutil de interação

humana, agregando elementos de sua formação como cidadão. Este conjunto

das experiências dos sujeitos proporciona:

Page 45: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

43

―Os valores não são ‗pensados‘, nem ‗chamados‘; são vividos, e surgem dentro do mesmo vínculo com a vida material e as relações materiais em que surgem as nossas idéias. São as normas, as regras, expectativas etc. necessárias e aprendidas (e ‗aprendidas‘ no sentimento) no ‗habitus‘ de viver; e aprendidas, em primeiro lugar, no trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser mantida e toda produção cessaria‖. (Thompson, 1981, p.194)

Quando o autor define que os valores devem ser vividos, busca internamente a

idéia de exemplo modelo, diretrizes, a forma em que se vive e se decide viver

como elemento chave a vida social.

Este pensamento vai de encontro a Campbell (1990) e sua vasta obra sobre

mitologia, o qual descreve que o mito situa o sujeito onde está no tempo e no

espaço, e ao mesmo tempo lhe concede a identidade de quem é junto a

sociedade, de maneira a dar instrumentos simbólicos para compreender o

mundo em que vive, assim como dar sentido a suas experiências.

Os elementos cosmológicos, sociológicos, pedagógicos e sagrados, que

constituem o mito para Campbell, tratam a experiência em contrapartida a

Thompson, em uma leitura visual semelhante à figura abaixo:

Page 46: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

44

Ou seja, a experiência é essencial ao sujeito, mas está longe de ser um

conceito simples ou formado com certezas, ocorrem sugestões sobre como ela

é absorvida e como seus valores são representados. Também pode-se falar a

seleção das experiências que o Role Playing permite livremente, possibilitando

existir experiências dentro de experiências.

Exemplificando, em um cenário de guerra, um participante pode querer ter a

experiência de vivenciar a perspectiva de um autista, um homem pacifista, um

religioso ou simplesmente alguém alheio. Eles não são do universo da guerra,

mas cria-se um sub-universo para vivenciar a experiência que optou.

Estruturando assim seus valores, desejos e necessidades dentro de seu campo

de atuação, que recorda o pensamento de Thompson:

―(...) os valores, tanto quanto as necessidades materiais, serão sempre terreno de contradição, de luta entre valores e visões-de-mundo alternativos. Se dizemos que os valores são aprendidos na experiência vivida e estão sujeitos às suas determinações, não precisamos, por isso, render-nos a um relativismo moral ou cultural. Nem precisamos supor alguma barreira instransponível entre valor e razão. Homens e mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em suas escolhas alegam evidências racionais e interrogam seus próprios valores por meio racionais‖. (Thompson, 1981, p.194)

Page 47: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

45 Em riqueza de detalhes Thompson descreve que esses valores representados

são constantemente questionados e interrogados racionalmente, mas antes

necessitam ser vivenciados, relacionados e compartilhados. Desta forma,

agregando as opiniões do filosofo e historiador, Johan Huizinga (2007), que

defende uma análise mais visceral do processo de representação, em

organizações mais primitivas na formação do sujeito, ao qual elege o jogo

como canal chave, suas observações são validas para haver uma distinção

clara entre o Role Playing e o jogo:

―Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a

designação de Homo sapiens. Com o passar do tempo,

acabamos por compreender que afinal de contas não somos

tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século

XVIII nos fizeram supor, e passou a ser de moda designar

nossa espécie como Homo faber. Embora fabernão seja uma

definição do ser humano tão inadequada como sapiens, ela é,

contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder

servir para designar grande número de animais. Mas existe

uma terceira função, que se verifica tanto na vida humana

como na animal, e é tão importante como o raciocínio e o

fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo fabere

talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo

ludensmerece um lugar em nossa nomenclatura.(...) o jogo se

acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que

nele deve haver alguma espécie de finalidade biológica (...)

Nesta medida, situa-se numa esfera superior aos processos

estritamente biológicos de alimentação, reprodução e

autoconservação.‖

O jogo como necessidade humana, se origina por uma finalidade biológica,

mas sem poder ser explicado por analises biológicas. Tornando o jogo uma

prática intimamente ligada com a função de cultura, assim como a formação e

exercício dela. Fazendo um comparativo entre os elementos sobre jogos de

Huizinga e o Role Playing, podemos compreender que ambos apresentam

Page 48: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

46 funções da vida, sem uma definição ordenada nos campos da lógica, da

biologia ou da estética.

Com muita riqueza de detalhes que Huizinga(2007) consegue em seu olhar

sobre o jogo, exprimir com exatidão uma questão chave do Role Playing,

quando descreve ―permanecer distinto de todas as outras formas de

pensamento das quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social.‖

Pois quando se tenta compará-lo a algo, experimentado anteriormente ou

conceitualmente formado, sem ter tido com ele vivência, se perde a essência

de sua ação. Entrando na esfera do transcendente, onde Huizinga descreve

―Em sua qualidade de atividade sagrada, o jogo naturalmente contribui para a

prosperidade do grupo social.‖ Essa sacralidade da aproximação dos sujeitos

que carrega a prosperidade social e também do próprio sujeito com seu mundo

interno, ocorre com sutileza e naturalidade, quando os mesmos se dispõem a

―encarar um processo espiritual que se inicia com uma experiência inexpressa

dos fenômenos cósmicos e conduz a sua representação

imaginária‖(HUIZINGA, 2007, 13 p.).

Essa relação entre a representação e a sutilização do ser, aparece por sua

experiência transcendente aos dias cotidianos e a realidade concreta, como o

autor analisa no trecho a seguir:

A concepção deste processo espiritual defendida por Frobenius é mais ou menos a seguinte: a experiência,ainda inexpressa da natureza e da vida, manifesta-se no homem primitivo sob a forma de "arrebatamento". "Acapacidade criadora, tanto nos povos quanto nas crianças ou em qualquer indivíduo criador, deriva desse estado dearrebatamento. "Os homens são arrebatados pela revelação do destino". "A realidade do ritmo natural da gênese eda extinção arrebata sua consciência e este fato leva-o a representar sua emoção em um ato, inevitável e como quereflexo". Assim, segundo ele, trata-se aqui de um processo espiritual de transformação que é absolutamentenecessário. A emoção, o arrebatamento perante os fenômenos da vida e da natureza é condensado pela ação reflexae elevado à expressão poética e à arte. É esta a maneira mais aproximada para dar conta do processo de imaginação criadora, mas está longe de poder ser considerada uma verdadeira explicação. Continua tão obscuro como antes ocaminho que leva da percepção estética ou mística, ou pelo menos metalógica, da ordem cósmica até aos rituaissagrados.‖

Page 49: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

47 Esse arrebatamento ocorre e é sentido com mais intensidade no processo de

emersão do sujeito na representação do personagem, a expressão dessa

imaginação criadora, assemelha-se pensamento de Huizinga, o qual descreve

―o jogo serve explicitamente para representar.‖ E representar aproximando o

sujeito de um estado diferenciado de consciência da realidade social e interna,

como mostra esse recorde da obra Homo Ludens:

―A visão de uma figura mascarada, como pura experiência estética, nos transportapara além da vida quotidiana, para um mundo onde reina algo diferente da claridade do dia: o mundo do selvagem, da criança e do poeta, o mundo do jogo.‖

Façamos um contraponto, o Role Playing não pode ser descrito como apenas

uma modalidade de jogo, mas o mundo do jogar pode ser compreendido em

determinada instância como Role Playing, reforçando a certeza que habita

esse mundo da criança-selvagem-poeta-jogadora, pois transporta os

envolvidos para uma realidade paralela próxima, que sempre esteve presente

sem poder ser acessada exclusivamente pelo plano concreto.

1.1 – ROLE PLAYING GAME

A raiz do RPG até onde se pode dizer com mais segurança, de acordo com

ROCHA (2013), provém de 1824 na guerra Franco-prussiana, onde as forças

miliares, tinham reuniões estratégicas ao qual utilizavam uma atividade de

simulação bélica chamada Kriegspiel, inspirado no Xadrez.

Sendo categorizado como jogo de estratégia ou jogo de guerra, esta atividade

contava tanto com planejamento quando probabilidade. O que deu vantagem (e

a vitória) a Prússia, mesmo sendo militarmente inferior a França. Este momento

foi realmente importante, pois adicionou-se aos jogos de estratégia o elemento

acaso, colocando a probabilidade como fator para a vitória.

No inicio do século XX esse tipo de atividade já havia propagado para toda a

Europa, gerando várias vertentes, chegando a popularizar-se comercialmente,

como reprodução de modelos miniaturizados de guerras históricas e ficcionais.

Page 50: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

48 Um bom exemplo disso é o jogo de War. Todavia em 1974 ocorreu a

convergência entre esta modalidade de jogo e o Role Playing, realizado por

David Anerson e Gary Gygax, constituindo o jogo DungeonsandDragons

(dragões e calabouços). Com isso, foi possível visualizar que para a formação

do RPG, o jogo de estratégia passou por três etapas históricas, o jogo simples

com igualdade e limitação de possibilidades, ou seja, um tabuleiro de xadrez

fixo, com 32 peças, iniciando sempre com o primeiro movimento das peças

claras, em uma estrutura abstrata tão forte que era avessa a realidade do

mundo, seria a primeira era dos jogos de estratégia pré século XIX.

Logo pós ocorre a adição dos objetos geradores de probabilidades que

influenciam o resultado como a diferença no clima, território, armamentos,

numero de soldados, entre outros, onde se pode categorizar como a segunda

era dos jogos de estratégia.

E por fim, na terceira era surge o Role Playing, que agrega os elementos

anteriores e permite a representação dos mesmos como uma percepção do

jogador. Pode-se notar que nesses estágios que houve uma sutilização das

percepções dos participantes no decorrer do tempo, saindo o abstrato-irreal,

para o concreto, e depois para a abstração hipotética de realidades co-criadas

para serem experiênciadas. Se recordarmos o pensamento de Piaget (1967)

podemos acreditar que a experiência desses jogos foi maturando o

pensamento de seus jogadores-experimentadores no decorrer de seu tempo

histórico.

Nesta disposição, os jogadores de RPG (ou Rpgistas), atuam em média seis

participantes, que sentam-se ao redor de uma mesa, cada um com fichas de

seus personagens sistematizados por um código registrado em um livro de

regras, que descreve as disposições e limitações de sua atuação e que trás

consigo uma temática de jogo ou cenário.

Assim, realizam ambientações com projeções geográficas e historiográficas,

bem como resolução de situações problemas tendo acesso a ações

determinantes e a cálculo de probabilidades por lançamento de dados, que

variam o formato de quatro a cem faces.

Toda a atividade ocorre por meio de um coordenador, denominado narrador,

pois é quem contextualiza os personagens inicialmente agindo como um

Page 51: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

49 mediador no decorrer do processo. Este narrador age de maneira equivalente a

um educador em sala de aula, fazendo a preparação de aula.

Ao jogar RPG cabe ao narrador fazer uma pesquisa sobre a temática ao qual

irá inserir os jogadores, e consequentemente isso faz os jogadores

pesquisarem para melhorar seus desempenhos no jogo. De acordo com Schmit

(2008) o RPG também pode ser conceituado em sua mecânica e identidade

como:

―São atividades cooperativas nas quais um grupo de jogadores, geralmente em numero de 4 a 10, cria uma historia de forma oral, escrita ou animada e não-linear, utilizando-se como plano de jogo a imaginação, esboços, gestos, falas, textos e imagens. Cada um dos jogadores, com exceção de um, representa um personagem da história, com característicaspróprias pré-definidas. O jogador restante, assume o papel de narrador (ou mestre do jogo, entre outros nomes ) sendo responsável por descrever o cenário, além de representar todos os coadjuvantes, antagonistas e figurantes, denominados non-player caractersou mais comumente NPC. Não existe competição diretamente os jogadores (a não ser que faça parte da trama). É, portanto, um jogo de socialização de pequenos grupos.‖ SCHIMIT, 2008, p. 23.

Esta atividade descrita por Schmit com as devidas modificações para adequar

as necessidades de uma sala de aula ampla, pode atuar metodologicamente

como uma proposta de interação entre sujeitos e reavaliação da percepção do

aluno sobre o conteúdo trabalhado, independendo da disciplina selecionada,

podendo inclusive desenvolver um cunho multidisciplinar, tendo ciência que

cada processo será único pois cada classe participa e desenvolve a historia a

sua maneira. Sua conexão com a educação existe de sua chegada ao Brasil,

onde os livros eram trazidos como material didático de professores de inglês

Brasileiros em excursão aos E.U.A, mas oficialmente o debate tomou um cunho

mais profundo com a publicação da tese de doutorado de Sônia Rodrigues

(2004) ―o Role Playing game e a pedagogia da imaginação no Brasil‖

O RPG articula uma habilidade plástica de se construir e reconstruir, agregar

elementos de vários jogos e conteúdos, tendo fundamentação na cooperação,

podendo simular competição se assim for proposto. Seu maior elemento de

atuação é a narrativa, que não depende de elementos externos para se

desenvolver como multimídia e material de artes em sala de aula (mas, pode

Page 52: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

50 assimilá-los), dependendo exclusividade da postura ativa do narrador

(professor).

1.2 – LIVE ACTION ROLE PLAYING

No caso do LARP, segundo a leitura do Núcleo de Pesquisa de Live action

Role Playing em São Paulo, não é compreendido apenas como um jogo, mas

como uma forma de arte participativa (FALCÃO, 2013). Já sua origem é remota

na historia humana aparecendo em diversas práticas e finalidades como rituais,

recreação, passatempos e aprendizagem, mesclando-se com as origens do

teatro.

Diferente do RPG, o LARP necessita de espaços diversos para expressão

corporal, como espaços teatrais, bares, casas, parques, restaurantes, salas

galpões, bibliotecas, entre outros, pois o número de participantes pode variar

entre no mínimo duas até mais de duas mil. Podendo atuar na representação

de contextos históricos ficcionais ou de resgate socio-histórico.

Pode ser compreendida também como uma experiência imersiva, que leva a

uma experimentação de sensações psico-afetivas e sociais, que mudam o

ângulo de percepções sobre determinados contextos e temas, mantendo o

caráter do personagem. Não mantem a linearidade de um roteiro a ser seguido,

parte apenas do conhecimento de alguns dados a serem interpretados e logo

após representados, no qual os participantes improvisam suas ações conforme

vão se relacionando uns com os outros ou também com o ambiente. Ou seja,

segundo EirikFatland apud Falcão ―Um larp é um encontro entre pessoas que,

por meio de seus personagens, relacionam-se umas com as outras em um

mundo ficcional‖.

Desta forma nota-se que não existe uma narrativa no LARP, mas um

desenrolar por meio das relações entre os participantes, em sua linguagem,

aceitando os mais diversos temas que promovem experiências vividas.

Exemplos de temáticas podem ser variadas, com inspiração de filmes, livros,

Histórias em quadrinhos, jogos de videogame e até questões de impacto social

real como câncer, aids, aborto, doença mental, bullying, entre outros. Sendo

uma atividade comum e bem conceituada no norte da Europa, Republica

Page 53: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

51 Tcheca, Nova Zelândia, Rússia, Taiwan, Portugal, França e Itália, segundo

Falcão (2013), complementa ao descrever:

―Existem muitos tipos e estilos de larp, alguns muito simples (que qualquer pessoa pode fazer em casa com alguns amigos) e outros mais complexos, chegando ate mesmo à superproduções. Então a principio qualquer pessoa pode fazer um LARP. No entanto existe uma grande comunidade espalhada pelo mundo que cria, compartilha e realiza larps ‖ FALCÃO, 2013. p. 18.

O autor nos dá uma ideia de um movimento mundial, deve-se questionar

porque não ocorre uma divulgação e interação massiva. A resposta vem de

encontro com a postura do Role Playing, a representação importa e é válida

para quem representa, é um processo antes de tudo individual, se fosse outra

situação se condicionaria a um teatro do improviso, deixando de ser tão fluido.

De maneira que a participação nesta atividade diferencia-se dos jogos

convencionais ou esportes coletivos, no qual o foco não está no corpo, mas na

expressão que é transmitida pelo corpo. Falcão (2013) continua a esclarecer o

tema, ao descrever o movimento de atuação no LARP:

―o larp não é interativo como a maioria dos jogos: ele é participativo. Interatividade implicaria em fazer escolhas em sistemas que preveem quais respostas dar as escolhas. Participativo não. Não há um sistema definido para lidar com as escolhas, como num jogo de computador, por exemplo. As reações do sistema são completamenteorgânicas, afinal, você esta lidando com outras pessoas‖ FALCAO, 2013. P. 20.

Justamente por manter esta estrutura orgânica, o jogo se mantem natural a tal

ponto que não é necessário saber jogar, ele se desenvolve junto com o sujeito,

em uma pré disposição da própria constituição do individuo humano.

O Role Playing promove um estado de bem estar social, psicológico e

emocional, além de estímulos para imaginação e raciocínio.

Reforça-se esta argumentação, segundo o Multieducação apud Freitas (2006)

"Jogo, sonho, fantasia sempre estiveramassociados a coisas pouco sérias ou sem importância.Nossa sociedade insiste na divisão em dois mundosopostos onde, de um lado, estariam a brincadeira, ossonhos, a imaginação e, de outro, o mundo sério darazão, do trabalho.(...) Esta ideia justifica o descaso,tão frequente na cultura adulta, pelo ato de brincar, nãolevando em

Page 54: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

52

conta que adulto também brinca. (...)Podemos afirmar que, independente das diferençasindividuais, todo adulto precisa de brincadeira e dealguma forma de jogo para viver. (...) Por outro lado, ojogo e a brincadeira não devem ser entendidos apenascomo situações em que se envolvam as criançasmenores. Qualquer aula se torna mais interessante,quando se conhece através do jogo, quando se reúnemjogo e trabalho." (Multieducação, cap. 6)

Neste campo de idas e vindas entre o trabalho e a brincadeira, se encontra o

Edularp ou LARP para fim educacional. Que segundo, Falcão (2013) ―Além de

ser um método mais rápido e menos trabalhoso é mais fácil de ser aprovado

pela Administração das escolas‖. Também existe um formato de LARP, curto,

rápido e simples, em uma formula instantânea que cabe em uma hora aula,

chamado Role Playing Poem ou poema de representação, originados na

Escandinávia (FALCÃO, 2013) normalmente escrito em uma página, que atua

desde a comédia até autoconhecimento, promovendo um leque de

possibilidades no campo educacional para temas transversais e debates

polêmicos.

Conclusão

Após esse processo de relação de conceitos e teorias, não se pode dizer que

existe uma noção clara e definitiva sobre o que é o role playing devido ao seu

grau elevado de abstração, porém se pode suscitar sugestões que vão de

encontro a experiência e ao campo teórico, por meio de uma alegoria. É

possível considerar o role playing como uma agulha que costura o tecido da

história dos sujeitos, sendo as linhas constituídas de experiências de valores,

sensações, ideias e desejos necessidades de produção-expressão do

individuo, o tecido a realidade habitada e o sujeito a mão que executa a tarefa.

Acentuando que para se costurar, existe a necessidade de um par de mãos,

pois o role playing não se faz sozinho, mas pela presença do conjunto, pelo

encontro, pelas relações pisco-afetivas e sociais, conscientes e inconscientes,

traçadas no tempo por sujeitos e espaços. Podendo ser encarada como uma

linguagem sociocultural que representa as necessidades humanas internas e

latentes em sua experiência.

Page 55: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

53 REFRENCIA BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Brasil: Martins Fontes, 2007.

CEIA,C. IMAGINAÇÃO. Disponível em:<

http://www.edtl.com.pt/?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=412&Itemid=

2> acesso em 10 de nov de 2013

DINELLO, Raimundo Angel. Pedagogia da expressão. Uberaba: Uniube, 2009. 204 p. ______. Expressão ludocriativa. Uberaba: Uniube, 2009. 182 p.

FALÇÃO, Luiz. LIVE! Live Action Role playing um guia prático para LARP. São Paulo: Núcleo de pesquisa em Live Action role playing (projeto Boi Voador). 2013. 87p. HUIZINGA. Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2007. RODRIGUES, Sônia. Role playing game e a pedagogia da imaginação no Brasil. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 210 p.

MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1993.

ROCHA, R.F. NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO: a proposta de uma metodologia role playing para qualificar a relação professor-aluno. Dissertação (Mestrado) – Universidad de La Empresa, Mntevidéu, 2013.

SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: alguns apontamentos teóricos. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual e Londrina, Londrina, 2008. SILVERSTONE apud FREITAS, Luiz Eduardo Ricon de. O Role Playing Game e a Escola: múltiplas linguagens e competências em jogo - um estudo de caso sobre a inserção dos jogos de RPG dentro do currículo escolar. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Page 56: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

54 POR UMA TEORIA LACANIANA DO ROLE PLAYING GAME

Rafael Duarte Oliveira Venancio

Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e

Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)

[email protected]

Resumo

O presente artigo deseja observar como a Psicanálise, notadamente a

vertente de Jacques Lacan, consegue engendrar um arcabouço teórico para a

análise do role playing game (RPG), focado no Modelo Triplo [Threefold Model]

baseado nos componentes do jogo, drama e simulação. Utilizando-se a

interface entre Lacan e a Teoria dos Jogos, o objetivo aqui é produzir um

conjunto de postulados que ajude em futuras concepções metodológicas e

analíticas de trabalhos na área.

Palavras-chave: Jacques Lacan, RPG, Teoria dos Jogos, Psicanálise,

Identificação

Abstract

This article wants to observe how psychoanalysis, notably Jacques

Lacan‘s view, can engender a theoretical framework for analyzing role playing

game (RPG), focus on the Threefold Model, based on game, drama and

simulation. Using the interface between Lacan and Game Theory, the main

objective here is to produce a set of postulates that helps in methodological and

analytical future conceptions used in papers.

Page 57: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

55 Keywords: Jacques Lacan, RPG, Game Theory, Psychoanalysis,

Identification

O lançar de alguns dados identifica se um orc cairá em um calabouço ou

irá para a sala do tesouro. Algumas anotações em papel possuem um mapa

intricado de calabouços e dragões. Apenas o consenso indica a proteção e a

capacidade de ataque de um guerreiro.

O parágrafo acima não descreve uma história maravilhosa de George R.

R. Martin ou o incrível lirismo de Jorge Luis Borges. Acima, temos apenas uma

ordinária sessão de RPG (role playing game) que pode estar sendo realizada

logo no momento em que eu escrevo essas palavras ou que o leitor realiza a

leitura desse trabalho.

O RPG é um jogo de interpretação grupal desenvolvendo-se no plano da imaginação. É uma atividade oral que requer leituras diversas para fomentar a imaginação dos jogadores. Surgiu na década de [19]70 nos EUA e no Brasil por volta da década de [19]90. Um grupo de jovens se reúne para se divertirem sem os aparatos da atual tecnologia, como instrumentos têm livros, blocos de anotações, lápis, canetas e sobretudo imaginação. De uma sessão ou encontro de RPG participam o mestre (também chamado narrador, [GM]) e os jogadores. Aquele, mais experiente, tem a função de apresentar ao grupo uma história, uma aventura contendo enigmas, situações e conflitos que exigirão escolhas por partes dos jogadores. Os jogadores, geralmente em número de 4 ou 5, não são meros espectadores, mas participantes ativos, que como atores representam um papel e, como roteiristas, escolhem caminhos e tomam decisões nem sempre previstas pelo Mestre, contribuindo na recriação da aventura. Segundo Marcatto, o RPG ―é um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de consenso‖, pois só através da interação de todos os jogadores é possível a construção da narrativa ficcional (BRAGA, 2000, p.1-2).

Com isso, o RPG se consolida enquanto prática lúdica baseada na

identificação. Tendo isso posto, o presente trabalho deseja especular acerca da

possibilidade do desenvolvimento de uma reflexão teórica da prática do jogo

baseada em Jacques Lacan e seu arcabouço psicanalítico.

Page 58: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

56 Primeiramente, iremos analisar a relação de Lacan com a ideia de jogo,

muito influenciada pela Teoria dos Jogos e pelo matemático Georges-Théodule

Guilbaud. Depois isso, iremos proceder a interpretação lacaniana das práticas

básicas do RPG, buscando um conjunto de postulados que ajude em futuras

concepções metodológicas e analíticas de trabalhos na área.

Lacan e o jogo

Antes de entrarmos em Jacques Lacan, é necessário falarmos do

arcabouço da Teoria dos Jogos. Arcabouço esse que fica concentrado na obra

fundadora do campo – Theory of Games and Economic Behavior (1944), de

Von Neumann e Morgenstern – e no principal popularizador fora do campo da

Economia e da Matemática, Anatol Rapoport e os seus livros Fights, Games

and Debates (1960) e Two-Person Game Theory (1966).

No entanto, essa leitura fica em um nível muito mais normativo acerca

do que é um jogo. Para entender a reflexão aqui proposta precisamos sair do

campo norte-americano de estudos da Teoria dos Jogos para observar como

tal vertente foi introduzida na França. Estamos falando de Jean-Pierre Séris e,

principalmente, Georges-Théodule Guilbaud, matemático francês de grande

influência no pensamento de Jacques Lacan.

Considerado o pai da Cibernética de linha francesa, Guilbaud é uma

figura-chave no pensamento lacaniano, especialmente nas considerações pré-

Seminário 11 que continuariam influenciar mesmo após sua radicalização em

seu retorno a Freud. No entanto, é sabido que não foi Guilbaud que apresentou

a Teoria dos Jogos para Lacan.

Lydia Liu (2011, p. 166) indica que, já nos anos 1940, Lacan demonstrou

interesse na Teoria dos Jogos. Um de seus escritos, O tempo lógico e a

asserção de certeza antecipada: um novo sofisma, de 1945 parece ter recebido

o impacto do fundante Theory of Games and Economic Behavior, lançado um

ano antes.

Nele, Lacan reflete sobre a questão de um jogo de n-pessoas [n-person

game], inicialmente apresentado com 3 jogadores, muito parecido com a

famosa reflexão do Dilema do Prisioneiro, antecipando o famoso problema da

Page 59: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

57 Teoria dos Jogos descrito por Merril Flood e Melvin Dresher em 1950 e

consolidado por Albert W. Tucker.

Esse texto seria a base para o Seminário sobre A Carta Roubada (1956)

onde a própria influência de Guilbaud se demarcaria melhor graças à constante

citação lacaniana a certos interlocutores cibernéticos, no caso Guilbaud e

Jacques Riguet, outro matemático amigo de Lacan.

A influência de Guilbaud não se resume apenas a Lacan, mas também

a, práticamente, todo núcleo duro da vertente mais diletante da Filosofia

Continental de linha francesa, que ficaria conhecida como Estruturalismo.

Desde 1950, Lacan se referira em seu ensino ao saber matemático. Sob esse aspecto, seu encontro com o matemático católico Georges Th. Guilbaud é essencial para compreender a utilização que ele fez progressivamente das figuras de topologia. Esses dois homens, que tinham uma semelhança física evidente, mantiveram durante trinta anos uma grande amizade. Em 1951, Lacan, Benveniste, Guilbaud e Lévi-Strauss começaram a se reunir para trabalhar sobre as estruturas e estabelecer pontes entre as ciências humanas e as matemáticas. Cada um utilizava a seu modo o ensinamento do outro sobre o modo de uma figura topológica. A partir desse trabalho coletivo, Lacan entregou-se cotidianamente a exercícios matemáticos. Às vezes, em viagem, quando encontrava um obstáculo, telefonava a Guilbaud para resolver com ele o problema. Este último jamais foi ao seminário e sua relação com Lacan permaneceu da ordem do jardim secreto. Na intimidade, os dois entregavam-se juntos à mesma paixão, brincando sem parar de atar pontas de barbante, de encher bóias de criança, de trançar, de recortar... Esse domínio já retinha portanto a atenção de Lacan, que ensinava a seu auditório a arte de transcrever sua doutrina em figuras topológicas (ROUDINESCO, 2008, p. 489-90).

Além da utilização de figuras como a banda de Moebius, o estudo

matemático levou Lacan a estudar o Tractatus em seu Seminário 17. Era um

movimento do ―passar do dizer ao mostrar, ou seja, incitar cada sujeito do

auditório – até mesmo o próprio Lacan – a fazer exercícios que não

dependessem mais do discurso, mas da ‗mostração‘‖ (ROUDINESCO, 2008, p.

Page 60: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

58 490). Eis a reformulação matemática da psicanálise onde o conceito de

matema e os quadrípodes serão essenciais.

A inserção da Matemática no núcleo duro do Estruturalismo através da

figura de Guilbaud não se estendeu apenas a Lacan. É digno de nota o estudo

de Benveniste acerca dos jogos, onde ―Jogo como Estrutura‖ (1947) se

destaca. É bom esclarecer que o jogo analisado por Benveniste não é aquele

da Teoria dos Jogos, mas sim aquele estudado por Johan Huizinga e Roger

Caillois, com mais divulgação dentro do pensamento europeu do que as ideias

de Von Neumann e seguidores.

Explicaremos a diferença entre as duas correntes em um momento mais

adiante do nosso texto. No entanto, é interessante já o leitor ter em mente essa

diferenciação que, no limite, se calca na distinção, em inglês, entre play e game

quando em francês só é representado pela palavra jeu.

Mas, voltando à relação entre Lacan e a Teoria dos Jogos, o

relacionamento do psicanalista francês com Guilbaud nesse campo foi de uma

admiração mútua. Quatro anos depois que Lacan escreveu O tempo lógico e a

asserção de certeza antecipada: um novo sofisma, Guilbaud resenhou o livro

de Von Neumann e Morgenstern para a Economie Appliquée.

Assim, nenhum dos dois pensadores induziu o outro a ter interesse na

Teoria dos Jogos, mas sabemos que, após esses dois primeiros textos, ambos

se identificaram com o texto do outro. Tanto é assim que uma das principais

fontes de pensamento para Lacan escrever Seminário sobre A Carta Roubada

fora a resenha de Guilbaud (LIU, 2011, p. 172).

Lacan e Guilbaud, em seus textos, se debruçam acerca do jogo de Par

ou Ímpar apresentado por Edgar Allan Poe em A Carta Roubada. Escrita em

1844, o texto é um dos três contos do detetive C. Auguste Dupin que o autor

norte-americano escreveu. Na história, Dupin é chamado pelo Chefe da Polícia

parisiense para resolver um caso de chantagem envolvendo uma carta

roubada, missão que o detetive realiza com facilidade, contrastando com o

amplo esforço policial em vão.

Após entregar a carta para o Chefe, Dupin explica para o narrador da

história (sem nome e em 1ª pessoa) como conseguiu obtê-la. Ele afirmou que,

apesar de esforçados, os policiais subestimavam o ladrão da carta – o ministro

D– – por ser um poeta. Para exemplificar o perigo de tal atitude, Dupin conta a

Page 61: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

59 história de um garoto de 8 anos que era imbatível ao disputar um jogo de Par

ou Ímpar que é uma variação possível do jogo conhecido como Morra (Poe não

utiliza essa terminologia) ou mesmo do Matching Pennies analisado por Von

Neumann e Morgenstern (1953). Conta-nos Poe (1903, p. 19-21), começando

com uma fala de Dupin:

―um estudante raciocina melhor do que ele [Chefe de Polícia]. Eu conheci um que tinha uns oito anos de idade, cujo sucesso em adivinhar no jogo de ―par ou ímpar‖ atraiu admiração universal. Esse jogo [game] é simples e é jogado com bolas de gude. Um jogador segura na sua mão um determinado número desses brinquedos e pergunta ao outro se o número é par ou ímpar. Se a adivinhação é correta, o adivinhador ganha uma bola; se é errada, ele perde uma. O garoto o qual faço menção ganhou todas as bolas de gude da escola. Claro que ele tinha alguns princípios de adivinhação e estes residiam na mera observação e medição da astúcia de seus oponentes. Por exemplo, um total ignorante [arrant simpleton] é o seu oponente, e, levantando sua mão fechada, ele pergunta: 'par ou ímpar?' Nosso estudante responde, 'ímpar,' e perde; mas na segunda tentativa ele vence, já que ele diz para si mesmo, 'o ignorante colocou par na primeira tentativa e sua quantidade de esperteza é suficiente para fazê-lo mudar para ímpar na segunda tentativa, assim eu vou dizer ímpar'—e ele diz ímpar e vence. Agora, com um ignorante um grau acima do primeiro, ele teria raciocinado assim: 'Esse camarada viu que na primeira instância eu disse ímpar e, na segunda tentativa, ele vai se propor, em um primeiro impulso, um variação simples de par para ímpar, tal como fez o primeiro ignorante; mas, um segundo pensamento irá sugerir que uma variação é simples demais e que, assim, ele irá colocar par tal como antes. Assim, eu devo dizer par'— ele diz par e vence. Agora esse modo de raciocinar no estudantes, identificado enquanto ‗sortudo‘ pelos seus colegas — o que é, em uma última análise?" "É meramente", eu disse, "uma identificação do intelecto do raciocinador com aquele do seu oponente". "É isso", disse Dupin, "e, ao questionar o garoto por quais meios ele efetuou a identificação cuidadosa na qual seu sucesso se baseia, eu recebi esta resposta: 'Quando eu quero descobrir o quão sábio ou quão estúpido, ou quão bom ou quão sagaz é alguém ou quais são seus pensamentos no momento, eu monto a expressão da minha face, o mais preciso possível, de acordo com a expressão da face dele e, então,

Page 62: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

60 espero para ver quais pensamentos ou sentimentos surgem na minha mente ou coração, tal como se fossem igualar ou corresponder com a expressão'‖.

Para Lacan (2008, p. 60), nesse momento do conto de Poe está uma

exemplificação possível do mecanismo de identificação conhecido, na letra

lacaniana, como esquema L que reproduzimos abaixo:

Resumidamente, podemos explicar o esquema acima com a seguinte

citação de Lacan (2008, p. 59): o sujeito, ―em sua forma completa, se reproduz

cada vez que o sujeito se dirige ao Outro como absoluto, isto é como o Outro

que pode anulá-lo ele próprio, da mesma maneira pela qual pode agir com ele,

isto é fazendo-se objeto para enganá-lo‖.

Detalhadamente, podemos dizer que S é ―o sujeito, o sujeito analítico, ou

seja, não é o sujeito em sua totalidade (...). É o sujeito, não em sua totalidade,

porém em sua abertura. Como de costume, ele não sabe o que diz. Se ele

soubesse o que diz não estaria aí. Ele estaria ali, embaixo, à direita [A (Outro)]‖

(LACAN, 1987, p. 307).

Só que S não se vê em S. ―Ele se vê em a, e é por isto que ele tem um

eu. Pode acreditar que este eu (...). O que a análise nos ensina, por outro lado,

é que o eu é uma forma absolutamente fundamental para a constituição dos

objetos‖ (LACAN, 1987, p. 307). Só que a questão dos objetos não finaliza

nesse ponto.

Jacques Lacan (1987, p. 309) afirma que, ―em particular, é sob a forma

do outro especular [A] que ele vê aquele que, por razões que são estruturais,

(Es) S ● ● a’ outro

¹ ¹ relação imaginária ² inconsciente

● A Outro

²

(eu) a ●

Page 63: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

61 chamamos de seu semelhante. Esta forma do outro tem a mais estreita relação

com o seu eu, ela lhe pode ser superposta, e nós a escrevemos a’ ‖.

Marcamos assim, o plano do espelho (S e a’), o mundo simétrico do ego-

ais (egos iguais, S e a) e dos outros homogêneos (A e a’). No entanto, há o que

Lacan chama de ―muro da linguagem‖. Ora. ―é a partir da ordem definida pelo

muro da linguagem que o imaginário toma sua falsa realidade, que é, contudo,

uma realidade verificada. O eu, tal como entendemos, o outro, o semelhante,

estes imaginários todos, são objetos‖ (LACAN, 1987, p. 307).

―Quando o sujeito fala com seus semelhantes, fala na linguagem

comum, que considera os eus imaginários como coisas não unicamente ex-

sistentes, porém reais‖ (LACAN, 1987, p. 308). Ora, a consequência disso,

para Jacques Lacan (1987, p. 308), é que ―nós nos endereçamos de fato aos

A1, A2, que é aquilo que não conhecemos, verdadeiros Outros, verdadeiros

sujeitos. Eles estão do outro lado do muro da linguagem, lá onde, em princípio,

jamais os alcanço‖.

Isso posto, Lacan utiliza o exemplo do jogo do menino de 8 anos (e sua

analogia com os jogos Dupin-Chefe de Polícia e Dupin-Ministro D–) como

exemplo máximo da impossibilidade de se criar uma máquina-de-pensar

graças à ausência nela de um inconsciente. Ou seja, por mais tecnológica que

seja, tal máquina jamais conseguiria completar o mecanismo de identificação

que proporciona ao menino de 8 anos e a Dupin a ―vitória‖ em seus respectivos

jogos de Par ou Ímpar.

A raiz matemática da conclusão de Lacan está na resenha de Guilbaud.

Com mais de 40 páginas, Guilbaud alterna comentários acerca de Theory of

Games and Economic Behavior com considerações próprias. Uma dessas é a

análise do jogo de Par ou Ímpar descrito por Poe que não é encontrado no livro

fundante da Teoria dos Jogos.

Bem no final da resenha, Guilbaud analisa tal jogo em analogia a outro

jogo literário analisado por Von Neumann e Morgenstern: a fuga de Sherlock

Holmes para Dover no conto ―O Problema Final‖ (1893), de Arthur Conan

Doyle. O matemático francês faz isso para analisar aquilo que ele chama de

―teoria do ardil‖ (GUILBAUD, 2000, p. 37).

O ardil [ruse] – equivalente ao blefe em Theory of Games and Economic

Behavior – nos mostra que, em muitos jogos, a ignorância das possibilidades

Page 64: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

62 (ou dos movimentos do oponente) pode dar mais vantagem diante de um

raciocínio mais elaborado, mais matemático.

Guilbaud (2000, p. 38) mostra que o jogo do Par ou Ímpar é muito mais

simples de ser analisado do que o jogo de ―O Problema Final‖. Enquanto Von

Neumann e Morgenstern (1953, p. 178) mostram que a solução ideal seria, em

60% dos casos: Moriarty ir para Dover (bloqueando sua derrota fatal caso

parasse em Canterbury e, ao mesmo tempo, Holmes chegasse em Dover onde

poderia pegar um barco para sair da Inglaterra) e Holmes parar em Canterbury

onde possui melhores de chances de vencer (aqui no sentido de sobreviver); o

jogo de Par ou Ímpar de Poe, quando jogado com dois players de intelecto

equivalente, não possui estratégia vencedora no âmbito matemático, sendo

mais interessante a própria randomização de jogadas pautado por algum

dispositivo (tal como um lançar de moedas buscando um cara-ou-coroa).

Ninguém precisa entender todos os detalhes técnicos da Teoria dos Jogos para ver como o tratamento do jogo de Par ou Ímpar em ―A Carta Roubada‖ privilegia o ―jogar‖ e as ―escolhas‖ do que o ―jogo‖ e as ―jogadas‖ quando ele permite tanto o garoto esperto como Dupin ganhar todas as bolas de gude e a questão da carta. A preferência pela ordem imaginária (identificando com o seu oponente) impede um engajamento com os processos estocásticos. Isso pode ter sido a razão pela qual a história de Poe foi excluída dos exemplos literários usados por Von Neumann and Morgenstern para ilustrar a Teoria dos Jogos (LIU, 2011, p. 176)

No entanto, apesar de tanto Lacan como Guilbaud se preocuparem com

os elementos da Ordem Simbólica (os processos estocásticos, o desenho do

Esquema L), o legado deles parece ficar mais nos efeitos proporcionados por

esses elementos no Imaginário (a identificação, o amplo âmbito entre

inconsciente e linguagem). Assim, não só ganha força o lado criticado de Poe,

mas também a tradição europeia de leitura dos jogos instaurada por Huizinga e

Caillois.

A tradição europeia indistingue os jogos. Em francês, por exemplo, isso

é bem representado pelas variações da palavra jeu que abarca tanto

brincadeiras como jogos de estratégia. Assim, o jogo é visto bem à maneira do

Homo Ludens de Huizinga (2010, p. 34), ou seja, como ―um dos elementos

Page 65: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

63 espirituais básicos da vida‖. Além disso, Huizinga (2010, p. 221) faz a afimação

capital que ―no verdadeiro jogo é preciso que o homem jogue como uma

criança. Poderá isto ser afirmado de um jogo tão complexo como o bridge?

Caso contrário, esse jogo perdeu suas qualidades essenciais‖.

Assim, a ludicidade – totalizante e naïve – apresentada pelos jogos

seriam, nada mais nada menos, que índices do método de organização da

realidade social. Tal como Caillois escreve, o jogo – tanto para Huizinga como

para Piaget e Chateau – é crucial para a civilização.

As disposições psicológicas que ele [o jogo] traduz e fomenta podem efetivamente constituir importantes fatores civilizacionais. Globalmente, estes diferentes sentidos implicam noções de totalidade, regra e liberdade (...). O jogo significa que dois pólos subsistem e que há uma relação que se mantém entre um e o outro. Propõe e difunde estruturas abstratas, imagens de locais fechados e reservados, onde podem ser levados a cabo concorrências ideais. Essas estruturas, essas concorrências são, igualmente, modelos para as instituições e para os comportamentos individuais. Não são segura e diretamente aplicáveis a um real sempre problemático, equívoco, emaranhado e variado onde os interesses e as paixões não se deixam facilmente dominar mas onde a violência e traição são moeda corrente. Contudo, os modelos sugeridos pelos jogos constituem também antecipações do universo regrado que deverá substituir a anarquia natural. Esta é, reduzida ao seu essencial, a argumentação de um Huizinga quando faz derivar do espírito do jogo a maioria das instituições que comandam as sociedades e das disciplinas que contribuem para sua glória (CAILLOIS, 1990, p. 12-3).

É nesse espírito que faz, por exemplo, um Benveniste falar do jogo

enquanto estrutura. Até mesmo quando vinculamos Lévi-Strauss (outro

membro nas reuniões dos estruturalistas com Guilbaud) e Saussure à noção de

jogo, é dessa noção de que o jogo é fundante para a realidade social que

estamos falando. Aliás, é isso que Derrida faz em sua crítica ao Estruturalismo

em ―Estrutura, Signo e Jogo‖:

[O jogo é] um campo de substituições infinitas só porque é finito, ou seja, porque ao invés de ser um campo inesgotável,

Page 66: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

64 tal como na hipótese clássica, ao invés de ser tão largo, há algo faltando nele: um centro que aprisiona e acalma o jogo das substituições. Poderíamos dizer – rigorosamente usando a palavra cuja significação escandalosa é sempre obliterada em francês – que esse movimento de jogo, permitido pela falta ou ausência de centro, é o movimento de suplementaridade (DERRIDA, 1978, p. 289)

O livre jogo da suplementaridade é análoga à direção conclusiva

derridariana da beleza livre do Sens-Sans. Só que, se o Sens-Sans acaba

valendo mais para análises extralinguísticas, essa visão coincidente entre um

macroconceito de jogo e o modo de ordenação simbólica acaba por ressaltar

mecanismos análogos ao Imaginário de Lacan. Logo, todo o pensamento

francês acaba nesse registro de visão acerca do jogo incluindo no mesmo

espírito teórico os chamados estruturalistas e pós-estruturalistas.

Assim, toda a matemática utilizada por Guilbaud, enquanto

representante e introdutor da Teoria dos Jogos no cenário francês, tem espaço

bem definido. E ele é descrito por Caillois ao comentar em Os jogos e os

homens acerca da relação entre a noção de jogo instaurada por Huizinga no

pensamento da Filosofia Continental e o conceito de mesmo nome utilizado por

Von Neumann e Morgenstern em um movimento que ele chama de ―das

pedagogias às matemáticas‖.

O que há aqui é uma crítica àquilo que Caillois chama de Teorias

Matemáticas do Jogo que, segundo ele, acabam por automatizar o jogo e tirar,

por exemplo, a impulsividade, o desejo e o imponderável. Elementos esses que

são cruciais para um jogo à moda continental.

É precisamente aí que reside e persiste o irredutível elemento de jogo que as matemáticas não alcançam, uma vez que nunca foram senão álgebra aplicada ao jogo. Supondo, o que não é muito impossível, que elas se tornem álgebra do jogo, o jogo fica imediatamente destruído. Não se joga quando se tem a certeza de ganhar. O prazer do jogo e o risco de perder são inseparáveis. Sempre que a reflexão combinatória (aquilo em que consiste a ciência dos jogos) formula a teoria para uma situação, o interesse de jogar desaparece juntamente com a incerteza dos resultados. O efeito de todas as variantes torna-se conhecido (CAILLOIS, 1990, p. 199-200).

Page 67: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

65 Assim, essas matemáticas – tal como Caillois vê a Teoria dos Jogos –

são apenas uma forma de análise acessória, consequência do jogo e não

decodificadora dele. Tal ideia de uma essência ontológica do jogo, que é

irredutível à lógica matemática, se torna a característica de toda Filosofia

Continental, ou seja, toda a cena francesa de análise filosófica do jogo.

Lacan e o Modelo Triplo do RPG: Ontologias e Identificação no

Jogo, Drama e Simulação

Ora, se há em Lacan, tal como em Caillois e a tradição francesa dos

estudos do jogo, uma essência ontológica do jogo, o nosso estudo psicanalítico

acerca do RPG necessita de tais estruturas para se movimentar.

Com isso, o chamado Modelo Triplo do RPG [Threefold Model] é o lugar

teórico para tal empreitada psicanalítica. Sua origem remota no fórum da

Usenet rec.games.frp.advocacy em 1997, tendo o nome e principais conceitos

cunhados inicialmente por Mary Kuhner.

Kuhner, basicamente, agregou uma série de discussões que buscavam

debater a classificação de gêneros do RPG. Afinal, não poderia apenas

classificar todos os tipos de jogos em uma única classificação: RPGs. Com

isso, foi criado um tripé de enfoque dos jogos, considerando sua comunidade

de gerentes e jogadores. Assim, haveriam jogos pelos jogos (compostos pelos

gamistas), jogos pela simulação (compostos pelos simulacionistas) e jogos pelo

drama (compostos pelos dramatistas).

Tendo o tripé posto por Jogo-Drama-Simulação, o Modelo Triplo ficou

conhecido enquanto Modelo GDS de construção de RPG, focando na sigla dos

termos em inglês: Game-Drama-Simulation. A definição da distinção do tripé é

bastante clara:

"dramatista": é o estilo que avalia o quão bem o jogo cria, em sua ação dentro do jogo, uma linha narrativa [storyline] satisfatória. Diversos tipos de história podem ser vistas enquanto satisfatórias, dependendo em gostos pessoais, variando desde a ação pulp até um drama crível de personagem. É o resultado final da história que é o importante.

"gamista": é o estilo que avalia quais valores são postos para construir um desafio justo para os jogadores (em oposição aos PCs). Os desafios podem ser combate tático, mistérios intelectuais, políticas ou qualquer outro. Os jogadores deverão desenvolver os problemas que são apresentados a eles e, em

Page 68: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

66 retorno, o GM fará esses desafios serem resolvíveis se eles agirem inteligentemente dentro do contrato.

"simulationista": é o estilo que avalia os eventos de jogo a serem resolvidos baseando-se apenas nas considerações internas ao mundo do jogo, sem permitir que qualquer consideração vinda do metajogo afete a consideração. Assim, um GM totalmente simulacionista não irá modificar resultados para salvar os PCs ou para salvar o enredo, ou mesmo mudar fatos desconhecidos aos jogadores. Um GM assim pode usar considerações do metajogo para decidir assuntos do metajogo, tal como quem está jogando com qual personagem, se deve uma conversa ser exibida na íntegra, entre outras, mas ele irá resolver os eventos do jogo baseado naquilo que ―realmente‖ acontece (KIM, 1998, §3).

Pensando nesses três modelos e na forma que Lacan utiliza seu

esquema L para descrever discursos, podemos elencar três interpretações do

esquema lacaniano para cada um dos gêneros do Modelo Triplo. Esses

esquemas são as bases metodológicas para a avaliação de qualquer RPG de

acordo com um pensamento psicanalítico de vertente lacaniana.

Tal como pode ser constatado, no modelo ―dramista‖, o enfoque é na

própria relação imaginária que o sujeito do jogo (o jogador) possui com os

elementos da história. Afinal, o drama em si é a base de tal relação. Com isso,

a questão aqui é entender o próprio fluxo inconsciente e de identificação no ato

de jogar RPG.

Assim, as relações 1 (relação imaginária entre a‘ e o eu) e 2 (fluxo

inconsciente entre A e o sujeito), representadas em linhas transversais, se

amalgamam em uma corrente só, tal como uma Banda de Moebius, figura cara

à teoria lacaniana. A investigação aqui é no relacional da identificação e não

em seus pólos.

Já no modelo ―gamista‘, o enfoque é nos parâmetros, nos lugares do

jogo. Ou seja: qual é o lugar do Sujeito posto, qual é o lugar do Eu no jogo,

quais são os Outros e seus objetos. Aqui há uma investigação tal como Lacan

fez no exemplo de Edgar Allan Poe e, talvez seja, a forma mais tradicional de

Teoria dos Jogos de cunho psicanalítica.

É um enfoque clássico na Teoria da Identificação aplicada ao jogo. Aqui,

onde a paixão pelo jogo está no jogo, reside basicamente a essência da

virtualização posta pelo inconsciente. Afinal, se nossa realidade, tal como o

Page 69: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

67 inconsciente, é estruturada tal como linguagem, a realidade do jogo não seria

igual, sendo ele no limite, uma estrutura lógica.

Por fim, há os ―simulacionistas‖. Nessa vertente de RPG, há claramente

uma paixão pela diegese, pelo mundo narrativo. Assim, a paixão é pela

arquitetônica da identificação. Ou seja, não é pelos mecanismos de fluxos ou

lugares, mas sim pelo ―riscado‖ construído por esses elementos, o próprio

esquema em si.

Assim, o estudo aqui é pela quadratura feita pelas linhas horizontais

entre Sujeito e a‘ e o Eu e o Outro, bem como a ausência posta pela

verticalidade entre S e Eu e entre os Outros. É um estudo sob o risco do Real

posto pelo jogo.

Considerações Finais

O três esquemas aqui formulados compõem um postulado importante

para futuras pesquisas de cunho psicanalítico acerca do RPG. Todas elas

acabam por considerar a dimensão posta por Lacan da identificação, base do

mecanismo de construção da fantasia da realidade.

Eis aqui um conceito que é fruto da processo de virada linguística da

Filosofia do qual a Psicanálise faz parte. A partir daí, há a concepção de que a

linguagem não é mais ação do pensamento, mas, ao contrário, é fator de

fundação no pensamento daquilo a que chamamos realidade. A realidade,

portanto, define-se como realidade discursiva, necessariamente discursiva. Tal

movimento pode ser melhor entendido no sistema RSI, desenvolvido por

Jacques Lacan.

Ora, sabemos que n‘A Interpretação dos Sonhos, Sigmund Freud afirma

―que aquilo que o debate psicológico (…) nos leva a presumir não é a

existência de dois sistemas próximos da extremidade motora do aparelho

[cerebral], mas a existência de dois tipos de processos de excitação ou modos

de sua descarga‖ (FREUD, 1998a, p. 216). Nisso consiste o jogo entre

consciente e inconsciente, onde ―o inconsciente é a base geral da vida

psíquica‖ (FREUD, 1998a, p. 216). Freud prossegue: ―O inconsciente é a

esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente‖ (FREUD,

1998a, p. 218).

Freud vai além quando afirma que

Page 70: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

68

tudo o que é consciente tem um estágio preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído o valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica (FREUD, 1998a, p. 218).

Isso destrona o primado da Razão Humana e do próprio Pensamento

dentro desse Projeto, normalmente referido como Moderno. As demandas não

são mais conscientes, racionais, mas vêm de um lugar ingovernável e – de

certa maneira, para o indivíduo – incognoscível. Para Freud, com essa

descoberta, após Copérnico e Darwin,

a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que procura provar ao ego que ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas informações acerca do que acontece inconscientemente em sua mente (FREUD, 1998b, s/n).

O inconsciente se coloca como instituição primeira do homem e da

própria realidade na qual o indivíduo se inscreve. No entanto, essas conclusões

já não são rigorosamente freudianas – a bem da verdade, escapam do discurso

freudiano e levam ao limite as conclusões de Freud, para florescer de modo

mais desabrido na obra de Jacques Lacan. A constatação aqui é radical, pois

―é toda a estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no

inconsciente‖ (LACAN, 2008, p. 225). E é experiência que, com o debate aqui

posto, que queremos levar para os estudos de RPG, do jogo, do esporte e de

outras tecnologias lúdicas.

Referências Bibliográficas

BRAGA, J. M. ―Aventurando pelos caminhos da leitura e escrita de jogadores

de Role Playing Game (RPG)‖. Pesquisa RPG – UFPA. Belém: UFPA, 2000.

Disponível em: http://pesquisarpg.ufpa.br/material/rpg-artigo-BRAGA-Jane.pdf.

Acesso em 27/02/2014.

CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

Page 71: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

69 DERRIDA, J. Writing and Difference. Chicago: University of Chicago Press,

1978.

FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos – segunda parte. In: FREUD, S. Edição

Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol.

V, Rio de Janeiro: Imago, 1998a.

FREUD, S. Conferência XVIII. In: FREUD, S. Edição Eletrônica Brasileira das

Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. XVI, Rio de Janeiro:

Imago, 1998b.

HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2010.

KIM, J. H. The Threefold Model FAQ (Usenet forum post), 1998. Disponivel em:

http://www.darkshire.net/~jhkim/rpg/theory/threefold/faq_v1.html

LACAN, J. O Seminário – Livro 2. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1987.

LACAN, J. O Seminário – Livro 17. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1987.

LACAN, J. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 2008.

LIU, L. H. The Freudian Robot. Chicago: UCP, 2011.

POE, E. A. The Works of Edgar Allan Poe (v. 2, The Raven Edition). NY: Collier

& Son, 1903.

RAPOPORT, A. N-Person Game Theory. Ann Arbor: U of Michigan Press,

1970.

RAPOPORT, A. Fights, Games and Debates. Ann Arbor: U of Michigan Press,

1974.

RAPOPORT, A. Two-Person Game Theory. Mineola: Dover, 1999.

ROUDINESCO, E. Jacques Lacan. São Paulo: Cia das Letras, 2008.

VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic

Behavior. Princeton: Princeton University Press, 1953.

Page 72: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

70 ROLE-PLAYING GAME (RPG): O QUE É ISSO QUE ME FAZ

DESEJAR CRIAR E APRENDER?

Eliane Bettocchi

Doutora em Design pela PUC-Rio.

Carlos Klimick

Doutor em Letras pela PUC-Rio com pesquisa na Formação do Leitor

[email protected]

RESUMO

O artigo propõe que o RPG é uma forma de narrativa interativa articulada sob a

forma de um jogo cooperativo fazendo uma articulação com conceitos de

narratividade e interatividade estabelecidos por autores consagrados como

Janet Murray, Muniz Sodré, Paul Ricoeur, Roland Barthes, Júlio Plaza e Johan

Huizinga. As possibilidades de uma criação poética que motive uma

aprendizagem criativa a partir do que foi aprendido e não apenas sobre o que

foi aprendido são propostas em relação a postulados teóricos desses autores e

também de Paulo Freire e JRR Tolkien, tendo como possibilidade de

concretização o Projeto Incorporais e a TNI (Técnicas para Narrativas

Interativas).

PALAVRAS CHAVE

Role-Playing Game, mímesis, TNI, Incorporais

ABSTRACT

The article proposes that RPG is a form of interactive narrative articulated in the

framework of a cooperative game. It presents a dialogue between the concepts

of narrative and interactivity as established by respected authors such as Janet

Murray, Muniz Sodré, Paul Ricoeur, Roland Barthes, Julio Plaza and Johan

Huizinga. The possibilities of a poetic creation that motivate creative learning

from what was learned and not only about what was learned are proposed in

relation with theoretical postulates of these authors and also from Paulo Freire

and JRR Tolkien. The project Incorporais and TNI (Techniques for Interactive

Narratives) are presented as options to materialize these possibilities.

Page 73: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

71

KEYWORDS

Role-Playing Game, mímesis, TNI, Incorporais

ROLE-PLAYING GAME: O QUE É ISSO QUE ME FAZ DESEJAR CRIAR E

APRENDER?

ERA UMA VEZ uma Aluna que, assim como muitos outros alunos, se

sentia sem luz quando ia para a escola. Isso era estranho, pois ela gostava

muito de aprender, descobrir e inventar, tanto que, em vez de uma festa de

quinze anos, preferiu ganhar uma bicicleta e o livro ilustrado Cosmos, de Carl

Sagan, o qual lia e relia sem cansar.

Naquele tempo não havia internet, e ela economizava sua mesada para

comprar revistas sobre música, artes visuais, cinema e ciências, muitas em

inglês, que eram vendidas nas bancas de jornal lá no centro da cidade, e para

chegar lá tinha que pegar dois ônibus muito cheios e demorados.

Por que tanto esforço se a escola era do lado de casa?

Por mais que não gostasse do QUE e do COMO da escola, a Aluna

passou no vestibular (naqueles tempos analógicos era assim que se entrava na

universidade). Custou a se decidir sobre uma carreira - na escola não

explicaram direito PARA QUE se estudava certos assuntos e outros não - e,

finalmente, apesar de adorar desenhar e contar histórias com imagens, acabou

optando por Biologia, pois seus pais se preocuparam com a hipótese de ela se

tornar artista e não conseguir emprego.

Na universidade ela encontrou o mesmo COMO da escola: aulas com

cara de palestra, desconectadas, para as quais muitas vezes se viu forçada a

decorar. A biblioteca era muito maior que a da escola, mas não tinha quase

nada de interessante, só muita poeira e mofo e muitos colegas iam pra lá

dormir, afinal, era silencioso. Pelo menos agora ela tinha uma bolsa de

iniciação científica para gastar em revistas e livros que não eram usados no

curso.

Porém, na universidade a Aluna encontrou uma coisa que mudaria sua

vida para sempre: RPG.

Page 74: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

72

ERA OUTRA VEZ um Aluno que gostava de estudar e, tirando acordar

cedo, gostava de ir à escola. História, Geografia e Literatura eram suas

paixões, assim como a Física, mas, curiosamente, não tinha um bom

desempenho em Matemática. Por quê? Porque na Física era muito claro para

ele o que as fórmulas significavam: o movimento de um corpo no espaço; o

aquecimento de um material; a refração na luz. Enquanto que na Matemática

tudo era muito nebuloso, ele não entendia bem o PORQUÊ daquelas fórmulas

e muito menos COMO aplicá-las em sua vida. Como não se apaixonou pela

Matemática e nem entendia muito bem porque era importante aprendê-la, ele

não se empenhava.

Qual não foi sua surpresa um belo dia quando descobriu que o gás

metano que ele conhecia da Química Orgânica era o mesmo gás metano da

Biologia. Então os conhecimentos não são estanques? Fascinante!

Apesar de amar histórias foi fazer faculdade de Administração em vez de

Letras, Histórias ou Cinema. Por quê? Porque o pai tinha um negócio e

precisava de um herdeiro, ora essa. Essa história teve um final triste com o fim

do negócio. Porém, como cada ponto de chegada é ponto de partida, e quem

entra por uma porta sai pela outra, é hora e contar outra história

Depois da faculdade, um dia com os amigos ele conheceu o RPG.

Essas poderiam ser a histórias que fariam parte da descrição de duas

personagens criadas, respectivamente, por uma jogadora e um jogador para

iniciar uma campanha de Role-Playing Game ambientada em um cenário

contemporâneo. Mas é, na verdade, a descrição de uma jogadora e um jogador

que se preparavam para iniciar uma campanha de aprendizagem que

culminaria em método poético-didático que eles atualmente utilizam tanto nas

suas produções artísticas como nas suas práticas pedagógicas.

O RPG, aproximadamente traduzido como "Jogo de Interpretação de

Papéis" é uma forma de jogo narrativo surgido nos EUA em 1974, a partir dos

jogos de guerra que simulavam batalhas em tabuleiros. O primeiro cenário

usado e o mais popular é a chamada ―fantasia medieval‖, inspirada na obra

―Senhor dos Anéis‖ de J.R.R. Tolkien. Em sua fase atual, há uma grande

diversidade de cenários (fantasia, ficção científica, terror, histórico etc.), que se

aproximam dos cenários das narrativas ditas de ação e aventura do cinema,

Page 75: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

73 dos quadrinhos, das animações e dos videogames. Nos suportes se encontra

parcialmente descrito um cenário, no qual se passarão as histórias vividas

pelas personagens criadas pelos jogadores e pelo/a Mestre ou Narrador/a:

bandeirantes e índios num cenário de Brasil colonial; cavaleiros num cenário de

Europa Medieval etc. A história começa a ser contada pelo Mestre, mas os

jogadores são livres para decidir o que suas personagens falam e fazem na

história. Assim, os rumos da história são freqüentemente alterados pelas ações

das personagens, sendo na verdade uma história contada em conjunto pelo

Narrador e jogadores. É papel do Narrador preparar o enredo, representar as

demais personagens e coordenar as ações durante a prática de RPG. Narrador

e jogadores representam as ações de suas personagens descrevendo-as e

enunciam suas falas de modo direto ou indireto. As dúvidas sobre os

resultados das ações das personagens dos jogadores, quando há possibilidade

de falha ou sucesso parcial, são resolvidas pelo sistema de regras, daí o RPG

ser considerado um JOGO:

Jogo (lat. jocus: brincadeira) 1. Em seu sentido geral, o jogo é uma atividade física ou mental que, não possuindo um objetivo imediatamente útil ou definido, encontra sua razão de ser no prazer mesmo que proporciona. Esta atividade, começando na criança ou no pequeno animal como gasto de energia, tendo valor de treinamento ou de aprendizagem, muda de natureza com o desenvolvimento do subjetivo humano: jogos de imitação, nos quais a criança projeta seus desejos (bonecas etc.); jogos com regras ou socializados, nos quais o prazer se vincula ao respeito às regras, às dificuldades de vencer uma competição.2 (JAPIASSÚ & MARCONDES, 2001: 150).

Então, o RPG é um jogo?

Ao expor suas dificuldades de traduzir o termo jeu no texto Aula, de

Roland Barthes, Leyla Perrone-Moisés (in: BARTHES, 1977:82-85)3 esclarece

o próprio conceito de ―jogo‖ que, dentro da teoria e prática barthesianas

consiste de uma atividade ao mesmo tempo sem finalidade senão o próprio

jogo e de uma tática de crítica às cristalizações da linguagem, característica

2 JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 3a. ed., 2001.

3 BARTHES, Roland. Aula. Tradução e Posfácio: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Editora

Cultrix, 1977.

Page 76: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

74 que aproxima este ―jogo‖, então, do teatro, do ―faz-de-conta‖. O termo ―jogo‖,

no contexto do RPG, não se refere à disputa, mas à interação, ao próprio ato

de representar uma personagem. Os participantes de uma sessão de RPG,

narrador e "jogadores" cooperam entre si em vez de competir, sendo este um

dos principais motivos do termo "jogo" ser questionado por profissionais de

RPG em relação à sua prática. Lembremos que, assim como jeu, o verbo play

tem entre seus significados "jogar", "interpretar" e "brincar", permitindo um

"jogo de sentido" de difícil tradução para o português. Podemos então entender

o RPG como um ―jogo de construção de narrativas‖, entendendo narrativa no

sentido proposto por Paul Ricoeur (1983)4 dentro da sua análise da Poética de

Aristóteles: a narrativa é o ―o quê‖ da atividade mimética, da imitação criativa

da ação.

As histórias então vão acontecendo conforme os participantes vão

jogando, interagindo, criando. Deste modo, é primordial que essa dinâmica seja

fundamentada no prazer e na diversão que um jogo sempre deve proporcionar,

independentemente de sua finalidade, pois, como define Johan Huizinga:

O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária,

exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida quotidiana" (HUIZINGA, 1938; 2001:33).5

Nesse sentido, destacamos o potencial poético e didático residente na

diversão de superar desafios que o RPG pode proporcionar.

A construção coletiva de histórias dos RPGs demanda a cooperação e

não a competição entre os jogadores, pois todos cooperam para superar os

desafios da história propostos pelo Narrador. Este tem como papel movimentar

e ajustar a trama e garantir que os objetivos da atividade sejam alcançados.

Além disso, o RPG é calcado no discurso oral, no diálogo e troca de ideias,

desenvolvendo habilidades de comunicação naturalmente; ser uma narrativa

4 RICOEUR, Paul. Temps et Récit, Tome I. Paris: Editions du Seuil, 1983.

5 HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Tradução João Paulo Monteiro. São Paulo:

Perspectiva, 2001.

Page 77: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

75 coletiva e socializante faz do RPG um jogo interativo e aberto, em que um

relato - uma aventura - não produz um único texto, mas vários, abrindo espaço

para a criatividade dos jogadores que podem contribuir com textos de vários

tipos, imagens, diários de personagens etc, e realizar sessões individuais com

os mestres de jogo.

Podemos dizer que uma história construída por meio da dinâmica lúdica

do RPG é, portanto, uma obra aberta, em eterno processo, que só existe se

houver interatividade, aqui entendida como um tipo de interação em que é

solicitada uma ação por parte dos sujeitos baseada na autonomia, na

criatividade e na imprevisibilidade (MACHADO, 1997)6, resultando em co-

criação e co-autoria.

Então, o RPG é um jogo interativo?

A relação entre interatividade e narrativa pode ser entendida fazendo-se

uma analogia com os três níveis de abertura da obra de arte propostos por

Júlio Plaza em seu artigo "Arte e Interatividade: Autor-Obra-Recepção"

(PLAZA, 2003)7. O primeiro nível de abertura da obra é aquele que permite

diversas interpretações por parte do leitor ou receptor da narrativa. Por

exemplo, no romance ―Dom Casmurro‖, de Machado de Assis, a personagem

Capitu traiu ou não o seu marido Bentinho? A decisão fica por conta do leitor.

Por vezes histórias são explicitamente trabalhadas nesse sentido pelos autores

que propõe assim um jogo narrativo a seus leitores.

No segundo nível de abertura proposto por Plaza, o público pode fazer

intervenções na obra, mas sem alterar suas características estruturais, o que

ele exemplifica com as esculturas de Lígia Clark e os parangolés de Hélio

Oiticia. Nas histórias interativas, este conceito pode ser exemplificado nas

aventuras-solo ou livros-jogos, onde o leitor pode escolher dentre alternativas

propostas para a trama, porém, já pré-definidas pelo autor. Conforme lê a

6 MACHADO, Arlindo. Formas Expressivas da Contemporaneidade. In: Pré-cinemas &

Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.

7 PLAZA, Júlio. Arte e Interatividade: Autor-Obra-Recepção. In: Concinnitas - Revista do

Instituto de Artes da UERJ, ano 4, n.4, p.7-34. Rio de Janeiro. Mar/2003.

Page 78: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

76 história, o leitor-jogador simultaneamente a joga, escolhendo opções para o

desenrolar da mesma, mas sem poder criar opções.

No terceiro nível de abertura proposto por Plaza, o receptor pode fazer

alterações estruturais na obra, criando opções e alterando o enredo a seu

critério. Um bom exemplo são os flash-mobs em que artistas convocam pelas

redes sociais "simples mortais" para inventarem e executarem suas ações em

locais públicos. Plaza identifica este nível de abertura principalmente para a

mídia digital. "Nas artes da interatividade, portanto, o destinatário potencial

torna-se co-autor e as obras tornam-se um campo aberto a múltiplas

possibilidades e susceptíveis de desenvolvimentos imprevistos em uma co-

produção de sentidos.‖ (PLAZA, 2003: 22). Nas histórias interativas, esta

abertura pode ser identificada na prática das sessões de RPG, onde a

ambientação trazida no suporte é retrabalhada pelo "mestre" e jogadores em

histórias criadas coletivamente num jogo interativo entre os participantes, a

obra e referências extratextuais.

Então, o RPG é um jogo interativo narrativo?

Muniz Sodré define narrativa como um ―discurso capaz de evocar,

através da sucessão temporal e encadeada de fatos, um mundo dado como

real ou imaginário, situado num tempo e num espaço determinados. [...] Como

uma imagem, a narrativa põe diante de nossos olhos, nos apresenta, um

mundo‖ (SODRÉ, 1988:75).8

Roland Barthes (1977) observa que a literatura, por extensão as

narrativas, tem os poderes de mathesis (vários saberes se entrelaçando) e

mimesis (representação/recriação do real), destacando seu potencial na

educação. As narrativas permitem o encontro lúdico de diversos saberes em

sua fruição, facilitando a concretização de um trabalho multidisciplinar ou

interdisciplinar. A mathesis torna possível saber, por exemplo, com quantas

disciplinas se faz uma canoa ou se estuda o metano. Pela mimesis uma

história pode mostrar onde, como e porque se usa uma equação do segundo

grau na vida de uma pessoa.

8 SODRÉ, Muniz. Best-Seller: a Literatura de Mercado. Série Princípios. São Paulo,

Editora Ática: 1988.

Page 79: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

77 É importante ressaltar que a mimesis barthesiana visa uma

representação criativa do real que vai além de reproduzi-lo. A mimesis de

Barthes (1967)9 não se limita a tentar mostrar como a realidade é, objetivando

mostrar como a realidade pode vir a ser, assumindo, portanto, um

compromisso poético.

O potencial de aprendizado das narrativas é conhecido há bastante

tempo. Antoine Compagnon aponta que associar diversão ao aprender,

tornando o saber prazeroso, é uma das características atribuídas à poética

desde a Antiguidade. ―Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender

na origem da arte poética: instruir ou agradar, ou ainda instruir agradando,

serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio

reconhecerá na poesia, qualificada de dulce et utile" (Ars Poética in

COMPAGNON, 2001:35).10

Janet Murray postula que as controvérsias sobre conteúdo e formato de

videogames se devem a dois fatores: o poder da narrativa e a experiência

singular das narrativas participativas. Para a autora, ―A narrativa é um de

nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo. É

também um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades,

desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global reunida

diante do aparelho de televisão‖ (MURRAY, 2003:9)11. É através dessas

histórias que compartilhamos valores, tradições, cultura, que nos

compreendemos. Histórias que nos inspiram a ir além, que nos dão forças para

viver e pelas quais muitas vezes somos capazes de morrer.

Há certo consenso entre educadores que as pessoas aprendem quando

gostam do assunto ou quando entendem sua aplicabilidade. A grande pergunta

de muitos aprendizes seria "para que estou aprendendo isso?" Pergunta que

não existe quando a pessoa se apaixona pelo que busca aprender, História,

Matemática, futebol, etc, porque a paixão lhe basta. A narratividade pode

9 BARTHES, Roland. A Atividade Estruturalista. In: O método estruturalista. Rio de

Janeiro: Zahar Editores, 1967, pp. 57-63.

10 COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de

Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.

11 MURRAY, Janet. Hamlet on the Holodeck. New York: Free Press, 2000.

Page 80: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

78 buscar trazer prazer à aprendizagem ou, se não lograr esse intento, pode ao

menos pela mimesis mostrar a aplicabilidade daquele saber. Como o aluno que

teve de aprender Matemática para poder usar as fórmulas da Física cruzou

esse obstáculo para alcançar sua paixão.

Como forma de narrativa interativa, o RPG pressupõe não uma

produção sobre o que foi narrado, mas múltiplas produções A PARTIR do que

foi narrado, ou seja, uma história plural construída por meio do jogo que

permite diferentes escritas.

Segundo Barthes (1992)12, o texto plural ideal se constituiria de redes

múltiplas que se entrelaçam sem que uma possa dominar as outras; uma

galáxia de significantes em vez de uma estrutura de significados. Reversível,

sem início, pode ser penetrado por várias entradas sem que haja uma principal.

No texto plural não há nada fora dele, mas também não há um todo do texto:

ele está liberto simultaneamente da exterioridade e da totalidade. Por isso, não

têm estrutura narrativa, gramática ou lógica da narrativa. Os textos plurais são

―multivalentes, reversíveis e francamente indedutíveis‖.

Barthes afirma que "quanto mais plural é o texto, menos está escrito

antes que o leia, onde a leitura é um trabalho de linguagem em que escrevo a

minha leitura" (BARTHES, 1992:43). Eliana Yunes sustenta a ―hipótese de que

a leitura precede a escrita e de que não há escritor ou artista que produza sem

antes ter vivido com densidade a condição de leitor‖ (YUNES, 2002:33)13,

hipótese que dialoga bem com a proposição de Barthes que todo ―eu-leitor‖ é

constituído por um emaranhado de outros textos em que a leitura é uma

escrita. O texto escrevivel, do qual é difícil dizer algo, está do lado do que é

possível escrever, da prática do leitor, de que textos desejar fazer avançar no

mundo. Podemos então ampliar o conceito de produtividade do texto, pois, se

esta se refere a diferentes leituras possíveis e leituras são escritas, também

pode incluir o poder de mobilização do texto para diferentes escritas a partir

dele.

12 BARTHES, Roland. S/Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. [1970]

13 YUNES, Eliana (org.). Pensar a Leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio.

2002.

Page 81: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

79 Fantasia e Extase: potências lúdicas e narrativas do RPG no processo

criativo

Vamos nos deter sobre o que consideramos a grande potência do RPG:

aquela fagulha que irrompe do encontro entre o prazer de jogar e o prazer de

fantasiar capaz de disparar todo um desejo de busca - uma "quest" - por

conhecimentos, ou seja, o DESEJO - prazer ou gozo - de aprender e de, nesse

processo, se transformar.

Para tecer essa potência lançamos mão de dois fios principais: o da

trama fica por conta do conceito de prazer/gozo escritural de Roland Barthes; e

o da urdidura por conta do conceito de Fantasia de J.R.R. Tolkien.

Em artigo publicado anteriormente (BETTOCCHI & KLIMICK, 2005)14,

construímos uma relação entre o conceito de jouissance como força resultante

de um processo escritural, proposto por Roland Barthes (2002) capaz de

promover um deslizamento poético no jogo de inovação e sedimentação da

tradição postulado por Paul Ricoeur (1983). Como exemplo deste processo

escritural, propusemos o conceito de Fantasia apresentado por Tolkien.

Êxtase, Gozo: a fenda escritural

Segundo Roland Barthes (1977), é no deslizamento entre significante e

significado que o poder se infiltra, congelando o signo, é aí, também, que se

pode - e se deve - trapacear a linguagem, jogar com ela e com os signos: não

na mensagem, mas no uso de seus códigos formais - o visível. Neste

momento, Barthes (1977, 1999)15 ressalta a responsabilidade (não a

supremacia) da forma como promotora deste deslizamento: a escritura - toda

manifestação de linguagem humana capaz de promover um

"descongelamento" dos signos.

Assim, a escritura não se define pelos conteúdos e nem mesmo pelos

sentidos que cria, e sim pelo aspecto formal, que em Barthes não remete ao

14 BETTOCCHI, Eliane & KLIMICK, Carlos. Fantasia e Êxtase: um exercício de resistência

através da forma. In: Anais do IV Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: O

(In)Visível. Rio de Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2005. Disponível

em http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars05.pdf.

15 BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, (1957) 1999, 10a. ed.

Page 82: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

80 estilo, e sim a uma materialidade do texto. Deste modo, é definível apenas por

um discurso ele mesmo escritural: "[...] a ciência dos gozos da linguagem, seu

Kamasutra [...]" (BARTHES, in: PERRONE-MOISÉS, 1983:53)16.

Daí a responsabilidade da forma escritural: abrir uma fenda para que se

ouça a voz única de um corpo que se receba como um êxtase (gozo ou fruição

segundo diferentes traduções de jouissanse), "sentido como intensidade, como

perda do sujeito pensante e ganho de uma nova percepção das coisas."

(PERRONE-MOISÉS, 1983:56).

Uma vez que o sujeito se modifica em contato com a escritura, podemos

dizer que o êxtase ou gozo se completa numa dimensão ética de retorno ao

campo prático. Leyla Perrone-Moisés (1983:56) diz que "A escritura é poesia

no sentido moderno do termo: aquele discurso que acha sua justificação na

própria formulação, e não na representação de algo prévio e exterior [...]".

O eterno jogo entre inovação e sedimentação

O abismo poético que se abre como resultado do processo escritual

convida a um salto no vazio para a inovação. Assim como Barthes, Paul

Ricoeur (1983) fala deste ato poético ao analisar o processo de configuração

da narrativa onde a constituição de uma tradição reside no jogo ou tensão entre

inovação e sedimentação. A sedimentação consolida o repertório de

paradigmas que constituem a tipologia da configuração: esquemas narrativos

ocidentais que se combinam causalmente a partir de uma herança aristotélica,

gerando um código paradigmático e uma tipificação de formas que se repete

tradicionalmente. A tradição, entretanto, não se resume à repetição, mas

desliza em dois sentidos: sedimentação e inovação. A sedimentação consolida

a linguagem, mas pode cristalizar-se; a inovação avança a linguagem, mas

pode causar estranhamento e afastamento, como tem acontecido, em alguns

casos, na arte contemporânea.

Se a sedimentação universaliza, a inovação singulariza, pois cada

poética produzida, cada maneira pessoal de operar os códigos de

configuração, oferece desafios e transgressões às normas que acabam retro-

16 PERRONE-MOISÉS, Leyla. Roland Barthes: o saber com sabor. São Paulo: Brasiliense,

1983.

Page 83: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

81 alimentando o repertório sedimentado. Isto pode soar como um ciclo vicioso,

mas Ricoeur lança mão da estética da recepção de Wolfgang Iser da relação

prazer/gozo do texto de Roland Barthes (2002)17 para demonstrar que o jogo

entre transgressão e apropriação, que tem como um de seus grandes

referentes o receptor que aceita ou rejeita a inovação, é vital para a

constituição de um ciclo virtuoso da linguagem.

Criação escritural e poética: configurar para refigurar

O ato poético - como diria também Haroldo de Campos (1977) sobre o

"poetar" - é o próprio ato de configurar, ou de formular a escritura. As obras

poéticas, como qualquer discurso, acontecem na linguagem; entretanto, não se

pode negar seu impacto sobre a experiência cotidiana devido ao seu poder de

ataque subversivo contra a ordem moral e social. Esta interação do poético

com o prático abre um leque de opções que vai da confirmação ideológica da

ordem estabelecida (sedimentação, ou prazer) à crítica e problematização

(inovação, ou êxtase), incluindo a alienação em relação ao real, uma interação

de ordem ética.

Voltamos a Paul Ricouer (1983) com seu processo de configuração de

narrativas como um exemplo de processo criativo, entendendo o fazer poético

como mimese no sentido aristotélico de recriação, assim como Roland Barthes

(1967). Neste processo mimético, Ricoeur propõe três estágios interligados: na

Mímese 1 (M1) temos a prefiguração dos elementos, na M2 a configuração das

relações entre esses elementos e na M3 uma fruição da linguagem que leva à

refiguração do sujeito e da sua realidade seja via gozo, seja via prazer,

promovendo, portanto, algum deslizamento no jogo inovação-sedimentação.

Fantasia e Imaginação de mundos: ato poético refigurador

Robin Law, game designer dos EUA, observa que os RPGs costumam

buscar referências em outros produtos da mídia de massa como filmes,

seriados, histórias em quadrinhos, animações etc. Law responde a crítica sobre

a forte presença de clichês e estereótipos em cenários e enredos de RPG com

o conceito de fantasias pré-existentes: "Quanto mais o cenário se parecer com

17 BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2002, 3a. ed.

Page 84: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

82 algo que eles (os jogadores) já conhecem do entretenimento popular, mais

provável se torna que eles consigam se valer de uma fantasia pré-existente

que sempre tenham querido exercer." (LAW, 2002:9)18. Em um cenário de

ficção científica um jogador que gosta muito da personagem Sr.Spock de

Jornada nas Estrelas pode criar uma personagem similar para se divertir. Em

um cenário medieval, uma jogadora pode interpretar uma personagem

inspirada em Joana D'Arc ou Robin Hood. A atração também pode ser por um

estilo de história, resolver um mistério ou um crime como num romance policial,

desfrutar uma aventura emocionante como num thriller. Personagem, cenário

ou enredo, tratam-se de fantasias que os jogadores já possuíam, fantasias pré-

existentes que, de alguma forma, agora podem vivenciar via RPG.

Defendemos, assim, que a narrativa atua como o encontro lúdico de

diversos saberes na medida em que este lúdico remete ao jogo do ―faz-de-

conta‖, acionando fantasias pré-existentes que geram interesse, identificação e

afeto (no sentido geral de resposta emocional, não necessariamente

prazerosa), e transformando tais fantasias na Fantasia, segundo J.R.R. Tolkien

(1966), a atividade humana de representar, por meio da arte, aquilo que não

existe no "mundo primário", cotidiano, criando "mundos secundários" tão

narrativamente consistentes que se tornam críveis.

J.R.R. Tolkien, lingüista britânico, foi autor de vários textos literários

entre eles a série O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings, 1954/1988;

Unwin Hyman Lt), principal fonte de inspiração para a ambientação do primeiro

RPG publicado, Dungeons and Dragons (EUA, 1974).

Segundo Portinari (2003)19, Imaginário para Tolkien é a própria

Imaginação: a atividade humana de ―representar‖ que alcança sua melhor

expressão a serviço da Fantasia, por meio da criação de um ―Mundo

Secundário‖.

18 LAW, Robin. Robin´s Laws of Good Game Mastering. EUA: Steve Jackson Games Inc,

2002.

19 PORTINARI, Denise B. A Construção do Cenário da Terra Média por J.J.R. Tolkien.

Palestra conferida no I Histórias Abertas: Simpósio de RPG em Educação, Laboratório de

Pedagogia do Design - Departamento de Artes e Design, Departamento de Letras e

Coordenação Central de Educação a Distância, PUC-Rio, 2003. Disponível em

http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/tolkien.pdf.

Page 85: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

83 Para Tolkien (1966)20 a arte é o elo operativo entre Imaginação e o

produto final, que ele chama de "sub-criação" em virtude da formação católica

("Criação" é um ato de Deus; o ser humano só pode "sub-criar"). O universo

que envolve a criação do ―mundo secundário‖ apresentado por Tolkien em suas

obras de ficção engloba ainda outros elementos da sua vida pessoal, como

interesses em diferentes áreas de conhecimento, principalmente as línguas, a

botânica, a caligrafia e os contos-de-fada.

A palavra escolhida por Tolkien para abarcar tanto a arte criativa

(entendamos daqui para diante que "criativo" para nós é "sub-criativo" para o

autor), quanto o estranho e o maravilhoso derivados da faculdade de imaginar,

é "Fantasia". Fantasia passa a ser, deste modo, a mais alta criação artística: a

representação daquilo que não existe no "Mundo Primário" (por oposição a

"Mundo Secundário", o mundo banal, rotineiro).

O Mundo secundário é alcançado pela suspensão voluntária do

descrédito (willing suspension of disbelief), exercício em geral mais fácil para

crianças. Operação que no adulto moderno resvala, por força cultural, na

confusão entre Fantasiar e Sonhar, mas enquanto no Sonhar normalmente não

há arte no sentido de elo operativo aqui descrito, a Fantasia é uma atividade

racional. Construir um Mundo Secundário capaz de evocar a crença literária

(literary belief) é, para Tolkien, tarefa artística das mais difíceis e requer muito

trabalho e pesquisa e uma busca quase heroica para conferir ao fantástico uma

consistência de realidade.

Fantasiar é ser bem sucedido em fazer ou vislumbrar outros mundos.

Não mundos possíveis, mas mundos desejáveis. Tolkien não desejou viver as

aventuras de Alice, elas apenas o divertiram. Mas as antigas lendas do Rei

Artur e as sagas nórdicas despertaram-lhe o desejo. O dragão tem, para ele, a

marca de Faërie: "I desired dragons with a profound desire." (TOLKIEN,

1966:64). Não, obviamente, na vizinhança da sua casa, ameaçando sua

integridade, mas na Fantasia, a permissão de vislumbre de "Outros-Mundos",

quaisquer mundos que dragões habitassem. O "drama faérico", para Tolkien, é

aquele que pode produzir Fantasia com realismo, cujo resultado é a suspensão

20 TOLKIEN, J.R.R. The Tolkien Reader. New York: Ballantine Books, 1966.

Page 86: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

84 da descrença, permitindo a imersão "corporal" no Mundo Secundário. Para

Tolkien essa é a arte élfica, melhor expressa pela palavra Encantamento.

Tal processo não ganha força, entretanto, sem aquilo que o autor chama

de recuperação histórica da fantasia: nem abandonar o passado, nem mitificá-

lo: "Recovery (which includes return and renewal of health) is a re-gaining -

regaining of a clear view." (TOLKIEN, 1966:77). Um processo que nos parece

muito similar ao ato poético discutido anteriormente, sobretudo sob a ótica de

Ricoeur: uma configuração que leva a uma refiguração do sujeito e da própria

linguagem, deslizando uma tradição no sentido da inovação abrindo uma fenda

da qual o sujeito retorna marcado pelo êxtase, conferindo-lhe novas

perspectivas, ou da sedimentação, na qual o sujeito, pelo prazer recupera

origens que lhe conferem uma clareza de perspectiva.

Fantasia e Transversalidade: potências criativas do RPG no processo de

aprendizagem

Podemos exemplificar este processo de criação poética na entrevista

veiculada no Youtube com o escritor norte-americano George R.R. Martin,

autor da série de livros Songs of Fire and Ice, transposta para a série televisiva

Game of Thrones, na qual menciona como suas fantasias se converteram em

narrativas (In: BIENIA, 2012; http://bienia.wordpress.com/2012/07/23/what-is-

role-playing-as-a-state-of-mind/) e mundo secundário, ou seja, em Fantasia,

segundo Tolkien, criação que tem sido capaz de mobilizar vários sujeitos em

suas próprias atividades fruidoras e criadoras.

Em sendo uma forma de narrativa, o RPG possui os elementos

levantados por Cardoso [(2001)] (tema, personagens, ação, tempo, espaço,

ponto de vista, conflito), possuindo unidade de ação, tempo e lugar, e

desenvolvendo-se através da relação de causa e efeito, etc. Entretanto, devido

às suas características interativas, o RPG difere do conceito tradicional de

narrativa por se tratar de uma plataforma operacional não só para contar uma

mesma história de diferentes maneiras, mas para contar diferentes histórias a

partir de elementos comuns: regras e ambientação.

Pensemos, então, o RPG como um meio de comunicação que, segundo

Marshall McLuhan e a Teoria da Comunicação, dispõe de linguagem ou

sistema simbólico (códigos e repertórios), tecnologia (veículo, canal e suporte

Page 87: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

85 material) e modos de recepção (condições de fruição). Qualquer mudança em

um destes três elementos é suficiente para diferenciar um meio de

comunicação de outro, em razão das diferenças identificadas no impacto no

meio social.

Se considerarmos as características de interatividade e hipertextualidade

pressupostas na fruição do RPG, podemos pensar cada elemento narrativo

destes como potencial link cujo propósito é abrir as possibilidades para a

construção de significados e elementos próprios do receptor (BETTOCCHI &

KLIMICK, 200321; BETTOCCHI, 2008, 201322). Os processos interativos e

hipertextuais de fruição e de construção de um RPG se caracterizam pelas

colagens, apropriações e reinterpretações (BETTOCCHI, 200223). Parece muito

pertinente o termo ―pilhagem narrativa‖, aplicado por Sônia Mota ao RPG

(199724), em que histórias e imagens são tecidas a partir de elementos de

outras histórias e de outras imagens, apropriadas de autores que não são

citados, aproximando essa narrativa da narrativa oral ―sem dono‖.

O ato de configurar via pilhagem qualquer um destes elementos

narrativos pode ser pensado sob a perspectiva mimética de Paul Ricoeur e

levado, ou não, aos extremos da Fantasia tolkiniana e da escritura barthesiana.

21 BETTOCCHI, Eliane & KLIMICK, Carlos. O lugar do virtual no RPG, o lugar do RPG no

Design. In: Anais do II Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: Atopia. Rio de

Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2003. Disponível em

http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars03.pdf.

22 BETTOCCHI, Eliane. Incorporais RPG: Design Poético para um jogo de representação. Tese de

Doutorado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008.

Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/tese/index.html________. Design Poético: um

modo de fazer – arte – educação – design – tudo ao mesmo tempo. Blogue disponível em

http://historias.interativas.nom.br/designpoetico/. Textos capturados em 29 de março de 2013.

23 BETTOCCHI, Eliane. Role-playing Game: um jogo de representação visual de gênero.

Dissertação de Mestrado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro, 2002. Disponível em

http://www.historias.interativas.nom.br/lilith/dissert/index.htm.

24 MOTA, Sônia Rodrigues. Roleplaying Game: a Ficção enquanto Jogo. 1o. sem. 1997.

Tese de Doutorado do Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro, 1997.

Page 88: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

86 Assim como J.R.R. Tolkien, Gary Gygax & Dave Arneson (autores do

RPG Dungeons&Dragons), George R.R. Martin, J.K. Rowlings, Machado de

Assis, Guimarães Rosa e tantos outros criadores de mundos secundários,

aquele que joga e/ou cria um RPG também faz uma recuperação histórica das

suas fantasias pré-existentes, pilhando diversas fontes, para que estas venham

a se converter em Fantasia, consistente e coerente, capaz de promover

refigurações.

Criar para aprender em vez de aprender para criar

Pré-fantasiar, jogar, pilhar, recuperar, configurar, refigurar, Fantasiar,

pré-fantasiar... Podemos, depois disso tudo, sugerir que o processo de jogar

RPG implica um ciclo disparado pelo desejo/prazer/gozo, figura-se no lúdico,

configura-se na narrativa e refigura-se novamente no desejo/prazer/gozo, que

dispara novo processo.

Esse processo criador pode ser comparado ao processo de aprender se

entendermos aprender como entrelugar de fruição estética, de diversão e de

construção de conhecimento, entendendo educação, em acordo com Paulo

Freire (199625), como desenvolvimento de autonomia e senso crítico, onde o/a

aprendiz é estimulado a sair do papel de receptor passivo de conhecimentos

―encaixotados‖ para o papel ativo de construtor/a de seus próprios significados,

protagonizando sua história de maneira holística e integrada, pois, como afirma

Joseph Beuys, ―Todo ser humano é um artista" (198526).

O ato criador-poético implica um aspecto multidisciplinar, referente à

multiplicidade de disciplinas com seus conteúdos, conhecimentos e habilidades

(NICOLESCU et all, 2001:1427) e um aspecto interdisciplinar, referente ao uso

de métodos de diferentes disciplinas para a mobilização de competências

(NICOLESCU et all, 2001:15). A demanda Multi- e Interdisciplinar das

25 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São

Paulo: Paz e Terra, 1996.

26 BEUYS, Joseph. Falando sobre o próprio país: Alemanha III. Tradução Lia do Rio.

Discurso proferido no Münchner Daucmerspiele. Munique, 1985.

27 NICOLESCU, Basarab, et all. Educação e Transdisciplinaridade. Tradução Judite Vero,

Maria F. de Mello e Américo Sommemman. Brasília: UNESCO, 2001.

Page 89: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

87 produções A PARTIR DO conteúdo requer mais esforço do usuário,

promovendo a Transdisciplinaridade (NICOLESCU et all, 2001:15), não

significando somente que as disciplinas cooperam entre si por um projeto de

conhecimento em comum, ―Mas, significa também que há um modo de pensar

organizador que pode atravessar as disciplinas e que pode dar uma espécie de

unidade. [...] A transversalidade ou transdisciplinaridade é qualquer coisa que é

mais profundamente integradora. Agora, para que haja transversalidade é

necessário um pensamento organizador. É o que chamo de pensamento

complexo‖ (MORIN, 2006: vídeo28).

Ou seja, podemos sugerir que jogar e/ou criar RPG mobiliza, a partir de

fantasias pré-existentes dos participantes, a articulação de conhecimentos e

competências para a produção da Fantasia, favorecendo a construção de

novos conhecimentos e competências em um círculo virtuoso (NEVES, 200529).

Este processo vem ao encontro de uma postura autônoma e crítica dos

participantes, respeitando seus desejos e mobilizando-os para atitudes de

transformação de suas realidades pessoal e social, visando criar as condições

para a construção de conhecimentos e não sua simples transferência (FREIRE,

1996).

Projeto Incorporais: nossas experiências com essas potências do RPG.

O Projeto Incorporais é uma plataforma lúdica, multidisciplinar e

multimidiática que dá suporte à aplicação das Técnicas para Narrativas

Interativas (TNI) como interface didática. As TNI compõem um método de

utilização de histórias interativas e jogos de representação de papéis, do tipo

RPG para a construção de conhecimento e competências por meio da

participação e co-autoria em narrativas nesse formato (KLIMICK, 2006, 2007,

28 MORIN, Edgar. In: Coleção Grandes Educadores. Apresentação Edgard de Assis

Carvalho e participação especial de Edgar Morin. São Paulo: Paulus, ATTA Mídia e Educação,

2006.

29 NEVES, Carmen Moreira de Castro. Pedagogia da Autoria. In: Boletim Técnico do

Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. V.31, n.3, set/dez.

2005, pp. 19-27.

Page 90: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

88 201330). Os participantes atuam construindo coletivamente e de forma

cooperativa a narrativa devendo incorporar produções de sua autoria aos

suportes utilizados para as sessões de RPG. Esta produção, que pode ser

expressa em diferentes linguagens e suportes, é feita durante e entre sessões

de RPG. O objetivo é que os participantes apresentem mais do que uma

produção sobre o que foi vivenciado, partindo para uma criação a partir do que

foi construído durante as histórias. Para atingir este propósito criativo,

propomos, como método para nortear e estimular esse processo, o Design

Poético, um método projetual que objetiva a configuração de objetos que

promova uma refiguração dos sujeitos e de seus contextos (BETTOCCHI,

2008, 2013).

A aplicação do RPG para fins educacionais foi para nós sistematizada

na TNI (Técnicas para Narrativas Interativas) em profunda relação com o

Design Poético, de forma que os alunos não apenas apreendam o conteúdo,

transmissão e aprendizado sobre, como também partam para a construção de

um raciocínio crítico e criação A PARTIR DE em uma poética da

aprendizagem. Desde 2008 pesquisamos as potencialidades da plataforma

Incorporais com estudantes e professores do Ensino Médio e estudantes de

graduação e pós-graduação (BETTOCCHI, KLIMICK & REZENDE, 201231).

O Projeto Incorporais vem sendo uma proposta de sistematização para

aplicação do potencial educacional e estético do RPG na promissora interface

da Arte com a Educação, sobretudo no que toca sua potência poética.

30

KLIMICK, Carlos. RPG & educação: metodologia para o uso paradidático dos role playing

games. In: COELHO, Luiz Antônio L. (Org.). Design & Método. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio;

Teresópolis: Novas Idéias, 2006. pp. 143-161.________. TNI (Técnicas para Narrativas Interativas). In:

Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. v. 33, n.3,

set./dez. 2007, pp. 72-85.

________. Técnicas Narrativas Interativas (TNI). In: Design Didático & Jogos. Blogue

disponível em http://historias.interativas.nom.br/klimick/?page_id=160. Texto capturado em 29 de março

de 2013.

31 ________ & REZENDE, Rian. Projeto Incorporais: método e material lúdico-didático para

professores e estudantes do ensino médio. In: Tríades: Transversalidades, Design, Linguagens, vol. 2.

Revista do Programa de Pós-graduação em Design da PUC-Rio, 2012. Disponível em

http://www.revistatriades.com.br/blog/?page_id=962. Capturado em 29 de março de 2013.BIENIA,

Rafael. What is … role-playing? A Comparison of Creative Playing and Writing. In Bienia on Games.

Disponível em http://bienia.wordpress.com/2012/07/23/what-is-role-playing-as-a-state-of-mind/.

Capturado em 23/07/2012.

Page 91: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

89 Atualmente estamos conduzindo uma pesquisa com estudantes de graduação

do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design do Instituto de Artes e

Design da UFJF sobre o uso de fantasias pré-existentes no desenvolvimento

de um cenário de fantasia tolkiniana como forma de estímulo à criatividade,

partindo da necessidade de experimentação de práticas pedagógicas que

possam instrumentalizar uma formação interdisciplinar e integrada do

graduando dos dois ciclos deste Bacharelado. Uma vez que estamos no

contexto das Artes e do Design, lançamos mão dos Projetos de Trabalho de

Fernando Hernández (199832), professor da Faculdade de Belas Artes de

Barcelona, que se refere a ―projeto‖ no mesmo sentido que arquitetos,

designers e artistas compreendem o ―procedimento de trabalho que diz

respeito ao processo de dar forma a uma ideia que está no horizonte, mas que

admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as

circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão

contribuir para esse processo.‖ (HERNÁNDEZ, 1998:22), tomando como

premissas o conceito de pilhagem narrativa e de antropofagia visual, segundo

Oswald de Andrade, para disparar o processo de criação poética que deverá

implicar a construção de conhecimentos e competências, ou seja, em

aprendizagem crítica e transformadora.

Bibliografia: BARTHES, Roland. A Atividade Estruturalista. In: O método estruturalista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, pp. 57-63. ________. Aula. Tradução e Posfácio: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Editora Cultrix, 1977. ________. S/Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. [1970] ________. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, (1957) 1999, 10a. ed. ________. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2002, 3a. ed. BEUYS, Joseph. Falando sobre o próprio país: Alemanha III. Tradução Lia do Rio. Discurso proferido no Münchner Daucmerspiele. Munique, 1985. BETTOCCHI, Eliane. Role-playing Game: um jogo de representação visual de gênero. Dissertação de Mestrado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2002. Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/lilith/dissert/index.htm. ________. Incorporais RPG: Design Poético para um jogo de representação.

32 HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de

trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Page 92: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

90 Tese de Doutorado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008. Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/tese/index.html ________. Design Poético: um modo de fazer – arte – educação – design – tudo ao mesmo tempo. Blogue disponível em http://historias.interativas.nom.br/designpoetico/. Textos capturados em 29 de março de 2013. ________ & KLIMICK, Carlos. O lugar do virtual no RPG, o lugar do RPG no Design. In: Anais do II Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: Atopia. Rio de Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2003. Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars03.pdf. ________. Fantasia e Êxtase: um exercício de resistência através da forma. In: Anais do IV Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: O (In)Visível. Rio de Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2005. Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars05.pdf. ________ & REZENDE, Rian. Projeto Incorporais: método e material lúdico-didático para professores e estudantes do ensino médio. In: Tríades: Transversalidades, Design, Linguagens, vol. 2. Revista do Programa de Pós-graduação em Design da PUC-Rio, 2012. Disponível em http://www.revistatriades.com.br/blog/?page_id=962. Capturado em 29 de março de 2013. BIENIA, Rafael. What is … role-playing? A Comparison of Creative Playing and Writing. In Bienia on Games. Disponível em http://bienia.wordpress.com/2012/07/23/what-is-role-playing-as-a-state-of-mind/. Capturado em 23/07/2012. CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1977, 4a. ed. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. CARDOSO, João Batista. Teoria e Prática de leitura, apreensão e produção de texto: por um tempo de "PÁS" (Programa de Avaliação Seriada). Brasília: Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Tradução João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2001. JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 3a. ed., 2001. KLIMICK, Carlos. RPG & educação: metodologia para o uso paradidático dos role playing games. In: COELHO, Luiz Antônio L. (Org.). Design & Método. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; Teresópolis: Novas Idéias, 2006. pp. 143-161. ________. TNI (Técnicas para Narrativas Interativas). In: Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. v. 33, n.3, set./dez. 2007, pp. 72-85. ________. Técnicas Narrativas Interativas (TNI). In: Design Didático & Jogos. Blogue disponível em http://historias.interativas.nom.br/klimick/?page_id=160. Texto capturado em 29 de março de 2013.

Page 93: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

91 LAW, Robin. Robin´s Laws of Good Game Mastering. EUA: Steve Jackson Games Inc, 2002. MACHADO, Arlindo. Formas Expressivas da Contemporaneidade. In: Pré-cinemas & Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997. MORIN, Edgar. In: Coleção Grandes Educadores. Apresentação Edgard de Assis Carvalho e participação especial de Edgar Morin. São Paulo: Paulus, ATTA Mídia e Educação, 2006. MOTA, Sônia Rodrigues. Roleplaying Game: a Ficção enquanto Jogo. 1o. sem. 1997. Tese de Doutorado do Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1997. MURRAY, Janet. Hamlet on the Holodeck. New York: Free Press, 2000. NEVES, Carmen Moreira de Castro. Pedagogia da Autoria. In: Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. V.31, n.3, set/dez. 2005, pp. 19-27. NICOLESCU, Basarab, et all. Educação e Transdisciplinaridade. Tradução Judite Vero, Maria F. de Mello e Américo Sommemman. Brasília: UNESCO, 2001. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Roland Barthes: o saber com sabor. São Paulo: Brasiliense, 1983. PLAZA, Júlio. Arte e Interatividade: Autor-Obra-Recepção. In: Concinnitas - Revista do Instituto de Artes da UERJ, ano 4, n.4, p.7-34. Rio de Janeiro. Mar/2003. PORTINARI, Denise B. A Construção do Cenário da Terra Média por J.J.R. Tolkien. Palestra conferida no I Histórias Abertas: Simpósio de RPG em Educação, Laboratório de Pedagogia do Design - Departamento de Artes e Design, Departamento de Letras e Coordenação Central de Educação a Distância, PUC-Rio, 2003. Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/tolkien.pdf. RICOEUR, Paul. Temps et Récit, Tome I. Paris: Editions du Seuil, 1983. SODRÉ, Muniz. Best-Seller: a Literatura de Mercado. Série Princípios. São Paulo, Editora Ática: 1988. TOLKIEN, J.R.R. The Tolkien Reader. New York: Ballantine Books, 1966. _________. The Lord of the Rings. London: Unwin Hyman Limited, (1954) 1988. YUNES, Eliana (org.). Pensar a Leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. 2002.

Page 94: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

92 TRADUÇÕES

A estrutura de traduções neste volume, seguiU por dois caminhos, inicialmente

de respeito as produções internacionais, que são referência, mas também

partindo do reconhecimento sobre as figuras importantes dentro do cenário

nacional.

Agradecimentos a International Jornal of Role-Playing, uma excelente revista

que já está em seu quarto volume, sendo solicita, assim como seus

colaboradores, em permitir a tradução dos artigos The Invisible Rules of Role-

Playing. The Social Framework of Role-Playing Process e Cultural Languages

of Role-Playing. Pretendemos em contínuos diálogos traduzir, se possível,

todos os artigos produzidos, e promover diálogos mais concisos entre

pesquisadores internacionais, visto que a mesma tem ideias convergentes com

nossa revista.

―O objetivo do The International Journal of Role-Playing é atuar como uma rede de conhecimento híbrido, e reunir os diversos interesses nas redes de conhecimento associadas role-playing, e, por exemplo, pesquisa acadêmica, os jogos e as indústrias criativas, as artes e as fortes comunidades de RPG. O International Journal of Role-Playing é uma resposta a uma necessidade crescente de um lugar onde a existência dos vários campos de investigação role-playing e desenvolvimento, abrangendo as universidades, a indústria de jogos, as artes e as fortes comunidades de RPG não acadêmicos todo o mundo, podem trocar conhecimentos e investigação, redes de formulário e se comunicar.‖ (http://journalofroleplaying.org/)

Porém, algo ainda mais curioso se apresenta a seguir, uma tradução de um

artigo de autoria nacional primeiramente publicado no exterior, em uma revista

relacionada ao evento itinerante Knutpunkt, que circula por quatro países no

norte da Europa (Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca). Por fim, descrevo

que foi um desafio ajustar normas as quais não distituissem o artigo de sua

forma original e ao mesmo tempo, constituissem sentido ao leitor.

Rafael Correia Rocha – Editor Chefe

Page 95: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

93 LINGUAGEM CULTURAL DE ROLE-PLAYING

Angelina Ilieva

Academia de Ciências da Bulgária

[email protected]

Tradução: Giovanni Barbon de Oliveira

Ideia geral

A interação dos Role Playing Games em jogos "Live Action" também é uma

interação de linguagem. A linguagem dos jogos de Role playing é diferente da

linguagem do dia-a-dia, porque as palavras criadas nos RPGs não são só um

reflexo ou extensão do dia-a-dia. Examinamos três exemplos de interação nos

RPGs de Live-Action. Em todos os três, os jogadores confiaram nos

conhecimentos culturais compartilhados. No primeiro caso, dois jogadores

empregaram convenções culturais sobre o significado das cores, objetos e

espaço tão bem quanto os materiais que pegaram emprestados dos mitos e

folclores a fim de ordenar/decretar o encontro entre um mago e um dragão. No

segundo os organizadores prepararam cenas da literatura clássica para

construir o enredo do jogo. No terceiro, os jogadores empregaram estereótipos

culturais de personalidades e comportamentos para apresentar personagens

de diversas idades e status sociais.

Resumo

O objetivo do trabalho é explorar a ligação entre RPGs Live Action como

sistemas culturais e o contexto cultural em que eles existem, por meio de

análise do material empregado no processo de interação do Role playing: as

funções e os usos dos códigos culturais, memória cultural, e conceitos culturais

Page 96: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

94 de identidade. Três casos de interações comunicativas em LARPs (Live Action

Role playing) específicos, chamadas "cenas", são analisados de diferentes

perspectivas. Na primeira cena, os jogadores usam códigos culturais e

convenções na construção semiótica de um evento imaginário: um encontro

com um Dragão. Os participantes chegam a diversos segmentos culturais que

contém interpretações do tema para pegar emprestados materiais semióticos.

Portanto, o Role playing se torna um mediador para a reprodução ativa e

transformação de informação cultural, identificado como pertencente a diversos

sistemas culturais. O LARP também é um meio de utilizar "formações estáveis"

de memória cultural, como discutido na análise da segunda cena. Fragmentos

de literatura clássica não são apenas relidos e reescritos no esforço de

interpretação colaborativa, mas também são internalizados, e se tornam parte

de uma experiência biográfica pessoal. As interações comunicativas nas

seções de Role playing são baseadas nos estereótipos culturais de discurso e

comportamento que projetam personalidades e papéis; este é o foco da análise

na terceira cena. Considerados como sistemas abstratos, códigos culturais,

memória cultural, e conceitos culturais de identidades constroem a linguagem

cultural do Role Playing.

1.Introdução

Estudos sobre jogos os examinam como ambientes interativos; jogos

são interativos a um ponto em que é tautológico usar a expressão "jogos

interativos". (Mayra 2008, p6). Jogos acontecem pela comunicação: nenhuma

interação é possível sem a troca de informação, seja ela direta ou mediada por

tecnologia, sincronizada ou não, e entre jogadores ou entre um jogador e uma

interface. Dependendo do tipo ou design do jogo, a interação pode ser rica ou

relativamente limitada (veja e.g. Manninen 2003), respectivamente construindo

sobre a comunicação que é complexa e multicanal ou simplificada. Enquanto

tanto a natureza da interação e das particularidades da comunicação são

baseadas em descrever as especificidades do conceito de "mestre", elas

podem também definir as várias formas de jogar nos sistemas de RPGs.

Page 97: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

95 A interação comunicativa em uma sessão de Role playing

é baseada nos estereótipos culturais de discurso e

comportamento que projetam personalidades e papéis

LARPs (de mesa ou não) envolvem colaboração entre jogadores através

de atividades sociais face a face, baseado numa comunicação sincronizada e

direta. Nos jogos de mesa, essa interação é principalmente verbal, e a

ferramenta de comunicação que prevalece é a nossa linguagem oral2. Foi Gary

Alan Fine quem primeiro pontuou (1983), "porque a fantasia de jogar é

baseada na experiência compartilhada, esta deve ser construída através da

comunicação" (p. 3). No processo comunicativo do jogo, os participantes têm

oportunidades de mobilizarem todas as ferramentas da vida real para uma

expressão verbal dos pensamentos, emoções e imagens durante a coleção

decretada de suas "fantasias compartilhadas". Sean Q.Hendricks (2006)

argumenta que a linguagem é uma ferramenta para ambos criarem o

imaginário do mundo do jogo e serem envolvidos nele. Ele explora várias

"estratégias discursivas incorporativas": o uso do pronome de primeira pessoa

por misturar a entidade jogador com a entidade personagem; o uso das

referências da cultura popular como estratégias para fortalecimento da visão

compartilhada do mundo do jogo estreitando as possíveis variações; e o uso de

formas de línguas de um mundo específico como uma estratégia para

assegurar o envolvimento dos jogadores por reivindicar a língua do mundo

fantasiado como a sua própria. Um estudo comparativo de Tychsen et al.

(2006) demonstra que é necessário visualizar o mundo ficcional através da

comunicação de linguagem; encoraja os jogos Role playing de mesa (papéis e

caneta), e eles aparentam ser mais engajados ou imersivos que jogos Role

playing de computadores, onde os jogadores se distanciam do mundo virtual.

Em mais um nível abstrato, Montola (2008) distingue entre um "mundo

do jogo" como uma construção coletiva, e "diegese" como uma leitura e

interpretação subjetiva do mundo do jogo, complementada pelos sentimentos e

ideias internas que permanecem implícitos. Assim, ele introduz a sutil, mas,

ainda importante, distinção entre aspecto intersubjetivo e intrasubjetivo no

Page 98: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

96 processo criativo do Role playing. Ele então conceitualiza a interconexão entre

os dois lados do sistema comunicativo, o interpessoal e o pessoal, como um

laço das três atividades básicas: interpretação, ajuste, e comunicação. Assim,

"o mundo ficcional ou a verdade sobre o que existe em um mundo ficcional"

(Montola 2003, p. 82) não é uma entidade tão clara e estável, mas um (pelo

menos parcialmente) entendimento compartilhado, alcançado em um desigual

e complicado processo de negociação e (des) acordo. Assim como Kristian

Bankov (2008) pontuou, verdade não é uma parte das coisas por sí; a verdade

requer afirmação, que é um discurso. O mundo do jogo e a diegese não são

discursivamente construídos; eles são sujeitos à transformações devido à

atividade discursiva dos jogadores.

Esse estudo se concentra nos aspectos interpessoais de, sem dúvida, a

mais complicada e difícil de generalizar e analisar nas interações do jogo:

aspectos de Live Action Role Playing Games (LARP). No LARP, a

comunicação é heterogênea; a interação é multimidiática. Mensagens visuais

constituídas em formas e cores que complementam a interação verbal e

paralinguística (i. e. através da entonação, volume ou suspiro). Jogadores

devem se comunicar somente com gestos ou se expressarem através de sons

ou danças (ver e.g. Fedoseev and Kurguzova 2012). O design dos espaços,

cenários, e adereços e sua interpretação e utilização também fazem parte das

trocas comunicativas. As mensagens geradas (ou textos) não são apenas

verbais, são também para serem vistas no sentido mais amplo do termo

semiótico: gestos e posturas corporais, exclamações, sons, músicas e danças,

trajes, imagens, diferentes tipos de objetos e seu uso. Lotman (1980) diria que

eles formam um conjunto semiótico.

Nesse processo comunicativo, a linguagem não é meramente uma

ferramenta de interação. A linguagem de Role playing não é uma camada

externa no topo da essência do Role playing; toda interação no Role playing

em sua forma comunicativa é interação de linguagem. Contudo, a linguagem

de Role playing é diferente da linguagem cotidiana, porque as palavras criadas

nos Role playing não são meramente uma reflexão ou extensão da vida

cotidiana, elas são ficcionais. A essência do Role playing reside na tentativa de

ser outra pessoa, e/ou em outro lugar, e/ou em outro tempo, e frequentemente,

Page 99: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

97 necessita de uma simulação de um mundo muito diferente do cotidiano; o

conhecimento de que esse mundo está fora do alcance da memória individual e

indisponível na experiência biográfica dos indivíduos. Em um processo de

construção discursiva de entidades de ficção, linguagem cotidiana não é

suficiente. Se os LARPs são palavras temporárias no mundo cotidiano (Stenros

2010, p 300), sua manifestação discursiva deve empregar superestruturas

semióticas construídas sobre a linguagem natural.

2. Enunciado do problema

Vários pesquisadores que tem estudado Role playing games discutem a

tendência dos jogadores incorporarem ao processo interativo elementos ou

materiais emprestados de vários sistemas culturais. Em seu trabalho de

seminário Shared Fantasy (Fantasia Compartilhada), Gary Alan Fine (1983)

anota, "cada grupo de jogos interpreta, define, e transforma elementos culturais

em sua esfera de conhecimento no quadro cultural de uma sociedade

imaginada" (p. 2). Jogadores não criam mundos fantasiados inteiramente de

sua imaginação; em vez disso, eles moldam e adicionam um nível a mais de

significado a materiais culturais derivados de seu conhecimento de mundo. Os

membros de um grupo utilizam cultura para imbuir os acontecimentos em seu

mundo com significado e para criar eventos recém significados; assim, cada

grupo de jogo é um intérprete da cultura maior da sociedade no contexto de

que o grupo existe (pp. 238-239) Daniel Mackay (2001) argumenta que tais

elementos culturais são os blocos de construção do desempenho do Role

playing. Tudo, da interação do dia-a-dia com outros que deixam impressões

sobre os jogadores até imagens memoráveis coletadas a partir de experiência

dos jogadores com a arte, pode ser usado para criar seus personagens. Linhas

famosas, posturas apropriadas, traços vívidos de passagens literárias ou cenas

de filmes são encontradas na memória dos jogadores como blocos fictícios

descontextualizados. Todo o desempenho do jogador pode ser uma

manipulação consciente de alegorias e convenções ou uma repetição

inconsciente de blocos fictícios para os quais os jogadores tenham sido

Page 100: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

98 expostos. Uma vez divorciada de seu contexto, blocos fictícios funcionam como

tiras de comportamento imaginário - comportamento não real que ocorre em

um ambiente de imaginário - e são a própria substância do jogo (pp.76-79). Da

mesma forma, Sarah Lynne Bowman (2010) observa que o conteúdo das

narrativas de jogos de Role playing "frequentemente emerge do fundo,

símbolos arquétipos cultivados nas fontes da experiência humana coletiva" (p.

13).

Este estudo discorre sobre a noção de uma ligação entre o jogo de Role

playing como um sistema cultural e do contexto cultural em que ele existe

através da análise dos materiais culturais empregados no processo de

interação Role playing. Estudando exemplos concretos, vamos discutir a

incorporação de diversos "elementos culturais" na comunicação do LARP.

Vamos examiná-los como sistemas abstratos de elementos e regras para a sua

utilização no processo de comunicação, ou seja, como linguagens. Nosso foco

será não tanto sobre os próprios elementos ou a sua origem, mas em sua

interpretação dentro da específica situação comunicativa, sua interligação

semântica na criação de novos significados. As pantufagens33 inerentes a tal

discussão decorrem do caráter da análise: examina não exclusivamente

elementos verbais, mas toda a multimidialidade de interação Role playing.

Pedindo emprestado de Frans Mayra (2008): "No contexto dos estudos sobre

jogos, é tão importante pensar sobre o significado que está relacionado as

ações, ou imagens, como é para encontrar significados nas palavras "(p. 13).

3. Conceitos e métodos chave

Influenciados pelos trabalhos do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev

sobre o uso primário (literal, 'denotativa') e secundário (figurativo, metafórico,

'conotativo') de palavras e expressões, Roland Barthes (1972) e Juri Lotman

(1970), sem dúvida, independentemente um do o outro, elaboraram a noção de

33 Original Slepperiness; slepper = pantufa/ um tipo de sapato confortável para se usar

em casa (http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/slipper?q=slipper acesso em

1/3/2014 às 4:04bra)

Page 101: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

99 sistemas semióticos secundários. De acordo com isso, no topo da linguagem

natural - o sistema semiótico básico através do qual nos comunicamos - que

construímos sistemas adicionais de significado, mais ou menos convencionais,

servindo para organizar e expressar nossa experiência social. Em sua

conclusão para Mitologias, Barthes define mito como um sistema de segunda

ordem semiológica (em francês, systèm e sémiologique second), onde

diferentes matérias primas (a própria linguagem, fotografia, pintura, cartazes,

rituais, objetos, etc.) são utilizadas como um idioma secundário para a

expressão de significados ideológicos adicionais.

Esta noção também permeia os trabalhos de semiótica cultural de Juri

Lotman. Ele vê toda a cultura como informação, coletada, armazenada e

transferida, em toda sociedade humana, de uma geração para a seguinte. A

cultura é um agregado de textos, na qual a memória coletiva é armazenada; a

cultura é um sistema de comunicação onde os textos são trocados através de

diversos canais; a cultura é um mecanismo de criação de textos e textos são a

realização de cultura (Lotman e Uspensky 1978). Todos os textos da cultura

podem ser lidos e compreendidos com a ajuda de códigos culturais, que são as

bases de diferentes "línguas" culturais. Cada texto cultural pode ser

considerado um único texto com um código único e, simultaneamente, um

agregado de textos com um agregado de códigos correspondentes (Lotman,

1967). Lotman presta atenção especial à arte e as 'línguas' da literatura -

teatro, cinema, artes plásticas, música - como sistemas de comunicação de

informações artísticas específicas, que são semelhantes à linguagem natural,

mas muito mais complexas, uma vez que elas são construídas sobre ela e

servem como sistemas de modelagem secundárias (Lotman 1970, 2002).

No entanto, "linguagem" e "código" não são sinônimos:

"O termo 'código' traz consigo a ideia de uma estrutura recém-criada

e artificial, introduzida pelo acordo instantâneo. Um código não implica

história, isto é, psicologicamente nos orienta a linguagem artificial, que é

também, em geral, considerado como um modelo ideal de linguagem.

'Língua', ainda que inconscientemente, desperta em nós uma imagem do

Page 102: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

100

alcance histórico de existência. Linguagem - é um código mais a sua

história." (Lotman, 2009, p. 4)

Se uma linguagem consiste de um código e de sua história, a discussão

de linguagens "culturais" deve envolver a ideia de cultura como memória. Em

seu trabalho seminário Sobre o "Mecanismo Semiótica da Cultura" (1978),

Lotman e Uspensky definem a cultura como a memória não hereditária da

comunidade (p. 213). Cultura é um mecanismo para preservar a informação na

consciência da comunidade. A longevidade dos textos forma uma hierarquia

dentro da cultura, geralmente identificado com a hierarquia de valores. Os

textos considerados mais valiosos são os de longevidade máxima: os textos

pancrônicos34. Aleida Assmann (2008) posteriormente distingue entre duas

formas de memória: uma mais ativa, as instituições que preservam o passado

como presente; e uma mais passiva, que trata o passado como passado. Ela

refere-se à memória ativamente circulada como o cânon e à memória

passivamente armazenada como arquivo. Jan Assmann (1995, 2008)

apresenta outra distinção em suas obras - entre duas formas diferentes de se

lembrar: a memória comunicativa e a memória cultural, que ele ilustra com sua

metáfora dos estados "líquido" e "sólidos" da memória coletiva. Memória

comunicativa não é formalizada e estabilizada por quaisquer formas de material

simbólico; é difusa e vive em interação cotidiana. Memória Cultural é

caracterizada pela sua distância do cotidiano; é mediada através de textos,

ícones, danças, rituais e performances de vários tipos; ela tem formações

"estáveis" para garantir a objetivação ou cristalização de significados

comunicados.

34

original "panchronic" pan = sufixo no sentido de pluralidade

(http://dictionary.reference.com/browse/pan-)

chronic = adjectivo de longa

duração(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/chronic_1?q=chronic)ambos

visitados 1/3/2014 às 5:02 bra

Page 103: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

101 LARPs constituem um sistema semiológico de segunda ordem devido à

própria natureza do "brincar de faz de conta." Ele pega emprestado uma ampla

gama de materiais semióticos crus (palavras e frases, posturas e gestos, ritmos

e melodias, símbolos e imagens) e os modela, atribuindo um significado

adicional, secundário a eles no ato de interpretar um papel. Este sistema é

caracterizado pela fusão de dois recursos: "teatralidade" e "interatividade‖. A

teatralidade é uma característica semiótica fundamental das performances

dramáticas, a sua definição é baseada na observação de que todos os signos

teatrais funcionam como sinais de sinais. No palco, a coroa e o anel não são

símbolos do poder real, eles são sinais dos símbolos do poder real, ao mesmo

grau que os gestos régios do ator realizando o papel do rei. Signos teatrais

apresentam a mobilidade (ou seja, são substituíveis entre si) e poli

funcionalidade. Por exemplo, a chuva pode ser indicada por sons, acessórios

ou palavras, ou seja: pelo barulho do cair de gotas de chuva, por um guarda-

chuva aberto ou simplesmente dizendo: "Está chovendo"; uma cadeira pode

ser usada não só como uma cadeira, mas como uma montanha, escada, carro,

ou uma criança dormindo. Cada símbolo teatral pode executar várias funções

para criar uma grande variedade de significados (ver Fisher-Lichte 1992, pp

129-141). Assim como em um espetáculo teatral, em um LARP, "todos os

objetos no espaço físico e todo ato realizado é um símbolo" (Loponen e

Montola 2004, p 42.); mas a diferença crucial aqui é que eles estão envolvidos

em "um ciclo de criação e consumo" (Sandberg 2004, p. 276), ou seja, em um

processo de geração de sentido de interação direta. Os participantes de um

evento LARP, mais frequentemente assumem os papéis ativos de

interlocutores do que as posições dos artistas / plateia. O significado de cada

mensagem em LARP é produzido pela comunicação entre os participantes

agindo juntos em uma situação particular.

Todos os objetos no espaço físico e todo ato realizado é um

símbolo

Page 104: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

102 Interpretando role-playing como um sistema de modelagem secundário

permite-nos evitar duas noções potencialmente redutoras. A primeira afirma

que a inclusão de diversos materiais culturais no processo de comunicação é

uma mera referência, "citar", que preserva o seu significado original intacto.

Visualizando role-playing como um sistema de modelagem nos permite

considerar os elementos culturais nele como uma linguagem; um conjunto

abstrato de signos cujo uso é, por vezes, em parte, não intencional, muitas

vezes improvisado e estimulado pela situação concreta, e cujo significado não

tenha sido pré-estabelecido mas é criado em conjunto pelos participantes do

discurso role-playing. A segunda noção diz que a origem destes elementos

deve ser procurada apenas em certos textos e gêneros da cultura popular,

como Dungeons and Dragons, literatura de fantasia ou filmes de ficção

científica. O empréstimo de elementos que podem servir como códigos na

interação role-playing pode, de fato, acontecer através de uma grande

variedade de sistemas de signos a que os jogadores têm acesso, então vamos

discuti-los sob a proteção geral de códigos culturais, memória cultural e noções

culturais de identidades.

Os casos que examinaremos, chamados de Cenas, foram extraídos dos

jogos LARP búlgaros. Eles foram documentados durante o trabalho de campo

através de métodos etnográficos qualitativos, tais como a observação

participante, gravação de áudio e vídeo. A abordagem é baseada na

etnometodologia (Garfinkel 1967) e da etnografia da fala (Hymes 1974) e seu

interesse em como as pessoas interagem e mantem contatos sociais; como

utilizam a linguagem para criar e sustentar realidades. Um aviso metodológico

é necessário aqui: embora a interpretação tenha, geralmente, sido verificada

nas discussões pós-jogo com os participantes do evento LARP relevante

(particularmente em Cena 2) ela ainda se mantém em grande parte uma

interpretação subjetiva do pesquisador. Outras interpretações são possíveis

para qualquer um que seja falante nativo e esteja familiarizado com as

peculiaridades da cultura LARP búlgara.

A análise dos três casos escolhidos será realizada em diferentes níveis,

a abordagem analítica é baseada em extensa pesquisa de Teun A. van Dijk em

macroestruturas discursivas: as estruturas semânticas ou conceituais de nível

Page 105: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

103 superior que organizam as microestruturas locais de discurso, a interação, e o

seu processamento cognitivo (ver por exemplo, Van Dijk, 1980). Na primeira

cena, uma interação entre dois atores será discutida como uma sequência de

atos comunicativos, ou seja, como macroestrutura narrativa (Van Dijk, 1976).

Na segunda cena, uma sessão de LARP inteira será vista como um evento

comunicativo global, na medida em que os dois lados do processo

comunicativo são dois grupos (macro participantes): o dos organizadores e o

dos jogadores. Na terceira cena, desceremos ao nível de análise de

conversação, mas traremos em consideração outro conceito: o de modelos de

contexto como representações subjetivas de situações sociais (Van Dijk 2007):

"Os modelos de contexto estrategicamente controlam o processamento

do discurso, de tal forma que um discurso é produzido ou entendido como

apropriado em uma dada situação comunicativa. Isto significa que qualquer

coisa que pode variar no discurso pode, assim, tornar-se controlada pelo

modelo de contexto, como expressões dêiticas, fórmulas de polidez, estilo,

estruturas retóricas, atos de fala, e assim por diante" (p. 7, grifo original).

4. Cena um: mago e dragão

Na periferia da área de jogo, em uma seção arborizada úmida, um grupo

de jogadores se depara com uma única NPC. O NPC usa um vestido

vermelho-vivo, com miçangas e fitas, vermelho brilhante. Ela é hostil e

tenta assustar o grupo; ela cospe e sibila. Somente quando confrontada

por um membro do grupo, portando um cajado e usando pingentes de

couro, madeira e conchas, que ela se acalma. O início do encontro

funciona como uma introdução: os dois se apresentam como um mago e

um dragão. O Dragão fala em cadências e com sintaxe ímpar, uma

reminiscência de poesia. O Mago divulga seus objetivos: ele tem que

cruzar as portas do Outro Mundo, mas para isso ele precisa de um

pergaminho de runas35 mágicas. O Dragão admite ter o pergaminho, mas

35

Original “runes”um tipo de alfabeto antigo do norte da Europa, normalmente usado para se

referir à segredos ou significados mágicos

(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/rune?q=runes acessado 1/3/2014 às 15:45) 2

O caso Asckolt 2008: ErtanMušov et al. A 28 de junho, Varna, Bulgária. Notas de campo.

Page 106: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

104 somente o entregará se o Mago lhe contar mais sobre o mundo dos seres

humanos ou se ele encontrar uma maneira de lhe distrair. O Mago aceita

o desafio e decide cantar uma canção popular/folclórica para o Dragão. O

Dragão aprova a música e a atuação, e dá o pergaminho para o Mago. O

mago agradece lhe, o Dragão deseja lhe sucesso e cada um segue seu

caminho2.

Eirik Fatland (2006) escreve sobre "uma vasta gama de ideias culturais";

aprendidas com a experiência pessoal, a partir de livros, brincando ou

assistindo filmes, o qual serve como um conjunto de conhecimentos a partir do

qual jogadores de role-playings extraem padrões de improvisação. Fatland

define esses padrões como "códigos de interação" e sistematiza alguns deles

em dois tipos: os códigos de convenções (convenções do gênero e referência,

convenções de situação, convenções de cenas LARP), e códigos de enredo

(língua falada, a linguagem corporal, personagens e histórias estereotipados,

etiqueta e rituais sociais). Na cena descrita acima, podemos identificar alguns

dos códigos citados de interação, por exemplo, a regra de que só os magos

podem falar com os dragões, que é uma convenção de "alta" fantasia familiar a

partir dos romances Earthsea de Ursula Le Guin; o encontro entre os

participantes começa com uma introdução e termina com despedidas, duas

características obrigatórias de etiqueta social; a insistência do grupo em se

comunicar com o dragão é necessária em virtude de convenções dentro da

cena LARP búlgaro em que NPCs são destinadas a servir os jogadores, como

fonte de informações e itens.

Antes de interação verbal começar, os dois jogadores, através de códigos

de cor, objetos e comportamento, sinalizaram para o outro o que cada um é. O

texto visual recém- criado tem uma denotação totalmente ficcional: um jogador

reconhece o outro apenas pela força da convenção cultural: o vermelho

simboliza o fogo e dragões são criaturas de fogo, que são serpentes, daí o silvo

e o cuspe; cajados e pingentes são os apetrechos de magos e assim por

**original “singsong”

(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/singsong_1?q=singsong acesso 1/3/2014 ás

16:53)

Page 107: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

105 diante. Dentro da interação verbal dos jogadores, uma linguagem "cantada**"

específica é estabelecida: de um lado, o discurso estranho do Dragão, ritmado,

e característico das criaturas mágicas em contos de fadas búlgaros

(Parpoulova, 1978), do outro, o Mago escolhe a canção com a qual "conta o

conto" sobre o mundo dos humanos. O texto que emerge desta língua

"cantada" é por si só um sinal complexo: um sinal para um tipo raro de

comunicação, uma interação mágica. Baseia-se em concepções mitológicas

compartilhadas; poderíamos dizer que o pressuposto desta interação é o

código mitológico, segundo o qual é preciso mágica para passar para o Além e

criaturas como o Dragão habitam as margens do mundo humano. Nesse

espaço remoto, o Dragão guarda os portões para o Outro Mundo; ele é

estranho para as pessoas e elas com ele, e isso é por que ela precisa ouvir um

conto sobre eles, o que o Mago faz na sua qualidade de mediador, de

intermediário entre o mundo dos seres humanos e seres míticos. A narrativa

segue um enredo familiar. Ele está sujeito ao código narrativa do conto de

fadas: o Dragão é um auxiliar mágico e concede um item mágico para o herói,

mas primeiro ele deve testá-lo, o Mago tem que cumprir a tarefa e passar no

teste para ganhar o item mágico: funções XII, XIII e XIV, de acordo com

Morfologia do conto popular (1968) de Vladimir Propp.

O role-playing game se transforma em um meio para a

existência e recriação de informação cultural herdada

Os participantes chegam a um acordo completo: a interação é bem

sucedida. Elementos separados são combinados ecleticamente: material

semiótico de procedência diversa é livremente emprestado e estruturado. O

empréstimo não é arbitrário, mas segue o tema "encontro com um dragão": os

interlocutores buscam todos os segmentos culturais que eles podem pensar

que contenham interpretações no tema: literatura (fantasia), jogos de RPG

mitologia e folclore. O RPG se transforma em um meio para a existência e

recriação da informação cultural herdada, conhecida por suas diferentes

Page 108: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

106 origens culturais, mas compartilhada por todos os participantes desse evento

comunicativo particular. A comunicação se dá em dois níveis: por um

específico, entre os interlocutores, e no abstrato, entre vários textos dentro de

uma cultura e entre diferentes culturas - "diferentes", no sentido dado por

Lotman sobre a tipologia de culturas: remota no tempo ou no espaço. O

mosaico de todo e qualquer elemento é aceitável, do ponto de vista dos

participantes tentando alcançar seus objetivos - se é compreensível para o

interlocutor. Além disso, por causa da tensão em cada vínculo sintagmático

criado, a comunicação é garantida a ter lugar aqui e agora, como um diálogo

de forma espontânea e, juntamente, criando novos significado, e não como um

conjunto de monólogos montados uns nos outros para criar significados de

forma premeditada.

A interação entre os dois jogadores é completamente improvisada, e suas

participações são espontâneas, uma resposta direta às ações do parceiro. O

gênero da narrativa criada em conjunto por eles pode ser facilmente

reconhecido como fantasia, e isso é provavelmente o porquê dele conter os

arquétipos colocados em primeiro plano por lendas e mitologia (ver também

Bowman 2010, pp 143-154). Igualmente fácil, pode ser reconhecido como parte

da cultura do LARP búlgaro, não só por causa da língua natural da interação,

mas também por causa da inclusão de elementos do folclore local. Ao

desenhar ativamente as informações culturais heterogêneas e vinculando-as

em conjunto para produzir significados, os jogadores LARP situam sua micro-

cultura ao longo das fronteiras da semiosfera cultural (como por Lotman 2005),

uma área de maior geração de significativa. Um fenômeno global, que

incorporou as tradições dos gêneros literários populares, como fantasia e

também as características da cultura de jogos norte-americanos, encontra,

absorve e é realizada através dos textos e códigos da cultura local, "formando

uma espécie de crioulização das estruturas semióticas" (p. 211). Usando as

bases estabelecidas por Lotman, estamos conscientes de que esta ligação não

pode ocorrer mecanicamente, é sempre uma interpretação gerando novos

significados. Construir mundos imaginários só é possível na interpretação,

porque mesmo os mundos mais fantásticos sempre foram mediados através de

línguas muito semelhantes às nossas.

Page 109: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

107

5. Cena dois: Máscaras e enigmas

O salão é festivamente iluminado, uma orquestra de cordas toca. No final

do corredor, o anfitrião da vez, Dom Delgado, se senta. Duas de suas

companhias misteriosas estavam ao seu lado: um homem alto, de cartola

e uma garota bonita. O terceiro companheiro fica na porta do salão e

pede a todos os convidados a apresentarem os seus convites e dizer o

seu nome e título. Depois disso, ele anuncia em voz alta a sua chegada.

Os convidados entram na sala e esperam pacientemente pela sua vez

para se apresentarem ao anfitrião. Todos estão vestidos a rigor, e

mascarados. Don Delgado lhes dá as boas-vindas, beija as mãos das

senhoras, mas não se levanta de sua cadeira por um momento sequer.

Seu alto companheiro repete o mesmo elogio repetidamente: "Estamos

muito satisfeitos", "O Dom está encantado", "Ela está encantada",

"Estamos todos encantados."2

Para os fãs do romance de Bulgakov O Mestre e Margarita que

participaram no jogo LARP "The Spring Ball of Don Delgado‖ (O Baile da

Primavera de Don Delgado), o início do qual está descrito acima, esses

elogios, juntamente com os nomes dos três companheiros misteriosos -

Azazelo, Korovieva e Behemoth36 - são suficientes para fazê-los agir com

extrema cautela e evitar a interação com aqueles que interpretam os elementos

acima referidos. Poucas coisas agradáveis acontecem aos outros.

Cerca de duas horas após o início, o anfitrião Delgado anuncia uma

pequena atuação - um show de marionetes - para o entretenimento de seus

convidados, dos quais amantes de Hamlet seguem com particular atenção. No

verso, a interpretação dos bonecos fala sobre como era uma vez o pobre jovem

Delgado, muito parecido com o personagem de Dumas, o Conde de Monte

Cristo, foi acusado e condenado para que a noiva pudesse lhe ser tirada. O

espetáculo provoca reações iradas dos convidados descritos nele.

36 3 “O Baile da Primavera de Don Delgado 2010”: Lyubomira Stoyanova et al. The 17 of April, Sofia, Bulgária. Notas de campo

e gravação de vídeo

Page 110: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

108 Durante o jogo, a vida de todo mundo depende se eles vão ou não

descobrir que seu anfitrião cordial vendeu sua alma para o Príncipe das Trevas

– talvez eles consigam acompanhar o diálogo entre dois textos: o romance de

Bulgakov e Fausto, de Goethe - e também se, com a ajuda de um código

especial, eles podem encontrar e destruir o pacto de sangue. Para conseguir o

código, composto de referências bíblicas, no entanto, eles têm que responder a

um enigma: "O que é o que é tão alto, porém tão baixo?".

O design do jogo LARP inclui elementos das obras do cânone literário

europeu. Cada elemento é destinado a carregar um significado particular,

incitando uma reação particular nos jogadores. Juntos, estes elementos

formam um código literário específico, composto de sinais que, no espírito do

jogo, vamos chamar máscaras. Neste caso, os criadores dependem

principalmente da habilidade dos participantes em construir conexões

associativas, para associar, que é a forma mais fraca de codificação. A

decodificação segue definindo processos interpretativos que se movem em

muitas direções diferentes, fazendo com que os jogadores tenham uma série

de expectativas mutuamente contraditórias.

O conflito sócio romântico, ou a máscara "O Conde de Monte Cristo", está

associativamente ligado à expectativa de vingança, mas, ao mesmo tempo

exclui a presença de personagens e eventos "sobrenaturais". Reconhecer que

os três companheiros misteriosos são demônios, ou a máscara "The Master

and Margarita", cria expectativas de um conflito do tipo ―bem contra o mal‖, o

que implica em uma decisão ética (ou afiliação); mas a revelação pública de

pecados passados, sendo expostos em verso, ou a máscara "Hamlet", introduz

uma hesitação onde linhas divisórias no conflito são precisas. O código literário

traz com ele uma teia de conexões (con) textuais: cada elemento é interpretado

não apenas no contexto do jogo, mas também dentro do texto a partir do qual

ele é retirado. A escolha dessas obras não é arbitrária: clássicos são

superinterpretados e neles cada elemento é um sinal rico em conotações.

Associações literárias são "os componentes do enigma", cuja solução

torna-se o aspecto de jogo deste LARP, inicialmente anunciado para ser um

―encontro social‖. O jogo é uma das inteligências: para os criadores, é sobre

Page 111: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

109 gerar "enigmas", e para os jogadores, é sobre encontrar todas as respostas,

que são deliberadamente complexas, resistentes à interpretação simples e

inequívoca. A multiplicidade de leituras, a maneira como elas se contradizem, a

incerteza interpretativa provocam e mantém o suspense, até que as "máscaras

caiam" e os lados se tornem claros. Em outras palavras, o fraco sistema de

codificação e a fraca congruência garantem a tensão do jogo. O sentido das

máscaras literárias torna-se uma base para a longa relação de escolhas entre

os criadores e participantes. O que torna "O Baile da Primavera de Don

Delgado" um jogo é o jogo de interpretação de código literário. A solução não

segue uma lógica linear, ao contrário, diferentes interpretações das referências

literárias minam, cancelam e, até mesmo, se contradizem. O resultado, no

entanto, é um texto role-playing coerente (como por Stenros 2004). A

reconstrução do texto deve incluir um mosaico intertextual de obras literárias,

amalgamadas dentro da dinâmica de interação discursiva e (re) escrito em um

esforço interpretativo colaborativo. Para as sessões de larp de duração

limitada, partes destes clássicos deixam de existir como textos fossilizados e

são trazidos à vida na pragmática da interação imediata.

Experimentar obras clássicas em primeira mão destrói as

aberturas verticais na cultura

Se nos voltarmos para a terminologia de Jan Assmann, poderíamos dizer

que estamos testemunhando uma transformação da memória cultural na

memória comunicativa. Elementos textuais de estáveis, "objetivadas" formas de

memória cultural, carregando significados "cristalizados", são trazidos e

reconstruídos dentro de um contexto particular. Eles, no entanto, não são

interpretados como cânone; após a sua liquefação, os jogadores são imersos

neles, os experimentando em primeira mão, como se fossem uma parte da

realidade cotidiana mundana. Particularmente, vemos fragmentos de clássicos

incorporados à experiência biográfica pessoal dos participantes.

Page 112: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

110 Tanto a noção de cânone de Aleida Assmann de (2008) quanto a

definição descritiva da memória cultural de Jan Assmann de (2008), se referem

predominantemente a textos, símbolos e práticas atribuídas a cultura "alta" ou

elitista. A hierarquia dos valores estabelecidos através dos textos pancrônicos

do cânone e da estrutura de participação da memória cultural, que nunca é

estritamente igualitária, implicam modos um tanto distantes, cultivados e

ritualizados, de recepção e interpretação. Experimentar obras clássicas em

primeira mão destrói as aberturas verticais na cultura e, em um nível mais

abstrato, vemos como durante esta sessão larp, a ―alta‖ cultura é assimilada a

cultura popular. O cânone é articulado nas línguas formais de role-playing; seus

personagens e encontros dramáticos são incluídos nas macroestruturas

semânticas e pragmáticas de um evento de jogo, e, assim, (alta) memória

cultural e a memória cultural popular (como por Kukkonen 2008) se misturam

são utilizadas em uma experiência criada coletivamente.

6. Cena três: Aldeões e as Samodivas37

Jogador A: E v-v-você a-a-aprendeu sobre os animais?

Jogador C: Perdão?

Jogador A: Animais. Você aprendeu sobre eles?

Jogador C: Eu aprendi sobre as pessoas, mas é o mesmo princípio...

Jogador B: Então você sabe sobre sapos.

Jogador C: Sobre sapos - não.

Jogadores A e B (partilhando um olhar): Não? Nããão...

Jogador C (Estudando um pedaço de papel): Eu sei sobre

carneiros... sobre...

37

Segundo a Wikipédia “Samodiva” são fadas das florestas encontradas no folclore e mitologia

sul-eslávicas acesso 12-03-2014 às 17:094 Legend of Taermonn 2010: A Ordem dos Oitos. A 17 de Julho,

Sofia, Bulgária. Gravação de vídeo.

Page 113: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

111 Jogador A: Quem sabe sobre saaaapos?

Jogador C (acariciando seu nariz e queixo): O mendigo da aldeia,

talvez.

Jogadores A e B (Compartilhando outro olhar): O mendigo? O

meeeeendiiigo...

Jogador C: O mendigo, muitas vezes come sapos, então eu acho

que ele os conhece melhor.

Jogadores A e B, em conjunto: Obrigado! Agradecemos!

Jogadores A e B fogem.

Jogador C: Não há de quê. (Senta-se à mesa, onde seus itens são

organizados, e se vira para o jogador X, que se senta à sua frente.)

Por favor, me dê sua mão. Abre uma jarra e com um par de alicates

de madeira pega um objeto que ele coloca sobre o pulso de Jogador

X.

Jogador D se aproxima e diz algo que é incompreensível na

gravação.

Player C: Em um minuto, por favor, Eu estou com um paciente

agora, como vós podeis ver. (To Player X.) De onde você é?

Jogador X: Dos bosques locais.

Jogador C: A única aldeia por aqui é esta, Taermonn, e eu tenho

vivido aqui tempo suficiente para saber que você não é local.

(Derrama uma parte do líquido do frasco para um pequeno copo).

Jogador X: Eu não sou de uma aldeia. Quem gostaria de viver em

suas aldeias? Em seus bosques há mais espaço para viver do que

você pensa.

Jogador C: Você não vai desaparecer de novo, vai, como você fez

antes com o padre? (Usando o alicate de madeira, ele arranca o

objeto fora do pulso do jogador X e mergulha no copo.)

Page 114: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

112 Jogador X: Aaai!4

Michael Silverstein (2004) argumenta que os conceitos culturais ou

estereótipos de identidades informam eventos interacionais específicos com

um esquema aparente de diferenciação social: "Como receptor, um sempre

tem um ‗Aha!‘ de reconhecimento: ‗fala assim e assim, como um _______!‘

(Preencher a categoria de identidade). E a gente sempre se esforça para

projetar uma auto identificação de alinhamentos categóricos para os outros

descobrirem sobre si mesmos como remetentes." (p. 638) A interação

comunicativa em uma sessão de RPG é baseada em estereótipos culturais de

discurso e de comportamento que projetam personalidades e papéis. O

objetivo final e essência da atuação é alcançar uma perspectiva compartilhada

de "fulano de tal fala assim e assim." Isso não significa que RPG é

estereotipado, isto significa que role-playing utiliza estereótipos culturais de

"tipos de pessoas", como ferramentas na atuação.

O jogador A faz a pergunta "E você aprendeu sobre os animais?"

timidamente, gaguejando. O jogador A e o jogador B mudam constantemente

de lugar como parceiros comunicativos do Jogador C, e suas ações atingem

um nível de sincronização onde se falam e gesticulam simultaneamente e de

forma idêntica. Esses atos coordenados incluem conexões estranhamente

lógicas (você aprendeu sobre as pessoas, logo você sabe sobre sapos), uma

série de reações afetivas (interesse, decepção, surpresa, alegria) e

expressividade sem entraves. O conteúdo semântico daquela interação verbal

desenvolve o tema da erudição do personagem do jogador C e sua

competência no campo das espécies biológicas. Através da etiqueta nos

gestos e na fala, jogador C apresenta seu personagem como um homem bem

educado, muito ocupado, mas não menos sensível à persistência dos

jogadores A e B. Jogador C até mesmo começa a ―falar" a língua deles,

demonstrando uma espécie de lógica semelhante (o mendigo come sapos,

logo, sabe sobre eles).

Page 115: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

113 Jogadores A e B executam as partes de duas crianças38 de 13 anos,

Clara e sua melhor amiga Eleanor, respectivamente, e do Jogador C, a parte

do médico, Alexandre Romualdo. Na cena em questão, podemos concluir que

as noções de comportamento compartilhados dos jogadores A, B e C revelam

a identidade "criança" identificando por atributos tipológicos como "tímido,

respeitoso, expressivo, ilógico", e aqueles do "doutor", por atributos como

"educado, bem-educado, condescendente, ocupado". Os participantes

constroem essas noções em conjunto, observando-se o princípio da

cooperação, e a expressão paralinguística e verbal não está necessariamente

vinculado por um objetivo comum: por exemplo, na primeira linha do Jogador A,

a forma de expressão codifica a sua própria identidade, e o seu conteúdo, a

identidade do interlocutor.

Na segunda parte da cena, durante a interação entre os jogadores C e X ,

o modelo contextual é estabelecido pelos participantes como uma determinada

situação social: "uma visita ao médico." Os papéis sociais são estritamente

definidos (um é explicitamente nomeado pelo jogador C: "paciente");

comportamento também é estritamente definido: Jogador C executa uma

manipulação complexa na qual o jogador X perdura, até mesmo simulando dor;

interação verbal procede dentro das restrições da etiqueta situacional, incluindo

a forma polida de endereçamento5, que o jogador C falha ao observar em

apenas uma de suas linhas (um lapso comportamental). A direção pragmática

da conversa é inteiramente para revelar a identidade do personagem do

jogador X. O tema é introduzido por Jogador C, e suas perguntas e

comentários contém a seguinte implicação: você é um estranho ("Eu sei que

você não é daqui", "você não vai desaparecer, vai"). O que fica subentendido

na resposta do jogador X é: eu sou diferente ("Eu sou dos bosques locais",

"quem gostaria de viver em suas aldeias"). O jogador a quem nós chamamos X

38

Original “children” que pode ser crianças ou filhos, mas sempre no sentido de filhos, é que no

caso não se tem referencia de quem são os pais.5 Na Bulgária, o pronome singular segunda pessoa, junto

com verbos no singular, é uma marca de estilo de interação informal entre as pessoas que estão perto.

Interação formal impõe uma "forma educada de endereço", que é o uso da segunda pessoa do plural,

juntamente com os verbos e particípios, no plural. No caso, em inglês não existe a tal diferenciação da

segunda pessoa no plural/singular, então deixei como “você” e “vós” para que o texto se aproxime do

original e não do inglês

Page 116: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

114 de propósito realiza a parte de um dos enigmas personificados do jogo: a

Samodiva, uma fada da floresta do folclore búlgaro. Ambos os parceiros de

comunicação constroem juntos a identidade "diferente, estranha" do caráter do

jogador X sem invocar diretamente sua essência imaginária.

Quando pensamos em comunicação LARP, temos que ter em mente o

seu personagem duplo, a combinação de objetivos pragmáticos e senso

artístico e sua possível realização como jogo-de-linguagem (Ilieva 2010).

Seguindo de perto as reações do jogador C, podemos descobrir certos atos

característicos espalhados por todos os subentendimentos da interação, que

não podem ser lidos e compreendidos exclusivamente através das convenções

da identidade do "doutor". Por exemplo, na primeira parte da interação, ele

nega enfaticamente saber sobre sapos, apesar da alegação de que ele

"aprendeu sobre as pessoas" e "sabe sobre carneiros" e que "o princípio (seja

ele qual for) é o mesmo." Então segue uma improvisada, se não segura,

declaração sobre os hábitos alimentares do mendigo. Na segunda parte da

interação, ele inadvertidamente quebra a etiqueta comportamental, passando

da segunda pessoa plural formal para a segunda pessoa singular informal se

dirige ao presumivelmente desconhecido "paciente". Se tivermos que apontar o

assunto do pronunciamento nestes casos, seria a matéria de jogabilidade, o

jogador se divertindo, e o objeto social, o participante conversando com um

amigo e um parceiro de jogo. O reconhecimento destes papéis é novamente

derivado de uma noção cultural que reúne "brincar" e "se divertir" ou a partir da

convenção social que define a interação entre amigos íntimos como informal.

Kristian Bankov (2004) é de opinião que a nossa identidade é a nossa

"interface social" através da qual nós nos comunicamos com os outros, e por

isso é em grande parte uma função da nossa rede social. Mas a rede de

identidade em um evento larp é mais mediada através da teatralidade: ela é

composta de signos de identidade. Noções culturais (ou estereótipos) são

expressos nas estruturas discursivas como códigos comportamentais (incluindo

a fala), que no processo de desempenho são identificados e reconhecidos,

tanto pelos participantes quanto pelos observadores que partilham os mesmos

conceitos. Identificar os temas de comunicação, respondendo às perguntas

"Quem sou eu?" E "Quem é você?" ocorre simultaneamente com o processo de

Page 117: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

115 comunicação em si, que é realizado em comunicação e é, por vezes, o seu

objetivo final.

Em RPGs de computador, os personagens dos jogadores são simulações

simplificadas, modelos criados através de uma escolha cuidadosa dos

recursos. As possibilidades limitadas acentuam gênero e raça como diferença,

no entanto, há um número de diferentes modelos de gênero ou de raça

(Corneliussen 2008). Os desenvolvedores de jogos usam estereótipos

etnoculturais de familiaridade e alteridade para projetar identidades

manualmente dirigidas39 (Langer 2008). Mas os mundos sociais de larps são

mais resistentes ao projeto, as identidades apresentadas em suas estruturas

discursivas são mais espontâneas, ainda muito mais complexas. A atuação

improvisada de papéis em um ambiente socialmente regulado pressupõe uma

mobilização do sujeito social, o objeto jogabilidade e o objeto ficcional** (o

personagem), que coexistem ao mesmo tempo no processo interativo; eles

estão sempre disponíveis como opções para o jogador. A escolha e o

reconhecimento dos diferentes papéis dependem de esclarecimento mútuo e

articulação por parte dos interlocutores. O RPG é uma figura de interação

discursiva, uma imagem criada na comunicação, um sinal complexo destinado

a ser percebido e interpretado de uma maneira particular.

7. Conclusão

Nas três cenas acima, observou-se a integração de diversos elementos

culturais na interação role-playing. Em todos os três casos, os elementos não

têm nenhuma observação oblíqua ou referências; eles formam a base da

comunicação. Na primeira cena, os participantes empregaram as convenções

culturais sobre os significados das cores, objetos e espaço, bem como

materiais emprestados do folclore mítico, a fim de decretar um encontro entre

um mago e um dragão. Na segunda cena, os organizadores fizeram uso de

cenas e motivos tirados do cânone da memória cultural (clássicos da literatura

39

Original: “menu-drivers”** original: “Playing subject” and “fictional subject”

Page 118: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

116 e da Bíblia), a fim de tecer uma teia de enigmas cuja solução constitui o

aspecto do jogo larp. Os participantes da terceira cena, conscientemente ou

não, empregaram estereótipos sociais de identidades na interpretação de seus

personagens ficcionais. Considerados como sistemas abstratos de códigos e

convenções, esses elementos e materiais constituem as linguagens culturais

do role-playing.

Role-playing é um tipo de bricolagem40 cultural

Role-playing é um tipo de bricolagem cultural (como por Genette 1982).

Todo texto - tanto como um modo de expressão e como um portador de sentido

- é criado espontaneamente, num processo colaborativo de análise: extração

de elementos de várias totalidades já constituídas, e síntese: a combinação

destes elementos heterogêneos em um novo todo em que nenhum deles

mantém o seu significado e função original. Os elementos-signos extraídos são

reconfigurados em novas estruturas dinâmicas que são também estruturas

(signos) convencionais: fala e os gestos do jogador representam a fala e os

gestos do personagem; adereços e figurinos representam a aparência do

personagem; fragmentos de espaço físico representam o espaço ficcional, etc.

A diferença ou desvio de forma e sentido, as estruturas originais são figuras de

interpretação. O estudo da interpretação é uma abordagem possível para o

estudo da cultura LARP. Se adotarmos o ponto de vista da cultura como um

sistema de significado (ver, por exemplo Mayra 2008, p. 13), então é

precisamente interpretações e confecção de novos significados...

40 Bricolagem no original “bricolage” é um tipo de montagem feita com o material que

se tem à mão (qualquer coisa) http://dictionary.reference.com/browse/bricolage?s=t pra que

não seja entendida no português como “faça você mesmo”

http://www.dicionarioinformal.com.br/bricolagem/ ambos os acessos em 17-03-2014

Page 119: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

117 O estudo da interpretação é uma abordagem possível para

o estudo da cultura larp

...que constituem as especificidades de cada cultura LARP. Mesmo se

assumirmos que os significados explícitos comunicados são um caso particular

de tomada de significado e grande parte do sentido ou significado permanece

implícito ou apenas indiretamente aparente para um observador externo (14

ibid., p.), estudar os aspectos interpessoais do processo ainda compensa os

esforços do pesquisador, uma vez que são eles que fazem a fantasia

compartilhada.

Examinando RPGs como sistemas culturais (conforme Fine 1983) implica

que devemos sempre colocá-los nas teias de relações culturais, em que cada

elemento do sistema leva a outros sistemas, outras culturas e outros discursos.

Hoje em dia, ninguém assume a homogeneidade de uma cultura ou a

existência de uma única língua em que ele é criado, mas a noção clássica de

sistemas de Ferdinand de Saussure ainda é útil, para lembrar-nos que nada na

cultura existe em separado, por si só. Quase um século após a publicação do

Cours de linguistique générale (1916), linguistas ainda defendem a opinião que

o sentido só pode existir dentro de um sistema, mas, enquanto isso, os

pesquisadores têm chegado à conclusão de que um sistema pode existir

apenas em relação a outros sistemas, e que cada discurso no mundo

contemporâneo é sempre uma bricolagem de discursos (ver, por exemplo

Collins 1989, pp 65 - 89). No mundo da informação pós-moderna, a relação de

um sistema cultural ou discurso para outros nunca é clara com antecedência,

ou mesmo previsível. Em um mundo mediado onde o acesso é um conceito-

chave, a noção de limites é muitas vezes reduzida a uma ferramenta analítica.

Cultura LARP poderia destruir completamente as fronteiras e distâncias

existentes entre os textos, gêneros e meios de comunicação, para se

transformar em uma ponte entre ou um terreno comum para as diferentes

culturas. As linguagens naturais provavelmente servem para distinguir culturas

LARP de uma outra mais claramente. Culturas LARP, no entanto, são muito

mais intimamente ligados por linguagens culturais. Ao estudar suas

Page 120: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

118 semelhanças e diferenças, poderíamos descobrir se existem códigos universais

de culturas LARP e onde originam: talvez da vida cotidiana moderna e das

relações sociais, talvez a partir do sistema de jogo Dungeons and Dragons,

talvez a partir de O Senhor dos Anéis, ou clássicos da literatura, ou mitologia,

ou contos de fadas. Não importa se eles funcionam como línguas perfeitas ou

decompõem-se em dialetos regionais; se aprendermos a identificá-los,

podemos perscrutar os horizontes da imaginação, compartilhada dentro e entre

culturas.

8. Agradecimentos

Eu gostaria de agradecer aos participantes do seminário de RPG por seus

comentários úteis sobre o projeto do presente artigo.

9. Referências

[1] ASSMANNN, A. Canon and Archive. In Media and Cultural Memory, A. Erll

and A. Nunning, eds. Berlin and New York: Walter de Gruyter, pp. 97-107,

2008.

[2] ASSMANN, J. 1995. Collective Memory and Cultural Identity. New German

Critique, No. 65, Cultural History/Cultural Studies (Spring - Summer, 1995), pp.

125-133 (http://www.jstor.org/stable/488538).

[3] ASSMANN, J. 2008. Communicative and Cultural Memory. In Media and

Cultural Memory, A. Erll and A. Nunning, eds. Berlin and New York: Walter de

Gruyter, pp. 109-118.

[4] BANKOV, K. 2004. Ceмиотични тетрадки. Част II: Cемиотика, памет,

идентичност. София: Нов бьпгарски университет [Semiotic Notebooks.

Part II. In Bulgarian].

Page 121: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

119 [5] BANKOV, K. 2008. A sociosemiotic model of the standards for discourse

validation. In A Sounding of Signs, R. S. Hatten, et al., eds. Imatra: The

International Semiotic Institute, pp. 253-268.

[6] BARTHES, R. 1972. Mythologies. New York: The Noonday Press.

[7] BOWMAN, S. 2010. The Functions of Role-playinging Games. Jefferson,

North Carolina, and London, McFarland & Company Inc., Publishers.

[8] COLLINS, J. 1989. Uncommon Cultures: Popular Culture and Post-

Modernism. New York and London: Routledge.

[9] CORNELIUSSEN, H. G. 2008. World of Warcraft as a Playground for

Feminism. In Digital Culture, Play, and Identity, H. G. Corneliussen and J. W.

Rettberg, eds. Cambridge and London: MIT Press, pp. 63-86.

[10] FATLAND, E. 2006. Interaction Codes — Understanding and Establishing

Patterns in Player Improvisation. In Role, Play, Art, T. Fritzon and T. Wrigstad,

eds. Stockholm: Föreningen Knutpunkt, pp. 17-34 (http://jeepen.org/kpbook/).

[11] FEDOSEEV, A. and KURGUZOVA, D. 2012. Songs and Larp. In States of

Play, J. Pettersson, ed. The official book of Solmukohta 2012, pp. 100-106.

[12] FINE, G. A. 1983. Shared fantasy: Role-playinging Games as Social

Worlds. Chicago and London: The University of Chicago Press.

[13] FISCHER-LICHTE, E. 1992. The Semiotics of Theatre. Bloomington &

Indianapolis: Indiana University Press.

[14] GARFINKEL, H. 1967. Studies in Ethnomethodology. New Jersey:

Prentice-Hall, Inc.

[15] GENETTE, G. 1982. Structuralism and Literary Criticism. In Figures of

Literary Discourse. New York: Columbia University Press, pp. 3-25.

[16] HINDRICKS, S. Q. 2006. Incorporative Discourse Strategies in Tabletop

Fantasy Role-playinging Gaming. In Gaming as Culture, J. P. Williams, S. Q.

Hendricks and W. K. Winkler, eds. Jefferson, North Carolina, and London,

McFarland & Company Inc., Publishers. Kindle edition.

Page 122: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

120 [17] HYMES, D. H. 1974. Foundations in Sociolinguistics: An Ethnographic

Approach. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.

[18] ILIEVA, A. 2010. How We Do Larps with Words. In Playing Reality, E.

Larsson, ed. Stockholm: Interacting Arts, pp. 231-241.

[19] KUKKONEN, K. 2008. Popular Cultural Memory. Nordicom Review 29 (2),

pp. 261-273.

[20] LANGER, J. 2008. The Familiar and the Foreign: Playing (Post)Colonialism

in World of Warcraft. In Digital Culture, Play, and Identity, H. G. Corneliussen

and J. W. Rettberg, eds. Cambridge and London: MIT Press, pp. 87-108.

[21] LOPONEN, M. and MONTOLA, M. 2004. A Semiotic View on Diegesis

Construction. In Beyond Role and Play, M. Montola and J. Stenros, eds.

Helsinki: Solmukohta, pp. 39-52 (http://www.ropecon.fi/brap/).

[22] LOTMAN, J. and USPENSKY, B. 1978. On the Semiotic Mechanism of

Culture. New Literary History, 9 (2), pp. 211-232.

[23] LOTMAN, J. M. 1967. К проблеме типологии культуры. Трулы по

знаковым системам, т. III. Тарту: Тартуский государствнный университет, с.

30-38 [Toward a Typology of Culture. In Russian].

[24] LOTMAN, J. M. 1970. Структура Художественного Текста. Москва:

Искусство [Structure of the Artistic Text. In Russian].

[25] LOTMAN, J. M. 1980. Семиотика сцены. Театр. [Semiotics of the Stage.

InRussian].

[26] LOTMAN, J. M. 2002. Статьи по семиотке культуры и искусства.

Санкат-Петербург: Академический проект [Papers in Semiotics of Culture

and Arts. In Russian].

[27] LOTMAN, J. M. 2005. On the semiosphere. Sign Systems Studies 33 (1),

pp. 205-229 (http://www.ut.ee/SOSE/sss/Lotman331.pdf).

Page 123: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

121 [28] LOTMAN, J. M. 2009. Culture and Explosion. Berlin and New York:

Mouton de Gruyter.

[29] MACKAY, D. 2001. The Fantasy Role-playinging Game: A New

Performing Art. Jefferson, North Carolina, and London: McFarland & Company

Inc., Publishers.

[30] MANNINEN, T. 2003. Interaction Forms and Communicative Actions in

Multiplayer Games. Game Studies, vol. 3, issue 1

(http://www.gamestudies.org/0301/manninen/).

[31] MAYRA, F. 2008. An Introduction to Game Studies: Games in Culture.

London: SAGE Publications.

[32] MONTOLA, M. 2003. Role-playinging as Interactive Construction of

Subjective Diegeses. In As Larp Grows Up, M. Gade, L. Thorup and M.

Sander, eds. Knudepunkt, pp. 80-89 (http://www.laivforum.dk/kp03_book/).

[33] MONTOLA, M. 2008. The Invisible Rules of Role-playinging: A Structural

Framework of Role-playinging Process. International Journal of Role-

Playing, issue 1 (http://journalofroleplaying.org/).

[34] PARPULOVA, L. 1978. Българските вълшебни приказки. Въведение в

поетиката. София: Издателство на Българска академия на науките

[Bulgarian Fairy-tales. An Introduction to Poetics. In Bulgarian].

[35] PROPP, V. 1968. Morphology of the Folktale. Austin: University of Texas

Press.

[36] SANDBERG, C. 2004. Genesi. In Beyond Role and Play, M. Montola and

J. Stenros, eds. Helsinki: Solmukohta, pp. 265-286.

[37] SAUSSURE, F. de. 1916. Cours de linguistique generale. Lausanne and

Paris: Payot.

[38] SILVERSTEIN, M. 2004. ―Cultural‖ Concepts and the Language-Culture

Nexus. Current Anthropology, 45 (5), pp. 621-652.

Page 124: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

122 [39] STENROS, J. 2004. Notes on Role-Playing Texts. In Beyond Role and

Play, M. Montola and J. Stenros, eds. Helsinki: Solmukohta, pp. 75-80

(http://www.ropecon.fi/brap/).

[40] STENROS, J. 2010. Nordic Larp: Theatre, Art and Game. In Nordic Larp,

J. Stenros and M. Montola, eds. Stockholm: Fea Livia, pp. 300-315.

[41] TYCHSEN et al. 2006. Communication in Multiplayer Role-playinging

Games – The Effect of Medium. In TIDSE 2006, S. Göbel, R. Malkewitz, and I.

Iurgel, eds., pp. 277 – 288 (http://jonassmith.dk/weblog/wp-

content/effectofmedium.pdf).

[42] VAN DIJK, T. A. 1976. Narrative macrostructures. Cognitive and logical

foundations. PTL 1, pp. 547-568 (http://www.discourses.org).

[43] VAN DIJK, T. A. 1980. Macrostructures. Hillsdale, NJ: Erlbaum

(http://www.discourses.org).

[44] VAN DIJK, T. A. 2007. Macro Contexts. In Discourse and International

Relations, U. Dagmar and J. S. Sanchez, eds. Bern: Lang, pp. 3-26

(http://www.discourses.org).

Angelina Ilieva: PhD é Professora Assistente Sênior e pesquisadora do

Instituto de Etnologia e Estudos Folclóricos com Museu Etnográfico - Bulgarian

Academy of Sciences. Ela tem estudado LARPs desde 2008 e atualmente está

escrevendo um livro sobre cultura Larp búlgaro.

Page 125: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

123 AS REGRAS INVISÍVEIS DO RPG: O QUADRO SOCIAL DO PROCESSO DE RPG

Markus Montola

Universidade de Tampere

Finlândia

[email protected]

Tradução: Reynaldo Allan Fulin e Giovanni Barbon de Oliveira

Ideia geral

Este artigo visualiza o processo do RPG que ocorre em vários jogos. O RPG é

uma atividade social onde três elementos estão sempre presentes: Um mundo

imaginário, uma estrutura de poder e personagens personificados dos

jogadores. Em resumo, todas as atividades sobre pessoas imaginárias atuando

num ambiente imaginário; a estrutura de poder é necessária para diferenciar

essa atividades de uma brincadeira de faz de conta de criança. Após os

elementos básicos, esse artigo segue para a discussão dos vários

componentes em detalhes, passando por como se desempenham as regras,

objetivos, mundos, poder, informação e identidade no RPG. Apesar deste

artigo não chegar a uma simples conclusão, ele procura apresentar uma base

sólida para pesquisa.

Resumo

Esse artigo apresenta um quadro1 estrutural para o RPG que pode ser

usado como fundamento para desenvolver estudos teóricos sobre o assunto.

Esse quadro está baseado na suposição que todos os jogos se baseiam em

regras, e tenta fazer visíveis as regras invisíveis do RPG propondo três regras.

Comparado com jogos tradicionais, o RPG será visto como um processo

qualitativo ao invés de quantitativo, diferenciando-se da maioria dos jogos

tradicionais.

Page 126: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

124

1. Introdução [^note1]

No estudo de jogos, uma diferença fundamental deve ser feita

separando o estudo dos jogos como sistemas formais do estudo dos jogos

como processos sociais. No sistema formal do Pôquer Texas hold'em o

jogador2 tem um conjunto bem limitado de opções legais influenciando suas

chance de ganhar uma rodada: além de cobrir a aposta, pode-se trocar

algumas cartas ou fugir de cara.

No processo social do jogo, as alternativas são muito mais amplas. Os

jogadores podem influenciar cada um em milhões de maneiras, começando por

um blefe ou ameaça, com ou sem a intenção de afetar o resultado do jogo.

Claramente, olhar para o Pôquer como um sistema formal não conseguiria

nunca alcançar toda essência do todo: o jogo como é jogado é bem diferente

do jogo no papel.

O RPG tem sido frequentemente definido como um sistema de jogo (ex:

Mackay 2001), apesar de algumas tentativas de vê-lo como como um processo

de jogo (ex: Hakkarainem & Stenros 2002) terem sido feitas também. Baseado

em Heliö (2004), pode-se argumentar que qualquer sistema formal de jogo

pode ser utilizado como base para o processo de RPG, dado que os jogadores

tenham esse entendimento, e que qualquer sistema formal de jogo não é

propriamente necessário. Por outro lado, tem se notado que qualquer sistema

de RPG — quer estejamos discutindo RPGs de mesa tradicionais, larps (RPG

ao vivo)3 ou RPGs online — pode ser jogado sem a interpretação de papéis

propriamente dita. Bartle (2004) por exemplo julga que mundos online não são

jogos, mas sim lugares, já que estes carecem de muitas características dos

jogos enquanto dispõem de várias características de lugares.

Em parte devido à essa confusão, a discussão ludológica tem sido

confusa sobre role-playing ser um jogo ou não. Normalmente, as análises tem

focado nos RPGs como um sistema de regras. RPG tem sido visto como caso

limite dos jogos por várias razões. Devido a influência do mestre do jogo, falta

no RPG regras fixas (Juul 2003), e muitos sistemas de RPG não permitem que

Page 127: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

125 os jogadores classifiquem os sucessos ou falhas de seus personagens no jogo

como algo "positivo" ou "negativo" (Montola 2005).

Nesse artigo eu vejo a mentalidade do RPG como um método de se

jogar, que pode opcionalmente ser combinado com outros diferentes sistemas

de jogos. Não é a única mentalidade distinta de jogo. Por exemplo, alguns

jogos são para serem jogados supondo uma mentalidade de uma diplomacia

conspiratória e falsidade nas relações, enquanto outros pressupõem jogo limpo

ou priorizando um estilo ao invés do sucesso da ação.

Hakkarainem and Stenros (2002) definem o jogo de RPG4 como aquele

que ―é criado na interação dos jogadores entre si ou com o mestre(s) dentro de

um quadro diegético específico". Essa definição aborda o RPG pelo angulo da

comunicação. Se os RPGs serão estudado como jogos, uma definição mais

ludológica é necessária, uma que demonstre as características semelhantes do

jogo e os atributos de todas as diferentes formas de RPG. Também há de

entender que a noção de mundo persistente de Bartle como sendo lugares em

vez de jogos é apropriado para todas as formas de RPG de certa forma.

Para esse fim, precisamos fazer visível as regras implícitas do RPG.

Normalmente, os contextos de RPG como mundos virtuais, regras de RPG de

mesa e eventos de larp só proveem regras algorítmicas do sistema formal

usado como plataforma do jogo, mas não explicam as regras da expressão do

RPG propriamente. Neste artigo, eu observo o jogo como ele é jogado, e não o

jogo apresentado nos livros de regras dos RPGs.

A discussão seguinte inclui diversas formas de RPG, focando em RPG

de mesa, larp e RPG virtual (veja Montola 2003). [^ref2] Outras formas também

existem, incluindo RPG de forma livre (que combina elementos do larp e RPG

de mesa) e RPG pervasivo (Montola 2007b), e vários outros podem ser

inventados. Além disso, há um grupo de formas de expressão e jogos situados

nas fronteiras da definição que podem constituir-se RPG na maneira que está

definido nesse artigo. Entre eles estão improvisação, psicodrama e

Happenings.[^ref3]

2. As Regras Invisíveis

Page 128: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

126 Björk e Holopainen (2003) divide as regras e objetivos do jogo nas

categorias endógenas e exógenas — as regras e objetivos definidas na

estrutura do jogo, e as regras e objetivos trazidas pelo jogadores ao jogo para

dar-lhe sentido. Earlier, Fine (1983) propôs um estrutura para RPG em 3

camadas5, consistindo de um quadro primário (social) habitado pelas pessoas,

um quadro secundário (jogo) habitado pelos jogadores e um quadro terciário

(diegético) habitado pelos personagens.

Combinando a abordagem de Fine com a de Björk e Holopainen, fica

claro que as regras endógenas são parte da estrutura do jogo, enquanto as

regras exógenas são parte da estrutura social. Entretanto, precisamos

adicionar uma terceira categoria, a das regras e objetivos diegéticos, para

regras e objetivos existentes dentro da ficção do jogo (veja Montola 2005).

Ilustrando as 3 camadas de Fine com exemplos, eis como elas se

parecem:

"Não discuta assuntos fora do jogo durante o jogo" — exógena.

"A espada causa d10 pontos de dano" — endógena.

"Carregar uma espada dentro dos limites da cidade é punível com multa"

— diegético.

Nas suas várias formas, os processos de RPG parecem seguir certas

regras endógenas e ainda implícitas, fazendo simultaneamente uma forma

relativamente formal de expressão e uma forma relativamente informal de jogo.

Essas regras não foram explicadas como tais nos jogos de RPG publicados,

mas permeados nas seções dos livros que tentam explicar o que é RPG ou

como um RPG deve ser conduzido.

Para todos os RPGs em geral, eu proponho as seguintes três regras, que são a

regra do mundo, a regra do poder e a regra do personagem:

1) RPG é um processo interativo de definir [^nt-definir] e redefinir o estado,

propriedades e conteúdo de um mundo imaginário do jogo.

2) O poder de definir o mundo do jogo é alocado aos participantes do jogo.

Os participantes reconhecem a existência dessa hierarquia de poder.

3) Os participantes do jogo definem o mundo do jogo através construção de

personagens personificados, de acordo com o estado, propriedades e

conteúdo do mundo do jogo.

Page 129: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

127 Dependendo da plataforma e metodologia usada, os possíveis papeis

dos participantes incluem jogador, mestre do jogo, ator, músico ao vivo,

administrador do sistema, etc. O papel do jogador é um caso especial entre

esses, já que a presença de um participante no papel de jogador é

requerimento lógico para um "jogo". RPG como definido nesse artigo não é

possível sem alguns dos jogadores personificando personagens. Essa

distinção é feita de maneira a separar o RPG das várias formas colaborativas

de contagem de história.

As regras 1, 2, e 3 também definem o RPG: Todos os jogos conduzidos

de acordo com elas são RPGs, enquanto todos os jogos não baseado nelas

não são. Assim, pode se dizer que RPG é um jogo de faz de conta formal.

Dessa forma, o mundo do jogo é fluido e passa por um constante processo de

redefinição, as redefinições estão restritas pelo estado atual deste mundo.

Assim, o processo de constante iteração não permite mudanças aleatórias ou

completamente arbitrárias (veja também Kellomäki 2004). Essa natureza

iterativa é necessária para as experiências lúdicas, semelhante aos jogos, e

criadas no RPG, já que ela muda o foco de criar uma ficção externamente para

atuar dentro dela. A ficção existente provê as restrições e oportunidades

fazendo a experiência ter um sentido como jogo. O mestre do jogo e os

personagens são estruturas usadas para estabelecer os limites do poder de

definição do jogo. Como as restrições das regras dão sentido ao jogo ordinário,

no RPG as restrições do poder definido dão sentido para a ação dentro do

mundo do jogo. Essas restrições também diferenciam RPG de brincadeiras de

faz de conta.

Eu também apresento quatro regras adicionais e opcionais que

frequentemente complementam as três primeiras regras. Estas não são

critérios que definem o RPG, mas elas são usadas tão comumente que seu

valor garante sua inclusão aqui. As possibilidades de regras adicionais são

infinitas, mas estas são provavelmente as mais típicas e descritivas delas.

* i) Normalmente o poder para definir as decisões feitas por um personagem

com livre arbítrio é dada ao próprio jogador do personagem.

* ii) O poder de decisão de definição que não é restrito pela construção do

personagem é frequentemente dado para as pessoas que estão no papel de

mestre do jogo.

Page 130: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

128 * iii) O processo de definição é governado frequentemente por um conjunto de

regras quantitativo.

* iv) A informação relativa ao estado do mundo do jogo é frequentemente

disseminada hierarquicamente, numa maneira correspondente à estrutura de

poder do jogo.

Há infinitas maneiras de dividir o poder de definição nos jogos de RPGs.

As maneiras de se fazer a divisão podem ser desde um mestre de jogo

ditatorial e onipotente, à um sistema totalmente coletivo, sem nenhuma

autoridade suprema (ver Svanevik 2005). Essas divisões são mudadas

algumas vezes durante o jogo. Por exemplo, o papel de mestre do jogo pode

mudar de um participante para outro, ou um certo participante pode receber o

poder de definição para certas áreas ou acontecimentos no jogo. Os jogadores

participantes também recebem, comumente, mais poderes do que os

declarados na terceira regra.

Adicionalmente, estas três regras endógenas (baseadas em Loponen &

Montola 2004, Montola 2003) diferenciam certas formas de RPG uma das

outras:

m1) No RPG de mesa o mundo do jogo é definido predominantemente por

comunicação verbal.

l1) No larp, o jogo é sobreposto num mundo físico, o qual é usado como

base para definição do mundo do jogo.

v1) No RPG virtual, o jogo é sobreposto numa realidade virtual

computacional, a qual é usado como base para a definição do mundo do

jogo.

Por essa definição, jogos de RPG conduzidos em salas de bate papo na

internet, como por exemplo RPG no IRC, normalmente não é RPG virtual, mas

uma forma mais próxima ao RPG de mesa. Se a conversa é parte do um larp

encenado no mundo físico, a conversa é parte do larping, e se ela é parte de

um mundo virtual, então é parte do RPG virtual. O RPG virtual requer uma

representação virtual computadorizada da realidade (tipicamente textual ou

gráfica). Deve ser notado que por conta disso, todos os jogos de RPG virtuais

são governados por um conjunto de regras quantitativo (iii) em alguma

extensão, já que todos os mundo virtuais são sistemas de regras matemáticos.

Page 131: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

129 Enquanto as regras 1, 2 e 3 definem o RPG, as regras i-iv proveem

descrições aditivas típicas para as três primeiras regras. No entanto, as últimas

regras não são poderosas suficientes para definir o RPG. As regras m1, l1 e v1

podem ser combinadas com as regras 1,2 e 3 para se definir certas subformas

de RPG, então elas também são definitivas em sua natureza.

Apesar das regras do jogo serem vistas comumente como matemáticas,

lógicas ou algorítmicas, as estruturas de um jogo podem ser na verdade

classificadas em estruturas quantitativas e qualitativas, dependendo se podem

ser reduzidas à números ou não. Em esportes que aspiram por um valor

estético — como no salto de esqui e patinação artística — as atividades

qualitativas são quantificadas por um quadro de júri, as quais transformam as

partes qualitativas do desempenho em pontos.

As regras de RPG (1, 2, 3) são obviamente qualitativas e não

algorítmicas, E, neste sentido, o RPG difere-se da maioria dos jogos. Algumas

vezes, especialmente em RPGs de mesa, o mestre atua como entidade

quantificadora, avaliando as ações dos personagens e determinando os dados

que os jogadores devem rolar para determinar o sucesso das ações dos seus

personagens. Discussões de personagem e ações não competitivas

normalmente são lidadas dentro do sistema qualitativo, enquanto todas as

ações de combate são frequentemente bem qualitativas, especialmente dentro

das culturas de RPG de mesa fortemente orientado a regras. O RPG não

precisa da parte quantitativa para funcionar, mas realizar ações qualitativas é

necessário para o processo de definição do mundo do jogo.

Salen e Zimmerman (2004) diferenciam as regras do jogo em três

categorias: regras operacionais, regras constitutivas e regras implícitas. As

regras operacionais dizem aos jogadores como o jogo supostamente deve ser

jogado, enquanto as regras constitutivas definem o sistema lógico e

matemático por detrás das regras operacionais. As regras implícitas são as

regras sociais não escritas que governam o jogo. Assim como a jogabilidade

social é importante para o processo do Pôquer, as regras do RPG trazem um

problema para o sistema de classificação de Salen e Zimmerman, sendo

constitutivo mas qualitativo, e implícito mas ainda operacional de alguma forma

[^ref5]. Usando a divisão de Björk e Holopainen (2003) acima, o conjunto de

Page 132: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

130 regras usado como base para o RPG são regras endógenas, assim como são

estas regras do processo de RPG.

3. RPG e Objetivos

Uma estrutura de camadas similar a das regras existe também para os

objetivos [^ref6]. Entretanto, o RPG tipicamente não possui nenhum objetivo

endógeno inerente à ele. As regras do RPG somente proveem a estrutura para

a atividade, mas não fornecem finalidade ou meta. As regras dos RPGs de

mesa clássicos ou mundos virtuais as vezes implicam em oferecer algumas

ocupações para os jogadores seguirem, normalmente envolvendo

sobrevivência ou desenvolvimento do poder do personagem. Estas são

raramente verdadeiros objetivos endógenos também: como ninguém pode

vencer ou perder num RPG, a ênfase da ação não está nem mesmo focado no

sistema do jogo.

Os objetivos mais centrais que proveem contentamento com o RPG são

definidos e aceitos dentro do sistema diegético, pelos jogadores definindo o

mundo e seus personagens. Esta distinção é uma das questões chaves na

discussão sobre jogos de RPG serem considerados como jogos ou não.

"Eu quero me divertir nesse jogo" — exógeno.

"Eu quero explorar refugiados políticos Noruegueses neste jogo" —

exógeno

"Eu quero tornar-me o mago mais poderoso no reino" — diegético

"Eu quero interpretar o homem caindo tragicamente na sua procura em se

tornar o mago mais poderoso do reino." – exógeno.

A contradição dos objetivos dos diferentes sistemas é um elemento

comum gratificante no RPG. Assim como um espectador aprecia a experiência

de um teatro de Tragédia trazida à ele pelos atores no palco, um jogador de

RPG aprecia criar uma por ele mesmo.

Os objetivos endógenos explícitos num sistema escrito somente tornam-

se uma parte importante do processo de RPG se os jogadores os interpretam

no mundo como objetivos diegéticos. Os jogos de RPG mais tradicionais

deixam intencionalmente os objetivos endógenos indefinidos ou vagos, e

Page 133: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

131 mesmo quando eles são explicitados claramente, eles são normalmente

ignorados inteiramente pelos grupos de jogadores.

Em alguns jogos de RPG há objetivos endógenos explícitos que são

críticos para o jogo como um todo. Exemplos incluem muitos jogo ao estilo de

"Forge" como My Life with Master (Czege 2003) e larps estilos Circle of Death

(Tan 2001), como por exemplo Killer (Jackson 1981). Enquanto My Life with

Master é feito para seguir um certo arco na história praticamente toda vez que

é jogado, terminando na morte do mestre pelas mãos dos seus servos

favoritos, Killer é um jogo de assassinato onde os jogadores realmente tentam

ganhar o jogo [^ref7]. My Life with Master e Killer apresentam objetivos

endógenos tais como os seguintes:

"Quando o amor de um servo favorito pelos aldeões cresce e torna-se forte

suficiente, assassinar o seu mestre torna-se seu objetivo" — endógeno.

"O jogador cuja personagem matar mais inimigos é o vencedor" —

endógeno.

Como eu havia discutido anteriormente (Montola 2005), os objetivos

endógenos dominam o design da cultura dos RPGs online contemporâneos. Os

jogadores as vezes traduzem os objetivos endógenos em objetivos diegéticos.

O seguinte exemplo é (da versão original) de Star Wars Galaxies:

"Ao completar as tarefas e colecionar pontos de experiência suficientes, o

personagem se torna um jedi" — endógeno.

O valor dos objetivos endógenos derivam dos objetivos exógenos dos

jogadores. Se a meta de um jogador é ter uma boa experiência de RPG, tal

objetivo endógeno só é valioso se ele pode transforma-lo num objetivo

diegético também. Caso contrário, ele pode ser simplesmente ignorado.

Os objetivos a nível social variam imensamente de uma cultura dos

jogadores para outra. Às vezes, a dissonância explícita do social e dos

objetivos diegéticos é uma fonte de entretenimento, enquanto frequentemente

o sucesso diegético do personagem é atrelado com o sucesso do que o grupo

social busca. Como o RPG não toma lugar no domínio da vida normal,

experiências trágicas podem ser altamente prazerosas.

Os objetivos exógenos não se restringem ao entretenimento — a

alegação normativa sobre diversão6 ser o único propósito de role-play (ex: Laws

2002, Duguid 1995) é simplesmente errônea. Numa abordagem mais

Page 134: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

132 construtiva, Mäkelä & al (2005) propõe uma lista de seis gratificações que

permitiriam um estudo mais aprofundado: entretenimento, aprendizado,

sentido, apreciação estética e benefícios físicos e sociais.

4. O Enganoso mundo do jogo

Ryan (2001, 91) resume o conceito de mundo com quatro

características, definindo-o como um conjunto conectado de objetos e

indivíduos, um ambiente habitável, uma totalidade razoavelmente inteligível

para os observadores externos e um campo de atividade para seus membros.

No role-playing a construção mundo pode ser vista como um processo

textual[^ref9], onde os diferentes atores produzem elementos que estão

combinados no processo em novos textos (Aarseth 1997 Kellomäki, 2004).

A discussão anterior sobre o mundo do jogo de RPG, o discutiu tanto

com uma ênfase coletiva (Hakkarainen & Stenros 2002 Pohjola 1999, Hélio de

2004) quanto subjetiva (Montola 2003, Andreasen 2003 Loponen & Montola

2004). Neste artigo, eu chamo a estrutura coletiva um "mundo de jogo", como é

um termo ludologicamente adequado para descrever a arena onde o jogo é

jogado, enquanto a estrutura subjetiva é "diegese", uma visão subjetiva criada

pela interpretação colocada por outros participantes e meio ambientes,

complementada por próprias adições criativas dos participantes. [^ref9]

Percepções do jogador no mundo do jogo são construídas na interação

textual interpessoal. Como Ryan (2001) explica, a base cultural e a imaginação

são usadas na construção de um mundo baseado em dados textuais.

"A ideia de mundo textual pressupõe que o leitor constrói na

imaginação um conjunto de objetos independentes da linguagem,

utilizando-o como um guia para as declarações textuais, mas

construir esta sempre incompleta imagem em uma representação

mais viva através da importação das informações fornecidas pelos

conhecimentos culturais internalizados, incluindo o conhecimento

derivado de outros textos. "

Como já discuti anteriormente (Montola 2003 Loponen & Montola 2004)

os problemas inerentes à comunicação significam que cada jogador tem uma

leitura diferente do mundo do jogo fornecida por outros jogadores. Além da

leitura do mundo do jogo, cada jogador complementa sua percepção do mundo

Page 135: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

133 do jogo com ideias e sentimentos internos nunca expressos. Este elemento

combinado com a leitura constitui a diegese subjetiva do participante, que é o

resultado final criado pelo jogador no processo de jogo: A diegese subjetiva é

tanto o produto primário criado no role-play quanto o objeto transitório de valor

estético[^ref10]. Nenhum participante do processo pode sempre entender o

mundo do jogo completamente, pois partes dele são inacessíveis - criadas por

outros jogadores, mas nunca expressas em voz alta.

O processo interativo[^ref11] de arbitragem produzindo a diegese e o

mundo do jogo é geralmente baseado em negociação e cooperação, em vez de

luta ou competição.6 Normalmente, este processo de arbitragem está implícito,

mas a negociação explícita é usada para reconciliar as diferenças radicais na

diegese do jogador. Talvez contra intuitivamente, a natureza imaginária e

arbitrária do mundo do jogo é a força guia dos jogadores para cooperar na

construção da diegese. Embora o conflito muitas vezes é simulado no quadro

do jogo, ele se origina a partir do quadro diegético.

O mestre do jogo[^ref12] e a mecânica de jogo são os dois métodos

centrais criados especificamente para evitar a luta no nível da forma, a fim de

mantê-lo no nível de conteúdo do jogo. Normalmente, o conflito começa a partir

do mundo do jogo, potencialmente escalando para o quadro do jogo e,

ocasionalmente, até mesmo para o quadro social. Isso acontece se os

jogadores primeiro precisam de regras para resolver o conflito entre os

personagens, e, em seguida, se os jogadores começam a discutir além das

regras conforme o conflito se agrava.

Se a construção do mundo do jogo é encarado como um sistema de

comunicação, isto pode ser visto como um ciclo de interpretações de três

atividades básicas:

1 Interpretando por fora da diegese subjetiva.

2 Fazendo mudanças na diegese

3 Comunicando as mudanças aos outros participantes

Este ciclo das três atividades é um modelo teórico; na prática, todas

estas funções são realizadas simultaneamente. No LARP, por exemplo, o

jogador andando em uma rua muda constantemente a diegese (por ela mesma

em movimento), ao obter uma nova entrada (vê coisas novas) e comunicar a

mudança para outros jogadores (que veem seu movimento). No RPG de mesa

Page 136: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

134 este modelo de tomada de decisão aparece mais claramente, elaborando o

ciclo contínuo de reinterpretação iterativa do mundo no circuito de comunicação

do jogo.

Para manter-se o ciclo de interpretação os jogadores devem estar aptos

a compreender o mundo que estão definindo e redefinindo. Eles têm que

entender as leis diegéticas da natureza e do estado do mundo diegético, a fim

de manter a lógica do mundo do jogo, construindo seu futuro com base em

suas propriedades, estado e história. Para que o mundo do jogo funcione como

um lugar ou um espaço, o mundo não precisa ser "realista", mas sensível; as

leis da natureza podem ser muito diferente da nossas. [^ref13] Na classificação

de Juul (2003, 117) de mundos de jogos, isso significa que o mundo do jogo

tem que ser coerente - o que significa que não deve haver nada que impeça

uma pessoa de imaginar o mundo em detalhes. Só jogos extremamente

experimentais podem ser feitos em mundos abstratos, icônicos ou incoerentes.

É difícil ou mesmo impossível de atuar em mundos como os retratados em

Super Mario Bros ou xadrez. [^ref14]

Seria uma simplificação dizer que o uso de um artefato (tal como um

espaço virtual ou realidade física) na base do mundo do jogo restringiria a

utilização da imaginação do jogador, embora o artefato proporcione fortes

definições iniciais para diversos elementos diegéticos. No entanto, como eu

argumentei que o RPG é um processo de interação social que ocorre em um

mundo de jogo imaginário, deve-se ressaltar que no processo de RPG

elementos explícitos no artefato são muitas vezes redefinidas quando eles são

interpretados em diegeses dos jogadores. Como Ryan (2001) colocou, as

crianças brincando de faz de conta selecionaram um objeto real x₁ e

concordam que representa um objeto virtual x₂. Uma ação é legal quando o

comportamento que isso implica é apropriado para a classe de objetos

representados por x₂. Uma ação legal gera uma verdade ficcional.

Esta redefiniçao acontece em um processo de arbitragem regida pelas

possíveis regras e instruções do jogo, e é baseada nas divisões que definem o

poder usado no jogo. Em LARP, o jogador não precisa voar fisicamente para

que o seu personagem o faça. Em comparação, nem precisa do avatar virtual

para voar no mundo virtual para que o personagem interpretado representado

pelo avatar faça isso.

Page 137: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

135 Estas práticas de redefinição também são culturais. Muitas comunidades

de RPG em mundos virtuais habitualmente fingem utilizar e manusear objetos

relacionados à trama e faz-de-conta, que não podem ser representados como

artefatos virtuais por arquiteturas de jogo limitados (Montola, 2005). Alguns

LARPers preferem ter conexão direta entre a realidade física e diegética o

quanto possível, enquanto outros não têm problemas em tratar espadas de

látex como espadas de metal. (Veja Loponen & Montola 2004 para uma análise

semiótica).

Alegando que os mundos de RPG tem de ser coerentes não quer dizer

que o mundo do jogo de role-playing precisa ser completo - na verdade, como

mundos ficcionais são sempre incompletos, uma vez que não é possível definir

todas as peças de informações imagináveis em um mundo coerente (Juul

2003, 111). Distinção é certamente teórica especialmente em relação LARPs,

desde que o mundo físico é sempre infinitamente detalhado de qualquer

maneira.

McCloud (1993) discute o modo como as imagens sequenciais de

quadrinhos são entendidas pelo processo de encerramento. Enquanto uma

revista em quadrinhos é composta de imagens imóveis e justapostas, o leitor

preenche os elementos que faltam no processo de leitura, criando as

impressões de tempo e movimento, também preenchendo de elementos não

mostrados nas imagens. Um sorriso está contido em uma cara sorridente na

mesma forma que um espectador que assiste a um filme fecha a porta da sala

em que os personagens estão discutindo. A imagem do filme não está fechada

com as impressões dos cinegrafistas e equipamentos do estúdio, mas com

paredes e paisagens extrapoladas a partir dos exibidos na tela. [^ref15] Mesmo

sem qualquer evidência visual, um expectador usa sua experiência anterior

para assumir que o âncora de um telejornal tem duas pernas, mesmo que elas

não são mostradas na tela.

No role-play, um processo de fechamento semiconsciente é

fundamental, pois os jogadores estão constantemente lidando com uma

representação incompleta do mundo do jogo. Na primeira fase do ciclo de

interpretação, os jogadores fazem suposições sobre o mundo, extrapolando e

interpolando suas diegeses baseados no discurso do jogo explícito.

Page 138: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

136 A exigência de um mundo coerente pode ser vista na definição de role-

play por Björk e Holopainen (2005): "Os jogadores têm personagens com

personalidades pelo menos um pouco desenvolvidas. A peça é centrada na

tomada de decisões sobre como esses personagens tomariam medidas em

situações imaginárias encenadas." [^ref16] Salvos os fechamentos muito

significativos que são feitos pelos jogadores, o mundo do xadrez é muito

incompleto para permitir que os jogadores façam ações significativas ou tomem

decisões sensatas. Para a maioria dos jogadores, o mundo do xadrez é

abstrato demais para sequer permitir fechamentos lógicos: Mesmo que nós

sabemos que há bispos e reis, é difícil saber se os sacerdotes e príncipes

existem também.

Devido à sua natureza, que é baseado em arbitragem, imaginação e

encerramento, os mundos de jogos de RPG podem ser muito livres e

completos em relação a mundos criados em outros jogos ou em mídia estática.

Cada elemento imaginável pode ser descrito qualquer detalhe. Em um filme a

quantidade de informações disponíveis sobre o mundo diegético é muito

limitado em comparação. As possibilidades de jogadores afetarem qualquer um

dos recursos do mundo do jogo dos jogadores não é restringido por limitações

artificiais, como o escopo do conjunto de regras ou a programação do espaço

virtual, mas todas estas limitações são puramente diegéticas.

Na regra iii propus que o processo de definição do mundo de jogo é

muitas vezes governado por conjunto de regras quantitativas. Enquanto uma

função do conjunto de regras é permitir que os jogadores a seguir alguns

interesses no quadro do jogo, também é um método valioso de proporcionar

aos participantes uma estrutura lógica para redefiniçao do mundo do jogo. Juul

(2003) afirma que, enquanto as regras não são dependentes da ficção do jogo,

a ficção é dependente das regras. Entre outros métodos, conjuntos de regras e

convenções de gênero e estilo são frequentemente usados para fornecer

estruturas tangíveis para simular a lógica alternativa do mundo do jogo (ver

Montola 2003 Stenros 2004, Kim 2006).

5. Estruturas de poder

No alcance contínuo de Caillois "(1958, 13) que vai desde o jogo formal

(ludus) para o jogo livre (paidos8), roleplaying reside em algum lugar no meio

Page 139: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

137 termo. Faz de conta espontâneo com pouco de moderação do mestre do jogo é

altamente paidéico, enquanto os sistemas de regras complicadas permitem

jogos ludus meticulosamente formais também. Esta é uma razão pela qual

discutir RPG às vezes é difícil: Existem muitos estilos diferentes.

Assim como as regras e estruturas de objetivos, as estruturas de poder

de role-plays podem ser analisadas usando a divisão ampla para quadros

exógenos, endógenos e diegéticas. Poder exógeno é o poder do participante

para influenciar o jogo de fora do jogo; o mais importante, o poder exógeno não

está definido dentro do sistema de jogo. Poder endógeno é o poder dado ao

jogador pelas várias regras do jogo. Como todas as regras e objetivos

endógenos e diegéticos estão subordinados a regras e objetivos exógenos, o

poder endógeno e diegético é subordinado ao poder exógeno. A voluntariedade

e obstinação dos participantes são necessárias para criar o círculo mágico do

jogo (Huizinga 1938, Salen e Zimmerman 2003) onde existem as estruturas

endógenas e diegéticas.

Muitas vezes, a estrutura do poder para influenciar na diegese fica muito

implícita e com base em convenções culturais. Iniciantes em role-plays muitas

vezes não estão mesmo cientes do fato de que a estrutura de poder pode ser

feita propositalmente diferente, tendo frequentemente derivada sua

compreensão dessas convenções do discurso implícito de conjuntos de regras

de RPG e comunidades de larp locais. Uma razão para isso é que a descrição

do sistema de energia em detalhes é uma tarefa meticulosa, como tem sido

demonstrado pelas tentativas de criar campanhas de RPG globais, onde os

personagens podiam ser movidos sem problemas a partir do domínio de um

mestre do jogo para outro. [^ref17]

Estes exemplos ilustram as atividades exógenas, endógenas e

diegéticas que podem para exercer poder sobre a diegese:

Propor uma alteração às regras do jogo - exógena.

Mostrando aos outros jogadores um filme que influencie suas

percepções do mundo do jogo - exógenos.

Mover uma rainha dois quadrados na diagonal sobre o tabuleiro

de jogo - endógena.

Page 140: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

138 Tomar uma ação de combate para atacar um inimigo com uma

espada - endógena

Atacar uma pessoa com uma espada - diegético

Um personagem coronel emitindo uma ordem militar para suas

tropas - diegético.

Deve notar-se que a mesma ação pode ser uma exibição de poder

diegético e endógena, dependendo de como ele é realizado no jogo. No quarto

exemplo acima o poder de atacar um inimigo com uma espada é derivado das

regras explícitas do sistema de jogo, enquanto o quinto exemplo é derivado dos

fatos diegéticos que o personagem tem uma espada na mão e o alvo está

dentro do alcance dele. Mesmo o último caso é, então, talvez resolvido no nível

endógeno, mas a diferença tem relevância quando tentamos analisar os fatos

que capacitam o participante a propor uma mudança na diegese.

Ambos (os mestres do jogo e os jogadores) podem usar poder exógeno,

endógeno e diegético para redefinir o mundo do jogo. Ambos interpretam

personagens do mundo, ambos frequentemente têm privilégios sobre a diegese

e ambos podem mudar o entendimento dos outros do mundo do jogo com os

métodos extra lúdicos também. Endogenamente poderes concedidos podem

ser classificados em dois grupos, poder concedido pelo sistema de regras do

jogo e poder concedido pelas regras do processo de role-play. Um exemplo de

comparação:

Tomando uma ação de combate para atacar um inimigo com uma

espada para d10 pontos de dano - endógena.

Mestre do jogo declarando que começa a chover - endógena.

Às vezes, o uso de energia nas três camadas é contraditória. O LARP

dispõe de uma pobre esportividade por ser fisicamente mais rápido que outro

personagem que deveria ser mais ágil no jogo e na diegese. No RPG de mesa

o mesmo conflito é exibido se um jogador com personagem de baixa

pontuação de inteligência engana outro jogador. As regras endógenos de um

cassino de Pôquer são capazes de lidar com a situação em que um jogador sai

da sala/mesa no meio do jogo (como ela é considerada ter uma pausa ou

desistido da mão), mas se ela trai, marcando os cartões, o jogo encontra uma

crise que não é capaz de resolver dentro de seu próprio sistema formal. [^ref18]

Page 141: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

139 Os jogadores de RPG muitas vezes implicitamente concordam em dar ao

mestre do jogo autoridade social e exógena de conciliar muitas crises

potenciais (Brenne 2005, Fine 1983).

A divisão reconhecida de poder para definir o mundo do jogo é um

elemento chave para dar o toque de jogo de role-play. Juul (2003) aponta que

as regras não apenas restringem as opções que os jogadores têm em jogo,

mas também dão um sentido às ações realizadas dentro dela. O mesmo se

aplica às limitações da definição do poder: pode-se dizer que os limites das

opções do jogador - se eles tomam a forma de conjunto de regras ou de maior

autoridade do jogo - fazem as escolhas do jogador significativas.

No RPG de mesa a divisão de poder entre os participantes raramente é

exata. Normalmente os jogadores são mais restritos ao uso do poder diegético

de seus personagens e um repertório limitado, explicitamente definido de

opções endógenos -mas o alcance dessa restrição é ambíguo. Às vezes, os

jogadores também estão autorizados a definir os familiares, amigos e

propriedades de seus personagens, enquanto uma rigorosa cultura de jogos

pode restringir seu poder de definição às decisões conscientes feitas por seus

personagens (ver Boss 2006 e Kellomäki 2004). Até mesmo o poder de definir

as atividades mentais dos personagens às vezes é limitada por regras

discutindo as forças diegéticas como o medo ou telepatia.

Uma divisão de poder endógeno muito típica concede ao jogador a

autoridade final sobre os sentimentos de sua personagem e pensamentos,

autoridade dependente de regras sobre os atributos quantitativos da

personagem, e poder limitado para definir elementos estilísticos relativamente

inconsequentes relacionados aos objetos físicos no mundo do jogo. Todos

esses poderes são endógenos, já que eles são definidos no nível endógeno,

explícita ou (geralmente) de forma implícita.

Por outro lado, em RPGs online a interface do jogo normalmente dá ao

jogador apenas o poder de mover o seu avatar e participar de ações como

conversas, brigas, negociações e criações/elaborações (de objetos). No

entanto, as comunidades de jogadores de role-play muitas vezes concedem

aos seus participantes poderes diegético-definidos avançados, como criar

objetos não existentes no banco de dados do jogo.

Page 142: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

140 Como a diegese é um mundo imaginário construído no processo de

arbitragem coletiva, o seu conteúdo pode estar em contradição explícita com o

ambiente virtual ou real usado como base na sua construção. Isto significa que

todos os elementos diegéticos não precisam ser representados com artefatos

virtuais. Assim como um vampiro larp pode controlar sombras ou ficar invisível,

o jogador de RPG virtual lida com itens inexistentes e ações intangíveis. Uma

briga de bar ou uma cena de sexo podem ser encenadas com emoticons,

deixando ontologicamente claro se alguma coisa realmente aconteceu na

realidade virtual. Ou, uma personagem pode agir como se ela tivesse um

cartão de identificação que nem existe dentro da arquitetura do jogo. (Montola

2005.)

Definir e restringir o poder do jogador é uma característica

onipresente[^ref19] no campo de jogos, mas não nas áreas de artes narrativas

e performativas. No capítulo sobre regras e objetivos eu incluí a exigência de

que, em RPG o jogador-participante do jogo define o mundo do jogo através de

construções de personagens personificados, em conformidade com o estado,

propriedades e conteúdo do mundo do jogo. Esta terceira regra é fundamental,

uma vez que liberando o personagem personificada, constrói-se turnos de

atividade no campo dos jogos regulares, e liberando as restrições na definição

de poder mudaria a atividade para contagem colaborativa de história.

6. Poder e informação

Como RPGs são vistos como construções de comunicação, a

informação é o elemento básico do mundo imaginário do jogo. É trivial que um

jogador não pode incorporar um elemento de jogo em sua diegese, se ele não

tem conhecimento de sua existência. Como mencionado acima (em Loponen &

Montola 2004 e Montola 2003), nenhum participante de um RPG pode ter

acesso a todas as informações presentes no jogo. [^ref20]

A divisão em três camadas de poder aborda o uso de poder com base

em quadros sociais, o que é conscientemente feito na segunda fase do ciclo de

interpretação. Há ainda uma forma muito significativa do uso de poder no jogo:

o encerramento.

Como discutido acima, o encerramento do processo semiconsciente de

adicionar detalhes a interpretação. Eu chamo isso de processo semiconsciente,

Page 143: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

141 uma vez que geralmente fazem isso inconscientemente - quando interpretamos

figuras palito como pessoas (McCloud, 1993) - mas também se pode tomar

decisões criativas ao fazer encerramentos. Entrada externa pode ser

interpretada em uma diegese de maneiras muito diferentes, na medida em que

os mestres do jogo de RPG, muitas vezes explicam as expectativas de gênero

e recomendações de estilo de jogo para os jogadores, a fim de gerenciar os

processos de preenchimento. Fazer interpretações leves/calmas em um[^ref21]

jogo de terror é um exemplo perfeito desse tipo de uso do poder - que é muitas

vezes usado de forma passiva, mas pode ser usado voluntariamente também.

O uso contínuo do poder interpretativo ocasionalmente leva a um

conflito, que ocorre quando os participantes descobrem que seus

entendimentos sobre o mundo do jogo se contradizem. [^ref22] Nesses casos,

é necessário uma negociação explícita conciliando as diferenças nas diegeses,

geralmente levando a redefinições do passado e do presente diegético. (Veja

Loponen & Montola 2004.) É claro que todas as diferenças de interpretação

não forçam o jogo a ser interrompido, embora às vezes interrompem o

gameplay seriamente. Como um exemplo desses problemas ocorrem

geralmente quando os participantes do jogo não compartilham um nível comum

de conhecimento histórico que seria necessário para jogar em um cenário

histórico articular.

O papel do processo de encerramento é especialmente crítico na mesa

de RPG tradicional, onde os jogadores têm muita margem de manobra na

interpretação dos sinais verbais sobre o estado e as propriedades do mundo do

jogo. No entanto, este processo é constantemente significativo em todas as

formas de RPG. Baseando o jogo no mundo real ou uma realidade virtual

diminui a necessidade de inventar novos elementos de jogo. Ainda assim,

mesmo elementos, tais como reações de personagens e acontecimentos

sociais são criados em um processo de encerramento.

Usar um mundo real (L1) ou (v1) virtual como a base da diegese

restringe as escolhas do jogador poderosamente: para fazer espontaneamente

um "café"9 uma pessoa requer desconsiderar os artefatos físicos ou virtuais por

processo de arbitragem (como discutido acima). No entanto, os elementos que

não estão atualmente presentes - como a história diegética ou lugares

distantes - são comumente improvisados e feitos durante o jogo. Muitas vezes

Page 144: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

142 estes tipos de elementos são definidos ou pelo menos aprovados pelo mestre

do jogo, antes do jogo, mas durante o jogo, o jogador pode precisar de

informações adicionais. Nesses casos, os jogadores muitas vezes definem (e

redefinem) o mundo do jogo, inventando elementos diegéticos de uma forma

muito semelhante ao jogo de mesa.

Enquanto o processo de encerramento é uma estrutura

democrática[^ref23] no sentido de que ele força a todos os participantes do

jogo a uma arbitragem mútua da verdade diegética, a gestão da informação

também é comumente empregada como uma ferramenta de alocação de

poder. A distribuição de informação é apresentada na quarta regra opcional,

uma vez que uma onipresença variável, que é implementada de forma muito

diferente em diferentes jogos e culturas de role-play. Em um extremo da

escala, é o estilo em que os jogadores são permitidos somente o conhecimento

que seus personagens têm (ver Pettersson 2005), enquanto no outro extremo

da escala, o mestre do jogo faz tudo praticamente possível para dotar os

participantes de todas as informações possíveis (ver Fatland & Wingård 1999).

Mesmo nos estilos de RPG onde o fluxo de informação é livre entre os

jogadores, os personagens são apenas esperados para usar as informações

que adquiriram diegeticamente.

A distribuição da informação é uma estrutura que influencia

consideravelmente o uso de energia por diferentes participantes no jogo.

Especialmente no RPG de mesa de o mestre do jogo muitas vezes permite o

privilégio de acessar todas as informações do jogo disponíveis. Isso não

significa que o mestre do jogo é onisciente em relação ao estado do mundo do

jogo, mas ele pode possuir o direito de até mesmo pedir aos jogadores para

fornecer informações ocultas sobre as emoções de seus personagens, planos

e raciocínios.

Muito do poder social do mestre jogo nas arbitragens sobre o estado do

mundo do jogo é derivado deste acesso à informação. À medida que os

participantes tendem a agir da forma que mantém os diegeses semelhantes e a

ilusão de um mundo de jogo coletivo intacto, a informação é um requisito

importante para o processo de definição. Se um jogador não pode ter a certeza

sobre se alguém já tiver um elemento definido do mundo do jogo, definir corre o

risco de uma contradição. Esta estrutura também é problemática em LARPs,

Page 145: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

143 onde os jogadores muitas vezes precisam fazer as coisas de modo a

complementar as histórias ficcionais de seus personagens durante o jogo.

7. O personagem personificado

Parece que a exigência de personagem é o menor denominador comum

de várias definições de role-playing (por exemplo, Björk e Holopainen de 2005,

Pohjola 2004, Mackay 2001 Fatland & Wingård 1999, Fine 1983); só

Hakkarainen e Stenros (2002) deixam fora do núcleo de sua definição - e

mesmo eles dependam pesadamente nas seções explicativas do seu modelo.

No entanto, o termo tem muitos significados diferentes, por isso muitas

vezes não é claro o que os autores querem significar realmente com ele. Um

"personagem" pode indicar um grupo de atributos quantitativos dentro do

conjunto de regras formal, uma representação do jogador no mundo do jogo ou

uma pessoa fictícia no mundo do jogo.

O primeiro significado é derivado da história jogos de guerra de RPG,

onde os personagens heróis lutaram batalhas junto dos soldados de baixa

patente e com personagens heroicos. Alegadamente a primeira versão de

Dungeons & Dragons foi um jogo sobre como esses heróis se tornarem heróis,

em primeiro lugar (Pettersson, 2005).

O segundo, visão representacional é comum ao pensamento do mundo

virtual, onde o personagem é usado às vezes como sinônimo de "avatar".

Normalmente, o avatar não é percebido como tendo uma personalidade distinta

da sua própria, mas é visto como uma extensão do jogador, o corpo do jogador

dentro do mundo do jogo. Às vezes, o avatar é visto para incluir apenas os

aspectos visuais e físicos do personagem, mas, ocasionalmente, a mecânica

de jogo está ligada a isso também.

Os significados acima não são essenciais para este trabalho; o primeiro

deles deve ser refutado por esta discussão, porque eu anteriormente declarei

que a regra iii é opcional, e o último porque as construções de personagens

especificamente personificados são fundamentais para a interpretação.

Isso nos deixa com a palavra "personagem" que significa uma pessoa

diegética; uma combinação de propriedades físicas, sociais e mentais, como

por exemplo Lankoski (2004) discutiu (com base em Egri (1965)).

Page 146: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

144 Vejo o personagem como identidade diegético do jogador, ao longo das

linhas traçadas por Hakkarainen e Stenros (2002). Sua definição baseia-se na

teoria pós-moderna de identidade[^ref24], vendo o personagem como um

conjunto de papéis ligados por ficção. Um papel[^ref25] é "qualquer posição do

assunto dentro de um discurso conjunto, um fechamento artificial articulando o

jogador dentro do quadro diegético do jogo ou em uma situação da vida real".

O personagem é "um quadro de papéis por meio do qual o jogador interage

dentro do jogo, e para o qual ela constrói a ilusão de uma identidade contínua e

fixa, uma fictícia "história de si mesmo" ligando os desconectados, separados

papéis, juntos."

Na visão pós-moderna de Hakkarainen e Stenros, o personagem

interpretado em funções é tanto fictício e não fictício quanto "identidade normal"

do jogador. A única diferença do personagem para a pessoa é construída

unicamente pelo fato de que um é construído dentro de um quadro de jogo,

enquanto o outro não. Como Hakkarainen e Stenros rejeitam a ideia de

identidade estável, abrangendo apenas as funções de mudança ligadas por

ficção pessoal, eles concluem que as ações realizadas pelo personagem são

ações executadas pelo próprio jogador, agindo no modo "ficção". A

consequência lógica de endossar o pós-modernismo seria que, assim como

personagem não é um personagem em relação a "verdadeira identidade", jogo

também não é mais um jogo em comparação com não-jogo. Embora este

relativismo pode - e deve - ser questionada, uma interpretação um pouco mais

moderna deste modelo de personagem é uma representação viável de como

uma identidade diegética é construída. [^ref26]

A identidade diegética aborda essencialmente o equivalente ao

personagem com o jogador, com a alegação de que o jogador cria o

personagem, fingindo ser outra pessoa. Neste Hakkarainen e Stenros refutam

a abordagem idealista de muitos idealistas imersionistas, [^ref27] que alegaram

que o personagem é uma entidade separada e externa a ser adotada para a

duração do jogo. Para dizer que o personagem é o jogador também significa

que todos os personagens apresentam o pensamento humano; mesmo quando

o personagem é uma pedra, uma árvore ou um elfo antigo, é antropomorfizado

para os efeitos do jogo. O homo sapiens não pode replicar a identidade ou o

pensamento de um cão. Essa abordagem também refuta as afirmações de

Page 147: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

145 imersão completa ou perfeita no personagem, como a pretensão é a atividade

autoconsciente pouco consciente de tanto a ficção fingida e a existência fora

dela; tem-se argumentado que os jogadores essencialmente fingem acreditar

que eles são os seus personagens (Pohjola 2004).

Harviainen (2005) propôs um ponto de vista sobre o conceito de caráter

que pode ser colocado entre o imersionista idealista e aquele apresentado por

Hakkarainen & Stenros, escrevendo:

"Um personagem de RPG é o senso de auto existência de seu

jogador em um estado onde cada um é influenciado pelo outro. O

personagem deriva novas informações do jogador e é, quando

necessário, de forma espontânea expandido para novas direções

por ele. Ao mesmo tempo, o jogador experimenta coisas novas com

o personagem atuando como uma máscara que permite eventos

normalmente impossíveis para o jogador e como um filtro através do

qual o jogador experiências apenas as partes dos eventos do jogo

que julgar necessárias (ou apenas interessante) "(Harviainen 2005).

Em sua caracterização Harviainen mantém um pouco do idealismo

imersionista, vendo que a máscara sociocultural que é um personagem fornece

ao jogador com alguma agência genuína permitindo-lhe realizar ações ou

acessar informações que não poderia ser feito sem ele. A abordagem de

Harviainen não está em contradição com a visão pós-moderna sobre

personagens de Hakkarainen e Stenros, exceto pelo fato de que ele é baseado

no entendimento moderno de uma identidade.

É importante compreender que uma identidade diegética e um

personagem do filme são estruturas fundamentalmente diferentes. O

personagem do filme é uma entidade externa interpretada pelo espectador, e,

assim, ele pode ter propriedades que o observador não poderia ter-se

inventado sozinho. A personagem do filme pode ter juízo mais rápido e

vocabulário mais amplo do que o espectador tem. Jogadores de RPG precisam

usar sistemas de regras e estilos de jogos descritivos e distantes para retratar

esses personagens. Ao invés de contar uma boa piada, um jogador de RPG de

mesa só poderia descrever que sua personagem conta uma boa piada, e talvez

até role um dado para justificar a bondade da piada no quadro jogo.

Page 148: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

146 Outra diferença é que enquanto os personagens de mídias são

apresentados no contexto de um mundo de história, personagens de RPG são

apresentados no contexto de um mundo de jogo. "Cachinhos Dourados" é

definida pela sua aventura: É difícil imaginá-la em uma outra história. O

contexto da narrativa fornece Cachinhos Dourados com suas qualidades típicas

de Cachinhos Dourados. Para os jogadores de personagens de RPG, o mundo

cheio de oportunidades e potencialidades é o contexto significativo e muito

mais central do que a história. [^ref28]

Somente em retrospectivas o contexto narrativo torna-se central.

Quando os jogadores relembram as carreiras de seus personagens mais tarde,

eles o fazem narrativizando as histórias jogadas. Na verdade, muitas vezes os

mestres de jogo planejam intencionalmente a intriga[^ref29] de uma forma que

é susceptível de produzir histórias atraentes (ver Hélio 2004).

Assim como o conceito de identidade de um modo geral, o conceito de

identidade diegéticas pode ser visto a partir de vários ângulos. As múltiplas

faces da personagem têm funções diferentes no processo de role-play.

Parecia com uma coleção de papéis ligados por ficção pessoal, o

personagem age como um intermediário10 para o jogador, diferenciando o

sucesso exógeno do jogador a partir do sucesso diegético do personagem

(veja Montola 2005). Corpo físico não pode ser totalmente excluído desta ficção

pessoal; muito opostamente, isso é uma base importante na construção da

identidade. Mesmo que a história diegética de si pode ser uma tragédia,

história exógena do jogador de si pode ser uma história de sucesso. Esta

construção personificada serve como base de identificação dentro do jogo,

permitindo a tomada de decisões diegéticas, que Björk e Holopainen (2005)

caracterizam como o elemento essencial do role-play.

Vendo o personagem como a presença do jogador no mundo do jogo

implica que o personagem age como os olhos, ouvidos e mãos para o jogador

no jogo: o personagem é o ponto focal da diegese do jogador e uma peça de

jogo que ela usa para afetar seus arredores.

Finalmente, o personagem é uma medida de energia do jogador sendo

uma combinação de atributos físicos e mentais, história pessoal e as relações

sociais. Definindo o personagem como um arquimago ou um chefe da máfia

Page 149: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

147 coloca limites muito claros de ações permitidas para o jogador e que tipo de

consequências que possam ter.

8. Conclusão

A multiplicidade de culturas de roleplay faz suas definições e descrições

muito problemática. As diferenças de, por exemplo, jogadores performativos,

competitivos e imersionistas são vastas. A visão apresentada aqui é centrada

na cena nórdica de RPGs de mesa e LARPs, mas o meu objetivo tem sido o de

acomodar uma ampla gama de atividades de RPG.

Quando RPG é discutido a partir do ângulo ludológico, é relevante para

contemplar a posição de atividades de RPGs como jogos. Juul (2003) oferece

seis requisitos para o que ele chama de um jogo clássico. São regras fixas:

resultado variável; valorização do resultado; o esforço do jogador; apego do

jogador aos resultados e negociabilidade das consequências extra lúdicas.

Com base nestes critérios, Juul argumenta que "role-play de papel e caneta

não são jogos normais, porque, com um mestre de jogo humano, suas regras

não são fixas e fora de discussão." Na verdade, as três regras apresentadas

aqui são muito abertas, e não fazem um bom jogo em seu próprio conjunto de

regras.

Como já demonstrado anteriormente (Montola 2005), roleplays não

inerentemente exigem valorização de resultados de qualquer um. Com

valorização Juul (2003, 34) quer dizer que aos resultados do jogo são

atribuídos valores positivos e negativos de acordo com sua conveniência. Em

role-plays a prioridade geralmente é a importância diegética de resultados

diegéticos, enquanto a valorização dos resultados do quadro de jogo é

altamente ambígua, dependendo de objetivos exógenos dos jogadores. Na

verdade, a mentalidade de roleplays geralmente significa que as atividades

realizadas no quadro do jogo estão longe de ser o ideal, o que está em

contradição tanto com a valorização do jogador quanto ao apego ao resultado

do jogo.

A coisa mais importante para compreender como abordagens

ludológicas podem ser usadas com sucesso para promover a compreensão

dos RPGs. A intenção deste artigo é esclarecer que, se RPG é um jogo, que

Page 150: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

148 tipo de jogo é, e se ele é olhado ludologicamente, quais cuidados devem ser

aplicados.

Agradecimentos

Durante a escrita deste artigo, recebi uma infinidade de críticas valiosas,

ideias e comentários de várias pessoas, tais como J. Tuomas Harviainen, Simo

Järvelä, Petri Lankoski e Jaakko Stenros. O trabalho feito para este artigo foi

financiado pelo Projeto Integrado em Gaming Pervasive, bem como a

Fundação Cultural finlandesa. A versão do projeto foi apresentada no seminário

Desempenhando Papéis (20 de março de 2006, Tampere).

NOTAS

[^note1]: Esse artigo foi originalmente escrito em 2005 e atualizado em 2008.

Meus outros 2 artigos (Montola 2007a, 2007b) já referenciaram-lhe.

[^note2]: RPG de mesa algumas vezes é chamado de RPG de caneta e papel

(pen’ n’ paper). Live-action RPG (RPG ao vivo) é muitas vezes chamado de

larping, e RPG virtual inclui RPGs em mundos virtuais persistentes, como

MUDs e MMORPGs.

[^note3]: Veja por exemplo Kaprow 1966 e Boal 2002 para fontes diretas, e

Morton 2007 e Harviainen 2008 para abordagens de RPG.

[^note4]: Mackay (2001) propôs uma versão com cinco camadas, dividindo o

quadro diegético em 3 camadas dependendo do estilo de parole usado.

Kellomäki (2004) tem um modelo similar ao do Mackay's, com quatro camadas

de interação: social, jogo, narração e personagens.

[^note5]: O tácito conhecimento de como jogar Pôquer não é comunicado nas

regras escritas do jogo, mas os jogadores continuam expressando que a tática

social é uma parte legítima e importante do jogo.

[^note6]: Eu tenho discutido os objetivos dos RPGs mais profundamente em

Montola (2005), e em particular, o contexto do RPG dentro dos mundos

virtuais.

[^note7]: Há muitas curiosidades semelhantes entre Killer e My Life with

Master, além do fato de Killer poder ser considerado um RPG extremamente

Page 151: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

149 jogável, enquanto My Life with Master é um jogo explicitamente narrativista

(veja Kim 1998 para discussão sobre gamismo, narrativismo e simulacionismo)

[^note8]: Apesar de Aarseth (1997) diferenciar cybertextos de hipertextos por

requerendo os cybertextos em ter um elemento computacional na sua criação,

ele ainda trata atividades de RPG como "cybertexto oral".

[^note9]: O que eu chamo de mundo do jogo também tem sido chamado de

espaço imaginário compartilhado — shared imaginary space (SIS). De acordo

com Mäkelä & al. (2005) os espaços imaginados — imagined spaces (IS) dos

participantes se sobrepõem para criar o espaço imaginário compartilhado. Por

consequente, o seu espaço imaginário seria equivalente a minha diegese. A

ideia de um espaço compartilhado imaginário contém um paradoxo, já que algo

imaginário nunca poderia ser verdadeiramente compartilhado.

[^note10]: Sandberg (2004) discute a ideia de uma "audiência em primeira

pessoa", com a ideia que somente o jogador pode compreender propriamente e

apreciar sua própria criação subjetiva.

[^note11]: Meu uso do termo "interação" denota que A pode afetar a maneira

que B afeta A de forma não predeterminada e não trivial, e vice versa. De fato,

essa decisão exclui jogos de computador simples: Esse artigo discute RPG

como um processo social, requerendo dois participantes sencientes.

[^note12]: O papel do mestre de jogo originou-se do papel de árbitro em jogos

de guerra (wargames). Nesses jogos de guerra, a disputa era supostamente

para acontecer entre os jogadores no nível do jogo, e não pessoas brigando

sobre regras num nível social. A inclusão de um árbitro facilitaria esse

processo.

[^note13]: Um exemplo inovador de regras retratando o gênero do mundo

diegético assim como suas leis da natureza é Amber: Diceless Role-Playing

(Ambar: RPG sem dados). O autor Erick Wujcik (2004) enfatiza que o jogo não

é sem dados devidos a algumas "razões teóricas obscuras", mas mostra o jeito

dos livros Amber de Roger Zelazny."Nos livros originais, nada nunca acontece

por acaso; todo momento que alguma coisa parece acontecer ao acaso, é

revelado que alguém estava manipulando os eventos por de trás das cenas.

Em Amber o tema deve ser o mesmo, portanto os dados não são necessários".

Em muitos casos como esse, a física do mundo do jogo estão misturadas com

Page 152: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

150 elementos do gênero: ler as regras é impossível dizer como a mecânica da

probabilidade funciona dentro do mundo de Amber.

[^note14]: Xadrez pode ser usado com RPG em diversas formas. Por exemplo,

os jogadores podem construir uma diegese imaginando uma partida entre

Kasparov e Karpov, ou eles podem usar algumas peças como construções de

personagens personalizados. RPG dentro do mundo do xadrez se refere à

última alternativa.

[^note15]: Alguns filmes, é claro, quebram a quarta parede intencionalmente

mostrando equipe de filmagem ou com os atores falando direto com o público.

[^note16]: Ryan (2001) chama essencialmente a mesma coisa como

estimulação mental. De acordo com ele, estimulação pode ser descrita como

uma de pensamento contrassenso na qual o sujeito se coloca ele mesmo na

mente de outra pessoa. Ela ilustra com o seguinte exemplo: "Se eu fosse tal e

tal, acreditasse em p e q, faria eu x e y?"

[^note17]: Organizações como Camarillha (White Wolf) e RPGA (Wizards of the

Coast) criaram sistemas de regras extremamente detalhados para isso,

utilizando através de regras endógenas e exógenas para determinar quem

pode afetar a diegese e como. Eles também fornecem penalidades exógenas e

endógenas para as infrações.

[^note18]: Em vez disso, o problema é resolvido dentro do sistema social ou do

sistema legal.

[^note19]: Pode se argumentar que no Tetris o poder do jogador não é restrito,

já que o jogador é permitido manipular os blocos tão eficientemente quanto

possível. Entretanto, o sistema computacional do Tetris inclui uma multidão de

funções desabilitando os melhore métodos se se colocar os blocos em fileiras

perfeitas.

[^note20]: Fatland (2005) notou que antes do larp ser jogado, há um trabalho

do mestre do jogo em estabelecer uma pré-diegese, um ponto inicial do larp.

Esse é o ponto final aonde qualquer indivíduo poderia acessar todas as

informações a respeito do jogo. Assim que a informação é dada para os

jogadores, o mundo unificado é quebrado nas várias diegeses as quais tenham

pessoas acessando-as.

Page 153: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

151 [^note21]: Este tipo de resistência interpretativa é comum em todo o consumo

de mídia. Rir pode ser usado como uma estratégia para refutar o medo

causado por um filme de terror.

[^note22]: Afirmei mais cedo (Loponen & Montola 2004) que, enquanto

diegeses subjetivas dos jogadores são equivalentes - ou seja, as diegeses

produzem consequências indistinguíveis - a crise pode ser evitada. A

equivalência é perdida quando os jogadores avisam sobre uma contradição, e

as diferenças devem ser conciliadas. Muitas vezes, essa reconciliação é

liderado pelo mestre de jogo, com o poder exógeno e endógeno dado a ela

pelos jogadores.

[^note23]: Democrática, no sentido de que ela tende a dar quantidades

semelhantes de poder para todos os participantes. Deve notar-se que a

democracia não é necessariamente uma característica desejável na estética do

role-play. (cf. Svanevik 2005 e Pohjolae 1999.)

[^note24]: Este tipo de abordagem tem sido incentivada dentro dos estudos de

cinema e literatura anteriores. Citando Smith (1995, 20-21): "James Phelan

apontou que qualquer 'conversa sobre personagens plausíveis como pessoas

possíveis pressupõe que nós sabemos o que uma pessoa é. Mas a natureza

do ser humano é, naturalmente, uma questão altamente contestada entre os

pensadores contemporâneos.' Enquanto isso seria considerado como um

truísmo pela maioria dos teóricos contemporâneos de cinema e literatura,

apenas uma fração da volumosa literatura sobre identidade pessoal a que

Phelan fala foi elaborado em cima."

[^note25]: Alguns autores escandinavos (Fatland & Wingård 1999 Brenne

2005), ocasionalmente, usam a palavra "papel" como sinônimo de

"personagem", devido às influências linguísticas das línguas locais

[^note26]: " A visão de Fine (1983) é que os jogadores têm uma identidade real,

que está entre colchetes durante o role-play. Se esta experiência é ilusória ou

não, não é central para esta discussão, o ponto é que as identidades diegéticas

e "reais" são construídas de forma semelhante.

[^note27]: Tal como Pohjola (1999), que mais tarde (2004) mudou sua postura.

[^note28]: Paul Czege (2003) Minha Vida com o Mestre é uma exceção a essa

regra.

Page 154: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

152 [^note29]: Aarseth (1997) usa a "intriga" para designar "um plano secreto em

que o usuário é o inocente, mas voluntariamente, alvo (vítima é um termo muito

forte), com um resultado que ainda não está decidido - ou melhor, com vários

resultados possíveis que dependem de vários fatores, tais como a inteligência

e a experiência do jogador ". Em outras palavras, a intriga é a estrutura

planejada de possíveis parcelas que poderão ser realizados durante o jogo.

(2005) fábula LARP do Fatland praticamente igual a intriga de Aarseth.

Notas de tradução

1 Não traduzimos a palavra do inglês quadro pois ela mostrou-se sem nenhum

equivalente na língua portuguesa, além de ser razoavelmente disseminada em

vários grupos. Quadro mais literalmente significaria quadro, moldura, suporte,

estrutura. Nesse sentido, ele é usado em várias áreas como um sistema que

estrutura vários elementos como num suporte para outros usos. Neste caso

especifico, de conceitos, definições e outros elementos base que dariam

suporte à outros estudos da área.

2 No texto original em inglês o autor, que é Finlandês, usa pronomes femininos

(she, her) onde normalmente se usaria pronomes neutros (it, its). Não

conseguiu averiguar-se a razão de tal uso, se intencional (e qual intenção) ou

não.

3 Larp (Live Action Role-Playing Game), é uma forma de RPG jogado ao vivo,

normalmente encenado num cenário físico real, com uso de figurino e outros

elementos cênicos.

4 Apesar de RPG incluir a palavra jogo no seu nome (jogo de role-playing),

algumas vezes ela é repetida de forma redundante, como jogo de RPG para

enfatizar ou realçar a natureza de jogo do RPG, que fica implícita na sigla mas

é explícita no texto original.

5 Mackay (2001) propôs uma versão com cinco camadas, dividindo o quadro

diegético em 3 camadas dependendo do estilo de parole usado. Kellomäki

(2004) tem um modelo similar ao do Mackay's, com quatro camadas de

interação: social, jogo, narração e personagens.

6 "ser divertido", do original "fun being" na mesma ideia de "ser humano"; "ser

..."

Page 155: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

153 7 esse trecho tem dois problemas na tradução, o primeiro é referente ao termo

arbitrário, pois tem o sentido de arbitro, como alguém de fora que comanda e

não arbitrário no sentido de probabilidade, como fica claro na frase seguinte; o

segundo problema é que no original o verbo é o to be na terceira pessoa do

singular ("is"), mas parece se referir aos três pontos da frase: "'o processo

interativo...' 'a diegese' e o 'mundo do jogo'", na dúvida deixei como no original,

"é".

8 paidos é o ideal de educação grego, como uma escola hoje que tivesse com

qualidade o ensino não só das matérias regulares, mas também esportes, artes

e etc.

9 café no sentido de um lugar tipo lanchonete ou padaria que sirva café da

manhã ou no final da tarde muito comum nos EUA.

10 intermediário do original proxy que significa a autoridade dada a uma

pessoa a agir por outra pessoa.

REFERÊNCIAS

-AARSETH, E., 1997, Cybertext. Perspectives on Ergodic Literature.

Baltimore: John Hopkins University Press.

-ANDREASEN, C., 2003. The Diegetic Rooms of Larp. In M. Gade, L. Thorup &

M. Sander, eds. As Larp Grows Up. Theory and Methods in Larp.

Copenhagen: Projektgruppen KP03.www.laivforum.dk/kp03_book

-BARTLE, R., 2004, Designing Virtual Worlds. Indianapolis: New Riders.

-BJÖRK, S. & HOLOPAINEN, J., 2003. Describing Games. An Interaction-

Centric Structural Quadro. In M. Copier & J. Raessens, eds. Level Up – CD-

ROM Proceedings of Digital Games Research Conference 2003.

www.digra.org/dl/db/05150.10348

-BJÖRK, S. & HOLOPAINEN, J., 2005, Patterns in Game Design.

Massachusetts: Charles River Media.

-BOAL, A., 2002, Games for Actors and Non-Actors. Second Edition.

Routledge: London. First edition in 1992.

Page 156: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

154 -BOSS, E. C., 2006. Collaborative Role playing: Reframing the Game. In Push

vol. 1, 2006, 13-35.

-BRENNE, G. T., 2005, Making and Maintaining Frames. A Study of

Metacommunication in Laiv Play. Master's Thesis for University of Oslo.

-CAILLOIS, R., 1958, Man, Play and Games. Chicago: Free Press. Ref. 2001

version.

-COSTIKYAN, G., 2002. I Have No Words & I Must Design: Toward a

Critical Vocabulary for Games. In F. Mäyrä, ed. CGDC Proceedings 9-33.

Tampere: Tampere University Press.

-CZEGE, P., 2003, My Life with Master. Ref. the 2004 Finnish translation

Kätyrin osa. Elimäki: Arkkikivi.

-DUGUID, B., 1999. I Know What I Like. In Imazine Rolegaming Magazine

#34. Originally published in Interactive Fantasy #3, 1995.

-EGRI, L., 1965. The Art of Creative Writing. New York: Kensington

Publishing.

-FATLAND, E. & WINGÄRD, L., 1999. Dogma 99. A Programme for the

Liberation of LARP. International version. Ref. the 2003 version in Gade, L.

Thorup & M. Sander, eds. As Larp Grows Up. Theory and Methods in Larp.

Copenhagen: Projektgruppen KP03. www.laivforum.dk/kp03_book

Fine, G. A., 1983, Shared Fantasy. Role-Playing Games as Social Worlds.

Chicago: University of Chicago Press.

-HAKKARAINEN, H. & STENROS, J., 2002. The Meilahti School. Thoughts on

Role-Playing. In M. Gade, L. Thorup & M. Sander, eds. As Larp Grows Up.

Theory and Methods in Larp. Copenhagen: Projektgruppen KP03.

www.laivforum.dk/kp03_book

-HARVIAINEN, J. T., 2005. Corresponding Expectations. Alternative

Approaches to Enchanced Game Presence. In P. Bøckman, & R. Hutchison,

eds. Dissecting Larp. Collected papers for Knutepunkt 2005.

http://knutepunkt.laiv.org/kp05

-HARVIAINEN, J. T., 2008. Kaprow‘s Scions. In Montola, M. & Stenros, J., eds.

Playground Worlds. Creating and Evaluating Experiences of Role-Playing

Games. Jyväskylä: Ropecon.

Page 157: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

155 -HELIÖ, S., 2004. Role-Playing: A Narrative Experience and a Mindset. In M.

Montola & J. Stenros, eds. Beyond Role and Play: Tools, Toys and Theory

for Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon. www.ropecon.fi/brap

-HUIZINGA, J., 1938, Homo Ludens. A Study of the Play Element in

Culture. Ref. 1955 edition. Boston: The Beacon Press.

-JACKSON, S., 1981, Killer. The Game of Assassination. Steve Jackson

Games. Referred to the 4th edition, 1998.

-JUUL, J., 2003, Half-Real. Video Games Between Real Rules and Fictional

Worlds. Doctoral Dissertation for IT University of Copenhagen.

-KAPROW, A., 1966, Assemblage, Environments &Happenings. New York:

Abrams.

-KELLOMÄKI, J., 2004, Simulaatio ja kerronta – roolipeli ergodisena

järjestelmänä. Master‘s Thesis for University of Helsinki.

-KIM, J. H., 1998. The Threefold Model FAQ. In

www.darkshire.net/~jhkim/rpg/theory/threefold/faq_v1.html

-KIM, J. H., 2006. Understanding Genre in Role Playing.

www.darkshire.net/~jhkim/rpg/theory/genre/definition.html

-LANKOSKI, P., 2004. Character Design Fundamentals for Role-Playing

Games. In M. Montola & J. Stenros, eds. Beyond Role and Play: Tools, Toys

and Theory for Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon.

www.ropecon.fi/brap

-LAWS, R. D., 2002, Robin’s Laws of Good Game Mastering. Steve Jackson

Games.

-LOPONEN, M. & MONTOLA, M., 2004. A Semiotic View on Diegesis

Construction. In M. Montola & J. Stenros, eds. Beyond Role and Play: Tools,

Toys and Theory for Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon.

www.ropecon.fi/brap

-MACKAY, D., 2001, The Fantasy Role-Playing Game. A New Performing

Art. London, McFarland.

-MCCLOUD, S., 1993, Sarjakuva – näkymätön taide. Helsinki, Good Fellows

1994. Finnish translation of Understanding Comics – The Invisible Art.

Page 158: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

156

-MONTOLA, M., 2003, Role-Playing as Interactive Construction of Subjective

Diegeses. In M. Gade, L. Thorup & M. Sander, eds. As Larp Grows Up.

Theory and Methods in Larp. Copenhagen: Projektgruppen KP03.

www.laivforum.dk/kp03_book

-MONTOLA, M., 2005. Designing Goals for Online Role-Players. In S. de

Castell & J. Jenson, eds. Changing Views: Worlds in Play. Proceedings

DVD of DiGRA conference, June 16.-20. Vancouver, Simon Fraser University.

www.digra.org/dl/db/06276.39565.pdf

-MONTOLA, M. 2007a. Breaking the Invisible Rules. Borderline Role-Playing. In

J. Donnis, L. Thorup, & M. Gade, eds. Lifelike. Copenhagen: Projektgruppen

KP07. www.liveforum.dk/kp07book

-MONTOLA, M., 2007b, Tangible Pleasures of Pervasive Role-Playing. In Baba,

A. (ed.), Proceedings of DiGRA 2007 Situated Play Conference 178-185.

September 24.-28. The University of Tokyo.

www.digra.org/dl/db/07312.38125.pdf

-MORTON, B., 2007. Larps and their Cousins Through the Ages. In J. Donnis,

L. Thorup, & M. Gade, eds. Lifelike. Copenhagen: Projektgruppen KP07.

www.liveforum.dk/kp07book

-MÄKELÄ, E.; KOISTINEN, S.; SJUKOLA, M. & TURUNEN, S., 2005. The

Process Model of Role-Playing. In Bøckman, P. & Hutchison, R., 2005,

Dissecting Larp. Collected papers for Knutepunkt 2005. Oslo, Knutepunkt

2005. http://knutepunkt.laiv.org/kp05

-PETTERSSON, J., 2005, Roolipelimanifesti. Jyväskylä: Like.

-POHJOLA, M., 1999. The Manifesto of the Turku School. In M. Gade, L.

Thorup & M. Sander, eds. As Larp Grows Up. Theory and Methods in Larp.

Copenhagen: Projektgruppen KP03. www.laivforum.dk/kp03_book

-POHJOLA, M., 2004. Autonomous Identities. Immersion as a Tool for

Exploring, Empowering and Emancipating Identities. In M. Montola & J.

Stenros, eds. Beyond Role and Play: Tools, Toys and Theory for

Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon. www.ropecon.fi/brap

-RYAN, M.-L., 2001, Narrative as Virtual Reality. Immersion and

Interactivity in Literature and Electronic Media. Baltimore: John Hopkins

University Press.

Page 159: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

157 -SALEN, K. & ZIMMERMAN, E., 2004, Rules of Play. Game Design

Fundamentals. Massachusetts: The MIT Press.

-SANDBERG, C., 2004. Genesi. Larp Art, Basic Theories. In M. Montola & J.

Stenros, eds. Beyond Role and Play: Tools, Toys and Theory for

Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon. www.ropecon.fi/brap

-SMITH, M., 1995, Engaging Characters. Fiction, Emotion and the Cinema.

New York: Oxford University Press.

-STENROS, J., 2004. Genre, Style, Method and Focus. Typologies for Role-

Playing Games. In M. Montola & J. Stenros, eds. Beyond Role and Play:

Tools, Toys and Theory for Harnessing the Imagination, Helsinki: Ropecon.

www.ropecon.fi/brap

-SVANEVIK, M., 2005. The Collective‘s Little Red Book. A Step-by-Step Guide

to Arranging Larps the Collective Way. In P. Bøckman, & R. Hutchison, eds.

Dissecting Larp. Collected papers for Knutepunkt 2005.

http://knutepunkt.laiv.org/kp05

-TAN, P., 2001, Tensions in Live-Action Role playing Game Design.

Master‘s Thesis for the MIT. Available in

http://web.mit.edu/philip/www/chapters/thesis.pdf

-WUJCIK, E., 2004. Personal discussion. The 26th of July 2004, Espoo.

Markus Montola (M.Soc.Sc.) é um pesquisador de jogo e doutor pela

Universidade de Tampere, na Finlândia. Depois de trabalhar por 3,5 anos em

um projeto de jogos de penetrantes, ele agora é financiado por doações da

Fundação Cultural finlandesa e se concentra em sua tese de doutorado em

role-playings e jogos generalizados. Ele coeditou Parque Worlds (2008) e Além

Role and Play (2004), com Jaakko Stenros. Durante os últimos 20 anos, ele

experimentou a maior parte das diversas formas de role-playing. Ele é membro

do Conselho Editorial principal do IJRP. www.iki.fi/montola

Page 160: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

158 NOVOS SABORES NO LARP BRASILEIRO Da coca-cola à caipirinha com gelo nórdico

Luiz Falcão

Tradução: Luiz Falcão

Resumo: O artigo reflete brevemente sobre a tajetória do larp no Brasil: desde

sua chegada, juntamente com RPGs, e os longos anos de larps orientados a

diversão sem grande apofundamento, até 2011, com a crescente interação

com as práticas e teorias do larp nórdico e mundial. Essa influência está

construindo uma nova identidade do larp brasileiro, com base na ideia de que o

larp é uma linguagem, uma mídia e um tipo de arte.

Palavras-chave: larp, Brasil, live-action role playing, Larp Nórdico;

Abstract: The article reflects briefly on the path of larp in Brazil: from its arrival

along with RPGs and long years of ―for fun‖ larps without far reaching outcomes

until 2011, with the growing interaction with practices

and theories of Nordic and world larp. This influence is building a new

identity of Brazilian larp, based on the idea that larp is a language, a

medium and a kind of art.

keywords: larp, Brazil, live-action role playing, Nordic Larp;

Page 161: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

159 O larp no Brasil já tem mais de 20 anos, mas até recentemente muito

pouco se sabia sobre ele — as primeiras tentativas de edificar uma memória

coletiva ou historiografia do larp brasileiro começaram muito recentemente e

esbarram, até hoje, na principal dificuldade de entusiastas e pesquisadores: a

memória do larp no Brasil é privada. Associados aos jogos de RPG, os jogos,

registros, histórias e materiais diversos sobre os larps circularam em grupos

restritos, apenas entre aqueles que os realizaram, até muito recentemente,

quando o larp passou a ser visto como uma atividade cultural de acesso

público, para além de um hobby práticado a portas fechadas.

Este artigo, portanto, não pretende dar conta da historiografia do larp

brasileiro, mas ser o registro de um ponto de vista possível, construído a partir

das trajetórias, diálogos, pesquisas e tradições nos quais estão inseridos o

autor e seus colaboradores. O foco deste ponto de vista é a cidade de São

Paulo, que tem tido certo protagonismo na construção desse cenário nacional

do larp, mas inevitavelmente deixará de lado muitos episódios relevantes dessa

história que começa a tomar forma.

A Primeira Onda

Ao que tudo indica, o larp chegou no Brasil de carona com o jogo de

RPG Vampiro: a Máscara, na primeira metade dos anos 1990. Rapidamente,

conquistou centenas e talvez milhares de adeptos pelo país. Alguns jogos eram

ainda integrados ao projeto One World by Night, que pretendia unir todos os

larps do cenário de Vampiro em uma única e coesa história oficial. Espalharam-

se pelo território nacional, não apenas entre as 27 capitais do país, mas

também em muitas cidades do interior. Em São Paulo, contam até hoje, não

eram raros eventos que ultrapassassem as duas ou três centenas de

jogadores. Os enredos eram contínuos (que chamamos aqui de larp de

campanha) e muitos deles com periodicidade mensa.

O modelo "One World" foi enfraquecendo com o tempo, devido em parte

a suas próprias contradições e obstáculos. A oficialidade das tramas gerava a

necessidade de aprovação das histórias depois que elas já tinham acontecido

Page 162: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

160 regionalmente, dessa maneira, sessões inteiras poderiam ser anuladas por não

se encaixarem na cronologia oficial. A rígida hierarquia diegética (e não-

diegética) inflada e distribuída globalmente muitas vezes impedia ou

desestimulava a progressão local de personagens e tramas. A necessidade de

coerência e cumprimento de diretrizes — para aprovação e validação das

tramas locais — coibia a liberdade e criatividade dos grupos, engessando-os a

modelos muitas vezes alienantes. Aliados à característica regionalista e

pessoal, íntima e privada (de grupos ou clubes de jogo), esses complicadores

fizeram com que o ―modelão‖ fosse perdendo adeptos para jogos mais

reservados.

Pouco tempo depois, a popularização da internet trouxe ao Brasil

também o boffer larp americano — tendo em sua maior representação até hoje

o mítico grupo Graal, que teve origem em São Paulo em 2000, alugando sítios

aos finais de semana para cerca de 50 pessoas. Larps medievais com espadas

de espuma existem no Brasil até hoje (e estão se multiplicando).

Essa primeira onda do larp no Brasil trouxe o que eram as duas

principais vertentes do larp estadounidense, muito ligadas ainda ao RPG de

mesa e seus títulos comerciais, seja prática ou tematicamente. Desde seu

surgimento no Brasil, esse modelo coca-cola experimentou inúmeras variações

— apesar da hegemonia do Vampire, sempre houve outras temáticas, estéticas

e assuntos abordados — mas sempre dentro da lógica dos jogos de RPG, com

abordagens aventurescas ou pulp, produções muito singelas, fichas de

personagens, regras e pontuações para descrever ações e personagens e a

duração de ―uma sessão de RPG‖. O larp era, afinal, visto no país como uma

―modalidade‖ de RPG.

Sobre o modo de jogar, ainda que as fórmulas fossem norte americanas,

a contaminação por sabores regionais é inevitável. O ―dogma‖ do larp

americano ―não toque‖, por exemplo, parece ter se disseminado no Brasil de

maneira atenuada — ao invés de aderir a ele, os jogadores pareceram adotar a

regra do ―bom senso‖ que, sim, é absolutamente subjetivo, mas ilustra de forma

bastante clara o tipo de apropriação comum a cultura brasileira.

Em alguns casos, como é o exemplo da cidade de Londrina por volta de

2000 (com larps de Matrix e X-Files, por exemplo), e da Confraria das Ideias

em São Paulo, os jogos adquiriram uma característica quase freeform: a ficha

Page 163: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

161 consistia de um nome, algumas informações e objetivos do personagem, e, em

caso de conflito, o mestre decidia a ação ou eram usados sistemas pouco

complexos de resolução. É o caso de Tempos de Chumbo [Fig. 1 ], primeiro

larp da Confraria das Ideias, sobre a ditadura militar brasileira dos anos 60 e

70, que marcaria a identidade de toda a produção do grupo até meados de

2012.

Os larps se tornaram muito comuns e difundidos também em eventos e

convenções de RPGs e cardgames, na maioria das vezes em versões one shot

(histórias com começo meio e fim na mesma sessão). Com o declínio da

frequência e popularidade dos larps de Vampire e boffer larps (que de certa

maneira entraram em hiato no Brasil alguns anos depois de seu surgimento,

dando lugar a grupos de swordplay, sem larp, por um longo período), esses

larps curtos e casuais realizados em eventos tornaram-se provavelmente o

território de maior desenvolvimento e consolidação da prática no Brasil. Dos

grupos que participaram desse movimento, que pode ter constituído uma

marola em relação a primeira onda, são conhecidos e atuantes até hoje o

grupo Megacorp e a Confraria das Ideias.

A Segunda Onda

Então o larp americano chegou no Brasil fazendo certo estardalhaço,

dentro da comunidade de jogadores de RPG e fora dela também, mas logo se

tornou menos visível, menos (re)conhecido e sem dúvida menos práticado.

Como acontece com os jogos de RPG, a cultura do larp era pessoal, privada.

Em sua grande maioria — excetuando os já mencionados larps em eventos —

o larp era uma coisa para ser práticada entre amigos e amigos de amigos, de

portas fechadas e não publicamente.

O ponto de virada para uma segunda onda estava em fazer do larp uma

atividade cultural, pública e reconhecida para além de um jogo entre amigos. E

esse passo foi dado pelo grupo Confraria das Ideias em parceria com a

Secretaria de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo. Em 2005 e

2006 com um curso especializado em larp promovido pela parceria; e a partir

de 2007, com a entrada do larp para a programação cultural oficial da cidade.

Realizado em bibliotecas públicas por toda a mancha urbana, essa

Page 164: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

162 programação se estende até hoje. Além do reconhecimento como atividade

cultural, tal passo concedeu ao larp brasileiro outro fator inédito: verba

destinada a produção e realização dos larps. Isso se refletiu ao longo do tempo

nos larps que se seguiram, em qualidade, alcance e registro documental, que

passou a ser disponibilizado pulverizadamene em redes sociais, sites e blogs

na internet.

O exemplo da Prefeitura de São Paulo e da Confraria das Ideias

alimentou e alicerçou outras iniciativas ao redor do país, dando novo fôlego à

linguagem. Arraiá de Assumpção [Fig. 2], larp de temática mítica e regionalista,

criado na ocasião do aniversário de um músico popular brasileiro, Luiz

Gonzaga; O Maior Passo de Humanidade, larp de ficção científica criado para o

contexto da comemoração da chegada do homem à Lua, ambos da Confraria

das Ideias; e O Pomo de Ouro, do Grupo Megacorp, recriação do mito grego

para o MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), são bons

exemplos que ilustram esse período.

Até 2011, o larp no Brasil conheceu um processo tímido de

amadurecimento e diversificação. A maior parte de sua memória e sua parca

documentação permaneceu em caráter privado, mas iniciativas de publicização

começaram a aparecer no horizonte. As formas rígidas dos larps baseados em

RPGs de mesa começaram a dar ainda mais espaço a formas livres, e até

mesmo a associação com os RPGs foi dando lugar a uma maior autonomia da

linguagem. As temáticas, no entanto, embora não estivessem mais presas a

cenários de RPG, continuaram girando em torno do mesmo eixo: histórias

aventurescas, temas pulp, de mistério e horror. Ficção de gênero das mais

caras ao público já familiarizado a outros jogos de representação.

A Terceira Onda

Se a segunda onda consiste em um momento de sedimentação e

progressão sutil, a terceira onda é marcada pelo irrompimento vigoroso e

efervescência produtiva que, mesmo que a princípio engendrados por um

pequeno grupo, têm provocado discussões e quebras de paradigmas — e

motivado cada vez mais pessoas a experimentarem com a linguagem.

Marco desse momento do larp brasileiro pode ser identificado como o

Page 165: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

163 projeto Boi Voador. Um pequeno grupo, saído de dentro da Confraria das

Ideias inicia um novo projeto com foco diferenciado. Se a Confraria conseguiu,

nos anos anteriores, reconhecer o larp como atividade cultural, o grupo

entendeu que havia mais um passo adiante: reconhecer o larp como uma

forma de arte. Foi na pesquisa de fundamentos para um projeto formal a ser

apresentado para a prefeitura de São Paulo que o grupo descobriu o Larp

Nórdico.

Em 2011, este grupo teve aprovados dois projetos irmãos por um

pequeno edital de financiamento a arte e cultura da cidade de São Paulo.

O Boi Voador, que consistia em um núcleo de produção de larps, tendo

como referência o modelo de companhias teatrais e o trabalho que os

membros já vinham realizando em anos anteriores dentro da Confraria das

Ideias — mas com objetivos e metas de design muito claros. O objetivo era

produzir larps que pudessem ser técnica e esteticamente comparados a peças

de teatro ou performances profissionais e cujos designs fugissem da receita até

então sedimentada no Brasil de larps para 15-40 pessoas com personagens

bastante elaborados e relacionados entre si, ou criados pelos próprios

jogadores como em uma campanha de RPG (modelo herdado dos larps de

Vampire e boffer, mas até este momento já desenvolvido à sua própria maneira

no país).

E o NpLarp — Núcleo de Pesquisa em Live-Action Role playing — que

tinha por objetivo pesquisar, discutir e tornar público a maior quantidade de

material relevante sobre a linguagem no Brasil, além de promover encontros do

larp com outras linguagens (o teatro de máscaras, os RPGs indies e os jogos

de tabuleiro foram alguns dos tópicos escolhidos para esses encontros) e entre

os próprios criadores e jogadores de larp que, divididos em grupos, até aquele

ano nunca tinham se encontrado para discutir a linguagem ou mesmo suas

práticas e experiências.

O Boi Voador e o NpLarp não foram o primeiro contato brasileiro com o

Larp Nórdico. Antes disso, em 2009, o pesquisador Wagner Luiz Schmit

chegou a visitar o Knutepunkt e publicar artigo no livro daquele ano e outro

pesquisador, Renato Alves, apresentou um trabalho acadêmico a respeito da

teoria nórdica. Mas nenhum desses casos, até então, tinha tido grande

repercussão ou influência sobre a cultura de larp brasileira, nem mesmo

Page 166: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

164 chegando a tornarem-se conhecidos.

Tango para Dois, um chamber game de Even Tømte e Tor Kjetil Edland,

foi o primeiro jogo nórdico a ser traduzido e aplicado publicamente no Brasil,

em 2011, como o primeiro larp realizado pelo grupo Boi Voador. Também de

origem nórdica, os role-playing poems foram bastante usados pelo grupo, nos

mais diferentes contextos (a saber, especialmente os jogos Mystério ama

Companhia e Boa Noite Queridinhas).

As histórias, jogos e teorias do larp nórdico começaram a chamar a

atenção de outros grupos, produtores e jogadores, mas a influência não se

restringiu à aplicação de jogos traduzidos ou adaptados. Convivendo com a

literatura nórdica, do Manifesto Dogma 99 ao livro Nordic Larp ou os artigos de

Lizzie Stark, o Boi Voador desenvolveu também seus próprios jogos,

Caleidoscópolis e A Clínica - Projeto Memento.

Caleidoscópolis [Fig. 3], de Cauê Martins, foi uma experiência radical de

criação improvisada de personagens e enredos in-game partindo apenas de

alguns sorteios e maquetes dispostas pelo ambiente (em uma proposta de

representação não mimética do espaço).

A Clínica — Projeto Memento [Fig. 4 e 5], de Luiz Falcão, tentava

integrar o experimentalismo pretendido pelo grupo aos gostos e preferências

do público de larp de São Paulo na época. Nesse jogo, os personagens

começavam sem memórias, trajados com roupas de internos de hospital, em

uma sala fechada. Conforme interagiam uns com os outros e com os objetos

dispostos no espaço, recuperavam aleatoriamente fragmentos de memória. Os

jogadores deveriam então preencher as lacunas entre as memórias que

coletassem, muitas vezes desconexas ou contraditórias. Bastante focado na

experiência (com tempos de espera estendidos, início gradativo do larp,

experiências cinestésicas), A Clínica não deixou de lado a elaboração de um

enredo um pouco mais tradicional, com direito até mesmo a um mistério para

ser resolvido pelos personagens.

Ao final do projeto, o grupo publicou os resultados de seu trabalho em

forma de uma retrospectiva comentada e um guia de 80 páginas, o livro LIVE!

Live Action Role playing, Um Guia Prático para Larp [Fig. 6], feito a partir do

trabalho de pesquisa do NpLarp, que aborda o larp enquanto linguagem, uma

grande gama de formas e variantes existentes do larp (e atividades

Page 167: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

165 semelhantes), links para cenários prontos para jogar, grupos no Brasil que

práticam larp, e um capítulo final dedicado à prática do larp pelo mundo. É o

maior guia de referência do gênero em língua portuguesa, gratuito e em

creative commons, e tem sido até hoje responsável por aproximar (e

reaproximar) muitas pessoas da linguagem.

A influência desse projeto no cenário brasileiro vai sendo percebida

gradativamente, primeiro na Confraria das Ideias, posteriormente, em outros

grupos, de outras partes do país. São grupos que se inspiraram, motivaram ou

ou simplesmente estão alinhamento com o trabalho do Boi Voador ou as

pesquisas do NpLarp, como é o caso de Fronteiras de Akitan em Viçosa e da

BCS (Batalha Cênica Salvador), em Salvador. No larp Macondo, da Confraria

das Ideias, por exemplo, a mudança de luz provocava alterações na identidade

dos personagens (inspirado na mecânica muito semelhante de Tango para

Dois), um tipo de experimentação completamente inédita na tradição do grupo

que criou e aplicou o jogo. No larp Funeral, houve também o uso de recursos

imersivos e cinestésicos e da transição gradativa entre ambiente off-game e in-

game, como em A Clínica.

A influência dentro da Confraria das Ideias se aprofunda em 2012. O

principal escritor do grupo naquele ano, Luiz Prado, integra também o NpLarp

e, muito próximo às reflexões do Larp Nórdico, mas atento às características do

público local, é um dos principais fomentadores de novas experiências

estéticas e formais. O conceito do larp Funeral, a estrutura dramática e

mecânica em Drácula — Um conto sobre poder e Monstros, ambos de 2012,

ou os personagens escritos ―em nuvem de tags‖ de a.experiência.quimera, de

2013, inspirados pelo larp The Mothers, são alguns exemplos de apropriações

formais e estéticas do período.

Em 2013, o NpLarp publicou nova versão de seu guia e convidou o

pesquisador Wagner Luiz Schmit [Fig. 7] para uma palestra em São Paulo na

qual falou sobre larp em sua cidade, Londrina, sua pesquisa com jogos de

representação e educação, sobre sua visita a Noruega em 2009, sobre o

knutepunkt e o Larp Nórdico. No mesmo ano, Goshai Daian e Leonardo

Ramos, organizadores do larp Fronteiras de Akitan, em Viçosa, publicaram um

breve artigo no livro do Knutepunkt.

Também em 2013, passamos a nos comunicar em São Paulo com um

Page 168: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

166 grupo de larp de Salvador, Bahia — o grupo de swordplay e boffer larp Batalha

Cênica Salvador (BCS) — que começou a utilizar Ars Amandi em seu larp de

campanha Zalius. Em semelhança ao que acontece em Fronteiras de Akitan,

os organizadores do larp em Salvador preocupam-se em dar forma a uma

fantasia medieval que não fique completamente estranha às terras e

sonoridades brasileiras, partindo da história nacional do país colônia e império

e criando um cenário fantástico, inspirado pela idade média europeia mas

valendo-se da cultura local — e com mais profundidade emocional do que

apenas um ―larp de combate‖.

Paralelamente, o boffer larp mais convencional também ressurge em

São Paulo (onde ele esteve sumido desde o início dos anos 2000, ao contrário

do que aconteceu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais) e diversos grupos de

vampire larp, independentes entre si, ganham força e relevo localmente —

alguns novos, outros retomando as atividades. A fidelidade às regras e aos

modelos do larp oficial dos jogos Vampire (seja sua versão mais atual

Requiem, como a mais antiga Masquerade, ainda muitíssimo popular) varia

muito de grupo para grupo. Em Belo Horizonte, o grupo Projeto Requiem BH

usa muito pouco das regras e orientações presentes nos manuais,

aproximando-se muito mais de um freeform. Enquanto aproveita a ambientação

e cenário, recolhendo toda a influência possível de outras fontes, incluindo aqui

o Larp Nórdico, seja em seu vocabulário e debates (como o termo bleed), seja

realizando jogos pontuais em outras ambientações e cenários próprios ou

experimentando formatos como role-playing poems em encontros especiais,

voltados também para o debate e a reflexão das possibilidades do larp.

Em 2013 aconteceu também, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a

primeira edição do evento Laboratório de Jogos, dedicado a desenvolvedores

de ―jogos narrativos‖. O labJogos, como ficou conhecido, foi promovido por

pessoas ligadas ao cenário do RPG Indie brasileiro (que ganhou destaque

internacional esse ano com o jogo Pulse, de Vinicius Chagas, vencedor do

concurso Game Chef de RPG e jogos analógicos) e atraiu também larpers de

Minas Gerais e estados vizinhos. O encontro foi importante para o cenário do

larp no Brasil, aproximando realizadores que ainda não se conheciam,

promovendo o debate e a troca de experiências e resultando na criação de um

grupo de discussão em rede social, provavelmente o primeiro ―fórum‖ nacional

Page 169: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

167 de larp. E claro, houve larp no Laboratório de Jogos — os jogadores puderam

conhecer os role-playing poems (com destaque especial para o Boa Noite

Queridinhas, novamente), o protótipo do larp Jogo do Bicho, do grupo Boi

Voador, e o larp Ouça no Volume Máximo, de Luiz Prado.

O encontro deu origem, de volta a São Paulo, a uma nova iniciativa, o

LabLarp, uma série de encontros que se estenderam durante todo o segundo

semestre com o objetivo de experenciar e debater a linguagem do larp. O

LabLarp acontecia em encontros noturnos às quartas feiras, duas vezes por

mês, em um espaço privado mas aberto na medida do possível a qualquer um

que estivesse interessado em participar. A experiência foi responsável tanto

por trazer novos jogadores, quanto por promover maior frequência e reflexão

entre aqueles que já práticavam larp. Com uma programação focada em role-

playing poems, os encontros abrigaram também o larp Limbo, de Tor Kjetil

Edland (em um sábado), e jogos brasileiros, inéditos, como Café Amargo, de

Luiz Prado, Retalhos, de Tiago Braga e Cegos, de Jonny Garcia, entre outros.

Cegos [Fig. 8] foi talvez o larp mais longo realizado no Brasil até então.

Baseado no romance do escritor português José Saramago, Ensaio Sobre a

Cegueira, o larp se estendia durante 28 horas em um fim de semana. Os

jogadores eram cegados com vendas após criarem seus personagens (usando

o conceito close to home, segundo o qual os personagens não devem ser

muito diferentes dos jogadores que os representarão) e então viveriam durante

esse tempo em quarentena, vigiados por militares e com recursos escassos.

Com enredo minimalista, o objetivo do jogo era colocar os participantes em

uma situação desagradável, de tensão física e psíquica.

2013 também foi o ano do surgimento dos larps leia-e-jogue brasileiros.

Breves Encarnações, de Goshai Daian, Retalhos, de Tiago Braga, Três

Homens de Terno, Café Amargo e Ouça no Volume Máximo, de Luiz Prado,

são os grandes exemplos desse tipo de jogo surgindo no cenário nacional,

todos disponíveis gratuitamente na internet.

Se a segunda onda já representou um grande avanço em termos de

identidade e diversidade no larp brasileiro, a terceira onda parece romper de

vez com as barreiras formais e de eixo temático do larp no Brasil. Até 2011, era

comum dizermos que um larp, ―Detetives — Mistérios e Mentes Criminosas‖,

por exemplo, era ―sobre um circo sombrio e investigadores do desconhecido‖,

Page 170: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

168 ou que ―Piratas — Muito Além dos Mares Conhecidos é um larp sobre, er…

piratas‖. Hoje é mais comum encontrarmos coisas como ―RedHope é um larp

sobre horror, medo, paranoia e claustrofobia.‖ (ainda que seja um live que

tenha zumbis como parte do enredo), que ―Ouça no Volume Máximo é um jogo

de representação sobre nostalgia, mágoas e recomeços‖ ou ―Café Amargo é

sobre despedidas e a importância do outro em nossas vidas‖. Os exemplos

demonstram um deslocamento da lógica aventuresca, ―de gênero‖ — a bem da

verdade, derivada da tradição dos RPGs de mesa no Brasil — para um campo

mais dramático, autônomo e pessoal, algumas vezes até mesmo cotidiano.

Formalmente, o Brasil começa a conhecer, nos últimos anos, larps de

estrutura diversificada — para além dos 20 ou 30 personagens criados

previamente pela organização ou em conjunto com os jogadores —, seja

motivado por experiências como Tango para Dois e outros chamber games,

pelos role-playing poems, jeepforms e pela leitura da literatura nórdica sobre

larp ou seja pelo resultado de experiências locais realizadas de lá para cá.

Muitas das variações de estrutura dramática, narrativa, de fichas de

personagem e o uso de metatécnicas que eram até então inéditas no país ou

que encontravam grande resistência entre o público brasileiro, hoje estão se

tornando cada vez mais comuns e procuradas por jogadores e criadores.

Mais de dois anos depois de o projeto Boi Voador / NpLarp ter

aproximado o larp nórdico do brasileiro, a ideia de que o larp é mais que um

hobby, mas uma linguagem autônoma, uma mídia e uma forma de arte está se

fortalecendo no país. O cenário vem se agitando de forma exponencial de 2011

para cá. Há novos autores e organizadores, uma comunidade crescente de

jogadores cada vez mais ativa, participativa e interessada nos conteúdos e

debates sobre os jogos. Há a aproximação de criadores e organizadores em

nível nacional (e estamos falando de um grande país!) e o começo de uma

crítica e debate nas redes sociais e blogs, além do surgimento de manuais

gratuitos e abertos na internet.

O Brasil entra em 2014 com um cenário agitado, diverso e em pleno

desenvolvimento. Ainda há espaço para os modelos ―americanos‖, que sempre

sofreram aqui suas adaptações e seus ―jeitinhos brasileiros‖, mas novas formas

de larp chegaram para ficar e conquistaram seus públicos. A identidade de um

larp brasileiro provavelmente começa a tomar forma nos próximos episódios

Page 171: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

169 dessa história — ao que tudo indica com uma forte influência da tradição

nórdica.

Agradecimentos

Tadeu Andrade, Wagner Luiz Schmit, Jon Back e Carina Carvalho, estiveram

envolvidos na adaptação e revisão deste texto. Com a colaboração de Wagner

Schmit, Ricardo Izumi, Luiz Prado, Goshai Daian, Krishna Farnese e Paulo

Merlino.

Salvador, 2010-2013.

Page 172: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

170 Bibliografia

DAIAN, Goshai; & RAMOS, Leonardo. Looking Back to Move Foward. In

Crossing Physical Borders. Norway: Fantasiforbundet, 2013.

FALCÃO, Luiz. LIVE! Live Action Role playing, um guia prático para larp.

São

Paulo: NpLarp, 2013. Disponível em: < http://nplarp.blogspot.com.br/p/guia.html

> Acessado em: 18 jan 2014

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das

Letras.

Ludografia

A experiência.quimera. São Paulo: Confraria das Ideias, 2013.

Arraiá de Assumpção. São Paulo: Confraria das Ideias, 2009.

Brasil by Night. Várias vidades no Brasil: diversos organizadores ao longo dos

anos. 1994 até hoje.

DAIAN, Goshai. Breves Encarnações. São Paulo:LabLarp, 2013.

PRADO, Luiz. Café Amargo. São Paulo, 2013. Disponível em <

http://luizprado.wordpress.com/2013/12/04/cafe-amargo/ > Accessado 26 dez

2013.

MARTINS, Cauê. Caleidoscopolis. São Paulo: Boi Voador, 2011.

GARCIA, JONNY. Cegos. São Paulo LabLarp, 2013.

CHAGAS, Vinicius. Pulse. Belo Horizonte, Brasil:Kobold‘s Den, 2013.

FALCÃO, Luiz. A Clínica - Projeto Memento. São Paulo: Boi Voador, 2011.

Detetives — Mistérios e Mentes Criminosas. São Paulo: Confraria das Ideias,

2010.

Page 173: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

171 Drácula - Um conto de poder e monstros. Sao Paulo: Confraria das Ideias,

2012.

Fronteiras de Akitan. Viçosa: Associação dos Jogadores de RPG de Viçosa,

2013.

Funeral. São Paulo: Confraria das Ideias, 2012.

Graal Larp. São Paulo: Grupo Graal; Confraria das Ideias, 2000-2003.

HOLTER, Matthijs. Boa Noite Queridinhas. Disponível em <

http://nplarp.blogspot.com.br/2011/07/role playing-poems.html > Acessado em

23 dez 2014

FALCÃO, Luiz; PRADO, Luiz. Jogo do Bicho (playtest). Belo Horizonte: Boi

Voador, 2010.

BERNER, A; HOLM, K; MIKKELSEN, J; MUNTHE-KAAS, P; NYLEV, F;

PETERSEN, R. Kapo. Copenhagen, Denmark, 2011.

GARCIA, Jonny; FALCÃO, Luiz. PRADO, Luiz. (orgs.) LabLarp. São Paulo,

2013. Performance: Series of larps.

EDLAND, Tor Kjetil. Limbo. São Paulo: LabLarp, 2013

Macondo. São Paulo: Confraria das Ideias, 2011.

O Maior Passo da Humanidade. São Paulo: Confraria das Ideias, 2009.

OLSEN, Frederik Berg. The Mothers. 2007. Disponível em <

http://jeepen.org/games/modregruppen/ >. Acessado em 01 mar 2014.

LUNDIN, Lasse. BRUER, Erlend. Mistério ama Companhia, 2008. Disponível

em < http://nplarp.blogspot.com.br/2013/05/misterio-ama-companhia.html >

Acessado em 23 fev 2014

PRADO, Luiz. Ouça no Volume Máximo. São Paulo:Boi Voador, 2013.

Disponível em < http://boivoador-larp.blogspot.com.br/2013/12/volume-

maximo.html > Accessedo em: 26 dez 2013.

Page 174: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

172 Piratas — Muito Além dos Mares Conhecidos. São Paulo: Confraria das Ideias,

2010.

O Pomo de Ouro. São Paulo: Grupo Megacorp, 2010.

FARNESE, Krishna. LEMOS, Marcele. Projeto Requiem BH. Belo Horizonte:

Projeto Requiem BH, 2009 - dias atuais.

RedHope Terra dos Mortos, 2013. Sao Paulo, Brazil: Confraria das Ideias.

BRAGA, Tiago Campanário. Retalhos. São Paulo, 2013. Disponível em <

http://partoproduc.blogspot.com.br/2014/01/fotos-do-retalhos-e-guia-atualizado-

na.html > Accessado em 12 jan 2014

TØMTE, Even; Edland, Tor Kjetil. Tango para Dois. São Paulo: Boi Voador,

2011. Disponível em < http://chambergames.wordpress.com/2008/10/29/tango-

for-two/ > Accessado em 25 jan 2014

Tempos de Chumbo, 1999. São Paulo: Confraria das Ideias, 1999.

PRADO, Luiz. Três Homens de Terno. São Paulo, 2013.

MERLINO, Paulo. Zalius. Salvador: Batalha Cênica

Page 175: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

173 Imagens

[Fig. 1] Tempos de chumbo, 1999 (Foto: Confraria das Ideias)

[Fig. 2] Recriação do larp Arraiá de Assumpção em 2010 (Foto: Luiz Falcão)

Page 176: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

174

[Fig. 3] Caleidoscópolis, jogadores representando em torno das maquetes

que compunham o expaço não-miméticopretendido pelo jogo (Foto: Luiz Falcão)

Page 177: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

175

[Fig. 4] A Clínica, Projeto Memento - jogadores vendados durante o

processo de imersão pré-game. (Foto: Leonardo França)

Page 178: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

176

[Fig. 5] A Clínica, Projeto Memento - in-game, grupo de jogadores reunidos

em torno de objetos encontrados na sala. (Foto: Leonardo França)

Page 179: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

177

[Fig. 6] Iniciativa inédita no Brasil, LIVE! é um dos poucos materiais a

disposição em língua portuguesa (Imagem: Luiz Falcão)

[Fig. 7] O pesquisador Wagner Luiz Schmit, o primeiro à esquerda na foto,

como ―João, o blogueiro‖ durante o larp ―13 à mesa‖, no evento A Week in Norway,

que antecedeu o Knutepunkt em 2009 (Foto: Britta K. Bergensen)

[Fig. 8] Cegos, livremente baseado no romance de José Saramago e

Page 180: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

178

inspirado por larps como Kapo (Foto: Jonny Garcia)

Texto original:FALCÃO, Luiz. New Tastes in Brazilian Larp, From Dark

Coke to Caipirinha with Nordic Ice. In The Cutting Edge of Nordic Larp.

Denmark: Toptryk Grafisk, 2014. Disponível em

<http://nordiclarp.org/wiki/The_Cutting_Edge_of_Nordic_Larp> Acessado em 1

abr 2014.

Page 181: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

179 ENTREVISTAS

As entrevistas, ao meu ver, são um dos pontos mais relevantes da revista, pois

atendem diretamente um problema geográfico a muito debatido entre os

pesquisadores que ocorre no Brasil, o espaço.

Pesquisadores traballham em cidades muito distantes, o que faz o role playing

florecer em diferentes contextos e demandas, mas ao mesmo tempo dificulta a

comunicação entre eles. O olhar sobre o tema no sul, se difere no sudeste e

centro oeste, alguns problemas são similares outros divergentes. Devido a isso

as entrevistas permitem, um olhar mais próximo diante das diferentes

realidades vivenciadas no país, assim como múltiplas histórias que vão dando

forma gradativamente as figuras do role playing regional.

Neste volume, exploramos três casos interessantes, o projeto ―interpretar e

aprender‖, que atua dentro de escolas particulares em São Paulo, a

contextualização das práticas sociais, culturais e educativas do RPG em

Uberlândia (MG) e a ação progressiva da cidade de Viçosa (MG) que já esta

em seu 19° encontro de RPG, vinculado a Universidade Federal de Viçosa.

Nestas entrevistas três formas distintas sobre o role playing com sua

intervenção social surgem e se desenvolvem, sendo referencias para futuras

práticas e propostas em municípios que ainda bsucam estabilizar determinada

identidade junto ao role playing.

Rafael Correia Rocha

Editor chefe

Page 182: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

180 GRUPO INTERPRETAR E APRENDER

Entrevistado: Tiago Oliveira - Grupo interpretar e aprender

Entrevistador: Lucas Eduardo de Freitas

Entrevista realizada em: 07/09/2013

Um grupo que surgiu na Universidade de São Paulo formado por três

estudantes do curso de História que tiveram o desejo de unir RPG e Educação.

Além de poder se divertir jogando, se pode também educar crianças, jovens e

adultos. Vamos então a entrevista!

Como surgiu o projeto de vocês?

Daniel: À época, nós três trabalhávamos ou já tínhamos trabalhado com

educação de alguma forma. Tínhamos acabado de concluir nossas

licenciaturas e já havíamos jogado RPG juntos, mas não éramos, à época, um

grupo de fato. Foi quando o Thiago lançou a ideia para uma amiga dele que era

educadora e ela bancou a aposta de que poderíamos apresentar o RPG como

instrumento educativo na bienal da escola em que ela trabalhava. Nós

adoramos a experiência e decidimos nos tornar, de fato, um grupo, produzindo

conteúdo em nosso blog e aventuras para escolas interessadas.

Thiago: Quando minha amiga propôs uma aventura para 80 crianças já vi que

não conseguiria sozinho. Logo pensei no Daniel e no Paulo pois joguei

aventuras divertidíssimas com ambos e sabia que levavam jeito pra coisa. Não

deu outra, dez estafantes horas depois de começarmos sabíamos que não

poderíamos mais parar por ali.

Muito bom, e como vocês vêm a interação entre o RPG e a educação?

Thiago: O RPG apresenta soluções para vários problemas da educação atual:

a autoridade falha de professores desmotivados, a falta de interesse de alunos

Page 183: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

181 desmotivados, a falta de escrita e leitura, a sistematização extrema e a

desvinculação do conteúdo trabalhado com a vida em sociedade, e trabalho

cooperativo, etc. Em si só ele traz, quando bem utilizado, benefícios que

poucas ferramentas ou métodos conseguem suprir. Ainda assim, não pode ser

tratado como uma solução única e definitiva.

Daniel: Depois de nossas experiências em grupo e de algumas outras

experiências particulares, bem como de algumas leituras, penso que o RPG é

uma ferramenta extremamente poderosa, mas que não faz milagres e que ele

pode atuar como complemento, mas não como um substituto às formas

tradicionais de ensino de conteúdo. O RPG pode incentivar o aluno a querer

aprender mais, a querer saber, mas é perigoso pensar nele como uma

panaceia para os problemas educacionais. Dito isso, contudo, não se pode

subestimar a ajuda que ele é capaz de empreender. Ele oferece uma

plataforma interativa fantástica para a fixação de conteúdos e, sobretudo,

oferece aos alunos a possibilidade de 'saírem de si', de considerarem outras

perspectivas. Neste sentido, o RPG pode auxiliar a fomentar habilidades

cognitivas difíceis de se trabalhar dentro dos limites da educação tradicional,

como a empatia e a sensibilidade, ao mesmo tempo em que estimula a

criatividade e a espontaneidade.

Vocês acham que ainda existe um certo tipo de preconceito na nossa

sociedade acerca do RPG?

Daniel: Com certeza, existe. Já foi muito pior, contudo. Hoje, ele sofre algum

desprezo por ser uma forma de entretenimento que está um pouco fora de

moda, por não ser virtual e nem envolver atividade física. É uma brincadeira

que envolve um esforço mental que lida com habilidades importantes, mas que

têm sido pouco estimuladas hoje em dia. É muito estranho pensar que, por

exemplo, o League of Legends e o World of Warcraft, jogos conhecidos no

mundo inteiro, extremamente populares entre jovens (e entre alguns dos

alunos que tive), só são o que são porque foram construídos sob preceitos

cunhados pelos jogos de RPG tradicionais, não-virtuais, tabletop, como dizem

os anglófonos, mas que muitos de seus jogadores não tenham qualquer

Page 184: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

182 interesse nestes RPGs tradicionais por não quererem trabalhar aquelas

habilidades cognitivas de que falei na última resposta. Por outro lado, creio que

setores mais tradicionais veem o RPG com ressalvas pelo mesmo motivo que

enxergam problemas em jogos de videogame, por exemplo, por associarem

tais atividades a um passatempo de crianças e não terem interesse em

aprender sobre ela. A questão do RPG como 'coisa do demônio' ainda deve

existir, mas não creio que ela paute a opinião da sociedade como à época da

tragédia de Ouro Preto.

Thiago: Eu vejo o preconceito acerca do RPG apenas no âmbito educacional.

A geração que está formando os jovens adultos de nossa sociedade teve um

contato muito grande com RPG´s ao longo da vida, principalmente com o vídeo

games. A escola, entretanto, ainda vê o RPG como uma ferramenta de

entretenimento, como disse o Daniel, e não acredita na potencialidade do novo.

É inegável que as novas tecnologias revolucionarão o ensino nas próximas

décadas e a escola deve abrir-se para o novo.

O RPG deveria ser uma matéria escolar, ou mesmo um momento dentro

das escolas de ensino fundamental visando estimular o aprendizado e

leitura e a interação social?

Daniel: Tenho algumas ressalvas quanto a torná-lo uma matéria ou algo assim.

Acho que ele poderia ser uma oficina alternativa, um curso extracurricular,

similar a um curso de teatro dentro de uma escola. Não questiono que ele

possa estimular o aprendizado, a leitura e a interação social - ele pode e é

eficaz neste sentido. Tenho dúvidas quanto a torná-lo algo obrigatório, sabe?

Mas as experiências que tive foram quase todas positivas... Só que, ainda que

seja uma forma muito mais estimulante de se passar conteúdo, não vejo como

ela seria capaz de substituir totalmente uma aula expositiva, um trabalho, um

exercício. Em uma escola adequada, com um número de alunos baixo e

professores tanto bem motivados quanto bem assessorados pela direção

escolar, estes métodos tradicionais ainda são mais eficientes. Por isso, tenho

fé no RPG como um excelente acessório, mas não como "solução" para os

Page 185: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

183 problemas da educação. Estes, creio, passam antes pela valorização do

docente, tanto financeiramente quanto funcionalmente.

Thiago: Também tenho minhas dúvidas quanto à obrigatoriedade do RPG em

sala de aula. Em nossas experiências, nunca houve um caso de recusa de

participação. Claro que um aluno empolga-se mais que outro, mas todos

sempre receberam bem a atividade. Não é difícil encontrar casos de sucesso

quando o RPG é jogado no contra-turno como um curso extra-curricular.

Mesmo sem inserir conteúdos escolares, há benefícios socio-cognitivos

riquíssimos na prática do jogo de interpretação. Não acredito, entretanto, que

deva tornar-se uma matéria. Há, cada vez mais, escolas democráticas

extinguindo matérias. Acredito que o conhecimento se dá de forma

transdisciplinar, e o RPG pode ser uma poderosa ferramenta nessa direção. É

bastante claro, nas aventuras que criamos, a potencialidade de trabalhar-se

conteúdos de várias áreas do conhecimento.

Qual é o maior objetivo do trabalho de vocês hoje?

Daniel: Em minha opinião, difundirmos o RPG como ferramenta educacional,

explicarmos suas possibilidades e oferecermos nossos serviços às escolas

interessadas.

Thiago: E me divertir enquanto faço tudo isso

Qual é o RPG preferido de vocês e por que?

Daniel: Entre os sistemas que joguei, meus favoritos são o Sistema Daemon e

o Unisystem, que são mecanicamente simples e eficientes, mas que também

incentivam a interpretação por parte dos jogadores, mas tenho lido sobre

outros sistemas e estou muito curioso para experimentar um chamado Burning

Wheels - vou me presentear ano que vem com ele, creio. Já quanto a

ambientação, gosto muito de criar as minhas próprias, mas, dentre as

'estabelecidas' a do oWoD é a minha favorita, de longe. Eu sempre volto para

ela, em algum momento. O nWoD parece muito legal, mas me é difícil

Page 186: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

184 abandonar os Tremere, os Presas de Prata, a Ordem de Hermes...

Thiago: Meu preferido, sem dúvidas é o mundo das trevas. Foram as

aventuras nas quais mais me diverti. O D&D também conseguiu me conquistar

de alguma maneira. Mas o sistema ou o cenário de nada importam quando se

está em um ambiente confortável e divertido. Comecei a jogar (e nem sabia

que estava jogando) quando fizemos um simulador de Dungeon Keeper

(aquele antigo mesmo) no papel no ensino fundamental II.

Galera foi muito bom poder fazer essa entrevista com o pessoal do Interpretar

e Aprender. Espero que você também tenha gostado e lembrando como é bom

vermos que além de ser extremamente divertido jogar RPG, ele pode ser uma

ferramenta na área da educação, desenvolvendo no indivíduo a criatividade e

estimulando a interação social. Parabéns ao pessoal do Interpretar e Aprender,

muito sucesso com a iniciativa de vocês, e mais uma vez aqui vai o blog do

grupo e a página no facebook. Visita lá e dê aquela curtida!

http://grupointerpretareaprender.blogspot.com.br/

https://www.facebook.com/InterpretarEAprender?fref=ts

http://grupointerpretareaprender.blogspot.com.br/

Page 187: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

185 ARTICULAÇÕES SOBRE PROJETOS DE RPG E EDUCAÇÃO EM

UBERLÂNDIA (MG)

Entrevistador: Vinícius Rennó - google.com/+ViníciusRennó

Entrevistado: Rafael Correia Rocha - [email protected]

Entrevista realizada em 26/02/2013

Como foi o processo de reconhecimento do uso do RPG na educação

pela Prefeitura de Uberlândia?

Bom na época do reconhecimento, eu fazia parte do conselho municipal de

educação, então levei a proposta que já era testada na universidade para lá, o

conselho gostou, e de lá fui apresentar para a secretaria da educação, que me

pediu para mostrar para um centro de projetos pedagógicos, que ficaram um

pouco divididos, mas ao final de um mês de analise, deram o aval final

favorável, demorou cerca de três meses. O reconhecimento pela prefeitura foi

muito importante, todavia ainda existem muitas barreiras a serem rompidas por

conta da mentalidade provinciana da cidade.

Como se sente a esse respeito? Foi algo inesperado? Por quê?

Acredito que dentro do eixo universidade-educação-cultura-sociedade, seja

familiar ao RPG por isso não vejo como uma surpresa, e quando o mesmo é

tem embasado e articulado não existe um real motivo barrar. As barreiras são

de preconceito e não sobre resultados. Sinto-me bem porem incompleto, pois a

cidade não quer enxergar além da própria fronteira, Patos de Minas tem 10

vezes menos habitantes que Uberlândia, já esta com uma confraria lúdica e

entrando no quinto evento regional de RPG e quadragésimo primeiro live.

Quantas e quais premiações ou menções o projeto recebeu?

Page 188: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

186 Houve o premio projeto destaque no 1° simpósio de educação de Uberlândia,

e o reconhecimento, somos chamados muito por empresas e universidades

para algumas atividades, mas na maioria das vezes é batendo na porta para

tentar mostrara os resultados e propondo intervenções, estamos tentando gerar

uma ONG, para poder efetivar e legitimar com mais propriedade as ações do

projeto.

Quais as perspectivas futuras para o projeto? Ele continuará? Há outros

projetos similares? Por quê?

Então como estava comentando acima, o foco este ano é formata-lo como

ONG, dando liberdade para atuação em todo território nacional, focando na

qualidade das relações humanas, sustentados pela tríade educação/promover

prazer em aprender e ensinar-cultura para fazer arte, no campo social

interação do jovem, família e comunidade com reforço filantrópico.

O Encontro de RPG de Uberlândia pode ser considerado um dos

resultados/consequências do projeto? Por quê?

Consequência com certeza, ele surgiu porque queríamos que a comunidade

olha-se para as possibilidades do RPG, e conhece-se o projeto também,

simplesmente um ''olhe para nós, fazemos parte de vocês e vocês de nós' a

partir dele conseguimos conversar com famílias e o jogo pode ser usado para

melhor interação de jovens e adultos, o jogo cria uma linguagem comum, no 1°

encontro um pai me disse; eu vim para melhorar minha convivência com meu

filho - o garoto nunca havia jogado RPG entrou na mesa e eu perguntei para

pai; olhe seu filho como você o vê agora/ - ele disse; feliz - então falei, - vá

jogar com ele, faça parte da vida dele e da felicidade dele... O pai não quis ir,

mas notou a importância.

Page 189: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

187 No 2° encontro a entrada será 2 kg de alimento e teremos um bazar de roupas

usadas de uma ONG de proteção à mulher e a família, amostra de uma oficina

de padaria, junto com um xadrez de 8 metros quadrados, cards, games e muito

RPG, fora sorteios e palestras.

Você ainda é membro do Conselho Municipal de Educação de

Uberlândia? Se não, o que está fazendo/trabalhando agora?

Não sou mais, por problemas de saúde em família e mudança de gestão no

município sai do conselho; atualmente trabalho em uma escola preparatória

para concurso público, trabalho com os projetos da Narrativa da Imaginação

isoladamente. Em 2012 devido à greve na universidade federal não foi possível

fazer muita coisa, estamos atuando no auxilio a projetos acadêmicos sobre

RPG ou narrativa, pequenos eventos, atividades em empresas, ainda estamos

engatinhando.

Qual seria o nome dessa ONG que vocês estão tentando criar? Não seria

melhor uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público)?

Ótima pergunta uma OSCIP esta dentro da categoria ONG, e você acertou em

cheio é uma OSCIP, no caso o projeto Narrativo da Imaginação, sendo

regulamentado nestes padrões.

Poderia explicar melhor essa "tríade educação/promover prazer em

aprender e ensinar-cultura/fazer arte - sociedade/ interação do jovem,

família e comunidade com reforço filantrópico", por favor? Não

compreendi muito bem.

Page 190: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

188 Claro, vamos por partes, na educação, promover o prazer em aprender e

ensinar e a narrativa da imaginação tem como uma viga de fundação melhorar

a qualidade das relações professor-aluno, pois alguém só aprende se esta

predisposto a isso e escolhe aprender, se permite aprender, fato esse

complicado quando existem atritos sócios afetivos entre educador e educando.

Prazer de aprender é o aprender divertido que buscamos na ludicidade da

narrativa. Cultura/fazer arte; a narrativa e a formação de histórias são uma

forma de arte, que deve ser destacada, em toda produção cultural de criação

coletiva, sempre damos destaque e relevância, valorizando as produções e

desta forma valorizamos os sujeitos.

Sociedade, interação do jovem, família e comunidade com reforço filantrópico;

existe um distanciamento do jovem de uma devolutiva produtiva para a

sociedade, nossa intenção de aproximar as atividades de jogos, no caso RPG,

e mostra-los a família e a sociedade, ao mesmo tempo em que mostramos aos

jovens os trabalhos sociais promovidos no municipio, para que ambos se

olhem, e conheçam, sem medo. A família e a sociedade têm medo do que não

conhecem, e o jovem não se mostra para não ser subjugado, quando temos

momentos de diálogos e convivência, isso pode gradativamente ser amenizado

e esclarecido. Começamos inclusive a gerar diálogos com ONGs para estamos

cada vez mais próximos e atualizados sobre as demandas sociais.

Você ainda faz mestrado em educação pela Universidad de la Empresa?

Quando defende ou defendeu sua dissertação? (No seu Currículo Lattes

diz que ainda está em andamento, mas parece desatualizado.) Já tem

vistas para algum doutorado na área?

Sim, no Uruguai a estrutura do mestrado é um pouco diferente do Brasil, um

pouco mais demorado pela burocracia. Irei defender agora em julho (2013),

deveria ter defendido antes, mas como disse tive problemas de saúde em

família, e isso atrasou minha defesa. Estou de olho no doutorado em História

Page 191: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

189 da UFU onde fui convidado, queria desenvolver aqui em Minas, porque em São

Paulo as coisas já esta indo bem, precisamos desenvolver o pais como um

todo.

Page 192: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

190 ASSOCIAÇÃO DE RPG DE VIÇOSA

Entrevistado: Alexandre Saraiva Soares, Presidente da Associação de

RPGístas de Viçosa

Entrevistador: Rafael Correia Rocha - [email protected]

Entrevista realizada em 01/04/2014

Como é composta a associação de RPG de Viçosa? Como ela se

desenvolveu durante esses 19 anos?

A Associação de RPGístas de Viçosa, ARV, é uma associação sem fins

lucrativos composta por pessoas físicas de qualquer lugar do Brasil que, seja

por terem criado algum vinculo com a cidade em algum momento de suas vidas

e conhecido a Associação ou por convite e indicação de membros já

associados, decidiram preencher o requerimento de associação e foram

aprovados pela Diretoria Executiva vigente.

Inicialmente, e por muito tempo, tratou-se de algo que existia apenas no

imaginário coletivo. As poucas decisões e ações requeridas de uma diretoria

eram realizadas por um pequeno grupo de fundadores e amigos próximos mais

engajados, tidos como membros. Eventualmente, à medida que essa ideia se

fazia conhecer, novos membros iam surgindo, pedindo associação e recebendo

aprovação, mas, até então, sem nenhuma formalidade ou registro oficial de

controle dos associados.

Recentemente, em 2013, após mais de dois fracassos em tentativas de registro

da ARV em cartório, sempre por falta de documentação ou detalhes legais,

conseguiu-se fazer oficial um sonho de anos e, finalmente, a Associação de

RPGístas de Viçosa oficializou-se em 2014, cerca de dezenove anos após sua

primeira idealização.

Quantos membros a ARV tem atualmente?

Page 193: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

191

Como reflexo do recente registro em cartório da Associação, no momento ela

conta oficialmente apenas com seus trinta e cinco membros fundadores para

fins oficiais, mas dispõe paralelamente de outros vinte indivíduos que já

requereram associação e estão aguardando deferimento do pedido, além de

outros tantos colaboradores que ainda não se manifestaram ou preferiram não

se associar, mas que estão sempre dispostos a ajudá-la em seus eventos e

desafios diários.

Como teve inicio o Encontro de RPG de Viçosa?

Os Encontros de RPG de Viçosa tiveram suas primeiras edições bem humildes

e simples, onde pequenos grupos de amigos RPGístas se reuniam em locais

públicos como o espaço de convivência do DCE para jogarem juntos em um

dia pré-marcado. Mal podiam ser chamados de eventos, até que começaram

aos poucos a chamar atenção e arrecadar seguidores e aficionados pelo

hobby, de modo que tais espaços começaram a ficar pequenos e a

necessidade de infra-estrutura e pré-organização foram surgindo, chegando

aos moldes do que temos hoje. Eventos programados para durarem dois dias,

com média de público esperado de mais de 600 pessoas por dia, para o 19º, e

perspectivas reais de crescimento para os Encontros vindouros.

Qual é a relação entre a Associação e a Federal de Viçosa?

A partir do momento em que o cenário RPGístico da cidade começou a crescer

significativamente, e sua maior parte era composta por estudantes da

Universidade Federal de Viçosa, foi natural para a Associação procurar ajuda e

apoio cultural junto aos órgãos competentes da instituição para a realização de

seus eventos. Seja Live Actions na Biblioteca Central, Encontros de RPG no

Page 194: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

192 Pavilhão de Aulas II ou no Centro de Vivência, um dos nobres espaços de

eventos do campus, até como liberação de espaços para as Mostras de

Animação Japonesa, organizadas anualmente pela ARV. Ao contrário do que

se esperaria em outras cidades, em Viçosa não sofremos preconceito por parte

da UFV, e atualmente temos o Encontro de RPG de Viçosa reconhecido como

uma das atividades oficiais de recepção de calouros, integrando o programa

Trote Solidário desenvolvido pela Universidade.

Quais os principais problemas do RPG na cidade?

Certamente a falta de interesse do comércio local pelo mercado RPGísta deixa

uma lacuna frustrante para quem passa a depender de internet ou encontros

anuais de RPG para abastecer seus estoques de dados, livros e demais

produtos do gênero. No mais, a falta de espaços públicos onde os jogadores

podem se encontrar e montar uma mesa sem incomodar transeuntes, sem ser

incomodados por estes, e onde não haja cobrança de consumação para

permanência no local é um problema recorrente enfrentado em Viçosa.

Como se estruturam os lives?

A cultura de Live Actions na cidade é quase tão antiga quanto a ARV em si,

senão mais, e foi retomada no XV ERPGV como uma das atrações do evento.

Desde então, ocorreu mensalmente durante quase três anos ininterruptos,

sempre retomando suas forçar junto aos Encontros anuais, onde participantes

veteranos e iniciantes eram introduzidos ao cenário, fomentando a história com

novos personagens e enredos.

Divulgado para leigos como um ―evento de teatro improvisado onde há

interação ativa e construtiva por parte dos participantes na construção da

história‖, os Live Actions viçosenses organizados pela Associação possuem

Page 195: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

193 apoio da Divisão de Assuntos Culturais da Universidade, e registro como uma

atividade de extensão da UFV.

Como os RPGistas se dispõem na cidade? Onde e quando jogam com

maior frequência?

Infelizmente, em sua grande maioria, reclusos dentro de suas próprias casas.

Por um lado há certas vantagens de conforto, mas nem sempre é o ideal

quando o resto da família está em casa ou o colega de república quer estudar

para uma prova. O único evento que os reúne todos em um só lugar é mesmo

o Encontro de RPG de Viçosa, e, quando em outras épocas do ano, raramente

há o encontro de dois grupos (nunca mais) no restaurante de um shopping que

deixa suas mesas e cadeiras em um hall ou em algum espaço do Campus da

Universidade.

Quais são as atividades promovidas pela ARV?

Atualmente, três principais: encontros anuais de RPG (ERPGV), Mostra de

Animações Japonesas (MAJ) e os Live Actions. Em segundo plano, a

Associação de RPGístas de Viçosa também já promoveu pequenas versões do

Encontro em finais de semana, com duração de apenas uma tarde,

desprovidos de verba e compromisso com divulgação em massa, nos moldes

de suas primeiras edições, onde espalhava-se informalmente a intenção de

reunir grupos de RPG em um só local e todos combinavam um dia para

comparecerem. Em adição, apoiou a execução de LARPS Medievais e trabalha

atualmente em um novo projeto de torneio envolvendo RPG (e atividades

relacionadas), sobre o qual divulgaremos informações assim que a viabilidade

de execução se tornar uma realidade.

Page 196: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

194 A ARV atua junto a outros campos como educação e cultura?

Dentro da Universidade Federal de Viçosa, a ARV já recebeu apoio de vários

setores como a Divisão de Assuntos Culturais (DAC), a Pró-Reitoria de

Extensão e Cultura (PEC) e a Biblioteca Central da UFV (BBT), além da UFV

em si e a Fundação Arthur Bernardes, tendo suas atividades reconhecidas

como eventos culturais e atividades de extensão com apoio institucional. Sobre

RPG na Educação, é algo que vem sendo explorado e pelo qual a Associação

e associados têm buscado obter mais conhecimento, mas que ainda não

dispõe de nenhum projeto ou evento em planejamento.

Como é a estrutura das lojas especializadas em jogos em Viçosa?

Inexistente. Como comentado anteriormente, Viçosa é defasada

comercialmente no setor de RPG e lojas de jogos no geral. O único ponto de

vendas de dados e livros de RPG não faz pedidos desse tipo de material há

mais de cinco anos, tendo ficado sem estoque e vários exemplares encalhados

de suplementos sem livros base ou sequências sem precursores, por não se

manterem atualizados ou interessados no nicho. Fato curioso, pois

definitivamente há interesse por parte dos consumidores de adquirirem artigos

do gênero, fato comprovado periodicamente em eventos promovidos pela ARV.

Como esta representada a estrutura do Card game e Board game na

cidade?

Ascendente seria a palavra mais adequada. Com o crescimento dos Encontros

de RPG de Viçosa, nós da ARV estamos descobrindo outros setores com

defasagem de atenção da sociedade viçosense e, através de sugestões de

associados interessados em diversificar, atrair cada vez mais público e

Page 197: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

195 desmistificar o RPG, temos acolhido setores órfãos como K-Pop, cultura

Japonesa (animes, origami, culinária), jogos de cartas colecionáveis e não-

colecionáveis, assim como jogos de tabuleiro e softcombat. Com isso, temos

descoberto interessados em desenvolver e estruturar esses setores para

fortalecê-los de forma independente, mas tendo o RPG como um elo em

comum, sempre com o apoio da Associação e seus voluntários, compartilhando

interesses de forma construtiva.

Page 198: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

196 JOGOS

A proposta de publicar jogos nesta revista, quebra um pouco o modelo

convencional da academia, mas ao mesmo tempo atende aos pesquisadores e

curiosos que buscam compreender a mecânica e tendências dos jogos de

representação. Além de servir como registro para resguardar autores.

Uma das principais reclamações que chegou até a revista, foi o fato de

pedirmos uma bibliografia ou ludografia do jogo; esclareço que, qualquer jogo

atual, tem inspiração de jogos anteriores que proporcionaram mecânica e

estrutura necessárias para seu desenvolvimento. Neste caso buscamos aqui a

valorização dos jogos de base, mantendo o rigor cientifico, ao mesmo tempo

que valorizamos as produções nacionais. Com preferência para os jogos que

promovam discussões mais profundas no campo social, cultural e educacional,

com a descrição clara de sua função.

É possível publicar um breve manual de regras (RPG ou LARP) com contexto

de cenários, disposições A4 de print & play para boardgame e cardgame, ao

qual permita uma análise profunda e crítica no campo da ludicidade,

originalidade, competências, saberes, literatura, estética e mecânica.

Rafael Correia Rocha

Editor Chefe

Page 199: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

197

ÁLCOOL Autor: Luiz Prado

RESUMO

Álcool é um jogo de representação, para 2-5 pessoas, sobre o significado do

álcool em nossas vidas.

PALAVRAS-CHAVE

larp, álcool, memórias, freeform, live action roleplay

ABSTRACT

Álcool is roleplay game, for 2-5 people, about the meaning of alcohol in our

lives.

KEYWORDS

larp, alcohol, memories, freeform, live action roleplay

Este é um jogo de representação sobre o significado do álcool em

nossas vidas. Participam de duas a cinco pessoas e você precisa de uma

mesa, uma cadeira e um copo com a bebida alcoólica que desejar. Evite

problemas legais e jogue apenas com maiores de idade.

Um dos participantes senta-se à mesa, diante do copo. Ele representará

um personagem que reflete se deve ou não tomar aquela dose. Por motivos

que serão construídos ao longo do larp, bebê-la significa a continuidade de

certo modo de vida que ele estuda abandonar. Por isso hesita, e as memórias

da relação com o álcool vêm a sua mente.

Os demais formam um círculo amplo ao redor da mesa e são

responsáveis por propôr essas memórias, que serão representadas durante o

Page 200: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

198 jogo. Sem decidir previamente uma ordem, algum participante anuncia uma

destas cenas do passado, indicando o ambiente onde se passa, as pessoas

envolvidas e o nível alcóolico do primeiro personagem (que pode variar

amplamente da sobriedade ao coma alcoólico). Esses elementos começarão a

definir sua biografia.

Por exemplo: happy hour da empresa. Jorge e Renato - colegas de

setor. Marcela - secretária. Pacheco - supervisor. Levemente embriagado.

Não tenha medo de errar: o personagem será mesmo montado aos

poucos e você pode adicionar os elementos que julgar mais significativos para

a experiência. Lembre apenas de manter-se próximo da realidade - lidar com

situações possíveis é a proposta desse larp.

Quando anunciar os personagens, indique também quais jogadores irão

representá-los, apontando-os. A pessoa à mesa, contudo, desempenha o

mesmo papel em todas as memórias. Não é preciso que todos participem - se

quiser, você pode propor um monólogo ao primeiro personagem. Contudo, não

coloque mais papéis que jogadores em cena.

Após ambiente, personagens e nível alcoólico terem sido definidos, o

participante sentado à mesa se levanta e a cena começa. O proponente da

recordação é também o responsável pela primeira fala, que fornecerá o início

da interação.

Por exemplo: Douglas, conta pro pessoal aquela história do novo

estagiário com o cara do rh.

Os personagens e suas relações são revelados pelo improviso, à

medida que a cena se desenrola, e os participantes adicionam elementos aos

papéis uns dos outros, construindo-os coletivamente. Nome, idade, hábitos,

temperamento e qualquer outra característica podem ser sugeridos e devem

ser incorporados ao personagem. Se alguém afirmar que sua esposa é

insuportável, assuma que você é casado. Por outro lado, torne pública qualquer

ideia que tiver sobre seu papel, não guarde-a para si. Só assim ela fará parte

do jogo. Se você definiu que seu personagem tem três filhos, diga isso em

algum momento da representação.

Cada memória transcorre até o jogador no papel de quem está

relembrando dizer em voz alta e clara VOLTAR. Isso indica que o personagem

se afastou da recordação. Ele então retorna à mesa e ao copo, enquanto os

Page 201: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

199 outros re-organizam em silêncio o círculo. É a vez de outro participante

anunciar uma cena. As lembranças sugeridas podem estar separadas por

décadas ou pertencer a um espaço tão curto quanto a mesma noite. Além

disso, os personagens podem mudar a cada cena ou se repetir por todo o jogo,

os participantes conservando os mesmos papéis ou revezando-se entre eles.

Lembre apenas de não pré-definir a ordem de quem indica a cena: expectativa

e incerteza são partes do jogo. Se duas pessoas falarem ao mesmo tempo,

parem e decidam com o olhar de quem será a vez.

Quando todos tiverem proposto uma memória, o jogador volta mais uma

vez a sentar-se. Após encarar o copo pelo tempo que julgar necessário, deve

tomar a bebida ou levantar-se, abandonando o espaço do jogo. É o fim do larp.

Conversem sobre a experiência.

JOGOS DE REFERENCIA: Good Night Darlings, de Matthijs Holter; When Our

Destinies Meet, de Morgan Jarl e Petter Karlsson; New Voices in Art de Tor

Kjetil Edland, Arvid Falch e Erling Rognli; 13 at the table de Kristin Hammerås e

Solveig Malvik; The Mothers de Frederik Berg Olsen; e Ouça no Volume

Máximo de Luiz Prado.

Page 202: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

200 CAFÉ AMARGO

Autor: Luiz Prado

RESUMO

Café Amargo é um jogo de representação, para 2-6 pessoas, sobre despedidas

e a importâncias do outro em nossas vidas.

PALAVRAS-CHAVE

larp, despedidas, freeform, live action roleplay

ABSTRACT

Café Amargo is a roleplay game, for 2-6 people, about goodbyes and the

meaning of the others in our lives.

KEYWORDS

larp, goodbyes, freeform, live action roleplay

Introdução

Cedo ou tarde, as pessoas queridas nos dizem adeus. Café Amargo é um jogo

de representação sobre despedidas e a importância do outro em nossas vidas.

Page 203: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

201 Neste jogo vocês precisam de:

- 2 a 6 pessoas

- 1 a 3 horas (dependendo do número de participantes)

- rolo de barbante ou lã

- café forte, sem açúcar (ou outra bebida amarga, como chá verde bem forte)

- garrafa térmica

- 2 xícaras

- 3 cadeiras (opcionais)

Café Amargo acontece em cenas dramáticas sucessivas, executadas

em duplas, que apresentam momentos de separação entre pessoas com fortes

laços afetivos. Um dos participantes está indo embora e decide comunicar sua

partida ao outro. A relação entre os dois pode ser de qualquer natureza -

familiar, amorosa, amizade, trabalho - mas é certo que o vínculo emocional é

forte o bastante para que a separação seja dolorosa para ambos. O que é a

partida também está em aberto: um filho saindo de casa, uma esposa que

comunica uma doença terminal, um amante anunciando sua mudança para

outro país. Sabe-se apenas que a separação põe fim ao relacionamento e que

não há perspectivas de vocês voltarem a se encontrar.

O jogo começa com os participantes sentados em círculo, passando uns

aos outros um rolo de barbante ou lã para estabelecer quais serão os pares em

cada cena. Quando todos tiverem recebido o rolo, cada pessoa estará ligada

pelo fio a outras duas, com as quais representará duas cenas distintas, ora no

papel de quem vai embora, ora como quem recebe a notícia da partida.

Lembre-se que cada cena é diferente da anterior, com novos papéis, relações,

local e motivos para a separação. Todas as cenas acontecem no meio do

círculo, com os participantes em pé ou sentados em cadeiras.

As cenas têm início com o personagem que partirá enchendo duas

xícaras de café, ficando com uma e entregando a outra para sua dupla. Feito

isso, ele então anuncia o motivo da conversa para o outro, estabelecendo ao

mesmo tempo qual é a relação entre eles e qual é a natureza da separação.

Page 204: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

202 Por exemplo: Carlos, estamos casados há 10 anos e jamais te escondi nada,

por isso, em nome desse respeito que sinto por você, preciso dizer que não te

amo mais e preciso ir embora. A construção de cada personagem e da relação

existente entre eles acontece durante a própria cena, através da interação com

o outro e do desenvolvimento dos elementos propostos pelo parceiro. Usando

o exemplo acima, a pessoa que recebe a notícia, agora sabendo que é um

homem casado chamado Carlos, poderia responder evocando momentos dos

10 anos de casamento, que deverão ser assimilados pelo outro participante.

Uma cena termina quando o personagem que vai embora beber todo

seu café, que deverá estar frio, e anunciar algo como - já disse tudo o que tinha

para dizer. Ele então senta-se de volta no círculo e deixa o outro sozinho com

sua bebida. O personagem abandonado pode levar o tempo que quiser para

tomar seu café, refletindo sobre a cena. Quando terminar, é hora de encher

novamente as xícaras, enquanto a próxima pessoa assume seu lugar no centro

do círculo. Assim que a bebida for entregue, a nova cena começa.

Quando a última pessoa abandonada terminar seu café, o jogo acaba.

Com todos de volta ao círculo, é então o momento de conversar sobre as

sensações e reflexões vividas durante o jogo. Recomenda-se reservar entre

meia e uma hora para esse momento.

JOGOS DE REFERENCIA: Good Night Darlings, de Matthijs Holter; When Our

Destinies Meet, de Morgan Jarl e Petter Karlsson; New Voices in Art de Tor

Kjetil Edland, Arvid Falch e Erling Rognli; 13 at the table de Kristin Hammerås e

Solveig Malvik; The Mothers de Frederik Berg Olsen; Ouça no Volume Máximo

de Luiz Prado, Violentina, de Eduardo Caetano.

Page 205: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

203 AOS COLABORADORES NORMAS DE PUBLICAÇÃO

DA REVISTA MAIS DADOS

1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para publicação.

2. Os artigos poderão ser enviados por meio eletrônico para o e-mail da revista:

[email protected]

3. Os textos encaminhados para publicação deverão ter de 15 a 30 laudas,

aproximadamente com 30 linhas cada uma, excetuando-se as resenhas, que

deverão ter de 5 a 8 laudas e jogos de uma á 30 laudas

3.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em português e inglês

ou espanhol, com extensão entre 5 e 10 linhas, acompanhados por 3 á 5

palavras-chave nos dois idiomas.

3.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes parâmetros:

título em caixa alta, centralizado, em negrito, fonte Arial tamanho 14; subtítulo

centralizado, em negrito, fonte Arial 12, com primeira letra maiúscula e o

restante em caixa baixa; nome do autor, alinhado à margem direita, em negrito

e em fonte Arial tamanho 12; seguido de RESUMO, PALAVRAS CHAVE,

ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte Arial tamanho 12. Em nota de pé

de página, deverão exercer, a instituição em que trabalha e a titulação

acadêmica.

3.3. O texto deve ser formatado em:

a) fonte: Arial tamanho 12;

b) espaçamento entre linhas: 1,5;

c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita;

d) Alinhamento: justificado

e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento de 0 ponto,

antes e depois.

3.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com mais de três

linhas. Devem aparecer abaixo do texto, em fonte Arial tamanho 10, sem

aspas, com recuo de 4 cm da margem esquerda, sem recuo da margem direita,

que permanece alinhada ao resto do texto, e com menção ao trabalho

consultado em nota de rodapé.

Page 206: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

204

3.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem absolutamente

indispensáveis, deverão ser apresentada no corpo do texto, acompanhadas da

respectiva legenda (de acordo com a respectiva legenda) na sua forma

definitiva.

3.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto por algarismo

arábico em ordem crescente e listadas no rodapé da página, em fonte Arial

tamanho 10, com alinhamento justificado e espaçamento entre linhas simples;

3.7. A publicação de jogos devem manter os seguintes elementos: titulo, nome

do autor, justificativa, objetivos, estrutura de funcionamento e referencia

bibliográfica ou ludografia.

3.8. Fazer citação bibliográfica completa quando o autor e a obra estiverem

sendo indicados pela primeira vez; em caso de repetição, utilizar:

a) SOBRENOME, Nome. Op. cit., p.

b) Id., data, p.

c) Ibid., p..

4. A bibliografia é dispensável, se não incorpora outras citações às ja listadas

nas notas. Em caso de necessidade, a bibliografia deve ser relacionada ao final

do texto em alfabética, obedecendo os seguintes modelos:

4.1. Livro:

SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação:

Editora, data.

Ex.:

PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo:

Salesiana, 2004.

4.2. texto em coletânea:

SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome

(Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação: Editora, data. p.

inicial-final.

Ex.:

KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias:

cultura e o sujeito de história. In: ALMEIDA, Paulo Roberto

de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL,

Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias.

São Paulo: Olho d‘Água, 2004. p. 116-138.

Page 207: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

205 4.3. artigo em periódico:

SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito,

Local de publicação, volume, número, página inicial-página final, mês e ano da

publicação.

Ex.:

SOBRENOME, Nome. Titulo. Titulo do periódico em negrito. Local de

publicação, volume, número, página inicial- página final, mês e ano da

publicação.

EX: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e a escrita do

sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40, p. 55-80, jan.-jun. 2009.

4.4. Trabalho acadêmico:

SOBRENOME, Nome. Título em negrito: subtítulo. Ano de Depósito. Folhas.

Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de conclusão de curso (Nome do

Curso)–Unidade onde foi defendida, Universidade, Local, ano de defesa.

Ex.:

FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história

que marcam a cidade. 2009. 209 f. Tese (Doutorado em

História Social)–Instituto de História, Universidade Federal

4.5. Artigo e/ou matéria de jornal:

SOBRENOME, Nome. Título. Título do jornal, Local, data.

Caderno, p.

Ex.:

HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus

da USP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1993.

Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de

Souza Queiroz.

4.6. Imagens em movimento:

TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora,

Data. Especificação do suporte em unidades físicas. Notas complementares.

Ex.:

BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo Filmes, 1988. 1

filme (96 min)

4.7. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais, gravuras e outros):

Page 208: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

206 SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas (especificações do

suporte, indicação de cor, dimensões).

Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico, acrescentam-

se os dados da publicação (local, editora, data) ou endereço eletrônico.

Ex.:

COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8 cm. NORMANDIA:

Lago Caracaranã. Normandia: Desenho Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal,

color., 11cm x 15cm.

RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras,

xirograv., p&b., 61cm x 92cm. Coleção Particular.

4.8. Documento eletrônico:

Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as

informações sobre o endereço eletrônico, apresentado entre os sinais < >,

precedidos da expressão ―Disponível em:‖ e a data de acesso ao documento,

precedida da expressão

―Acesso em:‖.

Ex.:

AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes.

Disponível em: <http://www.ufba.br/autonomia-andifes.html

>. Acesso em: 30 abr. 1989.

4.9. Jogo

Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano.

Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997

5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo completo

para correspondência e telefone de contato.

6. A simples remessa dos originais implica em autorização para publicação,

que fica condicionada a provação de pelo menos 2 pareceristas do conselho

executivo. Todos os trabalhos serão previamente apreciados pelo Conselho

Executivo da Revista e enviados, para análise, aos pareceristas indicados por

ele.

Page 209: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

207 7. Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não serão

devolvidos. A Revista compromete-se a informar os autores sobre a publicação

ou não de seus artigos.

Revista MAIS DADOS

Endereço:

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Narrativa da

Imaginação

Revista MAIS DADOS

Av. Estrela do Sul, 1946 – Bairro: Martins

CEP.: 38400-399 – Uberlândia – MG

(34) 3239-4068; Fax: (34) 3239-4396

Home page:

http://www.narrativadaimaginacao.com/p/revista-mais-dados.html

E-mail:

[email protected]

Page 210: Boneco Teste Revista

Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

208