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Tem dois mil anos e este ano abre os braços aos jovens. Tirámos o pulso a Braga e a cidade temmesmo um novo frémito: sacode o peso dos séculos, areja ideias feitas e olha para a frente sem esquecer o passado. Será para durar? Andreia Marques Pereira (texto) e Adriano Miranda (fotos) [Revista 'Fugas', 10/03/2012, pp. 4-11]
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Tiago Freitas
Toronto Adega Victor Horta Chiado 16 Camélias Peugeot RXH
Pedro Tamen, o poeta das amendoeiras e a sua Arrábida
Legado, um vinho estratosférico para o adeus simbólico de Fernando Guedes
Aos 2000 anos, Braga olha o futuro com olhos de juventude
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FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
4 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
CapaBraga
Na Capital Europeia da Juventude o futuro faz-se à sombra de DeusTem dois mil anos e este ano abre os braços aos jovens. Tirámos o pulso a Braga e a cidade tem mesmo um novo frémito: sacode o peso dos séculos, areja ideias feitas e olha para a frente sem esquecer o passado. Será para durar? Andreia Marques Pereira (texto) e Adriano Miranda ( fotos)
Não planeá-
mos abordar o centro histórico de
Braga pelo Arco da Porta Nova, mas
o certo é que acabamos por fazê-lo
e é difícil não ver aí um certo sim-
bolismo — sentimo-nos como se só
então chegássemos verdadeiramen-
te à cidade. E é inesperado sermos
saudados no coração da cidade,
as “arcadas”, por música de José
Afonso, mas é ela que atravessa o
ar, cortesia da CGTP e do carro ali
estacionado contra o aumento do
horário de trabalho. Em poucos mi-
nutos passamos da memória histó-
rica ao presente pragmático, uma
dualidade com que Braga convive
tão naturalmente que, apesar de ter
mais de dois mil anos de idade, é Ca-
pital Europeia da Juventude (CEJ).
Braga acompanhou a evolução
dos tempos. A cidade que foi ca-
pital da Galécia romana, capital
dos suevos e sede de bispado que
chegou a rivalizar com Santiago de
Compostela chegou, quase sem se
dar por ela, a terceira cidade por-
tuguesa. Pelo meio, viajou pela
história ao sabor dos caprichos dos
seus bispos, verdadeiros senhores
da cidade: cresceu medieval dentro
de muralhas, quis ser um epígono
de Roma já no Renascimento e aos
17 séculos de idade fez uma opera-
ção plástica barroca. À sombra de
Deus, portanto, não por acaso o
nome da colectânea que nos anos
1980 revelou Braga como um caso
de estudo no panorama musical por-
tuguês. “Temos uma herança muito
ligada à religião, associada à ideia de
um certo conservadorismo”, nota
Francisco Quinta, 23 anos, “mas há
coisas diferentes, pessoas empre-
endedoras”. “E as coisas começam
a surgir em equilíbrio, harmonia”.
Não é difícil perceber que Braga
tem um novo frémito: de sacudir o
peso da idade, arejar ideias feitas e
conquistar o futuro. Um futuro que
vai recordar 2012 como o ano em
que Braga — população: 180 mil
FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 5
6 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
CapaBraga
Braga tem 180 mil habitantes, dos quais 85 mil são jovens — 17 mil alunos da Universidade do Minho
habitantes; jovens: 85 mil, incluin-
do os 17 mil alunos da Universidade
do Minho — foi Capital Europeia da
Juventude.
Não é um evento consensual, con-
tudo (quase) ninguém lhe passa ao
lado. Mesmo apontando-lhe falhas.
Uma coisa parece certa: sendo um
dos motes desta CEJ a formação, o
empreendedorismo e a inovação dos
jovens, estes parecem já fervilhar
em Braga. À margem de quaisquer
efemérides. E sentem-se na rua.
É difícil ser desalinhado Percebe-se que há algo de diferen-
te na cidade enquanto se caminha
naquela que é uma das maiores
áreas pedonais do país (e sempre
a aumentar), que envolve parte do
núcleo histórico — a zona a que a As-
sociação Comercial de Braga chama
de “o maior centro comercial ao ar
livre do país”. Há lojas, bares, res-
taurantes — alguns embrionários,
outros instalados, outros a mudar.
E nos neófi tos e nos convertidos há
traços comuns que saltam à vista:
cuidado extremo no design e proxi-
midade para com os clientes.
É assim o Caff é Noir, um clube de
jazz e de chá, cheio de mobiliário
antigo e objectos mais ou menos vin-
tage. Aqui, o grande orgulho são os
scones, receita da avó, mas custaram
a entrar nos hábitos da cidade onde
“o bolo de arroz é o habitual”, iro-
niza Eduardo Gonçalves, 32 anos, o
proprietário. “É complicado ser de-
salinhado em Braga, é difícil inovar”,
avalia, não sem alguma amargura
— e ele até inovou: os seus menus
em braille foram os primeiros em
Portugal, segundo a ACAPO — mas
também com determinação: nado e
criado aqui, sentiu que “precisava
de fazer algo pela cidade”.
Há sete anos a viver em Braga,
Helena Gomes, 32 anos, também
decidiu inovar: há oito meses abriu
o primeiro hostel de Braga, o Pop,
com o namorado. A ideia começou a
germinar com as suas andanças pelo
couchsurfi ng, desenvolveu-se com a
sua insatisfação profi ssional (é vete-
rinária) e ganhou impulso com a CEJ.
“Íamos abrir de qualquer forma, a
capital apenas alterou os timings.”
Não existia nada do género, Braga
é uma cidade jovem e com poten-
cial turístico. “Em tempos de crise
pensamos: o que vou fazer para sair
dela?”. “Vou criar negócio.”
Se Braga está a mudar, está a fazê-
lo, desta vez, sem interferências de
poderes organizados. “É a iniciativa
privada”, dizem todos, que está a
mexer com o status quo. Ainda que a
centenária Brasileira continue a ser
um dos pontos favoritos de encon-
tro —e porque não? É central e foi
renovada. O mesmo se espera que
aconteça com o centro histórico. A
renovação já começou, a todos os
níveis, mas os seus protagonistas
e observadores esperam mais. “É
porque gostamos de Braga que so-
mos tão críticos”, afi rma Alexandre
Fernandes, 36 anos, designer de co-
municação. Viveu durante um ano
no centro histórico de Braga e nota
o movimento, ainda que tépido, de
regeneração, uma das bandeiras
da CEJ, que aposta em atrair jovens
para o habitar. Há edifícios em recu-
peração, uma nova zona de bares…
E também o lado da moeda que só
os habitantes entendem: as rendas
são altas, o barulho pode ser dema-
siado, não há estacionamento.
É difícil agradar a todos e nesse
aspecto também Braga não é uma
cidade pacífi ca. Helena Gomes já
percebeu a dinâmica. “As pessoas
daqui são altamente críticas”, consi-
dera, “os hóspedes vêem uma Braga
diferente. Gostam da cidade, do seu
valor patrimonial e histórico, e da
vida que sentem.” Alexandre con-
cordaria: “Braga é uma boa cidade
para visitar, para viver não é para
todos.” O turismo agradece as con-
tradições: elas fazem o charme da
cidade. Por todos os que enchem de-
votamente as ruas durante a Semana
Santa, há aqueles que, por exemplo,
torcem o nariz a uma visita ao Bom
Jesus, porque o reduzem ao turismo
religioso, e depois se lhe rendem.
A Sé de Braga e a movidaQuem chega por poucos dias difi cil-
mente não se encanta com a mistura
constante entre antigo e moderno,
profano e sagrado, enquanto ca-
minha pelo centro que se dá a co-
nhecer a pé ou de bicicleta (ainda
são poucas, mas vimos várias para
alugar). Passamos por lojas locais
e por franchises, encontramos Pra-
da e Miu Miu na montra da Janes
e, mesmo em frente, a barbearia
tradicional Fernando Matos. As pa-
ramentarias abundam (afi nal, aqui
nunca estamos muito distantes da
próxima igreja — e até há a nova
capela Árvore da Vida, no Seminá-
rio Conciliar de Braga, na mira de
prémios de arquitectura) e o Café
Lusitana vestiu-se de novo.
A famosa pastelaria Frigideiras do
Cantinho tem agora a companhia da
sensação bracarense, a Spirito Cup-
cakes & Coff ee, com o seu lounge
na praceta, quase ombro a ombro
com a Igreja dos Coimbras. A Casa
dos Coimbras, monumento nacio-
nal com janelas manuelinas, é ago-
ra um dos bares de fi m-de-semana
mais procurados, e a Casão Rolão,
imóvel de interesse público, acolhe
a livraria Centésima Página, referên-
cia da cidade.
A Sé, essa, tornou-se centro de
uma nova movida, que se estende
pelas ruas circundantes. O res-
taurante japonês Hocho já é uma
referência, mas nas imediações
encontra-se cozinha regional,
O Bom Jesus é mais do que um santuário — o complexo e as suas escadarias não deixam os visitantes indiferentes
FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 7
A zona em torno da Sé de Braga tornou-se agora um dos centros da vida nocturna mais jovem da cidade minhota
SAIR À NOITE
Minimercado MavyRua do Alcaide, 35 Awww.minimercadomavy.blogspot.comHorário: De segunda a sábado, a partir das 22h.
Estúdio 22Rua Dom Paio Mendes, n.º 22Tel.: 253053751 E-mail: [email protected]ário: De segunda a domingo, das 8h à 01h.
BarcodeRua do Anjo, 90AE-mail: [email protected] Horário: De 2ª a 5ª das 21h às 2h; 6ª e sábado das 21h30 às 2h30.
DE PASSEIO
Casa Grande Chocolatier(chocolates artesanais, cafetaria)Rua Dom Gonçalo Pereira, n.º29Tel.: 915122059 E-mail: [email protected]ário: Sempre das 9h às 19h30.
Spirito Cupcakes & Coff ee(cupcakes, bolos, gelados, bebidas de café, cocktails)Largo S. João do Souto, 19Tel.: 253268374 E-mail: [email protected]ário: 2ª das 14h às 19h; de 3ª a 5ª das 10h às 19h; 6ª das 10h às 19h, das 21h às 24h; sábado das 14h às 19h, das 21h às 24h.
O Mercado da Saudade(produtos portugueses: mercearia, papelaria, artesanato…)Rua D. Paio Mendes, 59Tel.: 253 051 965www.facebook.com/mercadodasaudadeHorário: De 2ª a sábado das 10h às 19h.
Pedro Remy(cabeleireiro/bar/jazz)Rua Gualdim Pais, 40ªTel.: 253 610 300E-mail: [email protected]ário: De 2ª a 6ª das 10h às 13h e das 15h às 20h; sábados das 9h às 13h e das 15h às 19h.
Centésima Página(livraria)Avenida Central, 118-120Tel.: 253267647 www.centesima.com Horário: 2ª a sábado das 9h às 19h30.
Caxuxa (vestuário, acessórios, lifestyle)Rua do Farto, n.º7 Tel.: 253 260 581/ 968 674 797E-mail: [email protected] www.caxuxa.comHorário: De 2ª a 6ª das 10h às 20h; sábado das 10h às 13h e das 15h às 20h.
CUSP – Centro Utopias Sonhos Projectos(livros, discos, CD, galeria)Rua Nova Santa Cruz, 236 Tel.: 253251554/ 932804423 E-mail: [email protected]
Boémio(tapas)Largo do Paço, 18-21Tel.: 253615509 De domingo a 5ª das 15h à 1h; sexta e sábado das 15h às 2h.
Caff é Noir (jazz e tea club)Rua D. Afonso Henriques n.º33
ESPAÇOS CULTURAIS
Projéctil(bar, exposições, cinema, música, workshops)Travessa da Rua dos Caires, 39Maximinos, BragaE-mail: [email protected] www.projectil.info
Aenima(bar, plataforma de intervenção social e cultural)Rua do Alcaide, n.º 41 Cividade, Braga
ONDE DORMIR
Hotel Bracara AugustaAv. Central, 134Tel.: 253 206 260Fax: 253 206 269E-mail: [email protected]ços: Desde 59€ (quarto duplo com pequeno-almoço).
Braga Pop HostelRua do Carmo, 61, 3.ºTel.: 253 058 806/ 963 453 175E-mail: [email protected]://bragapophostel.blogspot.comPreços: Desde 17€ (época baixa); 18€ (época alta) em camarata.
8 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
de autor e vegetariana, há vários
wine bars e bares de tapas, a Casa
Grande Chocolatier é um oásis re-
tro, Pedro Remy corta cabelos ao
som de jazz. Mesmo no Rossio, é o
profano que domina, entre têxteis,
artesanato, recuerdos, restaurante,
loja gourmet, cafetaria, Steve Jobs a
espreitar de um “authorized reseller
Apple”. Foi aqui que Rafael Olivei-
ra, 33 anos, abriu com a mulher em
Outubro passado o Mercado da Sau-
dade — à porta, um mupi de “azule-
jos” dá o tom da loja de “produtos
portugueses de qualidade e estética
cuidada”. Mais tarde, estudantes
polacos em visita de intercâmbio
têm os azulejos na memória e os
do Convento do Pópulo são imper-
díveis. Entre pasta dentífrica Cou-
to e compotas biológicas, Rafael
mostra-nos o Rossio da Sé, o jornal
mensal que criou para divulgar não
só o espaço mas toda a zona “aban-
donada durante muito tempo”. De
há ano e meio para cá, diz, há uma
“nova pujança”.
Instalou-se em Braga há 10 anos e
de então para cá viu muito mudar.
Três anos antes chegou Rui Ferreira,
40 anos, agora seu vizinho da frente,
no Estúdio 22. Radiologista, decidiu
abrir um café-bar-galeria faz um ano
em Abril e não se arrependeu. “Foi
um risco calculado, sabia que a zona
estava a crescer.” Entre os ocasionais
turistas, tem um público fi el que já
não se surpreende com a lista de 12
gins que apresenta — juntamente
com a agenda ecléctica de concer-
tos (de bandas locais, nacionais e
internacionais) e exposições.
A inspiração Mão MortaAntes do Estúdio 22 e da sua progra-
mação mais ou menos transversal,
houve a Velha-a-Branca — e se ela foi
umas semanas ao Brasil para o Car-
naval, como se lê na porta, vai voltar
de cara lavada. Abriu em 2004 pelas
mãos de um punhado de gente jo-
vem com grande vontade de mexer
o marasmo cultural da cidade. “Ha-
via muito pouca coisa”, recorda Luís
Tarroso, um dos responsáveis, “o
Theatro Circo já estava fechado há
cinco anos, ainda não havia a nova
biblioteca…”. A “Velha”, como é co-
nhecida, tornou-se um pólo agluti-
nador de várias actividades, como
exposições, lançamentos de livros,
conversas, workshops, música, ci-
nema e um bar como ponto de en-
contro. Uma espécie de centro cul-
tural informal instalado numa casa
do século XVIII que chegou a uma
encruzilhada. “Muita gente passou
a fazer o que nós fazíamos, o que é
óptimo, mas agora queremos fazer
outras coisas.” Programação nova e
maior abertura a outras instituições
da cidade, que Luís vê jovem mas
inconsequente nessa juventude.
“Ser uma cidade jovem não é nada”,
afi rma. “É a que produz mais coisas?
Não. Os jovens já estão cá, por um
conjunto de circunstâncias que os
políticos não dominam.”
Não dominam, mas dedicam-lhes
alguma atenção: um dos projectos
mais perenes da CEJ promete ser
o GeNeRation, o pólo de criação
artística que vai transformar o an-
tigo quartel da GNR num centro de
indústrias criativas (a abertura está
prevista para meados do ano). O re-
sultado vai demorar algum tempo a
aferir e por enquanto a cultura bra-
carense vai sendo dinamizada pelo
voluntarismo de uns poucos. Aque-
“Ser uma cidade jovem não é nada. É a que produz mais coisas? Não.”, pergunta e responde Luís Tarroso
A Brasileira (em baixo) continua a ser um dos pontos de encontro preferidos da cidade que é das mais jovens de Portugal
les que à segunda-feira têm Cinema
de Almofada (na Videoteca Munici-
pal, porém de iniciativa privada),
que se revêem em associações como
a Aenima ou Projéctil, frequentam a
Galeria Mário Sequeira, em Parada
de Tibães, e não desdenham dos
Encontros da Imagem ou do The-
atro Circo, que é a grande sala de
espectáculos da cidade.
Mas este Theatro Circo tem um
problema, assinala Luís Fernandes,
músico dos peixe:avião — é um es-
paço formal para bandas mais pe-
quenas. Bandas como as que, afi nal,
compõem o circuito normal portu-
guês. E não há muitos espaços alter-
nativos, continua Luís, para Braga
ter uma agenda contínua de concer-
tos de pequena e média dimensão
(o Braga Viva, no antigo Cinema
Avenida, parece ser santo-e-senha
na boca de todos os que estão liga-
dos à música). Apesar de por estes
dias estar a viver um boom musical
como não se via desde os anos 1980
que deram ao mundo os Mão Morta,
ainda hoje referência incontornável
na música portuguesa e fi guras tu-
telares das bandas de garagem que
abundam — e que se “encontram”
nas salas de ensaio que a câmara
municipal montou no Estádio 1.º
de Maio.
Enquanto não abrem mais espa-
ços para concertos, as bandas braca-
renses dão-se a conhecer na quarta
edição da colectânea À Sombra de
Deus. E os festivais continuam a
nascer (e a morrer) em Braga — por
exemplo, o Semibreve, dedicado à
electrónica experimental, de que
Luís Fernandes é um dos organiza-
dores, vai regressar inserido na pro-
gramação da CEJ; o FMI (Festival de
Música Independente) está num im-
passe, confessa Francisco Quintas,
que depois de ter sido programador
é agora o “responsável pela pasta”.
E as editoras/agências/promotoras
de eventos vão aparecendo: Francis-
co fundou a Popanolica no fi nal do
ano passado; Luís Fernandes — aka
Astroboy — juntou-se aos colegas
CapaBraga
FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 9
de banda e formaram a PAD, uma
editora que é como um colectivo de
artistas unidos sob o mesmo tecto.
Cidade divididaA tarde nas “arcadas” é sobressal-
tada pela invasão de jovens de ma-
cacão azul, com logótipo da CEJ, e
caixotes na mão. É uma pré-inicia-
tiva, contam-nos, do [Em] Caixote,
programa da CEJ que pretende dina-
mizar o centro histórico. Hoje temos
animação de rua (haverá música,
dança…) para atrair mais jovens ao
centro. Sim, esta é, apesar das es-
tatísticas, uma cidade fracturada.
Buscam-se os universitários, que
vivem numa espécie de Braga 2.
O divórcio entre a cidade e a uni-
versidade começou no início dos
anos 1990, recorda Camilo Silva,
animador cultural. E acentuou-se
no fi nal dos anos 1990, quando a
barreira física da Avenida Padre Jú-
lio Fragata se tornou uma corrida de
obstáculos para peões, e a zona de
Gualtar, onde fi ca a universidade,
se tornou praticamente autónoma,
com lojas, restaurantes de “comida
rápida”. Do lado de lá dessa barrei-
ra fi caram também os cinemas e a
Fnac, por exemplo — e os estudantes
passaram a ir ao centro de forma
esporádica. Durante a tarde, as ime-
diações da universidade transbor-
dam de estudantes nas esplanadas;
à noite são os bares e discotecas que
se animam.
O fi m-de-semana é a altura em que
mais jovens desaguam no centro. À
noite, pode ser difícil estacionar nas
imediações, dizem-nos; e o domingo
à tarde é uma enchente de casais
com carros de bebés, conta Rafael
Oliveira. Ironicamente, o comércio
está fechado, nota Luís Tarroso. Mas
todos parecem concordar que Bra-
ga mudou muito nos últimos anos
(e não só porque as vitórias do S.
C. Braga tiraram o “braguismo” do
armário) e todos esperam que esta
“nova vaga” de dinamismo tenha
continuidade. Helena Gomes é op-
timista: “Consigo ver jovens aqui,
não é campanha da CEJ. Braga está
a descobrir que tem potencial de
existir além de dormitório.” “Tem
bons preços, boas acessibilidades,
bons espaços verdes”, enumera Ra-
fael Oliveira, que, quando veio, há
dez anos, apanhou o slogan “É bom
viver em Braga”. Na altura duvidou,
agora nem por isso.
Bracara Augusta
Sempre que se escava um buraco,
encontram-se ruínas. Romanas,
em grande parte, mas não só:
durante a construção da nova
estação ferroviária foi descoberto
um balneário pré-romano, agora
está aberto ao público. Há anos
que se vai às Frigideiras do
Cantinho não só pelas iguarias,
mas também pelas ruínas de uma
villa romana visíveis pelo chão
transparente. Não muito longe, a
Junta de Freguesia da Sé esconde
mais ruínas, recentemente
musealizadas, que podem
também ser vistas do restaurante
Brac, o “Domus da Escola Velha
da Sé”. A Fonte do Ídolo, na Rua
do Raio, do início do século I, e
as termas do Alto da Cividade,
do século II, são os dois locais de
Bracara Augusta mais conhecidos.
Cidade dos arcebispos
A história de Braga está
indelevelmente ligada ao poder
religioso e foi este que deu rosto
à cidade. O maior símbolo é a sé,
a mais antiga catedral portuguesa
— “mais velho do que a Sé de
Braga” – para uma diocese ainda
mais antiga: a consagração foi no
século XI, a diocese vem do século
V. Nasceu românica para aglutinar
todos os estilos arquitectónicos
desde então e alberga tesouros,
como os túmulos do conde D.
Henrique e de D. Teresa, pais de D.
Afonso Henriques. Testemunho da
glória e riqueza dos arcebispos é o
Paço Arquiepiscopal, que também
é um repositório de vários
movimentos arquitectónicos.
Capital do Barroco
O estilo Barroco deixou
abundantes marcas na cidade,
sobretudo pela mão de dois
arquitectos, André Soares e Carlos
Amarante, principais obreiros
da Braga barroca — o Palácio do
Raio, fachada de azulejos azuis e
brancos e cantaria exuberante,
ou, mais discreto, o edifício da
Câmara Municipal são da sua
lavra. Na arquitectura religiosa, o
barroco descobriu grandiosidade:
vejam-se as igrejas de São Marcos
ou dos Congregados. Referência
incontornável na cidade — e no
barroco europeu — é o Santuário
do Bom Jesus. O conjunto
monumental começa na escadaria
emblemática, com a sua via-sacra,
e é coroado com a igreja concluída
no início do século XIX.
Na rua
Caminhar pelo centro histórico
de Braga é percorrer séculos
de História sem nos darmos
conta. As “arcadas”, como é
popularmente conhecido o
edifício da Arcada, que engloba
a Igreja da Lapa, podem ser um
bom ponto de partida. Por trás,
ergue-se a torre de menagem,
único sobrevivente do castelo da
cidade, demolido no início do
século XX — a muralha que um dia
envolveu Braga também é uma
memória com vestígios, três torres
e a emblemática Porta Nova,
fi sionomia a revelar a transição
do gótico para o neo-clássico. Um
pouco mais acima, um desvio até
ao Jardim de Santa Bárbara, para
descansar em tapeçaria fl orida
emoldurada por arcos ogivais, e
a quinhentista Casa dos Crivos,
conhecida pelas suas gelosias.
Nos museus
Muito do património bracarense
encontra-se em museus — na
cidade e em todo o país. O Museu
do Tesouro da Sé é um dos
mais signifi cativos, ocupa um
espaço recuperado contíguo à
catedral e apresenta património
acumulado ao longo de 15
séculos pela diocese; o Museu D.
Diogo de Sousa é um dos mais
reconhecidos pelos bracarenses,
não só pelo espólio arqueológico
mas pelas iniciativas de abertura
à cidade. Original é o Museu
dos Biscainhos, instalado num
palácio originalmente do XVI
mas transformado em paradigma
do Barroco — nas suas salas
cristalizou-se o modo de vida da
aristocracia setecentista. Mais
recente é o Museu da Imagem,
edifício estreito de cor forte que
dialoga com a torre medieval aí
existente, e acolhe um acervo
importante de fotografi a do
século XX e recebe exposições
temporárias.
As várias caras de Braga, Augusta ou Barroca
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10 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
CapaBraga
Mesa posta para os novos hábitos e tendências
De entre as cidades
portuguesas, Braga será talvez aque-
la que mais ligada está às nossas raí-
zes como nação. A sua importância
e centralidade são muito anteriores
à fundação da nacionalidade, tendo
sido a capital da Galécia romana, em
cujo seio haveria de nascer o Conda-
do Portucalense. E sendo Portugal
um dos países mais antigos e com
as fronteiras há mais tempo con-
solidadas é, mesmo assim, preciso
recuar vários séculos para encontrar
as origens da capital minhota como
urbe coesa e organizada, de que são
testemunho muitos dos edifícios e
espaços que ainda encontramos no
núcleo histórico.
É nestas áreas que a cidade hoje
fervilha com o espírito moderno e
cosmopolita que lhe é impregnado
por uma população jovem e empre-
endedora. Uma vivência cosmopolita
que se mistura com o passado secular
e lhe confere uma atmosfera muito
peculiar, e que, como em outras áre-
as, é também evidente nos espaços de
gastronomia e restauração. Não será
sequer preciso citar o mítico abade
de Priscos para ter presente o peso
da boa cozinha tradicional, que, com
garbo e pujança, se pratica em mui-
tos dos restaurantes da cidade. Casas
como o Arcoense, D. Júlia ou a fi leira
Cruz Sobral, Bem-me-quer e Alexan-
dre, todos no Campo das Hortas, são
alguns dos bons exemplos, mas que
propositadamente deixaremos agora
de fora.
Olhemos, então, para novos con-
ceitos que refl ectem esse espírito
jovem e cosmopolita e onde a boa
comida se alia à convivialidade e es-
pírito de partilha. Espaços que em
muitos casos só abrem ao fi nal do
dia e onde a refeição pode ser ante-
cedida por um copo de fi m de tarde
ou se prolonga noite dentro em am-
biente de bar. Há-os um pouco por
toda a cidade, mas vamos concen-
trar-nos na área da zona histórica,
que é onde a coisa está mesmo a
mexer. Reina o espírito de partilha
e convívio e o carro é mesmo um
acessório supérfl uo. José Augusto
Moreira
SILVAS — TODOS EM VOLTA DO BALCÃO
TABERNA DO FÉLIX — AS RECEITAS LÁ DE CASA
Aqui a cozinha é mesmo uma coisa séria. Basta passar a porta, absorver os aromas e olhar o ambiente para logo se perceber que não há outra hipótese que não seja sermos muito bem tratados. Mesmo podendo à primeira vista deixar a impressão de um daqueles impessoais snacks urbanos, rapidamente se constata que é tudo o seu contrário. Há apenas um balcão, é verdade, mas que funciona antes como uma espécie de mesa comum de família alargada onde reina o ambiente de partilha.
Além do aspecto cuidado e elegante, há também a dinâmica dos irmãos Silva, que nos impelem a tudo saborear. Além dos tentadores assados, refogados, arrozes e bacalhaus, há sempre uma série de petiscos que nos são dados a saborear. E o difícil é mesmo resistir.
Além da boa comida, há também ajustadas propostas de garrafeira, com oferta a copo sempre adequada à petisqueira diária. Os preços são sensatos e, em sendo tempo, este Silvas tem também uma acolhedora esplanada. Fica mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada, um espaço agarrado à muralha medieval e à sombra a torre de menagem.Restaurante SilvasLargo do Terreiro do CasteloTel.: 253 272 801 / 939 600 175www.silvasrestaurante.comAlmoços e jantaresFecha ao domingo
Sem ser abundante, a oferta de vinhos é ajustada. Serviço simpático a compor o ambiente acolhedor e discreta elegância. Funciona apenas para o jantar, das 20h às 2h.
Fica na Praça Velha, logo à entrada do Arco da Porta Nova, numa praceta onde tem como vizinhos os congéneres Copo 1/2, Colher de Pau e o vegetariano Anjo Verde, todos igualmente muito frequentados e a proporcionar uma boa dinâmica, sobretudo nas noites de fim-de-semana.Restaurante Taberna do FélixLargo da Praça Velha, 17Tel.: 253 617 701Horário: das 20h às 2hFecha aos domingos e feriados
Foi um dos primeiros a afirmar-se na nova onda e a ganhar popularidade entre grupos que se juntam ao jantar para a animação nocturna. Começou apenas como bar onde o casal anfitrião servia uns saborosos petiscos, mas rapidamente evoluiu para restaurante face à demanda culinária.
São as receitas lá de casa, explica a proprietária, que começou por uns cozinhados para grupos de amigos. Pataniscas com arroz de feijão, arroz de pato, sardinhas espalmadas, bacalhau à moda da casa ou bifinhos com feijão preto e farofa estão entre os pratos mais comuns, com preços que variam entre os oito e dez euros.
No Hocho, come-se sushi e sashimi sob a égide do músico Adolfo Luxúria Canibal, um dos proprietários, bem perto da Sé
FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 11
O Silvas fi ca mesmo no centro da cidade, nas traseiras da cosmopolita arcada
BRAC — ELEGÂNCIA E MODERNIDADE
HOCHO — UM JAPONÊS JUNTO À SÉ
ESTAROLAS — A TASCA QUE VIROU MODA
É um espaço claramente distinto e que se destaca também pelo design e cuidado arquitectónico. Ambiente contemporâneo mas ao mesmo tempo informal e descontraído, onde se pode jantar ou cear, ou simplesmente petiscar e beber um copo a partir do meio da tarde.
A par da decoração e mobiliário, também a cozinha reflecte as tendências mais modernas, tanto na apresentação como no cuidado e na qualidade da confecção. Há uma aliciante lista de petiscos/pequenas doses a convidar para um copo de fim de tarde, a par da lista para o jantar ou ceia. Consoante os usos, também o espaço se divide em três áreas distintas, com a esplanada exterior (numa espécie de palco aberto à sossegada praça), a zona de bar e a sala de refeições.
À oferta gastronómica junta-se uma criteriosa carta de vinhos cobrindo as regiões do país e com alargada oferta de serviço a copo. Muito bem mesmo. A oferta estende-se também a uma variedade de cocktails, cervejas, rum e vinhos generosos a sublinhar a alargada vocação deste espaço.Restaurante BracCampo das CarvalheirasTel.: 253 610 225 / 929 145 272www.brac.com.ptHorário: das 17h30 à 1hFecha ao domingo
Por simplificação, é normalmente apontado como restaurante japonês, mas trata-se na realidade de um sushi bar essencialmente focado nas especialidades de sushi e sashimi.
Além da diferença face à oferta gastronómica envolvente, é também referenciado por estar associado a Adolfo Luxúria Canibal, o conhecido músico dos Mão Morta, ele próprio também muito ligado às mudanças nos usos da zona histórica. É um dos sócios do negócio e é muito provável que o encontre na caixa registadora nas noites de maior movimento.
Cuidadosamente mobilado e decorado, em estilo a condizer com a vocação nipónica da cozinha, o espaço exibe também quadros da artista plástica Isabel Lhano e do escritor Valter Hugo Mãe, igualmente inspirados na vivência e cultura japonesas. Fica junto ao topo norte do Rossio da Sé.HochoRua do Forno, 17Tel.: 253 040 346 / 916 077 151Fecha à segunda-feiraHorário: das 19h30 às 22h30, de terça a sexta; das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 00h, ao sábado e domingo.
Este é dos lugares onde se vai apenas pela comida. Ambiente de tasca de outros tempos, onde se servem assados, rojões, bacalhaus, arroz de pato e pataniscas, tudo com o sabor dos cozinhados da avó.
Fica fora do núcleo histórico, mas no seu prolongamento, logo após o Estaleiro Cultural Velha-a-Branca, um dos espaços responsáveis pela renovada animação cultural.
Antiga tasca, que abriu portas em meados do século passado e se tornou famosa pelos petiscos ali servidos, foi recentemente remodelada e recuperada para serviço exclusivo como restaurante. Apesar da acomodação moderna, com toalhas e guardanapos de algodão e copos a condizer, resistem ainda o ambiente de velha tasca e respectivos adereços. Boa comida, bons preços e ambiente juvenil.Casa Estarolas Rua de São Victor, 93Tel.: 253 263 078 / 965 239 320Fecha ao domingo
CALDO ENTORNADO — A VIDA NUM SÓ SÍTIO
É um dos mais recentes espaços da zona histórica e será talvez, aquele que melhor sintetiza a actual tendência na animação da cidade. Daí o seu rápido sucesso. Além da boa comida, há um bar de vinhos, uma acolhedora esplanada interior e um espaço de entrada/átrio/esplanada aberto à rua (sem trânsito) e animado por DJ nos fins de tarde e após o jantar. A vida num só sítio, como está bom de ver.
Para além de uma oferta gastronómica ajustada (e bem apresentada), outra das justificações para a popularidade do lugar será a familiaridade com que o cliente é tratado. É sobretudo um amigo que se junta num ambiente de partilha e que
se sente ao primeiro impacto.Além dos pratos diários e
peixes frescos, a lista propõe especialidades como caril de gambas, risotto de míscaros, bacalhau inglês (em várias confecções) ou joelho de porco. A lista de vinhos mostra também as tendências mais actuais, com ampla oferta a copo. Por vezes há também música ao vivo.Caldo Entornado – Restaurante e Wine BarRua de São João, 8Tel.: 253 065 578 / 910 949 496 / 912 209 513www.caldoentornado.comFecha ao domingo e segunda à noite