50
f\,-~ ~:, '~~-' 'C~- ":~,,,q- ;I ,,' f -'~"-'~l NOMEPROF.~~ COD R ' p,lI; (:7'A i Q'!:~~ ~ -J.l.~'~ U," n . i. _...: _I I \"-' ''-\", .-1.4- j.~ o; JJi ~CD >0,,\, .~. " , '_' I.," );, .• --~ .•. " ''I)' PO 0 t I (\f-n~~~l ')! ,Q ': ()f'y\ () I \ -, G0 PIERRE BOURDIEU '., I (' ') f ' '...., , c> L' ' '- ,j APRODUGAo DACRENGA contribuicao para uma economia . dos bens simb6licos Traducao Guilherrnc Joao de Freitas Teixeira o COSTUREIRO E SUA GRIFE contribuicao para uma teoria da magia MODOS DE '"' DOMINAGAO BIBLJOTECAS FESPSP Traducao Maria da Graca jacinrho Setton 02.0 'GS" 21JCll( ~"'l '~.:.,

BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

f\,-~~:, '~~-' 'C~- ":~,,,q-

;I,,'

f

-'~"-'~l

NOMEPROF.~~COD R' p,lI; (:7'A i Q'!:~~~ -J.l.~'~U," n. i. _...:_I I \"-' ''-\", .-1.4-

j.~ o; JJi ~CD

>0,,\, .~." , '_' I.," );, .• --~ .•. " ''I)'

PO0 t I (\f-n~~~l ')!

,Q ': ()f'y\ ()

I\-,

G0

PIERRE BOURDIEU'., I (' ') f' '...., , c> L'' '- ,j

APRODUGAoDACRENGA

contribuicao para uma economia. dos bens simb6licos

TraducaoGuilherrnc Joao de Freitas Teixeira

o COSTUREIROE SUA GRIFE

contribuicao para uma teoriada magia

MODOS DE'"'

DOMINAGAO

BIBLJOTECASFESPSP

TraducaoMaria da Graca jacinrho Setton

02.0 'GS"

21JCll(~"'l'~.:.,

Page 2: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

"."

Page 3: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Uma vez meis, apalavra empresdtio me incomods.

Sven Nielsen'

Em outre area, tenbo IIhonra -para nio dizet; 0prater - de perderdinheiro, so encomender a traducso dos dais volumes monumentais sabre

Hemingway de Carlos Baker.

Hobert Laffont!

o cornercio da arte - comercio das coisas de que nao se fazcomercio - pertence a classe das praticas em que sobrevive a J6gicada economia pre-capitalisra Ut semelhanca, em outro plano, daeconomia das trocas entre as geracoes) e que, funcionando como sctratasse de denegaroespraticas, nao conseguem fazer 0 que fazem anaa ser procedendo como se niio 0 fizessem: desafiando a 16gicahabitual, essas duplas praticas prestarn-sc a duas leituras opostas,mas igualmente falsas, que acabam desfazendo sua dualidade eduplicidade cssenciais, reduzindo-as, seja a denegacao, seja ao quee denegado, ao desinteresse ou ao interesse". 0 desafio desferidopclas cconomias fundadas na dcnegacao do "econornico" a toda aespccie de economicismo reside precisamente 110 fato de que clas 56funcionam e, na pratica - nao somente nas representacoes -, s6podem funcionar mediante urn recalcamento constante e coletivodo interesse propriamente "econornico" e da verdade das praticasdesvendadas pela analise "cconornica".'

A Denegacao da "Economia"

Neste cosmo economico definido, em seu propriofuncionamento, por uma recuse do comercisl que, de fato, e umadenegacao coletiva dos interesses e ganhos comercials, as condutasmais "anri-economicas", as mais desinteresssdes visivelmente,

• NT: No original, interet, em frances, significa tarnbem os juros obtidos em aplicacaofinanceira. A partir daqui, todas as notas de rodape sao do tradutor, As notas do aurarvern no final de cad a ensaio.

A Produciio dn Crones ~

Page 4: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

aquelas que, em urn universo "econornico" habitual seriam as maiscondenadas sem 0 menor d6, con tern uma forma de racionalidadeeconomica (ate mesmo, no sentido restrito) e, de modo algum,excluem seus autores dos ganhos, inclusive "economicos",prometidos aos que se conformarn a lei do universo. Ou por outraspalavras, ao lado da busca do lucro "economico" que, ao transfonnaro cornercio dos bens culturais em urn cornercio semelhante aosoutros, e nao dos mais rentaveis "economicamente" (como nos clembrado pclos mais experientes, ou seja, os mais desinteresssdosdos comerciantes de arte), se content a em ajusrar-se a demanda deuma c1ientela antecipadamente convertida, existe lugar para ascumulecio do capital simb6Jico, como capital economico ou politicodenegado, irreconhecido e reconhecido - portanto, legitimo -, creditocapaz de garantir, sob certas condicoes e sempre a prazo, ganhos"economicos". Os produtores e vendedores de bens culturais, \empenhados em operacoes do tipo comerciai, condenam-se a si ~mesmos, e nao somente de urn ponto de vista etico ou estetico. (porque privam-se das possibilidades oferecidas aqueles que, por (saberemi~e:ol1~~~e1a~e~igencia~, e~peclficas d,o universo, ou, se Iquisermos,[irreconhecer e fazer irreconhecer os interesses em jogoj,em sua pratica, utilizarn as meios de obter as ganhos do desinteresse.'Em suma, quando 0 unico capital util, eficiente, e 0 capitalirreconhecido, reconhecido, legitimo, a que se da 0 nome de"prestlgio" ou "autoridade", neste caso, 0 capital econornicopressuposto, quase sempre, pelos empreendimentos culturais s6pode garantir os ganhos especificos produzidos pelo campo - e, aomesmo tempo, os ganhos "econornicos" que eles sempre implicam- se vier a converter-se em capital simb6lico: _~~l!ica acumulacaole.sftima, ,t,U!ltOpara 0 autor quanta para 0 critico, tanto ~a. 0

:r!.archl!fld ~e quadrosquanto para 0 editor ou 0 dire tor de teatro,consiste em adquirir urn nome, urn nome conhecido e reconhecido,capital de consagracao que implica urn poder de consagrar, alern c!e?~jetos (e 0 efeito de grife ou de assinatura) ou pe~soa§__(PJ!lapu blicacao, exposir;:a<?tetc),.P.~rt,'¥!t9,de dar valor e obter.beneflciosdesta .?p~~.£~~,

IIIIIr,II

A denegacao nao e uma ncgacao real do interesse"econornico" que assombra continuamente as praticas maisdesinteressedss, nem uma simples dissimulecio dos aspectosmercantis da pratica, como chegaram a acreditar os observadoresmais atentos. 0 empreendimento economico denegado do marchandde quadros ou do editor, "banqueiros culturais" em quem a arte eos neg6cios se encontram praticamente - 0 que os predisp6e adesempenhar 0 pape! de bodes expiat6rios -, s6 pocle ser bem-sucedido, ate mesmo "econornicamente", se nao for oricntado pelocontrole pratico das leis de funcionamento do campo da producao ecirculacao dos bens culturais, ou seja, por uma combinacaototalmente improvavel- em todo caso, raramente bem-succdida-,do realismo, que implica concess5es mfnimas as neccssidades"econornicas" denegadas e nao negadas, com a conviccao que asexclui.' Pe!o fato da dencgacao da economia nao ser urn simplesdisfarce ideol6gico, nem urn completo rcpudio do interesseeconornico, e que, por urn lado, novos produtores 'que tern comounico capital sua conviccao podern. impor-se ao mercado,reivindicando valores em nome dos quais as dominantes acumularamseu capital simb6lico e, por outro, somente aqueles que, entre eies,sabern acomodar-se as obrigacoes "economicas" inscritas naeconomia da rna-Ie poderao colher plenamente os ganhos"econornicos" de seu capital sirnbolico.

Quem Cria 0 Criador?

A ideologia carismatica que se en contra na propria origemda crenca professada no valor da obra de arte, portanto, do pr6priofuncionamento do campo da producao e circulacao dos bensculturais, constitui, sern duvida, 0 principal obstaculo a uma cienciarigorosa da producao do valor de tais bens. Com efeito, e ela queorienta 0 olhar em direcao aoprodutor spsrente- pintor, compositor,escritor - em poucas palavras, em direcao ao sutor. impedindo 0

o". A Producso da CrenrsPierre Bourdieu <'.

Page 5: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

questionamento a respeito do que autoriza 0 au tor, do que da aautoridade de que 0 autor se autoriza. Se e por demais evidente queo pre<;:ode urn quadro nao e determinado pela adi~ao dos elementosdo custo de producao, materia-prima, tempo de trabaJho do pintor,e se as obras de arte fornecem urn exemplo perfeito aqueles quepretendem refutar a teoria marxista do valor trabalho (que, alias,atribui a producao artistica urn estatuto de excecao), e, ralvez, porquese define mal a unidade de producao ou, 0 que da no mesmo, 0

processo da producao.

E possivel formular a questao sob sua forma rnais concreta(sob a qual, as vezes, cIa se apresenta aos agentes): Quem sera 0

verdadeiro prcdutor do valor da obra: 0 pintor ou 0 marchand, 0

cscritor ou 0 editor ou 0 diretor de teatro? A ideologia da criacao,que transforma 0 autor em principio primeiro e ultimo do valor daobra, dissimula que 0 cornerciante de arte (marchand de quadros,editor, etc.) e aqueJe que explora 0 trabalho do crisdor fazendocornercio do ssgredo c, inseparavelmeme, aquele que, colocando-o110 mercado, pela cxposicao, publicacao ou encenacao, consagra 0

produto - caso contrario, este estaria votado a perrnanecer no estadode recurso natural- que ele soube descobrire tanto mais forternentequanta de rnesmo e mais consagrado." 0 cornerciante de arte nao esomente aquele que outorga a obra urn valor cornercial, colocando-a em relacao com urn certo mercado; nao e somente 0 representante,o ernpresario, que "defende, com se diz, os autores que lhe agradam".Mas, e aquele que pode proclamar 0 valor do autor que defende (cf.a ficcao do catalogo ou do comunicado destinado a irnprensa) e,sobretudo, "ernpenhar, como se diz, seu prestigio" em seu favor,atuando como "banqueiro simb6lico" que oferece, como garantia,todo 0 capital simb6lico que acumulou (e, real mente, passive! deser perdido em caso de erro).7 Este investimento, cujos investimentos"econornicos" correlatos nao passam em si mesmos de uma garantia,eo que leva °produtor a penetrar no cicio da consagracao. Penetra-se na literatura nao como se professa em uma ordem religiosa, mascomo se penetra em urn clube seleto: 0 editor faz parte do numero

.~I\

dos padrinhos prestigiosos (ao lado dos autores de prefacios, criticos,ete.) que garantem os testernunhos obsequiosos de reconhecirnento.Ainda mais evidente e 0 papel do marchand que, realmenre, devespresentsro pintor e sua obra a grupos sociais cada vez mais seletos(cxposicoes coletivas e/ou individuais, colecoes prestigiosas,museus) e introduzi-lo em locais raros c cobicados, No en tanto, aIci do universe que pretende que urn investimento sera tanto maisprodutivo, do ponto de vista simb6lico, quanta menos for declarado,faz com que as acoes de valorizacao que, no mundo dos neg6cios,assumern a forma aberta da publicidade, devern aqui eufernizar-se:° comerciante dc arte s6 pode scrvir sua "descobcrta" se colocar aseu service toda a sua conviccao que exclui as manobras vilmentecomercieis, as manipulacoes e as pressoes, em beneflcio das formasmais brandas e discretas das "relacoes publicas" (que, em si rnesmas,sac uma forma altamente eufemizada da publicidade), recepcoes,reuni6cs mundanas, confidencias feitas da forma mais criteriosapossivel."

iJ.

(

o Circulo da Crenca

Mas, pass an do do criadorao descobridorcomo criador doctisdor, lirnitarno-nos a deslocar a questao inicial; neste caso, restariadeterminar de onde vem 0 poder de consagrar que e reconhecido aocomerciante de arte. Ainda aqui, a resposta carismatica sc ofcrece japronta: os grsndcs marchands, os grandes editores, sac"descobridores" inspirados que, guiados por sua paixaodeslnteressada c irrefletida por uma obra, 'Tizerarn" 0 pinror ou 0

escritor, ou entao, perrnitiram-lhe que ele se fizesse, amparando-onos momentos diflceis, respaldados na fe que haviam colocado neie,orientando-o com seus conselhos e livrando-o das preocupacoesmaterials." Se pretendermos evitar 0 reeuo, sem fim, na cadeia dascausas, talvez seja preciso cessar de pensar na logica, favorecida portoda a tradicao, do "primeiro comeco" que, inevitavelmcnte, conduza fe no crisdor. Nao basta indicar, como se faz habitual mente, que 0

Nr.t<"lNPierre Bourdicu A Produciio da Crencs:

Page 6: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

"descobridor" nunca descobre nada que ja nao tenha sido descoberto,pelo men os, por alguns, ou seja, pintores ja conhecidos por urnreduzido numero de pintores ou conhecedores, autores"apresentados" por outros autores (por exemplo, sabe-se que osmanuscritos que serao publicados quase nunca chegam diretamente,mas quase sempre por meio de intermediaries reconhecidos). SuaaUtOndadde, por si 56, urn valor flduciario 56 existente nao 56 na~m 0 campo da producao em seu conjunto, ou se]a, com ospintores ou escrirores que fazem parte de sua escuderia- "urn editor,conforme dizia urn deles, e seu catalogo" - e com aqueles que estaofora e gostariam ou nao de fazer parte dela, mas tambern na relacaocom os outros marchands ou editores que manifestam mais oumenos claramente a cobica por scus autores e escritores, alern deterern maior ou menor capacidade para acambarca-los: na relacaocom os criticos, que se flam em maior ou menor grau em seujulgarncnto, falam de seus produtoscom maior ou menor respeito;na relacao com os clientes, que tern uma percepcao mais ou menosnlrida de sua marca e depositam nele urn maior ou menor grau deconfianca. Est~ aumLiqaqf'Qao ~ oum~,,~Qi$~_~~n~Q.UJ!lcL~@tQju,ntoa urn conjunto de agentes.queconstituern relsoies tanto maispreciosas quanta rnaior for 0 credito de que eles pr6prios sebeneficiarn. Epor dernais evidente que as criticos colaboram rarnberncom 0 cornerciante de arte no trabaJho de consagracao que faz areputacao e - pelo menos, a prazo - 0 valor rnonetario das obras: ao"descobrirern" os "novos talentos", eles orientam a escolha dosvended ores e compradores por seus escrltos ou conselhos (eles sao,muitas vezes, leitores ou diretores de colecoes nas editoras ou autoresde prefacios, contratados pel as galerias), por seus vereditos que,apesar de pretenderem ser puramente esteticos, sac acompanhadospor consideraveis efeitos econ6micos (iuris). Entre aqueles que fazema obra de arte, convern contar, por ultimo, com as clientes quecontribuern para fazer seu valor, apropriando-se del a materiaJmcnte(os colecionadores) ou simbolicamente (espectadores, leitores), alernde identificarem subjetiva ou objetivamente uma parcel a de seu valor

com tais apropriacoes. Em suma, 0 que faz as 'reput~{6es ~ao e,como acreditam ingenuamente os Rasrignacs'' -p;~vincianos, a"influencia" de fulano ou sicrano, esta ou aquela instituicao, revista,publicacao semanal, academia, cenaculo, marchand, editor, nemsequer 0 conjunto do que, as vezes, se chama de "personalidades domundo das artes e das letras", mas 0 campo da producao comosistema das relacoes objetivas entre esses agentes ou insrituicoes eespa~o das lutas pelo rnonopolio do poder de consagracao em que,continuamente, se engendram 0 valor das obras e a crenca nestevalor. '0

"

II

}:

-:-:i

! Fe e Ma-Fe

\t'I

o principio da eficacia de rodos os atos de consagracao naoe outro senao 0 proprio campo, lugar da energia social acurnulada,reproduzido com a ajuda dos agentes e instituicces atravcs das lutaspelas quais eles tentam apropriar-se dela, empenhando 0 que haviamadquirido de tal energia nas lutas anteriores. 0 valor da obra de artecomo tal - fundamento do valor de qualquer obra particular - e acrenca que the serve de fundamento se engendram nas incessantese inumeraveis lutas travadas com a finalidade de fundamentar 0

valor desta ou daquela obra particular, ou seja, nao 56 na concorrenciaentre agentes (auto res, atores, escritores, crlricos, encenadores,editores, marchands, etc.), cujos interesses (no sentido mais amplo)estao associ ados a bens culturais diferentes - teatro burguess»: teatrointelectual, pintura estabelecida e pintura de vanguarda, literaturascsdemics e literatura svencsds -, mas tarnbem nos conflitos entreagentes que ocupam posicces diferentes na prcducao dos produtosda mesma especie - pintores e msrchends, autores e editores,escritores e criticos, etc.: com tais lutas que, apesar de nunca

r1

('

If' • Personagem concebida por Honore de Balzac (1799-1850), cuja prirncira aparicio

acontece no romance 0pai Goriot: tipo de oportunista elegante.

"<tC"I ", A Produciio ds Crencs v-i

<'IPierre Bourdieu

Page 7: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

estabelccerem uma oposicao clara entre "0 cornercial" e 0 "nao-comcrcial", 0 desinteressee 0 cinismo, ernpenham quase sempre 0

reconhecimento dos valores ultirnos de desinteresse atraves daden uncia dos comprometimentos mercantis ou das manobrascalculistas do adversario, e a denegacao da economia que e colocadano proprio amago do campo, na propria origem de seu funcionamentoe rnudanca.

Eassim que a dupla verdade da relacao ambivalente entre 0

pintor e 0 marchand, ou entre 0 escritor e 0 editor, nunca se revelatao bern quanta nas crises em que se desvela a verdade objetiva decada uma das posicoes e da relacao entre elas, ao mesmo tempo quese reafirmarn os val ores que se encontram na origem de seucncobrimento, Ninguem esta mais bem colocado do que 0 marchandde arte para conhecer os interesses dos fabricantes de obras, asestrategias utilizadas par eles para defende-las ou dissimular asproprias estrategias. Se ele forma urn anteparo protetor entre 0 artistae 0 mercado, e tam bern ele quem 0 Iiga ao mercado e quem provoca,por sua propria existencia, os desvelamentos crueis da verdade dapratica artistica: sera que, para impor seus interesses, nao Ihe bastaencerrar 0 artista em suas declaracoes publicas de desintercssei Bastaescuta-lo para descobrir que - salvo algumas ilustres excecocs, comoque feitas para fazer lembrar 0 ideal - os pintores e escritores sacfundamentalmente interesseiros, calculistas, obcecados pelo dinheiroe disposros a fazer seja hi 0 que for para serem bcm-sucedidos.Quanto aos artistas, que nern sequer pod em denunciar a exploracaode que sfio objeto sem confcssarem suas motivacoes interessciras,sac os que se encontram mais bem colocados para descobrirem asestrategias dos comerciantes de arte, 0 scntido do investimentorentavel (economicamente) que orienta seus investimentos esteticose afetivos, ~qversarios cumplices, os que fabricam as.obras de arte eaquelcs que as comercializam se referern, como se ve, a mesma leique imp6e a repressao de todas as rnanifestacoes diretas do interessepessoal - pelo menos, em sua forma abertamente "econornica" - eapresenta todas as aparencias da transcendencia, embora ela nfio

If

I

seja senao 0 produto da ccnsura cruzada que pesa, quase de formaiguaJ, sobre cada urn daqueles que sobrecarregarn todos os outroscom seu peso.

Urn mecanisme sernelhante acaba transformando 0 artistadesconhecido, desprovido de credito e credibilidade, em urn artistaconhecido e reconhecido: a luta pela imposicao da definicaodominante da arte, ou seja, pela irnposicao de urn estilo, encarnadopor urn produtor particular ou urn grupo de produtores, faz da obrade arte urn valor, transformando-a em uma aposta, no amago docampo da producao e fora dele. Cada urn podera recusar a pretensaode seus adversaries de estabelecerem uma distincao entre 0 que earte e 0 que nao 0 e, sem nunca questionarem, como tal, essapretensao originaria: em nome da conviccao de que existe boa auma pintura e que os concorrentes se excluem mutuarnente do campoda pintura, prcdigalizando-lhe assim a aposta e 0 motor sem 0 qualele nao poderia funcionar, E nada pod era dissimular melhor a colusaoobjetiva que se encontra na origem do valor propriamente artisticodo que os antagonismos atraves dos quais ele se realiza.

'"/'I

I

Sacrilegios Rituais. ],

rA estas analises, poder-se-iarn opor as tentativas que se

multiplicaram por volta da decada de 60, sobretudo, no domlnio dapintura, para quebrar 0 icirculo da crenia,\se nao fosse por demaisevidente que essas especies de sacrilegios rituals, dessacralizacoesainda sacralizantes que se Iimitam semprc a cscandaJizar os crentes,estao votados a serem, por sua vez, sacraJizados, e a fundarem uma'nova crenca. Estamos pensando em Manzoni com suas Iinhas dentrode caixas, suas conservas de "merda de artista", seus pedestaismagicos capazes de transformar em obra de arte as coisas colocadasem cima deles, ou sua assinatura escri ta em pessoas vivas,convertidas assim em obras de arte: ou entao, em Ben que multiplicaos "gestos" de provocacao ou desdern, tais como a exposicao de urn

riiI

,1l

I

r-D(". Pierre Bourdicu A Produciio de erenra

r-r 1

Page 8: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

pedaco de papelao coberto com a mencao "exemplar unico" ou deuma tela com a inscricao "tela de 45 ern de comprimento".Paradoxalmente, nada e mais bem feito para mostrar a logics dofuncionamento do campo artlstico do que 0 destine dessas tentativas- na aparencia, radicais - de subversao: pelo fatode aplicarem aoate de criacao artistica uma intencao de escarnio ja anexada a tradicioartlstica por Ducharnp, elas sac imediatamente convertidas em"acoes" artlsticas, registradas como tais e, assim, consagradas pelasinstancias de celebracao. A arte nao pode deixar manifestar-selivremente a verdade sobre a arte sem a ocultar, fazendo dessedesvclamento uma rnanifestacao artistica. E e significativo, aocontrario, que todas as tentativas para colocar em questao 0 propriocampo da producao artistica, a logica de seu funcionamento e asfuncoes que ele desernpenha, pelas vias altamente sublimadas eambiguas.do discurso ou das "acoes" artisticas, como em Maciunasou Flynt, sejam nao menos necessariamente votadas a seremcondenadas, ate mesmo, pelos guardiaes mais heterodoxos daortodoxia artistica porque, ao recusarem entrar no jogo e contestara arte nas regras, OU seja, artisticamente, seus autores questionarnniio uma forma de en trar no jogo, mas 0 proprio jogo e a crenca quelhe serve de fundarnento, unica transgressao inexpiavcl,

poder do qual 0 mago se apropria: se e "impossivel compreender amagia sem 0 grupo magico" e porgue 0 poder do mago, cujaassinatura ou grife miraculosa nao e senao uma manifestacaoexemplar, e uma imposture bem fundamentada, urn abuso de poderlegitimo, coletivamente irreconhecido, portanto, rcconhecido., 0artista que, ao escrever seu nome em um ready-made, produz urnobjeto, cujo pre~o de mercado nao tem qualquer relacao com seucusto de producao e coletivamente incurnbido da execucao de urnato rnagico que nada seria sem toda a tradicao da qual seu gesto e 0

coroamento, sem 0 universo dos celebrantes e crentes que Ihe daosentido e valor por referenda a essa tradicao. E inuti! procurar forado campo, ou seja, no sistema de relacces objetivas que °constituem,nas lutas das quais ele constitui 0 lugar, e na forma espedfica deenergia ou de capital que nele se engendra, 0 principio do poder"criador", essa especie de mana ou carisma inefavel, celebrado pel atradicao,

Como se ve, e verdadeiro e, ao mesmo tempo, falso, dizerque 0 valor mercantil da obra de arte nao tem qualquer relacao comseu custo de producao: verdadeiro, se levarmos em consideracaosomente a fabricacao do objeto material, da qual 0 unico responsavele 0 artista: mas, falso, se entendermos a producao da obra de artecomo objeto sagrado e consagrado, produto de urn imensoempreendimento de alquimia socialna qual colabora, com a mesrnaconviccao e com beneficios basrante desiguais, 0 conjunto dosagentes envolvidos no campo da producao, ou seja, tanto os artistasc os escritores obscuros quanto os mestres consagrados, tanto ascrlticos e os editores quanta os autores, tanto os clientes entusiastasquanta os vendedores convencidos. Trata-se de contribuicoes,incluindo as mais obscuras, ignoradas pelo materialismo parcial doeconomicismo; no entanto, basta leva-l as em consideracao paraverificar que a producao da obra de arte, ou se]a, do artista, nao euma excecao a lei da conservacao da energia social. 11

i

It(

II

"'I

o Irreconhecimento Coletivo

A eficacia quase rnagica da assinatura nao e outra coisa senaoo poder, reconhecido a alguns, de mobilizar a energia simbolicaproduzida pelo funcionamento de todo 0 campo, au seja, a fe nojogo e lances produzidos pelo proprio jogo, Em materia de magia,como Mauss ja havia observado com justeza, a questao nao C tantosaber quais sac as propriedades especfficas do mago, nem sequeroperacoes e representacoes magicas, mas determinar os fundamentosda crenca coletiva ou, ainda melhor, do irreconhedmento coletivo,coletivamente produzido e mantido, que se encontra na origem do

i

fII

j~

0-NPierre Bourdieu A Productio ds Cronen

Page 9: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Dominantes e Pretendentes producao e ao campo dos produtores ou, ate rnesrno, ao subcampodos produtores para produtores, eo primado atribuido a difusao, aopublico, a venda, ao sucesso avaliado pela tiragem; ou ainda, entre 0

sucesso diferido e duradouro dos clsssicos e a sucesso imediato etemporario dos best-sellers; ou, par ultimo, entre urna producaoque, fundada na denegacao da "economia" e do lucro (portanto, datiragem, etc.), ignora ou desafia as expectativas do publicoconstituido e nao pode ter outra dernanda senao aquela que elamesma produz, embora a prazo, e uma producao que garante seusucesso e 0 lucro correlate. ajustando-se a uma demandapreexistente. As caracteristicas do empreendimento cornercial e ascaracteristlcas do ernprecndimento cultural, como relacao mais oumenos denegada ao ernpreendimento comercial, sac indissociaveis.As diferencas na relacao com a "econornia" e com 0 publico formamuma so coisa corn as diferencas oficialmente reconhecidas eidentificadas pelas taxinomias vigentes no campo: assim, a oposicaoentre a arte "verdadeira" e a arte comercial abrange a oposicao entreos simples empresarios que procuram 0 lucro econornico imediatoe os ernpresarios culturais que lutarn para acumular urn lucropropriamente cultural, nern que Fossemediante a renuncia provis6riaao lucro econornico: quanto a oposicao que e estabelecida por estesultirnos entre a arte consagrada e a arte de vanguarda ou, sequisermos, entre ortodoxia e heresia, ela faz a distincao entre aquelesque dominam 0 campo da producao e 0 mercado pelo capitaleconornico e simbolico que eles haviam conseguido acumular nodecorrer das lutas anteriores, gracas a uma cornblnacaoparticularmente bem-sucedida das capacidades contradltoriascspecificamente exigidas pela lei do campo, e os novos pretendentesque nfio podem, nem pretendem ter clientes diferentes dos de seusconcorrentes, ou seja, produtores estabelecidos, cujo credito ficaarneacado ao adotarem a pratica de impor produtos novos ou recern-chegados com quem rivalizam em busca de novidade.

A posicao na estrutura das relacoes de forca,inseparavelmente econcmicas e simb6licas, que definem a campo

Pelo fato de que os campos da prcducao de bens culturaissao universes de crenca que s6 podem funcionar na medida em queconseguem produzir, inseparavelmente, produtos e a necessidadedesses produtos por meio de praticas que sac a denegacao daspraticas habituais da "economia", as lutas que se desenrolam ai sacconflitos decisivos que comprometem completamente a relac;:aocoma "cconomia": squeles que screditsm nissoe que, tendo C0l110 unicocapital sua fe nos prlnclpios da economia da ma-fe, pregam 0 retornoas fontes, a renuncia absoluta e intransigente dos cornecos, englobamna mesma condenacao tanto os vendilh6es do templo que introduzemdetermi nadas praticas e interesses comercisls no terreno da fe e dosagrado, quanta os fariseus que tiram beneflcios temporais do capitalde consagracao acumulado mediante a subrnissao exemplar asexigencias do campo. E assim que a lei fundamental do campo seencontra, incessantemente, lembrada e reafirmada pelos novospretendentesque tern 0 maior interesse pela denegacao do interesse.

A oposicao entre 0 comercial e a "nao comercial" encontra-sc par toda parte: ela e 0 prindpio gerador da maior parte dosjulgamentos que, em materia de teatro, cinema, pintura, literatura,pretendem estabelecer a fronteira entre 0 que e arte e a que nao 0 e,ou seja, praticamente entre a arte burguesa e a arte intelectuel, entrea arte tradicional e a arte de vanguarda, entre a rive droite e a rivegauche' .12 Se esta oposicao pode ter urn conteudo substancialmentedesigual e designar realidades bast ante diferentes segundo oscampos, no entanto, permanece estruturalmente invariante emcampos diferentes e, no mesmo campo, em momentos diferentes.Ela estabelece-se sempre entre a producao restrita e a grandeproducfio (0 comercial), ou seja, entre 0 primado atribuido a

I.•.

• Rive droite, rive gauche (Iiteralrnente: "margem direita", "margern esquerda"),entenda-se do rioSena ao atravessar Paris: a rive gaudlee considerada 0 centro culturalda cidade.

~

.....,o....., Pierre Bourdieu A Produciio da Crenr»

Page 10: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

.,.

da producao, ou seja, na estrutura da distribuicao do capital espcdfico(e do capital economico correlato) orienta, por intcrrnedio de umaavaliacao pratica ou consciente das oportunidades objetivas de lucro,as caracterlsticas dos agentes ou instituicoes, assim como asesrrategias que eles acionam na luta que as opce. Do lado dosdominantes, todas as estrategias, essencialmente defensivas, visamconservar a posicao ocupada, portanto, perpetuar 0 status quo, aomanter e fazer durar os prindpios que servem de fundamento adorninacao. 0 rnundo sendo 0 que deve ser, ja que os dominantesdominam e eles sac 0 que devem ser para dominar, au seja, 0 dever-ser realizado, a excelencia consiste em ser 0 que se e, sem ostentacaonern empafia, alem de manifestar a imensidade de seus recursospel a economia de meios, recusar as estrategias chamativas dedistincao e a busca do cfeito pclas quais os pretendentes traem suapretensao. Os dominantes tern comprornisso com o.silencio,discricao, scgredo, reserva; quanta ao discurso ortodoxo, sernpre~x~orquido pelos questionamentos <ios!19VOSJl,re.rencientes. eimpostopelas necessidades da retificacao, nao passa nunca.da.aflrrnacaoexpHcita das evidencias primeiras que sao patentes e se portammelhor sem falar delas.Os problemas socius sac relacoes socials:des Se definem no enfrentamento entre dois grupos, dois sistemasde interesses e de teses antagonistas; na relacao que os constitui, ainiciativa da luta, os proprios terrenos em que esta se trava, incumbeaos pretendentes a quebra da doxa, 0 rompimento do silencio e 0

qucstionarnento (no verdadeiro sentido) das evldencias da existenciasem problemas dos dorninantes. Quanto aos dominados, estes s6terao possibilidades de se impor no mercado atraves de estrategiasde subversao que nao poderao prodigalizar, a prazo, os ganhosdenegados a nao ser com a condicao de derrubarem a hierarquia docampo sem contrariarem os principios que Ihe servcm defundamento. Assim, sac condenados a promoverem revolucoesparciais que deslocam as censuras e transgridem as convencoes, masem nome dos proprios prindpios reivindicados por elas. E a razaopela qual a estrategia por excelencia e 0 retorno as fontes que se

"-\

('lC"l Pierre Bourdieu

encontra na origem de todas as subversoes hcreticas e de todas asrcvoluc;:6es letradas porque pcrmite voltar contra os dominantes asarm as em nome das quais eles haviam imposto sua dominar;ao e,em particular, a ascese, a audacia, 0 ardor, 0 rigorismo e 0

dcsintcresse. A superva\orizar;ao, sempre urn tanto agressiva, daexigencia que pretende fazer lernbrar aos dominantes 0 respeito pelalei fundamental do universo - a dcncgacao da "economia" -, 56podera ser bem-sucedida se conseguir confirmar, de forma exemplar,

a sinceridadc da denegaC;ao.Pelo faro de que etas sc ap6iam em lima relacao com a

cultura que e, inseparavelmente, uma relacao com a "economia" ccom 0 rnercado. as instituic;:6es da produr;ao e difusfio de bensculturais, tanto em pintura quanto no teatro, tanto em literaturaquanto no cinema, tendern a organizar-se em sistemas que, entre si,sao hornologos de forma estrutural e funcional, alern de rnanteremuma relacao de homologia estrutural com 0 campo das frac;:6esdaclasse dominante (na qual e recrutada a maior parte de sua clientele).No caso do teatro, a homologia entre 0 campo das mstancias daproducao e o campo das fra~6es da classe dominante e rnais evidente.A oposiC;ao entre "teatro burgues" e "teatro de vanguarda", de quese encontra 0 equivalente em pintura ou em Iiteratura e funcionacomo urn principio de divisao que perrnite classificar praticamenteos autores, obras, estilos e temas, e fundada na reaJidade: veri fica-se tanto nas caracteristicas sociais do publico dos diferentes teatrosparisienses (faixa etarla, profissfio, domicilio, freqliencia da pratica,preco dcsejado, etc.) , quanto nas caracteristicas, perfeitamentecongruentes, dos autores representados (faixa etaria, origem social,domicilio, estilo de vida, etc.), das obras e das pr6prias empresas

teatrais.E, corn efeito, simultaneamente sob todos esscs aspectos

que 0 "teatro de pesquisa" se opoe ao "teatro de bulevar": por urnlado, os grandes teatras subvencionados (Odeon, TbCatre de I'Estparisien, Theatre National popuJaire) e os poucos pequenos teatrosda rive gauche ( V'ieux Colombier, Montparnasse, Gaston Baty, etc.) ,13

ernpresas que, do ponte de vista economico e cultural, correm riscos.

,,.,''l

A Produf:iio da Cren(:a

Page 11: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

scrnpre ameacadas de falencia, e que prop6em, a precos relativarncnrereduzidos, espetaculos em ruptura com as convencoes (no conteudoe/ou na encenacao) e destinados a urn publico jovcm e intelectusl(csrudanres, intelectuais, profess ores) ; por outro lado, os teatrosburgucses (ou seja, por ordern de saturacao crescente empropricdades pcrtincntes: Gymnase, Theatre de Paris, Antoine,Ambsssadcurs, Ambigu, Micbodiere, VaIietes), ernpresas comerciaiscomuns, preocupadas com a rentabilidade economics sac impingidasa utilizar estrategias culturais de extrema prudencia, que nao corremriscos c evitam que seus clientes venharn a corre-los, propondocspetacu los - ja representados (adapracces de pecas inglcsas ouamcricanas, reapresentacoes de cldssicostu: bulcvar) ou concebidossegundo reccitas seguras e confirmadas - a um publico adulro,burgucs (executives, rnembros das profissoes liberais e direrorcs decrnprcsas), disposto a pagar precos clevados para assistirem a UID

cspetaculo de simples diversao que obedecc, tanto em seus rneiosquanta em sua enccnacao, aos canones de uma estetica irnutaveldurante os ultirnos cern anos." Situados entre 0 "teatro pobre", nosentido cconornico e estetico, que se dirige as fracoes da c1assedorninante mais ricas em capital cultural e mais pobres em capitaleconornico, e 0 teatro rico, que se dirige as fracoes mais ricas emcapital economico c mais pobres, relativarnente, em capital cultural,as teatros classicos (Comedie trsncsise, Atelier), que Iszem trace?de espectadores com todos os teatros, 15 constituem rcclnros ncutros,cujo publico e oriundo, quase de uma forma igual, de todas as fraccesda classe dominante, e propoern programas neurros ou ecleticos,"bulevar de vanguarda" (segundo as palavras de um critico de LaCroix'), cujo principal representante scria Jean Anouilh, ouvanguarda consagrada.v

.;

,1

'~

: ~

• Fundado em 1883. pelos assuncionistas, estc jornaJ cotidiano pubJicado em Paris, eo princi pal orgao da imprcnsa catolica.

f,, ,

-,tr<) ! I

Ii, A Productio da CrencnPierre Bourdieu

-----'<t'~O'lr-<,('()

'-0O'l.....•<lJ

"0nJ-g•...o0..

SQ)

'-''-"Ulo•...~Q)•...Ulo

-0nJ~•....c::

,~

UnJ

-0o

ledu"'5..0'~•....Ul:u<

S;ll~!lei\

E8~~-c\)~:~-S.gs

'tJ

~~~~U.lU)

o"0

t:'"eo

x~~:gSf.:;~I~

;)SCtlWA~

;)ltlOIUV x

;JUJOpOW x

SJI\JP~sseC]wv ><~~~-!rlUretD J!P9l00.) ><

S!.Ied op ;)JI~illll !;;: ;;!;j!

><~ '"...,;)J~!POlP!W

n~lqUlV x

Jd!ldlV '"'" ~~~x~~~~~C;~~~

JSle~ueJJ J!P?IUO:> ~~ ><~ r-, '",., ..•.

AIEU '!J asseluedlUow ><

.lalqwoJoJ xn~!A VIM'" ,., ~>< ;;:

;Jilll~IJ1V J::l ><

(UC9PO) <UU1'-lddpaIl\?ilILL I~ ~ >< ~ '" ~ ~ ~ ~ ~

<IN.L I [;:;x ~g~ ~ ~

dlll ><

c ~'\; -w"t1 C ~8.<!., '\i11 ,!l 13 '~ ,~ Cl£ E~@ &~~., .2~~~ ~uU~-0 0 QJ .4..1 "'C qJ N U CJ

~ .t: u 8- 'i1 •• ~ '8 ~ il VI E 1! ~ ,~~~~~~cl~~~i~J~][iF:~t:~~~8~~~¢:8~~~l.?:li

y.

'"o-.:;0.

'""'11c:.,,'"cr

C1J-t::'"'@6,...:."'1'1"' "','@o'" v~~~~l.?~ "Vl• 05,l:j~~o~ ~&J Vlu .,

&d58.so'(' ~(3 t::0<t: •...•~ -.

x

'" 00'" '"

g"'~"']C1J

"0

Vleo]v~~

V),.-,

Page 12: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Ha cinqUenta anos, a Gslerie Drousnt,

,!

"

.•• Tcauos de bulevarI. Marigny2. Arnbassadeurs, I~Cardin3. Madeleine4. Charles de Rochefort5. Michel6. Mathurins7. Europeen8. Athenec, Comedic Caumarrin. Edouard VII9. Capucincs10. DaunouI I. Palais RoyalI2. Michodiere13. Boufles Parisiens14. Th. de Paris. Theih,c modeme15. Oeuvre16. Fomaine17. La Bruyere. S[ Georges18. Varitl~s19. Nouveautes20. Gymnase21. Antoine22. Renaissance23. Pone SI Mallin24. Cyrano25. Gail~ Montparnasse26. Le Lucernaire27. Cornedie Champs Elysees

• Teatros neurrosI. Studio Champs Elys~es2. Hebertot3. 3474. Mogador5. OperaG. Atelier7. Comedic Franraise8. Diolheaue9. Th. du Chatelct10. Th. de la Ville11. Recamier12. Act. Alliance r:ran~aise13. Montparnasse14. Plaisance15. Ouest Parisien

GalerieDrouant

C Teatros intelectuais1. Tertre2. Th. present la Villette3. T.E.P.4. Mouffetard5. Huchettc6. 51 andre des Arts7.0deon8. Peril Ode on9. Cil~ internationale10. Poche rnontparnasseI I. Orsay12. Mrkanique13. T.N.P.

~

situada na rue du faubourg Saint- Honore, no 8" bairro de Paris. participa, por suaatividade, do prestigio universal desta arreria mundialmente conhecida.

t-

'D'') A Produciio da Crencn I'-

f'1Pierre Bourdieu

Page 13: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

00f<)

No caso dos teatros e galerias, e que a distribuicao noespaco se aproxirna de forma rnais vislvcl da distribuicao no campo;a sernelhanca dos editores, todos concentrados na live gauche (comoposicoes, porern, entre 0 6° bairro, mais intelectusl, e 0 5°, maisescolar), os orgaos de irnprensa eseapam a polarizacao pelo fatode sua concentracao no mesmo bairro (Bonne Nouvelle), masobserva-se que aqueles que estao implantados fora dessa zonanfio se distribucm ao acaso: e assirn que no 16° e 80 bairros seencontrarn, sobretudo, os sernanarios espcciallzados em economia(['Expansion, Les Echos) ou jornais de direita, enquanto nosbairros perifericos do norte de Paris encontram-se, de preferencia,orgaos de imprensa de esquerda ou extrema-esquerda iSccoursRouge, La Pensee, Nouvelle Revue Socisllste, etc.) e, na rivegauche, os sernanarios c revistas intelectusis. Quanta as lojas deluxe, estas concentrarn-se ern urna area bastante restrita em tornocia rue du faubourg Saint-Honore, que reagrupa todas asinstituicoes que ocupam a posicao dominante em seus respcctivoscampos (unicamcnte na we du Isuboutg Saint-Honore, e possfvelreecnsear 9 estabelecimentos de alta cosrura, 19 saloes decabeleireiro de alto nivel, 19 alfaiatarias e camiseiros, 37 institutesde beleza, 14 lojas de peles, 15 lojas de betas, 11 selarias emarroquinarias, 9 joalharias e ourivesarias, 28 antiquaries. 25galerias e msrdunds de quadros, 17 decoradores, 13 artistas, 3escolas de estetica, 5 editores de luxo e de publicidade, 210jas dealuguel de material de recepcao, urn banqueteiro, 2 salas deconcerto, 2 escolas e clubes de equitacao, etc.). E, portanto,somente na relacao com 0 conjunto dos estabelecimentos de cadauma das categorias de cornercio que se pede cornpreender asimb6lica da distincao que, especificamente, earacteriza taisinstituicoes. referenda a unicidade au exclusividade cia criscio("criador", "criador exclusive", ete.) , muitas vezes, marcada pelaevocacao analogica da obra de arte ou do criador artfstico, aferacaografica das tabuletas, invocacao da tradicao (letras g6ticas, datada fundacao da casa, "de pai para mho", etc.), nomes nobres, usode palavras e expressoes inglesas, tais como a inversao (0 francesdesempenhando 0 mesmo papel em Nova York), emprego deparelhas nobres, muitas vezes, tomadas de emprestimo ao Ingles- hair-dresser au salao de eabeleireiro de alto nlvel (para dizer,salao de cabeleireiro); corte stylingou alta costura; shirtmsrker(para dizer camiseiro); fabricante de botas; galeria (para dizerantiquario): butique (para dizer loja); decorador (para dizercomerciante de m6veis), ete.

Rive droite e rive gauche

o fato de que as posicoes e as oposicoes constitutivasdos diferentes campos se manifestam, muitas vezes, no espaco,nao nos deve induzir ao erro: 0 espaco Ilsico nao passa do suportevazio das propricdades sociais dos agentes e instituicoes que,esrando distribuldos por essa superflcie, transforrnarn-na em UIn

espaco social, socialmente hierarquizado: em urna sociedadedividida ern classes, qualquer distribuicao particular no espacoencontra-se social mente qualificada par sua relacao com adistribuicao no espaco das classes e fracoes de dasse, assim comode suas propriedades, terras, casas, ete. (0 espaco social). Pclofaro de que a distribuicao dos agentes e instituicoes ligados asdiferentes posicoes eonstitutivas de urn campo particular nao ealcatoria, as ocupantes das posicoes dominantes nos diferentescampos que tendem a orientar-se em direcao a posiccesdorninantes (ou seja, ocupadas pel as dominantes) do espaco social,as distribuicocs espaciais dos diferentes campos tendem asobrepor-se, como e a caso em Paris com a oposicao, validapraticamente para todos os campos (com excecao das editoras,reagrupadas na rive gauche), entre a rive droite e a rive gauche.Estarlamos impedidos de cornprcender as propriedades maisespecifieas da concentracao no espaco das lojas de luxo (a rue dufaubowg Saint-Honoree a rue Royalcou, em Nova York, MadisonAvenuee Fifth A venue), se nao observassernos, par urn lado, queas diferentes classes de agentes e instiruicoes que as constituern(par exemplo, os antiquaries au as galerias) oeupam posicoeshornologas em campos diferentes e, por outro, que 0 mercadocom base local constituldo pelo reagrupamento dessas insrituicoesoferece a conjunto dos bens (no easo particular, 0 conjunto dossimbolos distintivos da classe) correspondentes a urn sistema depreferencias. Em suma, a representacao cartografica da distribuicaono espaco de uma c1asse de agentes e lnstituicoes constitui umatecnica de objetivacao bastante poderosa com a condicao de quese saiba ler na planta (da pagina 37) a relacao construlda entre aestrutura do sistema das posicoes eonstitutivas do espaco de urncampo e a estrutura do espaco social. par sua vez, definido pelarelacao entre bens distribuidos no espaco e agcntcs dcfinidos porcapacidades desiguais de apropriacao de tais bens.

A Producio d» Creni»Pierre Bourdicu 0-,')

Page 14: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

;1

I:II.Id!'

Iogo de Espelhos gravidade," a tristeza do discurso c dos cenarios ("por melhor queseja a fala, a cortina preta da boca de cena e 0 andaime ajudam acriar 0 clirna'?'). Em suma, autores, pecas, aflrrnacoes, palavras quesac e pretendem ser "corajosamente leves", joviais, alegres, vivas,sem problemas, corno-na-vida, por oposicao a "pensativas", ou seja,tristes, enfadonhas, com problemas C obscuras. "Nessa bunda eraalegre, enquanto a deles era pensativa" .26 Oposicao incontornavel jaque estabelece a separacao entre intelectusise burgueses, inclusivenos proprios interesses que, da forma mais manifesta, tem emcomum. Todos os contrastes que Francoise Dorin e os crlticosburguesesacionam em seus julgamentos sabre 0 teatro (sob a formade oposicoes entre a "corrina preta da boca de cena" c 0 "belocenario", "as paredes bem iluminadas, bem decoradas", assim como"os comediantes bem limpos, bem vestidos") e, de forma mais geral,em toda a sua visiio do mundo, encontram-se condensados naoposicao entre a "vida sornbria" e a "vida prazerosa": alias, verernosque tal visao encontra sell fundamento em duas maneiras bastantediferentes de denegsr 0 mundo socisl."

Seriamos tentados a imputar, as regras da caricatura comica,a grosseria das oposicoes utilizadas e a transparente ingenuidadedas estrategias acionadas, se nao encontrassemos no decorrer daspaginas 0 equivalente no discurso mais comum dos criticos bern-educados: assirn, tendo sido obrigado, excepcionalmente, a elogiarurn grupo teatral de vanguarda (Theatre de l'Est paIisien), Jean-Jacques Gautier mobiliza 0 conjunto das oposicoes que organizam apec;:ade Francoise Dorin: uE raro que um cspetaculo montado porum jovem anirnador, que trabalha em um centro cultural, tenha estefrescor, esta jovialidade. E raro ver alguern no inlcio de sua carreiradeixar a Iinha funebre para se dirigir deliberadamente em direcao aalegria. De costume, 0 bom gosto e 0 zelo servem urn ideal quepranteia e chafurda no miserabilisrno, caro a esquerda de luxo. Aqui,pelo contrario, tudo e acionado para homenagear a alegria de viver e

Esta cstrutura nao data de hoje: quando Francoise Dorin,ern Le Toumenr , urn dos grandes sucessos do teatro de bulevar,coloca um autor de vanguarda nas situacdes rnais tfpicas doveudeville:", cIa limita-se a encontrar - as rnesmas causasproduzindo os mesmos efeitos - as cstrategias que, desde 1836,Scribe utilizava, em La Csmsraderie":", contra Delacroix, Hugo eBerlioz: com efeito, para tranqiiilizar 0 born publico contra asaudacias e extravagancias dos romanricos. ele denunciava OscarRigaut, celebre por sua poesia funebre, como um bonacheirao, emsuma, um homem como os outros, sem nenhuma condicao paraapelidar os burgueses de epiciers •• • •. 17

Especie de teste sociologico, a peca de Francoise Dorin, queencena a tentativa de urn autor de bulevar para se converter emauror de vanguarda, permite observar de que maneira a oposic;:ao-que estrutura todo 0 espaco da producao cultural - funciona nasmentes, sob a forma de sistemas de classificacao e de categorias depercepcao, e, ao rnesmo tempo, na objetividade, atraves dosmecanismos que produzem as oposicoes complernentares entre osautores e seus teatros, entre os criticos e seus jornais. E posslvelextrair da propria peca as retratos contrastantes dos dois teatros:por urn lado, a clareza" e a habilidade tecnica, 19 a alegria, a leveza-?e a dcsenvol tura, 21 qualidades "bern francesas": por outro, a"prctensao camuflada sob urn despojamento ostensive"." "0 blefeda apresentacao";" a seriedade, a ausencia de humor e a falsa

• DORIN, F. Le Toumsnt [A virada], Paris, julliard, 1973.•• Cornedia Iigeira e divertida, de enredo fcrtil em intrigas e rnaquinacoes, que combinapanromima, danca e/ou cancoes.••• Literalrnente, "sociedade de elogio rmituo", Eugene Scribe (1791-1861), autorteatral frances, mcmbro da Academia Francesa; seus vaudevilles sao inspirados nosconflitos socials e morals da burguesia de seu tempo.•••• Llteralmente, "comercianres de especiarias" e, por extensao, proprietaries demercearia; em sentido pejorative, trata-se de pessoas com esplrito acanhado, cujasideias nao se elevam acima de seu neg6cio.

i"1

• No original, vie en noir, literalrnente, "vida no breu"; assinale-se que a cortina daboca de cena e nolr; au seja, preta. Ainda vale referir a frase seguinte: .•vie ell rose',literalmente, "vida cor-de-rosa".

~ A Producdo da CrencsPierre Bourdieu ~

Page 15: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

engendrar 0 bom humor" .28 A sequencia do artigo permite constituira serie completa das palavras-chave da estctica "burgucsa":jovialidade, alegria de viver, born humor, assim como, verve,animacao, vivacidade, engenhosidade ("espirituoso"), movimento("movimentado"), ousadia, harmonia ("figurinos de Iinhaharrnoniosa"), cores ("cores bem escolhidas"), senti do do equillbrio,ausencia de pretensao, naturalidade, dclicadeza, honestidade, graca,destreza, inreligencia, taro, vida, riso. Foi necessario a Comedictisncaise urn Cyrano de Bergerec para que a axiornatica do gostoburgues pudesse exprimir-se sem segundas intencces: "adrniraveltecnica", "engracado", "alegre", "encanto das palavras", "festa para05 olhos, ouvidos c coracao", "[ubilacso", "cnxurrada de invencoese achados", "pedaco de alegria", "fastuosos acordos", "eleganciacintilante", "a<;:50 dinamica", "ardor", "pureza", "frescor", "brilhanteencenacao", "alegria e equilibrio dos fastuosos ceuarios e adoraveisfigurinos". E como seria possivel deixar de citar 0 hino final ao idealrealizado do teatro burgues: "Trata-se de urn festirn de altivez, umaexibicao de talento, urn festival de ardor, urn bale de flamasromanescas, urn jato continuo de alegria e fantasia, urn fogo deartiflcio de sagacidade, um arco-Iris de born gosto, urn Ieque de verve,urna fanfarra de cores, urn encantarnento Ilrico, urn terno rnilagreem que caracola e vibra a boa disposicao da juventude de todos astempos"?"

"teatro de H.L.M"" (Maurice Rapin fala de "Tartuffe de H.L.M."),born para pequeno-burgueses do subiirbio (a peca de Vancovitz -sic- ou seja, 0 autor de vanguard a caricaturado por Prancoise Dorin,representava-se "em urn galpao do Sudoeste parisiense"31) e apretensiio (estigmatizada tambern por Francoise Dorin ejean-jacquesGautier), palavra-rnestra do menosprezo burgues em rclacao a"lentidao crispada" e "penosa afetacao" da profundidade auoriginalidade, diametralmente opostas a naturalidade e discricao deuma arte confiante de seus meios e flns."

Colocados diante de urn objeto tao claramente organizadosegundo a oposicao canonica, os criticos - por sua vez, distribuidosno espaco da irnprensa, segundo a estrutura que se encontra naorigem do objeto classificado e do sistema de classiflcacao que elesaplicam - reproduzem, no espaco dos julgamentos pelos quais eleso classificam e se classificam, 0 espat;:o no qual eles proprios sacclassificados (drculo perfeito do qual s6 e possivel sair, objetivando-0). Dito por outras palavras, os diferentes julgamentos proferidossobre Le Toumsnt variam, em seu conteudo e forma, segundo 0

6rgao de imprensa no qual eles se exprimern, ou seja, desde a maiordistancia do crltico e de seu publico ao mundo intelectual ate a maiordistancia a pe<;:ade Francoise Dorin e a seu publico burgues c amenor distancia ao mundo inteleetua€)

.1

i

As mesmas categorias de percepcao e apreciacao, em boraconduzindo a urn veredicto negativo, estao ern acao em urn artigo-eserito por outro crltico, Maurice Rapin, do mesmo [ornal cotidiano- sobre 0 Tartuffe, encenado por Planchon: "E difIcil mostrar, emurn s6 espetaculo, urn grau mais elevado de pretensao, mall gosto eincompetencia. Pretender ser original a qualquer preco e umatentacao perigosa. Ao fazer tal exerdcio as custas de Marlowe ouBrecht, trata-se ainda assim de urn inconveniente sem gravidade; noen tanto, quando a vitima e Moliere, nao seria possivel esperar amenor indulgencla"." Tudo 0 que a estetica burguesa detesta no

o Jogo da Homologia

As insensiveis evolucoes do sentido e do estilo que, deL'Aurore aLe Figaroe de Le Pigaroa UBxpress, conduzem ao diseursoneutro do Le MOJ1de e, dai, ao silencio (eloqiiente) de Le NouvelObservsteur; 56 se compreendem verdadeiramente se soubermos

• Sigla de Hsbiuuion« LoyerModere,literalmente, "habitacao com aluguel rnoderado":organismo publico destinado a ajudar as famflias de baixa renda a enconrrar umamoradia.

c::jA Producio de Crenc» '"""<tPierre Bourdieu

Page 16: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

..•que elas acompanham uma elevacao continua do nivel de instrucaodos leitores (que constitui - aqui, como alhures - um bom indicadordo nivel de difusao ou oferta das mensagens correspondentes), assimcomo urn aumento da representacao das fracoes, executivos do setorpublico e professores, que, por lerem mais em relacao ao conjunto,se distinguem sobretudo de todas as outras par uma taxa de leitura,parricularrnente, elevada dos jornais que apresentam um nlvel rnaiselevado de difusiio (Le Monde e Le Nouvel Observsteun; e,inversamente, urna diminuicao da representacao das fracoes, grandescornerciantes e industrials, que, por lerem menos em relacao aoconjunto, se distinguern sobretudo por uma taxa de leiturarelarivarnente elevada dos jornais com nivel mais baixo de difusiioiFmnce-Soir, EAurorei. 0 mesmo e dizer, de forma mais simples,que 0 espaco dos discursos reproduz, em sua ordern propria, 0 espacodos orgaos de irnprensa e dos publicos para os quais sac produzidoscom, em uma das extremidades deste campo, os grandescornerciantes e os industriais (Fr,wce-Soire L'Aurore), e, na outra,as executives do setor publico e as professores (Le MOIJde e LeNouvel Observsteum" por sua vez, as posicoes centrals estfio

ocupadas pclos executives do setor privado, engenheiros e membrosdas profissoes liberais, e, em relacao aos orgaos de imprensa, LeFigaro e, sobretudo, L'Express que, lido praticamente de uma formaigual cm todas as fracces (com excecao dos grandes comerciantes),constitui 0 espaco neutro deste universe." Assim, 0 espaco dosjulgamentos sobre 0 teatro c homologo do espaco dos jornais paraos quais sac produzidos e pel os quais sac divulgados; e, tarnbern,do espaco dos teatros e das obras a prop6sito dos quais eIes sacformulados. Neste caso, tais homologias e todos os jogos autorizadospor elas tornarn-se posslveis pel a homologia entre cada urn dosespacos considerados e 0 espa~o da classe dominante.

Agora, podemos percorrer 0 espaco dos julgamentossuscitados pelo estlmulo experimental, praposto par FrancoiseDorin: passando da direite, ou rive droite, para a esquerds, ou Jivegauche, Em primeiro lugar, L'Aurore

<1J•...@c:·So

-0<1JVl~Urn

-0

~'210 'U~. ~J::]Vl c:rn 0u.g ,~c:.g::::I OJM'U<1J OJlI):.=

Vl- '6O~:~~@J!8-5<1JoVlO<1J~Vl ~

'@ ~c: 0•..•15.s, '5Vl 0.o 0

'"d EOEIrn ':lU-orn"b V><1J ~c: 8<1J .-o....!!

V><1J 0'"del

OJ::::1<1rn U••.• l;l~.,s.

~

.]~

..."ii a3> u

:l OJ

~ ~•.•.n-10

~c::o::EOJ-I

."."~0.x

UJ:.J

~u;~

,!SoUj

~I::::J<:.J

•...a.0j

r<'lO'lO •....• Lr)r<'l

*~~~:'g~••....•r<'l

'<f< 00 N •....••..•• 0'<f< C'1 00 I'-. -... •....•

•....•0 ('<) '-r)1'-.00NI'-.0.000I'-.I'-.N N •....••..••

~ ~ ~ ~ ~ ~•....• N) r<) N) r<) •.•••

NNt <, ool'-.~o Lr) 0'1 ••....•0.0 •.••••....• •....• •....• "'l •....• "'l

.....•, Lr) R ~ ~

•.....• c::::.OLr) ••....•t<)I'-.CJI'-. I'-. •.....•N r., .

R ::: ~ 0'1•••••••• I""""( ~ 0"1

UldJ•...@.~E 08 .~ -0

'" V)Ul ._ 0~ b ·5@ ~ a•..• -0 dJo .5 Jj

Pierre Bourdieu A Produc.io dn Crenca

•....•I'-. N00 •....•

Lr)'<f<00

r-,••....•0'1"'l en

0') •....•

~ ~

Clc l()0') N)••••• N)

r<'l 00I'-. I'-............

en •....•N r<)

N N0.0 I'-.

00'<f< •....•0.0 •....•

o ~u ta:..::l '0:g 5

Ul 0.. '0'@..... dJ

~ B ~.0 dJ .~._ Ul

U) :: 0 ..o ,- -0 Ul •..•••••• ("j Ul dJ :.::l.- c: 0 •...•dJ 0 ;;.0 ~...r:: .u; '0 Ul IC Ul ;j Ul?iot.::: ~~Jlnlc: 0 x 0 0 •..•

I.U 0: Ul 0: 0: F:

o

l0..

8<l.IUl

~0.:l

"~OJ

i::oU

5

dr-...

'"~v;

~

~•..'C'v0.:lV)

V)

.~euv'"e

'@

~:l

~'6..!!

'"~'0•..'"~0.~•.."'"j

OJ

~o

,OJc:•..:::Jcro

'C!,..E'xol5..

OJOJE:l,;i::Esc:'"'U

'S:'"'';..c:loU, ojo •...

U V>;.::: Q),OJ _u OJ,- '0E r!•.. '"'" "o ,-" '"CI §o U

- ojo 'cU 0

~ ~..s 5'" ,OJo 0" '5-~ ~

OJ f:,~ Eoj '"E '"V) r!~ 8.2 'ilOJ -> '"V) oj

.- V>o OJ'U 'UV) 0o •...<Js'8

OJ

~U

Jj

'"..!!...'"V)

~'"'w.

<qJ

:~~~{5

~~~~{5E

'~~~~G~~..E 0..

Sl ~E ~ I!,o a flu·- g• ~ I.Lc

V)

""

Page 17: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

"A irnpertinente Francoise Dorin corre 0 risco de ter problemascom nossa inte/ligentsia marxizante e esnobe - alias, dois aspectosque andam juntos. 0 motivo e que a autora de Un sale egoiste[Urn egoista cafajeste] nao testernunha nenhuma reverends pelosolene enfado, pelo profundo vazio, pelo vertiginoso nada, quesso caracterfsticas de urn grande nurnero de producdes teatrais

ditas de 'vanguarda'. Ela tem a ousadia de desmontar com umarisada sacrflega a famosa 'incomunicabilidade dos seres' que e 0

al fa e 0 omega da cena contemporanea. E esta reaciomiriaperversa,que lisonjeia os mais baixos apetites da sociedade de consumo,longe de reconhecer seus erros e carregar com humildade suareputacao de autora de pecas de bulevar, permite-se preferir afantasia de Sacha Guitry e as tiradas eroticas de Feydeau aos luscos-fuseos de Marguerite Duras au de Arrabal. Trata-se de urn crimeque, difieilmente, Ihe sera perdoado; tanto mais que e cometido

com jovialidadc c alegria, com todos as proecdimentos condcnavcisque Iazern os sucessos duradouros"."

de cufernlzacao, ele exclui os julgarnentos abertarnente politicos parase Jirnitar ao terreno da estetica ou etica:

"Convern reeonhecer que Mme Francoise Dorin e uma autoracorejosemente lcvc, 0 que significa espirituossmente dramatica,

alern de tratar 0 sorriso com seriedsde, desenvolta sem languidcz,impelindo a cornedla ate 0 mais franco vaudeville, embom darnaneira mals suri/possivel; uma autora que rnanipula a satira come/egancia, uma autora que, em todos os instantes, rnostra umavirtuosidade desconcertantc (...). Francoise Dorin conhece muitol11ellJOIdo que todos nos as moles ds erte drsmdtics, os rccutsos

do comico, as vicissitudes de uma situscio, 0 podcr divertido ournordaz ciapalavra apropriada ... Sim, que arte de desconcertar, queironia na utilizacao consciente da piruera, que domlnio no empregodos cordelinhos, mantendo um eerto distanciamento?! Existe emLe Toumant tudo 0 que e necessario para agradar, sem umapolegada de complacencia ou vulgaridadc. Tambcm sem qualquercondescendencia porque c cerro que, na hora presente, 0

contonnismo se cncontrs inteimmentc do lado d.1 vnngunrds, 0

ridiculo do lado da gravidade e a impostura do lado do enfado.Mme Francoise Dorin vai conso/ar um publico equilibrsdo,

reconduzindo-o ao equilibria com uma saudavel alegria (... ).Apressern-se em assistir ao espetaculo c, creio, voces lIiio de rircom multo gosto a ponto de esqueccrem de sonhar ao que podeter de angustiante para urn escritor 0 fato de se perguntar se alndacsta em harmonia com 0 tempo no qual vive ... Trata-se, final mente,de urna questao que todos os homens se Iormulam e da qual, alias,somente poderao livrar-se atraves do humor e de urn incunfvelotimismo! "37

Situado na fronteira do campo intelectual, em urn pontoem que fala do assunto como se fosse quase urn estrangeiro ("nossaintelligentsia"), 0 critico de L'Aurorenao tern papas na lingua (da 0

nome de reacionario a urn reacionario), nem dissimula suasestrategias. 0 efeito retorico que consiste em fazer falar 0 adversario,ernbora em condicoes tais que seu discurso, funcionando comoantifrase ironica, significa objetivamente 0 contrario do que elepretende dizer, pressup6e e coloca em jogo a propria estrutura docampo da crltica, assim como a relacao de conivencia imediata,fundada na homologia de posicao que mantern com seu publico.

De i'Aurore, deslizemos para Le Figaro: em harmoniaperfeita, ados habitusorquestrados, com a autora de Le Tournsnt,o critico s6 pode ter a experiencia do deleite absoluto diante de umapeca tao perfeitamente conforme nao s6 a suas categorias depercepcao e apreciacao, mas tambem a sua visao do teatro e domundo. Todavia, tendo sido obrigado a utilizar urn grau rnais elevado

De Le Figaro, passamos naturalmente para J:ExpJ"ess quebalanca entre a adesao e 0 disranciarnento, atingindo par este motiveurn grau de eufernizacao nitidamente superior:

"Eis algo que devera obter imedlatamente sucesso ... Uma pe~aasruciosa e divertida. Uma personagem. Urn ator que se encaixou

'D-j' A Producio da Crenca !;j:

Pierre Bourdieu

Page 18: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

IIIi

no papel como uma luva: Jean Piat (...). Com uma virtuosidsdesem deteitos, apenss algumss ccnss um pouco longas, com umaillte/igenda libettins, urn perteito domlnio dos cordelinhos dooikio, Francoise Dorin escreveu uma pe~ sobre a virada do Bulevarque, ironicamente, ~ a pcca mals tradldonal de Bulevar. somenteos pedsntes rsnzinzss discutido. no Iundo, a oposicio dos doisteatros, e a dss dues concepcoes d« videpolldea e de videprivadasubjecente. 0 dialogo brilhsnte, replete de pelevrss apropriadaseformulas, apresenta, rnuitas vezes, sarcasm os vingadores. Mas,Romain nao e uma caricatura, alias, e muito menos imbed Ido quea media dos profissionais de vanguarda. Philippe desempenhs 0

mclhor pspel porque se encontra em seu terreno. A autora de'Com me au theatre' [Como no teatro] pretende insinuar, de formaamavel, que e no Bulevar que falarnos, nos movimentamos 'comona vida'; ora, isso e verdade, embora seja qucstao de uma verdadeparcial e nao somente porque se trata de uma verdade de classe", J8

Aqui, a aprovacao, que nao deixa de ser total, ja aparecernatizada pelo recurso sistematico a formulacoes ambiguasdo pr6prio ponto de vista das oposicoes em jogo: "Eis algoque devera obter imediatamente sucesso", "uma inteligendaIibertina, urn perfeito dominie dos cordelinhos do oflcio","Philippe desempenha 0 melhor papel", sao outras tantasformulas que podcm ser entendidas como pejorativas. Eacontece mesmo que a gente possa suspeitar, atraves dadenegsdio, urn pouco da outra verdade ("Somente ospedantes ranzinzas discutirao, no fundo ...") ou, ate mesmo,da verdade sem mais, embora duplamente neutralizada, pelaambigi.iidade e pela denegacao ("e nao somente porque setrata de uma verdade de cJasse").

Por sua vez, 0 jornal Le Mondeoferece urn perfeito exemplode discurso ostensivamente neutro, nao tomando partido, comodizem os comentaristas esportivos, por nenhuma das duas posicoesopostas, ou seja, 0 discurso abertamente polftico de EAurore e 0

silencio desdenhoso de Le Nouvel Observsteur.

"0 argurnento simples ou simplista cornplica-se par umaforrnulacao por pstemsres bastante sutil, como se houvessesobreposicao de duas pecas: urna, escrita por Francoise Dorin,autora convencional; e outra inventada por Philippe Roussel quetenra pegar Ie tournsnt ['3 virada'] em dire~ao ao teatro moderno,Esse jogo descreve, como urn bumerangue, urn movimento circular:Francoise Dorin exp6e intencionalmente os cliches do Bulevar,questionados por Philippe que, com sua voz, se permite fazer umaveemente crltica da burguesia. No segundo patamar, cia confrontaseu discurso com a de urn autor jovern, criticando-o com 0 mesrnotipo de veemencla, Par ultimo, a trajetoria reconduz a arrna para 0

palco do bulevar, as vaidades do mecanismo sac desmascaradaspelos procedimentos do teatro tradicional que, par consequencia,nada perderam de seu valor. Philippe pode declarar-se urn autor'corajosamente leve', imaginando 'personagens que Ialarn comotodo 0 mundo'; ele podc reivindicar uma arte 'sern fronteiras',portanto, apolltica. A demonstracao e, no entanto, totalmentefalseada pelo modelo de autor de vanguarda escolhido por FrancoiseDorin. Vankovicz e urn epfgono de Marguerite Duras, existencialistaretardado, vagamente militante: e exageradamente caricatural,como 0 ieatro denunciado na peca (~ cortina preta da boea decena e 0 andaime ajudam a criar 0 clima!' ou cstc titulo de pe~a:'Vous prendrez bien un peu d'infini dans votre cafe, monsieurKarsov' [Senhor Karsov, com certeza, vai aceitar urn poueo deinfinito em seu cafej). 0 publico jubila com essa pintura lrrisoriado teatro moderno; sentc-se provocado de forma agradavel pelacrltica contra a burguesia na medida em que esta retoma vigor ascustas de uma vltima execrada que recebe dela 0 golpe demisericordia C .. ). Na medida em que reflete 0 estado do teatroburgues e deixa a vista seus sistemas de defesa, a texto de Le

Tournsnt pode ser considerado como uma obrs importnnte. Saoraras as pecas que deixam filtrar tanta inquietacao em relacao auma arneaca 'exterior' e conseguem neutrsliui-Is com tamanhatenacidade inconsdcnte', 39

~ Pierre Bourdieu A Producso ds Crencs c;:'t

Page 19: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

A arnbiguidadc ja cultivada par Robert Kanters atinge, aqui,sell apice: 0 argurncnto e "simples ou simplista", a escolha do leitor;a pe<;adesdobra-se, oferecendo ainda duas obras a escolha, ou seja,"urna crftica veernente", embora "neutralizavel", contra a burguesiac uma defesa da arte apolitica. A quem tivesse a ingenuidade deperguntar se 0 crltico e "a favor au contra". se ele julga a peca "boaau ruirn", poderia receber duas respostas: em primeiro lugar, urnesclarecimcnto do "informador objetivo" que. por arnor a verdade,dcvc lembrar que 0 autor de vanguarda representado e"exageradamente caricatural'' e que 0 "publico jubila" (mas semque sc possa saber de que modo 0 crltico se situa em relacao a talpublico. portanto, que sentido tem essa jubilacao): em seguida, notermo de uma serie de julgamentos arnbiguos, em virtude deprudencias, matizes e atenuacces universitarias ("na medida emque .:", "pode ser considerado como .," ). a afirmacao de que Le

Toumant e uma "obra importante", mas - que fique bern claro -como documento sobre a crise de civilizacao conrcmporanea, asernelhanca do que. sern duvida, poderia see dito em Sciences PO*.40

Apesar de, par si 56. 0 silencio de Lc Nouvel Observsteursignificar, sem duvida, alguma coisa, podemos ter uma ideiaaproximada do que poderia ter sido a posicao desse sernanario emrelacao a esse texto ao lermos a critica, publieada nessa revista sabrea peca de Felicien Marceau. La preuve par quaere. au a erftiea sobreLe Tourruint que Philippe Tesson, na epoca chefe de redacao deCombat, escreveu para Le Csnard enchsine":

.,

"Nao acho que seja neccssario designar por teatro as reunisesmundsnss de comercisntcs emu/heres de negocios no decorrerdas quais urn ator celebre e rodeado par pessoas bcrn-educadasrecita 0 texto laboriosamente espirituoso de urn autor, igualrnente,celebre. no meio de urn disposi tivo cenico, ainda que fosse girat6rio

e pincelado com 0 humor pondcrado de Felon ... Aqui, nada decerimonis, nem de cstsrse ou den uncia, ainda mencs, deimprovisacao. Simplesmcntc prato feito da cozinha burguesa paraest6magos que ja tern assistido a um grande mimero de outrascoisas (...). A sala, como todas as salas de bulevar em Paris. estoura

em risadas, quando e necessario, lias mais conformistas situacoesem que opera 0 esplrito de racionalista bonachao, A conivencia cperfeita e os atores sao cumplices, Trata-sc de uma pe~a que podcria

ter sido escrita hi dez, vinte ou trinta anos''."

"Francoise Dorin e uma grande malvada. Uma neattslizedora de

primeira ordem duplicada de uma aferar/io fora do cornurn. Suape\a. Lc Ibutnent; e uma excelente comedia de Bulevar, cujas molasessenciais sac a ma-fc c a dernagogia. A senhora pretendecomprovar que 0 teatro de vanguard a nao passa de comida paragatos. Para fazer tal demonsrracao, ela pega cordclinhos bemgrossose - inutil de dizer-lhes - basta it escritora dar um n6 paraque 0 publico morra de riso e grite: mais urn, mais urn! A aurora,que nao cspcrava outrs coise, acaba exagcrando: coloea no palco

urn jovem dramaturgo esquerdista, batizado com 0 nome deVankovicz - sera nccessario explicar? =, confrontado a situacoesridlculas, desconfortaveis c bem pouco honestas, para comprovarque esse homenzinho nao e menos interesseiro, tampouco menosburgues, do que voces e eu pr6prio. Que born scnso, MadameDorin. que lucidez e que franqueza! A senhora, pelo rnenos, tern acoragem de cxprimir suas opinioes, alias. opini5es multo saudaveis

e bem tipicas dos franceses''."

• Forma abreviada de Ea}/e de Sciences Politiques que. posteriorrnente, recebeu adeslgnacao de Institut d'Etudes Politiques.•• Le Canard ellcflaine, literalrnente, "0 jornaleco acorrentado". Trata-se de urnsernanarlo satirlco ilustrado, fundado em Paris. em 1916: com seus panfletos ecarkaturas, fustiga tanto os grupos politicos e financeiros, quanto os llterarios eartlsticos.

oIn Pierre Bourdieu A Produciio da Crcni» V)

Page 20: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Pressupostos do Discurso e Afirrnacoes Descabidas as Fundamentos da Conivencia

A polarizacao objetiva do campo faz com que os crlticosdos dais lados possam colocar em relevo as mesmas propriedades e,para deslgna-las, utilizar os mesmos conceitos (malvada, cordelinhos,born sense, saudavcl, ete.), mas que assumem urn valor ironico ("queborn sensa .....) e, portanto, funcionam em sentido inverso quandose dirigem a urn publico que nao rnantern com eles a mesma relacaode conivencia, alias, fortemente denunciada ("basta que de urn n6para que 0 publico morra de riso"; "a autora que nao esperava outracoisa"). 0 teatro, que so conscgue fundonar respaldado na conivenciatotal entre 0 autor e os espectadores (eis a razao pela qual acorrespondencia entre as categorias de teatros e as divisoes da classedominante e, neste ponto, tao estreita e vislvel) constitui a melhordcrnonsrracao de que ~~n.E~oe ~ valor das palavras (e, s~_br~tud<?,"palavras apropriadas") dependem do mercado em gue sac colocadas;~~gueas me~~~s Crases podernrecebersentidos opostos quandose dirigem a grupos animados par pressupostos antagonistas. Aoapresentar diante de urn publico de bulcvar as desventuras de urnautor de vanguarda, Francoise Dorin lirnita-se a explorar a logicaestrutural do campo da c1asse dominante; assim, ela volta contra 0

teatro de vanguarda a arma preferencialmente utilizada por estecontra a tagarelice "burguesa" e contra 0 "teatro burgues" quereproduz seus truismos e cliches (estamos pen sando em Ionesco aodescrever a Cantatrice chauve au Jacques como "uma especie deparodia ou caricatura do teatro de buievar, urn teatro de bulevar quese decomp6e e se torna Iouco") : ao quebrar a relacao de simbioseetica e estetica que une 0 discurso intelectusl a seu publico, cla 0

transforma em uma sequencia de stirmscoes descabidasque chocamou provocam a riso porque nao sac pronunciadas no lugar e diantedo publico convenientes, ou seja, no sentido verdadeiro, uma psrodis,discurso que s6 pode instaurar com seu publico a cumplicidadeimediata do riso porque soube obter dele - se e que de anternao ja!lao tinha essa certeza - a revocacao dos pressupostos do discursoparodiado.

~.~

Convern abstermo-nos de aceitar como explicacao suficientea relacao, termo a termo, entre 0 discurso dos crfticos e aspropriedades de seu publico: se a representacao polemica elaboradapar cada urn dos dois campos a respeito de seus adversaries reservatallugar a esse modo de explicacdo e porque permite desqualificar,par referenda a lei fundamental do campo, as escolhas esteticas oueticas ao descobrir, em sua origem, 0 cinismo calculista - porexemplo, a busca do sucesso a qualquer prec;o, inclusive pelo uso daprovocacao e escandalo, argumento preferencialmente da rive droiteau pelo servilismo interesseiro com 0 topico, de preferencia, da Jivegauche, do "criado da burguesia". De fato, as objetivscoes psrdsisda polemics interesseira (da qual dependem quase todos os trabalhosdedicados aos intelectuais) deixam escapar 0 essencial ao descrevercomo 0 produto de uma prerneditacao consciente 0 que c, de fato, 0

produto do encontro quase rniraculoso entre dois sistemas deinteresses (que podem coexistir na pessoa do escritor burgues) OU,

mais exatamente, da homologia estrutural e funcional entre a posicaode dcterrninado escritor ou artista no campo da producao e a posicaode seu publico no campo das classes e das fracoes de c1asse. Ospretensos "escritores de service" tern excelentes razoes para pensare professar que, propriamente falando, nao servem a ninguern:objetivamente, eles so estao a service porque servem, com toda asinceridade e pleno irreconhecimento de causa, sells pr6priosinteresses, ou seja, interesses especificos, altamente sublimados eeufemizados, tais como 0 interesse por uma forma de teatro ou defilosofia que esta logicamente associ ado a uma certa posicao em urncerto campo e que (salvo nos pedodos de crise) e bem feito paraocultar, aos pr6prios olhos de seus defensores, as implicaccespoliticas nele contidas. A logics das homologias faz com que aspraticas e as obras dos agentes de urn campo da producao,especializado e relativamente autonomo, sejam necessariamentesobredeterminedes; faz com que as funcocs desempenhadas por elas

NIf) Pierre Bourdieu A Productio da Cronen

f'<)on

Page 21: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

nas lutas internas se dupliquem inevitavelmente de funcoes externas,as que elas recebcm nas lutas simb6licas entre as fracoes da classedominante e - pelo men os, a prazo - entre as classes." 0 service

~::s_~a~opeloscriticos ~s~~p'~_~I!:~~.~~I!!~_'!l~sJ1re~~<?~~ medidaem :q~e a homologia ~l.:It.re~l:!.ap~si.~ao r1?~a:".pointelectual e aposicao de seu publico 110 campo da c1assedorninante e 0 fundarnentode ul!1_a_conive,:\ciaobjetiva, (fundada nos mesmos princlpios em quese apoia a conivencia exigida pelo tearro, sobrctudo, cornice) quefaz com que eles nunca defendam tao sinceramente - portanto, COIll

tanta eflcacia - os interesses ideol6gicos de sua clientela, quanta aodefenderem seus pr6prios interesses de intelectuais contra seusadversaries espccificos, ou seja, os ocupantes de posicoes opostasno campo da producao. 44

Concretamente, em vez de pronunciar urn julgarnento sobreUIl1 espetaculo. 0 critico de Le Figaro julga 0 julgamento proferidopelo crltico de Lc Nouvel Observsteur que esta inscrito nele antesmesrno que 0 colaborador da revista 0 tenha formulado. E raro quea estetica dos burgueses que, neste terre no, estao em posicaodominada, possa exprimir-se diretarnente, sem arrependimento nemprudcncia, e 0 elogio do bulevsr assuma, quase sempre, a formadelensivs de uma denuncia dos valores daqueles que Ihe recusamvalor." Assim, em uma critica da peca de Herb Gardner, DescJownsper ntilliets, cuja conclusao e urn elogio saturado de palavras-chave("Quanta naturalidade, elegancia, facilidade, calor humano,flcxibilidade, fineza, vigor e tato, quanta poesia tambem, quantaarte") , jean-lacques Gautier escreve: "Ele faz rir, diverte, tern graca,o dom da replica, 0 sentido da gozacao, ele alegra, alivia, ilumina,encanta; nao suporta a seriedade que e uma forma de vazio, agravidade que e ausencia de graca (oo.); eJe se agarra ao humor comose fosse a ultima arma contra 0 conformismo; transborda de forca esaude, e a fantasia encarnada e, sob 0 signa do riso, gostaria deoferecer a quem esta a sua volta uma Iic;aode dignidade humana evirilidade: sobretudo, ele gostaria que as pessoas que estao ao seuredor deixsssem de tel' vergonha de rir em um mundo em que 0 risoe objeto de suspeicid', 46

Trata-se de demonstrar que 0 conformismo esra do lado davanguarda" e que a verdadeira audacia pcrtcnce a quem tern acoragem de desafia-lo, mesmo correndo 0 risco de receber, assim,aplausos burgueses. ... Tal reviravolta do a Javorpelo contra que naocsra ao alcance de qualquer burgues faz com que 0 intelectusl dedireits possa viver« dupla meia-volta que 0 reconduz ao ponto departida, mas distinguindo-o (pclo men os, subjetivarncnte) dobutgues, como 0 supremo testernunhado da audacia e corageminrelectuais." Ao tentar reverter a situacao, volrando contra 0

advcrsario suas proprias arrnas, ou ao tentar, pelo menos, se dissociarda imagem objetiva que ele reenvia ("impelindo a cornedia ate amais franco vaudeville, mas da forma mais sutil POSSIVel"),nernque fosse assumindo-a resolutarnente, em vez de simples mentesuporta-la ("corajosamente leve"), 0 intclectual burgues den unciaque, sob pena de se negar enquanto intelectual, e obrigado arcconhecer as valores intelectusis em seu proprio combate contraesses valores.

Porque seus pr6prios interesses de intelectueis estao emjogo, os criticos, que tern como funcao primeira tranquilizar 0 publicoburgues, nao podem se contentar com despertar nele a imagemestereotipada que tern do intelectush com certcza, des nfio se privamde the sugerir que pesquisas propkias a leva-lo a duvidar de suacornpetencia estetica ou as audacias capazes de abalar suasccnviccoes eticas ou politicas sac, de faro, inspiradas pelo gosto doescandalo e pelo espirito de provocacao ou mistificacao quando naoe, sirnplesmente, pelo ressentimento do fracassado ou pela inversaoestrategica da impotencia e da incompetencia:" apesar de tudo, elesnao conseguem desempenhar cornpletamente sua funcao a nao serque sejam capazes de falar como intelectusis que nao se deixamlevar por balelas, que seriam osprimeirose compreender se houvessealgo para comprecnder'? e que nao temem enfrentar os autores devanguarda e seus criticos em seu pr6prio terreno: dai, 0 apreco queatribuem aos signos e insIgnias institucionais da autoridadeintelectual, reconhecidos sobretudo pelos nao-Intelectuais, como 0

'<ttn A Producdo da CrencstnV'lPierre Bourdieu

Page 22: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

pcrtencimento as academias; dal, tarnbern, entre os criticos de teatro,os coquetismos estilfsticos e conceituais destinados a testernunharque a pessoa sabe do que esta falando ou, entre os ensaistas politicos,a sobrevalorizacao de erudicao marxologica."

perrnite a rnovimentacao em urn espaco hierarquizado em que osdeslocarnentos contem sempre a arneaca de urna desclassificacao,em que os Iugsres, galerias, teatros, editoras, fazem toda a diferenca(por exemplo, entre a pornografia comerciaJ e 0 erotismo dequaJidade) porque, atraves deles, urn publico se dcsigna que, nabase da homologia entre campo da producao e campo do consumo,qualifique 0 produto consumido, contribuindo para transforrna-loem raridade ou vulgaridade (tribute devido a divulgacao). E esse

}dorninio pratico que permite sentir e pressentir, fora de qualquercinismo cslculists, "0 que hi a fazer" e on de faze-lo e a maneiracomo e com quem - considerando tudo 0 que foi feito, tudo 0 que sefaz, todos aqueles que 0 fazem c onde 0 fazem." A escolha de urnlugar de publicacao, editor, revista, galeria, jornal, s6 e tao importanceporque, a cada au tor, a cada forma da producao e do produto,corresponde urn Jugal"natural no campo da producao: alern disso,as produtores ou as produtos que nao estao no devido lugar, mas,como se diz, "deslocados", estfio mais ou menos condenados aofracasso: ~d~.s as homologias que garantem urn publico ajustado,~rlti~os compreensivos, etc., aquele que encontrou seu lugar naestrutura funcionam, pelo contrario, contra aquele que se desvioude seu lugar natural, Do mesmo modo que os editores de vanguardse os produtores de best-sellers estao de acordo para afirmar que,inevi tavelmente, haveriarn de se dirigir para 0 fracasso se seaventurassem a publicar obras objetivamente destinadas ao p610oposto do espaco da edicao - best-sellers na editora de Lindon,nouveau roman na editora de Laffont - assim tam bern, segundo alei que pretcnde que nao se prega senao a convertidos, urn criti~Q$6pode ~?,~rcer [nfluenda sobre seus leitores na rnedida em que esteslhe atribuem tal poder porque estao estruturalmente afinados comele em sua vis_ao do.mundo social, suas preferencias e todo 0 seuh1bitus,Jean-Jacques Gautier descreve multo bem essa afinidadeeletiva que une 0 jornalista a seu jornal e, at raves dele, a seu publico.Urn born diretor de Le Figaro, que se escolheu a si mesmo e foiesrolhido segundo os rnesmos mecanismos, escolhe um critico

..!p Poder da Conviccao 1

A sinceridsde (que e uma das condicoes da eficaciasimb6lica) s6 c possivel-e se realiza- nocaso de urn acordo perfeito,irnediato, entre as expectativas inscritas na posicao ocupada (emurn universe menos consagrado, dir-se-ia, Itadefinicao do posto") eas disposicoes do ocupante. Nao podemos compreender 0

ajustamento das disposicoes as posicoes (que serve de fundamento,por exemplo, ao ajustarnento do jornalista ao jornal e, ao rnesmotempo, ao publico desse jornal, ou 0 ajustamento dos leitores aojornal e, ao mesmo tempo, ao jornalista) se ignorarmos Q]ato deque as estruturas objetivas do c~po da producao esno na origemdas categorias de percepcaoe apreciacao que estruturarn a percepcaoc a apreciacao de seus produtos, E, assim, que pares antiteticos depessoas (todos os mestres influentes) ou de instituicoes, jornais(Le Figaro/Le Nouvel Observsteurou, em outra escala, por referendaa outre contexte pratico, Le Nouvel Observateur/ LHumsnite', etc.),teatros (Rive droite/ Rive gauche, privados/subvencionados, etc.),galerias, editoras, revistas, costureiros, podem funcionar comocsquernas classificat6rios que s6 existem e sac significativos emsuas relacoes rnutuas, alem de permitirem a identiflcacao dosinterlocutores e de se situarem com precisao. Como se ve _melho!.do que alhures, no caso da pintura de vanguarda, somente o,liQIDin.i.2.pr3~ii?1dessas referencias, especie de sentido de orientacao social,

• Iornal cotidiano, fundado em 1904, por Jean jaures, llder do socialisrno frances:dcpois do congresso de Tours, em 1920, tornou-se 0 6rgao de imprensa do PartidoComunista.

\QIf)

r-Ir)Pierre Bourdieu A Produciio da Crenca

Page 23: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

literario para Le Figero baseado nestes criterios: "possui 0 tom queconvern para se dirigir aos leitores do jornal": scm ter Ieito de

proposito, "Iala naturalmente a Ifngua de Le Figsrd'; c haveria deser "0 leitor-tipo" desse jornal. "Se amanha, em Le Figaro, eu cornecara falar a linguagern da revista Les Temps Modernes, por exernplo,ou cfa Ssintes Chspelles des Lettres, deixarei de ser compreendido elido, portanro, escutado, porque esrarci apoiado em certo numerode nocoes au argurnentos que constituern motivo de cscarnio paraa lei tor. "\3 ~ _c_~daposi~~Q. c9.!re.sJ?911.ge..urncerto nurnero de

pressupostos, uma doxa, ~ a homologia das posicoes ocupadas pelosprodutores e seus clientes e a condicao dessa cumplicidade quee

tanto mais forte mente exigida quanta, a sernelhanca do que se passa

~~..t~_a!ro,a ~.e _~~.enc~~tr_a_~~~9_f~r_!!:~s_~~~~~e..~.tivermais proximo dos investimentos decisivos, Pelo fato de que 0

~~~{~i~pr<iti~o das leis dcica~p~o;i~~ta as escolhas pelas quaisnao so as individuos se agregarn a grupos, mas tambern os gruposcooptam individuos, e que se realiza com tanta freqllencia 0 acordomiraculoso entre as estruturas objetivas e as estruturas incorporadasque permite aos produtores de bens culturais a producao, com todaa liberclade e sinceridade, de discursos objetivamente necessaries esobredeterrninados.

{I:"-I

~II,

desigual de determinada especie de capital, faz com que as praticase os discursos altamente censurados, portanto, eufernizados, quesao assim produzidos par referenda a fins puros e puramentein tern os, estejam sempre predispostos a desempenhar, poracresclrno, funcoes extern as, 0 que acontece de urna forma tantomais eficaz porque eles as ignoram e porque seu ajustamento ademanda nao e 0 prod uta de uma busca consciente, mas 0 resultado

de uma correspondencia esrrurural.~i

I

rI, Tempo Longo e Tempo Curto

A sinceridade na duplicidade e eufernizacao que faz a eficaciapropriamente simb6lica do discurso ideologico resulta, por urn lado,do fate de que as interesses especificos - relativamente aut6nomosem rclacao aos interesses de cJasse -, que estao associados adeterminada posicao em urn campo especializado, so podem sersatisfeitos lcgitimamente - portanto, com efkacia -, mediante asubmissao perfeita as leis espedficas do campo, ou seja, no casoparticular, mediante a denegacao do interesse em sua forma habitual;e, por outro, do fato de que a relacao de homologia que se estabeleceentre tad os as campos de luta, organizados na base da dlstribuicao

E ainda nas caracterlsticas dos bens culturais, e do mercadoonde sao oferecidos, que reside 0 principio fundamental dasdiferencas entre as empreendimcntos comercisis e osernprcendirnentos culturais. Urn emprecndimento enconrra-se tantornais proximo do polo comerciel (ou, inversamente, mais afastadodo polo cultural), quanta mais direta ou completamenteos produtosoferecidos par ele no mercado corresponderern a uma demands

preexistente, au seja, a interesses preexistentes, c a formasprcestabelecidss. Assim, ternos, por urn lado, urn ciclo curta de

producio, fundado na preocupacao de minimizar os riscos par urnajustamento antecipado a demanda identlficavel e dotado de circuitosde comerdalizacao, alern de procedimentos de valorizacao (camisetasmais ou menos charnativas, publicidade, relacoes publicas, etc.)destinados a garantir 0 retorno rapido dos ganhos por uma circulacaorapida de produtos votados a uma rapida obsolescencia e, por outro,um ciclo longo de producio, fundado nfio so na accitacao do riscoinerente aos investirnentos culturais." mas, sobretudo, na submissaoas leis cspecificas do cornercio de arte: nao tendo mercado nopresente, esta producao inteiramente voltada para 0 futuro pressupoe

00vr,

A Produciio da Crenca0-

'"Pierre Bourdieu

Page 24: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

investimentos de elevado risco que tendem a constituir estoques deprodutos em relacao aos quais nao se pode saber se voltarao aoestado de objetos rnateriais (avaliados como tais, ou seja, porexemplo, ao peso do papel) au se terao acesso ao estado de objetosculturais, dotados de urn valor economico desproporcionadorelativarnente ao valor dos elementos materiais que entram em suafabricacao. 55

A incertcza e as vicissitudes que caracterizam a producaodos bcns culturais leern-se nas curvas das vendas de tn~s obraspublicadas por Editions de Minute" urn "prernio literario" (curvaA) que, depois de uma acenruada venda inicial (em 6.143 exemplaresdifundidos em 1959, 4.298 foram vendidos em 1960, depois de feitaa deducao dos nao-vendidos). passa a ter, a partir desta data, umavendagem anual reduzida (da ordem de 70 por ano, em media); Lajalousie (curva B), romance de Alain Robbe-Grillet, publicado em1957, que nesse ana vendeu apenas 746 exemplares e que s6 aocabo de quatro anos (em 1960) alcanca a nlvel de venda inicial doromance premiado, mas que, gracas a uma taxa de crescimentoconstante das vendas anuais a partir de 1960 (29% ao ana, em media,entre 1960 e 1964; 19% entre 1964 e 1968), atinge em 1968 a marcaacurnulada de 29.462 exemplares vendidos; En ettendent Godot

(curva C), de Samuel Beckett que, publicado em 1952, s6 ao cabode cinco anos e que con segue chegar aos 10.000 exemplares, masque, pelo fato de que, a partir de 1959, a taxa de crescimento semantern praticarnente constante (com excecao das vendas em 1963)em torno de 20% (a partir dessa data, a curva ganha aqui, tam bern,um valor exponencial), chega em 1968 (ano em que sac vendidos14.298 exemplares) a um volume acumulado de vend as de 64.897exemplares.

s Pierre Bourdieu

Crescimento comparado das vendas de tres obras publicadaspor Editions de Minuit

Numero acurnuladodos exemplares vendidos

Jr100.000

70.000

60.000

50.000

10.000

30.000

20.000

15.000

10.000

5.000

I'(

2.000 I C

B

r<> -e- U'l '" r-.. co O'l 0 ~ N r<> '<I' U'l 1.0 t-, co 0\

'" U'l U'l U'l V> U'l U'l '" 1.0 1.0 1.0 1.0 1.0 '" 1.0 1.0 1.0

O'l ~ ~ ~ ~ O'l en O'l ~ O'l 0\ O'l 0'1 ~ ~ ~ O'l

~ ~ ~ - - •....• ~ •....• -Fonte: Edicions de Minuir.

A Produciio ds Crencs\0

Page 25: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

a Tempo e 0 Dinheiro

A Produciio da Crencs G

Assim, e posslvel caracterizar as diferentes editoras, emconformidade com a soma dos investimentos de risco a longo prazo(Godo~ e com as investimentos seguros a curto prazo, 57 e, ao mesmotempo, em conformidade com a proporcao, em relacao a seus autores,entre escritores de longa duracao e escritores de curta duracao,jornaIistas que prolongam sua atividade habitual por meio de escritosde stuslidsde, personalidades que confiam seu testemunho emensaios ou relatos autoblograflcos, ou escritores profissionais quese dobram aos canones de uma estetica ja comprovada (Iiteraturaproposi talmen te preparada para concorrer a premios, romances desucesso, etc.). 58

Caracteristicas dos dais p610sopostos do campo da atividadeeditorial, a editora Robert Laffonte as Editions de Minuitpermitemapreender, na multipIicidade de seus aspectos, as oposicoes queseparam as dois setores do campo. Por urn lado, uma ampla empresa(700 empregados) que, anualmente, publica urn consideravel mirnerode novos tltulos (cerca de 200) e, abertamente, orientada para abusca do sucesso (para 1976, ela anuncia sete tiragens superiores a100.000 exernplares, catorze de 50.000 e cinqtienta de 20.000), 0

que pressup6e importantes services de prornocao, consideraveisdespesas com a publicidade e relacoes publicas (em particular,direcionadas para os livreiros) e tambern uma verdadeira politica deescolhas guiadas pelo senso da aplicacao segura (ate 1975, quasemetade das obras publicadas consistiu em traducoes de livros quehaviam obtido sucesso no exterior) e a busca do best-seller (noranking que 0 editor op6e aqueles que "ainda se obstinam a naoconsiderarem sua editora como literaria", e posslvel registrar osnomes de Bernard Clavel, Max Gallo, Francoise Dorin, GeorgesEmmanuel Clancier, Pierre Rey). No lado oposto, as Editions deMinuit, pequena empresa artesanal que, empregando uma dezenade pessoas, lanca men os de vinte titulos por ana (ou seja, para osromances ou 0 teatro, uns quarenta autores em vinte e cinco anos)e reserva uma infima parcela de seu orcamento para a pubJicidade(chegando mesmo a tirar urn partido estrategico da recusa das formas

rnais grosseiras de relsciies priblicas), ja esta habituada as vend asinferiores a 500 exemplares ("0 primeiro livro de P.a superar a marcados 500 exemplares foi 0 nono") e a tiragens inferiores a 3.000 c6pias(segundo urn balance reaJizado em 1975, em 17 novas obras lancadasdepois de 1971, ou seja, em tres anos, 14 haviam atingido urn ruimeroinferior a 3.000, e as outras tres nao haviam superado as 5.000exemplares). Sempre deficitaria, se nos Iimitarmos a considerar asnovas publicacoes, a editora vive de seu acervo, ou seja, dos ganhosque, regularmente, Ihe sac garantidos por aqueles lancamentos quese tornaram celebres (por exemplo, Godot, que - tendo vendidomenos de 200 exemplares em 1952 - atingiu, vinte e cinco anosdepois, uma tiragem global de 500.000 exernplares).

Essas duas cstruturas temporais correspond em a estruturaseconomicas muito diferentes: tendo assumido 0 compromisso,perante os acionistas (no caso particular, Times-Life), de conseguirlucros - apesar da soma consideravel das despesas fixas -, Lattont(a sernelhanca de todas as outras sociedades de acoes, HachetteouPresses de la Cite) tern a obrigacao de fazer circulaJ'rapidamenteurn capital essencialmente economico (sem tornar 0 temponecessario para a reconversao em capital cultural); pelo contrario,as Editions de Minuit nao tern de se preocupar com as lucros(redistribuldos, em parte, pelos empregados) e reinvestem, emempreendimentos de longo prazo, os ganhos que Ihes advem de umacervo cada vez mais importante. 0 tamanho da empresa e 0 volumeda producao nao orientam somente a polltica cultural atraves dopeso das despesas fixas e da preocupacao correlata com a rendimentodo capital, mas afetam diretamente a pratica dos responsaveis pelasclecao dos manuscritos: diferenternente do grandeeditor, 0pequenopode conhecer pessoalmente, com a ajuda de alguns conselheirosque, ao mesmo tempo, sac autores da editora, 0 conjunto dos Iivrospublicados. Em suma, tudo se conjuga para impedir que 0

responsavel por uma grande empresa, voltada para a atividadeeditorial, proceda a investimentos de risco e a longo prazo: a estruturafinanceira de sua empresa, as obrigacoes econornicas que the imp6ema rentabilizacao do capital, portanto, de pensar antes de tudo nasvendas, alern das condicoes em que ele trabalha e que, praticarnente,impedem seu contato direto com os manuscritos e os autores." Por

8 Pierre Bourdieu

Page 26: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Isua vez, 0 editor de vanguarda s6 pode enfrentar os riscos financeiros(em todo caso, objetivamente, menores) coeridos ao investir (no duplesentido) em empreendimentos que, no melhor dos casas, nao podemrender senao beneficios simb6licos, com a condicao de reconhecerplenamente os desafios especfficos do campo da producao e, asemelhanca dos escritores ou intelectusis lancados por ele, perseguiro unico lucro espedfico concedido pelo campo, pelo rnenos, a curtoprazo, ou .sc]a. /0' "renome~'~ .a "autoridade intelectual;'co.r!~.?p.9l)~~ntefoAs'pr6prias cstrateglas utilizadas por ele em suasrelacoes com a imprensa sac perfeitamente adaptadas (sem teremsido necessariamente pensadas como tais) as exigencias objetivas dafra~iio mais avancada do campo, ou seja, ao ideal intelectual dedcnegacao que imp6e a recusa dos comprornetimentos temporais etende a estabelccer uma correlacao negativa entre 0 sucesso e a valorpropriamente artlstico. Com efeito, enquanto a producao de cido curto,a maneira da alta costura, e estreitamente tributaria de urn verdadeiroconjunto de agentes e instituicoes de promocio (crfticos dos jornais escmanarios, do radio e da televisao, etc.) que devem serconstantemente intormados e periodicamente mobilizados (as premiosdesempenham uma func;aoanaloga a das cole~6es),61 a producao decielo longo que nao se beneficia praticarnente da publicidade gratulta,representada pelos artigos de imprensa suscitados pela corrida aosprernios e pelos pr6prios premios, depende completamente da acaode alguns descobridores, au seja, autores e crfticos de vanguarda quefazem a editora de vanguarda, dando-lhe credito (pelo fato depublicarem nela, confiarern-lhe seus manuscritos, falarem de rnaneirafavoravel dos autores que sao lancados por ela, etc.) e que esperamque venha a merecer a confianca deles, evitando desacreditar-se porsucessos temporais demasiado estrepitosos ('~ editora Minuit eeti«desvalorizada para a centena de pessoas que circulam por Saint-Gennain se cia viesse a ganhar 0prix Goncourt*") e, ao mesmo tempo,lancar 0 descredito sobre aqueles que sao publicados por ela ou aqueJesque elogiam suas publicacoes ("as premios desvalorizam os escritores

junto aos intelectuais"; "para urn jovem escritor, 0 ideal e fazer umacarreira lenta'')." Ela depende tambem do sistema de cnsino, unicocapaz de oferecer devotos e fieis em condicoes de reconhecerem asvirtudes daqueJes que pregam no deserto,

A oposicao, total, entre os best-sellerssesn futuro e os classicos,best-sellers de Jonga duracao que devem ao sistema de ensino suaconsagracao, portanto, seu mercado ampliado e duradou ro,63 encontra-se na origem nao s6 de duas organizacoes da producao e cornercializacaototal mente diferentes, mas tambern de duas representacoes opostas daatividade do escritor e, ate mesmo, do editor, simples marchand Oll

descobddoraudacioso, que s6 tera a possibilidade de ser bem-sucedidose souber pressentir as leis espedlicasde urn mercado ainclapor vir, Oll

seja, acomodar os interesses e as exigencies daqueles que farao taisleis, os escritores lancados por ele." Duas representacoes opostastarnbem em relacio aos criterios de sucesso: para os escritores burguesese seu publico, 0 sucesso e, par si s6, uma garantia de valor, Eis 0que fazcom que, neste mercado, 0 sucesso conduza ao sucesso: uma dascontribuicoes para fazer os best-sellers e 0 elevado numero deexemplares por tiragem; alias, a melhor ajuda dos criticos a um livro aupeca consiste em predizerem seu sucesso ("Isso devcria obter urnsucesso imediato", R, Kanters, in L'Express, 15-21 janeiro de 1973;'Aposto de olhos fechados no sucesso de Le Iouttuutt', Pierre Marcabru,in France-Soirde 12 de janeiro de 1973), 0 fracasso, evidenternente, euma condenacao sem apelo: quem nao tern publico, nao tern talento (0mesmo Robert Kanters fala "de autores sem talento e sem publico, amaneira de Arrabal").

Quanto a visao do campo oposto que considera 0 sucesso comosuspeito" e que faz da ascese neste mundo a condicao da salvacao noalern, ela encontra seu prindpio na pr6pria economia da producaocultural ao pretender que os investimenros s6 terao retorno se foremoperados, de alguma forma, a fundo perdido, a maneira de urn dorn,que s6 pode ter a certeza do contra-dom mais precioso, ou seja, 0

teconhedmento, se vier a se aceitar como sem retorno; e, como no domque ele converte em pura generosidade ao ocultar 0 contra-dam por vir,desvelado pela sincronizacao do "torna la da ca", eo tempo interpostoque serve de anteparo e dissimula 0 lucro prometido aos investimentosrnais desinteressados.

II

;I Produciio ds Crencs

• Eo prernlo literario rnais cobkado pelos rornancistas: desde 1903, apos urn almocotradicional 110 restaurante Drousnt, em Paris, e conferido, anualmente, pelos JOrnernbros da Academia dos Goncourt, sociedade literaria institulda, em 1896, porEdmond Huot de Goncourt (1822-1896),

$ Pierre Bourdleu t/')\0

Page 27: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

\D\D

dessa cidade e a quem voce acaba de abrir a porta do mundo desandaa procura de urn Iivro sobre Hong Kong. A televisao traz-lhe umaimagem de sonho; ora, nos limitamo-nos a completar esse sonho".Para atrair 0 cliente, ele nao recua diante dos procedimentos habituaisde valorizacao utilizados no cornercio: '~ apresentacao c, contudo,urn clemente de venda muito importante porque, atualmente, noperiodo superexcitado em que vivemos, e necessaria chamar a atencaodo olhar. Seja qual for 0 livro, este deve, portanto, ser apresentadocomo uma especie de cartaz que irnanta 0publico". /IEclaro, Gsllimsrdchegou a criar urn genero chique com suas capas brancas brochadas,bordadas com urn fio encarnado - estilo camisola; quem mais poderiautilizar urn rnetodo semelhante?" Para pcrmitir que cada categoriade produto encontre facilmente seus clientes, ele deve proceder auma rnarcacao clara de seus produtos, portanto, a uma cspecializacaodas unidades de producao: /IEnecessario que, ao pensar em mem6riasou biografias, a publico pense em Plan. Literatura modcrna:JulliardPara urn autor, eu diria quase membro de academia: Perrin. (...)Esporte, televisao ou atualidades: Solar. Livros infanto-juvenis e paraadolescentes: Anima. Grandes romances e documentaries: Pressesde fa Cite. Se 0 leitor pretende urn Iivro de bolso, clc devera pensarPresses-Pocket. Existe, inclusive, igualmente os lancarnentos devanguard a com Christian Bourgois. Vamos chegar a este ponto: aopassar diante da vitrine, 0 comprador eventual ira reconhecer cadauma de nossas colecoes. Muito mais do que se possa crer, 0 publicoanda atras da marca de uma editora", Nada esclarece melhor a maneiracomo Sven Nielsen concebe 0 papel do editor do que seu projeto paraa livro de bolso: "Em primeiro lugar, lanca-se urn Iivro por quinzefrancos com apresentacao agradavel, que chama a atencao no bornsentido da palavra, ou seja, ilustrativo do conteudo e da editora que 0

publica. Apes dois anos, quando a tiragem normal estiver esgotada,entao, a gente elabora urn livro de bolso por um preco ainda maisbarato, praticamente pelo preco do jornal- papel e capa simples. Senccessario, com pubJicidade no interior. Urn objeto que, depois derer sido lido, pode ser jogado no lixo. Com efeito, tarnbem em casa, 0livro de bolso por dois francos rom a 0 lugar de uma obra que custaquinze. Por ultimo, conviria encontrar urn circuito paralelo dedistribuicao, diferente do circuito de distribuicao do Iivreiro. Eclaro,cada tiragern seria calculada em conformidade com 0 nlvel de vendaprevista. E nada de reposicao: a semelhanca do que acontece com osjornais, os nao-vendidos sao considerados papel velho".

Urn empresario»

Ao conduzir sua empresa como hornem de negocios, de talmodo que a transformou em urn verdadeiro imperio financeiro poruma serie ininterrupta (entre 1958 e 1965) de compras e fusees, elefala a linguagern - sem rodeios, nem eufemismos - do gestor e doorganizador: "Tenho afirmado simples mente aos diretores daseditoras: Vamos aliar-nos para tentarrnos desenvolvcr, de comumacordo, nossos negodos. (...) Cad a editor prctendia abranger variessetores. Uma vez que 0 grupo se forrnou, acabamos por nosespecializarmos. Por exemplo, Amiot-Dumont tinha os autores AndreCastelot e Alain Decaux que sac historiadores com grandc audiencia.Foram dirigidos para a editora de Perrin que, por nosso intermedio,se especializou em historia". 'Algumas editoras integrararn-se nonos so grupo, tendo-se tornado nossos departamentos internos. (...)Em relacao as outras, possuimos a maioria absoluta. (...) Entre essasernpresas distintas que, de alguma forma, se tornaram filiais,procedemos a fusees.' 0 editor encomenda livros, sugere ternas,escolhe os tltulos: "Pcnsamos que a faceta criadora do editoraumentou bastante nos anos posteriores a guerra. Neste campo, eupoderia relatar-lhe uma infinidade de hist6rias. A ultima diz respeitoao livro de Emile Servan-Schreiber, (...) Trata-se de urn amigo, urnhornem charmoso, depositario de lernbrancas que nao acabam mais.Eu disse-lhe: 'Escreva tais lembrancas do jeito como as relata "',"Quante a Rerny? Em primeiro lugar, pedi-lhe urn prefacio para urnvolume sobre 0 Muro do Atlantico, A1gumtempo depois, apresentou-me urn manuscrito. Certo dia, veio visitar-rne a procura de urn tema;propus-lhe 'a linha de dernarcacao'. Acabou escrevendo dez volumes;todos elcs best-sellers'. A encomenda e, rnuitas vezes, acompanhadapor adiantarnento financeiro: "Urn escritor vem visitar-me; traz dentrode si urn livro e cntrega-rne uma sinopse. A genre acha que einteressante. Ele acrescenta: 'Precise de urn adiantamento para vivercnquanto 0 livro nao for escrito', (...) Eassim que, na maior parte dotempo, 0 editor se transforma em banqueiro. (...) As vezes, as contasde adianrarncnto dos autores ja consagrados sac bastanteimpressionantes". Atento a dernanda, 0 editor tira partido dasoportunidades oferecidas pela atualidade e, em particular, pela acaodos gran des meios de comunicacao: "Mestre fotografias de HongKong e, irnediatarnente, urn fazendeiro que nunca tinha ouvido falar ~ I

I J

I1

iI

i

!it

,i1I,\I

t

~!

II!trr!{

Pierre Bourdieu ., A Produciio da Crencs to

Page 28: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

'D'0

Um ernpresario= dessa cidade e a quem voce acaba de abrir a porta do mundo desandaa procura de urn Iivro sobre Hong Kong. A televisao traz-Ihe umaimagem de sonho; ora, nos limitamo-nos a completar esse sonho".Para atrair 0 cliente, ele nao recua diante dos procedimentos habituaisde valorizacao utilizados no comercio: "Aapresentacao e, contudo,urn elemento de venda muito importante porque, atualmente, noperfodo superexcirado em que vivernos, e necessario chamar a atencaodo olhar. Seja qual for 0 livro, este deve, portanto, ser apresentadocomo uma especie de cartaz que imanta 0 publico". "Eclaro, Gsllimsrdehegou a eriar urn genero chique com suas capas bran cas brochadas,bordadas com urn fio encarnado - estilo camisola; quem rnais poderiautilizar urn metodo semelhante?" Para permitir que cada eategoriade produto encontre facilmente seus clientes, ele dcvc proceder auma marcacao clara de seus produtos, portanto, a uma especializacaodas unidades de producao: "E necessario que, ao pensar em mernoriasou biografias, 0 publico pense em Plan. Literatura moderna:juJliardPara urn autor, eu diria quase membro de academia: Perlin. (...)Esporte, televisao ou atualidades: Solar. Livros infanto-juvenis e paraadolescentes: Anima. Grandes romances e documentaries: Pressesde la Cite. Se 0 leitor pretende urn livro de bolso, eJe devers pensarPresses-Pocket. Existe, inclusive, igualmente os lancamentos devanguarda com Christian Bourgois. Vamos ehegar a este ponto: aopassar diante da vitrinc, 0 comprador eventual ira reconhecer cadauma de nossas colecoes, Muito mais do que se possa crer, 0 publicoanda arras da marca de uma editora''. Nada esclarece melhor a maneiracomo Sven Nielsen concebe 0 papel do editor do que seu projeto parao livro de bolso: "Em primeiro lugar, lanca-se urn livro par quinzefiances com apresentacao agradavel, que chama a atencao no bornsentido da palavra, ou seja, ilustrativo do conteudo e da editora que 0

publica. Apos dois anos, quando a tiragem normal estiver esgotada,entao, a gente elabora urn livro de bolso por urn preco ainda maisbarato, praticamente pelo pre~o do jornal- papel e capa simples. Senecessario, com publicidade no interior. Urn objeto que, depois deter sido lido, pode ser jogado no lixo. Com efeito, tam bern em casa, 0

livro de bolso por dois francos toma 0 lugar de uma obra que custaquinze. Por ultimo, conviria encontrar urn circuito paraleJo dedistribuicao, diferente do circuito de distribuicao do livreiro. E clare,cada tiragem seria calculada em conforrnidade com 0 nivel de vendaprevista. E nada de reposicfio: a semelhanca do que acontece corn asjornais, os nao-vendidos sac considerados papel velho'',

Ao conduzir sua empresa como homem de negocios, de talmodo que a transformou em urn verdadeiro imperio financeiro poruma serie ininterrupta (entre 1958 e 1965) de compras e fusees, elefala a linguagem - sem rodeios, nem eufemismos - do gestor e doorganizador: "Tenho afirmado simplesmente aos diretores daseditoras: Vamos aliar-nos para tentarmos desenvolver, de comumacordo, nossos ncg6cios. (...) Cada editor pretendia abranger variessetores. Uma vez que 0 grupo se forrnou, acabamos por nosespecializarrnos. Por exemplo, Amiot-Dumont tinha os autores AndreCastelot e Alain Decaux que sao historiadores com grande audiencia.Forarn dirigidos para a editora de Perrin que, por nosso intermedio,se espccializou em historia". 'Algumas editoras integraram-se nonosso grupo, tendo-se tornado nossos departamentos internos. (...)Em relacao as outras, possuimos a maioria absoluta. (...) Entre essasempresas distintas que, de alguma forma, se tornaram filiais,proecdemos a fusees." 0 editor encomenda livros, sugere temas,escolhe os titulos: "Pensamos que a faceta criadora do editoraumenrou bastante nos anos posteriores a guerra. Neste campo, eupoderia relatar-lhe LImainfinidade de hist6rias. A ultima diz respeitoao livro de Emile Servan-Schreiber. (...) Trata-se de urn amigo, urnhomem charmoso, depositario de lernbrancas que nao acabam mais.Ell disse-lhe: 'Escreva tais lembrancas do jeito como as relata'","Quanto a Rerny? Em primeiro lugar, pedi-lhe urn preficio para urnvolurne sobre 0 Muro do Atlantico. Algum tempo depois, apresentou-me urn rnanuscrito. Certo dia, veio visitar-me a procura de urn tema;propus-lhe 'a linha de dernarcacao'. Acabou escrevendo dez volumes;todos eles best-sellers'. A encornenda e, muitas vezes, acornpanhadapor adiantamento financeiro: "Urn escritor vem visitar-me; traz dentrode si urn livro e cntrega-rne uma sinopse. A gente acha que einteressante. Ele acrescenta: 'Preciso de urn adiantamento para vivcrenquanto 0 livro nao for escrito'. (...) E assim que, na maior parte dotempo, 0 editor se transforma em banqueiro. (...) As vezes, as contas 4de adiantamcnto dos autores ja consagrados sao bastante Iimpressionantes", Atento a demanda, 0 editor tira partido das "oportunidades oferecidas pela atualidade e, em particular, peJa a~aodos grandes meios de comunicacao: "Mestre fotografias de Hong lKong e, imediatamente, urn fazendeiro que nunca tinha ouvido falarl I

! - ;,,

I~!,Ji

Pierre BourdieuA Produciio da Crence (0

Page 29: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

i/.i i

I:

Urn descobridoiv

"Certo dia, em 1950, urn dos meus amigos, RobertCarlier, disse-me: 'Voce deveria ler 0 manuscrito de urn escritorirlandes que escreve em Frances. Ele chama-se Samuel Beckett;ja foi recusado por seis editores'. Havia dois anos que eu eradiretor das Editions de Minuit. Algumas semanas depois,encontrei tres manuscritos em cima de uma mesa do escritorio:Molloy, Malone meurt; L'Innommeble, com esse nome de autordesconhecido e, aparentemente, ja familiar. A partir desse dia,eu soube que scria, talvez, urn editor, quero dizer, urn verdadeiroeditor. Desde a primeira linha - 'Estou no quarto de minha mae.Sou eu quem, agora, mora ai. Nem sei como isso aconteceu' -desde a primeira Iinha, fiquei impregnado pela belezaesmagadora desse texto. Em algumas horas, Ii Molloy, alias,nunca havia lido urn livro desse modo. Ora, nao se tratava deurn romance publicado em urna editora de meus confrades, umadessas obras-prirnas consagradas, a qual, como editor, eu jamaisteria aces so: era urn manuscrito inedito, e nao somente inedito:rccusado por varies editores. Eu nao estava conseguindoacreditar nisso. No dia seguinte, ao encontrar Suzanne, suarnulher, disse-Ihe que eu gostaria de lancar esses tres livros 0

mais rapidamente posslvel, mas que eu nao era muito rico. Elaencarregou-se de levar os contratos a Samuel Beckett e devolveu-me os documentos assinados. Era 0 dia 15 de novembro de 1950.Algumas semanas depois, recebi Samuel Beckett no meuescritorio. Em seguida, Suzanne contou-me que ele tinha voltadopara casa com aspecto bastante sombrio. Como ela tivessemostrado espanto, temendo que este primeiro contrato com 0

editor tivesse decepcionado 0 marido, este respondeu-Ihe que,pelo contrario, havia achado todos nos muito sirnpaticos, massentia-se desesperado so de pensar que a publicacao de Molloypudesse levar a editora a falencia. 0 Iivro foi lancado em 15 demarco. 0 impressor - urn alsaciano, catolico -, temendo que aobra viesse a ser processada por atentado contra os bonscostumes, havia omitido, precavidamente, seu nome no finaldo volume."

00'D Pierre Bourdieu

Ortodoxia e Heresia

II

III

II

III;

Princlpio da oposicao entre arte de vanguarda e arteburguess, entre ascese material, garantia da consagracao cspiritual.e 0 sucesso mundano, marcado, entre outros sinais, peloreconhecimento das instituicoes (prernios, academias, etc.) e peloexito f nanceiro, esta visao escatologica contribui para dissimular averdade da relacao entre 0 campo da producao cultural e 0 campodo poder ao reproduzir, na logica especifica do campo intelcctual,ou seja, sob a forma transfigurada do conflito entre duas esteticas, aoposicao (que nfio exclui a complementaridade) entre as fraccesdominadas e as fracoes dorninantes da c1asse dominante, ou seja,entre 0 poder cultural (associ ado a menor riqueza economical e 0

poder econ6mico e politico (associado a menor riqueza cultural).Os conflitos propriamenre esteticos sobre a visio legltime do inundo,

ou seja, em ultima analise, sobrc 0 que mcrccc ser represcntado esobre a rnaneira correta de fazer tal representacao, sac conflitospoliticos (supremamenre eufemizados) pela irnposicao da definicaodominante da realidadc e, em particular, da realidade social.Construida segundo os esquemas geradores da representacao rcta(e de direita) da realidade - e, em particular, da realidade social, ouseja, em poucas palavras, da ortodoxia =, a stte da reproducid" (cujaforma, por excelencia, e 0 teetro burgues) e apropriada paraproporcionar, aqueles que a percebem segundo esses esquemas, aexperiencia tranquilizadora da evidencia imediata da representacao,ou seja, da necessidade do modo de representacao e do mundorepresentado. Esta arte ortodoxa escaparia ao tempo se nao Fossecontinuamente rernetida ao passado pelo movimento introduzidono campo da producao pela pretensao das fracoes dominadas emutilizar poderes que Ihes sac atribuidos para modificar a visao domundo e derrubar as hierarquias temporais e temporsriss ss quaisesta enganchado 0 gosto burgues. Detentores de urna delegacao(sernpre parcial) de legitimidade em materia cultural, os produtoresculturais e, em particular, aqueles que produzem unicamente para

"

A~~~~p $

Page 30: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

,.I

!:i;

/;

II

os produtores tendem sempre a desviarem seu beneficio a autoridadede que disp6em, portanto, a impor como unica legitima sua variantepropria da visao dominante do mundo. No entanto, a contestacaodas hierarquias artfsticas instituldas eo deslocamento heretico dosIimites social mente admitldos entre a que merece ser conservado,admirado e transmitido, por urn lado, e, por outro, 0 que nao terntal merecimento, s6 podera exercer urn efeito propriamente artlsticode subversao se reconhecer tacitamente 0 fato e a legitimidade dessadelimitacao, ao transformar 0 deslocamento de tais limites em urnate artfstico e ao reivindicar, assim, para 0 artista 0 rnonopolio datransgressao legftima dos Iimites entre sagrado e profano, portanto,das revolucoes dos sistemas artfsticos de classificacao.

Ocampo da producao cultural e 0 terreno por excelenciado enfrentamento entre as fracoes dominantes da classe dominante- que combatem ai, as vezes, pessoalmente e, quase sempre, porinterrnedio dos produtores orientados para a defesa de suas ideisse.para a satisfacao de suas preferendas- e as fracoes dominadas quecsrao total mente envolvidas neste cornbate." Por meio desse conflito,consuma-se, em urn unico e mesmo campo, a integracao dosdiferentes subcampos social mente especializados, mercadosparticulates completamente separados no espaco social e, ate mesmo,geografico, em que as diferentes fracoes da classe dominante podemencontrar produtos ajustados a seu gosto, tanto em materia de teatro,como em materia de pintura, costura ou decoracao.

A visao poJemicaque, na mesma condenacao, engloba todasas empresas poderosas do ponto de vista economico ignora adistincao entre as empresas que, ricas somente de capital economico,tratarn os bens culturais - livros, espetaculos ou quadros - comoprodutos comuns, ou seja, como uma fonte de lucro imediato, e asempresas que tiram beneficio econ6mico, as vezes, muito importante,do capital cUI~r~~act:'!l~l~qQ.QQ.or~la1'na origem, por estrategiasfundadas nalden.<:ga£~()._d~_:'~~<:>l!omM.As diferencas no tamanhoda empresa, avaliada pelo faturarnento ou pelo nurnero deempregados, sac confirmadas par diferencas, tambern decisivas, na

-r--

II

III

relacao com a "economia" que separam, entre as empresas defundacao recente e de pequeno porte, as pequenas editorascomercisis, muitas vezes, destinadas a urn rapido crescimento, taiscomo Lsttes, simples Laffontno inicio, au Orban, Authier, Menges,70e as pequenas editoras de vanguarda, muitas vezes, votadas a urnrapido desaparecimento (Galilee, France Adele, Entente. Phebus),do mesmo modo que, na outra ponta do espectro, tais diferencasestabelecem uma distincao entre as grsndes editorss e as enormescditorss, entre 0 grande editor consagrado como Gallimard e 0

imenso" marchandde livros" como Nielsen.

Sem entrarmos em uma analise sistematica do campo dasgalerias que, pelo fato da homologia com 0 campo da atividadeeditorial, cairia em repeticoes dcsnccessarias, podemos observarsomente que, ainda aqui, as diferencas que separam as galeriassegundo sua antigiiidade (e notoriedade), portanto, segundo a graude consagracao e a valor mercantil das obras que possuem, sacconfirmadas por diferencas na relacao com a "economia".Desprovidas de cscudetie pr6pria, as gsleriss de vend? (por cxemplo,Beaubourg) exp6em, de maneira relativarnente ecletica, pintores deepocas, escolas e idades bastante diferentes (tanto abstratos, quantopos-surrealistas, alguns hiperrealistas europeus, novos realistas),ou seja, obras que, tendo sido produzidas em numero reduzido (emrazao de sua canonizacao rnais avancada ou de suas disponibilidadesdecorativas) podem encontrar compradores alcrn dos colecionadoresprofissionais e semi-profissionais (entre os "executivos ainda jovens,ricos, elegantes e ociosos" e os "industriais da moda", como afirmaurn inforrnante): assirn, elas estao em condicoes de identificar e atrairuma fra~ao dos pintores de vanguarda ja reputados, oferecendo-lhesuma forma de consagracao urn tanto comprometedora, ou seja, urnmercado em que os precos sao muito mais elevados do que nasgalerias de vanguarda. 71 Pclo contrario, as galerias que, a sernelhancade Sonnsbend, Denise Rene ou Dursnd-Ruel, marcam datas dahistorla da pintura porque, cada uma em sua epoca, souberamreagrupar uma escola, caracterizam-se por uma cscolhs sistemdtics."

R Pierre Bourdieu A Producio da Crencs

Page 31: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

!

I:

Assim, e posslvel reconhecer, na sucessao dos pintores apresentadospela galeria Sonnabend, a 16gica de urn desenvolvimento artlsticoque conduz da "nova pintura arnericana" e da Pop art- com pintores,tais como Rauschenberg, Jaspers Johns, Jim Dine - aos Oldenburg,Lichtenstein, Wesselman, Rosenquist, Warhol, as vezes, c1assificadossob 0 r6tulo de Minimal Art, e as pesquisas mais recentes da artePovers, da arte conceitual ou da arte por correspondencia. Do mesmomodo, e evidente 0 vinculo entre a abstracao geomerrica, que fez arepuracfio da galeria Denise Rene (fundada em 1945 e inauguradapor uma exposicao com obras de Vasarely) e a arte cinetica: por suavez, a ligacao entre as pesquisas visuais do entre-guerras (sobretudo,as da Bauhaus) e as pesquisas 6pticas e tecnol6gicas da nova geracaofoi efetuada, de alguma forma, por artistas, tais como Max Bill eVasarely.

oposicao temporal entre os recern-chegados e os antigos, os. pretendentes e os atuais titulares, a vanguarda e 0 ckissico, ten de aconfundir-se com a oposicao "economica" entre pobres e ricos (quesac tembem os gran des) , 0 bsrato e 0 csro - neste caso, 0

envelhecimento e acompanhado quase inevitavelmcntc por umatransforrnacao "econornica" proplcia a determinar a transforrnacaoda relacao com a "economia", ou se]a, do afrouxarnento da dcnegacaoda "econornia" que mantern uma relacao dialetica com 0 faturamentoe 0 tamanho da empresa: a unica defesa contra 0 envelhecimento ea recusa de crescerpelos ganhos e para 0 lucro, de entrar na dialeticado lucro que, ao aurnentar 0 tamanho da empresa, portanro, asdespcsas fixas, obriga a buscar 0 lucro e traz em seu bojo a divulgacao,sempre acompanhada pela desvalorizacao implicada em todavulgarizacao. 74

A editora que entra na fase de exploracao do capital culturalacumulado faz coexistir duas econornias diferentes: uma, voltadapara a producao, autores e pesquisa (na editora Gallimard, eo casoda colecao de George Larnbrichs): enquanio a outra e orientada paraa exploracao do acervo e para a difusao dos produtos consagrados(atraves de colecoes, tais como La Pieisde e, sobretudo, Folio ouIdees). E facil conceber as contradicocs que rcsultarn dasincompatibilidades entre as duas economias: a organizacao queconvern para produzir, difundir e valorizar uma categoria de produtose totalrnente inadaptada para a outra: alern disso, a sobrecarga queas obrigacoes da gestae e difusao fazem pesar sobre a instituicao eos mod os de pensamento tende a excJuir os invesrimcntos de risco,quando os autores que poderiam ocasiona-los nao sao, de antemao,desviados para outros editores pelo proprio prestigio da editora(quando nao e, simplesmente, pelo fato de que as colecoes depesquisa tend em a passar desapereebidas quando se inserem emconjuntos em que elas se encontram deslocsdss, ate rnesrno, sacincongruentes- como, no caso limite, L'Ecar{ou CIJangena editoraLsltont). Pelo faro de tal processo estar inscrito na logica dodesenvolvimento das empresas de producao cultural, e evidente que

As Maneiras de Envelhecer

A oposicao entre as duas economias, ou seja, entre as duasrelacoes com a "econornia", assume assim a forma da oposicao entredois cic/os de vida da empresa da produdio cultural. dois mod os deenvelhecimentosus ernpresas, produtores e produtos." A trajet6riaque conduz da vanguarda a consagracao e a que leva da pequcnaempresa a grande empresa excluem-se totalmente: a possibilidadeda pequena empresa comereial tornar-se uma grande empresaconsagrada pode equiparar-se a do grande escritor comcrcial (comoGuy des Cars ou Cecil Saint-Laurent) vir a ocupar uma posicaoreeonhccida na vanguarda consagrada. No caso das empresascomerciaisque, fixando-se como finalidade a acumulacao de capital"econcrnico", s6 podem ereseer ou desaparecer (por falencia ouabsorcao), a {mica distincao pertinente diz respeito ao tamanho daempresa que tende a ereseer com 0 tempo; no caso das empresasdefinidas por um clcvado grau de denegacao da "economia" e desubmissao a 16gica especifica da economia dos bens culturais, a

Nr-<"lr-,Pierre Bourdieu A Produciio da Cronce

Page 32: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

o dcsaparecimento do fundador nao basta para explica-lo, emborapossa acelera-lo.

As diferencas que separam as pequenas empresas devanguarda das grandes empresss e grandes editorss se sobrepoemaquelas que podem ser estabelecidas, em relacao aos produtos, entreo novo, provisoriarnente desprovido de valor "econornico", 0 velbo,dcflnitivamcntc desvalorizado, e 0 antigo ou 0 cldssico, dotado deurn valor "econornico" constante ou constantemente crescente; ou,ainda, aquelas que se estabelecem, relativamente aos produtores,entre a vanguarda, que e recrutada de preferencia entre os jovens(do ponto de vista bioI6gico) sem estar circunscrita a uma geracao,os au teres ou os artistas acabadosou ultrapassados (que podern serbiologicamente jovens) e a vanguarda consagrada, os cldssicos. Paranos convencermos disso, basta considerar a relacao entre a idade(biologics) dos pintores e sua Made srtlstice, avaliada pela posicaoinseparavelmente sincronica e diacronlca que Ihes e atribuida pelocampo em seu espaco-ternpo em funcio de sua estrutura e das leisde transforrnacao de sua estrutura, ou, se preferirmos, em funciode sua distancia em relacao ao presente na hist6ria especificaengendrada pelas lutas e revolucoes artlsticas que, alias, balizamsuas etapas. Os pintores das galerias de vanguarda opoern-se tantoaos pintores de sua idade (bioI6gica) que expoern nas galerias derive droite, quanto aos pintores muito mais idosos ou ja Ialecidosque sac expostos em tais galerias: separados UIlS dos outros pelaidade srtlstics que se avalia tambern em geracocs, ou seja, emrevolucces artlsticas, eles tern em comum, com os primeiros, apenasa idade biol6gica e, com os segundos, a quem se opcem, 0 fato deocuparem uma posicao hornologa daquela que haviam ocupado emestados mais ou menos antigos do campo e estarern votados a ocuparposicoes homologas em estados ulteriores (como e testemunhadopelos indicios de consagracao, tais como catalogos, artigos ou livrosja associados a sua obra).

Se considerarmos a piramide das idades do conjunto dospintores retidos" por diferentes galerias, observamos, em primeiro

As galerias e seus pintores

antes de 1900/1900-1909 11910-1919 pnO-1929 11930-1939 p940edepois

Galena Sonnabend

~:

~n=::4

Data de nascimento

L

;

~ ~

Galeria Beaubourg

I.........,

Galeria Ternplon

= ~

~ ffiTI§ t1Trlb

fn-r

liB II!fIBI.-.-.-n

1I111h lrrn

I Galeri,Denise Rene

t3Galeria ldaune Bucher

TlI.

Il@ .11111 ffiIb ~r--

~ "...,....Inm

Galeria Drouant

/m1k-hTn frn:n r:JIIJ]] Numero global de catalogoso Nurnero global de Iivros

'<t•.... Pierre Bourdieu A Produciio da Cronce

Galeria Durand-Ruel

g Nurnero global de artigosD Nurnero total de pintores da faixa etaria

IF)r-

Page 33: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

lugar, uma relacao bastante nitida (visivel tarnbern em relacao aosescritores) entre a idade dos pintores e a poslcao das galerias nocampo da producao: ao abranger, para a Galeria Sonnabend, 0 perfodo1930-1939 (e 0 perfodo 1920-1929 para a Galeria Templon), comogalerias de vanguarda, e se referir ao perfodo 1900-1909 para a GaleriaDenise Rene (ou a Galerie de France), como galerias de vanguardaconsagrada, a idade modal situa-se no perfodo anterior a 1900 paraa Galeria Drousnt (ou a Galeria Dursnd-Rueh, enquanto outrasgalerias, tais como Beeuboutg (ou Claude Bernard), que ocupamposicoes intermediarias entre vanguards e vanguarda consagrada,assim como tarnbern entre galeria de vends e escols, apresentamuma estrutura bimodal (com urn modo antes de 1900 e outro noperfodo 1920-1929).76

Concordantes no caso dos pintores de vanguarda (expostospor Sonnsbendois Templon), a idade biol6gica e a idade artistica-para ambas, a melhor avaliacao seria, sem duvida, a epoca da aparicaodo estilo correspondente na hist6ria relativamente autonorna dapintura - pod em ser discordantes no caso dos pintores ainda vivos,continuadores acadernicos de todas as maneiras canonicas do passadoque, ao lade dos mais famosos pintores do seculo pass ado, saocxpostos nas galerias da live droite- muitas vezes, situadas na areados comercios de luxo - tais como Drouant ou Dursnd-Ruel, "0

merchsadco: impressionistas". Especie de f6sseis de outra era, essespintores que fazem no presente 0 que fazia a vanguarda do passado,apresentam uma arte que nao e, se podemos nos exprimir assim, desua epoca, Para 0 artista de vanguarda que considera a idade artisticacomo a medida da idade, 0 arrista burguese velho, seja qual for suaidade biologica, como e velho 0 gosto burgues por suas obras. Noen tanto, a pr6pria idade artistica, que se denuncia atraves da formade arte praticada, e uma dimensao de uma verdadeira maneira deviver a vida de artists e, em particular, a denegacao da "econornia'' edos comprometimentos temporais que a define de modo espedfico.Inversamente aos artistas de vanguarda que, de alguma forma, saoduplamente jovens- pela idade artlstica, e claro, mas tambern pela

recusa (provis6ria) das grandezas tcmporais par onde chcga aenvelhecimento artistico -, os artistas f6sseis sao, de alguma forma,duplamente velhos, pel a idade de seus esquernas de producao, eclaro, mas tambem por urn verdadeiro estilo de vida que, entre outrasdimens6es, se manifesta pelo estilo de suas obras, alem de implicara submissao direta e irnediata as obrigacoes e gratiflcacoes doseculo."

Colocada a parte a consagracao propriarnente artistica e oselevados lueros garantidos pela clientela burguesa, as pinrorcs devanguarda tern muito mais aspectos em comum com a vanguardado passado do que com a retaguarda dessa vanguarda: e antes detudo, a ausencia de marcas de conssgrscio extra-artistica OU, sequisermos, temporal, de que sac abundantemente dotados as artistasfosscis - pintores que ja usufruem de uma situacao estavel, quasesempre, oriundos das escolas de Belas-Artes, recheados de premios,membros de academias, condecorados com a comenda da Legiond'horuieut, fartarnente abastecidos com encomendas oficiais: comose 0 pertencimento ao seculo, au scja, ao tempo do mono economicoe politico, eo pertencimento ao campo artistico Iossem mutuarnenteexcludentes. Se excIuirmos a vanguarda do passado, observarernosque, de fato, as caracteristicas apresentadas pela rnaior parte dospintores expostos pela Galeria Drousnt sao, em tados as pontas,opostas a imagem do artista reconhecidas pelos artistas de vanguardae par aqueles que os homenageiam. Na maior parte das vezes,orlginarios ou, ate mesmo, residentes na Provincia, esscs pintorestern, quase sempre, como principal ponto de sustenracao na vidaartlstica parisiense 0 fato de fazerern parte dessa Galeria quedescobriu urn grande mimero deles; em suas dependencias, variesfizeram suas primeiras exposicoes e/ou foram Iancados pelo PrixDrousnt destinado a pintura jovem. Tendo passado, sem duvida,com mais frequenda do que os pintores de vanguarda, pelas Escolasde Belas Arres (cerca de 1/3 estudaram na Ecole des Beaux-Arts ena Ecole des Arts Appliquees ou Arts Decorstiis, em Paris, naProvincia ou em seus paises de origem), consideram-sc,

-or- Pierre Bourdieu A Producso da Crencs e-

I"-

Page 34: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

natural mente, all/nos deste ou daquclc pintor e praticam uma arteacadernica em seu estilo (quase scmpre, p6s-impressionista), emseus tcmas (marinas, retrstos, elegories, cenas csmpestres, nus,psissgens de Provence, etc.) e em determinadas oportunidades(cenarios de teatro, ilustracoes de Iivros de luxo, etc.) que, muitasvezes, lhes garante uma verdadeira carreirs, baIizada par diversasrecornpensas e promocoes, tais como prernios e mcdalhas (66

laureados ern urn total de 133), e coroada pelo acesso a posicoes depoder nas instiincias de consagracao e legitimacao (urn grandenumero deles sac socios, presidentes ou membros do cornite dosgrandes salons traclicionais) ou nas instancias da reproducao clcgitirnacao (diretor de Ecole des Beaux-Arts na Provincia;professares em Paris, na Ecole des Beaux-Arts ou Arts Decoratits;conservador de museu, etc.). Dois exemplos:

"Nascido em 23 de maio de 1914, em Paris. Frequenra a Ecole desBeaux-Arts. Exposicocs individuais ern Nova York e Paris. Paz asilusrracoes de duas obras. Participa dos Grands Salons de Paris.Premia de descnho no Concours Gcm5ral de 1932. Medalha dePrata na IV Bienal de Menton - 1957. Obras nos museus e coleccesparticulates. "

"Nascido em 1905. Estuda na Ecolc des Beaux-Arrsde Paris. Sociodos Salons des Independents e do Salon d'Automne. Em 1958,obtern 0 Grsnd Prix de I'Ecole des Beaux-Arts de 1,1 Ville de Paris.Obras no Musee d'Art Modemede Paris e em numerosos museusfranceses e do exterior. Conservador do Museu de Honfleur,Numerosas exposicoes individuals no rnundo inteiro."

"Nascido em I 909. Pintar de paisagens e rcrratos, Exeeutou 0

retrato de S. S. jofio XXIII, assirn como as das celcbridadcs denossa epoca (Cecile Sorci, Maurine, etc.) apresenrados na GalerieDrousnt, em 1957 e 1959. Laureado do Prix des Peintrcs Temoinsde leur Temps. Participa dos Grands Sslons, dos quais e urn dosorganizadores. Participa do Sa/on de Parisorganizado pcla GalerieDrousnt, em Toquio, em 1961. Suas telas flgurarn em numerososmuseus cia Franca c colecoes do rnundo intclro."

"Nascido em 1907. Cornccou por expor no Salon d'Auromnc. Suaprimeira viagem /13 Espanha dcixou-lhc marcas bastantcs fortes;alern disso, 0 Premier Grand Prix de Rome (I930) acaboudctcrrninando sua longa cstada na ltalia. Sua obra esta assoeiada,sobrctudo, aos paiscs mediterraneos: Espanha, ltalia, Provence.Autor de ilustracocs para livros de luxo, assim como de cenariospara tearro, Membro do Institut de Fmncc. Exposicoes CIll Paris,Londrcs, Nova York, Genebra, Nice, Bordeaux, Madri. Obras emnumerosos muscus de artc rnodcrna e colecoes paruculares 11a

Franca e no exterior. Oficial da Legion d'honnetu:':"

Falsificacoes OLl f6sseis?Rcproducoes do Catalogo da Galcrie Drounnt, 19G7

Par ultimo. urn grande numero desses pintores recebcramas marcas menos equlvocas da consagracao temporal,tradicionalmentc excluidas do estilo da vida de artista, tais como acomenda da Legion d'bonneur; sem duvida, como contrapartida delima insercao no seculo, por interrnedio dos contatos politico-adrninistrativos que fornecem as encomendasou relacoes rnundanas,implicadas na fundic de "pintor oficial".

O. Carmen - Nascida em Nice, vive em Veneza. Expoe no Salon desIndependents e participa dos Sa/ons franceses e italianos. Exposicoes emParis, Roma, etc. Ultima exposicao em Paris, na Gnletie Drouant (I 966).Telas ern numerosos museus e colecoes particulares.

OQr',

A Produc/io da Crencea.c-

Pierre Bourdieu

Page 35: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Best-sellers e sucessos intelectuais

Para constituir a populacao dosa u t or e s reconhccidos pclogrande publico iut electual,consideramos 0 conjunro dosautores lrancescs ainda vivosque, entre J972 e J971, forumcitados na rubrica meusal"La Qllinz,7inc rccomenda",publicada pela r evist a LaOuinzninc littcrnire. No qued i z r e s p c i r o ;\ c a t e g o r i asocioproflssional dos autorcspara grande publico,cons idcr arnos os cscr itorcsfranccses e ainda vivos, cujascbras obtivcram as maiorcst iragens em 1972 e )973 e cujalista, baseada nas informacoesfornccidas por 29 gra ndeslivreiros Irancescs de Paris c deProvincia, e regularrnenrepublicada pela revista l'Exprcss.A selecao de L,7 Ouinzsiocliucrnirc rcscrva uma parteimportante as traducocs deobras esrrangeiras (43% dosiitulos citados) cas rccdicoes deaut or es ean6nicos (parexcmplo, Colette, Dosroievski,Bakuniu, Rosa Luxernburgo),c s lor c ando-s c assim poracornpa nhar a atualidadc,bastante particular, do rnundoill rclcct ual: por sua vcz , aI ist a de L'EXl'rCH apresenrasomenre ) 2% de traducoes deobr as estrangeiras que saoo u r ros t anros best-sellersill ternac ionais (DesmondMorris, Mickey Spillane. PearlBuck, erc.).

0_ Henri (1877-1927) - Corneca a expor no Sa/on de/a Livre Esthctique, emBruxelas, em 1904. Participa do Sa/on des Independents e do Salond'Auiomne, da Nationale des Beeux-Artse das Tulherias. Exp6e regularmcntena Galcrie Drousnr. As obras deste pintor prestigioso figuram em numerososmuseus e colccoes particulares do mundo inteiro.

• N,llUIIlCro de obras listadas porL'Expressou seleeionadas por 1...1QlJinz<1unc littcrairc.•• Sigla de NJo Rcspostss.•••0 total c superior a N, namcdida em que 0 mesmo autorpede ter publicado obras emeditorcs difcrcnres.

oCZ) Pierre Bourdieu A Produciio dil Crcnca

CF:.'I'''·SSN : sz

Data de nascimCOlQNascidos antes de 19001900-19091910-19191920-19291930-1939IJ~.~c dcpois

CSP [Caregorias suci()J1If1fjs!'ioll.li~ __

Lltcralos J',Profcssorcs univ(,lsil;\1 ios 5jornalistas 21jPsicanalistn, Psiquinrr«Ourros 10NIt 16

LOC.l1 de rcsidC[lcia

410173.\II5I}

727IS28155~

1;1 QlJi"l.uiJt~lill£lr.li['{'N: 10(,

------)-2--

·tXG27II

· I'rovIi"'.- dOs quils 5- Arrcdorcs de Paris 2- SuI I- Outre local 2· Exterior 2· Paris c Suh,'"hio (,2

dos quais- 6' / 7" ba irros I 9- 8" / 16" / Suburbio Owe 23- 5' / 13" / 14' / I S" I 1- OUlrOS bnirros de Paris 7- Suburbio (salvo OCSIC) 2NR 23

PrcrniosNiin lnurcados 2HLaurcados 4Hdos 'Iuais- Rcnaudot- Goncoun· Intcr allic 2S- Fcmillil- Medicis- NobelNR 16

ConOcCOra(lX-SNtliiCaiccCfmarn 44J;i rcccberam 35dos quais Llgion d'honncurou Ordre du mcritc 28

NR 13

Edirores'"Gallilllardl.c ScuilDcnoclFlammarionGrasserSrockL.l Ilon IPlonFayardCalrnan-LevyAlbin MichelOUlrOS

135·1'I4571911II9732

68.11

G

427

7922

18

8 347 123 611 514 811 I18 3I 45 4I 25II 3:1

dos quais Milllli~ H

oo

Page 36: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

A rnesma observancia das regras estabelecidas verifica-se entreos escritores. E assim que os intelectusis que tem obtido sucessointelectusl (ou seja, 0 conjunto dos autores mencionados, no periodo de1972 a 1975, na "selecao" de La QuinzaineJitt&aire) sao mais jovens doque os autores de best-sellers (ou seja, 0 conjunto dos autoresmencionados, no periodo de 1972 a 1974, no ranking semanal deL'E'pless) e, sobrctudo, sao laurcados com men as freqilencia pelos jurisIiterarios (31 % contra 63%) e, especialmente, pelos juris mais"comprometedores" no entender dos Inteleausis, assim como menosfrcqucntcrnentc rcconhccidos com condecoracoes (22% contra 44%).Enquanto os best-sellers sao cditados, sobretudo, por grandes editoras-Gmsset; Flsmmuion, Laffonte Stock - espedalizadas nas obras de vendarapida, os autores que tern obtido sucesso intelectualsao publicados, emnumero superior a 50%, por tres editores - Gallimud, Le Seuile Editionsde Minuit-, cuja producaq e orientada cxclusivamente para 0 publicointclcctuaJ.'Estasoposi~~.J sac ainda mais marcantes se compararmospopulacoes mai~~~mogeneas, a saber. os escritores publicados por Lstionte Minai: Nitidarnente mais jovens, estes ultirnos s6 raramente saccontcmplados com prernios (se excetuannos 0 Prix Medias, ou seja, amais intelcaual, entre todos os prernios literarios) e, sobretudo, muitomcnos Ireqiienternente agraciados com condecoracoes, De faro, trata-sede duas catcgorias de escritorcs, reagrupados pelas duas editoras, que,na pratka, nao podem ser comparados: por um lado, 0 modelo dominamee 0 do escri tor pUJ'O, comprometido em pesquisas formals e sem relaciocom 0 seculo; por outro, 0 primeiro Jugar cabe aos escritores-jomalistasc aos [omalistas-cscritores que produzem obras "em que existe uma

. sobreposicao da hist6ria e do jornalismo", "induindo a biografia e asociologia, a diana intima e a narrativa de aventura, 0corte dnematograficoco depoimento de ac;aojudicial":" "Se observo a lista de meus autores,vejo, de urn lado, aqueles que passararn do jomalismo para 0 livro, talcomo Gaston Bonheur,jacques Peuchmard, Henri-Francois Rey,BernardClavel, Olivier Todd, Dominique Lapierre, etc., e, do outre, aqueles que,tendo sido professores universitarios, tais comolean-Francols Revel, MaxGallo, Georges Belmont, percorreram a caminho inverso, Em literatura,resta pouco espar;:opara a vida de redusio"." A essa categoria de escritores,rnuito tipica das editoras comercisis, seria necessario acrescentar osautores de restemunhos que escrevem por encomenda e, as vezes, com aassistenda de urn jornalista-escritor. 81

o espaco dos escritores

n."'--.._--- ~

n

~ Escritorcs publicados par Editions Lotion:o Membros da Acsdemie Irsncaise

• Escritores publicadas por Editions de Minuit

('Ioo Pierre Bourdieu;1 Produciio ds Crone»

("<)

co

Page 37: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Consequencia das analises propostas rnais acirna a respeitoda distribuicao dos teatros no espa~o,/o v~Qr~o~a!!da residenciaprivada s6 se define por referenda as caracteristicas sociais do bairroonde ela se situa e das caracteristicas sociais da populacao dosmoradores (efeito de clube) , assim como das caracterfsticas sociaisdos lugares publicos, profissionais, Bolsa de Valores, escrit6rios decmpresas, escolas, locais elegantes onde convern ser visto, teatros,hip6dromos, galerias, calcadoes. Sem duvida.jo va1~rso-ciJ dosdifcrcntes bairros depenck!~bem~~IePJ~s~nt~~aoque os agentestern do espaco social; por sua vex, tal representacao depende nao s6~ . .. _. ---.- .. ,-_ .. , .de sua posicao na c1assedominante, mas igualmentede sua trajet6riasocial. Para compreender a distribuicao no espaco de uma populacaode escritores, e necessario fazer intervir, alern do patrimonio e dosrecursos financeiros, todas as disposicoes que se exprimem tarnbem110 proprio estilo da obra, assim como a maneira particular de realizara condicao do escritor: por exernplo, a preocupacao de se-Io quepressup5e que se possa tirar partido continuamente dos encontros,ao mesmo tempo, fortuitos e previsiveis, garantidos pelafrequentacao dos lugares bem freqiientados. A proximidade noespaco fisico perrnite que a proximidade no espaco social produzatodos os sells efeitos ao facilitar e favorecer 3jacuinular;:ao de capitalsocial Krela~6es, ligacoes ...). .

Os membros das academias moram quase todos nos bairrosmais tipicarnente burgueses (8°, 16°, 7° e 6° - e, precisamente, noFaubourg Saint-Germain: ruas de Varenne, Bonaparte, du Bac, deSeine, de Grenelle). No lade oposto, os autores de Editions deMinuit" c, particularmente, os intelectusis (por oposicao aosromancistas que, em grande parte, tern preferencia pelo 7°, 6°e 16°),encontram-se, em sua maioria, nos bairros da regiiio Sui de Paris(14°, 13°, 12°, 5°) e, sobretudo no suburbio (SuI e no setor men oschiquedo subiirbio Oeste). Apesar de serem, sem duvida, as maisdispersos, os autores da editora Laffontsao localizados, ao mcsmotempo, no 16° e suburbio Oeste chique (e, embora mais raramentedo que os mcmbros das academias, tambern no 6°) e nos bulevares

ou bairros excentricos, habitados tarnbem pelos intelectuais (14°,1S°); oposicoes que, segundo parece, correspondem a subpopulacoes,atual au potencialmente, distintas, ou seja, as dos escritores em viade consagracao e ados jornalistas escritores."

Classicos au Desclassificados

E claro que 0 primado arribuldo pelo campo da producaocultural a juventude remete, uma vez mais, a relacao de denegacaodo poder e da "economia" que esta em sua origem, se, por seusatributos associados a indumentaria e por toda sua hexis' corporal.os intelectuaise os artistas tendem sempre a colocar-se do lado dajuventude e porque, tanto nas representacoes quanto na realidade,a oposicao entre jovens e velhos e homologa da oposicao entre 0

poder e a seriedade burgueses, por urn lado, e, por outre, a indiferencaao poder ou ao dinheiro, assim como a recusa iritelectualdo esplritode seriedade, oposicao que a representacao burguess - que avalia aidade pelo poder e pela relacao correlata ao poder - retoma por suaconta quando identifica 0 inteleauslcom 0 jovem burguesetu nomedo estaturo comum a ambos de dominantes-dominados,provisoriamente afastados do dinheiro e do poder."

No entanto, a privilegio consentido ajuventudee aos valoresde mudanca e originalidade aos quais ela esta associ ada 56 podcraser compreendido cabal mente a partir da relacao dos srtistss comos burgueses, ele exprirne tarnbcrn a lei espedfica da rnudanca docampo da producao, a saber: a dialetica da distincao que vota asinstituicoes, escolas, obras e artistas - que, inevitavelmente, estaoassociados a determinado mom ento da hist6ria da arte, que Iizersmepocaov ganharam notoriedsde- a calrern no passado, tornarern-seclsssicos ou desclassilicados, serem lancados para fora da historis

• Conjunto de propriedades associadas ao uso do COI po em que se exterioriza a posicaode c1asse de uma pessoa.

-;tIY.) Pierre Bourdicu A Productio dn Crencs V)

00

Page 38: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

au "passarern a historia", ao eterno presente da culture em que as

mais incompatlveis tendencias e escolas "em atividade" podern

coexistir pacificamente par terem sido canonizadas, academizadas,neutralizadas.

pintura figurativa que, na epoca - apesar de set utn nspecto naosuficientcmentc lembredo hoje em dia - era amplarn enternajoritaria. Em seguida, em 1954, ocorreu 0 marernoto informal:assistlu-sc a gera~ao cspontanea de grande quantidade de artistasque se dcixavam etolsr complscentementc na materia. A galcriaque, desde 1918, combstia em favor ds sbstrscio, reCUSOl/ apaixonitc gcral e Iimitou-sc« urna escolha est rita, a saber: 0 abstratoconstrutivo oriundo d.1Sgrandcs revolucoes plasticas do infcio doscculo e, atualrncnte, desenvolvido por novos pesquisadorcs. Artenobre, eustcrs, que aflrrna continua mente toda a sua vitalidade.POI'que tnotivo, sos POl/COS,scsbei pOI' defender exclusivtuncnte asrte construldei Se procuro rais razoes em mlm mesma C pot'que,segundo me parece, nenhuma outra consegue exprimir melhor aconquista do artista em urn mundo amescado de dccomposkiio,urn mundo em perpetua gestacao. Em uma obra de Herbin,Vasarely, nao ha lugar para torcas obscures. para 0 ntolemcnto, 0

morbido. Esta arte traduz, com toda a evldencia, 0 controle total

do criador, Urna hclice, urn espigfio, uma cscultura de Schoffer,

urn quadro de Mortensen Ollde Mondrian: cis outras rantas obrasque me inspiram conflanca: pode-se ler nelas, de forma obcecante,a dorninacao da /,1zao humana, 0 triunfo do horncm sobre 0 csos.Eis, para mim, 0 papel da arte, A ernocao encontra al sell pleno

delcite"."

Por ser revelador dos principios de funcionamento docampo, esre texto mereceria ser comentado Iinha por linha. Comefeito, mostra de que maneira a decisao que se encontra na origemdas escolhas iniciais, ou seja, 0 gosto pel as construcoes "estritas" e"austeras", implica recusas inevitaveis: de que maneira, ao serern-lhe aplicadas as categorias de percepcao e apreciacao que tornaramposslvel a "descoberta" da novidade, qualquer novidade nova erejeitada do lado do informe e do caos; finalmente, de que maneiraa lernbranca dos com bates travados para impor canonesconsiderados, em outro tempo, hereticos, legitima 0 fechamento acontestacao heretica do que se tornou uma nova orrodoxia.

o envelhecirnento advern tambem as ernpresas e autoresquando LImas C outros permanecem apegados (at iva ou

passivamente) a modos de producao que, sobretudo se haviam feito

epoca, estao inevitavelmente darados: quando se confinam em

esquemas de percepcao ou apreciacao que, sobretudo, ao se

converterern em norm as transcendentes e eternas, impedern de

perceber e aceitar a novidade. E assim que 0 ma.rchandou 0 editor

descobridor po de deixar-se confinar no conceito institucionalizsdo(tal como nouveau roman ou "nova pintura americana") que ele

proprio ajudou a produzir, na definicao social em relacao a qual terao

de se posicionar os criticos, os leitores e tambern os autores mais

jovens que se contentarn em acionar os esquemas produzidos pela

geracao dos dcscobridorese que, por este motive, tendcm a confinara editora em sua imagem:

"Eu pretendia algo de novo, afastar-rne das veredas ja trilhadas.

Eis a razao pela qual, escreve Denise Rene, minha primeira

exposicao foi consagrada a Vasarely: tratava-se de urn pcsquissdor.

Em seguida, em 1945, expus Atlan porque ele era tambem ins6lito,diftrente, novo. Certo dia, cinco desconhecidos - Hartung, Deyrolle,

Dcwasne, Schneider, Marie Raymond - vieram apresentar-me suas

telas, Em uma piscadela, diante dessas obras estritss, susterss,

rive a impressao de que minha via estava tracada, havia ai bastante

dinamitepara provocar a paixao e cokxer em questsoos problemas

artlsticos. Organizei, cntao, a exposicao 'Jeune peinture abstraite'

[jovem pintura abstrata] (janeiro de 1946). Para rnirn, cornecava 0

tempo do combste. Em prirneiro lugar, ate 1950, para impor a

abstracao em seu conjunto, derrubsr as posicoes tredicionsis da

\000 Pierre Bourdieu A Produc.io ds Crencs r-oo

Page 39: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

A Diferenca lutepelo reconhecimento pelos proprios artistas ou par seus criticos'tltulares, e desempenham a funcao de siruis de recanhecimentoquedistinguern as galerias, os grupos, assim como os pintores e, ao~esmo tempo, os produtos que eles fabricam ou propoem."

A unica atitude que resta aos recern-chegados e rcmetercontinusmente para 0passado - no pr6prio movimento pelo qualeles tern aces so it cxisrencia, ou seja, a dlfercnca legltlma Oil, atemesmo, por urn tempo mais ou menos longo, a legirimklade exclusiva- os produtorcs consagrados a quem eles se medem e, porconseguinte, seus produtos e 0 gosto daqueles que permanecemapcgados a isso. 13assim que as diferentes galerias ou editoras, asernelhanca dos diferentes pintores ou escritores, distribuern-se emcada instante segundo a respectiva idade artistica, ou seja, segundoa antigi.iidade de seu modo de producao artistica e segundo 0 graude canonizacao e secularizacao desse esquema gerador que, aomesmo tempo, e esquema de percepcao e apreciacio, 0 campo dasgalerias reproduz, de alguma forma na sincronis, a hist6ria dosmovimentos artisticos desde 0 final do seculo XIX: cada uma dasgalerias importantes ja Ioi uma gsleri« de vanguarda em urn tempotnsis all menos longlnquo e e tanto mais consagrada e capaz deconsagrar (ou, 0 que da no mesmo, cla vende tanto rnais care),quanto mais afastado estiver no tempo seu produto, quanto maisamplamente for conhecida e rcconhecida sua meres (0 sbstretogeometrico ou 0 pop americano), mas tarnbern quanta maisdefinitivamente estiver confinada nesta marc a ("Durand-Ruel, 0

marchanddos Irnpressionistas"), nesse falso conceito que e tambernurn destino.

Em cada instante do tempo, seja qual for 0 campo de Iura(campo das Iutas de classe, campos da classe dominante, campo daproducao cultural, etc.), os agentes e as instituicoes cnvolvidos nojogo sao, ao mesmo tempo, conremporaneos e temporalmentediscordantes. 0 campo do presente nao passa de outro nome docampo de lutas (como e demonstrado pelo fato de que urn autor dopassado esta presente na exata medida em que ele esta em jogo) e a

Nao e dernais afirmar que a hist6ria do campo e a historiada luta pelo monop6Ho da imposicao das categorias de percepcao eaprcclacao legltimas; e apropria lute que faz a hist6ria do campo; epela luta que ele se temporaliza. 0 envelhecimento dos autores,obras Oll escolas nao e, de modo algurn, 0 produto de urn deslizernecanico para 0 passado, mas a crlacao continuada do combate entreaqueles que fizeram epoca e lutam para que esta perdure, por urnlado, e, por outre, aqueles que, por sua vez, nao podem fazer epocasern remeter para 0 pass ado os que tern interesse a interromper 0

tempo, a eternizar 0 estado presente; entre os dominantes que estaocomprometidos com a continuidade, a identidade, a reproducao, eos dominados, os recern-chegados, que estao interessados nadescontinuidadc, ruptura, diferenca, revolucao. Fazerepocae imporsua meres, fazer reconhecer (no duplo sentido) sua diterencs emrclacao aos ourros produtores e, sobretudo, em relacao aosprodutores rnais consagrados; e, inseparavelmente, fazer existir umanove posiciio para alern das posicoes ocupadas, a Irente dessasposicoes, na vanguarda./introduzir a diferenca c produzir tempo}Compreende-se 0 lugar que, nesta luta pela vida, pela sobrevivencia,cabe as marcss distintivss que, na melhor das hipoteses, visamidentificar, muitas vezes, as mais superficiais e visiveis daspropriedades associadas a urn conjunto de obras ou produtores. Aspalavras, nomes de escolas ou de grupos, nomes proprios, s6 terntanta importancia porque eles fazem as coisas: como sinaisdistintivos, eles produzem a existencia em urn universo em queexistir e diferir, "fazer-se urn nome", urn nome proprio ou nomecomum (a urn grupo). Fa/sos conceitos, instrument os preticos de

I classificacfio que estabelecem as sernelhancas e as diferencas,i norneando-as, os nomes de escolas ou de grupos que tern florescido;jna pin tura recente - pop art, minimal art, process art, land art, bodyart, arre conceitual, arte pavers, FJuxus, novo realismo, nova

. figuracao, suporte-superflcie, op art, cinetica - sac produzidos na

J,

0000 A Produciio da Crencs c-ooPierre Bourdieu

Page 40: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

conremporaneidadc como presenca ao mesmo presente, ao prcsentedos outros, s6 existe praticamente na propris Iuts que sincronizatempos discordantes (e assim que, como sera demonstrado alhures,um dos principals efeitos das grandes crises hist6ricas, dosacontccimcntos qllC Iszem epees, consiste em sincronizar os temposdos campos definldos par duracoes estruturais espcciflcas): nocntanto, a Iuta que produza conternporancidade como confronto detempos diferentes s6 podcra ser travada porque os agentes e osgrupos que ela op6c nao estfio presentes no mesmo presente. Bastapensarmos em urn campo particular (pintura, literatura ou teatro)para verificarmos que as agcntes e as instituicoes que se enfrenramnesse campo - pelo menos, objetivameme, atraves da concorrenciaOll do conflito - estao separados pclo tempo e sob a relacao do tempo:u ns, que se situam, como se diz, ria vanguarda, nao terncontemporaneos que eles reconhecem e por quem sac rcconhecidos(alern dos OlItrOS produtores de vanguarda), portanto, nao ternpublico a nao ser no futuro; os outros, que sac chamados comumenteos conservadores, nao rcconheccm sells contemporaneos a nao serno passado (as linhas pontilhadas horizontais do diagrama ao ladomostrarn essas contemporaneidades ocultas)." 0 rnovimentotemporal produzido pela aparicao de urn grupo capaz de tszer epocsao irnpor uma posicao avancada traduz-se pela translacao dacstrutura do campo do presente, ou seja, das posicocs ternporalmenrehierarquizadas que se op6em em determinado campo (por exernplo,pop att, arte cinerica carte figurativa); assim, cada uma das posicoesencontra-se defasada de uma fila na hierarquia temporal que, aomesmo tempo, c uma hierarquia social (as diagonals pontilhadasreunem as posicoes estruturalmente equivalentes - por exernplo, avanguards - em campos de epocas diferentes). Em cada instante, avanguarda esta separada por uma geracao artlstlca (entcndida comoa diferenca entre dais modos de producao artlstica) da vanguardaconsagrada que, par sua vez, esta separada por outra geracao artfsticada vanguarda ja consagrada no momento de sua entrada no campo.t a que faz com que, tanto no espaco do campo artistico, quanta no

espaco social, a melhor forma de medir as distancias entre os estilosou os estilos de vida e, inquestionavelmcnte, em termos de tempo."

A temporalidadc do campo da producao artistica

-:./

./

Alem de dominarem 0 campo da producao, os autores\consagrados dominam tambern 0 mercado; nao sac somente os mais,Icaros au as mais rentaveis, mas tambern as mais legiveis e os mais

.J aceitavcis porque, no termo de urn processo mais ou menos longode familiarizacao, associado au nao a uma aprcndizagem especifica,acabaram por se banalizar. 0 mesmo e dizer que, par seu interrnedio,

o0- Pierre Bourdieu A Produciio ds CreJJ(,1

geracao- artistica-

././

./

./ IAI./ ./

-:

AI./"./

AI./

o ~/ I futuroy

passado ./././ 1./

./ A·I./

././

././

././

././

t2 t3t1

0-

Page 41: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

as estrategias dirigidas contra sua dominacao atingern sempre, poracrescirno, os consumidores distinguidos de seus produtosdistintivos. ~~~<?r ao mercad~~~_~~~.!1!lina~or.no~ento, umnoyoe.rod~~o,:;,_u_~E~Y~.l?rod~toe urn nov<?sistema de preferenci!,s,. e.f~~r deslizar para 0passado ()conjun~ do.§produtores, dos produtose dos sistemas de preferencias hierarquizadossob a relac;:aodograude legitimidade adquiridaj 0 movimento pelo qual 0 campo daproducao se temporaliza define tambern a temporalidade dapreferencia. Pelo fato de que as diferentes posicoes do espacohicrarquizado do campo da producao (que sac identific:iveis,indiferentemente, por nomes de instituicoes, galerias, editoras,teatros ou por nomes de artistas ou escolas) sao, ao mesmo tempo,preferencias socialmente hierarquizadas, qualquer transforrnacao daestrutur a do campo acarreta a translacao da estrutura daspreferencias, ou seja, do sistema das distincoes simb6licas entre osgr_llE()s: as oposicoes homologas daquelas que se estabelecematualmente entre 0 gosto dos artistas de vanguarda, 0 gosto dosinteleausis, 0 gosto burgues avancado e 0 gosto btugues provinciano,alern de encontrarem seus meios de expressao nos mercadossimbolizados pelas galerias Sonnabend, Denise Rene ou Durand-Ruel, teriam conseguido exprirnir-se de forma tao eficaz em 1945,em um espaco em que a vanguarda era representada por DeniseRene ou, em 1875, quando esta posicao avancada era mantida porDurend-Ruel.

Duchamp, os retomos a estilos passados nunca ten ham sido taofreqi.ientes quanto no decorrer destes tempos de pesquisa exasperadade originalidade:

"Acaracterlstica do seculo que termina consiste em ser como umduplo bsrtelled gun: Kandinsky, Kupka inventararn a abstracao.Em seguida, a abstracao morreu. Nlnguern mais falaria no assunto.Trinta e cinco anos depois, ela ressurgiu com os expressionistasabstratos americanos. Pode-se dizer que 0 cubismo voltou aaparecer sob uma forma empobrecida com a Ecole de Pads posteriora grande guerra. Da mesma forma, 0 Dada ressurgiu. Dupla chama,segundo fOlego. Trata-se de um fenomeno pr6prio ao seculo. Issonfio existia no seculo XVIlI ou XIX. Ap6s 0 Rornantismo, apareceuCourbet. Eo Romantisrno nunca mais voltou. Nem sequer os pre-rafaeliras poderao ser considerados uma nova moagcm desroman ticos'' .89

De Iato, esses retornos sac sempre spsrentes ja que estaoseparados do que encontram pela referenda ncgativa a alguma coisaque, por sua vez, era a negacao (da negacao da negacao, ete.) do queencontram (quando nao e, simplesmente, pela intencao de pastiche,de par6dia que pressup6e toda a hist6ria interrnediaria). 90 No campoartistico, no atual estagio de sua historia, nao ha lugar para osingenues: alem disso, todos os atos, todos os gestos, todas asmanifestacoes, sao, como aflrrna perfeitarnente urn pintor, "urnaespecie de piscadela, no interior de determinado ambiente'":" essaspiscadelas, referencias silenciosas e ocultas a ourros artistas,presentes ou passados, afirmam nos e pelos jogos da distincao umacumplicidade que cxc1ui 0 profane, sempre votado a deixar escaparo essencial, ou seja, precisamente as inter-relacoes e as interaccesdas quais a obra nao passa do vcstigio silencioso. Nunca a propriaestrutura do campo esteve praticamente tao presente em cad a ato

de producao.

Esse modelo irnpoe-se, atualmente, com uma clarezaparticular porque, em virtude da unificacao quase perfeita do campoartlstico com sua hist6ria, cada ate artistico que faz epoca aointroduzir uma posicao nova no campo desloca a serie inteira dosatos artlsticos anteriores. Pelo fate de que toda a serie dos golpes

pertinentes esta presente praticamente no ultimo, a semelhanca doscinco algarismos ja discados no aparelho telefonico estfio presentesno sexto, urn ato estetico e irredutfvel a qualquer outre ato situadoem outra fila na serie: alias, a pr6pria serie tende para a unicidade ea irreversibilidade. Assim, se explica que, con forme observa Marcel • No original, milieu.

Me-A Produciio de Crencs

,....0'-

Pierre Bourdieu

Page 42: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

o paradoxa de Bern, a artists:sera que a arte pode dizer a verdade da arte?

"A situacao novo realista, a situacao pop, e a situacaoDuc h amp (... ). 0 que procuramos e urna situscio pas-Duclutmp. Urna siwar;ifop6s-Duchamp s6 pode ocorrcr quandonos darnos conta da situacao e tentamos modifica-la" (... ). "EmMozart, a novidade e qlle era 0 bclo: em Wagner, a novidade eque era 0 bel a quando ele surgiu (... ); na arte, a novidade e quee belo (... ). Todos os quadros, sem excecao, em urn salonpretendem dizer 'Olhern para rnim, por gentileza' ... ji que saodifercntes uns des outros. Entao. certo dia, pediram-rne urnquadro em uma cxposicao de grupo (... ). Entao, (... ) escrevi:'Olhern para mirn, por gentileza, nao olhem para as outros'(... ). Ha urn que diz: "Iodos os guadros sao azuis', OutTO queIala: 'Melhor do que isso: cnquanto voce fez urn trace, ell nernprecise Iazer traces'. Um outro que diz: Ainda melhor do queisso: face uma merda qualquer em madeira'. 'E rnelhor do queisso: nao faco absolutarnente nada'. 'Entao, 0 que e que eupoderia fazer melhor do que nada? Mato todos as especradores'.'Ainda melhor do que isso, Iaco explodir 0 planeta'. Trata-se delima coisa impossivel de fazer ( ... ). A arte e urn jogo demegalomania: quero ser sempre 0 melhor (... ). Aperceberno-nos de que, para sennas mais fortes do que os outros, ternosque ser menos fortes. Aperceberno-nos de que, para sermos osmaiorcs, convern que nao sejamos grandes. Porque todo 0

rnundo quer ser grande (... ).0 que existe em uma obra de arte?Ha madeira, entao, utilize madeira. Hi chassi, entao, colocochassi. Ha tela, entao, utilizo tela. Hi pintura, entao, usopintura. Ha cor, cntao, utilize cor. Mas, cxiste tarnbem 0 artista:ent ao, coloco 0 artista. Ha sua mae, suas aliancas. suasinfluencias, a ideologia, a politica, 0 pais. Hi tudo. Utilizei tudo.Ha scu ciume, suas amblcoes (... ).0 que e interessante e dizer,uma vez que se conseguiu tudo 0 que esra na arte tracada naparcde, urna vcz que se conscguiu tudo 0 que esta na arte

Gesto: DIZERA VERDA DE. 1971

rracada na parcde, e olhar para ela: mas, agora, qual c a parteque deve ser modificada para mudar a arte, para contribuir comalgo, porque nunca questionei a nccao de belcza, de criacfio(... ). Para fazer a\go de novo, deve-se evitar de fazer algo deIIOVO; mesmo assirn, e para Inzer algo de novo que nao convent(azcr algo de novo, nao ha duvida (... ). Quando alguern c artista,nao pode deixar de ser artista, E isso 0 que me intercssa (... ).Nao e possivel que alguern consiga modificar-se, eis 0 mea culpaquc cnviei para Roma sob a forma de autocritica. Isso elamentavel porque eu nern deveria ter participado da exposicio."

(Entrcvista televisiva de Bell Vaurier, 1975)

-rQ

A Produciio dn CrcncaV')o-Pierre Bourdieu

Page 43: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

Tarnbern a irredutibilidade - operada pelo artista - dotrabalho da producao a fabricacao nunca apareceu de maneira taoevidente. Em primeiro lugar, porque a nova definic;ao do artista e dotrabalho artlstico aproxima 0 trabalho do artista do trabalho dointelectusl eo torna, mais do que nunca, tributari6 dos comentariosintelectusis. Critico, mas tambem chefe de escola (no caso, porexemplo, de Restany e dos novos realistas) ou companheiro deidentificar a criarao com a introducao de disdnciss, perceptlveisunicamente aos iniciados, em relac;aoa formas e f6rmulas conhecidaspor todos. 0 surgimento desta nova definic;ao da arte e do oficio deartista nao podera ser compreendida independentemente dastransforrnacoes do campo da producao artfstica: a constituicao deurn conjunto, sem precedentes. de lnstltulcoes de registro,conservacao e analise das obras (reproducoes, catalogos, revistasde arte, museus que expo em as obras mais modernas, etc.), 0

aurncnto do pessoal dedicado, em tempo completo ou parcial. acefebraraoda obra de arte, a intensificacao da drculacao das obras edos artistas, com as grandes exposicoes internacionais e arnultiplicacao das galerias com rmiltiplas sucursais em diversospaises, etc., tudo contribui para favorecer a instauracao de umarelacao sem precedences, analogs aquela que conhecem as grandestradicoes esotericas, entre 0 corpo dos interpretes e a obra de arte.De modo que sera necessario tornar-se cego para nao enxergar.queo discurso .sobre a obra nao e. ull! _~i.l!!P.lesacomeanhamenJ9,~~s~i.~~o ~ fa~?!e~.e~s.u.~.apr~~sao e~p!~~~~~~. up. m0!l1.~~toda producao da obra, de seu sentido e de seu valor. No entanto,~.-. .~,-..... - .... -...- .' - ...._. __ .-,bas tara citar, uma vez rnais, Marcel Duchamp:

«: Para voltar a seus ready-made, eu julgava que R. Mutt,

assinatura da Fountain, era 0 nome do fabricante. Mas. em urnartigo de Rosalind Krauss. Ii 0 seguinte: •R. Mutt, a pun onthe Germsn, Annul, or poverty'. Com 0 titulo 'Pobreza', 0

senti do da Fountsin teria sido total mente diferente.

A Produciio de Crettcs t-o-

empresa de louca sanitaria. No entanto, a palavra Mort eramuito parecida: entao, inventei Mutt porque, nessa epoca,cram publicadas, diariamente, hist6rias em quadrinhos como titulo Mutt andjef, conhecidas por todo 0 mundo. Portanto,desde 0 Infcio, havia urna ressonancla. Mutt, um gordinhobrincalhao, ejef, urn magro hem alto ... Eu queria urn nomediferente. E acrescentei Richard .. Richard, nome apropriadopara urn mict6rio! Veja 56. 0 contrario de pobreza ... Mas. nemera isso, somente R.: R. Mutt.

- Qual seria a lnterpretacao possfvel para a Roue de Bkydette[Roda de biciclcta]? Sera que se pode ver nisso a integracaodo movimento na obra de arte? Ou urn ponto de partidafundamental. a exemplo dos chineses que inventaram a roda?

- A unica inrencao dessa maquina c a de me dcsernbaracar daaparencia da obra de arte. Tratava-se de uma fantasia. Eu nema chamava de 'obra de arte', Eu pretendia acabar com a vontadede criar obras de arte, Por que rnotivo as obras devern serestaticas? A coi sa - a roda de blcideta - existia antes da ldeia.Sem intencao de coloear isso em evidenda, nem querer dizer:'Fui eu quem I1z isso e. antes de mim, ningucrn ainda haviafeito tal coisa', Alias, os originais nunea ehegaram a servendidos.

- E 0 livro de geometria exposto as intemperics? Sera que sepode dizer que havia a ideia de integrar 0 tempo no espaco?Ao brincar com a expressao 'geometria no espaco' e com apalavra 'tempo'. chuva ou sol, quem viria transformar 0 livro?

- Rosalind Krauss? A moca ruiva? 1550 nao e verdade, Podedesrnentir, Muttvem de Mott Works, nome de uma grande

- Nada disso ... do mesmo modo que nao havia a ideia deintegrar 0 movimento na escultura. Isso nao passava de umaforma de humor. Apenas humor e s6 humor. Para denegrir aseriedade de um livre de princlplos".

Nesse depoimento, apreende-se, diretarnente desvelada, ainjec;ao de sentido e valor operado pelo cornentario e o cornentariodo cornentario - para 0 qual. por sua vez, contribuira 0 desvelamento,

-00-. Pierre Bourdieu

Page 44: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

no rncsmo tempo, ingenue e libertine, da falsidade do comcntario.A ideologia da obra de arte inesgotavel, ou da Ieituts como re-criacao,dissimula, pelo quase desvelamento que, muitas vezcs, se observanas coisas da fe, que a obra e bem feita nao duas vezes, mas cern,mil vezes, por todos aqueles que se interessam par isso e encontrarnurn beneficio material Oll simb6lico em le-la, classifica-la. dccifra-la, cornenta-la, reprcduzi-la, critica-la, combate-la, conhece-la,POS5l1l-la. 0 enriquecimenro acornpanha 0 envelhecimcnto quandoa 01>1'<1 chcga a cntrar no jogo, quando se torna 1I1l1 dcsafio c, assim,incorpora lima parcela da energia produzida pela Iura da qual C 0

objcro. A luta, que remere a obra para 0 pass ado, e tarnbern 0 que Ilhe garante urna forma de sobrevivencia: arrancando-a ao estado deleua marta, de simples coisa do mundo votada as leis comuns do Icnvclhecirnento, ela garante-lhe, no rninirno, a eternidade triste do!debate acadernico. 92

UI11erro de estirnativa do preco de custo signiflcava a pcrda de quinze francos parexemplar, 0 editor foi obrlgado a ceder a operacao a 11111confradc." (DEMORY, B. "Lelivre it l'agc de l'industrie" in Llispnnsion, outubro de 1970. P: 110). Oeste 1110do,compreende-se rnelhor que Jerome Lindon possa congracar os sufnigios, ao mesrnotempo, do grande editor comercial e do pequeno editor de vanguarda: "Um editor,com urna equipe e despesas fixas reduzidas, pode viver plenamente impondo suapersonalidade. Isso exige dele uma disciplina bast ante estrita porque se encontraimprensado entre 0 equillbrio financeiro a ser assumido e a rentacso do crcscimento.Admire profundamente ]Crome Lindon, diretor das Edicions de Minuit, por rerconseguido manter esse diflcil equilibrio ao longo de sua vida de editor. Sou be fazerprevalecer 0 que ele amava e nada mais do que isso, sern se deixar distrair 110decorrerdo tempo, Ternos necessidade de edirorcs como ele para que surja 0 nC'l1'Oromance,ITl~Srambem c precise editores como eu para refletir as facet as da vida c da crincfio"(LAFFON'J; R. Editcur, Paris, Laffont, 1974. p. 291-292). "Era a cpoca da guerra daArgelia e posso dizer que, durante Ires aIlOS,vivi como um militanre do EL.N. [N'"Sigla de Front de Liberation Nstionsle (Frente de Liberracao Nacional), movirnentoargelino que assurniu a insurreicao dos nacionalistas durante a Guerra da Argelia (1954-1962). cr. Le Pcnc Larousse illusco: Paris, 2000], ao mesmo tempo que me torneieditor. Como diretor de Editions de Minuit, jerome Lindon - que, para mirn, nuncadeixou de ser urn exemplo- denuuciava as torturas" (MASPERO, F. "Maspero entretous les Ieux" in Lc Nouvel Observateut; 17 de serernbro de 1973).6. Esta analise que, prioritariamenre, se aplica as obras novas de autores deseonheeidose valida rambem para as obras irreconhecidas ou desdassificadas e, ate mesmo, clsssicss,que podem sernpre ser objeto de "redescoberras", "reapresenracoes" e "releituras" (dai,o grande mnnero de producces Iilosoficas, literarias, teatrais inclassificaveis, cujoparadigma Ca encenacao vanguardlsra dos tcxros tradicionais).7. Nao c um acaso SC 0 papel de csucio que incumbe ao /Il,1/(/J,7I1d de arte e,particularrnente, visivel no dominie da pintura em que 0 investimcnro "econornico"do cornprador (0 colecionador) e, incomparavelmente, rnais lmponante do que emmateria de literatura ou, atc mesmo, de tcatro, Raymond Moulin ObS(,1'1'3que "o conrraroassinado com urna galcria irnportante tern valor comercial" e que 0 mnrchnndc, paraos arnadores, 0 "fiador da qualidade das obras" (MOULIN, R. Le Mard/(jdc 1,1pcintureen France, Paris, Ed. de Minuit, 1967. p. 329).8. E evidente que, segundo a posicao ocupada no campo da producfio, as 3\OCS devalorizacao podern variar desde 0 rccurso abcrro as ti'cnicas publiciuirlns (publkidadena imprensa, caralogos, erc.) e as pressoes economicas e sirnbolicas (por exemplo.sabre os juris que distribuern os prernios ou sobre os criticos) ale a recusa altaneira eum tanto ostensiva de qualquer concessao a urna epoca que pede ser, afinal de contas,a forma suprema da irnposicdo de valor (acessivel somcnre a alguns).9. A representacao ideol6gica transligura funcoes reais: 0 editor ou 0 marchand, queconsagra 0 essencial de seu tempo a essa atividade, e 0 unico que tern a possibilidadede organizar c racionalizar a difusso da obra que - sobretudo, ralvez, para a pintura-cum ernpreendimento consideravel, pressupondo inforrnacio (em relacao aos localsde exposicao interesssntes, sobretudo, no exterior) e recursos materials. Mas sobretudo,ele e 0 unico que, atuando como interrnediario e ecran, pode l'erl1lilir que 0 produrormantcnha urna represenracao carlsrnatica, ou se]a, inspirada e "dcsinteressada", desua pes so a e de sua atividade, evirando-lhe 0 contato corn 0 mercado c dispensando-odas rarefas, ao mcsrno tempo, ridiculas, desrnoralizantes e ineficazes (pelo meuos, doPOlltO de "ista simb6Iico), associadas a I'alariza~iio ue sua obra. (I: prM:\rel que 0

NOt8S e Refercncias Bibliograflcas

I. "1.:1production de la croyance. contribution Ii unc economic des biens syrnholiqucs"in Ilcr,'s de 1.1recherche ell sciences sociales. n" 13, Ieverciro de 1977. p. 3-43. Traducdode Cuilhcrrne Joao de Freitas Teixeira, revisao tecnica de Maria ciaGrara lacinrho Set ton.2. I~().G.(Prcsidenre Direror-Geral) da Editora Presses de la Cite.3. Prcprictario de Editions R. Lnttont.

'I. Daqui em diante, as aspas indicariio que sc tram de "economia" no sentido rCS!1irode economici smo.5.0 grJlldeedi{(lr, a semelhanca do grande l1JarChJ11d, associa a prudencia "econornica"(muitas vezes, e escarnccido POI'sua gestae de "pai de familia") a audacia intelectual,disrlnguindo-sc asslrn daqueles que se condenam, pelo rnenos, "economicarucnrc",porque ernpenharn a mesma audacia ou a mesma desenvoltura no negocio comcrcial e110einpreendimenro inrelecrual (sem falar daqueles que combinarn a irnprudenciaeconornica com a prudencia artlstica: "Urn erro em rclacao ao pre\o de custo ou ittiragcm pcdera deseneadear uma verdadeira catastrofe, ainda quc as vcndas sejamexcelentes. Quandojean-jacques Pauverr iniciou a reimpressao do Li{C!l?(I'IT: Trata-sedo monumen tal Dicioruirio ds lingua li'a11CeS3 (4 vol urnes e I su plemento; 1863- I873),dirigido por Emile Lime (180 I-I 881), lexicografo [ranees e membro da AcademiaFrancesa. cr. Pequeno Dlcionsrio Enciclopedico, Koog,1I1 Larousse, Rio de janeiro,Editora Larousse do Brasil Ltda., 1987). 0 neg6cio anunciava-se belli auspieioso emr:1zao do l1ull1ero inespel'ado de subscritores. Mas, no I~n~amenlo, I01'1l0U-SCclaro que

oc11f'rodll(:ifo d.1 Crenr,' 0-c-

ri(~rre }1f1"rd/ell

Page 45: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

oflcio de escritor ou pintor, assirn como as represenracoes correlaras. fossern total mentediferentes se os produtores tivessem de garantir por si mesmos a cornercializacao deseus produros c se depcndessem, diretamente, em suas condkoes de existencia, dassancoes do rnercado ou de instanclas que se Iimitam a conhecer e a rcconheccr taissancoes, como as editoras "cornerciais").10. ;"queles que, a est as analiscs, nao deixarao de opor a represcntacao irenica dasIl'Ia\ocs "coufrarcrnais" entre produtorcs, conviria [ernbrar facias as fonnas deconcorrencia desleal, das quais 0 p/;fgio (rnais au menos habilmcntc dissimulado) nfiopassa cia mais conhecida e vislvel: au, ainda, a violenda- toralrnente simbolica. e clare- lias agressocs pclas quais os produrorcs visam dcsacreditnrscus concorrerucs (nfiosc rode dcixar de mcncionar a hisroria recente da pintura que fornece inumcniveiscxemplos - llll1des mais tipicos, para citar apenas pcssoas j:l Ialecidas, Ioi a relacfio('I)([C Yves Klein e Piero Manzoni).

II. Estas analises prolongam, especificando-as, aquelas que haviarn sido proposras,n;io so a respeito da alta costura em que as implicacoes economicas e. ao mesmotempo, as estrategias de denegacao sac multo rnais chamativas (cf. BOURDIEU, P.eDESAULT, Y. "Le couturier et sa grifTe: contribution a une theorie de la magle" inAaes dc 13recherche en sciences sociales, n" I,janeiro de 1975. p. 7-36), mas tarnberna proposito da Iilosofia: ncsre caso. a enfase c colocada na contribuicao dad a pelosinterprercs e comentarisras ao reconhecirnento como re-irreconhecirnenro da obra (cr.flOURDIEU, r "Lontologie POlili4UCde Martin Heidegger" in Acres de .'a rechercheell sciences socisles, n" 5-6, novembro de 1975. p. 109-156). Em vez de splicar s1101'05 campos o conhccimcnto das propricdades gerais dos campos que, cventualmente.pudcssem ter sido csrabelccidas alhurcs, aqui, trata-se de tentar elevar, a urn II/I'el1I1:II<J! J,' ".IjJ/i(j£,lf-aO e li('lIeralidade, as leis invurisntes do Iuncionarnento e mudancadll'< C.1Jl1jJ(''< de tuts pclo ccnfronro de varies campos (pintura, tcatro, liieratura,jornnlismo) ern que, ror razoes que podem referir-se, seja a natureza dos dadosdisponiveis. seja a propricdadcs cspecilicas, as difcrcntcs leis nao se manifestarn coma rnesma clareza, Esta tentativa opoe-se tanto ao forrnalismo teoreticista que e seuproprio objero, quanto ao cmpirismo idiografico, votado a acumulacio escolastica deproposicoes refuraveis.12. Entre uma infinidade de afirrnacfies, eis alguns exemplos: "Conheco urn pintorcom qualidade no que diz respcito ao oflcio, materia, etc., mas 0 que faz e, para mim,totalrnente cornercial; ele mantem uma fabricacao, como se fizesse paezlnhos (... ).Quando os artistas se tornam muito conhecidos, quase sernpre, tern tendencia a sedcixarern arrastar pela fabricacao em serie" (trecho de enrrevista de um diretor degaleria). Muitas vexes, a (mica garantia de convic(ao oferecida pelo vanguardismo esua indiferel1~a pelo dinheiro e seu espirito de contesra~50: "Para ele, 0 dinheiro naoconta: aJem, ate mesmo, do servi~o publico, ele cOllcebe acullura como um instrumentodc conrcsta~ao" (BAECQUE, A. de. "Faillite au thearre" in L'£lpansion, dezcmbro de1968).13. Para perll1aneCerlllos dclltro dos IIrnites da informa~30 disponivel (fornccida pelabdissima pesquisa feita por GUETIA, Pierre. Le TM;irreec son public, mimeografado,Paris, Ministerc des affaircs culturelles, 1966, 2 vols.), dtamos apenas os tealros levadosern considera~ao por esse cstudo. Em 43 teatros parisienses (excillindo ossubvencionados), recenst'ados em 1975 nos jornais especializados, 29 (ou seja, 2/3)ofereccm t'spet3culos que tem aver claramente com 0 tearro de bulevar; 8 apresentarnobras ciassicas ou neutras (no sentido de "nao marcadas") e 6, situados na ril'e gaudle,apreselltalll obras que podell1 ser consideradas como pertencentes ao teatro intelectual.

14. Aqui, como no decorrer do rex to, "burgues" c uma estenografia de "fracocsdominantes da classe dorninante" quando 0 termo e utilizndo como substantive ouquando e adjcrivo "estruturalmcnre associ ado a tais fra(oes". Por sua I'CZ, "inrclcctual"fundona da rnesma forma para "Iracoes dorninadas da c1asse dominante",15. 0 estudo da distribuicao da clientela entre os diferentcs tcatros conflrrna esrasan.iliscs: em uma cxuernldado, 0 TEp, que recruta pcrio da metadc d(' sua clicntela nasfra~oes dominadas da classe dominnntc, companilhn scu publico COllios QUIros rcatrosinrelectusis (TNP, Od'YJn, Weux Colombicr. AC/II?nec); na outra extrernidade, os teatrosde bulevar tAruoine, l':uJtires), cujo publico c cornposro quase 50% por diretores I"

t'X~CIIIivos classc II e I'or silas eSl'osas; cnu C os dois, u COII/,(di/' kill!".,,:,,' ,. 11 ii/din"Iazem troca" de cspccradorcs COIlltodas as outras sales lit' icauo.IG. Uma analise mais flna revelaria urn cerro nurnero de oposicoes (sob os difcrenresaspectos considerados mais aclma) , no amago do tcatro de vanguarda ou, ate mcsrno,do tcatro de bulevar. E assirn que urna leitura atenta das estatlsticas de Ireqiienciasugere que e possivel opor urn teatro burgues "chi que" (1'he.irre de Pnris,Ambsssadeurs, que apresentam obras - Comment reussir en aflaireset Photo-Iinish,de P. USIinov, elogiadas por Le Fig,lro de 12/02/1964 e 06/01/1964 - e ate mesmo,em relacao ao primeiro reatro mencionado, por Le Nouvel Observateur sie 05/03/1964) que acolhe urn publico de burgueses culros, ern sua maioria, parisienses, eassiduos Irequentadores do teatro, e urn teatro burgues, de prefcrcncla, "grandepublico", que aprcsenra espetaculos "parisicnses" (Michodiere- La preul'e psrquatre.de Felicien Marceau; Antoine- Mal): Mal); Varieres- Un honunecombte, de]. Deval),criticados COIllviolencia (0 primciro por Le Nouvel Observsteuroe 12/02/1964; e osoutros dois par Le Figaro de 26/09/1963 e 28/12/1964) e acolhe urn publico maisprovinciauo, incnos habirundo a Ircqiientar 0 reatro e mais pcqumo-burgues (osexecutives da c1asse media c, sobretudo, us artesaos e comerciauu-s sac os rnaisrcpresentados). Apesar de nao ser posslvel verificar estaristicarnente (3 semelhancado que j~ foi tentado em relacao a pintura c a llteratura), tudo parecc indicar que asaurores e os arores dessas diferentes categories de teatros se opoern sempre segundoos mesmos principios. Assim, em 1972, as grandes vedetes das pe(as que fazern sucessonos tcatros de bulevar (quase sempre pagas tambem com uma porcentagern da receita)poderiam ganhar ate 2.000 francos por noire, e os atores conhecidos ae 300 a 500li-31lCOSpor representacao: enquanto isso, os stores da Comcdie li'alJf:U:"e (soclos, socioshonorarios e pensionistas), menos bern pages por representacao do que as arristas-cstrela dos tearros privados, beneficiam-se de Ulll salario mensal fixo ao qual seacrescentam complerncntos para cada rcprcscntacao e, em relacao aos socios, umaparcela do lucro anual que varia segundo a antigiiidade. Por sua vex, os atores daspequenas salas da ril'e gauche esrao votados a instabilidadc do elllprego e aremunera~6es eXlrcmamente reduzidas.17. cr. DESCOTES, M. Le Public de thifarrccc son hJ~~t(lire, Paris, PU.f'., 1964, p. 298.Esse genel'D de caricatlll'a l1aoseria tao freqiiente nas proprias obras (('atrais (estamospensancio, por exemplo, na parodi a do lIouveau rOllliln ern Haure-fide/ire de MichelPerrin, 1963) e, ainda mais, nos escriros dos criticos, se os aurores burgueses naoli\'cssem a ccneza de encomrar a culllpliddade do publico burgllcs quando, aoaccnarcm suas COlllascom as autores de vanguarda, cles rraxem seu reror<;o illte/ecru,,/aos burgue.<esque se scntem desafiados ou condenados relo re.1Iro Jiue/erlllil/.

18. DORIN, F.op. cit. p. 4719. Ibid. p. 158

ooPierre Bourdieu A ProdUfiio da Crenfa o

Page 46: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

20. Ibid. p. 79. 10121. Ibid. p. 10122. Ibid. p. 6723. Ibid. p. 6824. Ibid. p. 80. 8525. Ibid. p. 27 c 6726. Ibid. p. 3627. Para fornecer lima ideia do poder e pregnancia de tais taxinomlas.vejamos UI11socxcmplo: sabc-sc pela pcsquisa csrarlstica sobre os gostos de classe q\le as I'fcferrnciasdos intelcctu.use ao« b/lrgllesesporlem organizar-se em torno da oposiclo entre Goyac Renoir; ora. tendo sido lcvado a dcscrever os destines contrastanres de dU.1Sfilhns dezclador de predio - uma, votada a 'casar-se na area de service'. cnqu<lnlO a outra setornou proprieraria de \1111'setimo andar COIllterrace' -. Francoise Dorin compara aprimeira a urn Coya e a segunda a urn Renoir (cf. DORIN. E Le TourJlJJ1(.op. cil. p.lIS).

28. III Le Fig.7rode 27 de marco de 1964.29. In l.c Figaro de 15 de Ievereiro de 1964.30. In l.e Figaro de II de marco de 1964.31. Ibid. p. 2732.jean Dutourd que. durante muiro tempo, foi cdtico de Frsnce-Soir. Iala ainda COIllmais clarcza: "Procurer em [aneiro, its oiro horns da noire, atraves das viclas cobertasde neve, a Maison de /,7 Culture de Nanterre, Courneuve, Aubcrvilliers, Boulognc,rrata-sc de 11/11;\tristcza sem nome. T.11ifOmais que. de anrcmfio. sabcmos o quc noscspcra: nfio uma Iesra, urn espetaculo charrnoso represcntado por pessoas sagazcs,mas exatarnenre 0 conrrario, a saber: algum lugubre patronato laico, uma pepsimploriarnente progressista. gaguejada por amadores, urn publico de pequenu-bu rgueses c comunistas do pedaco, escurando COIl1boa vontade, mas poucodescontraido no entreato" (DUTOURD,J. Lc Psrsdoxe du critique, Paris, Flammarion,1971. p. 17). (A estatlstica fornece urna base obictiva a relacao, percebida pela polemicsburguesa, entre teatro de vauguarda - ou seja, do suburbio ou da rive gauche - epublico pequcno-burgues e suburbano - i. e .. de esquerda e da rive gauche os operarios,conrrarnestres e agentes tecnicos - que represenrarn 4% so mente do publico dos teatrosem seu conjunto -. os empregados e os exccutivos da classe media; por ultimo. osprofessores nfio se distribuern ao acaso entre os diferentes teatros) Mesma intencao,guiada unicamente pela intui~ao social, entre aqueles que entendem lembrar que. seos rnuseus sao acessiveis nos protessores, sornente as pessoas "chiques" frequentama~ gaicrias.

\ ;33yao se compra urn jornal, mas urn principio gcrador de totnadas de posicao definidoI>or uma cert a posietio dlstintlva em urn campo de principios gerador esinstitucionalizados de rornadas de posicio: e pode-se afirmarque urn Icitor ira scnrir-sc tanto rnais cornpleta e adequadamente identificado quanto rnais perfeita for a110111010giaentre a posidio de seu jornal no campo dos orgaos de imprensa e a posi~aoql1e ele proprio ocupa no campo das classes (ou das fra~6es de classe). fundamellto doprincipio gerador de suas opinioes.34. A analise da distribui~ao de ciienfela confirma que France-Sairse encontra bastanteproximo de L'Auror(', que Le Figaroe L'Expressestao a uma distancia quase igual de

todos os outros tLe Figaro inclinando-se, de preferencia, para Frsncc-Soir; enquantoL'Express se volta para Le Nouvel Obscrvatcnn; e que. finalrnentr-, Lc ,l{olJde e LeNouvel Observnteur forma m um ulrirno conjunto.35. as executives do setor privado, engenheiros e profissionais liberals distinguem-sepor urna taxa rnedia de leitura global e por uma taxa de leitura de LeMulJdenilidamelHe1T13isclcvada do que os cornerciantes e os industrials (os prlmeiros pcrmanccemmaisproximos dos industrials pelo peso das lcit uras de baixo nlvcl .. n.71J<"l'-S,)ir.L'Aurnrc-no conjunto de suas lciruras, e, iambem, por uma forte taxa de leitura dos 6rgaos deinfonnacao economica. tais COIllOLes Echos, Intormetion, Entreprisc; cnquanto osultimos aproxill1a/l1·sc dos profr-ssorr-s por sua taxa ell' kiltl, 1 dc 1 c' 1\"'111"('1Oh'<f'fr,71('(Jrj.

36. GUILLEMINi\UD. Gilbert. ill L/1l1rorede 12 de janeiro de 1973.37. Gi\UTIER.jean-jacques. in LeFi/protie 12 de janeiro de 197138. KANTERS. Robert. in l/Exprcss tu: 15-21 janeiro de 1973.39. DANDREL. Louis. in Ze Mondec« 13 de janeiro de 1973.40. Essa arte da conciliacao e do compromisso alcanca a virruosidadc cia arre pcla nrtccom 0 jornalisra de La Croix, cuja aprovacao incondicional e acornpanhada porconsidcracao tao sutilmente articulada, porlitores em duplns-ncgacocs, por rnarizcsem reservas e correcocs a si rncsrno, que a concillstio oppositorum final. tauiugcuuamente jesuitica - "fundo e forma", segundo ele -, parece quase cvidente: "LcTourtuuu, COIllOja disse, parcce-me uma obra admiravel, considerando scu fundo eforma. Convent que sc diga que cia ira enraivecer urn born uumero de cspectadores,Posicionado, por acaso, ao lado de urn supporraincondicional da vanguarda, pcrcebidurante 100la a rcprcscntacao SU.1 colera eurustida. NCIIl (lor isso tilll a rondusfio deque Francoise Dorin fui injusia etn rclacio a certas pcsquisas rcspeir;il"cis·· ate I1ICSIllOse esras sfio, muitas vezes, enfadonhas - do tcatro conrernporanco (...). E 51.' a conclusaoda pe~a - tal alusao i: leve - cornemora 0 triunfo do 'Bulevar' - ernbora de Ulll bulevarem si mesmo de vanguarda - e porque, precisarnente, urn mestre C0l110Anouilh ja sehavia colucado, h:i muito tempo, como guia na encruzilhada desscs dois caminhos"(V1GNERON.jean. in Ls Croix de 21 de janciro de 1973).41. PIEltnET. M. in Lc Nouvel Observsteurae 12 de fevereiro de 19(,·1.a 1'1oposito deL.1preuve per quntrcce Felicien Marceau.42. TESSON, Philippe. inl.e Carnrd enchalnesu: 17 de marco de 19~3.'13. A logica do funclonamento dos campos da producao de bens culturais como camposde luta que favorecern as estrateglas de distincao Iaz COI11que os produtos de seufuncionamcnto, qucr 51.' trate da criacao de moda ou de romances, cstejam predispostosa funcionar diterencialmentc, C0l110insrrurnentos de distincao. 1'111prirnciro lugar,entre as fra~6es, e. em scguida, entre as classes.44. POclel110Sdar credito aos critieos mais rcputados por sua coufrn midade CUIllascxpccrativas de seu publico quando clcs garnntcrn que, al6111de nuncn sc idcntificarcmcom a opiniiio de seus leitores, muitas vezes, chegarn a combate-la, Assun, [can-jacquesGautier (GAUTIER.J.-j. Thcitre d'sufourd'hui, Paris.julliard, 1972. p. 25-26) afirmaCOIl1jusreza que 0 principio da efiC;\cia de suns criticas reside nao ell1ll111ajllstal11cl1todel1lagogico ao publico, mas em um acordo objerivo quc, entre 0 critico e 0 publico.I'crmire uma perfeira sinceridade, illdispcns:ivel tambclll para sCI,7(J"(''/ir;I!/''.l'l1rtanro.elicaz.·IS. Nesrc aspecro, entre os dois polos, a simerria niio e perfeira: alem disso. as

~ Pierre BOIJrdieu A f'rodurao da Crel/(ar...,o

Page 47: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

intelectuals no scnrido habitual (ou se]a, grossomodo, os produtores que produzem-principal me me - para outros produrorcs) podem ignorer; mais facilmcnte. as posicoesoposras, embora - pc\o rnenos, como contraste e testemunha de um csrado"ultrapassado" - estas orienrern ainda negativamentc 0 que elcs desiguam por sua"pesquisa".

·16.In l.e Figaro de 11 de dezernbro de 1963.'17. Siurando-se na mesma poskao em uma estrutura hornologa que cngcndrn asrucsmas csrrntcgias, A. Drouant. 0 mnrchendae quadros, denuncla os "bomheiros deesquerda, os falsos genies para quem a Ialsa originalidade faz as vczcs de talcnto"(Galerie Drouanr, Cuslogue, 1967. p. 10).·18. E inrci cssantc que, segundo a obser va~ao de Louis Dnnrirel ein sua critica sobre Lc7i'lIr1!JII[, cssas cstrarcgins ate cutfio reservadas as polemicas Illosofico-poluicas doscnsaisras politicos, rnais diretarnente confrontados com uma crltica objetivante, Iacamhoje sua apari(ao no palco dos teatros de bulevarlugares por excelencia da segurancac tranquilidade burguesas: "Repurado terrene neutro au zona dcspolitiz ada. 0 rearrode bulcvar ar ma-sc para defender sua intcgridade. A maior parte das pccas aprcscntadasncsrc inicio de temporada evocam ternas politicos ou sociais aparentemente exploradoscomo se fossern molas quaisquer (adulteries e outras situacoes) do mecanisme imuuiveldo csriio romico: ua peca de Felicien Marceau, servicais sindicalizados: ern Anouilh,pel'islas; nos rextos de toda a genre. jovem geracao liberada" (in Le Mondeiu: 13 dejallcill1 de 1973).0 faro de que, scgundo e mosrrado muito bcm por I.c TOllm,11/{, a"1'(ISi,aOl'lHre rciaguarda e vanguarda, forma eufemisrica da oposkao enuc dircira ecsqucula, seja vivida sob a cspccie da oposicdo eurrc 0 rnoderuo (quem-vive-com-scu-tempo) ('0 uhrapassado, au seja, entre os [ovens e os vclhos, indica que a inr]lrieta(;ioripaz de su scitnr cssas cstratcgias defensives introduziu-sc por inrcrmcdio tla gcra\~ojwcru, du crruucntc aringida pclas translonnacces do modo de rcprcducao em vigor.·19. 'Trara-se ai de lima cspecie de talento que difarna 0 novo cinema, 0 qual imiraneste porno a nova litcratura, hostilldade Iacil de compreender, Quando Ulna <liteI'rf'ssnpfir dererminado mlenro, os impostores fingem menosprcza-lo, achaudo-odcrnasiado :\rduo; os rncdiocres cscolhern as vias rnais accsslveis (CHAUVET. Louis.in Le Fig,7{ode 5 de riezembro de 1969),50. "Urn filrne l1ao e digno do 1101'0 cinema se 0 tenno 'contestacao' nao Iigurar naexposicio dos motivos. InJiquernos corn precisao que, 110casu concreto, ele lIao siguificanhsolutamente nada"(CIIAUVET, Louis. in l.c Fi[Ji/rode 4 de dezernbro de 1969).51. "Niio sera vcrdadc que, alern de acurnular as rnais grossciras provoca~ocs crotico-rnasoquistas anullciadas pelas rnais enfaticas profissoes de fe Hrico-metafisicas, seu"razer consiste em vcr a I'seudo-il}(e1ligelJ(sia parisiensc desrnaiar diallte dessassordidas banalidadcs?" (ll., C. in Le Fig,1rode 20-21 de dezcmbro de 1969).52. "Niio c dessc jcito quc sc c illforlllado, Illas trata-se dc algo que sc scntc ... Eu naosabia exatamente 0 que estava fazendo, Existem pessoas que enviam inforlTla~oes,mas cu lIao sabia disso (... ). A illforrna~iio e sentir vagamente, ter vontadc dc dizer ascoisas c encontr;\-Ias ... Trata-se de IUTI momao de pequenas coisas, de sentilllcntos e!Iao de infonna~oes" (Entrevista concedida par urn pilltor),53, GAUTIER, J.-J. op, cit. p, 26. Os editores tern, igualmente, plena cOlisciencia deque 0 sucesso de urn livro depcnde do lugar de lall~arnento: sabern 0 que e c nao c"feito para clcs", alern de observarem que tallivro "que era para elcs" (por exemplo,Gallirnard) foi inn fracasso em outro cditor (por cxcmplo Laffont). 0 ajustamcnto

entre 0 autor eo editor, em seguida, entre 0 livro C 0 publico e, assim, 0 resultado deuma serie de escolhas ern que inrervern sernpre a imagem de marca do editor: e, emfuncao, dessa irnagern que os autores escolhcm 0 editor que, por sua vez, os escolheern fun~iio da ideia que ele proprio tern de sua editora; por sua vez, os leitores, naescolha de um autor, fazern intervir tarnbem a irnagern que tern do editor (por exemplo,"Sao dificcis as obras lancadas por Minuit'), 0 que contribui, scm duvida, para explicaro fracasso dos livros dcslocsdos. E esse mecanisme que leva urn editor a nfinnar, comjusreza, o scguinte: "Cad a editor e 0 rnclhor em sua catcgoria",

54. Conta-se que [ean-jacques Nathan (leia-se, Editora Fernnnd Nathan), conhecidopor ser, antes de tudo, urn gestor. define a atividade editorial como urn "oflcio altamenreespeculativo": com efcito, as vicissitudes sac imensas e infima a possihilidade derccuperar os gasros quando se cdita urn cscritor jovem. Urn romance que nao obtemsuccsso consegue Ulna vigencia (a curto prazo) que po de ser inferior a trrs sernanas:em scguida, sac os cxcrnplares perdidos. rasgados ou dcrnasiado sujos para seremdevolvidos, e os que voltarn encontrarn-se no est ado de papel sern valor. EIIl casu desucesso medic a curto prazo, urna vet. subtraidos os gastos de Iabricacao, as dircitos deauror e a despesa com a difusao, sobra it volta de 20% do preco de venda ao editor CJuedcve arnortizar as nao-vendidos, financiar scu cstoquc, pagar as dcspesas Iixas cimpostos. Mas, quando um livre prolongs sua carreira para alern do primeiro ano ecntra no "accrvo", ele consritui urn "capital de giro" que fornece as bases de umaprevisao e de urna "politica" de investimeutos a longo prazo: como a primeira rc\i~iioamort iz.a as despcsas fixas, 0 livro pede ser reimprcsso (om I'rc~os de custocousidcravclrucme rcduzidos c, assirn, gainnre reccitas regularcs (direras C rarnbemdircitos anexos: traducoes, edicoes em livro de bolso, venda pela relcvisro ou cinema)que pennitem financiar investirucntos dc maior ou mennr risco '1Ul', rm sua vet;garanlcrn, a prazo, 0 aumcnro do "acervo".55. As exrensoes bastanre desiguais da duracao do cicio da producao Iazcm com que acornparacao entre os balances anuais de diferentes editoras nao tenha sentido: 0 balanceannal da uma idela tanto rnais inadequada da situacao real da empresa quanto maisafasiados estivermos dos empreendirnentos de rapida rotatividade, ou seja, it rnedidaque a parcela dos produtos de cicio longo cresce no conjunro da ernpresa. Com efeito,tratando-sc, por cxcrnplo, da avaliacao dos estoques, pode-se levar ern considcracao,seja 0 prcf:o de fiJbric.1f:iO, seja 0 preco de vends; aleatorio, se]a a preco do papel: Essesdiferenres modes de avaliacao aplicarn-se de forma bastante desigual ja que a situacacdas editoras "cornercinis", para quem 0 estoque volta rapidarnente ao estado de papelimpresso, i: diferente das cditoras para quem ele constitui urn capital que teude aalcan~ar urn valor cada vez rnais elevado.56. Seria necessario aoesccntar 0 caso, que nao pode ser mostrado no diagrama, dofracasso puro c simples, ou seja, de Ulll Godar, cuja carreira teria sid" intl'rTornpida 110

filial de 52, dcixando urn balan~o forternctlte deficit:irio.57. Entre os irwestimenros seguros a cuno prazo, e necessario COlllar t3rnbcrn comtodas as estratcgias editoriais que permitcUl c.rp/orar U/JI acerl'o Iccdi~oes, e claro,Illas igualmentc a publica~~o de livlos em formato de bolso (por exclIlplo, lIa editoraC,1I1imard, a (ole~ao Folio).58. Apesa( de ser impossivel pretender ignolar a efeiro dofuna-corque tende a prOOuzirem todo campoo fato tie que as diferentes estrutura~oes possiveis (aljui, por exernplo,segundo a antiguidade, tamanho, grau de vanguardismo politico e/ou est<'tico, etc.)nunca coincidern pcrfcitamcntc, ocorre que se pode, sem duvida, collsiderar 0 peso

."..oV)o

rit:rre nOllrdiell A Prodllf:iio d,1 Crellp

Page 48: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

relative dos empreendimentos a longo prazo e a curto prazo como 0 principio dominantede estrururacao do campo: sob esse aspecto, e posslvel observar a oposkao entre aspequenas editoras de vanguarda - Psuvert, Msspero; Minuit (as quais podcrlamosacrescentar Bourgois, se este nao ocupasse uma posicao arnblgua, tanto no planocui rural, quanto no plano econornico pclo faro de sua liga~ao a Presses de Is Ciee) - eas grandes editores, tais como Laffont, Presses de la Ciee, Hachette. Por sua vez, asposicoes interrnedidrias sao ocupadas por editoras, tais como Flsmmntion (na qual secncontram, lado a lado, colecoes de pesquisa e publicacoes coletivas por encomenda);Albin Michel, Caimsn-Levy, antigas editoras de tradiriio, mantidas por herdeiros que,ern scu patrimonio, encontram uma forca e urn freio; e, sobrerudo, Grasset, antigagrsnde editor», arualmenre englobada no imperio Hschette; alern de Gallimard, antigacditora de vanguarda, tendo alcancado na atualidade 0 apogeu da consagracao, quercunc UIIIempreendimcnto voltado para:t sestao do acervo C outros empreendimcmosa longo rrazo (cuja possibilidade de exisrencia se deve a acumulacao de urn capitalcultural, ou seja, 0 Chemin, Bibliotbeque des sciences humilines). Quantoao subcampodas editoras vol tadas, preferencialmente, para a producao a longo prazo - portanto,para 0 publico intelectusl -, ele se polariza em torno da oposicao, por um lado, entreMasperoe Minuie (que represents a vanguarda em via de consagracao) e. pOI'outro,Gelllmsrd, situada em poslcao dominante, Le Seuil, que representa 0 lugar neutro docampo (<1semelhanca de Gallimsrd, cujos autores, como veremos, csrao rcprcsentadosna lista dos best-sellets e, igualmente, na lista dos besc-sellersintelecluais, constitui 0

lugar neutro do campo em seu conjunto). 0 dominie prarico desta estrutura que orientaiambem, por exemplo. os fundadores de urn 6rgao de imprensa quando eles sentemque "existe urn lugar a ser ocupado" ou "visam os segmentos de mercado deixadosvagos" pelos meios de expressiio existenres, exprime-se na visao rigorosamenteiopologica do [ovem editor, Delorme, fundador da editora Edieiolls Galilee, que lemacucontrar seu lugar "entre as Editions de Minuit, Msspero e Le Seui!' (afinnacoesrelatadas por JOSSIN,J. in L'E.\pres.~, 30 de agosto - 5 de setembro de 1976).59. E bern conhccido no "mcio" [No original. milieu] que odiretor de urna das maiorescdiroras lrancesas niio Ie, praricarnente, nenhum dos manuscritos que publica; alemdisso, passa seu tempo em tarefas de pura gestae (reunioes do comire de fabl'ica~iio,encontro com os advogados, com as diretores das filiais, erc.),

60. De faro, seus arcs profissionais sac atos inteleaunis analogos a assinarura demanifestos literarios ou politicos, ou de petlcoes (com, em suplernenro, alguns riscos- basta pensar, por exemplo, na publicacao de La quesrion) que Ihe rendem asgratificacoes habituais dos intelectusis (prestigio intelectual, enrrevlstas, debatesradiofonicos. erc.).6 I. Robert Laffont reconhece essa dependencia quando, para exp!icar a diminuicao donurnero de traducoes relativameute as obras originais, invoca, alern do aumento dasoma dos adiantamcntos devidos aos direitos de traducao, "3 influencia determinanteda rnidla, particularmente, da televisao e radio, na prornocao de urn livro": "Apersonaiidade e a elocucao natural do autor constituem um elemento de peso na escolhadessa rnidia e, ponamo, na expecrativa do publico. Neste dominio, os autoresesrrangeiros, com exce~ao de alguns monsrros sagrados, sac naluralmenredesfavorecidos" ( \t7ent de parai{re, Boletim de infonna~ao das Editions Raben Laffol1(,n' 167, janeiro de 1977).62. Ainda aqui, existe convergencia enrre 16gicacultural I' 16gica "economica": como edemonstrado pelo que se passou com as Edi{ions du PaJ'Ois,um premio literario padeser cataslr6fico, de um ponto de vista estrilamente "economico", para uma pequena

cditora que esta iniciando sua atividade e, de repente, e obrigada a enfrcntar os enormesinvestirnentos cxigidos pela reirnpressao e difusiio, em grande ruuncro, do livropremiado.63. Isso e visivel de rnaneira partkularmente clara em materia de teatro: 0 mercadodos classicos ("as marines dassicas" proposras pel a Comedic franraise) obedece a leisbem particulares pelo fato de sua dependencia em rela~ao ao sistema de ensino.64. A mesma oposkao se observa em todos os campos. E Andre de Baecque dcscreve,assim, a oposicao que, em sua oplnlao, caracteriza 0 campo do teatro, entre os "homensde neg6cios" e os "rnilitantes": "Os animadores de teatro sao pcssoas de toda a cspecie,Tern em comum 0 seguintc: em cad a criacao, arriscam quase sernpre Ulll importanteinvestimento de dinhciro e talento em um mercado imprcvislvel. Mas a semelhancafica por ai: suas motivacoes sao cxtraidas de rodas as ideologies. Para UIIS,0 teatro elima espcculacao semelhante 3S outras, mais pitorcsca talvez. mas a service da mesmaestraregia fria em que se rnlsturarn tornadas de opcoes, riscos calculados, finals demeses dificeis, cxclusividades negociadas, as vezes, acima das frontciras. Para outros,rrata-se do veiculo de uma mensa gem, ou 0 instrumento de uma missao. As vezes, urnmilitante chega mesmoa fazer bons ncg6cios ... "(BAECQUE, A. de. op. cit.)65. Sem chegar ao ponto de transformar 0 fracasso em uma garantia de qualidadecomo pretende a visao polemica do escritor burgues: "Agora, para sei bern-sucedido, enccessario sofrer fracasssos. 0 Iracasso inspira confianca, enquantn 05uce5SO parecesuspeiro" (DORIN, F. op. cit. p. 46).66. Todas as citacces sao extraidas de uma entrevista concedida por Sven Nielsen,P.D.G. da cditora Presses de le Cite, in PRIOURET, R. L3 Fmnce ," 1f'II1,lII,1liemenr,Paris, Denoel, 1968. p. 268-292.67. Este texto de Jerome Lindon sobre Samuel Beckett, dado it csrampa in Cahirrs del'Herne, em 1976, foi escriro originalmente para uma colet:inea em horncnagcm aodrarnarurgo. publicada por John Calder, I'm ingles, por ocasiao da at rihlli~:in do premioNobel, em 1969.68. "Ai de mim! Lirnlro-rne a reproduzir, concertando, adaptando, "que vejo e ouco,Que faha de sorte! Oque vejo e sempre lindo, 0 que ouco C, quase scmpre, divcrtido.Vivo no meio do luxo e da espuma de champagne" (DORIN, F. 01'. cir. p. 27). Niio h:lnecessidade de evocar a pintura de rcproducao, encarnada arualmeurc pelosimprcssionistss, que, segundo se sabe, fornecem todos os best-sellers (exceto aMonalisa) aos editores especializados na reproducao de obras de arte: Renoi r (Lajeunefille sux Ileurs, Le Moulin de la Galecte); Vall Gogh (L'eglise dJlUl 'Us); Monel (Lescoquelicors); Degas (L:uepetition d'un bailer); Gauguin iLes parS,71111CS) - informacoesobridas junto a Carreriedo Louvre, em 1973. Em relacao aos livros, igualrnenre, cstarnospensando na irnensa producao de blografias, mem6rias, tcsternunhos que, de Lsttonta Lsttes, de Nielsen» Orban, oferecem aos leitores burgueses uma "vivencia" alrernativa(por exernplo, na editora Laffonr, a colecao I'ecu r"vivencia"]- com "rnemorias" deMmc Emile Pollack ou Mrne Maurice Rheirns, do juiz Batigne ou de Marcel Bleustein-Blanchet - Oll UII bomme et SOil mecicr["Um homern c seu oflcioI).69. Tanto na litcralura como alhures, os produtores emlempo comrleto (c, a (onion;os produtores para prod mores) estao lanse de possuir 0 monop61in da produ~ao: em100 pessoas mencionadas no Who's Whoque produziram obras literarias, ulllllumerosuperior a urn rer~o C nao-profissional (14% de industriai~, I 1% dt' funcionarios deescalao superior, 7% de medicos, etc.) e a parcela dos produtores elll lempo parcial eainda maior no dominio dos escritos politicos (43%) c de cultura !!"Ial (48%).

'Dot-oPierre BOlJrdieu A ProdlJrao d.1 Crcnp

Page 49: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

---"""1.

70. Entre esses ultimos, ainda podedamos distinguir, por um lado, aqucles quechcgararn a atividade editorial com urn projeto propriamente comer cia} - tais comojean-Claude Lanes que. tendo comecado por ser assessor de imprcnsa na editora uffon(pen sou seu projeto, na origem. como uma cole~30 (Edition speciale) da editora ondetrabalhava, ou como Olivier Orban (alias. ambos apostam. de salda, nas narratlvas porencomenda) - e, por outro, aqueles que. depois de dlversas tentativas mal-sucedidas,sc contcntaram com projetos "alimenrares", tais como Guy Authier au Iean-PaulMcnges.

71. A mesrna 16gica faz com que 0 editor-descobridor esteja sempre arneacado de versilas "descobcrtas" dcsviadas par editores mais hem Insralados ou mais consagrados,que ofcrcccm seu nome. uororiedade e inRuencia sobre os juris de prernios 1,·lerarios.alcm tb publicidade e dlreiros de au lor mais e1evados. ,

72. Par orasi~ao a galeria Sontubend, que congrega pintores jovens (0 mais v~lho tern50 anos), embora ja relativarneme reconhecidos, e a galeria Durand-Rue/que exp6esornente pintores celebres e j.i falecidos. a galeria Denise Ren~- que se mantem nesreponte particular do espaco-rernpo do campo artlstico em que os Iucros, normalmenteexclusives, da vanguarda e da consagra~ao chegam, durante um ins tame. a se adicionar- acurnula um conjunto de pintores j.i fortemente consagrados (abstratos) e um grupode vanguarda ou de vanguarda anterior (arte dnetlca), como 51! tivesse conseguidoescapar, durante um lapse de tempo, a dialetica da dislin~ao que arrasta as escolaspara 0 passado.

73.11 oposicao estabclecida pel a analise entre as duas economias nao implica nenhumju lgamenro de valor. em bora cia nunca se exprima nas luras comuns da vida artlstica,a nao ser sob a forma de julgamentos de valor; alern disso, apesar de todos os esforcosde distanciamento e objctiva~ao. ela corte 0 risco de ser Iida atraves das viseiras dapolemica. Como j:i foi demonstrado alhures, as categorias de percepcio e apreciacfo(por exemplo, obscure/clare ou faeil. profundo/superficial, original/banal. etc.) quefuncionarn no terrene da aile saa oposicoes de aplica~ao quase universal fundadas -em ultima analise, por intcrmedio da oposkao entre raridade e dlvulgacio, vulgarizacao,vulgaridade, entre unicidade e rnultiplicidade, entre qualidade e quantidade - naopcsicao, propriarnente social. entre a etite« as messes, entre os produtos do elite (oude qua/idad!!) e os produros de mssss.74. Este efeito e perfeitamente vislvel na alta costura ou na perfurnarla em que asempresas consagradas so padem rnanter-se durante varias geracoes (como Caron ouChanel e. sobrerudo, Gucrlain) mediante uma polftica que visa perpetuar artifidahnentea raridade do produro (os "contratos de concessao exclusiva" limitam os pontes devenda a locals, por sua vez, escolhidos por sua raridade: lojas dos costurelros de grandepresrlglo, perfumarias dos bairros chiques, aeroportos). Como 0 envelhecimento e.aqui, sinonirno de vulgarlzacao, as anrigas grandes marcas (COIY, Lsncome, IHmh.Mo/)neux, Bourjois, erc.) fazem uma segunda carreira no rncrcado popular.75. ESlamos bem cientes do que pode haver de arbitrario em caracterizar uma galeriapelas pinturas que ela deu!m - 0 que conduz a assimilar os pinlOres que ela fez esegura com aqueles do~ quais ela possui somente algumas obras sem ter seu monop6lio.o peso relalivo clessas duas categorias de pintores~, alias, muito variavel segundo asIlalcrias e, sem duvida. permiliria eSlabelecer uma dislin~aa, fora de C]ualquNjulgarncnro de valor. entre ga/erias de venda e galerias de escola.

76. Tudo leva a supor que a clientela das galerias apresenta caraclerfsticas hom6101l3sas dos pill10res 4ue elas expoem: as galerias de v3nguarda. tais como Temp/on,

Sonnsbcnd e Lsmbert (dU3S das quais situadas na rive gaudw) que cxpocm aextremidade avancada da vanguarda, ou seja, dos pintores [ovens, cuia notoriedadenao vai alern do clreulo das pintares e crfticos proflsslonais, 56 vcndem a urn bemreduzido numero de colecionadores proflsslonais, em sua maior pane est rangciros, erecrutem seu publico entre os pintores e inre/ectlIaisque Ihes servern de companheirosde estrada, crltlcos de vanguarda e professores universltarios marginais. A~ galerias darive droite tem •• em duvlda. dois publico!. corrcspoudentes is duns catcgorlas deprodutos que elas oferecem: por um lado, grandes colecionadores muito afortunados,unicos a terem condkoes de comprar as obras dos pintores mais consagrados do seculoXIX; c, do outre, burgueses rnenos afortunados e menas cultos, medicos e industrialsda provincia, que ficam plcnamcntc sarisfchos com a mancira cnnonica c a tCllIalicaconvencional dos pintores academicos, sobretudo, quando eSlao acornpanhadas pela"garantia preto e qualidade", segundo a expressso utilizada pelo cal:1logo da CaleriaDrousnt, oferecida pelas grandes galerias tradicionais.

77. E evidente que. como jUoi demonstrado a1hures. a "escolha" entre os investimentosde risco. segundo a exlgencla da economia da denegacao, e 115 aplicacoes seguras dascar rei ras temporals (por exemplo entre anista e artista-professor de desenho ou entreescriror e escriror-professor) nlio e independente da origem social e cia propensao paraenfrentar os riscos que esta induz de uma forma mais ou menos racil, em confonnidade(om a confianca inspirada par ela.

7B. cf. Pcintres fi8urarifSconremporains, Paris. Gaferie Drouant, 4' rrimestre de 1967.

79. LIIFFONT. R. 01'. cit. p. 302

80. Ibid. p. 216

RI. Menos de 5% dos intetccrusis que rem obtido sucesso intclea 1/,71 se cncomrnmtainbcm no conjunto dos autorcs de best -sellers (e todos clcs sao aurorcs nltnmcurcconsagrados, rais C0ll10 Same. Simone de Beauvoir, Soljenitsyne, erc.).R2. No caw dos aurores de Minuirou de Lsfiont; trata-se da fra~ao (rcspecrlvamcnte,os 4/5 e 1/2) que Indicou 0 endereco,

83. Urn dos traces distintivos dos membros daAC3demie GoncouITCOnSi51e em suaelevada taxa de provincials (quase 50% contra menos de I/S de membros cia Acsdemietrsncsisee autores da editora uffont, e 1/3 de autores de Editions de Minuic). Os quernoram em Paris, estso disrrlbuidos pelos bairros onde residem os mernbros dasacademias.

84. Podernos, assirn, formular a hip6tese de que 0 acesso aos indlcios socials da idademadura - que e, ao mcsma tempo, condi~iio e efeiro do aces so ~s posicces de poder -eo abandono das praticas associadas a irresponsabiUdade adolescents (das quais fazempane as praricas culturais - ou, ate mesmo. politicas - "vanguardisras") devem sercada vez mais precoces quando passamos dos artistas para os professores, destes paraos profissionais liberals e destes para os parroes; ou. se quisermos, podemas fonnulara hip6tese de que os membros da me sma faixa etana biol6gica - por excmplo, 0 conjuntodos alunos das Grandeseco/es[NT: Instilui~oes de en sino superior, illdependcmes do~istema univcrsilario, que recrutam por concurso· e se destinam ~ formar ns elilesinlelecluais e dirigcntes da na~iio.J - tern diferentes idades socia is, marcadas pordifercnles arributos e condutas simb6licos, em fun,aodo futuro ahjcli\'o ao qual ~iiodl'slillados: 0 eSludame da Ewlt: des Be:w.I'-Arrstem 0 clever de scr In~is jill'em do queo !lormalien [NT: Estudame de uma Escola Normal que forma os professores para 0

en sino fundamental on superior.) que, ror sua vez, devcra ser mais JOI'1'1II do que 0

<XloPierre Bourdieu A Prodll(fio d.7CrCIl(., 8

Page 50: BOURDIEU, Pierre. Modos de Dominação. O Costureiro e sua Grife, a contribuição para uma teoria da magia, A Produção da Crença

\'• 1·_·

estudanre da Ecole po;;'rechnique ou da ENA (NT: Sigla de Ecole n6rionaled'adminisrration: estabeledmento publico que recruta per concurso e se destina a(ormar os executives do escal~o superior da admlnlslra~w publica na FraiJ~a. Par suavez, a Eco/~polyr«hniqu~ reagrupa vUias {aeuldade! na 4ft! das ci~nciu exatas.] Deacordo com a mesma logica, seri. necesArto anallsat. rela~oenue os soos no Interiorda fra~lo domlnante da dasse dominante e. de fonna mals precisa, os erellos nl divinodo trabaJho (parrkularmente, em materia decultura e de ute) da posi~o de dominante-dominado que lncumbe is mulheres da burguesia e que as aproxima rellltiVlm~nredos [ovens burgueses e inte/«tuais, predispondo-as a urn papel medisdor ~",rr ISfrar~sdominanteedomin;lrtJ (aliAs,papel desernpenhadopermanentemente ifr elas,em particular, atraves dos salons). •

85. RENE, Denise. Apresenra~iio in uta/ogue du IerSa/on intemetionst des df.teri~spilotes, Lausanne, Musee Cantonal des Beaux-Am, 1963. p. 150. -,

86. A critica universid.ria dedica-se a discuss Des sem fim sobre a compreensiio eexrensto desses falsos conceitos que, na maior parte das vezes, nlo passam de namesque Idenrificam conlumes prideo!, laiS como os plmores agrupados em uma eXposi~omarcante ou em urna galtria consagrada. ou os escrhores publicadas na mesma edltora(e que nlo valem nem mais nem menos do que as associa~~s camodas do tipo "DeniseRene e a arte abstrata geomerrlca", "Alexandre lolas e Max Ernst", ou, ao lado dospintores, '~rman e suas Iixeiras" ou "Christo e suas embalagens"). E quantos conceltosda critica liter~ria ou picrural n50 passam de um.designa~ao "erudita'' de sernelhantesconjunros pr.ttlcos (par exemplo, "literatura objeral" em vez de "nouveau roman" eesrc emvcz tie "conjunro dos romancistaseditados por Edirionsde /lfinui(')?

87. Tal e 0 fundamento da homologla entre a oposi~iio que se estabelece no campoentrea vanguarda e a relaguarda, por urn lado. e, por OUllO, a oposi~ao entre as fra~~s

:- da c1asse dominante: enquamo a apropria~lo das obras de vanguarda exlgeum graumais elevadode capital cultural do que de capital eeon6mico e. portanto, oferece-se depreferenda is fra~Oesdomlnadas. a apropri~io das obras consagradas exige uma somamais elevada de capital economlco do que de capital cullural e, portanto, e mais aeessfvel(sempre relativamenre) as fra~Desdominantes.88. as gostos podem ser "datados", por referenda ao que era 0 g05tOde vanguarda nasdi (cremes epocas: «:A fotografiaesla ultrapassada, - Par que mctlvo? - Porque j' nlofSta na moda; porque esd. associada ao conceitual de dois ou tres anos atris". "-Quem e que pcderia dizer 0 segulnte: quando observe urn quadro, nao me Interessepelo que ele represent a? - Atualmente, corresponde ao g!nero de pessoas pouco cultasem arte: trata-se de uma dedua~lo tipica de quem nao tern nenhurna id~ia a respeitoda arte. Hi vinte snos, nem sel mesrno se ha vinte anos, sent que os pintores abstrarosteriam Jl.l?ferido tal afirma~lo? Naocrelo. Trata-se exatamenre do tipo que e ignoranree afinn!~lJo sou urn imbecil, oque conta e que isso e lindo" (Pin lor de vanguarda, 35anos).89. Entrevista reproduzida in VH IOi, 3, ourono de ]970. p. 55·61.

90. E a rulio pel a qual seria Ingenue pensar que a rela~ao entre a amigiiidade e 0 graude acessibilidade das obras desaparece no caso em que a logica da distin~iio induz urnretorno (rnantendo urn cerro distanciamento) a urn modo antigo de expressao (comoatualrnente se passa com 0 neodsdsismo, 0 novo resllsmo ou 0 hiper·re:Jiismo).91. Este [ego de piscadelas, que deve ser represent ado de forma r~pida e com muitan3rurillidad~, exclui. de rnaneira ainda mais impiedosa. 0 frac3ssadoque executa urn

ol'icrtc Bourdieu

..---:---,..,.--- ...•...•. -.~.--- ._ ~. __ • _,._ •• _ .~ ••• _ •• _~ , •••.••••••• Jo •••••• ••

genero de golpes sernelharue ao dos OUIrOS. mas.em conrratempo - em geral, tardedemais -, e cai em rodas as armadilhas, engracadinho desastrado vorado a servko davalori%a~Io daqueles que, apesar dele ou sem que 0 saiba, 0 consideram compadre, amenos que, compreendendo final mente a regra do jogo, ele venha a transformar seuestarutc de fracassado ern eseolhae tome 0 fracassosistemdrko em UIII psnidoss: Istico,(A prop6sito de urn pintor que ilustra perfeirarnenre esra rrajet6ria. urn outro afirrnade manelra adrnlrdvel. '~nte5, cle n10 passava de urn pimor ruin: que desejava serbern-sucedido: agora, executa um trabalho a parrir de um pintor ruim qlle deseja scrbern-succdido. Entao, tudo bem".)92. Scria nccessdrio mOSICar0 que a economla da obra de arte COIlIOcaso lilllile. cmque e possivel observar com mais clareza 05 mecanismos de dellega~:io e scus efeitos(e n50 como excf~iio as leis da econornla), traz a compreensso das pr:\lieas cconomicashabltuais em que se iJOpOetambern, com rnalor ou rnenor forca (como i: tcsternunhadopelo recurso a urn conjunto de agcnres simbolicos), a nccessidndc de dissimular :Iverdade nua e crua da Iransa~iio.

,4 Prodtuio d. Cn'!1(il