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ANA MARIA STRAUBE DE ASSIS MOURA
BRASIL DE FATO: TRAJETÓRIA, CONTRADIÇÕES
E PERSPECTIVAS DE UM JORNAL
POPULAR ALTERNATIVO
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2009
ANA MARIA STRAUBE DE ASSIS MOURA
BRASIL DE FATO: TRAJETÓRIA, CONTRADIÇÕES
E PERSPECTIVAS DE UM JORNAL
POPULAR ALTERNATIVO
Dissertação apresentada em cumprimento às
exigências do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de
São Paulo, para obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Profa: Cicília Maria Krohling Peruzzo
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2009
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado sob o título “Brasil de Fato: trajetória, contradições e perspectivas
de um jornal popular-alternativo”, elaborada por Ana Maria Straube de Assis Moura, foi
defendida e aprovada no dia 31 de março de 2009, perante a banca examinadora composta por
Cicília Maria Kröhling Peruzzo, Edgar Rebouças e José Salvador Faro.
Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora, sob a
minha anuência enquanto orientadora, nos termos do Art. 34 do Regulamento dos Cursos de
Pós-Graduação.
Assinatura da orientadora: ______________________________________
Nome da orientadora: Cicília Maria Kröhling Peruzzo
São Bernardo do Campo, 10 de agosto de 2009
Visto do Coordenador do Programa de Pós-Graduação: _______________
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos
Projeto temático: Comunicação popular e alternativa
Dedico este trabalho à memória de meu pai, João Paulo Rocha de Assis Moura
It isn't at all a matter of being optimistic, but rather of continuing to have faith in the ongoing
and literally unending process of emancipation and enlightenment that, in my opinion, frames
and gives direction to the intellectual vocation.
Edward Said, em Orientalism, edição de 25°aniversário
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Profa. Cicília Peruzzo, pela paciência e dedicação com
a realização deste trabalho quando tudo parecia perdido.
Aos entrevistados José Arbex Júnior, Miguel Stedile, Nilton Viana e Ricardo Gebrim,
pela disponibilidade em responder minhas perguntas.
A João Pedro Stedile, Nilton Viana e José Arbex Júnior, pela confiança em cederem
seus documentos pessoais sobre o jorna l Brasil de Fato.
À amiga Mariana Pires, pela ajuda com a tradução do resumo.
Aos meus pais, Ida e João Paulo, pelo amor e apoio incondicionais.
E ao Rodrigo, por tudo.
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................................11
Capítulo I – MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL.........................................................17
1. O que são movimentos sociais?..........................................................................................17
2. Organizações populares e movimentos sociais no Brasil...............................................23
2.1 Período 1964-1974.............................................................................................................23
2.2 Movimentos sociais emergentes, período 1975-1989..................................................25
2.2.1 As Comunidades Eclesiais de Base..............................................................................26
2.2.2 Movimento Contra a Carestia......................................................................................29
2.2.3 Outros movimentos do período....................................................................................30
2.2.4 Diretas Já, fim da ditadura, e Constituinte..................................................................32
2.3 Desmobilização dos movimentos sociais após 1989...................................................34
3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)..........................................39
3.1 Histórico e formação..........................................................................................................39
3.2 Desafios atuais do MST.....................................................................................................44
Capítulo II – COMUNICAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA.............................................50
1. Imprensa no capitalismo......................................................................................................50
2. O papel do jornal nas organizações de esquerda.............................................................52
3. Comunicação popular e alternativa no Brasil..................................................................55
Capítulo III – O SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST..................................................69
1. Movimentos sociais e meios de comunicação de massa...............................................70
2. O MST e a grande mídia......................................................................................................73
3. Os meios de comunicação do MST...................................................................................78
3.1 Jornal Sem Terra................................................................................................................79
3.2 Revista Sem Terra...............................................................................................................81
3.3 Página do MST na internet...............................................................................................81
3.4 Rádio...................................................................................................................................82
3.5 Audiovisual.........................................................................................................................83
Capítulo IV - NASCIMENTO E FORMAÇÃO DE UM JORNAL DE ESQUERDA NO
BRASIL...................................................................................................................................84
1. Formação do grupo político em torno do projeto do jornal.........................................85
2. Projeto editorial e político do "jornal de esquerda"........................................................95
3. Funcionamento e sustentabilidade..................................................................................103
4. Comitês de apoio................................................................................................................110
5. Lançamento do jornal Brasil de Fato................................................................................114
Capítulo V - O JORNAL BRASIL DE FATO EM SEIS ANOS DE EXISTÊNCIA,
TRAJETÓRIA, DIFICULDADES, DESAFIOS...................................................................118
1. Primeiro ano: 2003..............................................................................................................119
2. Anos de crise: 2004, 2005 e 2006.....................................................................................127
3. Consolidação: 2007 e 2008...............................................................................................130
4. Temas das manchetes do Brasil de Fato em seis anos de vida...................................142
5. O jornal Brasil de Fato e governo Lula............................................................................146
Capítulo VI - RELAÇÃO ENTRE ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS NO JORNAL
BRASIL DE FATO................................................................................................................154
1. Brasil de Fato: leninista ou gramsciano?.......................................................................154
2. Popular e alternativo...........................................................................................................159
CONCLUSÃO........................................................................................................................163
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................169
ANEXO 1- Temas gerais das manchetes do jornal Brasil de Fato em 304 edições (2003-2008)
ANEXO 2 – Síntese do documento "Um Projeto Popular para o Brasil"
ANEXO 3 - Capas do Brasil de Fato cujas manchetes fazem referência direta e indireta ao
governo Lula
Resumo
Pesquisa sobre o semanário de esquerda Brasil de Fato, construído por um coletivo de
dirigentes de movimentos sociais e representantes de organizações da sociedade civil,
jornalistas, advogados e artistas, identificados politicamente e reunidos a partir de uma
proposta apresentada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Lançado em
janeiro de 2003, com a perspectiva de se tornar um meio de comunicação de massas,
completou seis anos de existência resistindo às adversidades. O objetivo central é analisar o
processo de construção e consolidação deste jornal popular-alternativo desde a formulação de
seu projeto. São resgatados os caminhos percorridos para compreender não só as dificuldades
inerentes à manutenção de um projeto com este perfil, mas também para analisar as
contradições internas e externas que causaram as transformações em sua proposta original. A
metodologia utilizada para este fim consistiu em pesquisa bibliográfica, entrevistas semi-
estruturadas com lideranças e análise de conteúdo. Concluiu-se que, apesar de o jornal ter
enfrentado uma série de condições adversas que justificam o não cumprimento de sua
proposta original, o caráter de jornal de movimentos sociais já estava presente no Brasil de
Fato desde a sua formação, principalmente no que tange as concepções do MST para o jornal.
Palavras-chave: Comunicação alternativa, comunicação popular, movimentos sociais,
jornalismo alternativo, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Resumen
Investigación acerca del semanario de izquierda Brasil de Fato, construido por un colectivo
de dirigentes de movimientos sociales y representantes de organizaciones de la sociedad civil,
periodistas, abogados y artistas, identificados políticamente y reunidos a partir de una
propuesta presentada por el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST).
Lanzado en enero de 2003, con perspectiva de volverse un medio de comunicación de masas,
ha cumplido seis años de existencia resistiendo a las adversidades. El objetivo central es
analizar el proceso de construcción y consolidación de este periódico popular-alternativo
desde su proyecto inicial. Son rescatados los caminos recorridos a fin de comprender no solo
las dificultades inherentes a la manutención de un proyecto con este perfil, sino que también
para analizar las contradicciones internas y externas que han causado las transformaciones en
su propuesta original. La metodología utilizada para este fin ha consistido en investigación
bibliográfica, entrevistas semi-estructuradas con líderes y análisis de contenido. Se ha
concluido que, a pesar de que el periódico haya afrontado una serie de condiciones adversas
que justifican el no cumplimiento de su propuesta original, el carácter de periódico de
movimientos sociales ya estaba presente en Brasil de Fato desde su formación,
principalmente en lo que toca las concepciones de MST para el periódico.
Palabras-clave: Comunicación alternativa, comunicación popular, movimientos sociales,
periodismo alternativo, Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra.
Abstract
Investigation on the left-wing weekly newspaper Brasil de Fato, built by a group of leaders of
social movements and representatives of civil society organizations, journalists, lawyers,
artists, politically identified and joint to discuss a proposal submitted by the Landless Rural
Workers Movement. Brasil de Fato was launched in January 2003 with the prospect of
becoming a mass vehicle and completed six years of existence resisting adversities. The
central objective is to analyze the process of construction and consolidation of this popular
alternative newspaper since its design. Its trajectory is recovered in order to understanding not
only the difficulties of maintaining a project with this profile, but also to analyze the internal
and external contradictions that caused the changes in its original proposal. The methodology
used for this purpose was bibliography research, semi-structured interviews with leaders and
analysis of content. It was concluded that while the newspaper has faced a series of adverse
conditions that justify the failure of its original proposal, but the characteristics of a social
movement newspaper was already present in Brasil de Fato since its formation, especially
regarding Landless Movement's conceptions for the newspaper.
Key-words: Alternative media, popular media, social movements, alternative press, Landless Rural Workers Movement.
11
INTRODUÇÃO
Em junho de 2002, um grupo amplo e heterogêneo formado por dirigentes de
movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, jornalistas, advogados, artistas,
se reúne a partir de uma convocação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o
MST, para discutir a proposta de criar um jornal de esquerda, de circulação nacional no
Brasil.
A idéia nasce da constatação de que naquele momento histórico, a grande mídia
comercial, identificada como porta-voz de grupos sociais dominantes e interesses corporativos
e econômicos, colocava em prática mais uma ofensiva contra o MST e demais movimentos
sociais, em consonância com uma política de repressão detonada pelo Estado, na figura do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Fortalecia-se dentro do MST e dos demais
movimentos envolvidos com a construção de um programa político chamado de “Projeto
Popular para o Brasil”, a compreensão de que era necessário construir um meio de
comunicação próprio, de massas, que atingisse a sociedade de forma ampla e fosse um canal
aberto para os movimentos sociais colocarem suas reivindicações, além de fazer a disputa de
hegemonia ao promover a elevação do nível de consciência da população.
Assim, a partir desta proposta ambiciosa e de um projeto pré-formulado pela direção
nacional do MST, o grupo heterogêneo se divide em comissões que passam a pensar todos os
aspectos de funcionamento e composição de um jornal popular-alternativo, ainda sem nome,
chamado por eles de "Jornal de Esquerda".
Chega-se a conclusão de o jornal deve nascer semanal, com a perspectiva de se tornar
diário em um curto espaço de tempo, ter vocação de massas, grandes tiragens, distribuição
nacional e reportagens que mostrem um Brasil desconhecido do grande público.
Politicamente, sua linha seguiria as bases do documento “Um Projeto Popular para o Brasil” e
não seria vinculado a nenhum grupo político, partido, movimento ou tendência. Deveria
orientar-se por valores de esquerda e defender o antiimperialismo e o socialismo, mas não
deveria tornar-se um panfleto ou um canal de transmissão de discurso ideológico. Ao
contrário, precisaria agregar um grande número de pessoas, ao redor de todo o país, que
mandassem sugestões de pauta, apurassem informações e organizassem-se em comitês
regionais de discussão e divulgação para que o jornal não ficasse preso ao eixo Rio - São
Paulo - Brasília.
Após um período de discussões chegou-se a um acordo sobre o nome do jornal de
esquerda, Brasil de Fato, e sobre os principais aspectos de seu projeto editorial. O ato de
12
lançamento da edição zero do Brasil de Fato aconteceu no dia 25 de janeiro de 2003, em
Porto Alegre, Rio Grande do Sul, reunindo personalidades da esquerda brasileira e mundial, e
aglutinando oito mil pessoas. A partir da edição número 1, que saiu em 8 de março de 2003, o
Brasil de Fato começa a enfrentar dificuldades de toda ordem, que contribuem aos poucos
para o abandono de sua proposta inicial e para a sua conversão em um jornal de movimentos,
feito para eles, por eles sustentado e direcionado para suas bases.
O caminho a ser percorrido por esta pesquisa é reconstituição da trajetória do jornal
popular-alternativo Brasil de Fato desde a formulação de sua primeira proposta até a
publicação de sua edição de número 304, em dezembro de 2008 (não fazem parte desta
análise as edições publicadas em 2009). Nessa perspectiva, o problema de pesquisa que
direciona a investigação pode ser sintetizado nas perguntas: “Por que é tão difícil construir um
meio de comunicação de massas que siga uma linha contra-hegemônica e faça o contraponto à
grande imprensa no Brasil?”, seguida por outra que nos direciona ao objeto: “Por que o Brasil
de Fato, apesar de ter sido pensado para este fim, não conseguiu atingir este objetivo?”.
A hipótese norteadora da investigação aponta para a incapacidade do Brasil de Fato
cumprir seu objetivo principal por estar vinculado desde a formulação de seu projeto, ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que, por mais que propusesse a construção
de um meio plural e de interesse das massas, aberto à participação de colaboradores de todas
as origens, imprimiu ao jornal sua visão de tomar os meios de comunicação como
transmissores de posicionamentos ideológicos e políticos, fazendo com que desde o início sua
finalidade fosse a propaganda do “Projeto Popular para o Brasil”, restringindo assim sua
possibilidade de crescimento entre as camadas da sociedade não identificadas diretamente
com esse projeto.
Esta hipótese não descarta as dificuldades conjunturais e materiais enfrentadas pelo
jornal, desde a fragmentação das esquerdas a partir de avaliações distintas sobre a natureza do
governo de Luiz Inácio Lula da Silva, até o boicote das grandes empresas de distribuição, mas
coloca esses fatores como adjacentes no processo de transformação do projeto do Brasil de
Fato em direção a um jornal de movimentos.
O objetivo central desta pesquisa é conhecer em profundidade as dificuldades de
construção e consolidação do jornal Brasil de Fato enquanto meio de comunicação contra-
hegemônico.
Em relação aos objetivos específicos, esta investigação pretende: 1. Refletir sobre o
papel e as características do jornal Brasil de Fato; 2. Identificar as concepções teóricas sobre
o papel que um jornal de esquerda deve cumprir dentro da formulação do projeto editorial do
13
Brasil de Fato; 3. Analisar a trajetória do Brasil de Fato em seus seis anos de existência,
fazendo o resgate da documentação de seu processo de criação e de depoimentos dos
participantes da formulação de seu projeto; 4. Entender as transformações pelas quais passou
o projeto editorial do jornal Brasil de Fato, analisando as opções feitas em termos
administrativos e políticos, principalmente sua postura na cobertura do governo de Luis Inácio
Lula da Silva; 5. Verificar o desinteresse dos demais movimentos sociais em relação ao
projeto e 6. Entender por que o Brasil de Fato não conseguiu preencher a lacuna existente por
um meio de comunicação contra-hegemônico de circulação nacional.
A escolha do jornal Brasil de Fato como objeto de pesquisa se justifica pela
necessidade de análise e desenvolvimento de projetos de comunicação alternativa aos grandes
meios comerciais. Esta demanda existe e tem sido sistematicamente discutida por aqueles que
perceberam que o campo da comunicação brasileira precisa passar por um processo de
desconcentração, passo importantíssimo para a consolidação de nossa democracia.
A partir dessa realidade, pensar em projetos que possam contribuir para o processo de
democratização da comunicação no Brasil torna-se um desafio importante. Faz parte dessa
perspectiva a construção e consolidação de meios de comunicação alternativos, comunitários
e populares.
A escolha pela análise da experiência do jornal Brasil de Fato permite a busca por
respostas para as dificuldades de consolidação de um meio de comunicação alternativo no
Brasil atual, além da tentativa de contribuir para o avanço da comunicação alternativa e
contra-hegemônica no país.
A metodologia utilizada para o alcance dos objetivos colocados para esta pesquisa
parte de uma abordagem qualitativa, ao entender que ela se propõe a desenvolver uma
investigação sobre uma realidade peculiar e específica, dentro de um contexto sociopolítico
que também deverá ser descrito. A estratégia escolhida é o estudo de caso único, por se tratar
de um objeto em desenvolvimento a ser estudado dentro do contexto onde foi criado e está
inserido. Segundo Robert Yin (2001, p.32), a estratégia do estudo de caso pode ser definida
como: “uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um
contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente
evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas”.
A porção teórica da pesquisa utiliza dados e conceitos obtidos a partir da análise de
bibliografia sobre os temas: movimentos sociais, comunicação popular e alternativa,
comunicação nos movimentos sociais e papel dos meios de comunicação dentro de
organizações políticas de esquerda. Trabalhamos também com dados empíricos por meio de
14
análise de documentos e realização de entrevistas com a finalidade de resgatar a trajetória do
jornal Brasil de Fato desde o início das discussões sobre sua formação até o seu estágio de
desenvolvimento atual. Entre os documentos coletados estão textos de mensagens eletrônicas
entre o grupo fundador do jornal, atas de reuniões de pauta (semanais), do conselho editorial
(mensais), do conselho político (anuais) e dos comitês estaduais, as diversas versões dos
projetos editorial e político, textos teóricos escritos por membros da equipe e conselhos e
chamamentos das campanhas de assinatura, ajuda ao jornal, cartas de adesão e comunicados
em geral. Estes documentos nos foram cedidos por membros do grupo idealizador do Brasil
de Fato, destacando a colaboração de José Arbex Júnior, jornalista e ex-editor chefe do jornal
e João Pedro Stedile, dirigente nacional do MST.
A partir da pesquisa documental foram realizadas entrevistas em profundidade, semi-
estruturadas, com quatro atores de diferentes origens que participaram efetivamente do
processo de construção do Brasil de Fato e contribuíram ou contribuem para seu
desenvolvimento. São eles: 1. José Arbex Júnior, jornalista, editor-especial da revista
alternativa Caros Amigos, professor do curso de jornalismo da PUC-SP e ex-editor do jornal
Brasil de Fato. Após deixar o cargo no jornal, Arbex passou a viajar pelo país para divulgar
seu projeto e contribuir na formação dos comitês regionais. Foi membro do conselho editorial
do jornal até setembro de 2006, quando se retirou após discordar da linha de apoio à
candidatura de Luis Inácio Lula da Silva à reeleição presidencial. Mesmo após o episódio,
segue participando de atividades esporádicas ligadas ao Brasil de Fato; 2. Miguel Stedile,
filho de João Pedro Stedile, historiador e membro do setor de comunicação do MST há doze
anos, sendo atualmente um de seus dirigentes nacionais. Participou das discussões sobre a
formulação do projeto editorial do jornal, aproveitando o acúmulo gerado por sua experiência
no setor de comunicação do MST. Foi membro do comitê regional de sustentação do jornal
em Porto Alegre; 3. Nilton Viana, jornalista, ex-membro contratado do setor de comunicação
do MST, onde contribui na edição do Jornal Sem Terra. Participou das primeiras discussões
sobre o Brasil de Fato, ocupando o cargo de editor-chefe após a saída de Arbex, função que
desempenha atualmente e 4. Ricardo Gebrim, advogado, dirigente do movimento Consulta
Popular e apoiador histórico do MST. É um dos membros mais atuantes do conselho editorial
do jornal, participando de suas reuniões desde o início do projeto, quando também integrou as
comissões que definiram os aspectos do Brasil de Fato. As entrevistas estão disponíveis em
áudio, nos CDs anexados nesta dissertação. É importante ressaltar que a realização das
entrevistas foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo.
15
Por fim, será feita análise de conteúdo das manchetes do jornal que, em seis anos de
circulação, abordaram questões relacionadas ao governo Lula. A unidade de análise serão as
manchetes em que haja referências textuais ao governo de Luis Inácio Lula da Silva, a partir
das palavras “Lula” e “governo” (desde que a palavra governo esteja relacionada ao
presidente brasileiro) e também as que trazem referências indiretas como citações de
ministros, de programas do governo como “Bolsa Família”, ou termos como “reeleição”, que
dizem respeito ao governo. Estas manchetes serão analisadas dentro das categorias: 1. Crítica
ao governo; 2. Reivindicações ao governo; 3. Sugestões ao governo e 4. Apoio/ elogios ao
governo. Dessa forma é possível verificar quantas manchetes do jornal Brasil de Fato fazem
referência ao governo Lula em seis anos, qual o seu teor, e de que forma essas manchetes
estão em consonância com os posicionamentos políticos dos movimentos sociais que
integraram o Brasil de Fato em diferentes momentos históricos e políticos. A escolha pelas
manchetes que fazem referência ao governo Lula se justifica por ser esse um ponto
importante, não só para o esclarecimento dos posicionamentos políticos do jornal em relação
ao governo, ponto muito abordado durante o trabalho, como também para verificar se elas
espelham os mesmos posicionamentos do MST.
A dissertação está estruturada em seis capítulos. O primeiro, “Movimentos Sociais no
Brasil” traz um apanhado teórico sobre os conceitos de movimentos sociais e resgata uma
parte de sua história no Brasil a partir da descrição de seu ressurgimento nas décadas de 1970
e 1980. O último item do capítulo 1 é dedicado ao MST, seu surgimento, formação, áreas de
atuação e importância.
O segundo capítulo, cujo título é “Comunicação contra-hegemônica”, é voltado ao
estudo desta modalidade como um todo. Nele são citadas as teorias de Vladimir Lênin e
Antonio Gramsci para o papel dos meios de comunicação nas organizações de esquerda, além
de uma tentativa de delinear aspectos teóricos que caracterizem os conceitos de comunicação
popular a alternativa no Brasil.
O terceiro capítulo, “A comunicação no MST”, aborda a relação do movimento com o
campo da comunicação, a partir de uma análise do comportamento do movimento frente à
mídia de massas, passando pela descrição de seus meios, como o Jornal Sem Terra, a revista
Sem Terra, suas iniciativas dentro do campo da radiodifusão e sua apropriação das novas
tecnologias a partir do uso da internet.
A quarta parte, cujo título é “Nascimento e formação de um jornal de esquerda no
Brasil”, é voltada para a análise do processo de construção do Brasil de Fato antes de seu
lançamento, retomando o início das discussões em 2002 e trazendo documentos que jogam
16
luz sobre esse período pré-jornal. Aqui são utilizados os dados fornecidos nos depoimentos de
nossos entrevistados e documentos como atas de reunião, circulares e textos teóricos.
O quinto capítulo, “O jornal Brasil de Fato em seis anos de existência, trajetória,
dificuldades, desafios”, pretende dar conta da trajetória do Brasil de Fato em seis anos,
período que compreende os anos de 2003 a 2008, dividindo seu percurso em três fases: 1.
Primeiro ano de vida, 2003; 2. Período de crise, 2004 a 2006; e 3. Consolidação, entre os anos
de 2007 e 2008. Este capítulo traz também uma breve análise de conteúdo das manchetes que
fazem referência direta e indireta ao governo Lula, tornando possível a verificação de seu teor
e relacionando-as à conjuntura dos períodos.
Finalmente, o sexto capítulo, chamado de “Relação entre aspectos teóricos e práticos
no jornal Brasil de Fato" , traz um esforço de amarração, que relaciona a parte teórica do
trabalho com os resultados obtidos na pesquisa de campo, além de fazer uma reflexão sobre
esses resultados.
O texto conta com três anexos: 1. A síntese do documento “Um Projeto Popular para o
Brasil”; 2. Temas das manchetes do jornal Brasil de Fato em 304 edições (2003-2008) e 3.
Reproduções das capas do Brasil de Fato cujas manchetes fazem referência direta e indireta
ao governo Lula, utilizadas na análise de conteúdo. No final do volume, está disponível um
CD com os áudios integrais das entrevistas.
17
Capítulo I – MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
1. O que são movimentos sociais?
Um dos pontos recorrentes levantados por autores que se dedicam ao estudo dos
movimentos sociais diz respeito à dificuldade em encontrar uma definição precisa deste
fenômeno. Esta dificuldade pode ser explicada pela diversidade de formas de organização
social, em constante mudança, e das múltiplas interpretações que elas permitem. Entre os
principais equívocos, estão o tratamento semelhante dado a manifestações de naturezas
distintas e a difícil separação entre movimentos sociais e ações coletivas. Além disso, muitas
teorias foram formuladas a partir de uma realidade específica observada pelo pesquisador,
criando confusões entre o que seriam tendências gerais e especificidades locais.
Esta pesquisa não pretende encontrar uma definição única sobre o fenômeno dos
movimentos sociais. Mas, como tem entre seus pilares a análise da relação entre um
movimento social e meios de comunicação, consideramos fundamental elencar algumas
características levantadas por autores de cuja concepção de movimentos sociais
compartilhamos.
Vale ressaltar que a maioria das definições aqui colocadas diz respeito a estudos
formulados a partir dos anos 1970, quando a erupção de uma série de organizações sociais,
principalmente na América Latina, despertou o interesse das ciências sociais pelo estudo das
manifestações que surgiam principalmente nas áreas urbanas.
Segundo Maria Célia Paoli (1995, p.27), o termo movimentos sociais passou a ser
utilizado para referência aos grupos organizados que não se enquadravam nas estruturas
institucionais de poder e não pertenciam às representações políticas clássicas, como sindicatos
e partidos políticos, e complementa:
Sua originalidade residia no fato de organizarem-se para expressar o desejo de integrar-se a outra esfera de poder, aquela que pertence à ordem da cidadania e dos direitos e que é regida, portanto, por aquilo que hoje, anos mais tarde, está sendo enunciado como própria da esfera de uma sociedade civil revitalizada.
Christa Berger (2003, p. 86), em Campos em confronto, a terra e o texto, descreve os
movimentos sociais como:
Formas de organização e mobilização, inscritos como elos ativos entre os processos de reprodução social e a esfera política. Desta maneira, os movimentos sociais
18
articulam-se tanto aos processos de construção da sociabilidade quanto ao campo político em seus conflitos.
Aqui, a autora nos dá uma pista sobre as esferas de atuação dos movimentos sociais,
mas necessitamos de algo que precise a origem das mobilizações.
Parece claro que os movimentos são formados por grupo de pessoas que possuem
determinadas carências por bens materiais ou simbólicos, sendo que tais carências passam a
ser traduzidas em demandas que, posteriormente, se tornam reivindicações. Os movimentos
sociais são compostos por segmentos sociais em luta, definição mais abrangente do que as
tradicionais classes sociais, que a partir de algum momento passam a se organizar para
defender seus interesses e buscar a solução de seus problemas. Para isso, os movimentos
mobilizam bases e articulam redes de colaboração nas várias esferas da sociedade.
Historicamente, os setores subordinados da sociedade produziram uma maior
quantidade de mobilizações, mas a composição dos movimentos abarca indivíduos
provenientes de várias esferas ao estabelecer articulações com as mais diversas forças sociais.
Entre os atores externos pode haver quem se identifique com o movimento em termos da
demanda ou compartilhe do desejo de transformação. Para Maria da Glória Gohn (2007, p.
252), em Teorias dos movimentos sociais, paradigmas clássicos e contemporâneos:
Os movimentos aglutinam bases demandatárias, assessores e lideranças, e têm estreitas relações com uma série de entidades sociopolíticas, como partidos e facções políticas – legais ou clandestinas -, Igrejas, sindicatos, ONGs – nacionais e internacionais -, setores da mídia e atores sociais formadores de opinião pública, universidades, parlamentares em âmbito municipal, estadual e federal, setores da administração governamental, pequenos e médios empresários etc., articulados em redes sociais com interesses comuns.
Para Berger (2003, p.85):
Os movimentos sociais existem em razão da distribuição desigual dos bens produzidos socialmente, que demanda um tipo de organização cujo objetivo é reivindicar. No seu interior configura-se a expressão cultural da desigualdade social. A cultura dos movimentos sociais é a do conflito e da solidariedade; da carência, da escassez e da falta, e é ela quem subsidia a possibilidade da reunião e a capacidade da rebelião.
Em Comunicação popular e alternativa no Brasil, Regina Festa (FESTA, 1986, p.11)
nos dá uma definição semelhante para a razão de existir dos movimentos sociais:
19
Os movimentos sociais não ocorrem por acaso. Eles têm origem nas contradições sociais que levam parcelas ou toda uma população a buscar formas de conquistar ou reconquistar espaços democráticos negados pela classe no poder
Tais contradições, segundo ela, geram processos que provocam respostas distintas dos
movimentos, como resistências em momentos de repressão, convergência em momentos de
acumulação de forças ou mesmo desarticulação em momentos desfavoráveis à organização
popular. Movimentos sociais aparecem em sociedades permeadas por conflitos entre classes
sociais, "estruturando-se de acordo com a conjuntura, com interesses de grupos específicos,
classes ou extrações de classe e em torno de projetos alternativos de sociedade." (p.11)
Alguns autores procuraram explicitar diferenças que permitam categorizar os
movimentos de acordo com suas demandas e objetivos. Em seu Dicionário de política,
Norberto Bobbio descreve os movimentos como tentativas de definição de formas de ação
social, com o objetivo de influir na sociedade (BOBBIO, 2004, p.787). Os movimentos se
distinguem dos comportamentos coletivos pelo grau de mudança que pretendem imprimir.
Segundo o autor (2004, p. 791), existem diferenças entre "movimentos reivindicativos,
movimentos políticos e movimentos de classe, baseadas nos objetivos perseguidos", que
respectivamente propõem mudanças na distribuição de recursos, acesso aos canais de
participação política e finalmente subversão da ordem social a partir da transformação do
modo de produção e das relações de classe.
Mas, movimentos sociais precisam de mais do que interesses comuns para se
caracterizar. Para Gohn, é preciso que haja identidade entre os membros do grupo. A
identidade é criada a partir das ações que desenvolvem processos políticos, sociais e culturais
(2007, p.245). Em suas palavras (2007, p. 251):
Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos, pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socieconômica e política de um país, criando um campo político na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não institucionalizados.
Mas quais são os passos para a consolidação de um movimento, sua dinâmica de
atuação? Para Paul Singer, em São Paulo: o povo em movimento, os movimentos sociais
começam a se formar a partir da tomada de consciência das contradições existentes por parte
de um pequeno grupo. A partir da reunião de um número suficiente de pessoas, passa-se ao
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estágio da formulação de reivindicações, que emanam das carências e necessidades da
categoria social que se formou (SINGER; BRANT, 1983, p.215-216). Segundo o autor: "as
reivindicações (...) são formuladas em termos de um discurso ideológico, que é o patrimônio
comum do grupo que tomou a iniciativa e, geralmente, retém a liderança do movimento."
O crescimento de um movimento social está ligado ao desdobramento das lutas
organizadas a partir das reivindicações, fator que aumenta o número de seus participantes. É
fundamental para sua continuidade que pequenas ou parciais vitórias sejam conquistadas, sob
risco de desmobilização. Singer coloca que, à medida que o movimento torna-se expressivo
no cenário político, passa a existir a perspectiva de institucionalização. Este fator tanto pode
ser visto como risco à autonomia do movimento, a partir de tentativas de cooptação de
lideranças por forças da situação em troca de pequenas concessões, como pode ser encarado
como um passo necessário à ampliação de sua esfera de atuação por meio de articulação com
forças institucionalizadas da sociedade para a criação de redes. Para Singer, ao mesmo tempo
em que o reconhecimento de alguns movimentos pelo Estado a partir de seus êxitos permitiu
conquistas concretas, causou o atrelamento de membros às instituições que representam os
interesses das classes dominantes.
Outro fator importante para a caracterização dos movimentos sociais é a análise de sua
composição, de seus agentes. Já concluímos que os movimentos são majoritariamente
formados por representantes das classes subalternas que, a partir da percepção das
contradições sociais que os cercam, organizam grupos em torno de reivindicações. Mas,
movimentos sociais não surgem espontaneamente a partir de contradições, segundo Singer
(1983, p. 224):
Um movimento social das classes exploradas é sempre resultado de um esforço deliberado, de uma 'iniciativa', que é tomada por pessoas, pertencentes ou não a estas classes, geralmente motivadas não apenas pela contradição específica, mas por ideologias.
Mas como os movimentos se organizam internamente, qual a distinção de papéis entre
os agentes organizadores e os mobilizados, conhecidos como base? Para Bobbio (2004, p.
791), os agentes que iniciam movimentos normalmente não são os marginalizados, estes
podem vir a constituir bases importantes, mas a liderança é constituída por indivíduos
centrais. Segundo Singer (1983, p.224), a principal diferença entre as pessoas que tomam
iniciativas em relação à organização de movimentos, diz respeito à concepção de vida, voltada
para a rejeição da ordem social que permite o florescimento de desigualdades, sendo que na
maior parte dos casos, não há vínculo orgânico. Para o autor (1983, p. 224-225):
21
Entre os propósitos específicos de cada movimento social e os que tomam a iniciativa de sua organização. Esta vinculação é, o mais das vezes, circunstancial: o lugar de residência, a relação de emprego ou o exercício profissional pode criá-la. Isso não quer dizer que estas circunstâncias sejam fortuitas.
Tal afirmação significa que não é necessário que o organizador sofra na pele as
contradições ou seja motivado unicamente por elas. Além de estar ligado de alguma forma às
questões, sendo filiado ao sindicato em que organizará a oposição ou morador do bairro em
que liderará o movimento, o agente organizador é motivado pela ideologia. Os membros da
base de um movimento social em geral não têm concepções muito bem articuladas de vida,
diferença entre eles e os agentes organizadores, segundo Singer (1983, p.225). Em alguns
casos, representantes da base são atingidos pela transmissão ideológica e ascendem para
posições de liderança. Por outro lado, a grande maioria permanecerá ligada ao movimento
apenas por conta de suas necessidades imediatas, participando das mobilizações de forma
essencialmente passiva (SINGER, 1983, p. 226).
Esta realidade pressupõe alguns riscos para o movimento, como a reprodução da
divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual existente na sociedade capitalista ou o
apelo ao "basismo", crença de que somente a consulta às bases pode definir qualquer tomada
de posição do movimento. A barreira entre lideranças e base tende a se intensificar a partir do
momento em que o movimento cresce e vê seus objetivos diversificados e quando passa a
compreender o conjunto de contradições que o cerca e opta por formular um programa mais
abrangente de atuação. Quando isso acontece, os movimentos normalmente passam a contar
com uma série de agentes externos, que assumem demandas organizativas e burocráticas,
inclusive profissionalmente. A constituição de "aparelhos ideológicos" externos ao
movimento, mas ligados à sua estratégia, pode ser positiva em si, mas também costuma
aprofundar o abismo entre organizadores e base, podendo causar a deturpação do movimento.
(SINGER, 1983, p.229)
Há também muita controvérsia sobre o real potencial dos movimentos sociais na
transformação da realidade e construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Enquanto
alguns estudiosos compreendem os movimentos como forças democratizantes, capazes de
articular mobilizações plurais, revelando o caráter também plural das formas de opressão
(PAOLI, 1995, p. 49), outros consideram que seu papel de denunciar as desigualdades sociais
foi cumprido e se esgota a partir do momento em que a democracia se consolida. Para Paoli, a
segunda concepção pressupõe que a democracia deve ser exercida apenas através de
representantes eleitos ou no máximo em espaços controlados de participação (1995, p.49).
22
Há ainda quem destaque o caráter provisório dos movimentos sociais, que tenderiam a
se extinguir a partir do momento em que suas reivindicações fossem atendidas. Outros
colocam que as estruturas de mobilização dos movimentos só poderiam funcionar em pequena
escala, apontam para o despreparo da maioria dos participantes, para a dificuldade em
formular programas amplos que sigam além das reivindicações pontuais e para a submissão
dos movimentos às formas de luta de maior potencial transformador, como os sindicatos e
partidos. Por outro lado, há quem enxergue o papel dos movimentos em abrir espaços não
cobertos por partidos ou sindicatos, contribuindo para a democratização da sociedade civil.
(PERUZZO, 2004, p. 33)
Singer (1983, p. 220) destaca que, ao estender sua esfera de atuação e compreensão
das questões estruturais que cercam suas demandas, muitos movimentos passam a enxergar
limites em sua atuação impostos pelo próprio sistema capitalista.
Trata-se em última análise de compreender que, numa economia capitalista, há possibilidades de conquistar direitos formais e melhorias materiais para os pobres e discriminados, mas estes direitos e melhorias se mostram efêmeros face às tendências de concentração do poder e da riqueza inerentes a esse tipo de economia. (...) Conclui-se, pois, que movimentos que lutam por estes objetivos precisam examinar sua própria história e, a partir desta experiência e da experiência histórica geral, procurar verificar se seus fins últimos são alcançáveis nos limites do capitalismo.
Dessa forma, é preciso evitar que, a partir da compreensão de que certos objetivos só
serão alcançados com a tomada de poder, haja uma separação profunda entre objetivos
próximo e fins últimos. Em alguns casos, esse tipo de compreensão pode desembocar na
adoção de políticas em que "os fins justificam os meios". Sendo a "tomada de poder" algo
distante da realidade, opta-se por uma prática de barganha por concessões imediatas. Assim,
apesar do discurso revolucionário, as práticas do dia a dia reforçam as estruturas que o
movimento se organiza para combater.
Para Singer (1983, p. 221), os movimentos sociais são espaços nos quais a classe
trabalhadora, ao lutar por possibilidades de participação, quebra a lógica de dominação e
passividade, que imobiliza ao difundir a crença de que a resolução dos problemas está nas
mãos dos "de cima". Mas, para que isso realmente funcione, é preciso que os próprios
movimentos se constituam como espaços de participação, sem reproduzir os vícios
autoritários das instâncias da sociedade. Segundo o autor (1983, p. 221):
Cada vez que trabalhadores fazem greve, cada vez que mães de famílias operárias ocupam um escritório da prefeitura, cada vez que uma demonstração de massas
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irrompe o trânsito, a hegemonia da classe dominante é posta em questão e membros da classe dominada tentam tomar seu próprio destino nas mãos. É este o sentido mais profundo dos movimentos sociais das chamadas 'classes subordinadas ': a recusa à subordinação. Mas, quando a distância entre cúpula dirigente e bases se alonga, quando as decisões quanto à linha de ação são tomadas pelos dirigentes e depois 'baixadas' às bases, quando estas são educadas a alimentar fé cega nas direções, ao mesmo tempo em que as inevitáveis divergências entre dirigentes são resolvidas 'entre quatro paredes', sem que as bases tomem conhecimento e tenham a palavra final sobre elas, esta mesma subordinação, que é recusada no plano social mais amplo, é reproduzida no próprio movimento de insubordinação.
Singer (1983, p. 230) ressalta também a importância da busca pela construção de
formas próprias de representação no plano político ou ligação a correntes políticas
policlassistas para que seus objetivos possam ser plenamente alcançados.
Além disso, existe a sempre conflituosa relação dos movimentos com o Estado. A
partir do momento em que deixam de enxergar a instituição como inimiga, os movimentos
passam a ter que lidar com tentativas de cooptação de lideranças e acordos propostos por
agentes do Estado, muitas vezes com a finalidade de desmobilizar e dividir as organizações. O
dilema está colocado, pois ao mesmo tempo em que a relação é arriscada, os movimentos não
podem se furtar a negociar participações em conselhos e a ocupar espaços de participação,
pelos quais eles mesmos lutaram.
2. Organizações populares e movimentos sociais no Brasil
2.1 Período 1964-1974
Entre os anos de 1964 e 1985, o Brasil viveu sob a repressão e o arbítrio de uma
ditadura militar. O golpe de 31 de março de 1964 foi articulado entre setores dominantes da
sociedade brasileira, militares, governo dos Estados Unidos, e apoiado por grande parte da
classe média, assustada com a perspectiva de um "avanço comunista", representado na época
pelas reformas de base do presidente João Goulart e pelos sindicatos e movimentos
organizados que as deram suporte.
Assim, após a implantação do regime militar, os movimentos sociais e populares,
organizados no campo e nas cidades, foram reprimidos até que praticamente deixassem de
existir. Na área rural, as Ligas Camponesas, organizadas no Nordeste do Brasil para lutar por
acesso à terra e melhores condições de vida para os lavradores foram desmanteladas. Nas
cidades, as passeatas e protestos organizados pelo movimento estudantil foram realizados até
o decreto do Ato Institucional n. 5, em 1968. A repressão aos sindicatos impediu qualquer
24
possibilidade de participação crítica dos trabalhadores e mesmo não deixando de existir,
foram tomados por "pelegos", trabalhadores ligados ou alinhados com o regime.
Algumas organizações de esquerda, principalmente a partir do endurecimento do
regime após o decreto do AI-5, optaram pela luta armada, com o objetivo de instalar focos
guerrilheiros no campo e nas cidades e assim, derrubar a ditadura militar. Mas, uma série de
fatores levou ao desmantelamento violento dessas organizações, com a prisão de boa parte de
seus membros, tortura, assassinatos e "desaparecimentos". Entre eles estão a
profissionalização da repressão, que passa atuar de forma coordenada em todo o país após
1969 e a total ausência de apoio popular à guerrilha. O início da década de 1970, durante o
governo do general Emilio Garrastazu Médici, foi o período de maior violência imposto aos
membros das organizações clandestinas e seus apoiadores, em que a ditadura empreendeu
uma verdadeira caçada para prender e eliminar seus oponentes mais radicalizados.
No campo partidário, a oposição institucional consentida pela ditadura, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), estava neutralizado. (HELLMANN, 1995, p.14). Poucos
enxergavam nele algum potencial real de combate ao regime militar.
Assim, a sociedade brasileira viveu anos em que a simples perspectiva de organização
de reivindicações parecia impossível. Afinal, o chamado "milagre brasileiro", período entre os
anos 1968 e 1973, em que taxas de inflação baixas, crescimento do produto interno bruto e
forte expansão econômica foram combinados com grande repressão política (HELLMANN,
1995, p. 13), desanimava qualquer iniciativa de mobilização popular.
Mas, a partir de 1974 a situação começou a se transformar. Os efeitos do "milagre
econômico" mostraram-se pouco duradouros e consistentes. A expansão industrial, um dos
pilares do "milagre" causou profundos impactos nas áreas econômicas e sociais,
intensificando a urbanização das cidades e a migração de enormes contingentes de pessoas
para suas periferias. Ironicamente, o desenvolvimento e os efeitos do "milagre" provocaram a
desconstrução da política da ditadura, levando a um processo de rompimento das relações
entre o Estado e a sociedade (HELLMANN, 1995, p. 14).
A degradação das condições de vida começou a gerar percepções sobre a precariedade
e as privações a que estavam submetidas as populações mais pobres. A compreensão da
necessidade da ação coletiva para interferir e participar das decisões do poder público
fomentou movimentações no interior de bairros e áreas periféricas das cidades. Além disso,
alguns fatores começavam a demonstrar que estava em curso uma abertura política relativa,
com um início de rearticulação das instituições da sociedade civil que posteriormente dariam
apoio aos novos movimentos. (PERUZZO, 2004, p. 31)
25
O cenário eleitoral também revelava algumas surpresas. Em 1974, a crise mundial
causada pela elevação dos preços do petróleo repercutiu no Brasil de forma imediata,
evidenciando as limitações da auto-suficiência interna. O fim do crescimento forjado pelo
"milagre" e a falta de abertura política fizeram com que o governo militar perdesse
legitimidade. O resultado foi uma votação expressiva no MDB nas eleições para as
assembléias estaduais e congresso federal. O único partido de oposição consentido pela
primeira vez recebeu uma grande quantidade de votos como forma de protesto contra o
governo militar (HELLMANN, 1995, p. 15).
Tais fatores e outros que veremos adiante permitiram que a população pobre
começasse se organizar em movimentos e mobilizações populares. As primeiras iniciativas
surgiram nos bairros de periferia, de forma tímida, fragmentada, baseadas em relações de
confiança entre vizinhos e parentes, resultado de anos de repressão política imposta pela
ditadura militar (BRANT, 1983, p. 13). Surgiram também a partir de operários que lentamente
voltaram a formar grupos relativamente independentes em seus sindicatos e organizar
mobilizações em seus locais de trabalho (PAOLI, 1995, p.30).
Os grupos compostos por atores até então marginalizados e excluídos da vida social e
política do país, a população pobre, operários e moradores das periferias, começaram a, nas
palavras de Micaela Hellmann (1995, p. 12), "colocar na ordem política do dia 'novos'
conflitos sociais ou 'velhos' conteúdos com um novo foco", exigindo diretos que lhes tinham
sido negados tanto durante a ditadura como nos governos anteriores, inclusive os
democráticos (1995, p. 13). Assim, foram capazes de transformar carências em reivindicações
urbanas, lutaram contra a violência, a despolitização e o Estado (SILVA, 1995, p. 57)
2.2 Movimentos sociais emergentes, período 1975-1989
Segundo Vinícius Caldeira Brant (1995, p.13) em São Paulo: o povo em movimento,
os movimentos sociais que surgiram durante a década de 1970, ainda sob o julgo da ditadura
militar, foram organizados de forma defensiva. Afinal, após a destruição dos movimentos pelo
regime, o governo passou a imprimir forte vigilância sobre as tentativas de mobilização
popular. A repressão atuava principalmente disseminando o terror entre os opositores da
ditadura e dificultando a articulação necessária aos grupos populares.
Por conta dessas especificidades, os movimentos se formaram a partir de núcleos de
pessoas que, nos bairros e locais de trabalho, passaram a se juntar para encontrar alternativas
26
ao aumento do custo de vida, lutar por creches, moradia e outros bens públicos, formar
comissões de fábrica, regularizar os loteamentos clandestinos, brigar pelos direitos humanos.
Muitos se desenvolveram a partir da reunião de vizinhos, fomentados pela Igreja e por outras
instituições civis que deram apoio e criaram o clima necessário para que as organizações de
base pudessem se manifestar de forma aberta (BRANT, 1995, p.14). Além da Igreja, podemos
listar o movimento estudantil e o próprio MDB, que apesar de não manter vínculos muito
próximos aos movimentos emergentes, mantinha suas reivindicações em seu programa
(BRANT, 1995, p.16).
Os movimentos surgidos neste período partilharam alguns valores em comum,
independentemente dos objetos de reivindicação. Um exemplo é o entendimento de que as
decisões deveriam ser tomadas pela base, coletivamente. Outro é a desconfiança com que
enxergavam a aproximação das pessoas "de fora". Apesar de apoiados pelo movimento
estudantil, as lideranças dos novos movimentos viam com cautela e a presença dos estudantes,
pois temiam que, a partir de seu discurso politicamente articulado, provocassem a
desarticulação das bases, mobilizadas mais pelas questões imediatas (BRANT, 1995, p. 17).
Havia também repúdio às formas tradicionais de fazer política e uma profunda
desconfiança em relação às instituições e ao Estado. Entre os princípios mais arraigados
estavam: a defesa da autonomia, da auto-organização pela base e da democracia direta
(SILVA, 1995, p. 57). A busca pela autonomia conferiu legitimidade aos movimentos, ao
impedir que práticas condenáveis como troca de favores os desmobilizassem, além disso,
contribuiu para o sentimento de confiança na própria atuação.
O papel da Igreja foi fundamental para a articulação e formação de núcleos de pessoas
que deram origens aos movimentos propriamente ditos. As Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) contribuíram para a reunião e conscientização de pessoas. Dada a sua importância
para os movimentos emergentes, vamos dedicar alguns parágrafos à história e explicação de
sua forma de atuação.
2.2.1 As Comunidades Eclesiais de Base
A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja católica, principalmente através de alguns de
seus membros e espaços na América Latina, passou a atuar voltada para a população mais
pobre. Essa diretiva deu origem ao movimento conhecido como Teologia da Libertação, que
defendia a construção de uma Igreja pobre, ao lado dos pobres, que se preocupasse com as
27
camadas desprivilegiadas da sociedade e de alguma forma contribuísse para sua emancipação
(CAMARGO; SOUZA; PIERUCCI, 1983, p. 59). Para os autores Camargo, Souza e Pierucci,
em artigo presente no livro São Paulo: o povo em movimento:
Nesta direção, elaborou-se na América Latina um novo pensamento teológico que procura se fundamentar na análise sociológica da realidade social e na releitura dos Evangelhos. Sobretudo neste pensamento articula-se a reorganização dos intelectuais católicos que buscam um relacionamento orgânico com as classes populares.
A partir do golpe militar de 1964, setores progressistas da Igreja passam a colaborar
com a sociedade civil de duas maneiras principais: apoiando organizações não confessionais,
principalmente ao oferecer abrigo a indivíduos perseguidos politicamente pelo regime e
fomentando a formação de grupos religiosos para a discussão de questões sociais, como as
CEBs (p. 60).
É difícil precisar o momento exato de surgimento das CEBs, assim como construir
uma definição fechada de sua estrutura e forma de atuação. Sabe-se que começaram a
aparecer no Brasil durante os anos 1960, mas apenas a partir da segunda metade desta década
há documentos que falam especificamente em comunidades (p. 62). Alguns creditam a
expansão de outros credos religiosos calcados em maior vivência comunitária como estímulo
para que a Igreja católica apostasse na formação de núcleos com essas características, sendo
que as iniciativas de descentralização das paróquias e aumento da participação dos leigos
podem ser vistas como esboços das CEBs (p. 64-65).
Já em 1976, o 1° Plano Bienal de Pastoral da Arquidiocese de São Paulo elegeu as
CEBs como uma das quatro prioridades do período (p. 68). Por intermédio de cursos de
evangelização, a Igreja católica preparava os leigos para que cumprissem papéis de liderança
dentro das comunidades. Os cursos pretendiam despertar a consciência crítica e estimular a
associação para discussão e resolução de problemas coletivos. Essas experiências foram
fundamentais para o desenvolvimento das CEBs ( p. 68).
As comunidades de base não obedeciam a nenhum modelo pré-estabelecido de
organização e nem funcionavam todas da mesma forma. Seu ideal comum era construir
grupos ligados por relações de fraternidade e solidariedade, permitindo uma participação
maior dos leigos em relação a outros espaços religiosos (p. 69). Ao propor a construção de
relações características do mundo rural e a vida em comunidade, constituíram uma forma de
organização popular que fez frente às condições precárias de vida encaradas pelos pobres.
28
Em termos estruturais, eram formadas nos bairros, compostas por grupos de até
cinqüenta pessoas (raramente havia grupos maiores), homens e mulheres, de idades
diferentes, que se reuniam em suas casas ou na própria Igreja. Todos os membros do grupo
deveriam participar das discussões.
Os grupos começavam a se reunir em torno de alguns fiéis, a partir do estímulo de
agentes de pastoral (padres, freiras) e propunham atividades como a leitura da Bíblia e
posterior discussão sobre o conteúdo da mensagem e sua aplicação nos dias atuais (p. 72). A
partir dessas reflexões havia a tomada de consciência acerca dos problemas coletivos e partia-
se para a busca de soluções comuns. A desigualdade social passou a ser percebida de forma
mais crítica e condenada a partir da leitura das escrituras e vem daí sua inovação. Segundo
Camargo, Souza e Pierucci (1983, p. 62):
Sua importância está no fato de constituírem uma promissora trama de experimentação e exercícios sistemáticos de formas novas de associação popular para a discussão e busca de soluções dos problemas vitais que, no campo e nas periferias das grandes cidades, afligem as classes trabalhadoras.
Muitas CEBs se transformaram em pólos de organização de atividades como, por
exemplo, as chamadas compras em comum – aquisição de artigos de primeira necessidade em
maior quantidade para diminuir custos – e executar outros trabalhos (p. 73), enquanto outras
se limitavam às orações. Em ambos os casos, constituíam redes de solidariedade onde os
membros se ajudavam em caso de doença ou desemprego. Outro ponto comum era a tomada
das decisões, exercitando a prática do voto e a responsabilidade na divisão de tarefas. Durante
a execução das atividades, havia a preocupação em realizar reuniões periódicas para avaliar
dificuldades e repercussão das ações (p. 73).
Algumas CEBs chegaram a se inserir no quadro de mudanças que estava em curso na
sociedade durante aquele período. Outras foram embriões de organizações populares
reivindicativas. A partir da ampliação da consciência e capacidade de organização, alguns
grupos passaram a agir conjuntamente com outras organizações e sentiram a necessidade de
trocar experiências com outras comunidades.
Uma série de grupos chegou a esboçar certa organicidade e a fazer reivindicações
diretamente às autoridades, em nome dos valores cristãos. Por outro lado, muitos deles
sofriam com a falta de consistência de objetivos, espontaneísmo na participação dos membros
e leitura restrita das possibilidades de participar efetivamente da transformação do processo
histórico. Nas palavras de Camargo, Souza e Pierucci (1983, p. 78):
29
[as CEBs] enfrentam dificuldades radicais em relação à própria sociedade que pretendem alterar. Sofrem limitações oriundas da inércia da tradição eclesiástica. E, como tantas associações da sociedade civil, debatem-se entre projetos alternativos sem um modelo claro de postura ética e ação política.
O passo adiante a ser dado pelas CEBs como um todo seria a conquista de um espaço
de participação efetivo na sociedade civil, contribuindo para a reestruturação do cenário
político e partidário, condição necessária para a transformação social (p. 81). Veremos adiante
que a desmobilização sofrida ao longo dos anos 1980 e 1990 pelas CEBs atingiu outros
movimentos populares, surgidos no mesmo período e sob as mesmas bases. Os motivos para a
desarticulação dos movimentos sociais e popula res surgidos no final da ditadura militar serão
colocados a seguir, mas é importante dizer que a cultura política das CEBs deu frutos e
inspirou movimentos organizados nos períodos posteriores a sua florescência, em específico o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tema do item 3 deste capítulo.
2.2.2 Movimento Contra a Carestia
Além das CEBs e a partir delas, outros movimentos sociais surgiram no mesmo
período, principalmente nas áreas urbanas. Alguns tinham características semelhantes por
terem se formado a partir de grupos nos bairros de periferia. Eles se agregavam em torno de
uma demanda concreta como a construção de uma creche, a regularização de lotes ocupados,
a organização de compras em comum etc. A Igreja esteve presente em muitos desses
movimentos, mesmo como instituição apoiadora, principalmente dos movimentos de moradia.
Algumas mobilizações cresceram ao ponto de conquistarem abrangência nacional,
caso do Movimento do Custo de Vida, posteriormente chamado de Movimento Contra a
Carestia, também surgido a partir das CEBs, na cidade de São Paulo. A partir de 1973,
mulheres integrantes de clubes de mães da periferia, assustadas com o aumento do preço dos
gêneros alimentares, resolveram se manifestar. Escreveram uma carta às autoridades
denunciando os aumentos e relatando as dificuldades de suas famílias. Posteriormente,
organizaram uma pesquisa para apontar as conseqüências da elevação do custo de vida para as
populações mais pobres (SINGER, 1983, p. 98).
Em 1976, uma assembléia reuniu cerca de quatro mil pessoas que tinham participado
das consultas, mas o movimento não deslanchou. Por falta de objetivos mais concretos e
idéias de continuidade, as pessoas se desmobilizaram. Mas, em 1977, uma nova reunião entre
30
representantes de 18 bairros paulistanos e membros da Igreja deu um novo empurrão ao
movimento. Foi eleita uma coordenação e o passo dado a seguir foi a coleta de assinaturas
para um grande abaixo-assinado. Decidiu-se também realizar reuniões setoriais e organizar
uma grande assembléia. O Movimento do Custo de Vida atingiu assim outras cidades do
estado de São Paulo e de outros estados, como Belo Horizonte, Vitória e Salvador. Segundo
Singer, o grande mérito do Movimento do Custo de Vida foi "mobilizar amplas camadas da
população, cujo nível de consciência é ainda relativamente baixo. Trata-se, no fundo, de um
movimento de educação política, que se desenvolve ao redor de uma questão: por que sobe o
custo de vida e por que os salários não acompanham essa elevação" (SINGER, 1983, p. 98-
99).
O Movimento do Custo de Vida tinha como estratégia o apelo às autoridades para que
adotassem medidas concretas contra o problema. Dessa forma, pretendia agregar aqueles que
acreditavam que a solução poderia estar unicamente nas mãos do governo. Em 1978, uma
manifestação na Praça da Sé, em São Paulo, reuniu uma multidão para a entrega do abaixo
assinado com um milhão e trezentas mil assinaturas coletadas. Mostrando que o país
continuava sob uma ditadura militar, as autoridades foram representadas por fo rte aparato
repressivo. Um ano depois, um encontro nacional mudou o nome do MCV para Movimento
Contra a Carestia (p.99). Paul Singer observa que, ao limitar seu trabalho a reivindicações
puramente econômicas, o MCC restringiu seu espaço de atuação, apesar de ter o mérito de ter
despertado na população "a vontade de fazer algo" (p. 100). O MCC conseguiu atingir uma
grande quantidade de pessoas a partir da adoção de uma pedagogia extremamente eficiente,
desenvolvendo grupos de teatro, jograis, junto a jovens, senhoras e comissões de fábrica (p.
100). Por outro lado, sofreu as conseqüências do esgotamento de suas formas de ação, tendo
um destino semelhante ao de outros movimentos surgidos no mesmo período.
2.2.3 Outros movimentos do período
Além dos movimentos descritos acima, o período entre 1975 e 1989 viu florescer
muitas outras formas de mobilização popular. Além dos já citados movimentos localizados
nos bairros, fomentados pela Igreja por meio das CEBs ou não, houve o crescimento de
organizações específicas, formadas por mulheres e negros.
A participação política das mulheres começou a aumentar a partir de seu engajamento
nas CEBs, no Movimento Contra a Carestia, e nos clubes de mães, que agregavam
31
principalmente as mulheres que trabalhavam em casa. A distinção entre esse tipo de
participação e os movimentos feministas deve ser feita, já que os últimos historicamente
congregaram mulheres de classe média, profissionalizadas, e de nível universitário, em
organizações que surgiram principalmente durante a década de 1960. Os chamados
movimentos feministas questionam o modo com a mulher está inserida em todos os níveis da
sociedade machista. Já os femininos reúnem mulheres e levantam reivindicações específicas,
como a construção de creches. Mesmo as mulheres operárias, acostumadas a participar de
mobilizações, faziam-no a partir de reivindicações gerais, partilhadas com os homens
(SINGER, 1983, p. 111).
A partir do final dos anos 1979, os movimentos de mulheres passaram a buscar a união
entre as organizações femininas e feministas, permitindo que as últimas saíssem de seu
confinamento e passassem a interagir com as mulheres da classe trabalhadora. Para Singer
(1983, p. 141) a principal contribuição dos movimentos específicos, formados por mulheres
ou negros, é propor uma reflexão que impeça a permanência de condutas autoritárias e
preconceituosas dentro dos movimentos gerais de luta pela transformação social.
Paralelamente, crescem também as chamadas oposições sindicais. Para Maria Célia
Paoli (1995, p.30), a organização de mobilizações nos sindicatos por grupos de operários das
oposições foi, junto aos movimentos de bairro, a grande responsável pela ascensão dos
movimentos sociais durante a década de 1970. As greves de São Bernardo, em 1978, foram o
momento de superação de uma prática sindical tutelada e controlada pelo Estado, em voga
desde muito antes do regime militar. A partir delas, os trabalhadores puderam se constituir
enquanto sujeitos capazes de se mover politicamente de formas inovadoras e baseadas em
suas próprias experiências. Dessa forma, deixavam de ser presas fáceis para as redes
institucionais (1995, p.31). Em suas palavras:
A década de 80 confirmaria – não sem conflitos internos e externos – esta nova imagem da classe operária fabril e urbana em direção a sua autonomia. Esta luta deixara de se limitar aos modos tradicionais de enfrentar uma ossificada burocracia que impedia o exercício real de uma política operária. Em seu lugar, esta política começou a ser exercida de fato através de lutas diferentemente organizadas no chão da fábrica, freqüentemente independentes de sindicatos e também dos constrangimentos da lei, que proibia o reconhecimento legal de comissões internas nos locais de trabalho como espaços de negociação e representação.
A autora coloca que o surgimento das oposições sindicais conferiu tanta legitimidade
aos operários que se tornou praticamente impossível organizar o processo de trabalho nas
fábricas sem entender-se com elas (1995, p. 31).
32
2.2.4 Diretas Já, fim da ditadura, e Constituinte
A contribuição dos movimentos sociais e populares surgidos na segunda metade da
década de 1975 para o final da ditadura militar é inquestionável. Afinal, tendo ou não
avançado em seus objetivos específicos, os movimentos certamente contribuíram para o
processo de redemocratização do Brasil, ao inserir no cenário político atores que até aquele
momento permaneciam alijados do mesmo.
A partir de 1983, as organizações populares passam a participar do maior movimento
cívico da história do Brasil, as Diretas Já, que, a partir de uma campanha deflagrada pelo
MDB, mobilizaram milhões de manifestantes (HELLMANN, 1995, p.17).
Apesar da gigantesca adesão ao movimento das Diretas, em 1985 o colégio eleitoral
elegeu Tancredo Neves para a presidência da República. Após sua morte, sem ter sequer
tomado posse, a presidência é assumida por seu vice, José Sarney. A posse de Sarney, político
historicamente comprometido com as oligarquias mais retrógradas da região nordeste do
Brasil, e aliado político do regime militar (foi presidente da ARENA, partido do governo
militar), marcou o fim da ditadura como sistema político (HELLMANN, 1995, p.17). Mas, o
período de transição, iniciado pelo processo de abertura política no fim do regime militar,
durante o governo Figueiredo, e continuado pelos presidentes civis após 1985, apesar de
longo, pouco significou em termos de mudanças reais nos quadros dirigentes da sociedade
brasileira. Nas palavras de Micaela Hellmann (1995, p. 14):
A influência preponderante dos militares e do capital fez com que se abrisse um caminho que levou do governo antigo (militar) ao novo e que se tornou realidade pela continuidade do passado no presente e em virtude de concessões e compromissos pactuados com aquelas forças políticas que queriam continuar no poder.
Alguns movimentos, como o sindical, reivindicaram a mudança do modelo econômico
adotado pela ditadura militar, dependente e gerador de desigualdades, subordinado ao capital
nacional e estrangeiro. Segundo Hellmann (1995, p. 17):
Enquanto os generais estiveram no poder, os tradicionais latifundiários puderam afirmar o seu poder e industriais e banqueiros nacionais e multinacionais conseguiram adquirir imensas áreas de terras. Desta maneira, o Brasil de destacava também com suas formas ultrapassadas de distribuição de terra, e, apesar das muitas promessas, nunca chegou a ser executada uma verdadeira reforma agrária por causa da pressão da oligarquia rural e da imprensa conservadora.
33
Em suma, finda a ditadura, permanecem no poder as mesmas figuras que a deram
suporte, situação possibilitada pelo já descrito processo de transição pactuada. Mas, durante a
década de 1980, a ebulição causada pelo surgimento de inúmeros movimentos sociais e
organizações populares começou a dar resultados significativos.
Um deles é com certeza a fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT, em 1980
(HELLMANN, 1995, p. 16). Formado por uma mistura heterogênea de intelectuais de
inspiração marxista – muitos deles retornando do exílio após a Anistia, em 1979, membros e
lideranças dos movimentos sociais surgidos na década anterior – CEBs, organizações de
bairro, e sindicalistas responsáveis pelas grandes greves do final da década de 1970, o partido
representou uma grande tentativa de unificação das forças progressistas em um instrumento
capaz de imprimir mudanças reais à sociedade brasileira.
Em 1983 é fundada a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, na cidade de São
Bernardo do Campo, São Paulo, durante o 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora
(CONCLAT), onde estiveram presentes mais de cinco mil pessoas1. No ano seguinte, 1984,
trabalhadores rurais resolvem fundar um movimento que seja capaz de lutar pela reforma
agrária em nível nacional. Nasce o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST,
cuja história e análise são os temas do item 3 deste capítulo.
A derrota da campanha pelas Diretas, o governo Sarney e o início da adoção de
políticas neoliberais começa a causar impacto na capacidade de mobilização dos movimentos
sociais. Mesmo assim, duas grandes lutas ainda seriam empreendidas pelo conjunto dos
movimentos até o momento em que começa a ocorrer sua desarticulação.
A primeira delas diz respeito às discussões e a instalação da Constituinte, em março de
1987. Houve grande mobilização para que os movimentos construíssem propostas que
contemplassem suas reivindicações. Uma rede de organizações rodou o país promovendo
discussões e ações que reuniram doze milhões de assinaturas para a apresentação de 122
propostas (HELLMANN, 1995, p. 20). Mesmo com grande oposição, foi possível incluir no
texto da Constituição garantias importantes de direitos sociais, a maioria nunca implementada.
Outro aspecto positivo foi o contato travado entre intelectuais, juristas e professores com
lideranças das mais diversas organizações populares (HELLMANN, 1995, p. 20).
Mas, as conquistas das forças progressistas em relação à Constituição foram
rapidamente abafadas pelo início da campanha presidencial. Segundo a análise de Hellmann
1 Informação retirada do documento História da CUT, disponível na página da CUT na internet no
endereço www.cut.org.br
34
(1995, p.45), a pressão coletiva que deveria ter acontecido para garantir que os direitos
presentes na nova Constituição fossem regulamentados não aconteceu, dadas as mobilizações
para a campanha presidencial. As primeiras eleições diretas para presidente aconteceriam em
1989, depois de mais de 20 anos de ditadura militar.
O candidato do PT, o sindicalista e então metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva,
recebeu apoio maciço dos movimentos e organizações populares e chegou ao segundo turno
das eleições, disputando com Fernando Collor de Mello, representante direto da elite antiga e
conservadora.
A derrota de Lula causou um grande desencanto aos movimentos e organizações
populares, e representou, juntamente com o processo de transição conservadora empreendido
no final da ditadura, a derrota do projeto político implícito nos movimentos sociais do fim da
década de 70 (SILVA, 1995, p. 57). Para Hellmann (1995, p. 45):
O desencanto com o espaço institucional da política, e, não menos, com a pouca extensão do raio de ação dos movimentos sociais organizados foi muito grande. Estes iniciaram um período de perplexidade, relativo fechamento de objetivos e queda no ritmo e na extensão das mobilizações – aquilo que a literatura apressou-se a decretar como o 'fim dos movimentos sociais', um tema que 'saiu da moda’.
Além da grande decepção que a derrota de Lula nas eleições de 1989 causou aos
movimentos, a entrada de Fernando Collor de Mello na presidência da República se mostrará
decisiva para o período de refluxo em que os movimentos parecem entrar a partir do início da
década de 1990. Entre os fatores responsáveis está a desagregação social causada pela adoção
integral de um modelo neoliberal para o país, além de mudanças no perfil político e
ideológico das instituições apoiadoras dos movimentos. Essas e outras questões serão
discutidas no próximo item deste capítulo.
2.3 Desmobilização dos movimentos sociais após 1989
Neste trecho, listaremos alguns dos fatores que explicam a queda no ritmo de
mobilizações dos movimentos sociais durante a década de 1990. A escolha por marcar esse
período a partir de 1989, ano da eleição de Fernando Collor de Mello à presidência da
República, se justifica pelo caráter simbólico que representou para as organizações populares,
pilares de um projeto político derrotado junto com seu candidato, Luis Inácio Lula da Silva.
Apesar do marco, é preciso ressaltar que as políticas neoliberais já tinham começado a
ser implantadas pelo governo anterior, de José Sarney, e pelos presidentes militares durante a
35
ditadura. O mandato de Fernando Collor (1990-1992)2 as intensificou, causando danos
irreparáveis às bases dos movimentos, aprofundando as desigualdades sociais e o desemprego.
O governo Collor também ficou conhecido pela repressão que imprimiu aos movimentos
sociais mais radicalizados, como veremos quando tratarmos do Movimento Sem Terra.
O sociólogo Francisco de Oliveira, em artigo publicado no livro Nova hegemonia
mundial, resume com propriedade a seqüência de adoção de medidas desastrosas para a
organização dos trabalhadores no Brasil e América Latina, a partir do crescimento da onda
neoliberal, após a euforia da democratização causada pelo fim das ditaduras:
Talvez na verdade houvéssemos subestimado o 'trabalho sujo' das ditaduras, os estragos produzidos na estrutura social, no aumento das desigualdades, na capacidade estatal de regulação dos conflitos, na identidade entre projeto nacional para as classes dominantes e projeto nacional para as classes dominadas. Uma espécie de assincronia, para dizer o mínimo, tinha-se produzido: as burguesias renunciavam a um projeto nacional, e o espaço da política era, assim, transformado em um confinamento para as classes dominadas. A onda de democratização foi engolfada pela globalização, com todas as suas conseqüências: as ditaduras haviam inserido definitivamente as economias da América Latina na financeirização do capital, o que esterilizava em grau extremado o poder do Estado nessa nova e original democratização. (OLIVEIRA, 2004, p. 113)
Micaela Hellmann observa que após as eleições de 1989, os movimentos passaram a
perder parte de sua importância, decorrência da quase extinção das formas tradicionais de
mobilização e as poucas manifestações organizadas. A autora ressalta que as dificuldades se
acentuaram a partir das mudanças econômicas realizadas pelo governo Collor, o que mexeu
significativamente com a influência dos movimentos (HELLMANN, 1995, p. 22). A autora
explica um dos fatores que pode ter relação com a queda nas mobilizações:
É necessário não perder de vista que a maior parte dos movimentos sociais, especialmente daqueles presentes nas camadas de menor renda e nas favelas, é sustentada pelas mulheres que, por sua vez, sofreram com mais intensidade os efeitos do declínio das atividades econômicas e da pobreza crescente, de modo que as solicitações constantes da luta pela sobrevivência já não lhes permitem o engajamento político. Além disso, existe o fator segurança: a violência crescente nas ruas desaconselha até mesmo a simples participação de mulheres em reuniões.
Além disso, Hellmann cita fatores como a corrupção, a ineficiência das instituições, a
tradicional cultura política de autoritarismo, o crescimento da violência, pobreza e
desigualdades, todos eles afetam intensamente a capacidade de mobilização dos movimentos.
2 O presidente Fernando Collor permaneceu apenas dois anos no poder. A partir de processos
instaurados para apurar casos de corrupção envolvendo seu nome, Collor renunciou para evitar o impeachment. Mesmo assim, teve seus direitos políticos cassados por oito anos.
36
Para ela, seria preciso haver um aumento na disposição das classes mais baixas em abandonar
o que chama de "atitude passiva", que somente espera que as soluções venham de um
aparelho estatal ineficiente (1995, p. 23)
Apesar dos fatores acima listados e da real queda nas mobilizações, devemos citar que,
no ano de 1992, alguns setores da população, principalmente estudantes universitários e
secundaristas organizados por entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) – que
cumpriu papel importantíssimo de resistência durante o período da ditadura militar, e a União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), ambas sob a influência do Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), voltaram a se mobilizar pelo impeachment do presidente
Fernando Collor de Mello. Envolvido em uma série de escândalos de corrupção e sem o
fundamental apoio da mídia comercial para continuar no cargo, Collor renunciou para evitar a
cassação em 1992, mas teve seus direitos políticos suspensos por oito anos.
As manifestações de rua pelo impeachment de Collor de Mello mobilizaram milhares
de pessoas, especialmente jovens, mas é difícil dizer em que ponto não se tratou de algo
relativamente espontaneísta. Diferente de outros períodos em que os meios de comunicação
comerciais optaram por abafar ou simplesmente ignorar as mobilizações populares, no
episódio do impeachment as manifestações foram intensamente cobertas e "aprovadas" pelos
grandes meios de comunicação, o que pode ter contribuído para a adesão. Após o desfecho do
caso Collor e sua renúncia, não foi possível verificar se as mobilizações renderam frutos para
os movimentos em termos de aumento de base ou área de influência.
Além do reflexo que as mudanças sociais trazidas pelo neoliberalismo tiveram na
desintegração dos valores e práticas defendidos pelos movimentos sociais nas décadas
anteriores, colocamos duas outras questões que podem explicar a baixa nas mobilizações,
apesar da intensificação de necessidades e desigualdades sofridas pela população mais pobre.
Ambas estão relacionadas à adoção sem reservas de um modelo neoliberal na economia e na
forma de gerir o Estado, enxugando sua estrutura e reduzindo drasticamente sua presença em
setores estratégicos para o desenvolvimento do país, sendo um dos exemplos a política
desenfreada de privatizações, adotada particularmente pelo governo Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002). A proliferação de Organizações Não-Governamentais (ONGs),
algumas inclusive de perfil conservador, e a nova postura do Estado em relação aos
movimentos estão ligadas e mexeram com as estruturas dos movimentos.
Vale ressaltar ainda que, com a queda dos níveis de emprego formal a partir da década
de 1990, os sindicatos passaram a ter muito mais dificuldade de atuação, afinal organizam os
trabalhadores por categorias estabelecidas e precisam de uma estrutura concreta para fazê- lo.
37
O desemprego fez com que milhões de pessoas passassem a sobreviver desenvolvendo
atividades informais, sem registro em carteira, direitos trabalhistas ou mesmo local
determinado de trabalho, o que dificulta sobremaneira a aproximação dos sindicatos. Por
outro lado, quem está empregado faz de tudo para se manter trabalhando e evita o
envolvimento em reivindicações que possam ameaçar suas colocações. Para Maria da Glória
Gohn, no livro Teorias dos movimentos sociais, há uma retirada do Estado da esfera social e
os trabalhadores passam a lutar individualmente pela manutenção de seus empregos, fazendo
com que as relações de trabalho saiam do foco da luta. As longas jornadas de trabalho
impostas pelo mercado informal roubam os trabalhadores das mobilizações. (GOHN, 2007,
p.297)
O neoliberalismo contribuiu também para a fragmentação e especialização das
categorias de trabalho, outro fator a dificultar a organização sindical. Afinal, se cada
trabalhador exerce uma função diferente, a junção em categorias torna-se mais complicada.
Segundo Jair Pinheiro (2006, p. 133), os governos neoliberais adotaram políticas
extremamente funcionais para lidar com os movimentos a partir da década de 1990. Para o
autor:
Na medida em que neutralizam o potencial contestador da bandeira da participação, do final dos anos 1980, tornando-a política de Estado executada por agências estatais responsáveis pelas políticas sociais, e pelas ONGs a elas ligadas, com isso controlando os mo vimentos cuja base social é cliente dessas políticas e, por outro lado, àqueles movimentos acima referidos (classistas), os governos reservaram uma forte repressão policial e a criminalização jurídica, além de fazerem 'ouvidos de mercadores' às denúncias contra a ação de forças paramilitares .
A partir do momento em que o processo de redemocratização do país é colocado em
curso, os movimentos são convidados a compor conselhos e conseqüentemente obrigados a
repensar questões como autonomia e relação com o Estado (GOHN, 2007, p.310). Essa seria a
primeira questão a ser explorada. A autonomia em relação ao Estado foi uma das bandeiras
mais constantes defendidas pelos movimentos emergentes nas décadas de 1970 e 1980. A
abertura de brechas para os movimentos "participarem" de forma institucionalizada de órgãos
e conselhos geridos pelo Estado causou um profundo dilema. Afinal, como não aproveitar o
espaço para colocar suas reivindicações para aqueles que poderiam propor alguma forma de
solução e ao mesmo tempo, como garantir que essa participação não significaria adesão e
cooptação dos movimentos e sua gradual incorporação pelo Estado? Para Ana Amélia Silva,
em Movimentos sociais e democracia no Brasil, "o Estado passa, de forma crescente, a
incorporar as demandas dos movimentos em políticas públicas que visavam, via de regra, à
sua fragmentação e dispersão" (1995, p. 57).
38
Em relação às ONGs, podemos dizer que sua expansão foi interpretada por muitos
como a derrota das classes trabalhadoras e seus movimento sociais (PINHEIRO, 2006, p.
132). Elas representam uma forma distinta de organização, calcada na profissionalização dos
militantes e voltadas para preocupações como a construção de espaços de cidadania. As
ONGs passam também a receber e gerir recursos, muitos deles provenientes de organismos
que, nas décadas anteriores, auxiliaram os movimentos sociais. A escassez de financiamento
internacional e retirada gradual do apoio da Igreja Católica foram aspectos importantes para
esse processo (GOHN,2007, p. 296).
As ONGs passam a ganhar proeminência junto à gestão de recursos, obtidos através de
parcerias com os setores público e privado. Algumas de suas ações, organizadas
majoritariamente no formato de campanhas, chegam a mobilizar grande contingente de
pessoas, mas normalmente a partir de chamamentos à consciência individual.
Alguns avaliam que o modelo neoliberal enfrenta atualmente uma grande crise. O
fracasso de sua política e o aprofundamento das diferenças que, por um momento, deixaram
perplexos e estagnados os movimentos sociais, agora podem se transformar em motor de
novas mobilizações. Para fazer essa análise, se baseiam nos momentos políticos que vivem
países latino-americanos como a Venezuela, a Bolívia e o Equador, que a partir da eleição de
presidentes assumidamente comprometidos com a diminuição ou extinção das políticas
neoliberais, assistem à retomada do papel dos movimentos sociais em seus cenários. Para Jair
Pinheiro, há o ressurgimento de uma grande variedade de movimentos sociais que, a partir da
contestação dos que afirmaram a morte dos movimentos e sobrevida das ONGs, tem retomado
as bandeiras de classe (2006, p. 132).
No Brasil, uma série de movimentos resiste em um cenário que demanda uma análise
mais cautelosa. A eleição de Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, em
2002 e sua reeleição em 2006 trouxeram aspectos contraditórios para a organização popular.
Ao mesmo tempo em que não rompeu integralmente com o ideário neoliberal, o governo Lula
passa a apostar em maior integração com os países latino-americanos, barra a implantação de
algumas medidas pilares do neoliberalismo, como a Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e adota políticas sociais vistas por alguns como emergenciais e por outros como
assistencialistas e desmobilizadoras, como, por exemplo, o programa social "Bolsa Família".
Grosso modo, a não ruptura com o modelo vigente, a não efetivação de promessas históricas
do Partido dos Trabalhadores, como a reforma agrária, e uma política de inserção dos
movimentos na esfera do governo, como podemos verificar no caso da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), causou uma profunda divisão entre as forças progressistas de esquerda.
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Enquanto parte deste contingente político prefere enxergar o lado positivo das políticas
sociais e baseia suas análises na ótima avaliação que o governo tem recebido em pesquisas de
opinião, há forças que acusam o PT e o presidente de traição de seus ideais e cooptação de
movimentos. A dificuldade dos movimentos em se posicionar claramente diante das enormes
contradições que o governo Lula encerra pode ter influenciado sua capacidade de mobilização
nos anos recentes. Procuraremos aprofundar a discussão sobre as reações a essas contradições
ao longo deste trabalho, em momentos em que a análise do fracionamento das forças
progressistas após a eleição de Lula se fará extremamente necessária para a compreensão do
objeto de estudo, o jornal Brasil de Fato.
No próximo item analisaremos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), sua criação e inserção na trajetória dos movimentos sociais surgidos na segunda
metade da década de 1970. Veremos que há muitos paralelos entre as dificuldades de
mobilização do MST e dos demais movimentos acima citados, apesar desses serem
majoritariamente urbanos. Por outro lado, ao incorporar muitos aspectos desenvolvidos pelos
movimentos anteriores, e ao fazê- lo de forma crítica, o MST conseguiu se projetar de forma
mais contundente no cenário político brasileiro, principalmente durante a segunda metade da
década de 1990, período em que as mobilizações enfrentaram intensas dificuldades.
3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) 3.1 Histórico e formação
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, conhecido pela sigla MST, foi
oficialmente fundado no I Encontro Nacional do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem
Terra, que aconteceu de 21 a 24 de janeiro de 1984, na cidade de Cascavel, na região oeste do
estado do Paraná. Este encontro reuniu 80 representantes de trabalhadores rurais de 13 estados
brasileiros.
Mas, as condições para a criação e organização de um movimento de luta pela reforma
agrária de caráter nacional começaram a ser gestadas pelo menos cinco anos antes de sua
oficialização. Em 1978, mil e duzentas famílias de pequenos agricultores que viviam dentro
de uma reserva indígena no município de Nonoai, Rio Grande do Sul, foram expulsas da área
pelos índios Kaigangs. Desalojadas, as famílias acamparam na beira da estrada e alguns meses
depois foram convidadas pelo governo estadual a se transferirem para lotes no estado do Mato
Grosso.
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O economista gaúcho João Pedro Stedile, um dos fundadores do MST e atualmente
membro de sua direção nacional, conta em uma entrevista ao geógrafo Bernardo Mançano
Fernandes, que compõe o livro Brava gente (1999), que o episódio de Nonoai pode ser
considerado como uma experiência de organização de famílias sem-terra precursora do
movimento. Afinal, algumas dessas famílias não aceitaram a transferência para a região
centro-oeste do país e decidiram permanecer no Rio Grande do Sul. Segundo Stedile, o
trabalho de organização dessas famílias começou com a identificação daquelas que estavam
dispostas a lutar para conseguir terras e permanecer em seu estado de origem (1999, p. 25 e 26) :
Meu primeiro trabalho foi identificar onde é que elas estavam. Identifiquei um núcleo no município de Planalto, outro próximo à cidade de Nonoai e o terceiro em Três Palmeiras. [...] Pelo nível de consciência que tinham, colocavam toda a culpa nos índios. Meu primeiro trabalho, junto com Ivaldo Gehlen e com Fladimir Araújo, foi mudar essa visão. Dizíamos: 'Esqueçam os índios. Essa aí é a terra deles. Agora, não significa que no Brasil não tenha mais terra. Tem sim. Como o governo quis levar vocês para Mato Grosso, vocês não quiseram e decidiram ficar no Rio Grande, vamos procurar terra aqui.
Auxiliadas por Stedile, que na época era funcionário da Secretaria da Agricultura do
Rio Grande do Sul, as famílias descobriram que uma fazenda da região, conhecida como
Macali, era terra pública e havia tido seus documentos falsificados, sendo, portanto, grilada.
Em sete de setembro de 1979, a fazenda Macali foi ocupada e a partir dela, outras ocupações
foram organizadas no Rio Grande do Sul, e os primeiros assentamentos conquistados.
Outras famílias sem-terra passaram a freqüentar reuniões em igrejas e sindicatos no
Rio Grande do Sul, contando com o apoio da Comissão Pastoral da Terra, fundada em 1975
por padres e bispos progressistas, um dos embriões do MST. O perfil das famílias era
semelhante, pequenos agricultores desalojados de seus minifúndios por conta de dívidas e
outros problemas. Estava em curso o período mais rápido e intenso de mecanização da
lavoura brasileira. Jan Rocha e Sue Brandford autoras de Rompendo a cerca, explicam no
trecho abaixo a situação das famílias sem-terra (2004, p.24):
Algumas eram desalojadas a fim de se abrir caminho às fazendas enormes e mecanizadas para o cultivo da soja, o novo grão milagroso, capaz de render ao Brasil milhões de dólares em divisas de exportação. Outras tinham as dívidas executadas pelos bancos, após uma série de colheitas fracassadas. Outras ainda haviam-se tornado diaristas nas grandes fazendas.
Um encontro organizado na cidade de Cascavel, Paraná, foi a forma encontrada para
reunir trabalhadores que estavam se mobilizando para lutar por terra em todo o país, trocar
41
experiências e tentar organizar um movimento único, de caráter e projeção nacional. João
Pedro Stedile, que novamente aparece como um dos organizadores do espaço, tinha em mente
as palavras do sociólogo José de Souza Martins, na época assessor da CPT. Segundo ele, um
movimento único de luta pela reforma agrária só seria bem sucedido se conseguisse se
expandir para todos os cantos do país e principalmente agregar os trabalhadores sem-terra do
Nordeste.
O primeiro consenso a que os trabalhadores ali reunidos chegaram foi a necessidade de
criação de um movimento nacional autônomo, até mesmo em relação à Igreja, e aberto à
participação de todos. Jan Rocha e Sue Brandford descrevem o momento da criação dos
demais princípios do novo movimento (p. 42):
Após três dias de intenso debate, estabeleceram-se os princípios do novo movimento: ser conduzido pelos próprios trabalhadores sem-terra, independentemente da Igreja, dos sindicatos e dos partidos políticos; ser aberto a toda a família; e ser um movimento de massa. E foram definidos quatro objetivos: lutar pela reforma agrária; lutar por uma sociedade justa, fraternal e pelo fim do capitalismo; incluir os trabalhadores rurais, arrendatários, meeiros e pequenos agricultores na categoria de trabalhador sem terra; e garantir que a terra seja de quem nela trabalha e dela viva.
O MST surge assim em uma época de grande agitação social. Os movimentos pela
redemocratização e eleições diretas atuavam com força nas cidades, aproveitando o momento
de bancarrota do governo militar. Surgem na mesma época duas entidades que se tornariam
históricas e que logo optaram por dar apoio ao novo movimento, o Partido dos Trabalhadores
(PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Apesar do clima de euforia, o MST enxerga com cautela as perspectivas para a
transformação social que parecem surgir com a Nova República e a eleição indireta de José
Sarney. Em uma avaliação acertada, percebem que não poderiam esperar do novo governo a
realização da reforma agrária – ela só se concretizaria com pressão popular – e ao invés de
esperar pelas mudanças, passam a organizar mais ocupações de terra.
Paralelamente, os sem-terra começam a esboçar a estrutura de sua organização. Optam
pela não criação de cargos individuais, preocupados em garantir a democracia interna e
também em não transformar as lideranças em alvos fáceis para pistoleiros.3 Tudo deveria ser
gerido de forma coletiva, com uma administração descentralizada. Foi formado um comitê de
3 Muitos fazendeiros contratavam (e ainda contratam) jagunços armados para garantir que os sem-terra
se mantivessem longe de suas fazendas. Nesse contexto de violência, um movimento organizado em cargos, como os sindicatos, transformaria seus dirigentes em alvos.
42
coordenação nacional, composto por representantes dos 12 estados onde o movimento estava
organizado. Os princípios gerais norteariam a atuação do MST, mas as políticas específicas
deveriam ser discutidas em cada região.
A bandeira da educação esteve presente desde o início do MST, sendo uma das formas
encontradas para sua a expansão, superar a ignorância imposta ao povo pobre do campo por
séculos. Posteriormente, o MST seria reconhecido inclusive internacionalmente pela
organização e formulações de seu setor de educação. Outra estratégia adotada para crescer foi
a organização de ocupações de terra de grande porte, por questão de segurança e por ser a
forma de luta que agregava mais gente. A partir da segunda metade da década de 1980, o
MST começa a avançar em direção ao norte.
O fim do governo de José Sarney e a posse de Fernando Collor de Melo representaram
o primeiro grande desafio ao MST. Collor não estava disposto a permitir a expansão do
movimento e usou todo o aparato disponível para reprimir suas ações. Apesar das
dificuldades, no início da década de 1990, o movimento se encontra em franca expansão,
principalmente em São Paulo, onde começa a organizar grande número de ocupações na
região do Pontal do Paranapanema, área de grande quantidade de terras devolutas4, no
extremo oeste do estado.
A chegada do MST ao Pontal do Paranapanema marca o momento em que o MST
conquista visibilidade nacional, o que contribui para sua expansão para outras regiões. Nesse
mesmo período, Collor renuncia à presidência para evitar sua cassação. Itamar Franco, o vice,
assume o lugar de Collor e surpreendentemente não adota uma política repressiva em relação
ao MST. Durante sua gestão, que durou um ano, cerca de seis mil famílias foram assentadas
no Pontal. Apesar do momento favorável, os trabalhadores rurais organizados seguiam
sofrendo ameaças de jagunços e pistoleiros contratados por latifundiários, que muitas vezes se
concretizavam em assassinatos. O Estado fechava os olhos para essa violência e raramente
investigava ou punia os responsáveis (ROCHA, 2004, p.84)
Ao longo da década de 1990, o MST ganha projeção nacional e legitimidade para sua
luta. A população das cidades passa a ter contato com suas idéias sobre reforma agrária e os
sem-terra viram até personagem de novela 5. A grande mídia ainda não tinha iniciado sua
4 Terras públicas, pertencentes aos estados ou à União.
5 Na novela O rei do gado, de autoria de Benedito Ruy Barbosa, exibida pela TV Globo em 1996, havia um grupo de personagens sem-terra, ligados ao MST, que organizavam ocupações de terra na região do Pontal do Paranapanema. Apesar de alguns estereótipos, os sem-terra eram retratados como agentes de uma luta justa e legítima.
43
campanha sistemática de criminalização do movimento e cobria suas ações com relativa
objetividade.
Esse cenário começa a mudar durante o segundo mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso (1999-2002). O episódio que ficou conhecido como o massacre de
Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996, onde 19 sem-terra foram executados pela polícia
durante uma operação de desocupação de uma rodovia, alcançou grande repercussão,
principalmente internacional, e desgastou a imagem de Fernando Henrique. No ano seguinte,
o MST organiza uma marcha de três meses saindo de vários pontos do país e caminhando até
Brasília, para cobrar do governo a realização da reforma agrária e protestar contra a
impunidade dos responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás. Na chegada à capital, a
Marcha reúne 100 mil pessoas e o MST mostra sua força. A partir daí, o governo investe
pesado na repressão ao movimento e toca a reforma agrária a passos lentos.
A perspectiva muda a partir da eleição de Luis Inácio Lula da Silva à presidência, em
2003. Cheias de expectativa em relação ao novo governo e à sua promessa de assentar um
milhão de famílias em quatro anos, as bases do movimento enxergam em Lula a salvação. Os
dirigentes, mais cautelosos, se esforçam para manter os pés no chão, mas também sonham
alto.
A decepção com Lula e sua falta de prioridade em assentar as famílias sem-terra criam
um impasse ao movimento. O governo opta por estabelecer pactos que assegurem sua
governabilidade e é levado a fazer alianças com setores contrários à reforma agrária. Apesar
disso, os sem-terra não rompem com Lula, afinal, conseguem alguns avanços pontuais no que
se refere ao atendimento de outras demandas, secundárias em relação à conquista da terra,
mas também importantes para o desenvolvimento do movimento, como os convênios com
universidades públicas, programas de doação de cestas básicas etc. Existe a compreensão de
que há mais espaço de diálogo e negociação com os órgãos federais sob a administração Lula,
embora essa questão também possa ser vista como uma forma de enrolar o movimento.
Ao mesmo tempo, a ofensiva da grande mídia comercial contra o MST se intensifica e
suas ações passam a ser cobertas como atos de vandalismo, como poderemos ver com mais
detalhes no capítulo III.
Paralelamente, o movimento começa a enfrentar um inimigo diferente dos
latifundiários e seus jagunços, o agronegócio, que disputa as mesmas terras que a reforma
agrária e apresenta uma face externa muito mais moderna e convincente do que o latifúndio.
Neste período, o MST se volta para dentro para enfrentar a nova conjuntura da agricultura e se
44
planejar diante das posturas adotadas pelo governo Lula. Os desafios do movimento nesta
nova fase serão abordados no item a seguir.
3.2 Desafios atuais do MST
O MST é um dos poucos movimentos sociais no Brasil que conseguiu alcançar graus
de projeção e organização tão elevados. Sua preocupação em dividir seus militantes para que
atuem em áreas como educação, saúde, formação, frente de massas, produção e comunicação,
a partir da organização desses setores em todos os espaços e níveis do movimento, permitiu a
conquista de um alto padrão de organicidade e fez com que o movimento percebesse a
necessidade de atuar em várias frentes para atingir conquistas que vão além dos lotes da
reforma agrária. O movimento foi capaz de perceber que avanços mais significativos só serão
atingidos em contextos mais profundos de transformação social, por isso, tem optado por
cumprir um papel de articulação entre redes de movimentos do campo e da cidade na
formulação de um projeto mais abrangente de mudanças.
Mas, ao mesmo tempo em que expande suas perspectivas políticas, o MST tem
enfrentado inúmeras dificuldades nos últimos cinco anos, aspectos novos e distintos das
experiências de conflito anteriores. Em relação ao governo Lula, que privilegiou o
relacionamento com o setor chamado de agronegócio em detrimento dos pequenos
agricultores, há um dilema. A base do movimento ainda enxerga em Lula um aliado, enquanto
os dirigentes entenderam que não podem esperar muito além de concessões pontuais do
governo.
Neste cenário, o MST adotou uma postura crítica em relação às políticas do governo,
mas procura poupar a figura de Lula de ataques pessoais, diferentemente de outra parte da
esquerda, que acusa o presidente de traição de seus ideais. Em artigo publicado no jornal Le
Monde Diplomatique Brasil, sob o título Uma outra matriz produtiva, João Pedro Stedile
resume as políticas do governo em relação à agricultura, incompatíveis com a realização da
reforma agrária, distintas das defendidas historicamente pelo MST (2009, p. 9):
Em nosso país, o modelo agroexportador resultou também no bloqueio da reforma agrária, agora sob a responsabilidade do presidente Lula. A democratização do acesso à terra esbarra na transformação dos recursos naturais em reserva de expansão do agronegócio. O governo dá prioridade à produção de monoculturas destinadas à exportação, sob controle das empresas transnacionais e do capital financeiro, para sustentar a política econômica neoliberal herdada de FHC. Nesse contexto, não há espaço para os camponeses, para a reforma agrária e para um
45
modelo agrícola baseado em pequenas e médias propriedades, voltado para a produção de alimentos para o povo brasileiro.
Em nosso ponto de vista, a opção por não entrar em confronto aberto com o governo,
significou para o MST a perda de alguns aliados. Apesar de respeitar o movimento, um dos
mais importantes da América Latina, algumas forças cobram uma postura mais dura em
relação a Lula, enquanto outras consideram as críticas do MST muito radicais. O fato é que,
apesar de afirmar que não se pautar pelas atitudes do governo, durante os dois mandatos de
Lula, o MST tem encontrado dificuldades para fazer mobilizações, principalmente ocupações
de terra, motores do movimento e uma de suas principais estratégias de reivindicação. Uma
reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada em 18 de janeiro de 2009, por ocasião do
aniversário de 25 anos do MST, mostra que o número de famílias em ocupações de terra caiu
de 65.552 em 2003 para 49.158 em 2007. O número de novas famílias acampadas foi de
59.082 para 6.299, ou seja, menos 89,43%, no mesmo período. Na mesma reportagem, o
bispo de Goiás, Dom Tomás Balduíno, fundador da CPT e apoiador histórico do MST,
responsabiliza as políticas sociais de Lula pela apatia popular: "O pessoal, tendo pequenas
ajudas, como a do 'Bolsa Família', não vai se inscrever nos batalhões de luta pela terra".
(2009, p. A4).
Efetivamente, o governo Lula não tem dado atenção à reforma agrária, e de uma
maneira surpreendente, conseguiu tirar essa demanda da agenda de prioridades da sociedade
como um todo. São tantas contradições que podemos afirmar que um governo do Partido dos
Trabalhadores conseguiu passar à sociedade a idéia de que a reforma agrária não é mais
necessária, apesar dos dados de concentração de terras no Brasil permanecerem
assustadoramente altos. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo sobre concentração
fundiária, a partir de dados obtidos no censo agropecuário divulgado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), em 1992 existiam 2,9 milhões de propriedades rurais com
mais de dois mil hectares, número que cresceu para 4,2 milhões de propriedades em 2003, ou
seja, um aumento de 73% (2009, p. A9). Enquanto isso, as metas de assentamento não são
cumpridas e o governo apela para a manipulação dos números, contabilizando processos
antigos de regularização de assentamentos como novos, conforme artigo de João Pedro
Stedile (LE MONDE DIPLIMATIQUE BRASIL, n. 18, janeiro de 2009, p. 9):
O resultado geral do cenário descrito acima é lamentável: temos hoje os menores índices de desapropriação e assentamentos da história do Brasil. Em 2008, das 18.630 famílias oficialmente assentadas pelo governo federal, apenas 2.366 são novas, enquanto o restante são ainda regularizações de projetos de assentamentos dos anos
46
anteriores. É uma vergonha para aqueles que tinham um compromisso histórico com a reforma agrária.
Outro fator da dificuldade de mobilização do MST pode ser creditado à ofensiva da
mídia comercial. Essa ofensiva tem ficado clara com a tentativa de criminalização imposta
pelos grandes meios de comunicação ao movimento, principalmente depois que o MST
passou a desenvolver outras formas de manifestação além da ocupação de latifúndios
improdutivos6.
Ao perceber a ofensiva das grandes corporações e a chegada de uma nova forma de
dominação no campo, representada pela aliança entre os grandes proprietários e o capital
internacional que compõe o agronegócio, o MST passa a organizar ações de visibilidade,
como ocupações temporárias de áreas industriais ou lavouras pertencentes às grandes
empresas. Pretendem com isso evidenciar irregularidades de toda sorte (ambientais,
trabalhistas), cometidas pelas corporações que utilizam áreas imensas, antes dedicadas à
produção de alimentos, para a monocultura de cana – visando lucro com o aumento da
produção de etanol (de soja, muitas vezes transgênica, que assusta o movimento), e para a
criação de gado para exportação. Um dos exemplos dessa nova perspectiva de luta foi a
ocupação e destruição de um viveiro de mudas de eucalipto da multinacional Aracruz, no Rio
Grande do Sul. A ação, empreendida por mulheres ligadas à Via Campesina, rede
internacional de movimentos camponeses da qual o MST faz parte, foi duramente atacada
pela mídia. O objetivo dos sem-terra com ela foi chamar a atenção da sociedade para a
problemática do avanço do cultivo de eucalipto para a produção de papel, que além de tomar
o espaço da lavoura de alimentos, traz uma série de prejuízos para o meio ambiente. João
Pedro Stedile lista como novos inimigos do MST as corporações multinacionais do
agronegócio, que têm influência tanto nas decisões judiciais como na mídia empresarial, já
que boa parte dos anúncios que sustentam os meios vem deste setor. Para ele (2009, p. 9):
Esse avanço das empresas transnacionais na agricultura segue combinado a uma ofensiva de repressão dos movimentos sociais, articulada por parte do Poder Judiciário, da imprensa empresarial e do Estado. Um exemplo recente ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Ministério Público Estadual e a governadora Yeda Crusius determinaram oficialmente a "eliminação" do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
6 O MST tem desenvolvido ações de denúncia contra a atuação das empresas transnacionais na
agricultura, ocupando suas sedes, fábricas e indústrias e interrompendo sua produção por algumas horas.
47
Diante deste quadro, o MST teve de atualizar seus conceitos para continuar na briga.
Hoje o movimento fala de soberania alimentar, evidencia os problemas ligados ao consumo e
utilização de transgênicos nas lavouras e enfrenta o aparato das grandes corporações, como
podemos verificar nos assuntos abordados pelos textos de sua página na internet7, por
exemplo.
O desafio é enorme, até porque o movimento não tem espaço nos meios de
comunicação para colocar suas posições, objetivos e nem explicar seu plano para o
desenvolvimento de uma agricultura camponesa sustentável para o campo brasileiro, que
levou anos para formular. As ações radicais contra o patrimônio de empresas são pouco
compreendidas pela sociedade em geral e atacadas pela mídia. Apesar de sua projeção e
importância, o MST perde espaço por não encontrar as mesmas condições políticas da época
em que mais cresceu. Veremos mais detalhes sobre a relação do MST com a grande mídia
comercial no capítulo III.
Em relação à trajetória dos demais movimentos sociais, podemos afirmar que o MST
difere em alguns pontos, que podem explicar de certa forma a projeção alcançada nacional e
internacionalmente pelo movimento, única na história do país. Em primeiro lugar, seu período
de crescimento se dá na segunda metade dos anos 1990, quando os demais movimentos,
principalmente urbanos, se encontravam em decadência. Essa expansão se deu
majoritariamente pela inovação nas formas de luta, que fez com que o governo Fernando
Henrique tivesse de prestar atenção às suas reivindicações, inclusive alçando o movimento à
categoria de seu principal adversário. O MST conseguiu, ao longo da década de 1990,
angariar forte apoio para a luta pela reforma agrária, a colocando na agenda da sociedade e
provocando discussões sobre o tema. Paralelamente, ganhou apoio de uma série de
intelectuais e personalidades políticas e sociais. O tratamento da mídia não era tão
desfavorável e permitia certos debates sobre a questão que hoje parecem impossíveis. Como
colocado acima, a política neoliberal na agricultura, representada pelas transnacionais, passa a
se expandir de forma mais agressiva no final da década de 1990.
Outro aspecto importante é a percepção do MST sobre a amplitude de seus problemas.
No início, o movimento reivindicava somente o acesso à terra. Aos poucos, começou a
perceber que a reforma agrária não acontecia por uma série de fatores que iam além de
simples falta de vontade política dos governantes. O movimento percebeu que sua luta teria
que estar inserida em um contexto mais amplo de questionamento do sistema capitalista e
7 O endereço da página do MST na internet é www.mst.org.br
48
suas políticas, especialmente a partir do avanço do neoliberalismo, se quisesse seguir em
direção às conquistas.
Percebeu também que de nada adiantaria questionar o sistema se não houvesse
formulação e proposição de alternativas. Neste sentido, o MST, a partir da segunda metade da
década de 1990, toma para si a responsabilidade de aglutinar forças progressistas de todos os
níveis para a formulação de um projeto alternativo de sociedade, algo concreto que pudesse
ser defendido não só pelo próprio MST, mas pelo conjunto dos movimentos que deveria se
unir em torno dele. A partir dessa percepção, o MST e outras forças passam a formular o que
chamam de “Projeto Popular para o Brasil”, uma série de propostas em todos os campos que
deveriam ser debatidas com a sociedade e implementadas para a diminuição das
desigualdades sociais e retomada do crescimento econômico. Voltaremos a falar sobre o
“Projeto Popular” mais adiante, em outros capítulos deste trabalho. Por enquanto, é
importante colocar que, por conta de divergências e do fracionamento e divisão da esquerda a
partir de discordâncias de avaliação sobre a natureza do governo Lula, hoje o MST não
consegue agregar a quantidade de elementos como movimentos, partidos e organizações em
torno da formulação e defesa das propostas do “Projeto Popular”.
O MST parte também para duas estratégias descritas por Maria da Glória Gohn (2007,
p.304) como fundamentais para o avanço dos movimentos sociais ao ampliar sua rede de
articulação tanto em nível nacional como internacional. Aos poucos o MST tem se
aproximado de alguns movimentos sociais urbanos para discutir principalmente a atuação da
juventude nas mobilizações. Algumas ações do MST, em parceria com o movimento
estudantil, movimento negro e outros, têm acontecido nos grandes centros urbanos, como as
ocupações de universidades para lutar pelo acesso ao ensino público. Trata-se de uma
percepção de que não existe mais possibilidade de empreender uma luta das proporções da
colocada pelo MST, que além da reforma agrária defende uma transformação social profunda,
sem contar com parceiros fortalecidos.
Em nível internacional, o movimento sentiu o baque da gradual retirada de apoio
financeiro de organizações e entidades estrangeiras, que segundo o processo descrito por
Gohn (2007, p. 313), hoje preferem destinar seus recursos às ONGs e movimentos de outros
países, principalmente na África e Ásia. Uma resposta a isso foi a articulação da Via
Campesina, organização internacional que agrega movimentos sociais camponeses de todo o
mundo. No Brasil fazem parte dela além do MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e o Movimento de Mulheres
Camponesas (MMC). O objetivo da Via é, além de trocar experiências sobre a luta pela terra
49
ao redor do mundo, que apesar de conter aspectos diferentes enfrenta problemas semelhantes,
é articular uma rede internacional de apoio a esses movimentos e suas ações, uma forma de
unir esforços para fazer frente aos gigantes desafios colocados para os movimentos sociais no
começo do século XXI.
50
Capítulo II – COMUNICAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 1. Imprensa no capitalismo
Nesta parte do trabalho, procuraremos especificar os conceitos de comunicação
popular e alternativa. Não se trata de tarefa simples, pois não há limites claros e bem
determinados que identifiquem os dois conceitos. Pelo contrário. Os autores que se
debruçaram sobre o tema, cujos estudos basearam nossas reflexões, expressam visões distintas
e em alguns momentos contrastantes sobre os termos, por vezes enxergando a comunicação
popular como manifestações que fazem parte de um conceito mais amplo de comunicação
alternativa, ou vice-versa. De qualquer forma, antes de colocar os elementos que nos ajudarão
a caracterizar as duas modalidades, trataremos brevemente da questão da comunicação de
massa, com a qual, de algumas maneiras, tanto a comunicação popular quanto a alternativa se
contrapõem.
Segundo Ciro Marcondes Filho em Imprensa e capitalismo (1984, p. 13), o
aparecimento da circulação de notícias está ligado ao desenvolvimento do capitalismo em sua
fase mercantilista, no momento em que passam a existir não só a circulação de mercadorias,
mas também as primeiras feiras e mercados. As notícias se desenvolvem em conexão com a
necessidade de circulação de bens, fazendo com que começassem a ser encaradas como
mercadorias. Para o autor, isso explica que "a reportagem, produzida de forma empresarial,
está sujeita por isso às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento ela deve sua própria
existência".
Posteriormente, o jornalismo aparecerá como forma de expressão política da
burguesia, nova classe que se forma, junto com os processos de urbanização e
industrialização. Ele deixará de servir apenas para a transmissão de notícias e troca de
informações sobre a atividade econômica em geral (mercadorias, bolsas, chegada de navios) e
passará a fornecer retaguarda social e ideológica para a mudança de rumos que os novos
capitalistas desejam imprimir ao mundo. Surge assim a imprensa (p. 15).
Num primeiro estágio, a informação comercializada como notícia vai deixando de ser
manuscrita ou impressa de forma artesanal e passa a ser organizada em edições regulares que
contém "relatos econômicos permeados de pinceladas sobre curiosidades, dados climáticos e
outras coisas pitorescas". A atividade passa a ser considerada jornalismo quando o veículo
impresso, produzido de forma empresarial, passa a ser utilizado com fins, "além de
51
econômicos, políticos e ideológicos". Segundo ele (p. 16): "no momento em que a imprensa
passa a funcionar como instrumento de classe é que ela assume seu caráter rigorosamente
jornalístico".
Durante o período de implantação da ordem burguesa, o jornalismo aparecia vinculado
aos interesses da esfera pública em formação: intelectuais, políticos e industriais. Havia então
uma diversidade de opiniões que, para o autor (p.17-18), "tirava da imprensa o caráter
classista, que passou a ser tão marcante a partir do último quartel do século XIX". Para
Marcondes Filho, a ruptura se dá a partir da transformação do jornalismo em atividade
industrial, com o surgimento da imprensa de massa, no final do século XIX. A partir daí, o
autor identifica (p. 18) que os interesses de cada empresário, ou de forma mais ampla, do
capital, passam a ser difundidos como se fossem de todos os cidadãos, subvertendo o conceito
de esfera pública, que passa a existir no capitalismo somente em caráter privado. Explica (p.
16):
A utilização da imprensa na sociedade de classes não pode ser vista, portanto, separada de sua 'função capitalista'. A imprensa e, mais especificamente, a sua bandeira "liberdade de imprensa" são a expressão real dos detentores do poder econômico no modo de produção capitalista. O jornalismo organizado nos moldes da forma privada de produção é [...] o pressuposto para a liberdade de imprensa. O caráter privado, assim, garante a liberdade. Esta não está, portanto, no direito constitucional do cidadão, de se manifestar como, quando, onde e da forma como bem desejar. Aqui, ao contrário, ela se baseia pura e simplesmente no caráter privado: este caráter é o que deve garantir a livre manifestação e não o direito constitucional.
Apesar de ser um instrumento de classe, a imprensa permite manifestações
discordantes, garantindo uma margem possível de atuação de grupos oposicionistas, atitude
que casa com seu discurso liberal. Ao apresentarem posições conflitantes, a imprensa toma
para si o papel de ser "palco da luta de classes", desde que os interesses empresariais do
veículo não sejam prejudicados. Ciro Marcondes Filho (p.22) coloca que, uma das formas de
assegurar a produção em série de mensagens conformistas é a contratação de profissionais
minimamente alinhados com as posturas ideológicas da empresa. Não há possibilidade um
jornal contar com uma grande quantidade de jornalistas que não coadunem com sua linha
ideológica. Mesmo assim, não podemos dizer que a postura conformista dos jornais de massa
venha da imposição de editores ou se dê somente a partir da atuação de jornalistas. "Não há
imposição arbitrária ou totalitária (pelo menos nos moldes tradicionais). Há, isso sim, a
manutenção do estado de coisas reinante por força de mecanismos não apreensíveis
diretamente pela observação". Para o autor (p. 20):
52
Não está, portanto, na ação individualizada, programada de agentes, o reforço diário da ideologia, que se impõe de uma forma pretensamente consensual sobre a sociedade. Há processos que atuam em conjunto e promovem a reprodução das relações sociais dominantes e que são, via de regra, alimentados cotidianamente – quase de forma automática – pelos agentes envolvidos neles.
Ao observarmos a forma de surgimento da notícia como produto, concomitante ao
surgimento da própria mercadoria, fica claro porque ela não pode ser separada dos demais
produtos da sociedade industrial capitalista. Para Marcondes Filho (p. 22):
Ela, [a notícia], além de funcionar como fruto de todo um processo de produção, que aspira à satisfação econômica, à sua realização como mercadoria e como valor de troca, portanto, à sua venda, é utilizada como arma política no combate ideológico. A imprensa atua diretamente na vida política e, via de regra, na conservação cotidiana da ideologia (daí ser ela, como emp resa privada, imprescindível à ordem burguesa) por manter mais ou menos seguros os elos estruturais, organizados em forma de sistema, no modo de produção capitalista.
Entendemos assim que imprensa e capitalismo andam juntos, pois a atividade
jornalística nasceu no núcleo e dentro da lógica de produção deste sistema. Seguindo a
orientação político- ideológica dos veículos, a informação transformada em mercadoria é
"transfigurada, alterada e mutilada" em nome de interesses empresariais, segundo Marcondes
Filho (p. 22). Por outro lado, a imprensa é capaz de, na medida em que enfatiza o lado
informativo, contribuir para as discussões políticas. Deixando o modelo do jornalismo
comercial, as modalidades de jornalismo contra-hegemônico, que podem aparecer em
diversos modelos e denominações como popular, sindical, alternativo, entre outros, buscam a
transmissão de informações não alinhadas à lógica dominante. As características dessas
formas de comunicação, que podemos chamar de contra-hegemônicas, por se pautarem por
interesses diversos dos meios empresariais e corporativos, são nosso próximo objeto de
discussão. Mas, antes de abordá- los, achamos conveniente dedicar algumas linhas à
explicação das teorias de Vladimir Lênin e Antonio Gramsci sobre o papel da comunicação na
construção de alternativas à hegemonia das classes dominantes.
2. O papel do jornal nas organizações de esquerda
Os pensadores de esquerda Vladimir Lênin (1870-1924) e Antonio Gramsci (1891-
1937) dedicaram parte de suas obras à formulação de teorias sobre o papel da comunicação na
disputa de hegemonia, dando continuidade ao pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels na
construção de um sistema alternativo ao capitalismo, o comunismo. Ambos se preocuparam
53
em encontrar formas de operar transformações profundas nas sociedades em que viviam, a
partir da superação do modelo capitalista e implantação de um sistema em que as classes
populares não fossem mais subjugadas aos interesses de uma elite que detinha o poder
político e econômico. Lênin foi um dos principais teóricos e líderes da Revolução Russa de
1917 e Antonio Gramsci, por conta de sua luta contra a ascensão do fascismo na Itália, ficou
preso por oito anos.
Consideramos que o exame das teorias de ambos os pensadores podem nos ajudar a
compreender os fenômenos da comunicação popular e alternativa por duas razões principais.
Primeiro, porque ambos consideravam que a comunicação era um fator importante em seus
projetos de transformação e disputa de hegemonia. E, tanto a comunicação popular quanto a
alternativa, ao questionar as formas como os meios de comunicação de massa transmitem
informações e consolidam a hegemonia das classes dominantes, cumprem esse papel de
disputa. Em segundo lugar, porque as concepções de comunicação formuladas por Lênin e
Gramsci pautam até hoje as discussões sobre como organizar e gerir um meio de comunicação
contra-hegemônico, direcionando escolhas que determinam a forma de ação desses meios e
seus objetivos. Veremos adiante de que forma essas concepções interferem na organização
dos meios ao falar tanto sobre os jornais alternativos de resistência à ditadura militar, como do
jornal Brasil de Fato.
Em sua obra Que fazer?, publicada pela primeira vez em 1902, Lênin estabelece as
bases do que seria um partido político capaz de derrubar o regime czarista e fazer uma
revolução proletária na Rússia. Em 1900, Lênin funda o Iskra, primeira publicação marxista
clandestina da Rússia, cuja redação tinha sede em Munique, na Alemanha, de onde escreveria
seus artigos (BORÓN, 2006, p. 23). Segundo Atílio Borón, no estudo introdutório publicado
na mais recente reedição brasileira de Que fazer?, o objetivo principal do livro era formular as
bases para a construção de um partido clandestino que pudesse levar adiante um projeto
revolucionário. A organização de partidos e sindicatos era proibida na Rússia czarista e a
perseguição política aos opositores do regime era norma, o que só tornava a tarefa mais
complexa (p. 33).
Dentro de seu projeto de partido, a função do jornal estava muito cla ra. Lênin
discordava das idéias que diziam que as massas de trabalhadores possuem uma consciência
inata de sua opressão, que em algum momento será despertada para a luta. Para ele, as massas
não têm consciência espontânea, e precisam ser despertadas para sua situação, ou seja, devem
ser estimuladas à luta. Nesta perspectiva, um dos papéis de um jornal que sirva aos interesses
do partido revolucionário é a conscientização dos trabalhadores (p. 42). Para Borón (p. 67), a
54
insistência de Lênin na importância do jornal como instrumento antecipa a enorme influência
que os meios de comunicação produzidos em escala industrial sob o controle da burguesia
teriam nos mecanismos de controle ideológico e na neutralização das tentativas de
conscientização promovidas pela esquerda com o passar do século XX. Na visão de Borón (p.
67):
Alguém pode acreditar seriamente que essa humanidade, bombardeada 24 horas por dia pelos meios de comunicação de massas – cuja esmagadora maioria é controlada por grandes monopólios capitalistas -, e com centenas de milhões de analfabetos e bilhões de analfabetos funcionais, pode elevar-se ao nível de reflexão e consciência exigidos para enfim virar essa página da história?
O segundo papel do jornal de partido para Lênin também tem a ver com a questão da
conscientização. Para o autor (p.100), um periódico é a única forma de manter uma agitação
sistemática em torno do tema do socialismo. O jornal teria assim, um papel importante na
propaganda das idéias socialistas que poderiam, a partir de sua implantação através de uma
revolução capitaneada pelo partido, resolver as necessidades da massa de trabalhadores
pobres. Este jornal deveria ter circulação nacional e manter uma regularidade para atingir seus
objetivos. Para Lênin (p. 100): "enquanto não conseguirmos unificar nossa influência sobre o
povo e sobre o governo por meio da palavra impressa, continuará a ser uma utopia a
unificação de outras formas de influência, mais complexas, mais difíceis, mas também mais
decisivas". Ou seja, o jornal era um primeiro passo para unificar os movimentos
revolucionários de toda a Rússia.
O terceiro papel do jornal seria o de organizador político. Segundo Lênin (p. 102):
O papel do jornal não se restringe à difusão de idéias, à educação política e à conquista de aliados políticos. O jornal é mais do que um propagandista e um agitador coletivo, é também um organizador coletivo. [...] Com a ajuda do jornal e em relação a ele, aos poucos se construirá a organização permanente, que cuidará não apenas do trabalho local, mas também do trabalho geral e regular, que habituará seus membros a acompanhar os acontecimentos políticos com atenção, a avaliar seu significado e sua influência sobre os vários setores da população, a elaborar os métodos adequados que permitam ao partido revolucionário interferir nesses acontecimentos. Já a simples tarefa técnica, de garantir o abastecimento material do jornal e sua devida distribuição, obrigará a criar uma rede de agentes locais de um partido único, que manterão entre si um contato vivo, que conhecerão o estado geral das coisas, que se acostumarão a exercer regularmente funções parciais dentro do trabalho geral de toda a Rússia, que irão provando suas forças na organização de diversas ações revolucionárias.
Podemos observar que, para Lênin, o jornal cumpre um papel fundamental dentro de
um partido que almeja construir uma revolução. Afinal, além de instrumento de
conscientização e propaganda de idéias socialistas, o jornal tem a função de organizar a massa
em torno de si, para que essa massa venha a compor o partido. Essa concepção de jornal como
55
organizador coletivo será retomada diversas vezes nos projetos de imprensa alternativa e
popular que estudaremos a seguir.
Já o pensamento de Antonio Gramsci coloca uma perspectiva um pouco diversa para
os meios de comunicação. A obra de Gramsci, escrita durante os tempos em que esteve preso,
possui uma característica de fragmentação. Em parte do livro Os intelectuais e a organização
da cultura, o pensador se debruça sobre diversos modelos de jornalismo e seus papéis na
disputa de hegemonia. Grosso modo, Gramsci não elege um formato único de publicação e
nem atrela sua existência a outros organismos sociais como os partidos políticos, como faz
Lênin. Gramsci enxergava os jornais como entidades autônomas, cujo papel principal era
contribuir para a formação de uma consciência crítica nacional e contra-hegemônica, atuando
paralelamente a outros mecanismos sociais. Para o autor (1995, p. 161-169), o chamado
"jornalismo integral" cumpre a função dialética de informar seu público, satisfazendo assim
suas necessidades, ao mesmo tempo em que cria e desenvolve essas necessidades, ampliando
assim seu público e área de influência. Segundo Gramsci, os diversos formatos de meios de
comunicação devem procurar atingir públicos diferentes, mas com a perspectiva em comum
de elevar o senso comum ao "pensamento coerente e sistemático".
3. Comunicação popular e alternativa no Brasil
Como dito anteriormente, existe uma dificuldade em precisar os conceitos de
comunicação alternativa e popular. A palavra alternativa pressupõe uma opção em relação a
algo, neste caso específico, à comunicação de massa. Mas, segundo esse critério, poderíamos
abrigar a comunicação produzida pelo povo dentro de guarda-chuva que é o conceito de
comunicação alternativa. Da mesma forma, podemos dizer que dentro do espectro da
comunicação popular se encaixam algumas das experiências da imprensa alternativa de
resistência à ditadura.
Diante das diferentes visões expressas por autores que se debruçaram sobre este tema
como Bernardo Kucinski, Regina Festa, Cicília Peruzzo, Carlos Eduardo Lins da Silva, entre
outros, procuraremos colocar uma série de características que nos ajudarão a definir, não de
maneira fechada e esquemática, as semelhanças e diferenças entre as duas modalidades.
Posteriormente, essas características nos auxiliarão a entender e precisar onde se encaixa o
jornal Brasil de Fato, objeto desta pesquisa, a partir das pistas aqui encontradas.
56
Cicília Peruzzo, em sua obra Comunicação nos movimentos populares (1998, p. 113),
coloca que os estudos sobre comunicação popular, apesar desta não ser um fenômeno recente,
se intensificaram a partir dos anos 1970 e 1980. Este período coincide com a criação e o
ressurgimento de uma série de movimentos sociais populares, eminentemente urbanos, que
certamente procuraram desenvolver meios de comunicação como forma de auxílio e
divulgação de suas mobilizações. No artigo A pesquisa em comunicação popular e
alternativa, Christa Berger chega à mesma conclusão, ao observar que a partir do surgimento
de experiências alternativas na década de 1970, a universidade passa a se interessar em
pesquisá- las (1995, p. 15).
Berger observa também (p.16) a imprecisão dos conceitos utilizados para a
classificação das pesquisas sobre o tema, o que confirma a dificuldade de delimitação do
campo da comunicação popular. Em sua busca por esses estudos, encontrou classificações
como: "comunicação alternativa, comunicação das classes subalternas, comunicação
participativa, comunicação marginal, comunicação emancipadora, comunicação libertadora,
imprensa alternativa, imprensa nanica, imprensa popular, leitura crítica da comunicação".
Citando José Marques de Melo (1995, p. 16):
O principal desafio para a organização desta bibliografia foi a delimitação do campo da comunicação popular. Trata-se de um fenômeno que não é novo, mas que constitui novidade pela configuração assumida na conjuntura latino-americana dos anos 80. Revisando o espectro de instituições que atuam no setor da comunicação popular praticando, pesquisando ou estimulando verificamos que os matizes são bastante diferenciados. Donde se conclui que o conceito de comunicação popular mostra-se ainda impreciso, ambíguo, contraditório.
Segundo Christa Berger, a pesquisa em comunicação popular no Brasil é orientada por
quatro "linhas mestras". Consideramos importante listá- las aqui, pois nos dão pistas sobre os
espaços em que essa modalidade de comunicação se encontra (p. 17).
a. A que tem a imprensa como ponto de part ida. São pesquisas descritivas sobre jornais de operários, sindicais, populares e alternativos. b. A que busca uma referência teórica para descrever a comunicação popular. Trabalha conceitos de classes subalternas, hegemonia, contra-hegemonia e contra-informação, referenciados, principalmente, em Antonio Gramsci. c. A que trabalha a recepção das mensagens na perspectiva popular. d. A que relaciona a comunicação com os movimentos sociais.
A partir daí, podemos tirar algumas referências sobre o conceito de comunicação
popular. Para começar, podemos deduzir que se trata de algo que tem a ver com povo.
Entendemos por povo, a partir das definições de movimentos populares colocadas no primeiro
57
capítulo deste trabalho, os representantes das classes subalternas, submetidos à dominação
econômica e política infringida pelas classes dirigentes. Por outro lado, Cicília Peruzzo nos
chama a atenção para o fato de que, em alguns momentos da conjuntura em que há uma
disputa que envolva muitas pessoas, como no já citado caso das "Diretas Já", o conceito de
povo abarca não só as classes subalternas, mas algo muito mais amplo, "quase toda a nação",
diz. "Povo, nesse sentido, é todo um conjunto lutando contra algo e a favor de algo, com
vistas ao interesse da maioria" (1998, p. 117).
Em relação aos estudos sobre comunicação popular, Peruzzo destaca três formas
distintas de enxergar o conceito de popular: o popular- folclórico, relacionado às "expressões
culturais tradicionais e genuínas do 'povo'”, o popular-massivo, circunscrito ao universo da
indústria cultural, inclusive trabalhos que tratam da questão das produções conhecidas como
"popularescas", e por último, a corrente que encaixa o popular dentro do universo dos
movimentos sociais, que se ocupa da comunicação "vinculada 'à luta do povo'" (p. 118-119).
Dentro desta última definição, que nos parece a mais acertada e que será utilizada em
nossa argumentação, a autora identifica duas visões sobre o potencial da comunicação
popular, que podem coexistir. A primeira concebe a comunicação popular como (p. 119):
Libertadora, revolucionária, portadora de conteúdos críticos e reivindicativos capazes de conduzir à transformação social; ela se concretizaria pelos meios 'alternativos', como contracomunicação da cultura subalterna, colocada em antagonismo com a comunicação de massa.
Já a segunda, mais flexível, enxerga que (p. 119):
A comunicação popular pode inferir modificações em nível de cultura e contribuir para a democratização dos meios comunicacionais e da sociedade, a cuja transformação imediata ela não consegue levar, por suas limitações e contradições e sua inserção numa grande diversidade cultural; e por concretizar-se em espaço próprio, ela não se contrapõe à comunicação massiva.
Um dos aspectos mais importantes para a definição da comunicação popular é o
entendimento de seu contexto, tanto em relação ao aparecimento das manifestações como
acerca dos espaços sociais e políticos que ocupa. Para Pedro Gilberto Gomes, em O
jornalismo alternativo no projeto popular (1990, p. 15), o que caracteriza a comunicação
popular é a sua "inserção num contexto alternativo que luta por transformações sociais",
sendo ela uma parte desse contexto, que pode ajudar a modificá-lo. O autor frisa que a
comunicação popular não tem um fim em si mesma, mas afirma que deve estar vinculada à
luta pela conscientização e emancipação das classes subalternas (p. 39).
58
No caso brasileiro, as manifestações de comunicação popular começam a aparecer em
um momento histórico de dupla insatisfação social, primeiro em relação à precarização das
condições de vida de boa parte da população, a partir de elementos analisados no primeiro
capítulo deste trabalho, e segundo, em relação às restrições impostas pela ditadura militar à
liberdade de expressão, representada no campo da comunicação pelas diversas formas de
censura que tomaram conta dos meios de massa. Dessa forma, segundo Peruzzo (p. 115):
Criaram-se instrumentos 'alternativos' dos setores populares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial direto. Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daquela estrutura então dominante da chamada 'grande imprensa'. Nesse patamar, a 'nova' comunicação representou um grito, antes sufocado de denúncia e reivindicação por transformações, exteriorizado, sobretudo em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas etc.
Podemos tirar daí que a comunicação popular se dá em concomitância à luta do povo,
obedecendo aos picos e refluxos dos movimentos populares que estimulam o seu
desenvolvimento, expressando assim, um contexto de luta e, diferencialmente da mídia de
massa, não encobrindo os conflitos sociais. Especificamente nos contextos brasileiro e latino-
americano, a comunicação popular se desenrola num espaço de disputa da população por
melhores condições de vida e fim da opressão, apresentando-se com uma forma de, segundo
Cicília Peruzzo (p. 125):
Corresponder às necessidades de expressão e organização desse movimento de negação e, ao mesmo tempo, de construção de uma sociedade nova. Está articulada a um processo de conscientização-organização-ação mais amplo de setores de classes subalternas.
Assim, a comunicação popular cumpre um papel não só de expressão, mas também de
reivindicação e denúncia, além de contribuir para a mobilização do povo, para a elevação de
seu nível de consciência sobre as causas das más condições de vida. Isso acontece por meio
do acesso à informação contextualizada, já entrando na questão do conteúdo, intimamente
ligada ao contexto onde a comunicação popular se insere.
A comunicação popular é vinculada aos interesses das classes subalternas,
representando uma iniciativa democratizante ao dar voz aos segmentos sociais que não
encontravam espaço de expressão nos grandes meios de massa. Segundo Cicília Peruzzo (p.
126), é democrática também por "transmitir informações a partir das bases, ser constituída
59
pelo ambiente onde se situa e ajudar a constituí- lo; participar na manifestação dos conflitos
entre as classes sociais nos campos dos interesses e da hegemonia"
É preciso não perder de vista que o conceito de comunicação popular compreende
processos variados, com diferentes características. Envolvem desde pequenos meios a grandes
iniciativas, que não obedecem a uma metodologia uniforme e, apesar de estarem muitas vezes
ligadas aos movimentos sociais, não pertencem somente ao seu universo, afinal, nem todo o
povo se encontra organizados em movimentos. (PERUZZO, 1998, p. 122). Em relação a essa
questão, Pedro Gilberto Gomes ressalta que não são os meios técnicos que definem as
iniciativas de comunicação como populares, nem somente os conteúdos, mas sim o conjunto
de seu "processo de produção, circulação e uso das mensagens" (1990, p. 41).
Carlos Eduardo Lins da Silva (1981, p. 63) identifica dois fatores determinantes para a
conceituação da comunicação popular: a divisão da sociedade em classes sociais e a utilização
de um meio periódico que defenda os interesses das classes trabalhadoras. Em relação à
produção, o autor isola três formas distintas. A primeira diz respeito às publicações que
defendem os interesses das classes trabalhadoras, mas não são produzidas por elas e nem a
elas se destinam. A segunda forma é a produção de publicações que defendem as classes
trabalhadoras, e, apesar de não serem produzidas por elas, são a elas destinadas. E a terceira
compreende publicações feitas e consumidas pelas classes trabalhadoras, sendo obviamente
porta-vozes de seus interesses. Apesar das diferenças, o fator que as une é a linha editorial
voltada para as necessidades e os interesses das classes subalternas.
O povo é protagonista da comunicação popular, mas tanto as produções que se dão no
âmbito das classes subalternas, como as que se dirigem a elas e são feitas por outros
segmentos sociais, "quebram a lógica da dominação e se dão não a partir de cima, mas a partir
do povo, compartilhando dentro do possível seus códigos" (PERUZZO, 1998, p. 127).
Entre os aspectos positivos da comunicação popular, encontramos: a socialização de
conhecimentos que se dá entre os profissionais especializados que se propõem a trabalha r com
essa forma de comunicação; a conquista de espaços, tanto para os movimentos nos meios
massivos como a consolidação de seus próprios instrumentos; o desenvolvimento de um
conteúdo crítico que prima pela descrição abrangente e contextualizada da realidade, evitando
assim a fragmentação e contribuindo para a mobilização do povo por mudanças; a
manutenção de uma autonomia em relação às instituições públicas e privadas; a reelaboração
de valores e a busca da igualdade entre emissor e receptor; sua constituição como serviço de
interesse público; a descoberta de identidades mais próximas do povo, sem apelar para a
espetacularização das informações; o registro da história das mobilizações das classes
60
subalternas; a democratização dos meios de comunicação e finalmente, a conquista da
cidadania. Logicamente a comunicação popular não está sozinha na tarefa de proporcionar a
efetivação de todas as questões colocadas acima, mas é capaz de contribuir uma vez que
esteja inserida num contexto mais amplo formado pelos movimentos sociais (p. 158).
Uma das premissas da comunicação popular é a manutenção ao menos de uma
perspectiva de igualdade entre emissor e receptor. Peruzzo (p. 142) coloca que a participação
popular na comunicação pode compreender vários níveis distintos de envolvimento, desde a
transmissão de mensagens até a definição da linha política, do planejamento, chegando ao
compartilhamento de todo o processo de gestão do meio.
Sabemos que na prática isso nem sempre ocorre, pois como vimos acima,
comunicação popular não é sinônimo de participação. Apesar de existir em diversos casos
concretos, a autora observa que em boa parte dos meios a participação do povo ainda é restrita
à transmissão de mensagens, como depoimentos e entrevistas, e não efetivada em todos os
níveis do processo. Um risco dessa conduta é a reprodução das estruturas autoritárias
existentes na sociedade de classes, quando, por exemplo, um grupo toma para si a tarefa de
produzir e interpretar as necessidades de informação dos receptores. Essa prática é encontrada
inclusive em alguns movimentos sociais (p. 141).
Partindo para a análise da prática da comunicação popular, verificaremos a seguir
algumas das limitações e dificuldades enfrentadas por suas experiências, apontadas por Cicília
Peruzzo (p. 122) e que se reproduzem também nas iniciativas atuais. A primeira delas é, com
certeza, a abrangência. Os meios atingem parcelas muito restritas da população, normalmente
aqueles que já estão organizados em movimentos ou ao menos conscientizados acerca dos
problemas que afligem as classes trabalhadoras. Vários aspectos podem explicar essa
dificuldade dos meios populares em chegar a parcelas mais amplas da sociedade, entre elas
temos a tiragem reduzida, freqüentemente por conta dos custos, a inadequação dos meios, ou
seja, a opção por determinado tipo de veículo sem a reflexão sobre sua pertinência para os
objetivos que se quer alcançar e por último aquele que é listado entre boa parte dos autores
com o "gargalo" da comunicação popular, a distribuição. Veremos como isso ocorre de forma
mais detalhada.
Em relação à inadequação na escolha do veículo mais apropriado para cada realidade,
Cicília Peruzzo coloca que (p. 149):
É comum a utilização de algum tipo de veículo de comunicação sem maiores preocupações com sua apropriação ao público alvo. Chega-se às vezes ao absurdo de se produzir um jornal impresso destinado a uma população de maioria analfabeta ou
61
a decidir-se por ele quando as condições materiais e de mobilização participativa são mais favoráveis ao jornal mural ou a um sistema de auto-falantes.
Da mesma forma, muitas vezes por escassez de recursos, um meio importante de
comunicação é subutilizado ou não utilizado. A autora observa (p. 150) que "boletins,
panfletos, cartazes e cartas são bastante explorados", enquanto os instrumentos que
demandam elaboração técnica, como os auto-falantes, por exemplo, são menos utilizados.
A carência de recursos financeiros parece ser uma constante nas experiências de
comunicação popular. Em muitos casos a população não tem dinheiro para adquirir os
veículos, ou nem mesmo para se deslocar ao encontro do grupo que produz um jornal popular.
A questão da auto-sustentação da comunicação popular é um ponto muito discutido, pois em
muitos casos mostra-se fator determinante para o insucesso de uma série de iniciativas.
Sabemos que é complicado manter as produções somente com contribuições do grupo ou
comunidade que está ao seu redor. Para Peruzzo (p. 153), "a saída costuma estar em conseguir
verbas mediante projetos apresentados a instituições financiadoras ou na arrecadação de
fundos com anúncios comerciais, festas populares, donativos". O cerne dessa questão é a
contradição que existe entre a tentativa de manter produções que fujam às regras mercantis da
comunicação de massa, mas que ao mesmo tempo necessitem de dinheiro para subsistir.
Não podemos esquecer-nos das diversas tentativas de uso das experiências de
comunicação popular para fins eleitoreiros e/ou particulares. Cicília Peruzzo observa um
crescimento dessa tendência (p. 154).
Em relação ao conteúdo, a autora também constata (p. 151) que comunicação popular
apresenta uma série de limitações. Uma crítica constante é o fato de suas produções serem, em
alguns casos, extremamente doutrinárias, abusando de uma linguagem não natural,
panfletária, repleta de chavões, buscando a conscientização do povo a qualquer custo. Existe
um abuso de temas políticos, insistência pela abordagem dos mesmos assuntos e pouco ou
nenhum espaço para o entretenimento. Muitas vezes, a adoção de uma linguagem pesada e
distante da realidade do receptor, demonstra a tentativa de instrumentalização da comunicação
popular negando em parte suas características mais profundas de ligação com o povo. A
comunicação popular é vista somente como um meio de conscientização e transformação da
sociedade, sem a devida atenção à riqueza do processo, sua produção.
Muitos colocam que a insistência de parte dos veículos da comunicação popular na
adoção de uma linguagem restritiva e a não abertura de espaço para aspectos importantes da
vida do povo, como o futebol, reforçam a demanda pelas produções da mídia de massa. Trata-
62
se de certa forma de uma tentativa de diferenciação dos veículos populares em relação aos
massivos. Para Peruzzo (p. 132), a "tendência a repudiar a mídia de massa", pode ter
contribuído para a opção por uma comunicação popular pouco "atraente", que praticamente
ignora aspectos como o "entretenimento, lazer, amenidades, humor", fatores que integram "o
dia-a-dia e os anseios humanos e das massas". Existe inclusive uma tendência, observada
tanto nos estudos que contrapõem a comunicação popular à massiva, quanto no discurso dos
próprios produtores, que tende a enxergar a comunicação popular como pura, ligada às
genuínas manifestações da cultura do povo (p. 128), horizontal, democrática e plural,
enquanto as produções massivas são despolitizadoras, desmobilizadoras, estimuladoras do
consumo e desvirtuadoras da realidade. Não se trata de invalidar essas colocações, mas
avaliamos que a caracterização demanda um maior aprofundamento. Concordamos com a
autora que aponta a interligação dos dois fenômenos, ambos mediados pela cultura, e por isso,
impossíveis de ser avaliados como opostos ou isolados (p. 135). Além disso, para o receptor
comum, não existe esse antagonismo (p. 128).
Para Peruzzo, "os meios de comunicação popular, apesar de sua importância e de seu
significado político, não chegam a se colocar como forças superadoras dos meios massivos".
Os meios da comunicação de massa cumprem um papel distinto no campo do entretenimento
e velocidade de informação, enquanto os populares exploram caminhos em que os meios de
massa não conseguem penetrar, principalmente se tratando de movimentos sociais (p. 131).
Em suma, possuem funções diferentes.
Por outro lado, não se trata de fechar aos olhos aos problemas e circunstâncias que
fazem parte dos meios de comunicação massiva. Segundo Peruzzo (p. 131):
Há que se reconhecer o grande poder da mídia e sua manipulação, prioritariamente, a serviço dos interesses das classes dominantes, mas nem por isso ela deixa de dar sua contribuição ao conjunto da sociedade. Quando quer, divulga campanhas e programas educativos e outros de elevado interesse público. Por outro lado, ao informar, instantaneamente, sobre fatos que ocorrem em qualquer parte do mundo, também propicia entretenimento, preenchendo, assim, necessidades que os meios populares não se propõem e nem conseguem satisfazer. Temos que levar em conta que ela vem sendo aceita tal como é pela maioria da população, o que inclui as classes subalternas. Seu conteúdo, seus formatos e sua linguagem têm muito a ver com o universo cultural de segmentos receptores.
Veremos adiante, ao falarmos sobre a comunicação alternativa, que no contexto
específico de construção de meios de resistência à ditadura militar, essa tentativa de
contraponto aos meios da comunicação de massa efetivamente aconteceu.
63
Como colocamos no início do capítulo, muitos autores têm descrito a comunicação
popular como alternativa. O termo comunicação alternativa pode causar alguma confusão por
compreender elementos como a "imprensa operária, sindical, partidária e popular"
(PERUZZO, 1998, p. 19). Apesar de pertencer ao campo da comunicação alternativa, por não
funcionar em todos os aspectos da mesma forma que a comunicação massiva – representando
assim uma opção – o termo comunicação alternativa é correntemente utilizado de outra
maneira. Cicília Peruzzo nos explica que (1998, p. 120):
No Brasil, a expressão "imprensa alternativa" tem recebido conotação específica, entendendo-se por ela não o jornalismo popular, de circulação restrita, mas os periódicos que se tornaram uma opção de leitura crítica, em relação à grande imprensa, editorialmente enquadrada nas regras da censura imposta pelo regime militar, mas confortavelmente assentada na condição de monopólio informativo. Também chamada de "nanica", foi lançada no mercado a partir da década de sessenta, para tornar-se mais freqüente e variada nos anos setenta.
Para Bernardo Kucinski, jornalista egresso de várias experiências da imprensa
alternativa e autor de um relevante trabalho de pesquisa sobre o tema, o livro Jornalistas e
revolucionários, o termo imprensa alternativa mostra-se mais adequado do que "nanica", que
em sua opinião expressa "uma pequenez atribuída [aos meios] pelo sis tema a partir de sua
escala de valores e não dos valores intrínsecos à imprensa alternativa" (2003, p. 13). Segundo
o autor:
O radical de alternativa contém quatro dos significados essenciais dessa imprensa: o de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 1960 e 1970, de protagonizar as transformações sociais que pregavam.
Sérgio Caparelli, em seu livro Comunicação de massa sem massa, concorda com
Kucinski (1986, p 43-45) ao analisar os diferentes nomes que a comunicação de resistência à
ditadura militar recebeu. Para ele, o termo "nanica" é insuficiente, pois não indica o contexto
de surgimento dessa imprensa, além de causar confusão ao remeter a algo pequeno. Para o
autor, jornais do interior do Brasil e de capitais fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Brasília
poderiam receber a mesma alcunha, apesar de funcionar dentro da mesma lógica dos grandes
meios empresariais. Tanto o termo "imprensa política" como "jornalismo opinativo" também
não solucionam a questão, pois escamoteiam o fato de que todo produto jornalístico é político
e opinativo. O fundamental nesse raciocínio é demonstrar que, ao classificar a imprensa
alternativa de política e ou opinativa, a ideologia dominante nada mais faz do que tentar
naturalizar suas posições, como se essas fossem neutras e as outras, opositoras, fossem as
64
ideológicas. Ou seja, ao caracterizar seu contraponto – a imprensa alternativa – dessa forma,
os grandes meios tentam reforçar sua posição de isenção, objetividade e imparcialidade,
elementos que não existem da forma como tentam fazer com que o público acredite. Por fim,
Caparelli demonstra que alternativo é o termo mais apropriado, pois "indica uma relação com
o outro", no caso, a imprensa massiva.
Seguindo esse raciocínio, encontramos um primeiro aspecto importante na
diferenciação de perspectivas entre a comunicação popular e a alternativa. A segunda
colocou-se efetivamente como um contraponto à comunicação massiva. Esse contraponto
pode ser analisado a partir de diversos aspectos, como o contexto de seu surgimento, sua
forma de organização e produção, a propriedade, o conteúdo diferenciado, a forma de
comercialização e distribuição, a relação com o leitor, a origem de seus atores, a composição
social de seus grupos produtores, seu público alvo, a relação com o Estado, suas formas de
financiamento, suas bandeiras e os interesses que representa. A partir do detalhamento dessas
características, poderemos enxergar com mais clareza de que forma a comunicação alternativa
se diferencia da popular e lógico, seus pontos em comum.
O primeiro ponto é a observação feita por Christa Berger (2003, p. 18) de que as
manifestações da imprensa alternativa mereceram mais estudos do que as outras vertentes do
que podemos chamar de forma mais ampla, de comunicação contra-hegemônica.
Ironicamente, o primeiro estudo que procurou sistematizar as características da imprensa
alternativa no Brasil foi elaborado pelo Centro de Informações do Exército, CIEX, durante a
ditadura militar. Citada tanto por Christa Berger no artigo A pesquisa em comunicação
popular e alternativa, como por Sérgio Caparelli em seu livro, Comunicação de massa sem
massa, a pesquisa chegou à conclusão de que a imprensa alternativa preencheu o vazio de
conteúdo deixado pela grande imprensa sob censura, enfatizando em suas produções a crítica,
análise e denúncia. Sua formação se deu a partir de grupos de jornalistas que, descontentes ou
impossibilitados de trabalhar nos grandes meios de comunicação, procuraram montar
pequenos jornais, alguns em forma de cooperativa, onde pudessem exercer a contestação ao
regime militar (CAPARELLI, 1986, p. 46).
Em relação ao contexto de seu surgimento, Sérgio Caparelli destaca que, apesar de ter
aparecido revitalizada durante a ditadura militar, ou seja, no momento em que havia um
bloqueio maior de informação por parte do poder, o fenômeno da comunicação alternativa
não se restringe ao período após o golpe de 1964 (p. 47). Jornais com características
semelhantes aos alternativos da década de 1970 eram comuns no período anterior à
transformação da imprensa em atividade industrial, quando os custos de produção
65
aumentaram, favorecendo o crescimento dos empreendimentos de maior porte e dos
monopólios (p. 53). Porém, a maior parte das produções surgiu mesmo durante o regime
militar, experimentando seu auge durante um dos períodos mais repressivos da história do
Brasil, o governo do general Emilio Garrastazu Médici entre 1970 e 1974 (p.47). Assim,
podemos verificar que as manifestações da imprensa alternativa surgem em um contexto de
restrição das liberdades e direitos individuais, em que o poder estabelece um controle direto
sobre o sistema de comunicação, causando o recrudescimento das atividades da grande
imprensa, que funcionava sob censura imposta diretamente ou autocensura. Para Sérgio
Caparelli (p. 47), a imprensa alternativa "significou a criação de canais de informação para
expressão de segmentos da classe média e para ela, visto que os canais de expressão do
trabalhador brasileiro, que não lê jornais, permaneceram interrompidos" Para Kucinski (2003,
p. 16):
A imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos.
Partindo do contexto, vamos explicitar um pouco mais um aspecto já tocado pelas
citações acima, a origem e formação dos protagonistas da comunicação alternativa, assim
como de seu público leitor. Sabemos que as articulações em torno dos meios se davam na
forma de frentes, que uniram jornalistas, intelectuais e representantes de movimentos sociais e
partidos clandestinos, freqüentemente os dirigentes, em torno da perspectiva de construir
canais de informação e denúncia diante do autoritarismo da ditadura militar. Ou seja, os meios
de comunicação alternativos eram formados eminentemente por membros das classes médias
da sociedade e acabavam se dirigindo a um público parecido com seus produtores. Segundo
Sérgio Caparelli, o público da imprensa alternativa se concentrava nas capitais, reproduzindo
a situação da grande imprensa, e normalmente eram pessoas já expostas a outros canais de
informação. Nesse aspecto, a imprensa alternativa diverge sensivelmente da popular, que,
pode até ter entre seus quadros profissionais egressos das camadas médias, mas se dirige
basicamente às classes subalternas.
O desafio custou caro aos que se propuseram a enfrentar as arbitrariedades e a
violência cometidas pelo aparelho repressivo. Veremos mais adiante, ao comentar um pouco
da história desses meios, que tanto seu patrimônio físico como seus participantes foram
vítimas de uma série de tentativas de calar a imprensa alternativa. Por enquanto, vamos nos
66
limitar a comentar que a censura, que atingia os grandes meios de comunicação, sendo que
boa parte deles se colocou a favor do golpe militar e não agia no sentido de propor mudanças
na estrutura da sociedade (CAPARELLI, 1986, p. 45), foi ainda mais implacável com os
meios alternativos. Nas palavras de Kucinski (2003, p. 14): "O aparelho militar distinguia os
jornais alternativos dos demais, perseguindo-os e submetendo os que julgava mais
importantes a um regime especial, draconiano, de censura prévia".
Se a censura era um aspecto extremamente restritivo aos órgãos de comunicação
massiva, o que dizer de seu impacto nos empreendimentos de menor porte? A estrutura e a
organização não eram exatamente pontos fortes das produções alternativas. A primeira
questão que se coloca é a do financiamento, dificuldade que seus meios dividem com as
expressões da comunicação popular. Sabemos que os grandes meios tiram seu sustento
majoritariamente da venda de espaços publicitários, os anúncios. Também é ponto pacífico
que os meios empresariais têm compreensões ideológicas próximas às de seus anunciantes,
dividindo interesses e visões de mundo. Para Sérgio Caparelli (1986, p. 64), a dificuldade de
um meio alternativo conseguir anúncios reside no fato de ao procurar trazer ao público "os
mecanismos do poder, através da crítica ou da denúncia, simplesmente passam a não receber
inversões publicitárias".
A venda dos jornais alternativos em bancas era muito prejudicada pelos esquemas
vigentes de distribuição. Segundo Kucinski (2003, p. 18), poucas produções conseguiram
atingir tiragens grandes o suficiente para cobrir as despesas da distribuição em bancas,
atividade monopolizada desde então por grandes distribuidoras. Dois outros aspectos devem
ser ressaltados em relação à sustentação financeira da imprensa alternativa. A censura
contribuiu de maneira importante para o fracasso de alguns projetos, já que em alguns casos
números inteiros chegaram a ser apreendidos, quando não eram retalhados pela censura prévia
e tinham que ter suas reportagens substituídas às pressas, com prejuízo da qualidade. O
segundo aspecto advém da mentalidade dos próprios jornalistas que participavam dessas
experiências, que tinham poucas noções de administração de custos e manutenção de
empresas. Segundo Kucinski (2003 p. 18), os grupos se constituíam em "coletivos informais,
cooperativas, ou em sociedades por cotas, freqüentemente sem definição precisa das cotas".
As questões de administração e viabilidade econômica dos projetos eram em geral pouco
discutidas (2003, p. 18). Muitas vezes os jornais eram apoiados financeiramente por
jornalistas que continuavam trabalhando na grande imprensa e por artistas, "que organizavam
shows para angariar recursos" (2003, p. 20).
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Se por um lado primavam pela desorganização administrativa, por outro, as
experiências de comunicação alternativa defendiam propósitos democráticos, como decisões
tomadas em assembléias, horizontalidade, formação de conselhos amplos para a discussão de
propostas, e autonomia dos meios em relação a partidos e demais organizações. Nesse
sentido, possuíam aspirações semelhantes às dos meios populares. Apesar disso, em ambos os
casos as tentativas de dirigismo e aparelhamento eram relativamente comuns. Para Kucinski
(2003, p. 19), os jornais alternativos eram constantes alvos de disputas entre grupos e partidos
clandestinos que lutavam entre si pela hegemonia das publicações. Isso aconteceu inclusive
com projetos que nasceram tendo a questão da autonomia como pilar.
Para o autor, o que estava em jogo com essas disputas era a concepção do papel do
jornal, vista de uma forma pelos jornalistas que se envolviam nos projetos com o objetivo de
construir publicações autônomas, e de maneira distinta pelos dirigentes dos partidos que se
aproximavam dos mesmos para instrumentalizá- los e voltá- los para suas lutas específicas.
Trata-se de um antagonismo de visões que encontramos na obra de pensadores de esquerda
que se debruçaram sobre o papel do meio de comunicação na disputa de hegemonia na
sociedade, como Antonio Gramsci e Vladimir Lênin. Para Bernardo Kucinski (2003, p. 19-
20):
Havia entre as concepções vigentes uma forte inspiração gramsciana, entendendo os jornais como entidades autônomas, com o principal propósito de contribuir para a formação de uma consciência crítica nacional. [...] Todos os principais jornais procuravam montar um conselho editorial composto por personalidades de prestígio com a finalidade de legitimar a linha editorial, ampliar a base de sustentação dos jornais ante as investidas da repressão e identificá-lo com correntes expressivas de opinião.
Em contrapartida, a visão leninista muitas vezes suplantou a inspiração gramsciana e
direcionou os meios para outros caminhos. Segundo Kucinski (2003, p. 20):
O organismo deliberativo dos jornais era em geral estabelecido segundo o princípio da frente jornalística, reunindo jornalistas intelectuais e ativistas de vários partidos clandestinos em torno de uma plataforma comum. Mas na cultura política de cada partido ainda predominava a concepção leninista que entendia o jornal como instrumento de partido. E cada grupo procurava ganhar posições na frente jornalística, para fazer dele o seu instrumento de poder, mesmo ao atropelo dos mecanismos pré-estabelecidos. Era como se houvesse um consciente gramsciano, expresso nos programas e estatutos, compartilhado principalmente por jornalistas independentes e intelectuais, e um inconsciente leninista trazido pelo ativismo político, que acabava se impondo.
Em seu livro Jornalistas e revolucionários, Kucinski dá ênfase à questão da
aproximação de grupos políticos e da partidarização de jornais que se reivindicavam
68
autônomos. Trata-se de aspecto tão relevante para sua reflexão, que o autor atribui o
fechamento de grande parte das iniciativas de imprensa alternativa às disputas e rachas que a
imposição de uma visão leninista sobre o papel do jornal proporcionou.
Por fim, há a questão do conteúdo e dos interesses. Cada iniciativa procurou seus
meios específicos e formas de abordagem para os temas escolhidos. Kucinski identifica duas
tendências principais, os de cunho mais "político" se serviam dos ideais de valorização dos
aspectos nacionais e populares, tendo como base "o marxismo vulgarizado dos me ios
estudantis nos anos de 1960". Apesar de dogmáticos – crítica semelhante aos conteúdos dos
meios populares – foram os únicos a perceber alguns aspectos menos evidentes das políticas
da ditadura militar, como o endividamento externo progressivo e o aprofundamento das
desigualdades sociais. Procuravam mostrar as múltiplas faces do Brasil e estamparam em suas
páginas bóias-frias e membros de movimentos populares. Entre as discussões recorrentes
estavam os temas clássicos da esquerda e os caminhos da oposição, ou seja, temática menos
localizada e mais elitizada que a dos meios populares (p. 14). A segunda leva de jornais tinha
seu mote voltado para a questão comportamental, inspirados pelos movimentos de contra-
cultura norte-americanos. Eram tão ou mais questionadores da ordem vigente que os
"políticos", pois causavam a ira do regime ao desafiar padrões de comportamento e moral
estabelecidos (p. 14-15). Para Caparelli (1986, p. 47), “o estilo, o rebuscamento das
expressões, os assuntos, o conteúdo, enfim, faziam da imprensa alternativa de intelectuais, ou
atingindo apenas a vanguarda dos movimentos sociais”.
Com a ditadura caminhando para o fim, a abertura política e a ascensão dos
movimentos sociais a partir do final dos anos 1970, acontece o refluxo da imprensa
alternativa. Para Sérgio Caparelli (p. 47), a abertura de brechas no regime e a reorganização
dos movimentos fazem a comunicação popular, dos trabalhadores, vir à tona, enquanto a
alternativa reflui. Simultaneamente, a abertura para a atuação das oposições sindicais e dos
grupos e partidos clandestinos fez com que florescessem iniciativas de comunicação partidária
e sindical, hoje vistas como herdeiras da comunicação alternativa praticada no Brasil durante
os anos 1970 (PERUZZO, 2003, p. 121).
69
CAPÍTULO III – O SETOR DE COMUNICAÇÃO DO MST
Nesta parte do trabalho, abordaremos alguns aspectos históricos e operacionais do
setor de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Observamos no
capítulo I que o MST alcançou um grau elevado de organização, sendo hoje um movimento
de abrangência nacional. Vimos também que uma das formas encontradas para qualificar a
luta do movimento e preparar seus quadros em várias direções foi dividir a atuação interna do
MST em setores. Assim, os militantes do movimento se organizam internamente por áreas
que cuidam das áreas de educação, formação, mobilização, saúde, finanças, relações
internacionais, produção e claro, comunicação.
A dedicação deste capítulo à atuação do setor de comunicação do MST se justifica,
pois a experiência acumulada pelos militantes que cuidam de seu funcionamento foi utilizada
durante o processo de gestação do projeto do jornal Brasil de Fato, cuja trajetória será
analisada. Grosso modo, com o crescimento da atuação do setor, o MST passou a refletir
sobre o papel da comunicação em sua estrutura organizativa, além de criar um departamento
para lidar com os meios de comunicação de massa. Embora ainda carregue traços da visão da
comunicação como instrumento secundário de auxílio às lutas, muitas vezes ignorando o
potencial de mobilização que esta carrega e a enxergando somente como ferramenta de
formação e propaganda, o MST tem fortalecido suas convicções acerca da importânc ia da
comunicação na disputa de poder dentro da sociedade.
Este item sobre o setor de comunicação do MST tratará fundamentalmente de três
temas. Primeiro, discorreremos sobre a relação dos movimentos sociais com a grande mídia
de forma mais ampla. Este debate introduzirá o histórico que faremos sobre a relação
específica entre o MST e os meios de comunicação de massa brasileiros e a tentativa do
movimento de encontrar brechas para tornar públicas as suas reivindicações na grande mídia,
por meio do fortalecimento de um trabalho de assessoria de imprensa. Em terceiro lugar,
falaremos sobre o funcionamento do setor propriamente dito, e do esforço de construção de
meios próprios de comunicação sigam os interesses e divulguem as ações do movimento.
Consideramos importante colocar que as observações contidas neste item decorrem de
minha atuação como militante e, posteriormente, como jornalista contratada dentro do setor
de comunicação do MST. Algumas informações foram obtidas por meio do estudo de
documentos e mais especificamente, de textos de formação técnica e política elaborados pelo
próprio movimento para municiar as discussões do setor. É necessário ressaltar que muitas
70
vezes esses textos não trazem datas ou referências sobre seus autores, dificultando um
trabalho mais completo de citação.
1. Movimentos sociais e meios de comunicação de massa
Pudemos verificar no capítulo II que, assim como os meios de comunicação popular e
alternativa possuem interesses, defendem visões de mundo e contribuem para a discussão de
projetos de sociedade, o mesmo acontece com os meios massivos. Apesar de procurarem
manter uma aura de objetividade e imparcialidade, seus interesses e compromissos estão
voltados para a manutenção dos sistemas de dominação perpetuados pelo capitalismo,
inclusive participando ativamente desse sistema como empresas geradoras de lucro através da
venda de informação-mercadoria.
Antonio Gramsci caracterizou os meios de comunicação hegemônicos como aparelhos
de dominação do Estado, ou seja, instrumentos criados para a manutenção do status quo.
Esses instrumentos tiveram seu poder de influência na sociedade aumentado nas últimas
décadas, a partir de processos levados a cabo mundialmente pela expansão do capitalismo
com a globalização e a adoção de um conjunto de medidas econômicas e políticas conhecido
como neoliberalismo. Nos países periféricos, essas medidas foram em grande parte
responsáveis pelo refluxo dos movimentos sociais reivindicatórios da década de 1990, como
pudemos observar no capítulo I. Indo além da análise localizada, podemos afirmar que os
efeitos da expansão do neoliberalismo puderam ser sentidos em todos os países do globo, a
partir da redução de gastos estatais com políticas sociais (nos locais em que chegaram a ser
implantadas), aumento dos índices de desemprego e violência urbana.
Paralelamente a esses processos, o mundo passou por uma revolução tecnológica a
partir da introdução dos computadores e da internet no cotidiano de um grande número de
pessoas. O crescimento do fluxo de informação e a demanda por notícias cada vez mais
velozes e em tempo real deram novo fôlego à indústria de produção de bens simbólicos – a
chamada indústria cultural, à qual pertencem as produções da comunicação massiva. O
resultado deste processo, colocado de forma resumida por Maria da Glória Gohn no livro
Mídia, terceiro setor e MST, é a ampliação de poder da mídia na sociedade, fazendo com que
ela passe a funcionar mais efetivamente como mecanismo de controle, um verdadeiro "quarto
poder" (2000, p. 9). Gohn define o termo mídia como (p. 19):
71
O conjunto de instituições , negócios ou organizações que produz e transmite informações para determinados públicos [...] A mídia inclui jornais, rádio, estações de televisão (canais regulares e cabo), magazines, boletins, mídia computadorizada online, mídia interativa via computador, filmes e vídeos.
Atualmente, a mídia pode ser compreendida como campo de poder e espaço de
sociabilidade. Gohn sustenta que, a partir dos anos 1990, os meios de comunicação tomaram
um espaço muito significativo na formação da opinião pública e na influência em
acontecimentos conjunturais, exercida tradicionalmente por instituições como os partidos,
movimentos sociais, sindicatos etc. A autora acredita que a perda do enfoque crítico e a
aceitação de valores disseminados por grupos economicamente poderosos, transformaram o
papel da mídia, de contestadora para divulgadora do consenso em torno do neoliberalismo
(2000, p. 20).
Apesar de fazerem parte do "establishment econômico e financeiro", defendendo
assim interesses contrários aos dos trabalhadores organizados em movimentos populares, os
meios de comunicação cumprem um papel importante junto às organizações, contribuindo
muitas vezes para seu crescimento, a partir da divulgação de suas lutas e, em alguns casos,
para sua destruição, a partir da construção que fazem de sua imagem (GOHN, 2000, p. 22).
Muitas vezes, as representações criadas pelos meios massivos de comunicação são as
únicas formas de divulgação das mobilizações dos movimentos sociais para um público mais
amplo, já que os meios criados no âmbito desses movimentos costumam ter abrangência mais
restrita. Atualmente, podemos medir o grau de influência e expressividade de um movimento
social pelos fatos e imagens que conseguem produzir e veicular nos grandes meios de
comunicação, até porque os movimentos costumam utilizar esse "prestígio" como forma de
pressionar os órgãos estatais. Os meios comerciais, obedecendo a seus interesses de classe,
logicamente não cedem grandes espaços para que os movimentos imponham suas
reivindicações e explicitem seus objetivos. Inclusive, boa parte de suas mobilizações é
freqüentemente ignorada pelos meios massivos como estratégia para torná- los invisíveis
diante do público. Para Maria da Glória Gohn (2000, p. 23):
A mídia tem retratado os movimentos segundo certos parâmetros político-ideológicos dados pela rede de relações a que está articulada. Os interesses políticos e econômicos formatam as considerações e as análises que configuram a apresentação das informações, denotando um processo onde a notícia é construída como mensagem para formar uma opinião pública sobre o acontecimento, junto ao público consumidor, e não para informar este mesmo público.
72
Christa Berger, em seu livro Campos em confronto (2003, p. 41- 42), aprofunda a
questão da manipulação exercida pelos grandes meios na cobertura de mobilizações sociais,
normalmente escamoteada atrás dos falsos princípios da imparcialidade jornalística. Coloca
também que, por outro lado, os movimentos não podem prescindir de sua relação com a mídia
massiva:
Todo leitor que acompanhou a cobertura de alguma reivindicação social na qual esteve envolvido – seja um professor em greve, um colono sem-terra, um funcionário público de instituição em vias de privatização – sabe por experiência que o jornal não foi isento. Pode até ter trazido as duas versões, mas a legenda na foto, o número de manifestantes, a palavra que designa o movimento, tomam posição. E a posição negada em nome do princípio liberal do jornalismo – a imparcialidade – é que confirma a que veio a imprensa. É consenso sabê-la arauto da perspectiva histórica da burguesia e, assim, sustentação do capitalismo. A perspectiva dialética ensina que nesta dinâmica, no entanto, existem contradições: ela é também a única possibilidade de um movimento social fazer ouvir suas queixas e a conquista da democracia passa pela sua aprovação.
Trata-se de uma contradição enfrentada diariamente pelos movimentos, pois ao
mesmo tempo em que precisam dos grandes meios para atingir um público amplo e pautar
suas reivindicações para o conjunto da sociedade, percebem que dificilmente encontrarão
espaços para a contextualização de suas lutas e divulgação de suas mobilizações do ponto de
vista de seus interesses na mídia massiva. Diante deste quadro, os movimentos possuem duas
linhas de atuação. A primeira seria a busca por brechas para expor suas demandas e
necessidades ao grande público dos meios de comunicação de massa. Essa busca significa
tanto a profissionalização e treinamento de pessoas que tentarão estabelecer relações mais
próximas com os meios e com os profissionais que neles trabalham, como a organização de
mobilizações cada vez mais "midiáticas", ou seja, mais passíveis de despertar o interesse dos
grandes meios em cobri- las. Sobre este último ponto, Christa Berger (2003, p. 43) observa
que os movimentos desenvolveram o que chama de "cultura de mídia", ou seja, "um saber
intuitivo que informa grupos (culturais e políticos) de que precisam atravessar a mídia para
obter estatuto de existência".
A segunda linha pressupõe a construção de meios próprios de comunicação, onde os
movimentos possam se expressar de maneira mais aberta, sem a preocupação com o choque
de interesses. A questão que se coloca é, mais uma vez, a abrangência desses meios populares,
que acabam atingindo apenas participantes e simpatizantes dos próprios movimentos
(BERGER, 2003, p. 24).
Veremos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem optado por
seguir nas duas linhas descritas acima, especializando seus quadros para que aproveitem, a
73
partir de um trabalho de assessoria de imprensa, as brechas para inserir seus pontos de vista
nos meios de comunicação de massa e ao mesmo tempo, procurando desenvolver meios
próprios e diversificados, que auxiliem o movimento na tarefa de atingir públicos mais
amplos com suas reivindicações.
2. O MST e a grande mídia
Em vinte cinco anos de existência, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
estabeleceu com os meios de comunicação de massa uma relação principalmente conflituosa.
Por defender ações e interesses opostos aos das classes dominantes, proprietárias e
mantenedoras da mídia comercial, é natural supor que o movimento não encontre nas páginas
dos grandes jornais e revistas e das emissoras de rádio e televisão grande condescendência.
Excluindo alguns episódios bem específicos, podemos dizer que a grande imprensa trata o
MST com indiferença ou preconceito, dando pouco espaço à explicitação de seus objetivos,
cobrindo com sensacionalismo suas ações, descontextualizando reivindicações e
deslegitimando suas formas de luta.
Para Christa Berger (2003, p. 109), a questão da terra e a luta pela reforma agrária não
são notícia no Brasil. Segundo a autora, isso acontece primeiro porque se trata da mesma luta
há muitos anos, não correspondendo assim ao critério de novidade. Em segundo,
simplesmente porque a realização da reforma agrária é contra "os interesses daqueles que
detém o poder político e de seus representantes na mídia".
Diante disso, o MST desenvolveu o que a autora chamou de "cultura de mídia", ou
seja, aprendeu a organizar mobilizações que atraíssem o interesse e a cobertura dos grandes
meios, rompendo seu pressuposto de ignorar as mobilizações sociais para não torná- las
públicas.
Assim, começou a divulgar para a grande imprensa suas ocupações de terra, marchas,
protestos em prédios públicos, romarias, encontros, e outras atividades massivas. Num
primeiro momento, a estratégia funcionou, e as mobilizações do MST foram cobertas. Mas, na
medida em que o movimento começa seu processo de expansão pelo Brasil, a cobertura dos
grandes meios começa a ficar mais agressiva. Aparecem assim as primeiras tentativas de
amedrontar a classe média urbana a partir da criação de uma imagem "violenta" do MST. A
adoção dessa postura da mídia em relação ao movimento coincide com as medidas repressivas
utilizadas pelo governo Collor (1990-1992) contra os sem-terra.
74
Este cenário começa a se modificar a partir de um triste episódio da história brasileira,
que ficou conhecido como o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de
1996. Durante uma ação de desocupação de uma rodovia estadual no sul do Pará, 19
trabalhadores rurais ligados ao MST foram assassinados pela polícia militar, sendo que outros
dois morreram dias depois em decorrência dos ferimentos. O vídeo feito por uma equipe de
televisão local mostrou que os sem-terra foram executados, com tiros à queima roupa, a
maioria na cabeça, em momentos em que as vítimas já se encontravam imobilizadas.
O acontecimento causou uma profunda repercussão negativa, tanto dent ro como fora
do Brasil, e foi exaustivamente coberto pelos meios de massa. A partir da recuperação das
imagens que mostram as execuções, a grande mídia repudiou o caso e exigiu a punição dos
responsáveis.
Um ano após o massacre, em 17 de abril de 1997, os sem-terra chegavam em marcha à
Brasília para uma grande manifestação, vindos de três pontos diferentes do país. Seu objetivo
era a reivindicação da reforma agrária e a exigência de punição aos assassinos de Eldorado
dos Carajás. Foram recebidos por milhares de militantes de outros movimentos e organizações
populares, naquela que Maria da Glória Gohn classifica como uma das maiores mobilizações
políticas da história recente do Brasil (2000, p. 137).
As proporções da Marcha forçaram a entrada do tema da reforma agrária na agenda do
governo Fernando Henrique Cardoso, assim como repercutiram largamente nos grandes
meios, ou seja, tratou-se de uma mobilização politicamente e "midiaticamente" bem-sucedida
(GOHN, 2000, p. 136). A pesquisa de Gohn comprova a grande inserção do MST nos meios
massivos durante a marcha de 1997 (2000, p. 138):
Durante o mês de abril de 1997, o MST teve 163 manchetes noticiadas em um único jornal brasileiro de circulação nacional, a Folha de S. Paulo. Ele ocupou todos os dias a primeira página do jornal e foi a manchete principal durante quase 15 dias. As manchetes dos jornais e telejornais brasileiros foram invadidas pelas notícias sobre os sem-terra. As duas principais revistas semanais, VEJA e ISTO É, dedicaram à marcha grandes reportagens e o MST foi capa das duas revistas com as chamadas: "A marcha dos radicais" (VEJA, 16/04/97), "Eles chegaram lá" (VEJA, 23/04/97) e "Governo sitiado" (ISTO É, 23/04/97).
O próprio planejamento da marcha foi pensado de forma a conseguir ampla cobertura
midiática. Além do destaque na imprensa – e provavelmente em decorrência dele – a marcha
de 1997 alcançou duas importantes conquistas: angariou grande simpatia popular para a causa
dos sem-terra e conseguiu que representantes do MST fossem recebidos pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso para discutir suas demandas.
75
Maria da Glória Gohn (2000, p. 141) observa que a transformação na forma da mídia
retratar os sem-terra foi "espantosa". Os militantes deixaram de ser vistos como baderneiros e
passaram ao status de cidadãos em luta pela reforma agrária. Sua luta passou a ser
considerada justa. A autora enxerga algumas razões para essa mudança repentina, por
exemplo, a organização e abrangência da grande marcha e a atitude do governo diante dela.
Naquele momento, o MST realmente apareceu para o governo como uma força social
importante, em meio a uma oposição esfacelada. O movimento conseguiu inclusive que este
recuasse diante de tanta popularidade.
A conjuntura também favoreceu os sem-terra em 1997. As pressões para a solução da
questão do homem do campo no Brasil cresceram internacionalmente por conta da
repercussão do episódio do massacre de Carajás, que despertou reações indignadas de
entidades de direitos humanos ao redor do mundo. Internamente, o apoio da classe média
pode ser enxergado como uma reação ao aumento da violência urbana e ao raciocínio de que a
reforma agrária seria uma forma de fixar as pessoas no campo e diminuir a pobreza nas
periferias das cidades. Pesquisas feitas à época davam conta de que a sociedade apoiava a luta
do MST, apesar de não endossar seus meios, como as ocupações de terra. O movimento
conseguiu também o apoio de artistas e personalidades para sua causa (2000, p. 143).
Mas, aos poucos, o que parecia ter sido um passo adiante dado na relação do MST
com a mídia de massa e conseqüentemente com a opinião pública, tornou-se uma armadilha.
Ao contrário do que os meios de comunicação massivos tentaram demonstrar, não houve
desagregação ou rachas internos diante das negociações e resultados da grande marcha, mas
sim uma guinada da própria mídia em relação à cobertura da luta pela terra. Em pouco tempo,
o MST voltou a ser combatido pela grande imprensa, em uma atitude que, para Gohn, se
explica pela pressão dos grupos econômicos anunciantes sobre os meios e pelos interesses da
classe dominante (p. 147).
Assim, o MST passou a ser personagem de matérias que priorizavam notícias de
bastidores e procuravam deslegitimar seus propósitos de negociação com o governo, como se
seus dirigentes tivessem sucumbido diante da "fama e do sucesso da marcha". Ao mesmo
tempo, os meios massivos deram destaque a falas descontextualizadas e vistas como super
radicais, onde os sem terra ameaçavam praticar ações de invasão não somente às propriedades
rurais, mas também a prédios públicos, supermercados etc., apavorando a classe média.
Desapareceram as notícias de caráter reflexivo e retornaram com força aquelas que se
propunham a transformar fatos em espetáculos e dar tratamento prioritário às questões
76
menores. Em pouco tempo, o MST perdeu o espaço que havia conquistado, voltando a ser
combatido com manchetes negativas (p. 146). Maria da Glória Gohn explica que (p. 159):
A relação MST - mídia tem sido confusa e contraditória. Num primeiro momento, ela fo i estratégica. Por isto, as grandes ocupações de terra eram "avisadas" à imprensa, para que fossem noticiadas. Mas, à medida que elas passaram a ocupar as manchetes diárias, a exposição excessiva passou a ter efeitos negativos. E o MST passou a ser utilizado pela mídia como elemento de geração do medo e da insegurança junto à opinião pública. As manchetes dos jornais passaram a destacar apenas atos violentos ou de vandalismo, sempre atribuídos ao MST. O clima de caos social passou a ser associado na mídia ao MST, de forma que as políticas neoliberais excludentes e geradoras de desemprego passaram a ficar encobertas.
O destaque dado pelos meios de comunicação às ações subseqüentes do movimento
não pode ser comparado ao espaço conquistado durante a marcha de 1997. Em abril de 1998,
uma nova marcha lembrou o assassinato dos sem-terra em Carajás e cobrou do governo a
realização da reforma agrária. A mídia viu nessa mobilização uma clara tentativa de
prejudicar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, que liderava as pesquisas de intenção
de voto e o MST foi acusado de oportunismo. Em relação à reforma agrária a conjuntura
também não era favorável. Na mesma época, o governo formulou um plano de aquisição de
terras por pequenos agricultores em parceria com o Banco Mundial, algo totalmente distinto
do programa do MST (p. 149)
Os sem-terra não haviam recuperado a popularidade e em 1999 o cenário político
tornou-se mais adverso. A grande mídia passou a explorar de maneira cada vez mais corrente
uma tese que reverberou muito na sociedade, a de que os sem-terra perdiam sua legitimidade
ao agregar outras lutas além da reforma agrária. Ou seja, o MST passou a ser acusado de ser
um movimento "político", que não lutava mais apenas pelo acesso dos pobres à terra, mas que
defendia transformações mais profundas no âmbito da sociedade. A tese de que o MST havia
se tornado "político", como se políticos não fossem todos os movimentos populares, ecoou
nas classes médias e contribui para a deterioração da imagem do MST nos centros urbanos.
Podemos dizer que, a partir desse momento, a cobertura negativa das ações do MST se
intensifica. Observamos que as matérias sobre o movimento seguem linhas mais ou menos
definidas, não variando muito do que descreveremos. Em primeiro lugar, os grandes meios
nunca noticiam os bons resultados da reforma agrária. É muito difícil encontrar matérias que
mostrem assentamentos produtivos ou pessoas que mudaram de vida ao conquistar seus lotes.
Normalmente pauta-se a inoperância da reforma agrária, dando destaque a projetos mal-
sucedidos de assentamentos e procurando recorrentemente exemplos de "personagens" que
77
tenham negociado ilegalmente seus lotes para "ganhar dinheiro", dando aos militantes do
MST a pecha de oportunistas.
Outra linha de matérias é a cobertura das ações do MST, como ocupações de terra,
protestos em prédios públicos e marchas. Nelas, são destacadas as ações em si, em detrimento
de seus objetivos. A manifestação dificilmente é contextualizada, dando a impressão de que
os sem-terra protestam por protestar. Quando algum dano ou estrago ao patrimônio acontece
durante as mobilizações, isso se torna a questão mais importante e explorada, assim como as
marchas organizadas dentro das cidades são colocadas como "transtorno" pelos
congestionamentos que provocam. Durante as mobilizações do MST, as autoridades cobradas
são geralmente ouvidas pela grande mídia, que dá destaque à forma jocosa com que o poder
costuma tratar as reivindicações dos sem-terra. Por fim, a mídia comercial costuma dar
destaque às divergências internas entre dirigentes do movimento, tentando apontar rachas e
divisões, numa tática de enfraquecimento. Isso costuma acontecer inclusive na imprensa local,
do interior, em áreas próximas aos espaços do MST. Alguns jornalistas costumam visitar
acampamentos e assentamentos procurando por brigas, desavenças e qualquer tipo de
acontecimento negativo para noticiar. São comuns as matérias que tentam dar aos militantes a
pecha de "massa de manobra" de dirigentes corruptos e pouco comprometidos. Muitas
criticam também a forma como o setor de educação do movimento dirige suas escolas, vistas
pelos meios de comunicação hegemônicos como espaços de doutrinação.
Diante do quadro descrito acima, o MST tem procurado profissionalizar sua assessoria
de imprensa. Os assessores têm basicamente dois papéis. O primeiro é tentar "proteger" o
movimento das investidas da grande mídia. Isso significa tentar evitar a enxurrada de matérias
negativas a partir do acompanhamento de jornalistas que visitam os espaços, do preparo de
dirigentes para entrevistas e do cuidado com a elaboração de materiais e planejamento das
ações. O segundo papel é o de encontrar brechas nas estruturas dos grandes meios para a
entrada de matérias positivas sobre o MST. Aos poucos, seus assessores têm descoberto
alguns jornalistas simpáticos à causa do movimento e que, esporadicamente, fazem matérias
favoráveis à luta pela reforma agrária, ou ao menos procuram cobrir as ações de forma mais
democrática, dando a oportunidade ao MST de explicar seus propósitos. A assessoria também
procura brechas ao tentar pautar artigos opinativos de intelectuais e políticos próximos ao
movimento em grandes jornais. Vimos que os jornais abrem determinados espaços para a
expressão de opositores políticos e são essas brechas que o MST tenta ocupar a partir da
atuação sistemática da assessoria de imprensa, com o objetivo de levar suas reivindicações a
um público mais amplo.
78
Por outro lado, o MST conhece os limites da atuação junto à grande imprensa e não
tem muitas ilusões neste sentido. Assim, procura desenvolver seus próprios canais de
comunicação utilizando-se de diversos instrumentos construídos a partir de diferentes
objetivos. Veremos a seguir quais são esses instrumentos.
3. Os meios de comunicação do MST
O setor de comunicação do MST está organizado nos estados em que o movimento
está presente, além de manter uma estrutura "nacional", atuando como uma espécie de
redação, que centraliza a produção de seus veículos na cidade de São Paulo. O setor é
formado tanto por jornalistas contratados, que trabalham nas secretarias do MST nos centros
urbanos, como por militantes que, a partir das mobilizações ocorridas no campo, têm a função
de repassar as informações para os produtores dos veículos. O MST tem consciência do
alcance limitado de seus meios de comunicação, mas investe em sua produção tanto no
sentido de tornar públicas as suas lutas de forma mais contextualizada, como para municiar
sua militância e seus apoios com informação e análises de conjuntura. Segundo Maria da
Glória Gohn (2000, p. 159):
A mídia alternativa desenvolvida pelo MST, com o apoio dos partidos da esquerda, ONGs, igrejas, etc. têm um alcance delimitado pelo grupo da militância e aos adeptos ou simpáticos à causa e, por razões econômicas e de boicotes políticos, não têm atingido o público das camadas médias que suportam a chamada "opinião pública nacional".
Mas, o setor de comunicação não existe somente para produzir os meios, e sim para
ajudar na formulação de uma política de comunicação para o MST. Segundo documento
citado por Christa Berger em Campos em confronto, o termo política de comunicação é
definido por "um conjunto de normas, regras e procedimentos que, harmonizados e coerentes,
contribuem para a consolidação da identidade de uma organização junto à sua base social e
com a sociedade" (2003, p. 111). Os objetivos da política de comunicação cumprem a
orientação interna de motivar a militância e a externa de divulgar as conquistas do MST. Para
Christa Berger, é clara a subordinação do setor de comunicação às diretrizes políticas do
movimento, ou seja, sua atuação é definida dentro de uma política mais ampla formulada
pelos dirigentes para o MST. A autora coloca que as principais tarefas do setor são: "a)
produzir o jornal mensal Sem Terra; b) fazer a assessoria de imprensa do Movimento; e c)
planejar a aquisição de rádios comunitárias" (2003, p. 115).
79
3.1 Jornal Sem Terra
O mais importante meio de comunicação do MST é sem dúvida o Jornal Sem Terra.
Atualmente mensal, possui tiragem de 30 mil exemplares e é distribuído para a militância do
movimento. É produzido por jornalistas contratados do setor de comunicação do MST, que
discutem sua pauta em reuniões mensais com os membros da direção, responsáveis pela linha
política do jornal.
O grosso das matérias e entrevistas é produzido na "redação" em São Paulo, sendo que
o JST recebe colaborações dos jornalistas que trabalham nas secretarias do MST em outros
estados e de militantes que ajudam no fornecimento de informações sobre as mobilizações
ocorridas no campo. Recebe também poesias, desenhos e letras de música para sessões
específicas do jornal.
Anterior ao próprio movimento, o JST foi criado inicialmente como um boletim
informativo voltado para a conquista de apoio para as ocupações de terra organizadas no Rio
Grande Sul que deram origem ao MST, em 1981. A partir de 1984, com a fundação do
movimento, o Boletim Sem Terra se torna seu meio de comunicação oficial, passando a
circular nacionalmente. O formato muda para tablóide e a impressão é feita em papel jornal.
Em 1985, com a instalação de uma secretaria do MST em São Paulo, o boletim deixa de ser
produzido pelos militantes do MST no Rio Grande do Sul e passa a ser feito na capital
paulista, numa tentativa de estruturar melhor sua produção.
A linha editorial do JST sofreu mudanças ao longo de seu processo de
desenvolvimento. Até 1986, o jornal era predominantemente informativo, trazia
posicionamentos diversos sobre a luta pela terra e preocupava-se mais em descrever a
conjuntura política do que interpretá- la a partir da visão do MST. Isso se deve ao momento de
consolidação do próprio movimento, que não tinha um projeto político elaborado como possui
hoje.
A partir de 1986, a direção do MST passou a dar mais importância para o jornal e
acompanhá- lo de perto. O público alvo do jornal passa a ser o militante do movimento, que
deveria utilizar o JST como fonte de estudo e formação, e não mais o público externo. Com
isso, ele se torna mais analítico e se concentra em dar notícias sobre o movimento, suas lutas e
conquistas. Já na década de 1990, o JST começa a abordar, além das questões relacionadas
diretamente ao MST, as lutas de outros movimentos sociais rurais e urbanos.
80
Por limitações de tiragem, o JST não chega a toda a base do MST, que hoje é calculada
pelo próprio movimento em aproximadamente um milhão de pessoas. Parte dos exemplares
mensais do JST é distribuída gratuitamente entre as secretarias estaduais do MST, que ficam
responsáveis por encaminhá-los aos acampamentos, assentamentos, escolas e centros de
formação. A outra parcela é destinada às assinaturas. Essas são vendidas majoritariamente a
apoiadores e simpatizantes do movimento nos centros urbanos, professores, estudantes
universitários etc. Mas, por conta do caráter extremamente voltado para o público interno e
também pela desorganização na gerência e envio, as assinaturas são poucas.
O Jornal Sem Terra serve como ferramenta de formação. Para tal, suas edições trazem
sempre uma seção denominada "estudo", onde um professor ou especialista de determinada
área, escreve um artigo didático sobre um assunto importante para o movimento como, por
exemplo, soberania alimentar, questão da água, sementes transgênicas etc. Em todas as
edições há uma entrevista em formato ping-pong que pode tanto contar com um (a) dirigente
do MST como com um intelectual ou professor que defenda posicionamentos de esquerda. A
página mais concorrida é a que traz notícias sobre as atividades organizadas nos estados. A
seção chamada de "realidade brasileira" destrincha algum tema relacionado à luta pela terra,
além de trazer notícias sobre mobilizações de caráter nacional em que o MST se envolve. Na
editoria "internacional" são abordados assuntos relacionados à política externa brasileira ou a
temas internacionais cuja abordagem o movimento julga importante, como a guerra no Iraque,
a presença de tropas brasileiras no Haiti ou a situação de Cuba. Já em "lutadores do povo", um
homem ou mulher que tenha se dedicado à luta por transformações sociais no Brasil ou no
mundo é homenageado (a) e tem sua história contada. A seção "balaio" fecha o jornal com
poesias (que podem ser enviadas pela militância), fotos e uma espécie de agenda cultural com
indicação de filmes ou livros relacionados às causas do MST.
As questões abordadas pelo JST não são pauta nos meios de comunicação da imprensa
comercial. O jornal tenta cumprir a tarefa de colocar sua militância para discut i- las a partir da
sua leitura. Da mesma forma, o MST sente a necessidade de ampliar sua esfera de discussão
para outros setores da sociedade que possam se somar a ela e apoiá- la. Mas, o movimento não
parece ter a disposição de tornar o JST o veículo que ultrapasse as fronteiras e chegue a
sindicatos e movimentos urbanos, e intensifica cada vez mais seu caráter interno. Essa escolha
pode ser observada tanto na opção pelas pautas, quanto na forma de abordagem, linguagem
etc. O JST é simples e didático e pouco intelectualizado.
81
3.2 Revista Sem Terra
O MST edita também a revista Sem Terra, que cumpre uma função muito diferente do
jornal para o movimento. Apesar de sua tiragem reduzida, ela funciona – ou deveria funcionar
– como um canal de comunicação do MST com a população urbana. Impressa com grande
qualidade, em cores, a revista Sem Terra é bimestral, possui tiragem de seis mil exemplares e
tem suas matérias e artigos produzidos por colaboradores externos ao MST. Compete ao setor
de comunicação a organização e edição dessas colaborações, além do acompanhamento da
impressão da revista e sua distribuição.
A revista Sem Terra enfrenta, assim como boa parte dos meios de comunicação não
comerciais, dificuldades de comercialização e distribuição. Sua colocação em bancas é restrita
e o preço de capa é alto por conta da qualidade de impressão. Sua maior fonte de renda
deveria ser a venda de assinaturas, operacionalizada com dificuldade pelo setor de
comunicação, que não consegue sistematizar os envios e ampliar o número de assinantes.
Assim, o papel que deveria cumprir ao levar a um público urbano uma alternativa de
informação não se concretiza.
A revista Sem Terra pauta as lutas do MST, mas não se restringe ao movimento. Traz
reportagens sobre política nacional e internacional, aborda os temas mais recentes da
conjuntura, traz resenhas de filmes e livros, e conta com uma rede de articulistas formada por
economistas, sociólogos e acadêmicos reconhecidos. Por ser dirigida a um público mais
amplo, a revista Sem Terra não carrega a linguagem doutrinária e excessivamente didática
que freqüentemente aparece nas páginas do jornal. Em suma, é um meio de comunicação de
qualidade, bem produzido, que encontra dificuldades em disputar espaço com as publicações
massivas por questões financeiras e de distribuição.
3.3. Página do MST na internet
A página do MST na internet (www.mst.org.br) foi criada para a divulgação de
notícias sobre o movimento em tempo real. Seu público alvo é a população urbana que tem
acesso à rede mundial de computadores. Atualizada várias vezes por dia, a página procura
cobrir as manifestações, ações e protestos realizados pelo movimento em todo o Brasil. Dessa
forma, depende muito da colaboração dos jornalistas que atuam junto ao movimento em nível
estadual. A página possui um jornalista que atua como editor, padronizando as colaborações
82
que recebe e produzindo matérias a partir de agências de notícias. Quando o movimento
organiza as chamadas jornadas de luta, em que mobilizações acontecem simultaneamente em
todo o país, a página cumpre o papel de reunir essas informações e produzir "especiais"
temáticos, com entrevistas, artigos e reportagens sobre o assunto do momento.
3.4 Rádio
A discussão sobre rádio no MST cumpre um papel importante dentro da estratégia do
movimento. Atualmente, o setor atua de duas maneiras em relação a esse tema, procurando
aproveitar as novas tecnologias que facilitaram a difusão do áudio pela internet. A primeira e
mais desenvolvida diz respeito à produção de programas de rádio que são cedidos
gratuitamente a um conjunto de rádios comunitárias, tanto nas periferias dos grandes centros
como nas cidades do interior. Esses programas, feitos por uma equipe de jornalistas, não têm
somente o MST como tema, mas discutem política, economia, trazem dicas de saúde, cultura
e logicamente, falam sobre as mobilizações dos movimentos sociais rurais e urbanos,
sindicatos etc. A segunda forma de atuação está relacionada à criação e manutenção de
emissoras de rádio comunitárias nas áreas de acampamento e assentamento. Trata-se de um
enorme desafio, já que essas emissoras necessitam de um mínimo de estrutura de
funcionamento que pressupõe espaço físico, equipamento e pessoal.
O MST não tem recursos para manter jornalistas atuando em suas rádios no campo,
por isso aposta na formação técnica e política de militantes locais, moradores de
acampamentos e assentamentos, que deveriam conduzir as rádios. Muitas vezes isso não
ocorre da forma desejada, pois é difícil manter pessoas trabalhando em torno das rádios sem
remuneração. Além disso, o processo de formação leva tempo e pressupõe custos que o
movimento nem sempre pode assumir.
Mesmo assim existem inúmeras experiências tanto de rádios transmitidas como de
rádio poste, ligadas ao MST em todo o Brasil. A dificuldade em contabilizar essas
experiências decorre de sua volatilidade. Muitas rádios funcionam bem por determinados
períodos e depois morrem por fatores como quebra ou roubo do equipamento, falta de
recursos ou mesmo a transferência dos militantes que as fazem funcionar para outras tarefas,
prática comum dento do MST. Apesar dessas questões, o avanço em relação à montagem de
rádios comunitárias voltadas tanto para o público interno como para o entorno das áreas onde
o MST se estabelece, em uma ação clara de propaganda, e a intensificação do contato com as
83
rádios comunitárias já existentes é um ponto central para o setor de comunicação, discutido
permanentemente em suas instâncias.
3.5 Audiovisual
Uma última questão que gostaríamos de abordar em relação aos meios de
comunicação do MST é a produção audiovisual. O setor de comunicação do MST tem
discutido e aos poucos consolidado a formação de uma rede de militantes capacitados em
todos os passos da produção audiovisual, como a captação de imagens, entrevistas em vídeo,
fotografia, edição e tratamento de som. O movimento trabalha com a perspectiva da produção
de imagens sobre suas ações e mobilizações, sabendo que atualmente a disputa de hegemonia
no campo da comunicação se faz principalmente dessa forma. Assim, tem sido produzida uma
série de documentários em vídeo que, se apropriando das novas tecnologias, são veiculados
pela internet através de programas de compartilhamento.
84
Capítulo IV - NASCIMENTO E FORMAÇÃO DE UM JORNAL DE ESQUERDA NO BRASIL
O presente capítulo trata do processo de gestação do jornal Brasil de Fato a partir do
resgate das discussões que motivaram a formação de um grupo de pessoas dispostas a pensar
seu projeto editorial e político, passando pela composição deste grupo, sua metodologia de
funcionamento, seus consensos e dive rgências. Abordaremos as fases de construção do
projeto editorial do jornal, da determinação de seu público alvo, da escolha da linguagem e de
seu nome. Falaremos também sobre as metas iniciais do jornal, o processo de discussão sobre
sua estrutura, equipe de profissionais e colaboradores, políticas de captação de recursos,
distribuição, assinaturas, formação de comitês regionais e conselhos. Nosso objetivo é compor
um quadro com os aspectos mais relevantes da fase inicial do Brasil de Fato, desde as
primeiras discussões, passando pelo processo de construção que ocorreu durante todo o ano
de 2002 e que culminou com o lançamento do número zero durante o Fórum Social Mundial
de Porto Alegre em 20038.
As informações que sustentam este capítulo foram obtidas através de entrevistas com
quatro pessoas que participaram do processo de construção do Brasil de Fato, e que, de
maneiras diferentes, estão ligadas ao jornal até hoje. São eles: Miguel Enrique Stedile,
dirigente nacional do setor de comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), José Arbex Júnior, jornalista, ex-editor de internacional da Folha de S. Paulo,
editor especial da revista Caros Amigos e primeiro editor do Brasil de Fato, Nilton Viana,
jornalista, ex-membro do setor de comunicação do MST e atual editor do Brasil de Fato e
Ricardo Gebrim, um dos membros mais atuantes do conselho editorial do jornal e dirigente do
movimento Consulta Popular9.
8 "O Fórum Social Mundial é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão,
formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, se configurou como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais." A articulação nasceu a partir de discussão de ativistas brasileiros e o país já sediou em oito anos, cinco edições do evento. Disponível em http://www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=19&cd_language=1
9 "A Consulta Popular é a expressão orgânica da idéia da necessidade de se resgatar um Projeto Popular para o Brasil e uma proposição de que a esquerda precisa ser refundada, partindo da avaliação de que o “ciclo PT” chegara ao fim, compreendendo que não se tratava de um evento, uma sigla ou forma de luta, mas da construção de um processo necessário – a refundação da esquerda brasileira." A Consulta Popular nasce em 1997, a partir de uma conferência de militantes do MST, Comunidades Eclesiais de Base e Central dos Movimentos Populares. A
85
Foram consultados também diversos documentos produzidos a partir das discussões
dos grupos e comissões que viabilizaram o projeto do Brasil de Fato, tais como atas de
reunião, mensagens eletrônicas, circulares e principalmente os projetos editorial e político.
Esses documentos nos foram cedidos por Nilton Viana, João Pedro Stedile e José Arbex
Júnior.
Vale lembrar que o nome do jornal, Brasil de Fato, só foi definido em outubro de
2002, quase seis meses após o início das discussões. Até então, seu projeto foi chamado de
várias maneiras como "jornal político", "jornal das esquerdas", até passar a ser divulgado
como "jornal de esquerda". Essa explicação é necessária, pois usaremos o termo "jornal de
esquerda" para se referir ao projeto do jornal antes da escolha de seu nome.
1. Formação do grupo político em torno do projeto do jornal
As discussões que culminaram na elaboração do projeto editorial do jornal Brasil de
Fato foram efetivamente iniciadas no primeiro semestre de 2002, por volta do mês de abril.
Para iniciá- las, o dirigente do MST e figura politicamente admirada dentro do campo da
esquerda, João Pedro Stedile, entrou em contato com militantes e ativistas de várias áreas,
organizados ou não em movimentos sociais para consultá- los sobre a viabilidade de
desenvolver um projeto do que chamou na ocasião de um jornal popular de grande alcance e
circulação nacional. O jornalista José Arbex Júnior, ex-editor da Folha de S. Paulo e editor
especial da revista alternativa Caros Amigos, foi uma das pessoas que recebeu o telefonema
de João Pedro Stedile fazendo esse questionamento. Segundo Arbex, em depoimento gravado
para essa pesquisa10:
Eu me lembro que um dia o Stedile me ligou e perguntou se eu achava possível ter um jornal nacional, popular. Eu respondi claro, é possível, mas que precisava de muito dinheiro e era muito difícil sustentar um jornal desse tipo. Mas é possível. Isso aí fazia parte de umas consultas que ele já estava fazendo com várias lideranças e amigos do MST e isso acabou desembocando num processo de reuniões bem amplo que agregava todo mundo que se interessasse por esse tipo de projeto, sem nenhuma espécie de restrição ideológica, a não ser se interessar por um projeto antiimperialista, socialista, popular.
conferência reuniu 300 militantes cujas discussões são sistematizadas no livro A Opção Brasileira . Disponível em http://www.consultapopular.org.br/sobre/quem-somos-1/quem-somos 10 Todas as falas de José Arbex foram reproduzidas a partir de entrevista concedida à autora desta pesquisa no dia 11 de fevereiro de 2009.
86
As consultas de Stedile tinham como objetivo não só obter a opinião de jornalistas e
militantes próximos do MST, mas também pretendiam aglutinar pessoas que, caso se
interessassem pelo projeto, poderiam contribuir com ele.
Mas, a idéia de desenvolver um jornal nacional de cunho popular não havia acabado
de surgir. Ela foi fruto de um processo que se deu tanto a partir da experiência do MST com a
cobertura desfavorável de suas ações e reivindicações pela grande imprensa como através de
avaliações feitas junto a outros movimentos sociais sobre a necessidade de desenvolver um
projeto de meio de comunicação de grande porte que fosse capaz de aglutinar as forças da
esquerda em torno de si e proporcionar aos movimentos um novo canal de diálogo com a
sociedade. Para José Arbex, essa necessidade tornou-se evidente a partir do ano 2000:
O Brasil de Fato surgiu de uma necessidade, que foi bastante perceptível a partir de abril do ano 2000, durante a famosa comemoração dos 500 anos (do descobrimento do Brasil), quando o governo Fernando Henrique reprimiu violentamente as manifestações indígenas, de estudantes, de sem-terra, negros [...] Naquele momento da história do Brasil, que deveria ser de comemoração, ficou marcada simbolicamente a hostilidade da elite brasileira com a nação brasileira. É claro que já tinha tido o antecedente de Eldorado dos Carajás, em 1996, e a violência contra os movimentos sociais nunca tinha deixado de acontecer, mas o governo Fernando Henrique foi se tornando cada vez mais violento. E o ano 2000 foi um momento emblemático [...] você tinha uma conjuntura que estava realmente clara para quem quisesse ver, que a elite brasileira estava engrossando o caldo contra os movimentos sociais e estava sendo cada vez mais violenta. Então isso aí foi colocando o sentido de urgência, de você ter um jornal que colocasse as coisas do ponto de vista dos movimentos sociais, das lutas populares, da sociedade brasileira, que não era o ponto de vista das corporações .
Ricardo Gebrim11, advogado e dirigente do movimento Consulta Popular também foi
consultado e convidado a dar sua opinião sobre a viabilidade da idéia. Envolvido com o MST
dada a proximidade entre os dois movimentos, Gebrim havia acabado de coordenar um
grande plebiscito popular sobre a entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas,
a ALCA12, que contara com a participação orgânica de 156 mil pessoas em todo o Brasil. Ele
localiza as discussões sobre o projeto de um jornal popular dentro da Consulta, movimento
que abriga também muitos militantes do próprio MST, principalmente aqueles que estão
alocados em tarefas urbanas e moram nas grandes cidades. Segundo Gebrim: 11 As falas de Ricardo Gebrim foram reproduzidas a partir de entrevista concedida à autora desta
pesquisa no dia 5 de fevereiro de 2009.
12 ALCA: Área de Livre Comércio das Américas, proposta de tratado comercial entre os países da América do Norte, Central e do Sul, criada pelos Estados Unidos para expandir o Nafta, (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que reúne EUA, Canadá e México) aos três continentes. A proposta foi vista pelos movimentos sociais da América Latina como um risco à industrialização e desenvolvimento dos países mais pobres da região. Respaldada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a proposta foi rechaçada pelo governo Lula e o tratado não aconteceu. Disponível em http://www.social.org.br/apresenta.htm
87
Nós começamos a discutir a idéia de ter um jornal no espaço da Consulta Popular em 1999, na época inclusive chegamos até a tentar uma experiência com o Plínio de Arruda Sampaio, que ofereceu a possibilidade de usar o Correio da Cidadania , que ele editava, mas achamos que era um pouco complicando, achamos que já tinha uma cultura, um método, um jeito, e ele estava nos reservando alguns espaços. Mas havia muito essa intenção, de construir um jornal como esse veículo, a idéia, a concepção foi se construindo ao longo desses anos.
Nilton Viana 13, jornalista e militante do setor de comunicação do MST, também
aponta o governo de Fernando Henrique Cardoso como marco na discussão sobre a
viabilidade da esquerda em construir um jornal que denunciasse a violência imposta aos
movimentos sociais, principalmente durante seu segundo mandato (1999-2002). Para ele:
Na verdade nós começamos a pensar em criar um veículo de esquerda de circulação nacional, um jornal político, para se contrapor aos chamados grandes meios e que pudesse ser um instrumento da militância social a partir do segundo mandato do Fernando Henrique Cardoso. Foi um período extremamente delicado para a militância política dos movimentos sociais, em especial para o MST. O então presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo em vista que matavam sem-terra, massacravam e mesmo assim a luta pela reforma agrária continuava se intensificando [...] elegeu o MST juntamente com meia-dúzia de famílias que controlam a mídia brasileira dizendo para eles: “olha, quem enche a bola do MST são vocês, portanto, daqui pra frente é só pra dar (na imprensa) o que não tiver como não dar”.
Segundo Nilton, a grande imprensa, seguindo orientações do próprio governo, passou
a produzir matérias negativas e manipuladas com a intenção de prejudicar a imagem do MST
junto à opinião pública: "Começaram a falar que o MST fazia pedágio [...] Você se lembra do
Stedile na capa da Veja com cara de diabo? Tentaram destruir o MST moralmente, atacavam
o MST moralmente".
O processo de criminalização dos movimentos sociais imposto pela grande mídia em
sua tentativa de deslegitimação das reivindicações se intensifica, sendo mais notado quando se
trata do MST, pela visibilidade política alcançada pelo movimento. Este processo fez com que
as discussões e a idéia de construir um canal alternativo de diálogo com a sociedade
tomassem corpo e passassem a se materializar a partir do início do ano de 2002. Para Nilton
Viana:
Começamos a perceber a necessidade que tínhamos frente o cerco violento da grande mídia, esse silêncio em relação ao MST. Quando não obstante o silêncio, reportagens ou matérias para dizer que era “quadrilha”, “bando”. O MST, por ser o principal movimento, com carga moral e política muito grande, era cobrado inclusive de outras forças sociais de esquerda por não articular um instrumento capaz de dialogar com a sociedade. Começamos a fazer os primeiros experimentos,
13 Falas reproduzidas a partir de entrevista concedida à autora em 9 de fevere iro de 2009.
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que deram certo e nós percebemos que realmente precisávamos ter um instrumento político de comunicação com a sociedade. Eram as edições especiais do Jornal Sem Terra. Era algo exclusivo, voltado para a questão agrária, mas com linguagem simples e tiragens massivas, de 1,5; 2 milhões de exemplares, onde o MST procurava romper esse cerco midiático e dialogar com a sociedade.
Como pudemos verificar nos capítulos I e III, o período em que o MST sofre com uma
ofensiva da grande imprensa coincide com a tomada de consciência do movimento sobre a
necessidade de aglutinar mais forças em torno de um projeto político comum de
transformações sociais. É preciso levar em conta que no início da década de 2000, o MST
vive um momento de grande popularidade entre as forças de esquerda no Brasil e no mundo,
graças a seu potencial de mobilização e dos projetos de educação e produção alternativas que
desenvolve junto a sua base. Essa popularidade dá ao MST um caráter legítimo de proposição
e tentativa de aglutinação de outros movimentos para a formulação de um documento cujas
bases extrapolam a questão da luta pela terra e passam a propor transformações macro que
poderiam significar uma melhora das condições de vida da população ao mesmo tempo em
que proporcionariam ao Brasil uma possibilidade de desenvolver-se fora dos moldes do
neoliberalismo.
Este documento, chamado de "Projeto Popular para o Brasil", aponta para a
necessidade de união entre as forças sociais organizadas nas áreas rurais e urbanas, e
determina que um dos fatores importantes no auxílio de sua implementação seria a criação de
um meio de comunicação que servisse a seus propósitos. Para Miguel Stedile, dirigente do
setor de comunicação do MST: "a idéia de que era preciso de um jornal de amplitude nacional
que pudesse fazer o debate do projeto popular, estava intrínseca a essas discussões".
Miguel coloca que a construção de um jornal popular de massas já era discutida há
tempos dentro das instâncias de coordenação do MST, mas pontua o momento em que ela
surge com força determinante:
[a idéia surge] de forma mais pública no Encontro Nacional do MST em Minas Gerais, em 2002. Foi colocado que, entre os desafios para o próximo período, estava a construção de um jornal. Foi em Janeiro de 2002, na fala de encerramento do Encontro, feita pelo Bogo14. Não de maneira formal, como: “temos um ano para construir o jornal”, mas: “bom, nós temos que transformar a sociedade, nós precisamos avançar em várias áreas políticas e uma delas é a comunicação. Dentro da comunicação nós precisamos ter um jornal nacional de esquerda, de grande amplitude".
14 Ademar Bogo, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, é um dos pensadores
que se dedica ao estudo e à formulação das políticas do setor de cultura do MST, além de propor o debate sobre a construção de uma identidade sem-terra, a partir das manifestações culturais criadas dentro do próprio movimento
89
O MST passa então a colocar em prática a idéia de capitanear um projeto de
construção de um meio de comunicação que servisse aos propósitos de seu "Projeto Popular",
criando as condições para que suas propostas fossem discutidas por uma camada mais ampla
da sociedade, ao mesmo tempo em que daria aos movimentos sociais uma oportunidade de
denúncia e diálogo acerca de suas reivindicações, impossibilitada pela grande mídia. Esse
meio de comunicação deveria aglutinar as forças de esquerda reunidas em torno da
formulação do projeto e estar aberto a outras, já que um de seus primeiros pressupostos era o
de não pertencer a determinado movimento, partido, sindicato ou organização.
As consultas de João Pedro Stedile desembocam em uma série de reuniões que passam
a atrair indivíduos e movimentos interessados em tomar parte no projeto, que a esse ponto, é
chamado de "jornal político nacional" (documento, maio de 2002). Segundo José Arbex:
[...] isso (as consultas) acabou desembocando num processo de reuniões bem amplo que agregava todo mundo que se interessasse por esse tipo de projeto, sem nenhuma espécie de restrição ideológica, a não ser se interessar por um projeto antiimperialista, socialista, popular. Não eram reuniões abertas, por exemplo, ao Antônio Ermírio de Moraes15, mas eram, ao mesmo tempo, amplas o suficiente para caber todo mundo que se considerasse antiimperialista. E a partir daí criou-se uma rotina de reuniões ao longo do ano de 2002, que começou a discutir qual seria o formato do jornal, qual seria o conteúdo dele, qual seria o nome do jornal [...]
Segundo Nilton Viana, as reuniões em torno da construção do projeto do jornal
passaram a reunir pessoas das mais variadas áreas de atuação, e era exatamente esse seu
objetivo.
Chegamos a ter assembléias com 300 pessoas. Aglutinamos militantes da área de comunicação, jornalistas, fotógrafos, estudantes, artistas, intelectuais dos mais variados setores. Porque nós fizemos um leque muito amplo. A idéia era aglutinar pessoas, independente de onde militassem ou de que corrente ideológica participassem, sendo que a pessoa deveria ter o compromisso de construir um jornal de esquerda que pudesse fazer o contraponto. Então nós passamos a fazer efetivamente, a partir de 2002, reuniões sistemáticas e tiramos comissões.
As reuniões foram guiadas por um documento chamado "Um jornal político nacional",
formulado pela direção nacional do MST baseada em São Paulo. Este documento já colocava
as bases iniciais da proposta do MST para o jornal e funcionou com uma apresentação para 15 Antonio Ermírio de Moraes é engenheiro e empresário brasileiro, presidente do grupo Votorantim,
produtor de materiais de construção, cimento, metais, papel, eletricidade, entre outros. É um dos homens de negócio mais ricos e bem-sucedidos do Brasil, que na fala de Arbex aparece como símbolo da elite brasileira. Informações retiradas de http://www.antonioermirio.com.br/
90
seus potenciais colaboradores de todas as áreas. Este documento, datado de maio de 2002,
coloca alguns pressupostos políticos, editoriais e estruturais pré-definidos sobre o jornal
(alguns foram alterados ao longo das discussões) sendo o principal deles:
O MST, em consonância com outros movimentos sociais e forças políticas que representam o desejo de mudanças em nosso país, está tomando a iniciativa de propor a criação de um jornal político, de circulação nacional, que possa contribuir com o debate das idéias e análises dos fatos, do ponto de vista das necessidades de mudança social em nosso país. Será um veículo de comunicação que expresse uma linha política pluralista de esquerda, não um jornal do MST. Um jornal que se referencia no projeto político da construção de um Projeto Popular para o Brasil.
O documento listava oito princípios gerais para a publicação:
a) Expresse a visão da esquerda e promova o debate político sobre os fatos e a realidade brasileira. b) Tenha uma visão de solidariedade internacionalista c) Seja plural nas idéias, mas comprometido com o povo, com as idéias de transformação social e ruptura com a dependência externa. d) Seja independente de disputas de correntes partidárias. e) Sirva como subsídio para a informação e estudo para toda a militância social, todos os lutadores sociais do Brasil. f) Seja um estimulador da luta e da luta social e de massa g) Seja um estimulador da militância social e do engajamento políticos dos leitores h) Defenda sempre os valores socialistas e humanistas
Em relação às características e funcionamento do jornal, este documento propunha
que:
a) Formato: será um jornal no formato Germânico (padrão Le Monde) com 24 páginas b) Tiragem: cem mil exemplares c) Distribuição: a prioridade serão bancas nas maiores cidades do Brasil. Mais assinaturas. Distribuição por militantes dos movimentos sociais. E quotas por entidades. d) Equipe editorial: responsável política pelo jornal, defendendo as linhas expressas nos objetivos. A equipe se reunirá a cada 15 dias para definir a pauta. e) Equipe de jornalistas: será contratada pela Equipe Editorial, considerando o critério de competência profissional e experiência, e que respeitem as linhas políticas do jornal. f) Equipe administrativa: cuidará dos aspectos econômicos, como manutenção do jornal, assinaturas e publicidade, de forma independente da equipe de jornalistas e que se reportará diretamente ao Conselho Diretor. g) Conselho político: será formado por personalidades, intelectuais e artistas que poderão se reunir a cada seis meses para orientações e avaliação. h) No me do jornal: será feita uma ampla consulta recolhendo as sugestões. Alguns nomes já foram indicados: Luta Popular, Jornal da Esquerda, Correio do Brasil, Correio do Povo Brasileiro. i) O jornal será assumido administrativamente por uma editora a ser constituída com alguns sócios identificados com o projeto e sem fins lucrativos.
O jornal deveria ter vinte e quatro páginas e as seguintes seções:
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a) Brasil: política, economia, e grandes reportagens b) Movimentos populares (2 páginas) c) Grande entrevista (2 páginas) d) Denúncias/ direitos humanos (1 página) e) Solidariedade (1 página) f) Cultura brasileira (2 páginas) g) América Latina e internacional (2 páginas) h) Resenha de livros, publicações, filmes etc. (1 página) i) Publicidade (2 páginas) j) Capa e contracapa
Segundo o documento "Um jornal político nacional" (2002, p. 2), o esquema de
distribuição do jornal partiria de cinco eixos: 1. Venda em bancas por um preço de capa de R$
2,00. Essa distribuição seria feita por uma distribuidora em nível nacional. 2. Convênios com
movimentos sociais, sindicatos e parlamentares para aquisição de cotas fixas semanais. 3. As
duas primeiras tiragens seriam distribuídas gratuitamente em eventos e por mala direta, como
estratégia de propaganda. 4. Promoção de campanha de assinaturas entre militantes via mala
direta de movimentos sociais. 5. Vendedores militantes que ficassem com 50% do preço de
capa.
Foram listadas também quatro "modalidades" de colaborações para o conteúdo do
jornal: 1. Jornalistas e fotógrafos que colaborariam de forma militante, em geral já conhecidos
do MST. 2. Intelectuais e professores que tanto poderiam escrever artigos de opinião como ser
fontes para entrevistas. 3. Articulistas internacionais, com contato prévio com o MST, e 4.
Agências de notícias e jornais do exterior que mantinham um perfil popular e poderiam
fornecer informações.
O orçamento previsto para o funcionamento do jornal neste primeiro esboço girava em
torno de um investimento inicial de 25 mil dólares para a compra de equipamentos como
computador, mobília, televisão, telefone, automóvel e demais utensílios. As despesas com
funcionários como jornalistas, administração e distribuição seriam de dez mil dólares mensais.
Foram calculados 4,5 mil dólares para gastos mensais de aluguel e manutenção, e 40 mil
dólares mensais para a gráfica. O jornal teria assim um custo de 55 mil dólares mensais,
precisando arrecadar 360 mil dólares para a sustentação de seus seis meses inicias de vida,
pelos cálculos da época, algo em torno de 900 mil reais (2002, p 3).
Esse dinheiro, segundo o documento, seria arrecadado a partir de quotas de
contribuições individuais ou de entidades de mil reais. Essas pessoas e entidades seriam
procuradas a partir da elaboração de uma lista com 250 nomes. Ficaria a cargo de uma equipe
de 25 a 30 militantes e "amigos" do MST nos estados conseguir mais dez entidades e
92
indivíduos dispostos a contribuir com essa soma em cada estado. Seria buscado também o
apoio de sindicatos. É importante frisar que o documento previa que o jornal somente seria
lançado a partir da arrecadação de dinheiro suficiente para custear seus três meses iniciais.
Durante esse período as arrecadações continuariam para que mais três meses fossem
viabilizados, totalizando os 900 mil reais. A partir daí seria feita uma avaliação da
possibilidade de ir adiante com o jornal, levando em consideração que em médio prazo ele
deveria sustentar-se sozinho a partir da venda em bancas, assinaturas e anúncios (2002, p 3).
Este primeiro documento propunha um calendário para o trabalho que determinava
que, de julho a agosto de 2002 seriam feitos contatos com colaboradores e levantamento de
recursos. Entre os meses de setembro e outubro aconteceria o debate do projeto, avaliações e
montagem das equipes. O jornal deveria lançar suas primeiras edições entre novembro e
dezembro desse mesmo ano. Foi aberta uma conta bancária para os depósitos e um endereço
de correio eletrônico para receber sugestões. O projeto previa a doação de cotas de jornais e
livros para aqueles que contribuíssem financeiramente e prometia a devolução dos recursos
caso o projeto não se viabilizasse. Pedia também que fossem enviadas propostas de nomes
para o jornal, indicações de colaboradores e jornalistas militantes de fora do estado de São
Paulo.
A referida proposta foi apresentada pela primeira vez em 29 de junho de 2002, em
uma reunião realizada na sede da ONG Ação Educativa, na região central de São Paulo, em
que estiveram presentes jornalistas e militantes das mais variadas áreas, fotógrafos,
advogados, juízes, membros da Igreja progressista, sindicalistas, diretores de teatro,
escritores, produtores culturais e ativistas de direitos humanos.
A ata da reunião de 29 de junho registra que ela começa com a leitura do documento
"Um jornal político nacional" por João Pedro Stedile, que ressalta "a necessidade urgente de
termos um jornal para disputar a opinião pública brasileira" e colocando que "o MST
constantemente é desafiado a encarar esse desafio e ser o motivador da criação desse jornal".
Além de declarar que "depois de muitos debates internos, o MST decidiu empenhar esforços
para construir essa proposta política".
Durante o debate, aparecem novas propostas para o jornal. Em relação ao formato e
aparência fica determinado que o jornal deve ser "bonito, bem-feito, informativo e causar
impacto", deve ter uma "linguagem clara, de fácil entendimento, sem banalizar os assuntos.
Deve procurar o rompimento com "um padrão formal, contemplar a diversidade e preocupar-
se também com a forma, e não só com o conteúdo", além de ter uma capa "leve e chamativa"
(ata da reunião de 29/06/2002).
93
Em relação ao projeto político, os presentes à reunião colocaram a necessidade de o
jornal ser respaldado por um documento de fundo, que seria o já citado "Projeto Popular para
o Brasil", com o qual o grupo já teria "identidade". Debateu-se a criação de um Conselho
Editorial que "garanta a linha política do jornal" e foi problematizada a questão da pluralidade
de visões, "que pluralismo é esse que defendemos?", indaga o documento.
Pela referida ata, a reunião deixa claro que se tratará de um jornal anticapitalista, de
combate à direita brasileira. Seu público alvo é colocado como "a esquerda do país", algo em
torno de "25 milhões de pessoas". A linha editorial deverá "garantir a pluralidade de idéias",
deve ter um "caráter nacional, que contemple todas as regiões do país", que se contraponha à
"imprensa burguesa". O jornal deve ser pautado pela "realidade, a partir das discussões sobre
o Brasil e as soluções para seus problemas", deve "combinar o caráter de denúncias com o de
conquistas populares" e "abrir espaço para a realidade e lutas dos povos de outros países".
Em relação aos recursos, a previsão de dinheiro proposta pelo MST para a sustentação
de seis edições do jornal cai de 360 mil dólares (documento Um jornal político nacional) para
275 mil dólares, 35 mil mensais para as edições e mais 25 mil para a infra-estrutura. A
plenária sugere que seja arrecadado dinheiro suficiente para a manutenção do jornal por um
ano, e não apenas por três meses, a partir de uma "campanha de massas, que combine formas
de organização estrutural do jornal como distribuidores, vendedores, colaboradores e
anunciantes". Sugere também que sejam contatados "artistas famosos que possam colaborar
com seus trabalhos como Sérgio Ferro, Sebastião Salgado", além da mobilização de "artistas
de teatro para que façam apresentações, revertendo a bilheteria para o jornal". Ficou acordado
que o jornal deveria organizar uma lista de sócios e ter "contribuintes mensais permanentes"
(ata da reunião de 29/06/2002).
Segundo o relato da reunião, os presentes colocam a necessidade de "agregar ao jornal
outras formas de comunicação como uma página na internet, uma agência de notícias, uma
versão online do jornal, um banco de fotos". A solidez do jornal estaria garantida se
conseguisse arrecadar recursos financeiros, manter uma linha editorial clara, montar uma rede
de colaboradores, distribuidores, vendedores, repórteres e fotógrafos "populares" e
finalmente, se conseguisse chegar às massas populares.
O jornal deveria ser ambicioso, de amplitude nacional, semanal, com tiragem de 100
mil exemplares. Esta reunião coloca pela primeira vez a idéia que de o jornal poderia tornar-
se diário após um período de consolidação, ao afirmar que "mesmo sendo semanal, deve ser
um jornal com perfil diário".
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Além dos aspectos acima citados, a ata dessa primeira reunião lista algumas idéias
gerais que contribuiriam posteriormente para a formulação do projeto editorial do Brasil de
Fato, entre elas a necessidade de mostrar a cara do Brasil a partir de fatos e denúncias, sem
discursos, a existência de reportagens, a divulgação de conquistas da população. Coloca-se a
necessidade de refletir sobre as experiências anteriores da imprensa alternativa e as razões de
sua não continuidade, além da determinação de que o jornal não deveria servir apenas como
uma ferramenta de comunicação entre um grupo restrito, ele deve se comunicar com a
sociedade.
Sobre o lançamento, define-se que não deve haver pressa e que o grupo deve aguardar
a arrecadação do montante necessário para o financiamento de um ano do jornal para colocá-
lo nas ruas. As fontes de informação devem ser buscadas fora do que colocam como "os
padrões comuns da grande imprensa", cujas "manipulações da informação" devem ser
mostradas, além de não priorizar somente a "qualidade", mas a "quantidade de informações, a
partir da agregação de outros multimídias". Aparece também a necessidade de aglutinação de
"amigos" e profissionais de outros estados ao projeto e do estabelecimento de "acordos com
os colaboradores" (ata da reunião de 29/06/2002).
Entre as diretrizes políticas, é colocado que o jornal "deve ser um espaço de
construção – numa perspectiva socialista – do futuro", além de não encarar a crise da esquerda
como um "entrave, mas sim enxergá- la como um desafio a ser vencido". Finalmente,
estabelece-se que o jornal deve atingir as massas populares.
O encaminhamento prático desta reunião é a formação de quatro equipes de trabalho
que ficariam responsáveis por desenvolver projetos para áreas específicas do jornal: finanças,
multimídia, editorial e colaboradores. As comissões saíram desta primeira reunião já com
encontros agendados. Segundo Nilton Viana, em entrevista concedida à autora:
Eram quatro comissões, uma delas para captar recursos, doações e bolar formas de campanha para arrecadação (finanças). Uma equipe para projeto editorial. Outra para pensar o projeto gráfico e outra para articular uma rede de colaboradores e criar um banco de dados e informações para que pudéssemos trabalhar melhor com colaboradores, pensar toda a forma de divulgação, no período pós-criação do jornal Brasil de Fato.
A partir da reunião de 29 de junho, tem início um processo mais amplo de discussão
em torno do projeto do jornal Brasil de Fato. As comissões passam a aglutinar novos
interessados e a lista de potenciais colaboradores do jornal aumenta. Veremos a seguir que
começam a aparecer as primeiras divergências que marcariam as discussões sobre o projeto
95
editorial, sobre a estrutura financeira do jornal, e principalmente sobre a conjuntura brasileira
no momento escolhido para seu lançamento.
2. Projeto editorial e político do "jornal de esquerda"
A comissão responsável por pensar o projeto editorial do novo jornal, que a partir da
reunião de 29 de junho passa a ser conhecido como "jornal de esquerda", se reúne e formula o
projeto a partir dos pressupostos colocados e discutidos acima. A dinâmica comum às outras
comissões é de escrever documentos e submetê- los às críticas e sugestões do coletivo,
aprimorando o projeto até fechá-lo. Algumas pessoas ficaram responsáveis por partes
específicas do projeto, como a formulação das editorias. Também foram debatidas nas
reuniões amplas as sugestões enviadas a partir de discussões puxadas pelos militantes do MST
fora do estado de São Paulo.
O primeiro esboço do projeto editorial, feito pelo jornalista José Arbex Júnior, e
chamado de "Projeto editorial do Jornal de Esquerda" incorpora aos pressupostos iniciais
vistos acima (documento-base apresentado pelo MST e sugestões tiradas da primeira reunião,
em 29 de junho), uma lista de aspectos que chama de "O que o jornal não é", elementos que
deveriam ser evitados. Segundo este documento o jornal não é, ou não deveria se tornar:
político-partidário, não excluindo "em princípio, nenhuma corrente de opinião de seu quadro
de colaboradores (exceto, obviamente, aqueles que se opõem aos seus princípios gerais)";
ideológico, ou seja, "não colocando a ideologia na frente dos fatos. Isto é, ele não usa os fatos
como simples exemplo para ilustrar uma ideologia [...] o que não significa que ele não tenha
uma ideologia"; "de amigos para amigos", o que significa que o jornal não deve carregar uma
"linguagem cifrada, falada apenas por determinados guetos culturais e ideológicos. Sua
linguagem deve ser, ao contrário, de fácil entendimento para qualquer leitor médio, de
qualquer região do Brasil" (Projeto editorial do jornal de esquerda, 2002, p.2).
Em contraposição, o jornal deveria ser: um semanário independente, "sem vínculo
político-partidário nem associação a qualquer grupo empresarial"; moderno, "de leitura
dinâmica e agradável, para um público que já é consumidor de jornais, ou que poderá se
tornar ao notar que existe uma nova opção na praça"; sério, ao ponto de se tornar "referência e
leitura obrigatória para quem quer de fato saber o que está acontecendo"; bonito; informativo,
"com grandes reportagens, com denúncia de fatos e amplo espaço para o jornalismo"; ter
linguagem clara, sem cair na banalização; contemplar a diversidade de temas com
96
criatividade; conduzir à reflexão, refletindo o "projeto popular para o Brasil", seus desafios e
as saídas [...] para resolver os problemas do povo; e ter dimensão nacional, abarcando "a
amplitude dos fatos e problemas de todo o país". (Projeto editorial do jornal de esquerda,
2002, p.3).
O público alvo do jornal era definido neste esboço como:
As pessoas progressistas, organizadas e desorganizadas, que querem mudanças no Brasil. Esse público vai desde a militância social engajada até a classe média desanimada, que conforma os eleitores do Lula-89, e que, portanto abarcam milhões de brasileiros. Embora por suas limitações de jornais, chegaremos apenas a alguns milhares. Há também um "filão" preferencial que seriam os sindicalistas, intelectuais, estudantes universitários e secundários, profissionais liberais, funcionários públicos etc. e que têm capacidade de formar opinião, multiplicar idéias e debates.
Segundo o referido documento, o formato seria tabló ide germânico, com vinte e quatro
páginas e quatro cores. A proporção entre texto e imagem seria de 60% a 40%. Suas páginas
seriam divididas entre as seguintes editorias: “nacional (política brasileira); economia
(nacional e internacional); política internacional; cultura; esportes e obedeceriam à seguinte
ordem”:
Capa; página 2: editorial, expediente, cartas dos leitores ou artigos de opinião,
campanhas; páginas 3 a 10: política e economia, sendo "o desafio aqui é cobrir essa área
dando um rosto a quem não tem visibilidade, e dando voz a quem normalmente não é
ouvido", entrevista, artigos de opinião; páginas 11 a 14: internacional; páginas 15 a 20:
cultura; páginas 21-23: esportes, "com um enfoque cultural" e página 24, a contracapa,
deveria abrigar sempre um assunto "quente".
A partir desse esboço, colocado para discussão entre o grupo ampliado que se formava
em torno do projeto, começaram a aparecer as primeiras divergências em torno das
perspectivas para o jornal e do papel que ele deveria cumprir. Essas divergências diziam
respeito principalmente ao público que o jornal deveria atingir e refletiam nas escolhas que o
projeto editorial deveria fazer. Os dois caminhos distintos apontavam para a escolha de falar
com um público militante e já organizado dentro dos movimentos de esquerda ou para o
desafio de construir um jornal voltado para um público ampliado, não necessariamente
organizado em partidos ou movimentos, concepção que aparecia como pressuposto para a
existência do jornal desde os primeiros documentos. Para José Arbex Júnior:
Uma perspectiva é que deveria ser um jornal de esquerda, voltado para a esquerda e com um conteúdo basicamente endereçado à militância de esquerda [...]. E havia
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outra perspectiva que era um jornal que se definia por uma linha antiimperialista, socialista, mas o público alvo dele não era a esquerda, era a nação brasileira. Era um jornal que iria disputar, em banca, a audiência da nação brasileira [...]. A idéia era mostrar para o leitor do Estadão, da Folha e da Veja que havia outro Brasil. E que era um Brasil que não seria descrito para o leitor por um jargão de esquerda. Mas seria descrito por uma linguagem normal, que todo mundo fala na rua, no dia a dia.
Na ata da reunião feita em 30 de agosto de 2002 entre as comissões do projeto
editorial e multimídia, fica claro que a existência de duas concepções permeia todas as
discussões, já que o jornal precisaria definir seu caráter para "decidir seu nome, a distribuição,
a equipe etc.". O documento coloca as duas concepções como: 1. (jornal) "com caráter
profissional, mas com um enfoque político diferente dos jornais tradicionais" e 2. (jornal)
"com caráter militante, de opinião, não-profissional".
Nilton Viana reforça a perspectiva de Arbex para o jornal, inclusive colocando que o
grupo procurou se espelhar nas experiências anteriores de jornais de esquerda para evitar os
mesmos erros:
Nós intensificamos muito o debate em torno de como e qual deveria ser esse instrumento, ou seja, esse veículo de comunicação, inclusive debatendo as experiências da esquerda, já que na verdade nós não estávamos inventando a roda [...] A esquerda brasileira sempre procurou criar seus próprios meios, então nós debatemos muito os erros e acertos desses meios específicos que a esquerda sempre procurou criar. Um deles é que nós não faríamos um jornal de nenhum partido político ou de uma tendência política específica, ao mesmo tempo em que não seríamos uma república de tendências. Não seria um jornal doutrinário, dogmático, massudo, seria um jornal com reportagens, que fizéssemos mesclado com profissionalismo e militância. E mais, não faríamos um jornal para nós mesmos, ou seja, para militância. O jornal nasceu especificamente para dialogar com outro público da sociedade brasileira, não com a militância, emb ora seja um instrumento que sirva de subsídio para a militância, para fazer o debate político-ideológico [...] Alguns queriam que fosse um jornal voltado para a militância, um pouco dentro da linha dotrinária-dogmática, de se algo que fosse um instrumento para a vanguarda [...] Então nós mesclamos todos esses debates e chegamos a um meio -termo. Ou seja, vamos fazer um jornal bonito, que vá para as bancas, que seja atrativo, com linguagem profissional, jornalística - com reportagem - mas que ao mesmo tempo seja um jornal que se posicione politicamente frente aos grandes desafios da conjuntura.
Em relação ao público-alvo do Jornal, Nilton identifica-o aos eleitores históricos do
PT:
Fundamentalmente, a gente trabalhava com a perspectiva, sobre qual seria nosso público. O PT tinha uma média até 1994, de 18 a 20 milhões de votos. Foi uma média que se manteve desde 1989 sem se alterar muito. Foram sempre votos ideológicos, de pessoas progressistas que querem mudanças estruturais no país. Nós inclusive, em linhas gerais, dizíamos que queríamos atingir esse público. Esse público que está disperso no país. Não esse público que elegeu no Lula no primeiro mandato, esses 54 milhões de pessoas, que aí já foi reflexo de marketing, que não condiz com o voto ideológico.
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Já Ricardo Gebrim, em entrevista a autora, declara que o grupo se referenciava no
número de pessoas que se agregaram em torno do Plebiscito sobre a ALCA, em 2002.
Segundo ele:
Nós tínhamos um levantamento de que a idéia de organizar o plebiscito sobre a ALCA tinha mobilizado no Brasil todo, 156 mil ativistas. Era um público bem plural, de todas as forças políticas de esquerda, mas isso para nós era uma referência. Existem 156 mil pessoas que, em tese, seriam o público alvo desse jornal. Então a gente falava e pensava muito nesse número, existem aí 156 mil pessoas, nós temos até a lista delas aqui, porque participaram do plebiscito, estavam envolvidas nisso, poderiam assumir, se interessariam num jornal como esse, poderiam ser o público alvo desse jornal. Então essa era a referência principal, que era algo bem amplo.
As duas concepções distintas sobre o papel e o caráter do jornal aparecem novamente
no momento da escolha de nomes. Desde o início das discussões, o MST recolheu sugestões
dadas em reuniões e enviadas por correio eletrônico. No momento de sistematização e
escolha, havia duas linhas distintas para o nome do jornal, que refletiam as duas perspectivas,
uma mais voltada para a luta dos trabalhadores e para a tradição socialista e outra mais
preocupada em estabelecer um diálogo com a população em geral. Segundo Miguel Stedile,
em entrevista concedida para esta pesquisa:
Tinham propostas como "Aurora" 16, por causa do navio... Super bolchevique. [...] O Arbex dizia o seguinte: "Olha, todo mundo tem uma idéia de jornal. Todo mundo quer construir um jornal de esquerda nacional e tal. É um momento histórico, estamos empolgados com isso. Se fosse por mim, o jornal se chamaria 'A Centelha', 'Socialismo ou Barbárie', mas o jornal não vai ser feito para mim". Então a gente tinha que disputar os setores de forma mais ampla. É claro que o jornal vinha falar para um público mais amplo, mas também deveria falar para a militância, para as organizações, ele se pretendia plural nesse aspecto.
A preocupação do grupo que defendia uma concepção mais aberta de jornal era de que
a escolha do nome restringisse a penetração do jornal a grupos de esquerda. Com esse perfil,
além de "Aurora", foram feitas sugestões como "Luta Popular", "Mutirão", "A Esquerda", "A
Voz da Esquerda", "Rumo Socialista" e "Esquerda Plural". Outra vertente de sugestões
apontava para a perspectiva mais ampla, apontando para opções como "Debate Brasil",
"Brasil de Debate", "Brasil de Fato", "Brasil Informa", "Correio do Brasil", "O Brasil", "Outro
Brasil", "Opção Brasil" e "Idéias e Fatos" (documento: relação dos nomes sugeridos para o
Jornal de Esquerda, 2002).
Os nomes finalistas da consulta, que recebeu 58 sugestões, foram divulgados em
circular passada por correio eletrônico ao coletivo em 23 de setembro de 2002. Eram: "O 16 Cruzador Aurora, navio utilizado pelos bolcheviques na tomada da cidade de São Petersburgo, no
início da Revolução Russa, em 1917.
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Brasil", "Brasil Popular", "Nosso Brasil", "O País", "Novos Tempos", "Tempos Novos",
"Nosso Jornal" e o escolhido: Brasil de Fato.
No dia 17 de outubro de 2002, uma circular informa os grupos de apoiadores do
jornal, as secretarias estaduais do MST e demais colaboradores do projeto de que o "Jornal de
Esquerda" finalmente tivera seu nome escolhido, após uma reunião que empreendeu um
processo de eliminação entre os oito finalistas. O Brasil de Fato tinha também um projeto
editorial fechado. A comissão responsável reunira sugestões feitas por correio eletrônico e as
submetera ao coletivo. As propostas para as editorias internacional, nacional e cultura foram
formuladas por membros do grupo especializados nas áreas, respectivamente José Arbex,
Hamilton de Souza (jornalista) e Sérgio de Carvalho (diretor teatral da Cia. do Latão). Mais
de três meses haviam se passado desde a primeira reunião aberta em torno do projeto, em 29
de junho.
A construção do Brasil de Fato entrava em outra fase, a de viabilização do projeto,
arrecadação de recursos, montagem de uma equipe fixa e de colaboradores, e publicação da
página experimental do jornal na internet. Outra prioridade era a construção dos comitês de
apoio, iniciativa que analisaremos a seguir. José Arbex Júnior, participante do grupo desde o
início e autor do esboço do projeto editorial aceitara o cargo de editor-chefe e a partir desse
momento, o grupo envolvido na construção do Brasil de Fato passa a trabalhar com um
indicativo de data para o lançamento de seu número zero, o Fórum Social Mundial de Porto
Alegre, marcado para janeiro de 2003.
A versão final do projeto editorial manteve os princípios gerais descritos no
documento-base apresentado inicialmente pelo MST, com algumas reformulações, além de
incorporar os principais aspectos do esboço formulado por José Arbex Júnior, com o
acréscimo das sugestões pela comissão específica e pelas reuniões gerais. Na visão de Miguel
Stedile, colocada em entrevista à autora:
A concepção majoritária predominou. Tinham algumas concepções minoritárias, praticamente individuais [...] dizendo "a gente deve ter uma revista de textos mais longos, análise profunda, voltada para os quadros." [...] Mas naquele momento a grande maioria das pessoas que estava debatendo o jornal não estava pensando nisso. Eles estavam pensando em um jornal massivo, de esquerda, para demarcar uma posição e influenciar nas lutas sociais, na disputa hegemônica mesmo. Não foi um jornal que nasceu se pensando pequeno. Pode até ter nascido pequeno, mas nunca se pensou limitado. [...] Isso não é um idealismo, exagero. Acho que é sinal de maturidade. Se a esquerda quer disputar o poder no Brasil, ela precisa ter veículos de comunicação de massa. [...] Uma preocupação em falar com o público mais amplo, em ser pedagógico, em orientar as lutar, de estar vinculado com os movimentos sociais, mas não se voltar exclusivamente para os movimentos.
100
A abertura do projeto editorial coloca que:
Na luta por uma sociedade justa e fraterna, a democratização dos meios de comunicação é fundamental. E é com essa concepção que o MST, em consonância com outros movimentos sociais, como a Via Campesina17, a Consulta Popular, as pastorais sociais , criaram o jornal Brasil de Fato – um jornal político, de circulação nacional, para contribuir no debate de idéias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país. Portanto, o Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002).
Ligeiramente modificados em relação ao primeiro documento, os objetivos centrais do
jornal Brasil de Fato seriam:
a) Expressar a visão da esquerda sobre os fatos e a realidade nacional e internacional e promover o seu debate; b) Expressar a postura da solidariedade internacional entre os povos; c) Ser plural nas idéias, sem vinculação a correntes partidárias, e profundamente comprometido com os interesses do povo brasileiro nas transformações sociais necessárias ao país; d) Subsidiar, com informação e reflexão, a militância social e as pessoas que querem mudanças; e) Estimular as lutas sociais e os movimentos de massa; f) Promover incansável e incessantemente os valores humanistas e socialistas; g) Ter como referencial político a necessidade de um Projeto Popular para o Brasil . (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002)
Suas características estão listadas como:
1) Periodicidade semanal, com perspectiva de ser diária num futuro próximo; tiragem mínima de cem mil exemplares; 2) Elaborado em linguagem simples, acessível, moderno, com muitas reportagens, cobertura fotográfica, bonito, sério, informativo e analítico, com a união de profissionalismo/ militância, competência/ compromisso social, beleza/luta; 3) Pautado, sobretudo pela realidade nacional, que reflita nos problemas de todo o país; 4) Vendido em bancas, por distribuidores militantes, por meio de assinaturas e em cotas para movimentos sociais, sindicatos, paróquias etc.; 5) O jornal é administrado por uma editora, sem fins lucrativos, que foi constituída para este fim, com alguns sócios honorários. (Projeto editoria l do jornal Brasil de Fato, 2002).
17 A Via Campesina é um movimento internacional de luta pela terra, criado em maio de 1993, que
congrega organizações camponesas de todo o mundo. No Brasil, fazem parte desta articulação, além do MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e a Pastoral da Juventude Rural (PJR). Disponível em http://www.viacampesina.org
101
Sobre sua natureza e público alvo:
a) O jornal Brasil de Fato tem vocação quotidiana e nacional. Até consolidar as condições necessárias para tal, será um semanário, com tiragem de 100 mil exemplares iniciais. O Brasil de Fato responderá às crises conjunturais e estruturais, nacionais e internacionais, apresentadas e lidas desde o ponto de vista do mundo do trabalho. b) Nossos leitores são as pessoas progressistas, integrantes ou não de organizações classistas e populares, que querem mudanças no Brasil, incluindo a classe média disposta a somar-se na luta pela transformação do país. O Brasil de Fato destinar-se-á também aos sindicalistas, intelectuais, estudantes universitários e secundários, profissionais liberais, funcionários públicos etc. que têm capacidade para formar opinião, multiplicar idéias e debates. (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002).
Uma modificação importante em relação às propostas anteriores diz respeito ao
número de páginas, que no projeto editorial definitivo aparece como 16, número efetivamente
utilizado a partir do número 1, e não mais como 24. Em relação à estrutura interna do jornal,
manteve-se praticamente a mesma proposta feita por Arbex no esboço do projeto editorial,
mas a área de cobertura, os temas e preocupações que deveriam nortear o trabalho de cada
editoria foram desenvolvidos e ficaram estabelecidos da seguinte maneira:
Página 1 – capa; Página 2 – editorial, expediente, cartas, campanha de assinatura ou vendas; Páginas 3 a 8 – editoria nacional Temas: política, economia, educação, saúde, segurança, reforma agrária, habitação, povos indígenas, meio ambiente, riquezas naturais e demais áreas e assuntos do âmbito nacional. Forma: pelo menos uma boa reportagem de política e uma boa reportagem de economia, além de várias matérias (reportagens, artigos, notas e resumos) das demais áreas e assuntos nacionais. A pauta deve ter uma função estratégica para afirmação da linha editorial do jornal e a conquista de leitores; deve construir, a cada edição, um pouco da dimensão nacional, seja com a produção de matérias nos mais diferentes pontos do território, seja na expressão das realidades, das lutas e dos movimentos sociais. A cobertura nacional deve evitar o denuncismo, o sensacionalismo e o tratamento irresponsável e superficial dos fatos nacionais; ao contrário, deve ter critérios claros e transparentes para uma cobertura rica, sóbria, atraente, inteligente, educativa e formadora de opinião. A política deve ser vista além dos partidos e do jogo institucional dos executivos e legislativos; é preciso tratar a política como a ação humana na busca do bem comum; é preciso fornecer para o leitor os interesses existentes por trás dos fatos, os bastidores e onde estão os verdadeiros centros de poder. A economia precisa ser traduzida para que o cidadão comum - medianamente informado - entenda as relações da macroeconomia com os problemas do cotidiano, as relações internacionais do capital com as políticas governamentais. É preciso desmascarar o tempo todo a visão economicista, segundo a qual tudo deve estar subordinado à economia; é preciso desmascarar o tecnicismo e a burocracia, que são instrumentos usados pelas classes dominantes para justificar seus atos anti-populares. Páginas 9 a 11 – editorial internacional
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"Contextualização" é a palavra-chave desta editoria. Se a "grande mídia" mostra os fatos de forma fragmentária, nosso jornal, ao contrário, vai mostrar como os fatos da política internacional estão articulados, e explicam, muitas vezes, as atitudes de governos nacionais. A cobertura sempre terá no horizonte dois focos principais: O desvendamento da política do imperialismo, particularmente do imperialismo americano A resistência dos povos, quase sempre ocultada pela "grande mídia". Será particularmente importante nesta seção, talvez mais do que em qualquer outra editoria, a contribuição de articulistas que possam explicar, em linguagem muito simples e articulada, a conexão entre os fatos que são ocultados ou apresentados de maneira desconexa pela "grande mídia". Podemos e devemos aproveitar os materiais das agências alternativas e independentes (Alai, Adital, Diário de Urgência, Z net etc.) assim como a contribuição de correspondentes, "stringers" e de grandes articulistas e pensadores que estão do nosso lado (de Noam Chomsky a Leonardo Boff). Não seremos, necessariamente, "pautados" pela "grande mídia". Ao contrário, vamos produzir material próprio, original, adotando o ponto de vista dos movimentos sociais. Páginas 15 e 16 – Agenda cultural da esquerda, cultura e esporte Agenda cultural - Relação e descrição mínima de manifestações culturais, políticas, sociais na contramão do capital. 1) Princípios gerais: combater a mercantilização da cultura; priorizar processos e não produtos culturais. Os atos culturais devem ser apreciados por seu valor de uso (estético, político, moral etc.) não pelo valor de troca. Relacionar a produção cultural com sua base material. Sugerir meios para que o desenvolvimento cultural seja possibilidade de todos e não apenas da elite. Tratar cultura como ação política, sem doutrinarismo nem medo de tomar partido. Fugir do culto à personalidade. Tratar a chamada cultura popular com o mesmo rigor da chamada cultura erudita. Subverter os gêneros jomalísticos habituais. Exp erimentar novas formas. Comprar brigas com a grande imprensa. E também com as grandes editoras, gravadoras, teatros, televisões, e tudo o mais que tenha se tomado "grande" à custa da miséria alheia. 2) Funções das páginas de cultura a) Refletir criticamente a realidade da cultura produzida do país; b) Propor encontros de trabalho e novas possibilidades, reunindo pessoas para entrevistas, organizando debates, estimulando cruzamentos de áreas e participações das bases populares. 3) Áreas de concentração a) Produção simbólica: Registro, análise, interpretação de produtos e processos culturais significativos de áreas como Literatura, Teatro, Cinema, Artes Plásticas, Música, Dança, Ciências, Culinária, Moda, Arquitetura etc. b) Indústria Cultural: Crítica e desvendamento dos hábitos dos veículos de massa, sobretudo rádio, televisão, imprensa. c) Cultura popular e política: Registro e reflexão sobre as manifestações artísticas e culturais realizadas à margem dos mercados, vinculadas a tradições populares, ou ligadas às visões políticas de esquerda. d) Conjuntura sócio-política e econômica da cultura e educação: Análise e debate sobre as políticas culturais, científicas e educacionais do país. e) Esporte como cultura: Análises e reportagens sobre a vida esportiva no país. É importante que esta área tenha também perspectiva crítica, mostrando os vínculos históricos entre a indústria esportiva, as ideologias nacionalistas e racistas, e a financeirização do capital. (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002).
Em relação ao projeto político, não houve divergências. O documento-base formulado
pelo MST previa que o Brasil de Fato fosse orientado politicamente pelo já citado “Projeto
Popular para o Brasil”. O grupo formado para a elaboração do projeto do jornal, apesar de
heterogêneo, possuía referências no MST de forma a não contestar esse ponto. Dessa forma,
foram estabelecidos os seguintes objetivos e desafios políticos para o jornal:
103
1. Elevar o nível de consciência política e cultural do povo. 2. Servir de subsídio para a militância social 3. Estimular as lutas sociais, de massa. 4. Expressar uma visão transformadora (esquerda) dos fatos e da realidade brasileira. 5. Ser plural nas idéias, mas balizado pelo compromisso de transformação social. 6. Incentivar o engajamento político, organizado das pessoas. 7. Promover o debate de idéias na sociedade. 8. Promover a cultura popular brasileira. 9. Expressar a solidariedade internacional entre os povos. 10. Cultivar os valores socialistas e humanistas. (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002)
Desafios a superar 1. Compreender que é um processo de construção permanente, que vai levar tempo, (um ano!) 2. É uma construção coletiva. É um verdadeiro movimento social. 3. Deve ser um instrumento. Logo precisa chegar ao maior número possível de pessoas, de organizações sociais, de locais, de cidades, ser conhecido. 4. Só alcançará seus objetivos políticos se for independente financeiramente. Caminhar com suas próprias pernas. Para isso o melhor caminho são as assinaturas. 5. Exige militância, dedicação, espírito de sacrifício, cuidado, para que se transforme num instrumento aglutinador. 6. Ter jornalistas profissionais e militantes, que se incorporem ao projeto, em muitas cidades, para ser nacional e popular. 7. Ter uma linha política editorial, didática e com profundidade, que arme o leitor de informações. (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002).
Outros elementos, como a criação dos comitês regionais, também estavam presentes
do projeto político do Brasil de Fato, assim como fazem parte dele as opções por
determinados modelos de organização do trabalho, tanto na redação como nos conselhos. Por
motivo de organização, deixaremos para abordar essas questões nos itens seguintes.
3. Funcionamento e sustentabilidade A estrutura de funcionamento do Brasil de Fato foi sugerida basicamente pela mesma
comissão responsável pela elaboração do projeto editorial do jornal. Esta comissão, formada
principalmente por jornalistas, era a mais capacitada para vislumbrar as demandas de um
meio de comunicação por pessoal. Por outro lado, a questão política permeou a estruturação
dos órgãos colegiados que deveriam gerir o jornal, deixando claro que o Brasil de Fato se
tratava de um projeto político que teria diretrizes claras a seguir.
A redação do Brasil de Fato, localizada na região central de São Paulo, seria
responsável pela organização da rede de correspondentes e colaboradores regionais que
deveriam fornecer informações, textos e fotos. Organizar essa colaboração seria o maior
104
desafio da redação, segundo o documento "Estrutura organizativa do jornal", parte do projeto
editorial do Brasil de Fato. Sua equipe fixa de profissionais deveria contar com: um diretor de
redação, um editor de Brasil/ economia, um editor de internacional, um editor de cultura/
esportes, um coordenador da agência de notícias com funções de pauteiro, três repórteres sem
alocação fixa nas editorias, um editor de arte, um arteiro para editoração, um secretário de
redação/ produção. Também foi sugerida a reserva de alguma verba para a contratação de
eventuais repórteres e fotógrafos free-lancers, para a compra de fotos e ilustrações, além da
necessidade de contar com articulistas e jornalistas que ajudassem nos fechamentos. O esboço
do projeto editorial feito por José Arbex contava com a figura de um diretor de redação,
"autoridade máxima, autônoma e soberana para decidir o dia-a-dia do jornal (manchetes,
pautas, enfoques de reportagens, entrevistas)". Essa figura aparece como editor-chefe no
projeto definitivo, cargo ocupado primeiro por Arbex e posteriormente por Nilton Viana. Os
jornalistas e demais profissionais da redação seriam contratados e remunerados pelo serviço.
Dentro da perspectiva de construir um jornal militante, voltado somente aos movimentos
sociais, houve propostas que defenderam a não-remuneração dos profissionais, mas a
necessidade de consolidar uma equipe fez com que essa idéia fosse descartada.
Uma iniciativa que casou a necessidade de divulgação do projeto com a urgência em
formar uma rede de colaboradores foi a página na internet chamada de "Tira-gosto". Colocada
no ar em novembro de 2002, ela tinha como objetivos principais "concentrar, organizar e
estimular o trabalho da rede de colaboradores regionais, além de servir como canal de
captação de pautas e de novos colaboradores" e "testar e definir a melhor forma de operar no
dia-a-dia do jornal com o recebimento, a seleção e a edição do material enviado pela rede de
colaboradores regionais" (documento intitulado Cardápio para o site tira-gosto). A página
antecipava também alguns dos temas que seriam abordados no jornal a partir de artigos
inicialmente publicados por agências de notícias próximas e enviados por futuros colunistas.
Em relação à gestão, o projeto editorial final previa a formação de dois conselhos: de
redação e político. O conselho de redação teria quinze membros, com o papel de
supervisionar o jornal e fazer reuniões quinzenais com o conselho editorial. Este conselho,
formado por pessoas escolhidas pelo MST, deveria ser composto levando em consideração
aspectos como representação social, disponibilidade e compromisso com o jornal. Caberia ao
conselho de redação a contratação de pessoal, compra de equipamentos, administração das
relações do jornal, além da produção de editoriais em colaboração com o diretor de redação,
sendo que esta última função aparece somente no esboço de projeto feito por José Arbex.
105
Ao longo do processo, o conselho de redação transformou-se em conselho editorial e
perdeu parte de suas atribuições pontuais no dia-a-dia do jornal, tornando-se um grupo de
sugestões de pauta e enfoques políticos, que se reúne mensalmente. Foi reformulado
procurando contemplar a pluralidade de visões dentro da esquerda, em princípio com doze
pessoas de origens distintas. Para Nilton Viana, em declaração feita na entrevista dada à
autora:
Inicialmente, quando o jornal foi lançado nós nos reuníamos quinzenalmente [...] para fazer o “pente fino”, digamos assim, da conjuntura política. E também tomar decisões mais de caráter imediato. A idéia era [ter] sempre figuras dos movimentos sociais, que tenham representatividade e possam trazer para cada reunião elementos que nos ajudem a balizar a conjuntura política.
O conselho político, formado pelos representantes do conselho editorial e
aproximadamente outros cinqüenta membros, tinha a função de dar respaldo e legitimidade ao
projeto. Para isso, foram convidados professores, intelectuais, artistas, escritores,
parlamentares e lideranças de movimentos sociais, que dificilmente participariam de forma
ativa da vida do jornal, mas que poderiam emprestar seus nomes e imagens às campanhas de
vendas e assinaturas. Este conselho deveria se reunir a cada três meses, mas isso nunca
ocorreu na prática. Foram organizadas reuniões semestrais, que há alguns anos se tornaram
anuais, pela dificuldade em coordenar agendas tão diferentes. Segundo Nilton Viana:
A instância maior é o conselho político [...] com espectro bem amplo de participação, inclusive ideológico. Nós temos [...] do PMDB ao PSTU. No começo era uma estrutura que se reunia duas vezes por ano, mas nós temos feito uma reunião anual. Ele tinha um caráter muito mais para dar respaldo político, inclusive com algumas figuras de expressão política nacional e internacional. É algo que foi criado muito mais para dar as diretrizes políticas de longo prazo e ao mesmo tempo dar um peso político para esse veículo que estávamos lançando. Nós temos dentro desse conselho o Noam Chomsky, Sebastião Salgado, Oscar Niemeyer. São figuras que é claro, não participam das nossas reuniões, mas são pessoas que por confiança política e por acreditar no projeto político do Brasil de Fato emprestaram seus nomes. Nós temos um leque enorme de pessoas, de intelectuais, artistas que emprestam seus nomes para dar respaldo político. Mas a função desse conselho é se reunir um vez por ano e fazer os grandes debates. E é um momento que nós aproveitamos para prestar contas do que estamos fazendo para as pessoas que emprestam seus nomes ao projeto Brasil de Fato .
Um dos pilares mais importantes do jornal seria sua lista de colunistas brasileiros e
estrangeiros. Graças ao prestígio do MST, uma série de intelectuais aceitou contribuir com
artigos não remunerados para o jornal. O dia a dia mostrou que nem todos teriam
disponibilidade e interesse para tal, mas, antes do lançamento do Brasil de Fato, a lista de
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possíveis colaboradores e articulistas era extensa e contava com os seguintes nomes
(Documento sem título com lista de colaboradores, 2002):
Colaboradores de política e economia nacional Ademar Mineiro, Apolônio de Carvalho, Armando Boito Jr., Beto Almeida, Caio Navarro de Toledo, Candido Grzybowski, Carlos Lessa, Carlos Nelson Coutinho, César Benjamin, Chico de Oliveira, Dom Demétrio Valentini, Dom Mauro Morelli, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomas Balduíno, Eduardo Carrion, Emir Sader, Ermínia Maricato, Fábio Konder Comparato, Fernando Morais, Frei Betto, Frei João Xerri, Gershon Knispel, Hamilton Octavio de Souza, Horacio Martins, João Quartim de Moraes, Jacob Gorender, João Pedro Stedile, José Arbex Júnior., Leandro Konder, Leo Lince, Leonardo Boff, Luis Carlos Guedes Pinto, José Luis Fiori, Marcos Arruda, Maria da Conceição Tavares, Maria Luisa Mendonça, Maria Vitória Benevides, Marilena Chauí, Marília Gabriela, Mário Maestri, Nilo Batista, Olga Futema, Paulo Arantes, Paulo Zarth, Plínio Arruda de Sampaio, Plínio Arruda de Sampaio Júnior, Raquel Rolnik, Reinaldo Gonçalves, Ricardo Antunes, Robert Ponge, Ronald Rocha, Sergio Haddad, Sueli Carneiro, Thetonio dos Santos, Vânia Bambirra, Valter Pomar e Vladimir Pomar. Colaboradores de cultura Alcione Araújo, Alípio Freire, Alfredo Bosi, Antonio Candido, Augusto Boal, Beth Carvalho, Clóvis Moura, Companhia Teatro do Oprimido, Daniel Viglieti, Dulce Maia, Eduardo Galeano, Fabio Paez, Fernando Morais, Ferrez, Gilberto Maringoni, Hamiltom Pereira (Pedro Tierra), Ivan Villela, Joana Fomm, Lobão, Luiz Fernando Veríssimo, Maria Maia, Maria Rita Kehl, Sebastião Salgado, Sérgio de Carvalho e Cia. do Latão, Silvio Tendler, Zé Celso Martinez Correa. Colaboradores de esporte Juca Kfouri, Sócrates, Cajuru, Juarez Soares, José Trajano, Chico Buarque. Meio-ambiente, transgênicos e soberania alimentar Aziz Ab' Saber, Ariovaldo Umbelino, Pedro Ivo, Sebastião Pinheiro, David Hathaway, Silvia Ribeiro, Pat Money, Peter Rosset, Ricardo Petrella, Vandana Shiva, Jean Marc Van der Weid, Adriano Campolina. Colaboradores internacionais André Gunder Frank (EUA), Armando Bartra (México), Claudia Korol (Argentina), Edward Said, (Palestina-EUA), Fausto Bertinoti (Itália), Fernando Heredia (Cuba), François Chesnais (França), François Hourtart (Belgica), Hanz Hymmlert (costa Rica), James Petras (EUA), Jean Ziegler (Suíça), José Saramago (Portugal), Leo Gabriel (Áustria), Manu Chao (Espanha), Marta Harnecker (Cuba), Michael Löwy (França), Miguel Urbano (Portugal), Mumia Abu Jamal (EUA), Noam Chomsky (EUA), Osvaldo Leon (Equador), Pierre Broué (França), Rita Edwards (África do Sul), Samir Amin (Inglaterra), Sérgio Yahni (Israel), Kiva Maidanik (Russia), Jacques Chonchol (Chile), Xavier Gorostiaba (Venezuela), Ana Maria Cecena (México), Shafik Handal (El Salvador). (Documento sem título com lista de colaboradores, 2002).
Havia também a idéia de fazer contato e utilizar a produção de agências internacionais
e portais independentes como ALAI, Ciranda da Informação, La Jornada, Prensa Latina, Il
Manifesto, entre outros.
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Um dos pilares de sustentação do projeto do Brasil de Fato, os comitês de redação
regionais, faziam parte do planejamento estrutural do projeto. Mas, por conta de sua
importância, reservaremos um item para falar somente sobre eles a seguir.
Além da equipe editorial e colaboradores, ficou colocada a necessidade de montar uma
equipe administrativa, que trabalhasse de forma profissional e remunerada, dentro dos
"princípios contábeis de uma empresa" (esboço do projeto editorial), com a formulação de
uma política de gastos e rendimentos. Apesar de não ter fins lucrativos, o jornal deveria
prever recursos para investir em seu próprio crescimento. Essa equipe deveria gerir também
as assinaturas e antes do lançamento do jornal, administrar as doações que o projeto receberia.
Em relação às finanças, logo que o primeiro projeto do jornal foi apresentado, foi
montada uma equipe para a arrecadação de dinheiro que viabilizaria a publicação. Pelo que
observamos a partir da análise dos documentos, a previsão do montante necessário para
garantir a sustentação do jornal por um ano mudou bastante ao longo das discussões, como
pudemos verificar acima. Em agosto de 2002, o coletivo chegou a um acordo em relação à
soma de um milhão e duzentos mil reais, que deveria ser arrecadada até o lançamento do
número zero, e que sustentaria o Brasil de Fato até sua consolidação. Posteriormente, uma
nova previsão foi feita, apontando para a necessidade de arrecadar dois milhões de reais para
garantir o lançamento e o período de consolidação.
A campanha de arrecadação de dinheiro foi deflagrada antes mesmo do nome do jornal
ser definido, quando o projeto era chamado simplesmente de "Jornal de Esquerda", e
funcionou em três frentes: contribuições de mil reais feitas por entidades e/ou indivíduos,
assinaturas antecipadas de cem reais (duração de um ano), e campanha popular que garantiria
ao colaborador um mês de recebimento do jornal através da doação de dez reais. Foram
estabelecidas cotas-metas de arrecadação para cada estado do Brasil, levando em
consideração as diferenças regionais. O estado de São Paulo, por exemplo, por conta de seu
peso social e econômico, deveria levantar 20% da meta nacional (Informe ao coletivo do
jornal de 23/09/2002).
A divulgação da campanha aconteceu por intermédio dos membros do coletivo, que
deveriam passar a seus contatos explicações sobre o projeto. Foi feita também a partir de
visitas dos membros às universidades e sindicatos e parte significativa por correio eletrônico.
As doações de mil reais eram feitas a partir de fichas de adesão, pagas com cartão de crédito
ou boleto bancário. As de cem reais eram feitas a partir de blocos de assinaturas e também
poderiam ser pagas por boletos. As de dez reais eram registradas em blocos de contribuição
no formato de rifas e numeradas para sorteio de livros e viagens a Cuba.
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Foi formulado um documento para a divulgação da campanha de arrecadação de
fundos, que tanto poderia ser impresso, colado como cartaz ou enviado pelo correio, como
poderia fazer parte de uma mensagem de correio eletrônico. Chamava-se "Aos interessados
em democratizar a comunicação", e trazia explicações sobre a iniciativa do MST de criação
de um "Jornal de Esquerda", expunha seus objetivos principais e características gerais. O
documento, formulado em agosto de 2002, condicionava a o lançamento à arrecadação de um
milhão e duzentos mil reais, soma considerada suficiente naquele momento para garantir seis
meses de vida do jornal, até que passasse a se manter com as vendas em banca, além de se
comprometer a devolver o dinheiro, caso o projeto não se concretizasse. Havia também a
possibilidade de arrecadação de fundos a partir de doações de entidades internacionais.
Após o lançamento, havia a perspectiva de que o jornal se consolidasse e se tornasse
auto-sustentável em um curto espaço de tempo, a partir da venda em bancas de revistas nas
300 maiores cidades do país, da venda de assinaturas, da venda de cotas para movimentos
sociais, da chamada "venda militante", organizada a partir de grupos que poderiam distribuir e
vender o jornal por determinada porcentagem (Arbex, esboço do projeto editorial) e, por
último, a partir da venda de espaços publicitários que "não comprometam, por sua natureza, a
qualidade política do jornal", priorizando os "pequenos anúncios, condizentes com a
orientação do jornal", e garantindo "que o jornal não dependa de anúncios institucionais que o
determinem e condicionem" (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato).
Havia algumas razões para que o coletivo que se reuniu em torno do projeto
considerasse que a auto-sustentação do jornal aconteceria em tão pouco tempo. Apesar de que
até os meios comerciais, cujos orçamentos são em boa parte cobertos por anúncios, costumam
demorar muito mais para se estabilizar. A primeira delas diz respeito a uma estimativa feita a
partir do número de assinaturas que o jornal poderia conseguir. José Arbex lembra que essa
conta foi formulada a partir do número de pessoas que se engajaram na organização do
Plebiscito da ALCA, em 2002:
A gente fazia um cálculo que, durante a campanha contra a ALCA, nós conseguimos agregar 150 mil pessoas. Qual era o cálculo? Se 10% dessas 150 mil pessoas assinarem o jornal são 15 mil assinaturas. Está sustentado o jornal. O Stedile já mencionava que no Brasil tinham nove mil paróquias. Se 10% fizesse assinatura, de um jornal, seriam 900 assinaturas. A gente achava que, por baixo o jornal começaria com 16 mil assinaturas. Um jornal com 16 mil assinaturas no Brasil é um jornal que se sustenta.
E a segunda estava relacionada às perspectivas políticas para o Brasil em 2003. A
partir da aproximação da data das eleições, a viabilidade de eleição de Luis Inácio Lula da
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Silva para a presidência da República após três derrotas, começou a se delinear de forma mais
clara. A partir disso, tantos os jornalistas como os dirigentes que se debruçavam sobre o
projeto do Brasil de Fato, fizeram a previsão de que a vitória de Lula, após onze anos,
provocaria um momento de ascensão do movimento de massas. Com esta nova conjuntura, o
jornal assumiria a função de ser o meio de comunicação mais próximo das lutas populares e
passaria a ser procurado avidamente, por trazer informações que somente ele traria. Nas
palavras de José Arbex, na referida entrevista:
A vitória do governo Lula dava uma perspectiva de ascensão da luta de massas, na cabeça das pessoas que estavam articulando o jornal. Quer dizer, a idéia era a seguinte: nós estávamos vivendo um momento histórico fantástico no Brasil, um operário, retirante, nordestino [...] chegou à presidência da república, isso vai dar um ânimo para o movimento de massas fantástico, e quando as pessoas forem às bancas para procurar notícias, eles vão ter o tradicional que é a Folha e o Estadão e vão ter o novo que é o Brasil de Fato.
Nilton Viana confirma a avaliação de Arbex e complementa, em depoimento dado à
autora:
Nós tínhamos companheiros que imaginavam [...] que o Lula sendo eleito, o Brasil de Fato teria uma grande penetração, porque haveria um estímulo às mobilizações de massa. Alguns companheiros acreditavam que com Lula eleito, as massas, os movimentos de transformação e todas as pessoas que queriam mudanças no país estariam abraçando o Brasil de Fato também, como um instrumento que fosse o reflexo daquele momento político, daquela realidade.
Para Ricardo Gebrim, em entrevista concedida para esta pesquisa:
Quando chegam as eleições de 2002, de possibilidade real de vitória, mesmo achando que o governo Lula não seria um governo de transformações, nós fizemos uma leitura de conjuntura em que achávamos que a vitória do governo Lula, como era um anseio tão represado historicamente, iria representar um momento de retomada, certo reascenso, uma vontade de lutar. Havia uma influência grande do que estava se passando na Venezuela e a gente achava que ainda que o Lula ficasse ali freando, tentando barrar, havia um desejo, um sentimento. Influenciava muito com essa nossa base social muito camponesa, de fato os acampamentos do MST inflaram bastante, isso nos deu certa percepção equivocada de que isso aconteceria na sociedade. Isso fez com que acelerasse muito essa idéia, precisamos ter um jornal. É necessário, é urgente.
Além de acreditar que o Brasil de Fato passaria muito rapidamente por um processo
de consolidação a partir da instituição de uma conjuntura política favorável com a vitória de
Lula nas eleições de 2002, havia a perspectiva de que o governo democratizasse os
investimentos públicos nos meios de comunicação, a partir da compra de espaços publicitários
em jornais e revistas alternativos, espaço onde o Brasil de Fato se encaixava. Segundo Arbex:
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"a gente achava, digo, o conselho editorial achava que o governo Lula iria pelo menos
prestigiar a imprensa de esquerda".
Veremos adiante que ambas as perspectivas, tanto a que colocava a vitória de Lula
como o motor de uma retomada nas mobilizações dos movimentos sociais, quanto a
perspectiva do governo eleito de conceder mais verbas publicitárias aos meios alternativos
não se concretizaram, fazendo com que o Brasil de Fato, depois de lançado, tivesse que rever
suas perspectivas de arrecadação de fundos adotando a venda em bancas e de espaços
publicitários para o governo.
4. Comitês de apoio
Podemos dizer, com base nos documentos e entrevistas coletados para esta pesquisa,
que a idéia dos comitês de apoio ao Brasil de Fato é um dos aspectos mais originais de seu
projeto editorial. Eles foram pensados para tentar solucionar questões complicadas para a
viabilização dos objetivos do jornal.
Em primeiro lugar, havia o pressuposto de que o Brasil de Fato não poderia restringir
suas pautas ao eixo São Paulo – Rio de Janeiro – Brasília, se quisesse realmente ser um
veículo de abrangência nacional. Por outro lado, não havia condições financeiras para
contratar correspondentes que levantassem sugestões de pautas, fizessem apurações e
redigissem matérias em outras capitais e regiões do país. Essa seria uma das primeiras funções
dos comitês, reunir pessoas que pudessem suprir a necessidade por repórteres locais com
sugestões de pautas e em alguns casos, até com o envio de textos. Ou seja, eles deveriam ser
um ponto de aglutinação de colaboradores. Segundo Nilton Viana: "Uma das coisas que a
gente discutiu muito nessa estrutura do Brasil de Fato, e uma das comissões cuidava disso, foi
a articulação dessa rede de colaboradores, e acoplado a isso, uma estrutura de comitês,
principalmente nas capitais ".
A organização dos comitês daria ao Brasil de Fato certa capilaridade, pois eles seriam
os responsáveis pela distribuição e venda local dos jornais (o contato com as bancas seria feito
através da estrutura montada em São Paulo), a partir do contato com movimentos sociais e
sindicatos, além de tocar as campanhas de assinatura.
A composição dos comitês deveria ser a mais heterogênea possível, afinal o jornal
tinha entre suas perspectivas mostrar uma face do Brasil que não encontrava espaço na grande
111
mídia. Assim, quanto mais diversificados fossem os comitês, maior era a possibilidade de
gerarem boas pautas.
José Arbex Júnior considerava a existência dos comitês tão importante que chegou a
condicionar o desenvolvimento do jornal à sua capacidade de reunir pessoas e formar comitês
atuantes, como coloca em sua entrevista:
Eu me lembro que na época eu falei uma coisa que todo mundo concordou, ou pelo menos aparentemente concordou que era o seguinte: Nós temos um meio de aferir se esse jornal é possível e vai dar certo ou não. Esse meio de aferir é o seguinte, o jornal tem que ser feito por comitês de redação espalhados pelo Brasil inteiro. Ou seja, o jornal não pode ser restrito ao eixo Rio – São Paulo – Brasília, ele tem que mostrar um Brasil que ninguém conhece, descrito pelos brasileiros que vivem no Brasil. É claro que o comitê de redação em São Paulo teria a missão de dar um formato jornalístico legível para o material que a gente recebesse. Mas, esse comitê de redação de São Paulo não iria substituir os comitês pelo Brasil, não poderia acontecer isso. Se acontecer is so seria a derrota do jornal. E eu cheguei a fazer várias viagens pelo Brasil agregando esses comitês. Eu me lembro que houve reuniões fantásticas, eu me lembro de uma reunião em Belo Horizonte que participaram artistas de teatro, prostitutas, trabalhadores mascates de rua, intelectuais da Universidade. E era isso mesmo que tinha que ser.
Miguel Stedile enxerga duas perspectivas na idéia dos comitês, não só reunir pessoas
interessadas em colaborar com o jornal, mas também de aglutinar militantes sociais em torno
do “Projeto Popular para o Brasil”, do qual, em suas palavras, o Brasil de Fato seria um
"anunciador":
De um lado ele seria um aglutinador de uma série de militantes comunicadores, trabalhando nos movimentos sociais, na grande imprensa, avulsos, que tinham vontade de trabalhar, de construir o Brasil de Fato , e ao mesmo tempo, aglutinador dos movimentos sociais e da militância que faria o debate em torno do jornal [...] Mas de modo geral, os comitês eram a vida orgânica, e daí de novo esse vínculo com o projeto popular. O jornal seria – vou usar um termo religioso – anunciador do projeto, seria o propagandista do projeto popular. Então, se você está comprometido de forma orgânica com o jornal, no seu processo de organização para materializar o projeto popular, o jornal tinha papel chave, de orientar, de fornecer subsídio e de debater.
Verificamos que os comitês tinham uma função que ia além da sustentação do projeto
com pautas e arrecadação de recursos, mas deveriam também impulsionar debates locais
sobre o projeto popular, para os quais o jornal seria o subsídio. Na opinião de Miguel, a
aproximação de movimentos locais poderia fazer com que as pautas do jornal não ficassem
restritas às demandas dos movimentos mais envolvidos em sua construção, como o MST e a
Consulta Popular, contribuindo para a idéia de pluralidade de expressões defendida em seu
projeto editorial. Segundo ele:
Como a construção do jornal estava muito ligada à Via Campesina, ao Movimento Consulta Popular e a alguns setores bem específicos do movimento sindical, é óbvio
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que tem uma tendência de que esses movimentos sejam mais privilegiados na cobertura. Então uma preocupação que nós tínhamos [...] era de como dar visibilidade aos movimentos sociais que existem, estão fazendo luta, mas que não necessariamente estão dentro do nosso campo, que não são da Via Campesina, que são urbanos. Você tem que mostrar o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, o Movimento dos Catadores e Recicladores...
Para Nilton, os comitês cumpririam a função de aglutinar pessoas em torno do projeto
político do Brasil de Fato:
A partir dessa organização em torno do projeto político, você tira as tarefas específicas, alguém para fazer a divulgação, alguém cuidar da venda de assinaturas. Então esse comitê era para ser um espaço político que se reunisse uma vez por mês, para que se faça uma análise de conjuntura, para que se leia e debata o editorial do jornal, para que fizesse críticas e sugestões. Que fosse realmente um espaço político, e que desse espaço você tenha as demandas naturais desse projeto.
As orientações para organização e objetivos dos comitês foram formuladas por uma
das comissões criadas dentro do coletivo que desenvolveu o projeto do jornal em São Paulo, a
comissão de colaboradores. A comissão previu inclusive a realização de grandes debates em
torno da idéia do jornal em algumas capitais, para ajudar na formação dos comitês, além de
ser mais um espaço de arrecadação de recursos.
O documento “Desafios políticos do jornal” dedica seu item três à formação dos
comitês, listando suas tarefas e indicando seus procedimentos:
1- Organizar os comitês/coletivos nas capitais e cidades para: a) Articular os jornalistas correspondentes b) Articular a distribuição militante c) Articular a venda profissional. d) Articular a campanha de assinaturas e) Fazer com que o jornal seja conhecido na cidade t) Buscar possíveis publicidades g) Buscar formas de arrecadar recursos h) Programar atividades político-culturais na cidade e setores sociais. 2. Atuar como coletivo, com local de referência, datas fixas de reuniões, divisão de tarefas e iniciativa. 3. Em cada comitê precisamos ter: - Um responsável político, que vai coordenar a distribuição de tarefas e responsabilidades. - responsáveis pela distribuição - responsáveis pelas assinaturas - responsáveis pela divulgação - responsáveis pela busca de publicidade - responsáveis por eventos - jornalistas correspondentes (Desafios políticos do jornal, 2002, p.1)
Podemos verificar por intermédio das entrevistas e documentos, que os comitês
pressupunham um grau elevado de organização e comprometimento, ao menos de algumas
pessoas que seriam as responsáveis por fazê- los efetivamente funcionar. Primeiro porque
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não seria possível organizar os comitês contando apenas com a disponibilidade de jornalistas
e colaboradores, existia a necessidade de um elemento aglutinador. Segundo porque, de
acordo com o plano inicial, os comitês deveriam funcionar como pequenas secretarias do
Brasil de Fato em outras cidades (reproduzindo a estrutura organizativa urbana do MST),
que trabalhariam para a venda de assinaturas, de espaços publicitários, organizando eventos
etc., ou seja, demandariam uma atuação profissional e não apenas voluntária. E em terceiro
lugar, porque os comitês teriam uma função política clara e precisariam ser conduzidos por
alguém que conhecesse e defendesse as linhas que deveriam ser seguidas.
Ficou claro para o MST que seria necessário garantir essa organização mínima dos
comitês através de seus militantes. Dessa forma, foi solicitado que as estruturas do
movimento nos estados liberassem uma pessoa para cumprir esse papel. Havia a previsão de
remuneração para os que assumissem a tarefa, a ser custeada pelo próprio jornal, como
observa Nilton: "Nós chegamos a ter companheiros liberados, ou seja, recebendo uma
pequena ajuda para a construção desses comitês". Essa pessoa se encarregaria também de
procurar um local para a sede do comitê, que funcionaria como uma sucursal do jornal.
A orientação é para que esses espaços fossem solicitados junto a sindicatos e outras
entidades. Os comitês não deveriam funcionar junto com as secretarias estaduais do MST,
para que o jornal não ficasse vinculado unicamente ao movimento e também para envolver
outros atores no compromisso de sustentação de seu projeto. Dessa forma, as funções de um
responsável por um comitê de apoio do Brasil de Fato seriam (texto formulado em
dezembro de 2002 sobre os comitês):
1. Função: Responsável pelo jornal Brasil de Fato no estado. 2. Atividades: 2.1.Estimular e ajudar a articular o funcionamento permanente do comitê de apoio ao jornal, convocando as reuniões, garantindo a periodicidade e local certo; 2.2.Organizar cadastro dos membros do comitê, endereço,contacto etc.; 2.3. Organizar o cadastro de jornalistas que podem colaborar com o jornal e fazer matérias, no início de forma militante. 2.4. Ver quais entidades, empresas ou organismos públicos poderiam fazer publicidade. (se o companheiro conseguir contratos de publicidade receberá 3% sobre o valor da propaganda); 2.5. Articular a distribuição do jornal; a) Ver se tem possibilidade de organizar brigadas de jovens para vender o jornal toda semana. Cadastrar os jovens e controlar. b) Contatar entidades, sindicatos e paróquias que poderiam fazer assinaturas massivas. c) articular campanhas de assinaturas nos estados; 2.6. Articular propaganda do jornal Brasil de Fato , em outros jornais alternativos e rádios da região; 2.7. Controlar os carnês distribuídos da campanha de assinatura no estado, de 100 reais ou de 10 reais . Monitorar para que até março se consiga atingir a meta de cada estado;
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2.8. Se articular com o setor de distribuição do jornal, em nível nacional, para articular campanhas etc.; 2.9. Ver um local para eventualmente deixar os jornais para distribuir e para venda. 2.10. Ter iniciativa para buscar todas as formas possíveis de divulgar o jornal, aumentar vendas, assinaturas, publicidade etc.; 3. Local: Devemos encontrar um local para funcionamento dessa referência, contato e sucursal do jornal. Basta uma sala que tenha mesa, telefone e correio eletrônico. Esse local deve ser buscado junto a entidades, sindicatos, e de preferência não deve ser na secretaria do MST, para desvincular o jornal do movimento. O jornal deve ser expressão de um conjunto de forças, es pecialmente urbanas; 4. Apoio institucional: Garantir que a entidade que cede espaço, também possa assumir custos de telefone, correio eletrônico, já que o jornal não tem verba para custeio, apenas para ajuda de custo do responsável. 5. Inicio das atividades: Imediato. O quanto antes. 6. Festa de lançamento: Articular com o comitê de apoio um ato político-cultural de lançamento do jornal na capital, na primeira quinzena de março.
Com a data de lançamento do jornal estabelecida para janeiro de 2003, os comitês
teriam pouco tempo para se formar e garantir uma organização mínima para contribuir com
as edições regulares do jornal, que deveriam começar a circular no mês de março. Veremos a
seguir as condições que definiram a data de lançamento do jornal, a partir de uma análise de
conjuntura feita após a eleição de Lula para a presidência, em outubro de 2002.
5. Lançamento do jornal Brasil de Fato
A proposta apresentada pelo MST durante a primeira reunião do coletivo de
colaboradores do então "jornal de esquerda" previa que o lançamento do Brasil de Fato
deveria acontecer em novembro de 2002, após as eleições presidenciais de outubro. Uma
segunda proposta de calendário, que passa a aparecer nas atas das reuniões a partir de
setembro, determinou que o jornal fosse lançado durante o Fórum Social Mundial de 2003,
em Porto Alegre. Após a confirmação desta data, as comissões passaram a trabalhar para que
o número zero estivesse pronto a tempo e os recursos arrecadados.
A terceira edição consecutiva do Fórum Social Mundial de Porto Alegre prometia
reunir milhares de militantes e ativistas de todo o mundo em uma semana de debates,
conferências, discussões e atos contra o imperialismo e por um modelo de sociedade
organizada fora das bases do capitalismo. Parecia a ocasião perfeita para o lançamento de
um jornal alternativo, em um grande ato político que reunisse personalidades da esquerda
brasileira e mundial. Era uma chance do jornal já sair conhecido por um público amplo e
diversificado, que poderia divulgá-lo e assiná-lo.
No dia 27 de outubro de 2002, Luis Inácio Lula da Silva é eleito presidente da
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República. Um clima de euforia toma conta dos movimentos e indivíduos envolvidos com a
construção do jornal Brasil de Fato. Conforme colocamos acima, duas perspectivas
favoráveis apareciam para o grupo, a primeira era que a eleição de Lula significaria um
aumento das mobilizações dos movimentos sociais, representando um momento de ascensão
do movimento de massas que só teria a contribuir para a divulgação e penetração do Brasil
de Fato na sociedade. A segunda era que o governo recém eleito, escaldado pelas críticas e
manipulações da grande mídia em relação à figura de Lula e ao Partido dos Trabalhadores,
partiria para uma política de aproximação com os meios alternativos, que poderia se reverter
em termos de compra de espaços publicitários para anúncios no Brasil de Fato.
Essas avaliações, que mais tarde se mostraram equivocadas, fizeram com que o
coletivo se debruçou sobre o projeto do jornal projetasse um tempo muito curto para a
consolidação e auto-sustentação do Brasil de Fato. O cálculo feito apontava que em um
período de seis meses a um ano, o jornal não só deveria estar consolidado financeiramente, a
partir, principalmente, da venda de assinaturas e em bancas, como teria condições materiais
para se tornar diário.
Outra decisão precipitada por estas avaliações fez com que o grupo descumprisse um
dos pressupostos divulgados em todos os materiais de arrecadação de fundos e decidisse
lançar o Brasil de Fato mesmo sem ter conseguido juntar a soma necessária para o
lançamento e o período de consolidação, calculada definitivamente em dois milhões de reais.
No início de janeiro de 2003, com o lançamento do jornal marcado para dia 25 do
mesmo mês, o grupo havia arrecadado apenas 400 mil reais, 20% do total determinado como
necessário. Diante dessa situação, foi proposto o adiamento do lançamento até que mais
recursos fossem arrecadados, mas a maioria avaliou, com base nas perspectivas colocadas
acima, que o Brasil de Fato deveria aproveitar a conjuntura favorável e a reunião de pessoas
no Fórum Social Mundial para fazer seu lançamento. A campanha de arrecadação de fundos
continuaria a acontecer após a publicação do número zero e esperava-se que até a data
determinada para o início das edições regulares, em março, a questão financeira já tivesse
sido solucionada. Segundo José Arbex:
Calculamos na época que, para sair um jornal do jeito que a gente queria, precisaríamos de dois milhões de reais, no mínimo. Para sustentar um comitê de redação razoável e uma campanha de assinaturas, e para sustentar também um número expressivo de edições, até o jornal emplacar nas bancas. Bom, aí começaram os problemas, porque quando atingimos a cifra de quatrocentos mil reais, foi decidido que o jornal sairia. Eu fui contra. Esse dinheiro estava sendo arrecadado de tudo quanto é jeito, com ONGs estrangeiras, rifas [...]. Eu fui voto vencido, eu me lembro que o conselho editorial do jornal constituído por onze ou doze pessoas e foi
116
onze a um a votação. O um era eu. Eu fui contra, eu disse que não dava para lançar o jornal desse jeito. Era uma loucura. Por que se decidiu fazer o jornal? Porque a vitória do governo Lula dava uma perspectiva de ascensão da luta de massas, na cabeça das pessoas que estavam articulando o jornal. Quer dizer, a idéia era a seguinte, nós estávamos vivendo um momento histórico fantástico no Brasil, um operário, retirante, nordestino, [...] chegou à presidência da república, isso vai dar um ânimo para o movimento de massas fantástico, e quando as pessoas forem às bancas para procurar notícias, eles vão ter o tradicional que é a Folha e o Estadão e vão ter o novo que é o Brasil de Fato. E nós não podemos perder essa oportunidade de emplacar o jornal. A idéia era essa. E bom, resolveu-se então soltar o jornal, sem ter perna para isso, a verdade é essa.
Ricardo Gebrim relembra a dificuldade em arrecadar o montante necessário para o
lançamento, mas avalia que, através das campanhas, o jornal criara uma expectativa em torno
de si que não poderia ser frustrada:
Saímos à caça para levantar esse dinheiro entre amigos, entidades, apoios etc. Ali já foi um sinal de que as dificuldades seriam muito grandes e que a gente não contava com elas. O tempo foi passando, os prazos que a gente esperava e nós chegamos com (um valor) muito abaixo do que a gente esperava, menos de quatrocentos mil. E se colocou essa questão porque para poder arrecadar esse dinheiro nós lançamos a expectativa de se lançar um jornal de esquerda [...]. Então se criou essa expectativa, os militantes saíram em campo, venderam cotas, assumiram compromissos, então o jornal precisava ser lançado. E lançamos o jornal de uma forma bastante espetacular, lá no Fórum, foi um lançamento muito bonito, maravilhoso, gerando uma grande expectativa.
Assim, ficou mantida a decisão de lançar o jornal durante o Fórum Social Mundial de
2003. Na noite de 25 de janeiro, seis mil pessoas lotaram o auditório Araújo Vianna, na
região central de Porto Alegre, e outras duas mil ficaram de fora, não podendo assistir ao ato
por falta de espaço no ginásio. Presenciamos o grandioso e emocionante ato de lançamento
do Jornal Brasil de Fato, que reuniu expoentes da esquerda brasileira e mundial como Hebe
de Bonafini (militante argentina do movimento das Mães da Praça de Maio), Aleida Guevara
(médica cubana, filha de Ernesto Che Guevara), Eduardo Galeano (escritor uruguaio),
Sebastião Salagado (fotógrafo brasileiro), Plínio de Arruda Sampaio (ex-deputado federal),
Olívio Dutra (ex-governador do Rio Grande do Sul e na ocasião, ministro recém nomeado
pelo presidente Lula) e Augusto Boal (diretor de teatro). Estavam presentes também os
primeiros membros do conselho editorial do Brasil de Fato, Alípio Freire, César Benjamin,
Hamilton de Souza, Kenarik Boujikian, Luiz Eduardo Greenhalgh, Luiz Bassegio, Maria
Luisa Mendonça, Milton Viário, Neuri Rossetto, Plínio de Arruda Sampaio Júnior e Ricardo
Gebrim.
O número zero do Brasil de Fato, vendido a dois reais nos dias que antecederam o
lançamento em Porto Alegre, era um esboço do que o jornal se tornaria a partir de março,
117
com o início da publicação de suas edições regulares. Em formato tablóide, com doze
páginas, teve como manchete principal uma frase do economista Celso Furtado18, que
durante entrevista disse que "Lula precisa ter coragem". A segunda manchete falava sobre os
protestos contra a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, com a frase: "Mundo diz não à
guerra de Bush".
Seu editorial, intitulado "Por que um jornal popular?", explicava as razões que
levaram ao lançamento do jornal, inscrevendo o Brasil de Fato em um quadro de resistência
formado por acontecimentos como as manifestações mundiais de repúdio às guerras do
Iraque e Afeganistão e a eleição de Lula no Brasil, figura identificada pelo jornal como
"indesejado pelas elites". O texto reafirma o compromisso do jornal em "contextualizar as
notícias sob a ótica dos trabalhadores", combater o imperialismo, defender os direitos
fundamentais das pessoas e a democracia. Para concretizar suas aspirações, pretende ser
plural ao "abrigar distintas vozes representativas da luta pela construção de um projeto
popular e democrático" e mostrar "um país ocultado e aviltado pela grande mídia"
A edição zero trouxe também uma coluna de "cumprimentos", pequenos textos de
personalidades como Oscar Niemeyer e José Dirceu saudando a iniciativa do Brasil de Fato.
As matérias giravam em torno de temas como transgênicos, movimento sindical,
financiamento às corporações midiáticas, manifestações contra a guerra no Iraque,
celebração do aniversário de Martin Luther King Jr., a oposição da elite venezuelana às
reformas propostas pelo presidente Hugo Chávez, futebol de várzea e o uso da imagem de
Che Guevara em peças publicitárias.
Após o impacto causado pelo ato de lançamento em Porto Alegre e da publicação do
número zero, o Brasil de Fato enfrentou o desafio de seguir arrecadando fundos e vendendo
assinaturas para viabilizar suas próximas edições, contando não só com as dificuldades
inerentes a um empreendimento dessa natureza, mas também com a expectativa gerada pelo
sucesso do evento, cultivada tanto entre sua equipe como entre os potenciais leitores que
presenciaram seu nascimento.
18 Celso Furtado (1920-2004), economista paraibano, um dos maiores intelectuais brasileiros do século
XX, escreveu obras em que disseca a questão do subdesenvolvimento do país.
118
Capítulo V – O JORNAL BRASIL DE FATO EM SEIS ANOS DE EXISTÊNCIA, TRAJETÓRIA, DIFICULDADES, DESAFIOS
Neste capítulo, analisaremos a trajetória do jornal Brasil de Fato em seis anos de
existência. Vamos considerar o período compreendido a partir do lançamento de seu número
zero, durante o Fórum Social Mundial de 2003 até o final do ano de 2008, para analisar suas
dificuldades, desafios, transformações e conquistas após a publicação de sua primeira edição,
em março de 2003.
Optamos por dividir esse período em três fases distintas. A primeira corresponde ao
ano de 2003, primeiro ano de vida do jornal, em que o coletivo teve de aprender como fazê- lo
a partir de experiências empíricas, já que as metas e previsões feitas antes do lançamento se
mostraram equivocadas. A segunda fase diz respeito aos anos de 2004 a 2006, que chamamos
de “anos de crise”. Durante esse período, o Brasil de Fato enfrenta toda a sorte de
dificuldades com distribuição, campanha de assinaturas, redução da tiragem e número de
páginas. É neste período que podemos observar claramente as transformações pelas quais o
projeto editorial começa a passar com o objetivo de se adequar à conjuntura imposta ao jornal.
O terceiro período, entre os anos de 2007 e 2008, compreende a fase em que o Brasil de Fato
parece "se encontrar" diante de novos objetivos e passa a definir melhor seu papel dentro de
novas perspectivas. Chamamos essa fase de “consolidação”, tanto de uma nova visão em
torno das possibilidades do jornal como de sua sobrevivência propriamente dita. Neste item,
procuraremos inserir um balanço sobre os seis anos do jornal, feito a partir dos depoimentos
colhidos com nossos entrevistados.
Foram utilizados como subsídios para a redação dos itens 1. Primeiro ano de vida do
jonal, 2003 e 2. Anos de crise, 2004 a 2006, documentos, atas de reunião, projetos, circulares
e mensagens de correio eletrônico cedidas principalmente por Nilton Viana e João Pedro
Stedile. Dada a diminuição da produção de textos sobre a fase que chamamos de consolidação
– os documentos obtidos para esta pesquisa descrevem mais detalhadamente as atividades do
jornal até o ano de 2006 – as informações que subsidiam o item três, que corresponde ao
período que chamamos de consolidação do jornal, foram majoritariamente colhidas nos
depoimentos de Miguel Stedile, Nilton Viana, José Arbex Júnior e Ricardo Gebrim.
O item quatro faz um resgate dos temas das manchetes apresentadas pelo Brasil de
Fato em 304 edições, publicadas de janeiro de 2003 a dezembro de 2008 (não foram
utilizadas nesta pesquisa as edições publicadas em 2009), demonstrando quais assuntos foram
119
considerados prioritários pelo jornal. Como se trata de tema recorrente e fundamental para a
análise da trajetória do Brasil de Fato enquanto meio de comunicação de esquerda, optamos
por separar as manchetes que dizem respeito ao governo Lula e agrupá-las no item cinco, em
que faremos uma breve análise de conteúdo.
1. Primeiro ano: 2003 Após o grandioso lançamento durante a 3ª edição do Fórum Social Mundial, a recém
formada equipe de redação, subsidiada pelo conselho editorial, começou a preparar a primeira
edição regular do Brasil de Fato. A primeira questão colocada foi a do formato do jornal.
Uma carta não assinada, enviada no dia 15 de fevereiro de 2003 ao conselho editorial do
Brasil de Fato, explica que a edição zero saiu em formato tablóide germânico, identificado
historicamente com os meios impressos da esquerda e considerado de leitura mais fácil. Mas,
diz que a manutenção desta opção se tornaria inviável pelos custos de rodar um jornal
colorido em tamanho tablóide e pelo tempo de gráfica que essa opção demandaria. O coletivo
de redação e o conselho foram chamados a opinar entre a manutenção do formato tablóide
germânico colorido, com custos mais elevados e maior tempo de gráfica, e a adoção do
mesmo modelo com quatro cores em tamanho standart, opção aprovada.
Assim, o número um é publicado no dia 8 de março de 2003, e sua manchete principal
"Ricos cobiçam a água do mundo (e o Brasil está na mira)", gera polêmicas entre os membros
do conselho editorial. Segundo José Arbex Júnior, em entrevista à autora:
Eu me lembro que a primeira manchete que eu dei foi sobre água e isso causou escândalo dentro do jornal, porque imagina se um jornal operário, socialista, comunista, leninista, vai dar manchete sobre água. Um jornal comunista mesmo dá manchete sobre sindicato, luta de classes, greves, e não sobre água. E eu me lembro que isso causou uma comoção, um escândalo. O que eu achei uma estupidez porque água é um problema absolutamente central e cada vez mais.
Segundo o documento "Balanço administrativo e financeiro 2003 e 2004”, elaborado
por Silvio Sampaio, administrador do jornal, a edição número um do Brasil de Fato sai com
uma tiragem de 30 mil exemplares semanais e começa a enfrentar seus primeiros problemas
de distribuição e venda em bancas. As primeiras edições (do número um ao número oito) são
distribuídas em bancas pela empresa Transfolha, que pertence aos grupos Folha e Estado, e
pagas à vista, mas nem todos os exemplares chegam a seu destino, como observa José Arbex,
na mesma entrevista:
120
No primeiro mês a gente rodava 120 mil exemplares e simplesmente as distribuidoras não distribuíam o jornal, e isso foi comprovado. Eu fui a uma reunião do Sindicato dos Estivadores de Santos para discutir ALCA, tinham umas 800 pessoas na reunião. Eu tava falando da ALCA e de repente um moleque levanta a mão e pergunta por que a gente tinha parado de mandar o Brasil de Fato para Santos. Eu disse: "você está maluco"? E ele: "Não, chegou a primeira edição e vendeu tudo, esgotou. A segunda edição eu fui procurar na banca e não achei". E aí várias pessoas levantaram a mão e falaram a mesma coisa. Nós fomos verificar na distribuidora, que era a mesma da Folha e do Estadão e vimos que de fato eles estavam sabotando o jornal. Sabotaram em Santos, Florianópolis, Goiânia. [...] Então houve concretamente sabotagem contra o jornal.
Para Ricardo Gebrim, em depoimento à autora, a questão da distribuição foi a mais
difícil que o jornal enfrentou em seus primeiros meses de vida:
Primeiro foi essa descoberta, que para nós foi dura, de que jornais não se vendem em banca. Havia certa ilusão das bancas de revista. Logo de cara nós descobrimos que o processo de distribuição era extremamente monopolizado, na época nós não conseguimos penetrar em nenhuma rede grande.
No mês de março de 2003, a administração do jornal começa a procurar alternativas
para a distribuição, diante dos problemas de boicote que enfrenta com a Transfolha. Duas
empresas são contatadas, Chinaglia e Dinap, a última pertencente à editora Abril. Para
convencer o proprietário da empresa Chinaglia, representantes do conselho editorial e político
do Brasil de Fato vão ao Rio de Janeiro para uma reunião, como recorda Gebrim em seu
depoimento:
Eu fui para o Rio conversar com o Fernando Chinaglia [...]. Conseguimos fazer um monte de pressão para introduzir o jornal lá com o Chinaglia, mas eles não tinham o menor interesse. E lá os próprios donos falaram o seguinte: os jornais, todos os jornais, dão prejuízo na banca, mesmo a Folha de S. Paulo, o Estadão. Eles são obrigados a colocar na banca porque eles ganham com os anunciantes, que exigem que eles estejam nas bancas. Mas a banca dá prejuízo. Dá prejuízo para o jornaleiro, para o distribuidor e para o jornal. É um péssimo negócio. E isso para nós foi uma surpresa, nós tínhamos muita expectativa nas bancas. Que ele acontecesse nas bancas. Aí descobrimos que além de dar prejuízo nas bancas, o custo da distribuição nacional que era totalmente monopólio da Fernando Chinaglia e outras duas empresas, uma ligada a Abril e outra ligada à Folha e ao Estadão era impossível. Não tinha como romper isso e era inviável e isso foi um choque.
Apesar das dificuldades, em abril de 2003 o Brasil de Fato assina um contrato de
consignação com a Chinaglia, que passa a vigorar a partir do número 9. Em julho, a empresa
resolve encerrar o contrato com o jornal, negociado então para vigorar por outros dois meses.
Em outubro de 2003, é feito um novo acordo, que determina 50% de consignação mais uma
taxa de 0,15 centavos por jornal, o que garante a distribuição em bancas ao longo do ano.
Ao mesmo tempo, os exemplares de assinantes (cerca de dois mil) eram enviados pelo
correio, sendo entregues com grande atraso. A primeira experiência dos assinantes com o
121
jornal é ruim, pois os exemplares, quando chegam, estão com dias ou até semanas de atraso.
Não só o sistema escolhido era falho, mas a campanha de arrecadação de dinheiro através de
assinaturas militantes de cinco edições a dez reais, também significou prejuízo. Soma-se isso
ao fato de que os boletos com assinaturas de cem e dez reais foram vendidos por militantes do
Brasil inteiro, que nem sempre retornaram esses boletos com as informações necessárias para
o envio das assinaturas. Segundo Ricardo Gebrim:
O outro problema que tivemos foi ver a complexidade das assinaturas. Isso nós cometemos muitos erros iniciais, que acabaram virando problemas crônicos gravíssimos. Por exemplo, nós no início, no afã de levantar os recursos, lançamos uma venda de cotas que dava direito a uma assinatura eterna para quem fizesse uma de mil reais, acima de dois mil era para o resto da vida. E alguns fizeram cotas de cinco mil, até de dez mil reais, que daria então duas vidas de jornal. E aí quando saiu o jornal essas pessoas não recebiam. Pelo contrário, ainda foram vender assinaturas para elas. E depois chegava a cobrança pela assinatura. Foi um problema bastante caótico, muito desgastante. Nós lançamos outra coisa que foi um equívoco brutal, que era um venda de não me lembro se era de dez reais, a assinatura custava cem naquela época, mas tinha outra assinatura de dez reais que dava direito a cinco edições. Era algo que, além de ser um prejuízo inicial brutal, nós não tínhamos estrutura. Nós não tínhamos nem estrutura daquelas rifas que chegavam atrasadas, se perdiam. As pessoas vendiam e não tinha endereço. Aquilo foi um caos terrível, que maculou muito esse sistema de assinatura e foi um problema crônico, porque muita gente que comprou aquelas assinaturas se desgastou, não recebeu.
Em abril de 2003, é lançada uma campanha por correio eletrônico, assinada por
membros dos conselhos político e editorial, que pedem a cada assinante que convença quatro
amigos a também assinar o jornal, com o intuito de envolver o leitor com o projeto. A meta,
neste momento, era fazer mil assinaturas por mês.
Paralelamente, o jornal começa a sofrer mudanças em seu projeto. Em 30 de junho de
2003, uma reunião para a discussão de modificações no projeto gráfico é feita por uma
comissão formada para este fim, com a presença da professora da ECA/USP, Otília Bocchini.
O relatório desta reunião, realizada em 30 de junho de 2006, afirma que o Brasil de Fato
"nasceu feio", e traz sugestões que facilitem a leitura e a tornem mais agradável, como o
estabelecimento de um padrão de cinco colunas para todas as páginas, adotar uma tipologia
simples, consolidar um padrão para os títulos etc.
Em setembro do mesmo ano, mais uma mudança. O jornal deixa de ser editado por
José Arbex Júnior e seu cargo de editor-chefe passa a ser ocupado, a partir do número 30, por
Nilton Viana. A troca se justifica, segundo declara Arbex em entrevista à autora, com a idéia
de que seria mais interessante tê-lo viajando pelo país para divulgar o jornal, intensificar a
campanha de assinaturas e tentar reforçar a formação dos comitês.
122
Já em 6 de outubro de 2003, uma circular, enviada em nome da direção nacional do
MST às secretarias estaduais do movimento, aponta para a necessidade de "retomar com mais
seriedade a campanha de sustentação do jornal, a partir de um trabalho permanente e
organizado de assinaturas", Para nós, fica clara a percepção do movimento de que a
sustentação e divulgação do jornal estavam em suas mãos. Algumas das medidas propostas
por esse texto eram: a liberação de jovens militantes do MST que pudessem "circular em um
período permanente para fazer assinaturas do jornal", pedir o cadastro de mala-direta de
entidades como sindicatos, diretórios de partidos e movimentos para divulgação e campanhas
com prefeituras.
O documento, cujo assunto diz "viabilidade do jornal Brasil de Fato", assinado por
João Pedro Stedile em 14 de outubro de 2003, coloca a necessidade de levantamento de um
milhão de reais em três meses para garantir a sobrevivência do jornal. O custo mensal do
Brasil de Fato nesta época estava calculado em cem mil reais e o quadro de assinantes
dispunha de somente 2600 membros. O texto identifica "certo boicote na publicidade
governamental, em função de nossa linha política independente". O documento propunha
também que fosse formado em cada estado um comitê especial de dirigentes do MST que
discutissem as melhores formas de arrecadação de dinheiro.
Paralelamente, a equipe de redação do jornal se reúne e faz uma avaliação dos nove
meses de trabalho. O documento produzido, chamado de “Balanço da equipe de redação” (24
de novembro de 2003), conclui que o jornal tem atingido seu objetivo de "espelhar a realidade
dos movimentos sociais, conforme as condições existentes de trabalho", e identifica que as
dificuldades "externas" são as que mais comprometem o trabalho do jornal, se referindo aí à
questão da "participação reduzida dos colaboradores". Para a redação, "a ausência de
participação permanente e efetiva" de colaboradores de outros locais do país compromete o
projeto ao "impedir que o jornal traga novidades dos mais diversos locais do Brasil" e
apontam que "sem a rede, o jornal fica cada vez mais dependente da grande mídia e
condenado a esquentar19 matérias, fugindo da proposta de mostrar a realidade do povo
brasileiro". A reunião apontou também a necessidade de maior participação do conselho
editorial na sugestão de pautas e fornecimento de informações sobre os movimentos. Segundo
a equipe, o jornal tem acertado na linha política ao "ser crítico, sem ser chapa-branca, ao
mesmo tempo em que não é porta-voz do governo nem sectário". O documento traz ainda as
19 No jargão jornalístico, a expressão significa reelaborar matérias já publicadas a partir da atualização
de algumas de suas informações.
123
seguintes propostas: 1. Incluir na reunião de pautas a agenda dos movimentos sociais; 2.
Designar uma pessoa que cuide exclusivamente da rede de colaboradores; 3. Reformular com
urgência a página na internet; 4. Cobrar mais participação do comitê político e editorial e 5.
Garantir infra-estrutura mínima, como computadores.
Durante esse período de balanço, além da ausência de colaboradores fixos, ficou
constatado também que os comitês começavam a gerar problemas. Por motivos de
desorganização, deixavam de enviar as vendas avulsas, retinham comissões e eram fontes de
gastos.
Finalmente, o documento "Um ano construindo uma imprensa alternativa", produzido
em dezembro de 2003 e não assinado, traz, a partir da síntese de várias reuniões feitas com o
conselho editorial e os membros de alguns comitês, com o comitê de São Paulo e em espaços
do próprio MST, um balanço político definitivo do ano de 2003. O documento reafirma os
compromissos políticos do Brasil de Fato e lista alguns "desafios a superar na construção do
jornal", entre eles: a compreensão de que o jornal é fruto de um processo de construção
coletiva permanente, e que isso leva tempo; a necessidade do jornal se tornar mais conhecido
e chegar a outros locais; a necessidade de ser independente financeiramente, sendo que a
melhor forma para isso são as assinaturas; o desafio de manter uma linha editorial didática e
de aglutinar profissionais e militantes de outras cidades, para que seja efetivamente nacional e
popular.
Já a o item "avaliação política" deste documento traz subsídios para a compreensão da
visão majoritária do grupo sobre o papel do jornal diante das dificuldades colocadas para a
esquerda naquele momento. Nele consta o seguinte:
1. O jornal não pertence a uma corrente ideológica, não é partidário, não se centraliza em nenhuma organização política, mas também não é um jornal apenas de jornalistas. É um jornal que quer estar colado aos movimentos sociais. Isso dificulta o jornal a manter uma linha política clara e ajustada à conjuntura. Ele vai sendo moldado, pela própria conjuntura e por uma visão plural da conjuntura. 2. A conjuntura política brasileira é muito difícil para a esquerda e para os movimentos sociais. Primeiro, porque há uma disputa de projetos na sociedade e no governo. O Brasil vive uma crise de destino, de projeto. E isso exige do jornal uma percepção maior da complexidade que se vive, desse enfrentamento cotidiano, de interesses e de projetos, que acontecem dentro do governo, dentro da sociedade e até nos movimentos. 3. A situação de descenso do movimento de massas e de crise ideológica das esquerdas contribui para aumentar a complexidade da atuação do jornal. 4. Mais do que nunca, o jornal terá que assumir um papel, que nos ajude, a: estimular o reascenso do movimento de massas, a manter unidade entre os movimento e forças populares (sempre somando forças - tomar cuidado para não cair no gueto); a defender e propagandear a necessidade de um projeto popular alternativo para o Brasil. 5. Infelizmente alguns movimentos sociais e forças de esquerda, ainda não se deram
124
conta, não têm clareza, da importância e da necessidade de temos um jornal de esquerda, independente, plural, que possa contribuir para armar a militância numa conjuntura tão adversa. 6. A linha editorial e política do jornal está refletindo esse processo, complexo, de dificuldades, de certo comportamento pendular dos movimentos, e de forma permanente disputa de projetos na sociedade. Por outro 1ado, ela reflete o baixo grau de acúmulo de forças, dos movimentos e da esquerda. 7. O jornal ainda não virou uma referência política, para a maioria da militância social, embora os que o conhecem, em sua maioria elogiam, e estão começando a ter o costume de lê -lo. 8. Percebemos que vários setores sociais se interessam e acompanham o jornal. Todos têm vontade política de sustentá-lo, mas enfrentam dificuldades e limitações de priorizar sua difusão e utilização. 9. Devemos preservar e valorizar a mística em tomo do jornal, em especial, com os setores sociais . O jornal tem que ser uma obra coletiva de todos os movimentos sociais, de toda esquerda social. 10. As dificuldades que estamos enfrentando são reflexos: a) da crise econômica, que afeta a toda militância social, que está pauperizada. b) da crise ideológica e orgânica da esquerda brasileira. 11. O jornal esta pagando um alto preço político, por esse clima que o país vive, de desânimo da esquerda e das forças sociais, diante do quadro político. Por isso, nos exige mais vontade política, para implementá-lo. De todos, dos dirigentes, dos movimentos e seus coletivos, dos militantes, e dos formadores de opinião, para levar adiante esse projeto jornalístico. 12. Devemos manter a integridade ideológica, sem sectarismo, mas sem cair em oportunismo. Nossa referência de luta política, não pode ser apenas os atos do governo, mas sim os projetos políticos para a sociedade brasileira. 13. Infelizmente, a massa de nossa militância, na base, ainda não incorporou a necessidade de, ficar realmente alerta, ler e estudar o jornal todas as semanas. Os companheiros/as do lterra (escola técnica do MST) nos comunicaram que o jornal é utilizado semanalmente pelas brigadas dos estudantes, e tem um ótimo rendimento, estão mais informados, com mais conhecimento, gerando debate, e melhorando o aproveitamento em sala de aula. 14. Há um enorme campo e necessidade de atuação para o jornal, mas é preciso que os dirigentes assumam essa atividade de propaganda e difusão do jornal, para dar credibilidade junto a outros setores sociais. E também temos que melhorar as formas de nos organizar ao redor do jornal. 15. O que impressiona é que a crise política da militância social e partidária é tão grande, que há um baixo nível geral de leitura de qualquer jornal, livro, e isso reflete no nosso jornal também. Perdeu-se o costume da leitura diária, do debate de idéias, e do confronto ideológico. 16. O jornal não está chegando a todos os espaços de organização e militância social em que deveria chegar. Nem mesmo conseguiu ir aos principais eventos políticos, em nível nacional. Falta-nos mais militância dedicada à sua propaganda e distribuição. 2.2. Reforçar o papel e contribuição do jornal nessa conjuntura A partir dessa avaliação da conjuntura política, comentou-se sobre o papel do jornal, para que ele cumpra seus objetivos políticos, reforçando as seguintes linhas políticas editoriais: 1. Priorizar o debate e reflexão sobre a necessidade de um projeto popular para o Brasil, como alternativa ao neoliberalismo e atual política econômica. 2. Estimular as lutas sociais, estando nas suas páginas, mais espaço para as lutas populares que vem acontecendo em todo pais, e em todos os setores populares. 3.Ter uma visão de longo prazo. Precisamos ter persistência histórica, essa indefinição dos rumos do Brasil vai se tardar por um longo período histórico e somente vai ser decidido se tivermos um período de reascenso do movimento de massas. 4. Elevar o nível de consciência e estimular o povo, os militantes-leitores, a formar a opinião de que o povo tem direitos que foram conquistados ao longo de décadas
125
na luta contra o capitalismo, e que agora estão sendo vilipendiados, ou tratados como concessão de favores. 5. Ampliar o debate no jornal, sobre a natureza do descenso de massas, da apatia, e ver como sair dela. 6. Propagandear os avanços, conquistas e resistências do povo, que se acumulam para um projeto alternativo. 7. Aumentar os espaços para reportagens sobre o Brasil real, verdadeiro. Fazer matérias sobre a realidade e acontecimentos em todo pais, que são escondidos pela imprensa burguesa. 8. Tomar cuidado para não virar um jornal de opinião, de alguns jornalistas e intelectuais. O jornal tem que ser vivo, atuando com os movimentos e na conjuntura. 9. Recuperar a "mística" de um jornal de esquerda, formador. 10. Estimular que o jornal seja utilizado para debates, nos espaços políticos, nos movimentos e entre a juventude
Podemos verificar na reprodução do documento que já existe no jornal uma
perspectiva voltada para uma atuação junto aos movimentos sociais e não mais para a
sociedade de forma ampliada. O documento reforça o papel do Brasil de Fato na formação
dos militantes dos movimentos, ressaltando a experiência com as brigadas de estudantes do
MST, e reclama do fato de que outros movimentos não tenham ainda desenvolvido a
compreensão sobre sua importância enquanto ferramenta de luta. Fala também da necessidade
de desenvolver junto à militância o hábito de leitura do jornal e também de colocá-la para
trabalhar de forma mais orgânica pela viabilização do projeto.
O primeiro item do documento ressalta que o Brasil de Fato não é um "jornal de
jornalistas", fazendo provável referência à imprensa alternativa dos anos 1970 e à revista
Caros Amigos, construída nos mesmos moldes dos "jornais de jornalistas". O jornal se exime
de tomar certos posicionamentos quando se coloca como algo que está "colado aos
movimentos sociais" e que se deixará "moldar pela conjuntura". Sendo que no mesmo item o
texto afirma sua independência em relação às correntes políticas e partidos da esquerda.
Talvez aqui seja mais adequado dizer que o Brasil de Fato não pertencia a nenhum
grupo político ou tendência formalizada, mas que seguia uma linha política clara, definida
principalmente pelo MST, movimento engajado em sua construção, na pessoa de João Pedro
Stedile. Tanto que a opção por não se posicionar contra ou a favor em relação ao governo
Lula é a mesma adotada pelo MST. O item 12 do documento declara que: "devemos manter a
integridade ideológica, sem sectarismo, mas sem cair em oportunismo. Nossa referência de
luta política, não pode ser apenas os atos do governo, mas sim os projetos políticos para a
sociedade brasileira". Trata-se da mesma posição adotada pelo MST nos espaços de debate da
esquerda, de não rotular o governo Lula como "bom" ou "ruim" e evitar contribuir para a
fragmentação das forças progressistas em torno do tema. Vale dizer que este posicionamento,
digamos, mais fluido do MST, que critica as medidas conservadoras do governo, mas sem
126
propor a ruptura, foi assimilado pelas correntes mais radicais como um posicionamento
legítimo do mais importante movimento de massas, que tem bases a mobilizar, mas foi pouco
compreendido em termos de linha política para o Brasil de Fato, que passou a ser cada vez
mais identificado como o "jornal do MST"
Em relação à questão financeira, o documento intitulado "Informe para o conselho do
jornal", elaborado por Silvio Sampaio, administrador do jornal, faz o balanço do ano de 2003,
e declara que as tiragens naquele momento giravam em torno de 18 mil exemplares, a um
custo de 24 mil reais por edição. Os gastos totais com o Brasil de Fato estavam na casa dos
cem mil reais por mês. Apenas mil exemplares eram vendidos em bancas semanalmente. E o
número de assinantes era de três mil. No período de março a dezembro de 2003, o jornal
recebeu cinco anúncios institucionais, num total de 25 mil reais de arrecadação com
publicidade. Arrecadou também 20 mil reais em doações de organismos internacionais
(informe para o conselho do jornal, dezembro de 2003).
Citando novamente o documento "Um ano construindo a imprensa alternativa", de
dezembro de 2003, a meta colocada para o jornal em 2004 era conseguir mais dez mil
assinantes, e recolher 100 mil reais mensais, ou seja, mil novas assinaturas por mês. A
distribuição em bancas seria mais selecionada, a partir da escolha daquelas que apresentavam
melhores índices de venda. Cada estado deveria organizar uma festa de um ano do jornal e
tentar arrecadar dinheiro com ela e principalmente, cada movimento social que estivesse
realmente empenhado na construção do jornal, deveria assumir uma cota de assinaturas por
estado.
A questão da sustentação do jornal parece ter monopolizado a tônica das discussões ao
longo do ano de 2003. Por outro lado, havia uma transformação em curso, que direcionava o
Brasil de Fato para um público cada vez mais segmentado, indo na contramão do previsto em
seu projeto editorial. Veremos nos dois itens seguintes que esse processo de direcionamento
tende a se intensificar na medida em que o jornal atravessa períodos de grandes dificuldades
financeiras. Veremos também as razões que podem explicar essa guinada de projeto. Para
encerrar, podemos dizer que, em dezembro de 2003, a idéia de que o Brasil de Fato alcançaria
grande popularidade com as vendas em banca não se concretizou e a perspectiva de se tornar
um jornal diário no período de um ano parecia cada vez mais remota.
127
2. Anos de crise: 2004, 2005 e 2006 O período que incorpora os anos de 2004 a 2006 foi o de maior dificuldade para o Brasil de
Fato . O jornal enfrentou uma queda de faturamento e quase foi obrigado a encerrar suas
atividades. Em junho de 2004, segundo o documento "Balanço administrativo e financeiro
2003 e 2004" a equipe foi forçada a reduzir os custos de operação do jornal para 80 mil reais
mensais. Em agosto, sua tiragem caiu para cinco mil exemplares e os custos passaram a ser de
62 mil reais mensais, sendo que para isso o jornal foi obrigado a demitir funcionários,
fechando o ano com um quadro de quatro mil assinantes, quando a meta a atingir era de dez
mil, e sete mil exemplares de tiragem.
Segundo o mesmo documento, produzido pelo então administrador do jornal, Silvio
Sampaio, em 2004, a média de venda em banca era de mil e quinhentos exemplares e de 250
novas assinaturas por mês. Em 2005, a média de venda em bancas cai para mil e cem
exemplares mensais. Em abril de 2006, o jornal é obrigado a reduzir o número de páginas de
16 para 8 (edição 165).
Um reflexo positivo das dificuldades financeiras foi o desenvolvimento da agência de
notícias Brasil de Fato na internet, em 2006, que passou não só a absorver o material que não
cabia mais na edição impressa devido à diminuição do número de páginas, como passou a
contemplar um noticiário de cunho mais factual, enquanto o jornal impresso tornou-se mais
analítico.
Durante o período mais duro de crise, muitas propostas foram feitas para que o Brasil
de Fato tentasse ampliar sua gama de leitores e se estabelecesse. Em junho de 2004, em um
documento chamado de "Propostas para o jornal Brasil de Fato enfrentar a nova conjuntura",
José Arbex, então ex-editor do jornal, avalia que a equipe de redação deveria se concentrar em
dois ou três fatos centrais por edição, e que esses fatos deveriam ser esmiuçados, a partir de
amplas reportagens. Segundo ele, as pautas teriam de ser repensadas já que "ao contrário do
que diziam as previsões mais otimistas, o jornal não vem sendo procurado por amplas massas
que ingressariam na vida política, entusiasmadas com as ações de um ousado governo de
esquerda". Um dos itens do documento "Balanço político e encaminhamentos gerais sobre o
jornal Brasil de Fato", sem autoria, mas se referindo ao MST em primeira pessoa, diz que o
jornal não pode ser "expressão apenas da vontade política e dos esforços do MST. Nem temos
condições e nem cumpriria o seu papel".
O documento, produzido a partir da reunião do conselho político em 27 de novembro
de 2004 e intitulado "Propostas para o jornal Brasil de Fato", coloca algumas sugestões como:
128
ter cuidado para que o teor das manchetes reflita o conteúdo e a linha política do jornal;
aprofundar a análise dos fatos políticos e da realidade brasileira, compensando o fato do jornal
perder a atualidade do cotidiano por ser semanal; manter a pluralidade, ouvindo as diferentes
visões da esquerda sobre os acontecimentos; ampliar o leque de temas, falar sobre meio-
ambiente e preparar um questionário para os movimentos sociais para que opinassem sobre o
jornal. O documento volta a tocar na importância dos colaboradores, sugerindo a
possibilidade de utilizar o espaço do Fórum Social Mundial de 2005 para criar momentos de
aglutinação. No final de 2004, segundo mensagem de João Pedro Stedile dirigida ao
Movimento dos Atingidos por Barragens, o MAB, em 8 de novembro, o Brasil de Fato
custava 65 mil reais por mês e arrecadava apenas 30 mil, sendo sustentado basicamente pelo
MST.
Durante este período de três anos, as discussões continuam a se concentrar na busca
por formas de sustentação do jornal, divididas em três metas: assinaturas (em novembro de
2004 eram somente cinco mil, segundo carta enviada ao MAB), publicidade governamental,
tanto em nível municipal e estadual, como federal e apoio dos movimentos para assinaturas
coletivas para seus militantes. Foram feitos diversos apelos que não encontraram respaldo nos
demais movimentos. Na opinião de Ricardo Gebrim, o fracionamento da esquerda diante do
governo Lula foi responsável pelo não engajamento de outros movimentos no jornal.
Naquele momento (lançamento) nós não conseguimos vislumbrar como a esquerda se comportaria em relação ao governo Lula e como essa divisão da esquerda chegaria a uma tamanha polarização [...]. Tanto é que esse equívoco não ocorreu só no jornal, ocorreu também na nossa ilusão de que a CMS poderia ser um grande espaço unificador quando na verdade, o governo Lula acabou se tornando, a figura do Lula continuou a ser a meta-síntese que era da esquerda antes, só que agora dividida entre amor e ódio, entre os setores que estavam se rebaixando para sustentar e os setores que passaram a se pautar como oposição ao governo Lula. Isso também fez com que a esquerda começasse no seu processo de pulverização, a um processo de rearranjo, e nesse rearranjo vão surgindo as ferramentas. E evidentemente que cada força política ao sentir que está se esgotando um ciclo e que vai se iniciar outro ciclo, não quer botar sua azeitona na empada de ninguém, cada um quer construir seus próprios mecanismos, seus próprios veículos.
No início de 2006, a situação financeira do Brasil de Fato torna-se tão preocupante
que seu conselho resolve tomar medidas drásticas para diminuir o montante de dívidas que o
jornal acumulou. Segundo o documento "Informe da situação do jornal Brasil de Fato", de 24
de março, sem autoria, o Brasil de Fato deveria tornar-se mensal, com notícias menos
conjunturais e textos mais analíticos. Seriam produzidas edições especiais monotemáticas de
129
grandes tiragens (500 mil exemplares), feitas a partir das necessidades das mobilizações dos
movimentos e a agência na internet produziria uma revista eletrônica semanal.
Apesar dessas resoluções, a redução do número de páginas de 16 para 8, a partir da
edição 165, de abril de 2006, foi o caminho adotado para a manutenção das edições semanais
impressas do Brasil de Fato.
Em 2 de julho de 2006, um documento sem título direcionado aos membros do
conselho editorial e político faz algumas avaliações sobre as transformações pelas quais
passou o projeto do Brasil de Fato. O texto retoma as características originais do projeto, "um
jornal de esquerda, político, de circulação nacional, bonito, com linguagem simples etc. E que
disputasse com os grandes meios nas bancas", para em seguida colocar que
Sonhávamos que o jornal pudesse estar colado a um processo de reascenso do movimento de massas que não vai. E tivemos que mudar sua forma. Em vez de um jornal de massas, nas bancas, com tiragem significativa, tivemos que transformá-lo num jornal de militantes.
A partir desta constatação, o documento avalia que o jornal esperava contar com
publicidade de organismos públicos20, o que também não aconteceu na proporção esperada e
credita sua "salvação" às assinaturas (nesse período em torno de 6700), e às contribuições dos
movimentos sociais. O texto avalia como avanços a manutenção de uma página sobre a
África, a publicação de edições temáticas massivas, e a composição de uma equipe de
jornalistas dedicados, que "sem ingerência do conselho editorial, faz do jornalismo uma
militância". Este documento é produzido alguns meses após a redução de páginas do jornal,
acima citada, e coloca que a mudança foi necessária para assegurar a sobrevivência do Brasil
de Fato.
No final de 2006, um documento chamado de “Balanço do jornal Brasil de Fato”
esmiúça a trajetória do jornal, apontando problemas, ajustes e acertos. Entre os problemas
estão: a prevista ascensão dos movimentos de massa, que não aconteceu; a dificuldade em
manter a unidade da esquerda em torno do jornal, apesar de sua busca por pluralidade; falta de
profissionalismo na distribuição; problemas administrativos; falta de quadros políticos nas
atividades internas de distribuição do jornal; ilusão em relação à venda em bancas, problemas
com operacionalização das assinaturas, falta de conhecimento em relação ao fato de que todos
20 O Brasil de Fato recebeu em 2004 aproximadamente 104 mil reais em anúncios, boa parte deles de
empresas estatais. Em 2005 esse número foi para 135 mil reais e em 2006, 170 mil reais. Entre os anunciantes estão a Petrobrás, o Ministério do Trabalho, a Secretaria de Comunicação do Paraná e a hidrelétrica de Furnas.
130
os jornais de esquerda no mundo são bancados pela militância e não através de assinaturas ou
venda em bancas.
Entre os ajustes e acertos, o documento de balanço lista a criação da agência na
internet e a edição de um boletim eletrônico; a manutenção da linha editorial independente e a
edições massivas temáticas (reforma agrária, biodiversidade, eleições, energia elétrica). Como
perspectivas, o texto coloca a manutenção da linha editorial acertada e das edições especiais, a
reconstrução da rede de correspondentes e a retomada da produção de gr andes reportagens. O
documento aponta também que opção em manter o Brasil de Fato funcionando onerou
financeiramente o MST e a Via Campesina.
Podemos observar que o grupo dirigente do jornal tem consciência da mudança de
rumos do Brasil de Fato, de uma perspectiva de ser um jornal de massas, que dialogasse com
a sociedade, para a consolidação de um jornal voltado para a militância política dos
movimentos que o compõem, principalmente o MST.
Segundo o documento de balanço que faz essa avaliação, a mudança foi conseqüência
da apatia que tomou conta da sociedade e da não realização da tão esperada ascensão da luta
de massas, contrariando as expectativas em relação ao governo Lula. A partir deste dado
concreto, que impediu que o jornal alcançasse um público mais amplo que o sustentasse, a
solução foi partir para a construção de um jornal de movimentos, o que leva a mais um
problema. As diferentes avaliações do governo Lula feitas por setores da esquerda,
ocasionaram sua divisão e fracionamento. Isso fez com que os demais movimentos sociais
não concordassem com a linha política do jornal e não se integrassem ao seu projeto da forma
como o coletivo que o formulou imaginava. Este cenário, somado aos problemas encontrados
pela distribuição e já citados acima, fizeram com que o jornal se transformasse em algo bem
diferente do projeto original.
No próximo item, veremos que há mais elementos para compor a avaliação dos
porquês das transformações sofridas pelo projeto do jornal. Esses elementos serão colocados
principalmente a partir das entrevistas.
3. Consolidação: 2007 e 2008 Em fevereiro de 2007, o documento "Brasil de Fato: informe aos movimentos que o
sustentam" coloca que o jornal, em quatro anos, sofreu dificuldades de natureza:
"administrativa, organizaciona l, geográfica, financeira e de apoio político", mas afirma que
131
"graças ao esforço militante e voluntário" e a algumas mudanças no projeto inicial que
"priorizava o jornal impresso e a disputa em bancas", conseguiu sobreviver.
O Brasil de Fato teve seu número de páginas reduzido, diminuiu tiragem e equipe, e
com a economia de dinheiro, pagou suas dívidas. Segundo o documento, foi possível construir
"um novo sistema de comunicação que extrapola o jornal impresso e procura potencializar o
uso de outros veículos de informação também importantes", como a página na internet e o
boletim eletrônico semanal enviado a cem mil endereços. O texto coloca que, o esforço de
massificar o jornal impresso permanece, "mas a partir das edições temáticas (de grandes
tiragens e distribuídas gratuitamente), que disputam a opinião pública em temas especiais"
Em relação às perspectivas para o "conjunto de veículos" (jornal e página na internet)
que compõem o Brasil de Fato, o documento avalia que só haverá crescimento "se os
movimentos sociais crescerem de representatividade na luta de classes do país e se as nossas
idéias crescerem na esquerda". Em relação ao posicionamento político do Brasil de Fato, o
texto é claro:
Hoje defendemos uma posição que se diferencia das demais, por não termos aderido ao governo Lula, mas também não aceitamos fazer oposição a ele – e somente a história dirá se essa posição é correta e crescerá. Também o nosso crescimento vai depender de que aumentando a importância dos movimentos sociais no contexto da luta de classes, então outros setores da esquerda e da sociedade terão crescente interesse em saber/ conhecer nossas posições políticas pelos veículos que dirigimos. Finalmente, nosso jornal somente recuperará um papel de disputa de opinião nas massas se houver reascenso do movimento de massas. Se ainda nos mantivermos por um longo período no refluxo do movimento de massas, nossa tarefa será de resistência e, portanto, com dificuldade para crescer e ampliar.
A partir do trecho colocado acima, retirado do documento "Brasil de Fato: informe
aos movimentos que o sustentam", podemos aferir que o grupo dirigente do jornal reconhece
as mudanças em relação ao projeto editorial original, de um jornal de massas, plural, e a
justifica pela não realização da ascensão do movimento de massas após a eleição de Lula, em
2002. Reconhece também, que o jornal não desperta o interesse de setores da esquerda que
não estão próximos ao “Projeto Popular” e de outras parcelas da sociedade, pelo pouco espaço
político ocupado pelos movimentos sociais neste período, resultado de uma conjuntura
desfavorável.
Ricardo Gebrim, membro do conselho editorial do Brasil de Fato e dirigente do
movimento Consulta Popular, tem uma posição semelhante. De modo geral, credita à
conjuntura de crise de mobilização dos movimentos sociais, a responsabilidade pela mudança
132
de rumos do jornal e por sua restrição a um público militante, ligado aos movimentos que o
construíram, como coloca na entrevista à autora:
Eu pessoalmente tenho a visão de que sem uma alteração mais profunda na conjuntura, o jornal está condenado a ficar nesse nicho. Claro que esse nicho tem espaço, tem gordura para ele crescer um pouco mais, um pouco menos, as campanhas podem dar um pique maior, você pode vender um pouco mais de assinaturas, você pode crescer um pouco mais nas assinaturas, mas ele está meio que condenado nesse momento atual a esse espaço. É difícil ele romper esse espaço, exige outro momento. Um momento de maior intervenção popular, maior mobilização, onde o jornal se converta, onde esse campo político que o jornal reproduz ganhe força social. O jornal também vai ganhar força social. Eu enxergo o jornal como uma ferramenta desse campo, se esse campo não ganha espaço, não ganha força, o jornal por si só não vai ganhar. Ninguém quer encher muito a bola do jornal, porque sente que está enchendo a bola de um campo político.
Em relação à alteração das perspectivas inicias para o jornal, Gebrim acredita que suas
metas eram muito ambiciosas e que o Brasil de Fato deveria ter se proposto a começar menor,
sem a pretensão de atingir um público tão amplo, como coloca no trecho a seguir:
Na prática existia esse debate (de falar para a sociedade). E esse debate influenciava muito a idéia de um jornal de grande porte, como ele tentou nascer. Eu acho que aí houve um equívoco da nossa parte, porque na prática o jornal converteu-se em um jornal que abrange o círculo. E isso é o real. Isso é o que nós tínhamos capacidade de sustentação financeira, capacidade política, capacidade material de viabilizar. O outro nós não teríamos capacidade material. Eu acho que o Brasil de Fato não podia ser muito diferente, por isso eu acho que ele deveria ter começado pequenininho. Esse era o espaço que estava reservado para um veículo com esse perfil, de trabalhar esse conjunto de forças que a gente chama de projeto popular, que é uma coisa mais ampla, esses setores sociais, tava reservado esse perfil para ele, essa possibilidade de público. E esse conjunturalmente estava reservado isso. Só outra conjuntura vai ampliar, vai potencializar que ele tenha outro público, atinja mais gente, cumpra um papel maior.
Já Miguel Stedile coloca que as metas que o jornal pretendia atingir eram
acertadamente ambiciosas, pois ele nasceu para fazer a disputa da hegemonia na sociedade.
Em entrevista à autora, declara que:
Agora olhando para trás a gente pode perceber onde nós erramos e de que maneira. Agora, naquele momento tinha essa idéia que ia diminuir a repressão e que ia abrir espaço para que os movimentos sociais pudessem acumular. Então, e era importante, já que haveria embates, polarizações – como houve, e há – e era importante que houvesse um jornal que orientasse isso, um jornal que fosse massivo. Então uns falam meio que frustrados e outros de forma meio cômica, na fala do Arbex no ato de fundação do jornal: “Nós temos um jornal que em breve será um diário de um milhão de exemplares”. Nesse momento, quando a gente vê todas as dificuldades que o jornal passou, parece um exagero, um idealismo, um devaneio. Mas naquele momento histórico não estava errado de colocar aquilo como meta. Estabelecer que se nós queremos... E a preposição dele continua correta. Se nós queremos um jornal que demarque do ponto de vista de esquerda e faça a disputa hegemônica, você
133
precisa de um jornal com uma periodicidade como essa [...] Não foi um jornal que nasceu se pensando pequeno. Pode até ter nascido pequeno, mas nunca se pensou limitado. “ah, vamos ser pequenos e aí...”. Não, nós vamos ser grandes. Isso não é um idealismo, exagero. Acho que é sinal de maturidade. Se a esquerda quer disputar o poder no Brasil, ela precisa ter veículos de comunicação de massa. E veículo de comunicação de massa não é o Jornal Sem Terra com 20 mil exemplares, não é... Tem que ser massivo. Então, tem que atirar alto também.
Para Nilton Viana, editor-chefe do jornal, a principal dificuldade que fez com que o
Brasil de Fato não atingisse o público amplo que almejava foi a questão da distribuição e, a
partir dela, o jornal se viu obrigado a se restringir e transformar formato e linguagem, se
direcionando para o público militante, como declara a seguir:
Hoje, nós passamos a ser um instrumento muito mais de resistência. Significa que, pelo baixo nível de assinaturas e de divulgação, ele passou muito mais a ser um instrumento que está servindo para os nossos formadores de opinião, nossos militantes, nossos dirigentes. Ele não está conseguindo, não conseguiu ser um instrumento que está chegando para a grande maioria da população. Então nós tivemos que adequar nossa linguagem. Nós tivemos que trabalhar com textos muito mais densos, com mais informação analítica. Por mais que seja uma reportagem, são reportagens muito mais densas, sendo que no projeto inicial a idéia era trabalhar com textos muito mais curtos. Então dada inclusive essa dificuldade do jornal chegar, só chega para o nosso leitor apenas sete dias depois que nós fechamos a edição. Então não pode ser uma linguagem factual, não pode ser muito superficial, então nós trabalhamos com textos muito mais aprofundados, com reportagens, com muito mais elementos. Daí nossas reportagens de página inteira. Do ponto de vista de linguagem, acaba sendo muito densa. Mas fomos obrigados, enfim. Acredito que quando nós formos ampliando e quando tivermos mais facilidade de chegar a um maior nível em número de pessoas a tendência é trabalharmos com linguagem mais simples, com textos menos densos.
José Arbex Júnior, ex-editor chefe do jornal e membro do coletivo que se envolveu em
sua construção, faz uma avaliação em que credita a mudança de rumos do jornal em relação
ao seu projeto editorial original a quatro pontos fundamentais, que se interligam. Em primeiro
lugar, coloca que o formato do jornal foi pensado para deslanchar numa conjuntura de
efervescência popular, com a ascensão dos movimentos, o que não aconteceu. Um segundo
ponto seria a questão do lançamento do jornal, sem a arrecadação do montante calculado para
isso (como pudemos ver no capítulo IV). O terceiro foi o boicote e a dificuldade em distribuir
o jornal em bancas e o quarto, é a não realização dos comitês, como coloca na entrevista dada
à autora:
Eu me lembro que na época (do lançamento) eu falei uma coisa que todo mundo concordou, ou pelo menos aparentemente concordou que era o seguinte: Nós temos um meio de aferir se esse jornal é possível e vai dar certo ou não. Esse meio de aferir é o seguinte, o jornal tem que ser feito por comitês de redação espalhados pelo Brasil inteiro. Ou seja, o jornal não pode ser restrito ao eixo Rio – SP – Brasília, ele tem que mostrar um Brasil que ninguém conhece descrito pelos brasileiros que vivem no Brasil. É claro que o comitê de redação em São Paulo teria a missão de dar um formato jornalístico legível para o material que a gente recebesse. Mas, esse
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comitê de redação de São Paulo não iria substituir os comitês pelo Brasil, não poderia acontecer isso. Se acontecer isso seria a derrota do jornal. E eu cheguei a fazer várias viagens pelo Brasil agregando esses comitês. Eu me lembro que houve reuniões fantásticas, eu me lembro de uma reunião em Belo Horizonte que participaram artistas de teatro, prostitutas, trabalhadores mascates de rua, intelectuais da Universidade. E era isso mesmo que tinha que ser. A idéia era essa, fazer esse jornal.
Para Arbex, os comitês, que seriam o grande diferencial do Brasil de Fato em relação
aos outros jornais, além de ser o elemento garantidor da pluralidade de visões, não
funcionaram pela incapacidade do jornal em mantê- los com recursos financeiros, além de
deslocar pessoas para formá-los, e também diante da perplexidade que se abateu sobre a
sociedade após a eleição de Lula em 2002. Segundo ele:
O maior problema é que o governo Lula não foi aquilo que se esperava. Então o que aconteceu? Criou-se uma expectativa em cima do governo Lula nos primeiros seis meses do país e do jornal que todo mundo ficou na dúvida, que governo é esse aí? É esquerda, é direita? O Lula está esperando o momento adequado para dar a guinada para a esquerda? È um governo em disputa, não é um governo em disputa... O que é isso aí? E é lógico que essa perplexidade começou a se abater sobre as pessoas que queriam fazer o jornal.
Arbex acredita que a expectativa em relação ao governo e a indefinição sobre os
rumos a tomar atingiram o Brasil de Fato não só em relação à formação dos comitês, mas
também em relação ao público leitor, já que, como colocamos acima, o jornal foi pensado
para atuar dentro de uma conjuntura de ascensão dos movimentos e lutas populares, em que
ele seria o único veículo a falar "de dentro" das mobilizações para fora. Durante a entrevista,
Arbex coloca que:
Não vamos esquecer que houve um momento de expectativa. O Brasil inteiro parou para ver o que ia acontecer. Se o Lula tivesse feito um apelo ao movimento de massas para que fosse para a rua fazer reforma agrária, aí eu te garanto que iria se cumprir a previsão dos otimistas, que o jornal iria estourar. Mas o Lula não fez isso, no discurso de posse usou umas dez vezes as palavras “espera” e “paciência”. Então houve um momento em que todos os movimentos sociais, e as pessoas em geral, os trabalhadores, os brasileiros que comemoraram, ficaram num processo de expectativa, você não conseguia chamar ninguém para a luta. Vai lutar contra o que? Contra o governo Lula?
Como pudemos perceber, existe consenso de que o jornal Brasil de Fato que saiu nas
bancas não é o mesmo que está descrito em seu projeto editorial. Tanto os documentos
produzidos a partir de reuniões do conselho, os posicionamentos do MST em circulares, como
os depoimentos colhidos para a realização desta pesquisa afirmam que essa mudança
aconteceu. Diante dela, buscam explicações que giram em torno de temas semelhantes e
relacionados, avaliando que a conjuntura imaginada durante a formulação do projeto não se
135
concretizou e a partir daí surgiram dificuldades: 1. Financeiras, que interferem nas questões
de distribuição e tiragem; 2. De mobilização, que restringiram as possibilidades de formação
de comitês que funcionassem efetivamente no fornecimento de pautas; 3. Políticas, que
dividiram a esquerda a partir de discordâncias em relação à natureza do governo Lula e
afastaram grupos políticos e intelectuais diversos do projeto do jornal.
Dando mais ou menos importância a essas questões, os documentos consultados e as
falas de nossos entrevistados concordam que o Brasil de Fato se tornou um jornal de
movimentos, o que não estava previsto em seu projeto editorial, mesmo que seu esboço tenha
sido formulado no seio do MST.
Por outro lado, existem avaliações diferentes sobre as opções que o jornal adotou
diante das adversidades apresentadas pela conjuntura descrita acima, e mais, existem
explicações diferentes para justificar essas opções. Alguns enxergam que as escolhidas foram
as únicas que a conjuntura apresentou, mas esta não é uma visão consensual. José Arbex, por
exemplo, afirma que a indefinição do Brasil de Fato em relação ao governo Lula foi tão
prejudicial ao seu projeto de disputa de um público amplo na sociedade quanto os outros
fatores listados acima. Ele declara, em entrevista para essa pesquisa que:
Quem faz o jornal não sabia que manchete dar no jornal. Porque se você desde o começo dissesse que o governo Lula é de direita, eu saberia que manchete dar no jornal. Por exemplo, transgênicos. "Lula é um traidor porque aprovou os transgênicos" etc. Se eu partir da caracterização de que o governo Lula é de esquerda e que ele cometeu um equívoco com o negócio dos transgênicos, a minha manchete vai ser outra. "Governo Lula comete um equívoco". Se eu parto da constatação de que é um governo em disputa, hora vai para a esquerda, hora vai para a direita, minha manchete vai ser outra, "Lula tem que ouvir o clamor do povo". E não houve uma concordância sobre o que era o governo Lula, e isso apareceu estampado no jornal. Entre o grupo que pensava o jornal. Por outro lado, e aí vem a parte dos leitores, o que o leitor espera do jornal, que ele já não vai encontrar nem no Estadão, nem na Folha , ele esperaria algo novo. O leitor, para justificar ele não comprar o Estadão nem a Folha e justificar ele comprar o Brasil de Fato, o Brasil de Fato teria que provar que ele era necessário para esse leitor que já lê a Folha e que já lê o Estadão. O que nós poderíamos oferecer nessa circunstância que ele já não tinha? Nada. Nada porque os comitês não funcionaram, a gente não tinha um Brasil diferente para mostrar, a gente não tinha nada novo para mostrar. O que a gente tinha? Um discurso ideológico. Só. Por que o cara vai deixar de comprar a Folha para ficar ouvindo o discurso ideológico do Brasil de Fato?
Para Arbex, a ambigüidade do Brasil de Fato em relação ao governo Lula fez com que
o jornal não conseguisse se definir, inclusive em relação à linguagem e público-alvo. Segundo
ele:
Não estava claro para quê ia existir um jornal que ia se relacionar com um governo que a gente não sabia exatamente o que era. O jornal também não sabia o que era. Então por que assinar esse jornal? É um governo que a gente não sabe o que é e um
136
jornal que não sabe por que existe. Então para que assinar esse jornal? O jornal ficou no limbo. Uma hora dava manchetes contra os transgênicos e não sei o que, outra hora elogiava a política externa do governo Lula, outra hora descia o cassete no Banco Central, depois dizia que o Lula fez bem em não isolar Cuba, foi um negócio completamente anômalo. Prime iro lugar, a perplexidade de quem fazia o jornal. Segundo lugar, a ambigüidade do próprio governo Lula e a ambigüidade que ele estabeleceu com a CUT, com o próprio movimento de massas, com a nação brasileira em geral. Em terceiro lugar você tem uma situação de completa esquizofrenia, que é saber se esse jornal, afinal de contas, deveria se endereçar à esquerda ou à nação inteira. Que é o problema que eu mencionei. Qual é a linguagem que o jornal deveria utilizar? Se os comitês tivessem emplacado, esse problema nem apareceria, porque a linguagem do jornal seria a dos comitês. Mas esses comitês não emplacaram, então qual é a linguagem do jornal? É a linguagem dos comitês de redação, em São Paulo. E qual é essa linguagem? Não é a do MST, porque as pessoas que escreviam o jornal não eram do MST, não era a linguagem do PT, porque as pessoas que escreviam o jornal não eram necessariamente do PT. Não era uma linguagem universitária, porque nem todos... Que linguagem era essa? Uma linguagem difusamente pretendida como sendo uma linguagem de esquerda.
Já Nilton Viana, declara que o jornal não se pauta pelo governo, procurando fazer
críticas pontuais em alguns momentos, como coloca em sua entrevista:
Para nós é o seguinte, o jornal não é nem oposição ao governo Lula nem correia de transmissão do Planalto. Sabemos que esse é um governo extremamente contraditório, não é? É um governo em toda essência, é um governo neoliberal, em toda sua estrutura, em toda sua condução política, econômica etc. Mas o Brasil de Fato não tem o governo Lula como inimigo. Até mesmo porque não é papel do Brasil de Fato, e nós fazemos o acompanhamento e a leitura, que inclusive se expressa dentro do conselho do BF, que é um conselho amplo – o Conselho Editorial – dentro dessa leitura, que o governo é um governo contraditório, mas o papel é sempre que esse governo fizer ou tomar qualquer medida que beneficie a maioria da população brasileira o Brasil de Fato é o primeiro a estampar manchete e defender. Mas sempre que tomar medidas contrárias à classe trabalhadora, nós estaremos somando forças às lutas sociais, aos movimentos sociais, à classe trabalhadora, quem quer que esteja fazendo luta. Agora, nós temos claro que o governo Lula não é nosso inimigo.
Arbex argumenta que o jornal perde a independência ao deixar de fazer críticas
contundentes contra o governo para não forjar uma ruptura, como afirma na declaração a
seguir:
O que é um jornal independente? Um jornal independente é um jornal que não se deixa pautar por compromissos ideológicos. O jornal independente tem uma ideologia, mas ele não se deixa pautar por compromissos ideológicos. Então ele é de esquerda, é socialista, antiimperialistas, mas, sobretudo é um jornal. Qual é o compromisso do jornal? É como o fato, com a notícia. É com aquilo que está acontecendo. Esse é o compromisso do jornal. Bom, o que está acontecendo pode afetar o governo, não interessa. Você vai parar porque pode afetar o governo? Se você parar, deixou de ser jornal. Você virou um porta-voz, um comentarista, um panfleto, mas você deixou de ser um jornal, porque você não foi até o fim para reportar aquilo que está acontecendo e que você sabe que está acontecendo. Então o jornal acabou, em minha opinião, por causa dessas ambigüidades, por causa dessa falta de definição, por causa de todo esse marasmo ideológico que se apossou da esquerda com o governo Lula, o jornal perdeu a vitalidade dele, perdeu a capacidade que tinha de mobilizar alguém. Primeiro porque ele não podia ir até o fim. Porque
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para ir até o fim ele teria que cortar na própria carne. Segundo porque para ir até o fim, o que é ir até o fim, é um projeto popular alternativo? E o projeto popular alternativo diz o que? Que transgênicos não pode. O importante não é dizer isso em editorial, o que eu estou reclamando aqui é cobrir isso. A minha acusação não é que o jornal não fez uma manchete histérica dizendo: Lula é de direita. O problema é que o jornal não cobriu a guinada, guinada não, a adesão total do governo Lula à direita. Não cobriu. Por exemplo, a reforma agrária na Amazônia agora, que está sendo uma pilantragem armada para enriquecer grileiro utilizando movimentos sociais como massa de manobra. O pessoal que faz o jornal sabe disso, mas não aparece no jornal. Por que não aparece? Porque teria que romper com o governo Lula e aí a coisa fica complicada.
A questão do governo Lula também interferiu na relação dos movimentos com o
jornal. Muitos identificaram a linha do MST e se afastaram ou deixaram de se integrar ao
projeto. Segundo Arbex, essa questão não teria importância se o Brasil de Fato não tivesse se
tornado um jornal voltado para os movimentos sociais:
Ele devia ser disputado em banca, vendia para o povão, não ia ser sustentado pelos movimentos. Acabou sendo isso porque primeiro ele foi publicado num momento que não tinha verba para ser publicado. Segundo porque se esperava que houvesse a ascensão dos movimentos e ela não aconteceu e terceiro porque os comitês não se formaram. Então ele acabou ficando refém da única estrutura que aparentemente poderia dis tribuir o jornal, que eram os tais movimentos. Que também não se concretizou. O jornal nasceu da consciência de que a elite brasileira estava recrudescendo os ataques contra o povo. Foi dessa consciência que nasce o jornal. Agora é óbvio que quem tinha as condições orgânicas de se expressar para tentar fazer alguma coisa eram os movimentos sociais. Mas ele não agregava só os movimentos sociais... Até porque você tinha participando das reuniões um Fernando Morais, a Dulce Maia, a Cia. do Latão, artistas, não eram os movimentos sociais, era a sociedade brasileira.
Nilton Viana enxerga que a não-adesão dos movimentos é mais um reflexo da
conjuntura complicada em que vive a esquerda brasileira desde a eleição de Lula, mas
demonstra também a dificuldade em cons truir um meio de comunicação unitário:
Nós estamos em um período descenso, infelizmente, do movimento de massa. A chegada de um operário que tramitou no campo da esquerda [...] à Presidência e não corresponde às expectativas transformadoras, necessariamente cria rupturas e fragmenta a esquerda. Não bastasse tudo isso, setores da esquerda foram cooptados nesse processo. Então são elementos que refletem nessa estrutura no Brasil de Fato . Então o jornal por ser esse projeto político, sofre as conseqüências da fragmentação da esquerda. Alguns setores da esquerda, que no começo estavam somando forças ao projeto, no decorrer desse processo entendem que a visão política que dá sustentação ao Brasil de Fato não está de acordo com a sua visão. Mas isso é natural, enfim. É reflexo desse processo de fragmentação brasileira. Por outro lado, fazer um veículo de comunicação da esquerda que seja plural, que tenha uma amplitude dessas forças políticas é um desafio tão grande tanto quanto unir a esquerda brasileira como um todo. Até mesmo porque cada um procura criar seus próprios meios, seus próprios instrumentos. Alguns, como eu citei antes, procuram ter a visão partidária, doutrinária, e como nós somos um jornal que atua em um campo plural – nós não temos um comitê central que vem aqui baixando doutrinas, enfim. Isso também
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reflete nessa estrutura, já alguns companheiros tem a visão que tem que criar instrumentos dessa forma.
A partir disso, Miguel Stedile aprofunda a reflexão sobre a forma como os próprios
movimentos sociais enxergam a comunicação, como algo secundário e instrumentalizado, o
que nos ajuda a entender a relação que os movimentos sociais estabelecem com o Brasil de
Fato.
As organizações populares e os movimentos sociais podem até dizer que a comunicação é um eixo estratégico na disputa da hegemonia, mas na prática isso não acontece. Existe uma série de condições materiais, maturidade política, nível de enfrentamento, que vai te levar a concluir que “olha, se a gente não dominar e não avançar no campo da comunicação, nós não vamos entrar nessa disputa ideológica. O MST percebeu isso depois de quanto tempo? E de que maneira? Durante por dez, doze anos nós nos demos por satisfeitos por ter o Jornal Sem Terra . A gente percebeu que precisava de um veículo específico para comunicar com a sociedade, que precisava da internet. Acho que setores movimento camponês, do movimento social urbano, talvez por não perceber tanto... não terem ainda esse grau de maturidade, talvez não tenham percebido a importância e necessidade que isso poderia ser nesse momento [...] Então tem uma fragmentação nos meios de comunicação de esquerda que não é mera coincidência. Existe uma intencionalidade disso. Se você entrar em um jornal nacional a sua fatia não vai estar lá. Então eu acho que isso do ponto de vista político é o central. É essa divisão da esquerda que obriga... Porque o jornal, com todas as críticas que a gente possa fazer a ele, mas desde que ele começou, ninguém pode dizer que o Brasil de Fato se fechou para determinado setor. E se você olha para o Conselho Político que é o nome pro - forma para o expediente, ele vai do Valerio Arcary, que representa o PSTU, Conlutas até setores do campo majoritário do PT. Então o jornal se dispôs a aglutinar isso, ingenuamente talvez, porque essas divisões da esquerda de certa forma já estariam pressupostas desde o período da campanha. O que iria ocorrer, enfim... Mas acho que isso foi o central, o que inviabilizou o jornal neste momento histórico. Foi essa incapacidade, foi ter se proposto a ser um jornal que aglutinasse a esquerda que teve que ter paciência, que teve que fazer concessões, que teve que mexer com todos os lados... E haviam dois setores da esquerda que não tinham o interesse de construir um jornal nacional. Ou porque tem outra concepção de comunicação que pressupõe disputar por dentro dos grandes meios de comunicação ou porque é o seu veículo, vinculada à 6ª Internacional que é o dono da verdade e que a classe trabalhadora já tem o seu jornal.
Apesar da não adesão dos movimentos sociais ao projeto, da fragmentação da
esquerda e da dificuldade do Brasil de Fato em se posicionar em relação ao governo, os anos
de 2007 e 2008 mostram-se positivos para a consolidação do projeto. Entre as metas para o
ano de 2007 colocadas no documento "Brasil de Fato: informe aos movimentos sociais que o
sustentam" está a "ampliação do material informativo dirigido prioritariamente para a
militância social e formadores de opinião pública", por meio da conjugação dos elementos
ligados ao jornal, página na internet e boletim eletrônico e o prosseguimento do
"planejamento das edições massivas", combinadas com as "jornadas de mobilizações dos
movimentos sociais", procurando atingir um público multiplicador, jovens, estudantes,
professores, religiosos etc. O documento faz um apelo para que os movimentos que estão ao
139
redor do projeto façam um acompanhamento mais próximo de suas pautas e reforcem o
conselho editorial, além de juntar recursos para o custeio das edições temáticas, pagas em
conjunto pelas entidades e organizações envolvidas nos assuntos que elas cobrem.
Como encaminhamento concreto, o documento propõe que se avalie a possibilidade de
o jornal aumentar o número de páginas para doze e voltar a publicar reportagens sobre a
África, além de introduzir matérias sobre meio ambiente e grandes entrevistas. O aumento de
páginas se concretiza a partir da edição 218, em maio de 2007.
Atualmente, o jornal permanece com doze páginas. Segundo Nilton Viana, editor-
chefe, sua tiragem média é de 25 mil exemplares semanais, com um quadro de 6 a 8 mil
assinantes. Nilton afirma que o Brasil de Fato "se sustenta com as assinaturas, com a venda
em banca, com as doações dos movimentos sociais e com alguns anúncios de estatais [...],
mas principalmente com a doação dos movimentos sociais e com as assinaturas", e hoje, pode
se considerar consolidado, uma vitória para quem já chegou a dever 260 mil reais.
Em termos financeiros, Nilton coloca em seu depoimento que o ideal seria atingir de
20 a 25 mil assinaturas para a auto-sustentação. Apesar de contar com dinheiro da venda de
anúncios para órgãos estatais, Nilton acredita que o um jornal popular deve buscar sua
sobrevivência de outras formas, como coloca a seguir:
A gente sempre trabalha na perspectiva de que um instrumento da classe trabalhadora necessariamente precisa buscar sua auto-sustentação. Buscar inclusive não dependendo de nenhum anúncio publicitário, seja ele de onde for. Entendemos que a verba pública [...] deve ser democraticamente distribuída e infelizmente não é dessa forma que acontece [...] Eu entendo que um instrumento da classe trabalhadora deve caminhar sistematicamente seja pela venda em bancas, seja pelas assinaturas, e se não for por esse dois instrumentos, que ele seja bancado pela classe trabalhadora e que ele seja cotizado entre os movimentos sociais etc. Mas nunca apenas dependa de verbas publicitárias, porque você acaba sendo refém dessa forma de arrecadação de recursos, e governos mudam. Hoje a gente tem consigo alguns anúncios de algumas estatais, mas essa conjuntura pode mudar completamente e nós não termos mais verba nenhuma. Então nós precisamos buscar que a classe trabalhadora assuma o instrumento da classe trabalhadora. Se cada um contribuísse com o mínimo possível, a gente conseguiria deslanchar tranquilamente o Brasil de Fato.
Com o jornal estabilizado finalmente, é possível pensar em perspectivas e novos
objetivos. Para Nilton, a ampliação do Brasil de Fato é uma delas, como ele coloca a seguir:
Nós temos como desafio fazer o Brasil de Fato ampliar. Seja com setores da esquerda, trabalhar permanentemente – isso nós temos cumprido esse papel – de buscar a unidade da esquerda, estimular a unidade, não é? Outro objetivo que temos cumprido: ser estimulador das lutas. Outro objetivo que temos cumprido: temos procurado dar dignidade às lutas e à classe trabalhadora. E a maior conquista que nos temos até hoje nesses seis anos de Brasil de Fato foi
140
ter aglutinado milhares e milhares de militantes, muitos deles anônimos por esse país afora. Muitos e muitos colaboradores em outros países, de outras agências de notícias... Aglutinado um leque muito amplo de militância em torno do projeto político do Brasil de Fato . Essa é a maior conquista do jornal. Já como desafio nós temos que ampliar e muito nossas assinaturas. Nós temos que trabalhar muito, muito, muito para fazer o Brasil de Fato cada vez mais cumprir o papel fundamental dele que é de chegar à classe trabalhadora e ajudar a elevar o nível de consciência da classe trabalhadora. Temos que fazer dezenas de edições especiais, que é para chegar para a grande maioria do povo brasileiro com temas fundamentais [...] e precisamos convencer os nossos militantes, os nossos apoiadores no país inteiro da importância de sustentar o Brasil de Fato.
Já Ricardo Gebrim, membro do conselho editorial e dirigente da Consulta Popular,
acredita que o Brasil de Fato só poderá ser ampliado a partir de uma mudança conjuntural
mais profunda, como coloca na entrevista que concedeu a esta pesquisa:
Eu acho que o jornal ainda cumprirá o seu papel mais decisivo. Na verdade, esses anos todos foram anos em que acumulamos experiência, conformamos um coletivo mais experiente, entendemos como se faz um jornal, entendemos os desafios do jornal, entendemos como lidar com essa questão da comunicação, a sua complexidade, mas a conjuntura não foi favorável às idéias da esquerda, às idéias transformadoras, e conseqüentemente a um veículo de comunicação de esquerda. Como otimista, a gente acha que o período histórico está mudando. Vai ser uma mudança confusa, difícil, complexa, tem seu ritmo que é bastante inesperado, então é difícil falar em prazos. Mas a conjuntura vai se alterar e o jornal vai cumprir um papel diferente. Por isso, o fato de tê-lo mantido, é o seu ganho principal. Porque tem todas as suas experiências, experiências complicadas, negativas, as barrigadas que o jornal deu, tudo isso nos ajudou a ensinar a fazer o jornal, organizar o jornal e tendo o veículo para uma conjuntura mais favorável. Eu acho que o Brasil de Fato não podia ser muito diferente, por isso eu acho que ele deveria ter começado pequenininho. Esse era o espaço que estava reservado para um veículo com esse perfil, de trabalhar esse conjunto de forças que a gente chama de projeto popular, que é uma coisa mais ampla, esses setores sociais, tava reservado esse perfil para ele, essa possibilidade de público. E esse conjunturalmente estava reservado isso. Só outra conjuntura vai ampliar, vai potencializar que ele tenha outro público, atinja mais gente, cumpra um papel maior. Então, nesse sentido, ter se preservado foi a maior vitória.
Para José Arbex, a consolidação do Brasil de Fato nos moldes atuais não significa
grandes avanços, já que seu o projeto original e ousado não existe mais. Segundo ele:
Eu acho terrível. Porque a estabilização dele é a estabilização do cemitério. Um morto está estabilizado na cova. O que isso prova? [...] Para que ele serve? Se você comparar isso com o objetivo inicial do jornal é uma demência. Eu era a favor de acabar com o jornal papel e ficar só com o online, mas fui derrotado de novo. É ilusão achar que hoje ele está cumprindo algum papel. Agora, eu acho melhor que exista o Brasil de Fato do que não exista. Mas eu acho que hoje ele seria muito mais útil como agência online, ia custar muito menos dinheiro. Em vez de imprimir e gastar milhares de reais em papel você podia empregar esse dinheiro em uma rede de repórteres no Brasil, pagando salário base para cada um desses repórteres em cada canto do Brasil e produzir uma agência de notícias que refletisse o Brasilzão.
141
Muito melhor do que ficar gastando dinheiro com papel, mas aí é opção deles. Um jornal deve servir para elevar o nível de consciência do povo, e como é que você eleva o nível de consciência do povo? Não é com discurso de esquerda. Eleva a consciência do povo ao mostrar um Brasil que ninguém conhece [...].
Já Miguel Stedile acredita que o Brasil de Fato, com a redefinição de seus objetivos,
passou a cumprir um papel importante para o debate de idéias na esquerda brasileira, apesar
de não funcionar como um instrumento de disputa de hegemonia, como coloca a seguir:
O jornal se tornou muito mais do que num espaço de aglutinação da esquerda... Muito mais não, se tornou em um referencial para a militância avulsa ou organizada que se identifica com a esquerda social. Agora, pessoalmente falando, acho que o jornal cumpriu um papel importante para a democratização da comunicação e para a esquerda de um modo geral que é o seguinte, [...] havia uma lenda histórica que um dia vai vir um disco voador chamado “jornal de esquerda” que vai disputar a hegemonia. [...] Eu acho que uma das lições que o Brasil de Fato deixa é o seguinte: que esse veículo de esquerda que a gente idealizava não existe. Não vai existir. Não existem condições materiais, objetivas e subjetivas, mesmo continentais, pela extensão continental que o Brasil tem, para existir um jornal unitário de esquerda. Talvez a grande lição do Brasil de Fato seja que todos esses setores de esquerda tenham que ter seus jornais. O PT tem a decisão de nunca ter um jornal etc. E outra coisa que eu acho, do ponto de vista de disputa de hegemonia, é de que hoje [...] a ferramenta principal para a disputa de hegemonia não é de forma alguma um jornal impresso. A luta pela hegemonia está no audiovisual. Hoje, acho que, até recomendo para quem tem esse discurso, “ah, um jornal de esquerda, não sei o quê...” Esqueça. Tenha o seu jornal para sua militância, seu público de influência, seus 10 mil, 20 mil exemplares. Mas quem quiser tomar o poder no século XXI tem que ter uma TV. Legal ou não. Tem que produzir vídeos, postar no youtube ou similares, projetar no meio da rua, etc. O futuro da comunicação... O futuro não, o presente da comunicação de esquerda, social [...] passa pelo audiovisual necessariamente. E os veículos impressos, em minha opinião, no Brasil, na Guatemala, na Venezuela, Estado Unidos,vão servir muito mais para a militância, para os quadros, do que para a massa. O desenvolvimento tecnológico não nos permite apostar só nessa ferramenta.
Em relação à disputa de hegemonia, podemos concluir, a partir dos depoimentos e
discussões colocados acima, que o Brasil de Fato atualmente não é visto como um meio de
comunicação que a promova na sociedade. Verificamos também, que tampouco há disputa
política de seus rumos entre os membros do conselho editorial, que continuam a se reunir
mensalmente. A última reunião do conselho político, em dezembro de 2008, na qual
estivemos presentes, discutiu os rumos da esquerda diante da crise do capitalismo e pouco
falou sobre o jornal especificamente. Concluímos que as pessoas e organizações que
permanecem ligadas ao projeto do Brasil de Fato, concordam com a linha política designada
para ele pelo MST e Consulta Popular, aceitando a transformação do projeto em um jornal de
movimentos e apostando em sua continuidade para o auxílio na formação de seus quadros e
transmissão das idéias desses grupos para uma parcela de assinantes, organizados ou não. A
142
partir da leitura dos documentos e das análises das entrevistas aqui colocadas, pudemos
formar um quadro de explicações e opiniões sobre as razões que condicionaram a
transformação do projeto original do Brasil de Fato. A seguir, faremos uma análise de suas
manchetes em seis anos de edições semanais. O próximo capítulo será dedicado a uma
avaliação dos resultados encontrados na pesquisa de campo que reconstituiu a trajetória do
Brasil de Fato e sua relação com as questões levantadas pela parte teórica desta pesquisa.
4. Temas das manchetes do Brasil de Fato em seis anos de vida Neste item, procuraremos fazer o resgate dos principais temas das manchetes do Brasil
de Fato em 304 edições, publicadas entre março de 2003 e dezembro de 2008. Não faremos a
transcrição integral das manchetes, mas apontaremos o tema central de cada uma, com o
objetivo de traçar um panorama dos assuntos mais destacados abordados pelo Brasil de Fato
em seis anos, a partir de sua manchete principal. No caso de manchetes que digam respeito
diretamente ao governo Lula, colocaremos apenas a palavra "Lula" como referência, para
analisá- las de forma mais aprofundada no item cinco deste capítulo.
Agrupando as manchetes em grandes temas, podemos verificar quais assuntos foram
considerados prioritários para a cobertura do jornal. As manchetes que fazem referência direta
ao presidente Lula e ao governo são as mais comuns, pois foram 39 em seis anos.
As mobilizações do MST e a luta pela reforma agrária vêm em seguida, com dezoito
manchetes. O terceiro tema mais abordado em manchetes são as ações do governo de George
W. Bush, presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009, aqui agrupadas com as manchetes
que fazem referência direta à Guerra do Iraque, num total de treze. Somam treze também as
manchetes sobre o mundo do trabalho, que compreendem as que abordam assuntos como
desemprego, direitos trabalhistas, trabalho infantil, escravo ou degradante. As manchetes
sobre movimentos sociais, suas mobilizações e demandas somaram onze, enquanto as que
falam sobre a Bolívia, a Venezuela e se referem a episódios de corrupção no Brasil empatam
em nove. Outros temas recorrentes são: violência no campo (oito), transgênicos (oito),
transposição do rio São Francisco (sete), Fórum Social Mundial (compreendidas as manchetes
que falam sobre a edição do Fórum Social Brasileiro) (seis) e movimento sindical. A tabela 1
traz a incidência dos temas gerais em manchetes de forma completa.
143
Temas das manchetes21 Ano
2003
Ano
2004
Ano
2005
Ano
2006
Ano
2007
Ano
2008
Total
Lula 12 2 7 7 7 4 39
MST/ Reforma agrária 1 4 5 2 4 2 18
Guerra do Iraque/ Governo Bush 4 3 3 1 1 1 13
Mundo do trabalho22 1 3 1 5 3 13
Movimentos sociais 2 5 3 1 11
Bolívia 1 2 1 5 9
Corrupção 3 1 5 9
Venezuela 1 4 2 1 1 9
Violência no campo 2 2 2 1 1 8
Transgênicos 4 2 1 1 8
Transposição do rio São Francisco 1 2 1 3 7
Fórum Social Mundial e Brasileiro 1 2 3 6
Movimento sindical 2 3 1 6
Agências reguladoras 3 1 1 5
Indígenas 3 1 1 5
Petróleo brasileiro 1 1 1 2 5
Privatizações 1 1 3 5
Vale do Rio Doce/plebiscito23 5 5
Violência policial 1 1 1 2 5
Agronegócio 1 1 2 4
Dívida externa 2 2 4
OMC24 2 1 1 4
Transnacionais 1 1 1 1 4
América Latina 1 2 3
Colômbia 3 3
21 As manchetes foram selecionadas a partir de seus temas principais 22 Inclui questões trabalhistas, previdência, trabalho infantil e degradante 23 Em 2007, vários movimento sociais, incluindo o MST e a Consulta Popular, organizaram um
plebiscito popular sobre a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ocorrida em 1997 em um processo controverso.
24 Organização Mundial do Comércio
Tabela1 Temas gerais de manchetes do Brasil de Fato divididos por anos
144
Educação 1 1 1 3
Eleições municipais 3 3
FMI 2 1 3
Grito dos Excluídos25 2 1 3
México/ Zapatistas 1 1 1 3
Moradia 1 1 1 3
Oriente Médio/Palestina/ 1 2 3
Paraguai 1 2 3
África 2 2
ALCA 1 1 2
Autonomia do Banco Central26 2 2
Bancos 1 1 2
Crise da esquerda 1 1 2
Crise econômica mundial 2 2
Cuba 1 1 2
Energia elétrica 1 I 2
França/ manifestações de rua 1 1 2
Haiti 1 1 2
Meio ambiente 2 2
Mulheres 1 I 2
Palocci27 1 1 2
PT 1 1 2
Relações América Latina-EUA 2 2
Água 1 1
ALBA28 1 1
25 O Grito dos Excluídos é uma entidade latino-americana de combate às desigualdades sociais,
composta por setores progressistas da Igreja Católica e movimentos sociais . No Brasil, organiza manifestações em várias cidades no dia 7 de setembro. A temática das mobilizações muda a cada ano, mas o mote permanente é a luta contra as desigualdades sociais e a exclusão.
26 A esquerda, historicamente, se posiciona contra a autonomia do Banco Central. 27 Antonio Palocci Filho, médico e político de Ribeirão Preto (SP) foi o primeiro ministro da Fazenda
nomeado pelo governo Lula, permanecendo no cargo do início do primeiro mandato, em 2003 até o dia 27/03/2006. Era identificado pelos movimentos sociais como o principal responsável pela política econômica conservadora adotada pelo governo.
28 A ALBA é uma proposta de integração comercial regional para os países da América Latina. Formulada pelo governo de Hugo Chávez, ela seria um alternativa à ALCA, vista pelos movimentos sociais como uma ameaça imperialista ao desenvolvimento dos países pobres do continente.
145
Argentina 1 1
Ataques a moradores de rua em
São Paulo
1 1
Banco da Terra 1 1
Banco do Sul 1 1
Barack Obama 1 1
BNDES29 1 1
Bolsa família 1 1
Che Guevara 1 1
CIA/ Dalai Lama 1 1
Consumismo 1 1
Coréia do Norte 1 1
Crise Aérea 1 1
Cúpula sul-americana 1 1
Daniel Dantas 1 1
Distribuição de renda 1 1
Ditadura militar brasileira 1 1
Equador 1 1
Especulação financeira 1 1
Febem/ PSDB SP 1 1
Fórum das Américas 1 1
Geórgia - EUA 1 1
Guatemala 1 1
José Sarney 1 1
Justiça social 1 1
Livre comércio 1 1
Minicom30 e Globo 1 1
Morte Pinochet 1 1
ONU 1 1
PAC31 1 1
29 Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico 30 Ministério das Comunicações 31 Programa de Aceleração do Crescimento
146
Presídios EUA 1 1
Segurança pública SP/PCC 1 1
Soberania nacional 1 1
Sucateamento do Estado 1 1
Taxa de juros 1 1
TV Digital 1 1
Uruguai 1 1
Valores de esquerda 1 1
5. O jornal Brasil de Fato e o governo Lula
Neste item, faremos uma breve análise das manchetes do Brasil de Fato dedicadas ao
governo Lula em seis anos de existência. Escolhemos esse recorte como unidade de análise,
pois nos pareceu interessante tentar entender a relação jornalística que existe entre o Brasil de
Fato e o governo. As avaliações sobre o governo Lula foram o ponto que mais concentrou as
divergências da esquerda nos últimos seis anos, e como pudemos perceber através das
entrevistas e relatos aqui colocados, teve reflexos profundos na trajetória política do jornal.
Afinal, o Brasil de Fato não passou incólume pelas divisões que as diferentes análises e
avaliações sobre o desempenho do governo provocaram em movimentos sociais, partidos e
outras organizações progressistas no Brasil.
De forma simplificada, os posicionamentos da esquerda sobre o governo Lula podem
ser divididos em dois grupos. Há os que avaliam que existe uma disputa de projetos dentro do
governo, e que cabe à esquerda mobilizar suas bases para tornar a correlação de forças
favorável às mudanças e transformações que defendem. Geralmente, as pessoas e grupos que
carregam essa visão mantêm-se dentro do PT e/ou ligados a organizações cuja diretoria
expressa a mesma posição, como a CUT.
Do segundo grupo fazem parte aqueles que consideram que Lula traiu suas origens e
convicções ao construir um governo de conciliação e não de ruptura. Para as pessoas e grupos
políticos que comungam dessa visão, o governo Lula é tão conservador quanto o governo
Fernando Henrique Cardoso, não está em disputa e precisa ter sua natureza elitista
desmascarada. Ao longo de seis anos de mandato, muitos militantes e grupos políticos
147
deixaram o PT, a CUT, e outras organizações consideradas governistas para fundar novos
partidos e centrais sindicais a partir dessas avaliações, como o Partido dos Trabalhadores
Socialistas Unificados (PSTU), a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas, central sindical
ligada ao PSTU), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e a Intersindical (central ligada
ao PSOL).
Como vimos, o Brasil de Fato optou por não se posicionar de forma mais contundente
diante do governo Lula, partindo para a crítica, bem dura em alguns momentos, mas sem
sinalizar uma ruptura. Essa forma de posicionamento, vista por alguns como independência
(Nilton Viana), e por outros como vinculação (José Arbex), de certa forma acompanhou as
estratégias adotadas pelo MST, que mescla pressão a momentos de apoio, como durante a
campanha de Lula à reeleição.
Partindo para a análise, consideramos que a observação das manchetes pode nos dar
uma idéia sobre a forma jornalística adotada pelo Brasil de Fato para expressar seus
posicionamentos – sejam as críticas, cobranças ou apoio – em relação às atitudes de Lula.
Procuraremos relacionar as manchetes, quando possível, ao estado de ânimo dos movimentos
sociais, principalmente do MST, e verificar se realmente existe ambigüidade no tratamento
dado ao governo.
Reunimos as manchetes a partir da identificação de duas palavras que funcionaram
como nossas unidades de análise. Foram selecionadas todas as que continham as palavras
"Lula" e "governo", ou referência direta ao governo a partir da citação de figuras do primeiro
escalão, de programas de governo e termos como reeleição, em 304 edições. Encontramos 48
manchetes, sendo 39 fazendo referência direta e nove, indireta.
A partir desta seleção, dividimos as manchetes de acordo com os anos em que foram
publicadas e as classificamos como 1. Críticas ao governo, 2. Recomendações, 3.
Propositivas, e 4. Elogiosas/ Apoiadoras. Os resultados desta classificação podem ser
verificados na tabela 2.
Consideramos também, para efeitos da análise de conteúdo, nove manchetes que
fazem referência direta ao governo Lula, mas não o citam nominalmente, ao falar sobre
programas de governo, ministros ou outras questões. Essas manchetes não foram incluídas na
tabela 2, e constam da tabela 1, que traz os temas gerais das manchetes divididos por anos de
publicação.
148
Tabela 2. Manchetes que citam o governo Lula dividas por anos.
Ano 1. Críticas ao
governo 2. Reivindicações
ao governo 3. Propositivas
4. Elogiosas/ Apoiadoras
Total de manchetes
2003 3 2 2 7 14 2004 1 1 - - 2 2005 7 1 - 3 11 2006 3 1 2 2 8 2007 9 - - - 9 2008 4 - - - 4 Total 27 5 4 12 48
2003 Zero. "Lula precisa ter coragem", afirma Celso Furtado
7. Palocci elogia o FMI e negocia o Brasil na ALCA
8. Chefões do narcotráfico são alvo de Lula
9. Lula precisa dar um basta
12. É hora de o governo resgatar o compromisso histórico, diz ministro
13. Lula quer romper isolamento de Cuba
15. Bancos desafiam Lula e mantêm juros extorsivos
17. Bush pressiona e Lula aceita ALCA em 2005
19. Lula garante prioridade para reforma agrária
20. Lula ataca política externa dos Estados Unidos
24. Governo reage aos ataques da elite contra os movimentos sociais
26. Lula defende unidade sul-americana para enfrentar ALCA e OMC
39. Palocci defende arrocho na área social
43. Sem-terra têm de pressionar, diz Lula
Durante o ano de 2003, o Brasil de Fato publica doze manchetes sobre o governo
Lula, a maior quantidade de manchetes durante um ano com essas referências. Apenas uma
delas se coloca de forma crítica ao governo, trata-se da edição de número 17, em que o jornal
afirma que "Bush pressiona e Lula aceita a ALCA em 2005". A luta contra a aprovação da
Área de Livre Comércio das Américas é uma das bandeiras mais importantes para os
movimentos sociais envolvidos com o projeto popular, incluindo o MST. Durante o ano de
149
2002, os mesmos movimentos na época que se reuniram para construir o jornal, se engajaram
na organização de um grande plebiscito popular sobre o tema, com o intuito de conscientizar
suas bases sociais e a sociedade em geral para os perigos da aprovação da ALCA para o
desenvolvimento econômico e industrial do país.
As manchetes das edições zero e 9 correspondem ao item reivindicações ao governo.
Ambas sugerem de forma mais impositiva comportamentos ao governo. A manchete de
número zero, com as aspas que remetem a uma frase dita pelo economista Celso Furtado,
entrevistado para essa edição do jornal, recomenda coragem ao presidente. A de número 9 é
mais incisiva, recomendando ao presidente que dê um basta às negociações da ALCA.
As manchetes caracterizadas como propositivas são as das edições de e número 12 e
43. A primeira sugere que o presidente destine mais verbas à pesquisa, sendo que o ministro
citado é Roberto Amaral, titular da pasta de Ciência e Tecnologia do início do governo a
janeiro de 2004. A de número 43 refere-se a uma fala do próprio Lula, que na ocasião,
participava de uma atividade em um assentamento no Rio Grande do Norte, pedindo aos sem-
terra que pressionem o governo para que haja reforma agrária.
As demais foram consideradas positivas, pois relacionam Lula e suas decisões à
bandeiras defendidas pelo jornal, como a perseguição aos "chefões do narcotráfico" na edição
8, o rompimento do isolamento de Cuba (13), a prioridade para a reforma agrária (19), o
ataque à política externa de Bush (20), a defesa dos movimentos sociais diante de ataques da
elite (24) e a unidade sul-americana no enfrentamento contra a ALCA (26). A manchete de
número 15, que diz: "Bancos desafiam Lula e mantêm juros extorsivos", denotam que Lula
pretendia baixar a taxa de juros, outra política defendida pelo jornal, mas foi impedido pelos
bancos, tendo tomado assim, uma atitude correta.
Já as manchetes 7 e 39 não fazem referência explícita a Lula, mas entram nesta
análise por se dirigir ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Na concepção dos movimentos
que compunham o jornal, Palocci era o grande responsável pela política econômica
conservadora do governo Lula, e suas ações deveriam ser combatidas. Por outro lado, a crítica
aberta a Palocci muitas vezes substituiu as que deveriam ser dirigidas à figura de Lula. Ou
seja, apontar para o ministro da Fazenda fazia com que o presidente fosse poupado.
2004
45. Índios retomam terras e exigem ação do governo
52. Governo ameaça universidade pública
150
Em 2004, apenas duas manchetes fazem referência direta ao governo Lula, sendo uma
considerada crítica e a outra reivindicativa. Em "Índios retomam terras e exigem a ação do
governo", o jornal defende a demarcação das terras indígenas e uma ação incisiva de Lula. Já
em "Governo ameaça a universidade pública" a crítica é clara. Afinal, o ensino gratuito é uma
das bandeiras históricas da esquerda e conseqüentemente, defendida pelo Brasil de Fato. Essa
manchete se refere especificamente ao projeto de Reforma Universitária formulado pelo
Ministério da Educação, que, entre outras propostas, continham um item sobre a isenção de
impostos para instituições de ensino particulares que abrissem vagas para estudantes pobres,
embrião do posteriormente implantado Programa Universidade para Todos.
2005
97. Mais um ano. E as mudanças?
104. Lula promete o fim da impunidade
120. Esquadrão da moralidade entra em cena
121. Lula, o povo ou as elites?
123. De novo, governo pede benção à direita
124. Lula troca ministros. Nada muda
125. Presidente Lula culpa o PT pela crise
128. Mídia prepara o terreno para derrubar Lula
130. Mesmo sob suspeita, Palocci é intocável
135. MST perde a paciência com Lula
145. Transposição em troca da reeleição
Em 2005, o Brasil de Fato dedica sete manchetes às referências diretas a Lula. Entre
elas, quatro são críticas, uma é reivindicativa e duas são elogiosas. A edição de número 121
exige que Lula escolha entre governar para o povo ou para as elites. As críticas tornam-se
mais duras quando o próprio jornal aponta a escolha de Lula para a pergunta colocada na
manchete de número 121, ao afirmar que Lula vem pedindo bênçãos à direita (edição 123) e
que a sua troca de ministros não representou qualquer forma de mudança (124). A manchete
da edição 125 coloca a existência de uma crise que o governo evita assumir, colocando a
culpa por ela em seu partido, e a 135 aponta que o MST perdeu a paciência com Lula, pois a
realização da reforma agrária não passa de uma promessa. Anterior ao endurecimento das
posições, a edição 104 traz um elogio à promessa de Lula de acabar com a impunidade dos
que cometem crimes contra trabalhadores e ativistas sociais (a manchete se refere ao
151
assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, no Pará). Em meio às manchetes
críticas, a da edição 128 entre no critério das elogiosas/ apoiadoras ao afirmar que a grande
imprensa de forma oportunista aproveita-se da fragilidade do governo para tentar derrubá- lo.
Com essa manchete, o Brasil de Fato demonstra que, apesar das críticas, ficará ao lado do
presidente se este tiver seu mandato ameaçado.
As edições cujas manchetes não fazem referência direta ao presidente analisadas aqui
são as de número 97, 120, 130 e 145. A primeira, crítica, afirma que, após dois anos, Lula não
empreendeu as mudanças prometidas quando foi eleito. A de número 120 transparece apoio a
Lula ao questionar a idoneidade das figuras que fazem denúncias de corrupção contra o
governo, todas com suas próprias histórias de falcatruas. Trata-se de mais uma demonstração
de que o jornal se coloca ao lado do presidente quando o considera ameaçado. A manchete de
número 130 insiste na crítica a Palocci, ao colocar que mesmo sob suspeita de desvios, o
ministro tem sua permanência no cargo garantida. Trata-se de crítica velada a Lula. E
finalmente, a manchete de número 145, também crítica, afirma que o presidente aprovará o
projeto de transposição do rio São Francisco, ao qual o jornal se coloca contrário, em troca do
apoio do ministro da integração nacional, Ciro Gomes. Segundo o Brasil de Fato, o projeto da
transposição interessa às elites cearenses, representadas por Ciro.
2006
149. Lula decepciona e pobreza continua
161. Lula mantém política do desemprego
184. Por que Lula ganha força?
187. Desvios de petistas fortalecem a direita
188. Movimentos declaram apoio a Lula
189. Esquerda quer maior compromisso de Lula com mudanças
191. Rumos para um governo popula r
192. Movimentos prometem mais pressão popular no segundo mandato de Lula
O ano de 2006 é marcado pelas eleições presidenciais, disputadas entre Lula,
candidato à reeleição e Geraldo Alckmin, então governador do estado de São Paulo. Diante da
ameaça de vitória de Alckmin, candidato do PSDB de histórico conservador, o Brasil de Fato
declara apoio a Lula com duas manchetes elogiosas: Por que Lula ganha força? (184) e
Movimentos declaram apoio a Lula (188). A manchete "Movimentos prometem mais pressão
popular no segundo mandato de Lula" é classificada como reivindicativa, já que denota que os
152
movimentos pretendem exigir transformações de Lula a partir de mobilizações. As edições
189 e 191 trazem propostas e sugestões da esquerda que está ao redor do jornal para o
próximo mandato de Lula e finalmente, as críticas, publicadas em janeiro e março de 2006,
portanto longe das eleições de outubro, são duras ao afirmar que a pobreza e o desemprego no
Brasil continuam pela falta de ações efetivas de Lula. A manchete 187, publicada mais perto
das eleições, em setembro, menciona o episódio da compra de um dossiê contra José Serra
(PSDB), então prefeito de São Paulo e candidato a governador, por petistas, colocando em
risco a eleição de Lula. A manchete é crítica, mas ao partido e não ao presidente.
2007
200. Bolsa família é solução para pobres?
202. Ministro do STF faz jogo do governo e dá sinal verde para a transposição
205. Sem mudar a economia, PAC não funciona
206. Governo mente sobre reforma agrária
214. Lula entra no jogo de Bush
229. Governo quer privatizar hospitais
231. Governo encontra "solução" à direita para crise aérea
245. Fórum do governo fracassa; impasse na reforma da Previdência continua
249. Governo Lula tenta abafar greve de fome de frei Luiz
Em 2007, com Luis Inácio Lula da Silva já reeleito presidente da República, o Brasil
de Fato dedica sete manchetes ao governo, todas elas críticas. O jornal acusa Lula de mentir
sobre a reforma agrária, maquilando dados sobre assentamentos e dedica duas matérias à
adesão de Lula ao projeto da transposição do rio São Francisco, uma delas fazendo referência
à greve de fome de Dom Luiz Cappio, membro da Comissão Pastoral da Terra, a CPT.
Também critica as ações do governo em relação à tentativa de privatização de hospitais e da
saída "à direita" para a crise dos transportes aéreos que se instala a partir do meio de 2007. O
jornal afirma ainda que Lula reforça as políticas imperialistas de Bush para a América Latina
ao defender o cultivo de cana-de-açúcar para produzir e exportar etanol para os EUA e diz
que governo fracassa ao manter a reforma da previdência em um impasse.
Outras duas manchetes referem-se a programas centrais para o governo Lula. A edição
200 questiona se o Bolsa Família é saída para pobres, fazendo uma crítica não explícita ao
programa, que não combate as raízes das desigualdades sociais. A manchete sobre o Programa
153
de Aceleração do Crescimento também é crítica, pois afirma que sem mudança na política
econômica, o programa é ineficaz.
2008 266. Governo Lula legaliza grilagem na Amazônia
272. Opção de Lula por agronegócio leva Marina a pedir demissão
275. Por mais etanol, Lula libera exploração dos cortadores
296. Defesa de torturadores divide o governo Lula
Em 2008, o Brasil de Fato segue com a crít ica ao governo Lula em suas manchetes,
publicando quatro referências diretas ao governo para criticá- lo. A edição 266 afirma que
Lula regularizou a prática da grilagem de terras32 na Amazônia, a 272 coloca sua opção pelo
agronegócio, reiterada pela edição 275, que relaciona diretamente as ações do presidente à
exploração dos trabalhadores no corte de cana. Notamos que se tratam de pautas rurais,
claramente ligadas às demandas do MST. Já a edição de número 296 coloca o jornal em
consonância com os movimentos de direitos humanos, que no final de 2008 se manifestaram
exigindo que o Estado brasileiro reconheça que alguns agentes que atuaram junto aos órgãos
de repressão da ditadura militar praticaram tortura contra opositores do regime. A manchete é
crítica, pois pressupõe que não deveria haver divergências sobre a necessidade de punição a
torturadores em um governo popular. A manchete remete também ao fato de que o governo
Lula ainda não promoveu a abertura dos arquivos da ditadura, outra reivindicação encampada
pelo jornal Brasil de Fato.
32 O termo grilagem significa a falsificação do título de posse de um imóvel rural, prática comum no
Brasil, principalmente para legitimar a ocupação irregular de áreas públicas por grandes fazendeiros. A referência aos grilos é feita, pois o documento falsificado é colocado junto com os animais para que tomem a aparência de papéis antigos.
154
Capítulo VI – RELAÇÃO ENTRE ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS
NO JORNAL BRASIL DE FATO
Este capítulo pretende fazer uma análise da trajetória do jornal Brasil de Fato,
relacionando os dados obtidos por intermédio da análise de documentos e entrevistas com os
aspectos teóricos levantados.
1. Leninista ou gramsciano
O segundo capítulo deste trabalho procurou, em primeiro lugar, estabelecer algumas
diferenças entre as teorias formuladas pela esquerda sobre o papel dos meios de comunicação
não só dentro das organizações políticas, como também na formação delas. Para isso, foram
utilizadas as teorias de Vladimir Lênin, expostas basicamente nos artigos Por onde começar?
e no livro Que fazer?, e de Antonio Gramsci, cuja referênc ia é a obra Os intelectuais e a
organização da cultura. Retomando com nossas palavras, os modelos propostos por Lênin e
Gramsci diferem quanto à concepção de meio de comunicação utilizado para elevar o nível de
consciência do povo. Lênin propõe um modelo de jornal de partido, cuja tarefa seria, além de
conscientizar, aglutinar pessoas, primeiro em torno da viabilização do jornal, e segundo com o
objetivo de organizá- las dentro do partido. Ou seja, para Lênin, o jornal é um organizador
coletivo, um meio, um instrumento que além de despertar a consciência, atrai pessoas para
compor as fileiras de uma organização política.
Já Gramsci enxergava os jornais como entidades autônomas, cujo papel principal era
formar, a partir de sua integração a outros meios da sociedade, uma consciência contra-
hegemônica. Para o autor, o jornal deveria cumprir uma função dialética de informar de
acordo com as necessidades do povo, ao mesmo tempo em que contribuiria para a criação de
necessidades, ampliando assim sua esfera de atuação e influência.
A partir dessas duas perspectivas, podemos observar alguns elementos do pensamento
de Gramsci e Lênin na formulação teórica do projeto editorial do Brasil de Fato. A primeira
que nos ocorre é a idéia dos comitês regionais. Não seriam uma forma de organizar pessoas
em torno do projeto do jornal como recomenda Lênin? Ricardo Gebrim, advogado e dirigente
do movimento Consulta Popular discorda, e argumenta que seu formato não poderia ter dado
certo exatamente pela não-vinculação a um organismo político mais abrangente, como
veremos no trecho de entrevista concedida para esta pesquisa:
155
Isso (os comitês) vigorou por pouco tempo, de forma muito efêmera. Eu acho que é uma visão um tanto idealizada. Porque é difícil você manter as pessoas em torno de um jornal, salvo se o jornal for um expediente organizativo de um projeto político organizativo mais consolidado. O Iskra era um organizador coletivo para difundir um conjunto de concepções para estruturar aqueles círculos sociais democratas que existiam como um partido. Cumpriu esse papel de organizador coletivo, mas ele era um veículo para uma organização coletiva. A idéia do Brasil de Fato era muito mais um jornal e menos organizador coletivo, mas que também cumprisse um papel, mas ser muito mais esse mecanismo de propaganda.
Já Miguel Stedile adota uma concepção mais próxima da descrita por Lênin, ao dizer,
em entrevista à autora que:
Eu acho que um problema que a esquerda tem de modo geral é que quando vai ler o Que Fazer? de Lênin ou lê errado, ou interpreta de uma forma muito mecânica, esquemática. Porque pega aquela idéia de que o jornal é o organizador coletivo e acha que o jornal vai criar pernas e vai falar por si próprio. E se a gente olha a idéia do Iskra que está no Que Fazer?,o jornal era a linha de transmissão, era digamos assim a matéria prima de estudo... Era o catalizador, o motivador para que você montasse núcleos que seriam a base do partido. Então não é que o jornal faria o papel do partido, mas ele seria um estimulante. [...] De modo geral, os comitês eram a vida orgânica, e daí de novo esse vínculo com o projeto popular. O jornal seria – vou usar um termo religioso – anunciador do projeto, seria o propagandista do Projeto Popular. Então, se você está comprometido de forma orgânica com o jornal, no seu processo de organização para materializar o Projeto Popular, o jornal tinha papel chave, de orientar, de fornecer subsídio e de debater. E acho que de certa forma esse papel ele cumpre hoje.
José Arbex acredita que o projeto editorial inicial do Brasil de Fato estava mais
alinhado com uma perspectiva gramsciana, de um jornal autônomo, cujo papel principal é a
elevação do nível de consciências das massas, auxiliando na disputa de hegemonia, mas não a
empreendendo sozinho ou como meio principal, como declara a seguir, em trecho
reproduzido de sua entrevista:
Não é um instrumento no sentido leninista . Um jornal deve servir para elevar o nível de consciência do povo, e como é que você eleva o nível de consciência do povo? Não é com discurso de esquerda. Eleva a consciência do povo ao mostrar um Brasil que ninguém conhece, e aí o povo é que escolha. Aí as pessoas vão poder escolher na banca se ela quer ler na Folha que o Meirelles resolveu manter a taxa de juros a não sei quanto, ou ela vai ler o jornal Brasil de Fato mostrando que existe intoxicação dos trabalhadores no Rio Grande do Sul, mostrando que existe um monte de coisa, alienação no futebol porque o futebol arte brasileiro está acabando, e aí ele vai ter como escolher. Isso é a democracia. Não eu ficar fazendo discurso contra o Meirelles, porque aí vira a minha verdade contra a verdade do Estadão. Não é essa a questão. O jornal não é a Folha de esquerda, nem a Veja de esquerda e nem o Estadão de esquerda. É o jornal dos brasileiros. É pauta relevante para a vida cotidiana dos brasileiros. Você não vai disputar hegemonia no Brasil por meio da imprensa. A imprensa vai servir para a disputa de hegemonia. Mas quem vai
156
disputar a hegemonia é o povo organizado. Se você não organizar o povo, você não vai disputar hegemonia com ninguém.
Em relação a essa questão, é interessante resgatar a opinião de Bernardo Kucinski
sobre a disputa de poder e projeto que esteve presente em alguns exemplos de jornais da
imprensa alternativa de resistência à ditadura militar. Em Jornalistas e revolucionários, o
autor coloca que eram comuns as tentativas de aparelhamento dos jornais por parte de
organizações e partidos de diferentes correntes de esquerda. Para o autor, o que estava em
jogo com essas disputas era a concepção do papel do jornal, vista de uma forma pelos
jornalistas que se envolviam nos projetos com o objetivo de construir publicações autônomas
e de maneira distinta pelos dirigentes dos partidos que se aproximavam dos mesmos para
instrumentalizá-los e voltá- los para suas lutas específicas. Para Bernardo Kucinski (2003, p.
19-20):
Havia entre as concepções vigentes uma forte inspiração gramsciana, entendendo os jornais como entidades autônomas, com o principal propósito de contribuir para a formação de uma consciência crítica nacional. [...] Todos os principais jornais procuravam montar um conselho editorial composto por personalidades de prestígio com a finalidade de legitimar a linha editorial, ampliar a base de sustentação dos jornais ante as investidas da repressão e identificá-lo com correntes expressivas de opinião.
Em contrapartida, a visão leninista muitas vezes suplantou a inspiração gramsciana e
direcionou os meios para outros caminhos. Segundo Kucinski (2003, p. 20):
O organismo deliberativo dos jornais era em geral estabelecido segundo o princípio da frente jornalística, reunindo jornalistas intelectuais e ativistas de vários partidos clandestinos em torno de uma plataforma comum. Mas na cultura política de cada partido ainda predominava a concepção leninista que entendia o jornal como instrumento de partido. E cada grupo procurava ganhar posições na frente jornalística, para fazer dele o seu instrumento de poder, mesmo ao atropelo dos mecanismos pré-estabelecidos. Era como se houvesse um consciente gramsciano, expresso nos programas e estatutos, compartilhado principalmente por jornalistas independentes e intelectuais, e um inconsciente leninista trazido pelo ativismo político, que acabava se impondo.
Apesar de guardar semelhanças com os processos descritos acima, não podemos dizer
que o Brasil de Fato tenha sido alvo de disputas entre diferentes correntes políticas, afinal,
desde o início das discussões, o grupo formado para pensar o jornal concordou que seu
projeto político fosse guiado pelas diretrizes expostas no documento "Um projeto popular
para o Brasil". A disputa de concepção dentro do Brasil de Fato ocorreu no momento de
definir qual seria seu público alvo, se o jornal deveria ser direcionado à militância política de
esquerda ou à sociedade de forma mais ampla, o que condicionaria a escolha de pautas e a
157
definição de sua abordagem. Essa disputa esteve evidenciada nas divergências encontradas
durante o processo de escolha do nome do jornal, como colocado no capítulo IV. Podemos
dizer assim que, o projeto editorial do jornal Brasil de Fato nasceu, em parte, gramsciano,
mas o jornal enquanto produto foi se aproximando da perspectiva leninista após seu
lançamento, ao ver-se obrigado a direcionar-se para um público mais restrito, de militantes de
movimentos sociais, na medida em que foi encontrando dificuldades para sobreviver e
ampliar sua tiragem, seu número de assinantes e sua cobertura. Por outro lado não podemos
ignorar que algumas concepções relacionadas ao jornal de moldes leninistas estavam
presentes no projeto do jornal Brasil de Fato desde a sua concepção, principalmente no que
tange ao pertencimento a um projeto político definido, no caso, o programa "Um projeto
popular para o Brasil", e também na ideia de organização dos comitês.
Em nossa opinião, é difícil supor que um jornal que nasce a partir de uma proposta
feita por um movimento social com linha política definida, como o MST, ou seja, por uma
força que faz a disputa de projeto de poder na sociedade e para isso, precisa organizar
pessoas, consiga fugir muito à perspectiva leninista. O Brasil de Fato deixa claro em seu
projeto político (Projeto editorial do jornal Brasil de Fato, 2002) que não somente é guiado
pelo documento "Um Projeto Popular para o Brasil", formulado no âmbito do MST e
Consulta Popular, mas que destinará suas páginas para o debate deste projeto com a
sociedade. Nesta linha, os comitês que se formassem pelo Brasil para a discussão do jornal,
não só contariam com um representante do MST para guiar politicamente os debates, como
vimos na reprodução de documentos no capítulo V, mas o deveriam fazer em torno das bases
do Projeto Popular. Dessa forma, não seria o jornal Brasil de Fato um instrumento de
organização de pessoas em torno do "Projeto Popular", a partir dos comitês?
Acreditamos que existiu uma perspectiva de ampliar os círculos de debate e
aglutinação em torno do "Projeto Popular" através dos comitês do Brasil de Fato, pensando
não somente em dar pluralidade e regionalismo às pautas do jornal, aproximando-o assim
mais de uma perspectiva leninista, em que o jornal funciona como organizador coletivo.
O Brasil de Fato foi alvo de disputas internas entre indivíduos que defendiam
concepções diferentes para o jornal. No momento da formulação de seu projeto editorial havia
dois papéis distintos que ele poderia cumprir, o de um jornal voltado para a sociedade ou para
a organização movimentos sociais. Por outro lado, nunca houve dentro dos espaços do Brasil
de Fato um grupo que divergisse sobre a linha política que ele deveria seguir. Todos
concordavam com os pontos descritos no Projeto Popular, mas nem todos concordavam com a
forma que o jornal deveria adotar para propagandear esses pontos.
158
Consideramos que, apesar da concepção majoritária de um jornal amplo ter vencido a
disputa, e dos documentos produzidos para referenciar o jornal falarem constantemente em
pluralidade, o Brasil de Fato foi construído sob bases leninistas, tanto em relação à função
organizativa dos comitês para o debate do "Projeto Popular", como no sentido de que o
enfoque das pautas estaria sempre de acordo com a visão de mundo e linha política do MST,
inclusive em detrimento, em alguns momentos, de escolhas mais convenientes do ponto de
vista jornalístico, como coloca Arbex em sua ent revista. A necessidade do Brasil de Fato em
demarcar a posição política do MST e propagandear o "Projeto Popular" acaba muitas vezes
levando à adoção de um discurso ideológico e doutrinário, que não só não agrega quem não
está "iniciado" na militância, como afasta a perspectiva de formação de uma frente ampla de
movimentos que sustente seu projeto, por carregar a linha de apenas um grupo político.
Por outro lado, não podemos supor que um grupo político engajado em construir um
jornal de frente ampla e que se veja diante da perspectiva não imaginada de tocá- lo sozinho e
opte por fazer isso, não vá utilizá- lo como instrumento de propaganda e reforço de suas ideias.
A fragmentação da esquerda a partir de avaliações diferentes sobre o governo Lula,
comprovada pelo número de rachas em partidos e centrais sindicais, contribuiu para a
dispersão em torno do projeto do Brasil de Fato. Afinal, a não realização da perspectiva chave
para o desenvolvimento do projeto, ou seja, a ascensão dos movimentos tornou-os indecisos
sobre seus rumos diante de um governo Lula ambíguo e contraditório e com capacidade
reduzida tanto para mobilizar suas bases quanto para despertar o interesse de um público mais
amplo para suas demandas e realizações. Por outro lado, mesmo em uma conjuntura diferente,
menos adversa, os movimentos sociais que não fazem parte do entendimento acerca do
documento "Projeto Popular para o Brasil" formulado pelo MST poderiam da mesma forma
não se somar ao projeto amplo do Brasil de Fato.
Ao mesmo tempo, a trajetória do Brasil de Fato demonstra como é complicado
construir um meio de comunicação que deslancharia somente a partir da realização de
condições específicas, como a ascensão dos movimentos de massa.
Diante deste quadro, acreditamos que o Brasil de Fato carrega elementos de um jornal
leninista desde a formulação de sua proposta, mas argumentamos que a não realização de dois
fatores fundamentais para o desenvolvimento de seu projeto, a ascensão do movimento de
massas e o suporte de um leque amplo de entidades e movimentos sociais, fez com que esses
elementos se intensificassem, transformando o Brasil de Fato em um modelo próximo ao
descrito como jornal de partido por Lênin.
159
2. Popular e alternativo
Neste item, procuraremos aproximar o jornal Brasil de Fato de algumas teorias
descritas durante o capítulo II que visam caracterizar as experiências de comunicação
alternativa e popular no esforço de formular alguns conceitos.
Como vimos anteriormente, a expressão imprensa alternativa ficou fortemente
marcada pelas experiências de jornais de frente ampla, criados por jornalistas e indivíduos que
se opunham à ditadura militar brasileira, e que floresceram principalmente durante o final da
década de 1960 até o meio da década de 1970. Esses jornais carregavam algumas semelhanças
entre si, tanto no sentido de aglutinação de grupos políticos progressistas, fragmentados pela
repressão imposta ao regime, como em seu caráter de alternativa à grande imprensa
comercial, que apesar de ter sofrido censura do governo autoritário em algumas ocasiões, não
cumpria o papel de oposição sistemática aos militares e seus projetos para a sociedade. As
dificuldades por eles enfrentadas também guardavam semelhanças, todos sofriam censura,
muitos eram boicotados por distribuidoras, tinham problemas em chegarem às bancas e
conseqüentemente, salvo algumas exceções, não atingiam a auto-sustentação, pois os
anúncios eram escassos, assim como as contribuições financeiras que recebiam.
Mas, consideramos que o termo alternativo é muito amplo para se restringir somente
aos jornais representantes da imprensa alternativa de resistência à ditadura. Segundo Cicília
Peruzzo (2008, p.2), no artigo Aproximações entre a comunicação popular e comunitária e a
imprensa alternativa no Brasil da era do ciberespaço:
No conjunto, a comunicação alternativa representa uma contra-comunicação, ou uma outra comunicação, elaborada no âmbito dos movimentos populares e “comunidades”, e que visa exercitar a liberdade de expressão, oferecer conteúdos diferenciados, servir de instrumento de conscientização e, assim democratizar a informação e o acesso da população aos meios de comunicação, de modo a contribuir para a transformação social.
A comunicação alternativa pode se manifestar de várias maneiras, e não apenas
jornais, tendo ou não suas produções ligadas aos movimentos sociais, se manifestando
também a partir de meios comunitários, imprensa alternativa propriamente dita – tal como
ficaram conhecidos os jornais do tipo de Opinião e Pasquim - e publicações sindicais.
Segundo Peruzzo, a comunicação alternativa é livre por não estar vinculada a interesses
governamentais e empresariais de cunho comercial ou político-conservador. Para a autora
(2008, p. 3):
160
Historicamente a posição político-ideológica desse tipo de comunicação no Brasil é de caráter contestador ao status quo e serve como canal de expressão de setores subalternos organizados da população com vistas a obter respostas para suas demandas ligadas às carências sociais e econômicas advindas das desigualdades sociais (condições de moradia, de saúde), bem como às lutas para democratizar a política e a sociedade, além daquelas do mundo do trabalho visando melhorar a distribuição de renda e as condições trabalhistas.
Apesar de ter nascido em um contexto totalmente diverso, o Brasil de Fato guarda
muitas semelhanças com os projetos de jornais alternativos dos anos 1960 e 1970. Apesar de
nunca ter sido um jornal de jornalistas, o Brasil de Fato foi criado com a perspectiva de
aglutinar a esquerda dispersa, por razões dis tintas, em torno de seu projeto editorial. Ou seja,
também pretendeu ser um jornal de unidade. Ao mesmo tempo, sempre se colocou com uma
perspectiva de alternativa à grande mídia comercial, trazendo ao público uma visão diferente
sobre temas pouco caros aos jornais dos grandes grupos de comunicação, como as
mobilizações sociais, por exemplo. As dificuldades enfrentadas pelo Brasil de Fato em
termos financeiros e de distribuição são praticamente as mesmas. Se ele não enfrentou a fúria
de grupos de ultra-direita promovendo atentados às bancas de jornal que o vendiam, teve de
driblar o monopólio e a censura econômica das grandes distribuidoras, que exigiram
pagamento à vista para espalhar suas edições.
Para Bernardo Kucinski, em seu livro Jornalistas e revolucionários, as dificuldades na
auto-sustentação eram um dos problemas mais evidentes dos jornais alternativos durante as
décadas de 1960, 1970 e 1980. Segundo ele, (2003, p. 18), poucas produções conseguiram
atingir tiragens grandes o suficiente para cobrir as despesas da distribuição em bancas,
atividade monopolizada desde então por grandes distribuidoras.
O jornalismo alternativo praticado pelo Brasil de Fato pode ser visto como uma
recriação dos canais de expressão abertos pelos jornais de resistência à ditadura militar. Sua
experiência se insere no conceito da comunicação popular, alternativa e comunitária, que
segundo Peruzzo, se caracteriza por (2008, p. 3):
Iniciativas populares (para além de jornais) e orgânicas aos movimentos sociais, segmentos populacionais organizados e/ou a organizações civis sem fins lucrativos. [...] Estamos falando, pois, de uma comunicação que se vincula aos movimentos populares e outras formas de organização de segmentos populacionais mobilizados e articulados e que têm por finalidade contribuir para a mudança social e a ampliação dos direitos de cidadania. Assim sendo, um fator importante desse processo diz respeito à contextualização, ou seja, são experiências inseridas nas dinâmicas mais amplas de mobilização social com vistas à consecução de direitos de cidadania, tanto sociais como econômicos e políticos.
161
Podemos associar o Brasil de Fato também à algumas perspectivas descritas para a
comunicação popular, que, como já vimos, é associada aos interesses das classes subalternas.
Para Carlos Eduardo Lins da Silva (1981, p. 63) há dois fatores determinantes para a
conceituação da comunicação popular: a divisão da sociedade em classes sociais e a utilização
de um meio periódico que defenda os interesses das classes trabalhadoras.
Mas, o conceito de comunicação popular compreende processos variados, com
diferentes características. Envolvem desde pequenos meios a grandes iniciativas, que não
obedecem a uma metodologia uniforme. Carlos Eduardo Lins da Silva elenca três formas
distintas produção relacionadas à comunicação popular. A primeira diz respeito às
publicações que defendem os interesses das classes trabalhadoras, mas não são produzidas por
elas e nem a elas se destinam. A segunda forma é a produção de publicações que defendem as
classes trabalhadoras, e, apesar de não ser produzida por elas, é a elas destinada. E a terceira
compreende publicações feitas e consumidas pelas classes trabalhadoras, sendo obviamente
porta-vozes de seus interesses. Apesar das diferenças, o fator que as une é a linha editorial
voltada para as necessidades e os interesses das classes subalternas. O povo é protagonista da
comunicação popular, mas tanto as produções que se dão no âmbito das classes subalternas,
como as que se dirigem a elas e são feitas por outros segmentos sociais (PERUZZO, 1998, p.
127).
O Brasil de Fato se encaixa dentro da primeira perspectiva, pois, apesar de contar com
integrantes de movimentos populares entre seus formuladores, o processo de produção do
jornal do dia-a-dia é conduzido por jornalistas profissionais, identificados com os anseios e
reivindicações das classes populares. Se público alvo pretendia-se mais amplo, ao atingir não
somente militantes organizados, mas integrantes das camadas populares dispersas e também o
público da chamada "classe média", professores, universitários, funcionários públicos e
autônomos.
O jornal também carrega semelhanças em relação às limitações dos meios de
comunicação populares, que muitas vezes coincidem com as enfrentadas pelos veículos da
chamada imprensa alternativa, tanto no quesito abrangência como no conteúdo. Esses meios
costumam atingir parcelas muito restritas da população, por conta de aspectos já explicitados
como tiragem reduzida, distribuição e escassez de recursos. Em relação ao conteúdo, uma
crítica constante é o fato de suas produções serem, em alguns casos, doutrinárias, abusando de
uma linguagem repleta de chavões, insistindo na abordagem dos mesmos assuntos e pouco ou
nenhum espaço para o entretenimento.
162
O grupo que formulou o Brasil de Fato esteve atento a essas questões, mas pareceu
abandoná- las aos poucos, à medida que o jornal passou a se direcionar aos militantes
organizados. Um exemplo é a página sobre futebol, prevista no projeto editorial, mas que não
foi levada adiante por diversos fatores. Outro exemplo é a cobertura de cultura, que se
restringe à procura por manifestações populares folclóricas, normalmente distantes do
contexto da maioria da população.
Por fim, podemos dizer que o Brasil de Fato se difere das demais manifestações de
comunicação popular por procurar a disputa com os meios comerciais. Como vimos este
aspecto não faz parte necessariamente da descrição dos meios populares, que, na maior parte
das vezes estão restritos às realidades locais. Nesse ponto, o jornal se aproxima da perspectiva
de disputa colocada pelos veículos da imprensa alternativa.
163
CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objeto de análise o jornal popular-alternativo Brasil de
Fato, semanário idealizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e
desenvolvido por um coletivo heterogêneo que se reuniu em torno de seu projeto. O jornal
nasceu da necessidade por um canal de comunicação com a sociedade a partir de uma
ofensiva lançada pela mídia comercial cont ra o movimento, em um momento em que as
forças repressivas do governo intensificavam suas ações contra os sem-terra.
Lançado em janeiro de 2003, o Brasil de Fato tinha a perspectiva de se tornar um
jornal diário, de massas, que se contrapusesse à grande imprensa comercial e pautasse as
questões sociais a partir de uma ótica de esquerda. Pretendia dar voz aos movimentos sociais,
levar suas reivindicações à sociedade e debater com a população os termos de um programa
de transformações chamado de "Um Projeto Popular para o Brasil", formulado pelo MST e
pelo Movimento Consulta Popular.
Algumas avaliações feitas pelo grupo à época do lançamento do jornal davam conta de
que a eleição de Luis Inácio Lula da Silva para a presidência da República, depois de três
tentativas frustradas, daria novo ânimo às lutas de massa e o Brasil viveria um novo ciclo de
ascensão dos movimentos sociais, semelhante ao ocorrido no final dos anos 1970.
Dessa forma, não só o lançamento do jornal foi precipitado sem que o coletivo tivesse
amealhado a quantia necessária para sustentar o jornal até sua consolidação, como havia uma
perspectiva de que a ascensão dos movimentos traria uma demanda por um meio de
comunicação alternativo à grande imprensa, que trouxesse informações de dentro do processo
de luta de classes. O projeto do jornal Brasil de Fato foi pensado a partir dessa perspectiva,
que se revelou equivocada já início de 2003.
A eleição de Lula não representou uma perspectiva de ascensão, pelo contrário.
Diante da variedade de leituras diferentes sobre a natureza do governo, as já não muito coesas
forças da esquerda tradicional se dispersaram, ocasionando rachas em partidos políticos e no
movimento sindical. O resultado da perplexidade diante das ambigüidades e contradições do
governo Lula se traduziu em imobilismo para os movimentos, que passaram a articular suas
bases com mais dificuldade.
Paralelamente, o jornal Brasil de Fato, cujo projeto dependia de uma conjuntura
favorável às idéias da esquerda para florescer, enfrenta dificuldades para consolidar seus
objetivos. Por falta de dinheiro, as tiragens não atingem o número esperado (150 mil) e a
164
distribuição falha compromete a chegada do jornal às bancas. O número de assinantes não
cresce e o jornal é obrigado a cortar custos de operação antes mesmo que pudesse se organizar
para funcionar com profissionalismo.
O audacioso projeto do Brasil de Fato previa uma cobertura nacional e desejava
mostrar à sociedade a realidade do país, não veiculada pelos meios da grande mídia
comercial. Para isso, foi formulada a idéia dos comitês de redação regionais, que teriam
múltiplas funções. A primeira seria reunir colaboradores, jornalistas profissionais ou não,
dispostos a buscar pautas, informações, redigir textos, ou seja, fazer o jornal. A segunda seria
capilarizar a distribuição do Brasil de Fato nos locais em que o esquema de distribuição não
chegaria. E a terceira era política, os comitês deveriam se reunir em torno do projeto do jornal
para debatê-lo e a partir daí promover análises de conjuntura e discussões orgânicas sobre o
"Projeto Popular". Os comitês seriam geridos por militantes do MST nos estados e regiões
onde se instalassem.
A idéia dos comitês não se concretizou como o previsto, alguns existiram por um
tempo, mas nenhum deles desempenhou sua função como era esperado. Diante disso, a rede
de colaboradores que abasteceria o jornal de pautas, representando um diferencial em relação
aos meios convencionais, não deslanchou. O fracasso dos comitês foi atribuído à falta de
dinheiro para mantê-los, a falta de quadros políticos para tocá- los e principalmente à
conjuntura adversa que se instalara, tornando a mobilização de pessoas para a participação em
projetos coletivos ainda mais difícil.
A situação financeira enfrentada pelo jornal durante seu primeiro ano de vida era
crítica. Suas contas eram pagas majoritariamente pelos movimentos e entidades que estavam
em torno do projeto, onerando principalmente o MST, responsável pela formulação de sua
primeira proposta.
Diante de todas essas adversidades, o Brasil de Fato é obrigado a mudar de
perspectiva. Fica claro que o jornal não consegue atingir camadas amplas da sociedade e nem
produzir as reportagens de envergadura nacional que pretendia. Essa mudança significa o
abandono das perspectivas de se tornar um jornal diário, concorrente direto dos grandes
jornais comerciais, e o direcionamento de seu projeto para algo mais próximo dos
movimentos sociais, um jornal que fale para a militância e a subsidie com elementos para
formação.
Nesta segunda perspectiva, o Brasil de Fato também encontra dificuldades de se
desenvolver. Um jornal voltado para os movimentos sociais deve ser feito por eles, a partir de
suas demandas, e logicamente, sustentado pelos mesmos. Mas, a fragmentação das forças
165
populares diante das avaliações sobre o governo Lula prejudica a intenção do Brasil de Fato
de reunir a esquerda em torno da defesa e viabilização de seu projeto.
O jornal adota o posicionamento do MST em relação ao governo Lula, ou seja, faz
críticas pontuais, mas não sinaliza com um rompimento, como pudemos verificar na análise
de conteúdo. Dessa forma, afasta as forças que radicalizam suas críticas ao governo e
desagrada os que optaram pelo apoio incondicional a Lula. Resta ao MST conclamar os
demais movimentos agrários que compõem a Via Campesina e a Consulta Popular para
resistir e manter o jornal funcionando. Em 2006 ele vê o seu número de páginas cair pela
metade e a tiragem se reduzir ao mínimo.
Analisando os documentos e as entrevistas recolhidas para a composição do quadro de
formação e desenvolvimento do jornal Brasil de Fato, percebemos que uma avaliação
sobressai na tentativa de explicação para a transformação do projeto editorial e da
incapacidade do jornal de cumprir os objetivos colocados na época de sua formulação.
A perplexidade e divisão que tomam conta da esquerda após a eleição de Lula e a
dificuldade de mobilização dos movimentos que decorre desse estado de espírito são as causas
apontadas para a dificuldade de sustentação financeira do projeto do Brasil de Fato, que
inviabiliza a busca por colaboradores em todo o país e ao mesmo tempo inibe a formação dos
comitês de apoio ao jornal, que não se desenvolve plenamente e não atrai público, ao mesmo
tempo em que isso acontece porque seu sistema de distribuição é falho.
Diante desse quadro, o jornal é obrigado a rever suas perspectivas e voltar-se para
dentro, passando a funcionar cada vez mais para suprir as necessidades dos movimentos que o
sustentam, sem conseguir articular novos apoios por conta de seus posicionamentos políticos
e adotando cada vez mais em seu conteúdo, pautas e linguagem restritas aos interesses e
realidades dos movimentos sociais que o sustentam.
Este trabalho procurou analisar os aspectos acima citados, que, logicamente
contribuíram para a mudança de rumos do projeto do jornal. Mas ao mesmo tempo, procurou
investigar a hipótese colocada inicialmente para explicar a transformação editorial
empreendida no Brasil de Fato. .
Esta hipótese pretendia responder as duas perguntas norteadoras do projeto: "Por que é
tão difícil construir um meio de comunicação de massas que siga uma linha contra-
hegemônica e faça o contraponto à grande imprensa no Brasil?" e "Por que o Brasil de Fato,
apesar de ter sido aparentemente pensado para esse fim, não conseguiu atingir este objetivo?",
e apontava que o Brasil de Fato não teria conseguido preencher a demanda por um veículo
com as características colocadas em seu projeto editorial por estar vinculado desde sua
166
formulação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que, por mais que
propusesse a construção de um meio plural e de interesse das massas, aberto à participação de
colaboradores de todas as origens, teria imprimido ao jornal sua visão dos meios de
comunicação como transmissores de posicionamentos ideológicos e políticos, fazendo com
que desde o início sua finalidade fosse a propaganda do "Projeto Popular para o Brasil",
restringindo assim sua possibilidade de crescimento entre as camadas da sociedade não
identificadas com esse documento.
Chegamos à conclusão de que ambos os caminhos apontam para respostas às nossas
questões, sendo que a colocada por nossa hipótese representa uma questão de fundo, enquanto
às outras dizem respeito a aspectos conjunturais. Não é possível dizer se o projeto do jornal
teria sofrido as mesmas modificações na prática, caso a conjuntura política na época de seu
lançamento fosse diferente. Provavelmente os próprios acontecimentos levariam a publicação
para outros caminhos.
O que podemos afirmar por outro lado, é que existem aspectos na forma como o
projeto do jornal foi concebido que deram a ele características dos jornais de partido
concebidos nos moldes leninistas, como, por exemplo, sua vinculação a um programa político
formulado pelo movimento social que o criou e o sustenta.
A formulação do projeto editorial do Brasil de Fato pode ser enxergada como um
processo dialético, em que duas concepções diferentes de jornal lutam para sobressair e se
relacionam com as condições objetivas colocadas pela conjuntura. De um lado, a concepção
gramsciana que dizia que o jornal deveria disputar hegemonia na sociedade pelo fato de
existir e cobrir temas que pelos quais os jornais comerciais não se interessam. Essa concepção
previa que a disputa seria feita ao promover uma elevação do nível de consciência do povo ao
mostrar a realidade brasileira que não está presente na mídia comercial. Do outro, a
concepção leninista, que vinculada o jornal a um programa político determinado e pretendia
organizar comitês de redação que aglutinariam e organizariam pessoas em torno da proposta.
A linha gramsciana ganhou a disputa pelo nome do jornal, rebatendo propostas ligadas à
tradição socialista e militante, que poderiam restringir o público. Mas, os aspectos leninistas
presentes desde o início, ganharam força na medida em que o jornal encontra dificuldades de
sustentação e se volta para os movimentos como forma de sobrevivência.
Diante deste quadro, acreditamos que o Brasil de Fato carrega elementos de um jornal
leninista desde a formulação de sua proposta, mas argumentamos que a não realização de dois
fatores fundamentais para o desenvolvimento de seu projeto, a ascensão do movimento de
massas e o suporte de um leque amplo de entidades e movimentos sociais, fez com que esses
167
elementos se intensificassem, transformando o Brasil de Fato em um modelo próximo ao
descrito como jornal de partido por Lênin.
Concluímos que é muito difícil pretender que um meio de comunicação gestado no
âmbito de um movimento social que faz a disputa de poder na sociedade, consiga ser
independente ao ponto de não se vincular aos posicionamentos políticos defendidos por este
movimento. Ao se vincular, o jornal perde a condição de agregar visões diferentes no apoio e
sustentação a seu projeto, comprometendo a busca pela pluralidade. Ao mesmo tempo,
quando espelha somente a visão e os posicionamentos de um grupo, tende a abusar do
discurso ideológico e afastar os não- iniciados, passando a fazer sentido apenas para quem
participa do grupo. Ou seja, abandona a perspectiva de atingir um público amplo e se
transforma em instrumento de um ou mais grupos políticos.
Finalizando, colocamos algumas sugestões e análises de perspectivas para o jornal
Brasil de Fato nos próximos anos. Como vimos, após um período de dificuldades econômicas
e diminuição do número de páginas, atualmente o jornal está consolidado, sustenta-se com a
venda de assinaturas, de espaços publicitários e a partir de doações de movimentos sociais.
Além do jornal impresso, o Brasil de Fato existe como agência de notícias na internet,
boletim semanal, na publicação de edições especiais temáticas massivas que acompanham as
mobilizações dos movimentos sociais e no fornecimento de spots de rádio para emissoras
comunitárias.
Trata-se de uma pequena rede de comunicação que poderia ser potencializada. Por
outro lado, e isto se trata de uma percepção pessoal, se não há mais disputa de projeto e o
Brasil de Fato se consolidou como um jornal de movimentos, que fala para uma parcela da
sociedade organizada nos mesmos, por outro parece haver menos vida em torno de seu
projeto. A última reunião do conselho político do jornal, da qual participei, discutiu temas
como a crise mundial, mas quase não falou sobre o jornal, ou pelo menos de como o jornal
poderia cobrir um assunto tão urgente como este.
Acreditamos que, por mais que o Brasil de Fato tenha abandonado a perspectiva de se
tornar um jornal massivo enquanto não houver uma transformação conjuntural favorável às
idéias da esquerda, isso não significa que ele não possa ampliar suas bases leitoras de forma
lenta, indo um pouco além do público formado pelos movimentos.
Nossa primeira sugestão diz respeito à diversificação das pautas do jornal, a partir de
um levantamento de dados e fontes para a construção de um verdadeiro banco de pautas de
temáticas sociais, que buscasse algo além do dia-a-dia das mobilizações dos movimentos
sociais.
168
A segunda sugestão diz respeito aos colaboradores. Concordamos que os comitês, para
se constituírem no formato em que foram pensados, demandam uma conjuntura mais
favorável à reunião de pessoas e discussões de projeto. Demandam mesmo uma nova onda de
ascensão dos movimentos de massa, que não é a realidade do período atual. Isso não significa
que não haja pessoas dispostas a colaborar com o Brasil de Fato fora do eixo Rio de Janeiro –
São Paulo – Brasília. Estudantes de comunicação podem contribuir para o jornal levantando
pautas e assuntos interessantes para apuração. E muitos jornalistas, saturados do trabalho
burocrático em assessorias de imprensa, também poderiam de interessar. Para isso, o jornal
teria de destinar ao menos uma ajuda de custo para manter os profissionais ao redor do
projeto.
A terceira sugestão tem a ver com o binômio linguagem/ diversidade de pautas e
cobertura. Em primeiro lugar, é preciso evitar a linguagem militante, o doutrinarismo e
panfletarismo que caracterizam os meios de esquerda e afastam leitores não- iniciados. O
jornal tem de abrir espaço para manifestação culturais e lúdicas, pois se não o fizer incorrerá
no erro que há décadas é identificado neste tipo de publicação. O Brasil de Fato pode ser
menos sério e sisudo, como aponta Miguel Stedile em sua entrevista, e pode abordar temas
mais leves, como a cultura – tomando cuidado para não cair em estereótipos, e esportes.
Nesta mesma linha, existe a questão do contraditório. Segundo Nilton Viana em
entrevista à autora, o jornal costuma buscar a pluralidade de opiniões ouvindo várias correntes
da esquerda sobre determinados temas, mas não abre espaços para as opiniões da direita "que
já tem os meios convencionais para se expressar". Mesmo assim, em alguns casos,
principalmente em matérias sobre denúncia, é importante ouvir o outro lado. Além de dar
legitimidade ao jornal, expõe as idéias hegemônicas para que o jornal possa combatê- las com
fatos, sem apelar para o discurso ideológico ou ter medo de destacá- las.
Por fim, há a sugestão de ampliação da área de influência do jornal a partir da busca
por movimentos e entidades ainda não contatados. Por exemplo, quantas associações de bairro
permanecem atuando de forma militante junto à comunidade? Talvez não tantas quanto no
final dos anos 1970, mas com certeza algumas ainda restam. A mesma coisa em relação às
CEBs, alguns grupos permanecem reunidos nos mesmos moldes e poderiam se interessar pelo
Brasil de Fato. Fazer um mapeamento dessas instituições e apresentar a elas a proposta do
jornal pode conseguir não só algumas assinaturas como dar capilaridade ao Brasil de Fato,
ampliando sua penetração em comunidades em que ele não chega.
169
Referências ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues. Lutas sociais e questões nacionais na América Latina: algumas reflexões. Lutas Sociais : revista do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais. São Paulo: PUC-SP, n. 17/18, p. 64-77, 2006. BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. 2.ed. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2003. 224 p. BOBBIO, Norberto; METTEUCI, Nicole; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de Carmem C. Varriale, Gaetano de Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto e Renzo Dini. 5.ed. São Paulo: Imprensa oficial, 2004. BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo : as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p. 63-118 BRANDFORD, Sue; ROCHA, Jan. Rompendo a cerca: a história do MST. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2004. 400 p. BRASIL DE FATO. Desafios políticos do jornal, 2002. BRASIL DE FATO. Jornal político nacional, 2002. BRASIL DE FATO. Projeto editorial do jornal de esquerda, 2002. BRASIL DE FATO. Projeto Editorial, 2002. BRASIL DE FATO. Um ano construindo a imprensa alternativa. 2003. BRASIL DE FATO. Propostas para o jornal Brasil de Fato enfrentar a nova conjuntura. 2004. BRASIL DE FATO. Balanço político e encaminhamentos gerais sobre o jornal Brasil de Fato. 2004. CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. 3.ed. São Paulo: Summus, 1986. 126 p. CHINEN, Rivaldo. Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. São Paulo: Ática, 1995. 96 p. FESTA, Regina; LINS DA SILVA, Carlos Eduardo (orgs.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1986. 272 p. GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e MST: impactos sobre o futuro das cidades e do campo. Petrópolis: Vozes, 2000. 184 p.
170
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171
PERUZZO, Cicília M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1998. 344 p. PINASSI, Maria Orlanda. O MST e a completude destrutiva do capital. Margem esquerda : ensaios marxistas. São Paulo: Boitempo Editorial, n.6, 2005. p. 105-120 PINHEIRO, Jair. As classes trabalhadoras em movimento: alguns aspectos teóricos. Lutas Sociais : revista do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais. São Paulo: PUC-SP, n. 17/18, p. 130-142, 2006. SINGER, Paulo; CALDEIRA BRANT, Vinicius (orgs.). São Paulo:o povo em movimento. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1983. 232 p. STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1999. 168 p. STEDILE, João Pedro. Uma outra matriz produtiva. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, p. 9, jan. 2009. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES EM COMUNICAÇÃO. Cadernos Intercom: jornalismo popular. n.1. São Paulo, 1982.
ANEXO 1 Temas das manchetes do Brasil de Fato - edições semanais.
2003
1. Água
2. George W. Bush/ guerra do Iraque
3. George W. Bush / guerra do Iraque
4. Transgênicos
5. Autonomia do Banco Central33
6. Autonomia do Banco Central
7. Lula
8. Lula
9. Lula
10. George W. Bush
11. Transgênicos
12. Lula
13. Lula
14. Guerra do Iraque/ protestos
15. Lula
16. Transnacionais
17. Lula
18. Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
21. Movimentos Sociais/ mobilizações
22. Movimentos Sociais/ mobilizações
23. Dívida externa
24. Lula
25. Educação/Reforma Universitária/ protestos
26. Lula
27. Dívida externa/ moratória
28. Organização Mundial do Comércio (OMC)
29. Organização Mundial do Comércio (OMC) – último número editado por José Arbex
30. Transgênicos – primeiro número editado por Nilton Viana 33 A esquerda, historicamente, se posiciona contra a autonomia do Banco Central.
31. Governo de São Paulo/ PSDB/ Febem
32. Desemprego
33. ALCA
34. Bolívia
35. Transgênicos
36. Fundo Monetário Internacional (FMI)
37. Fórum Social Brasileiro34
38. MST
39. Palocci35
40. Venezuela
41. Violência policial em São Paulo
42. FMI
43. Lula
2004
44. Movimentos sociais/ mobilizações
45. Lula
46. ALCA
47. Fórum Social Mundial 2004, Índia
48. ALCA
49. Banco da Terra
50. Privatização de pedágios
51. Trabalho escravo (em condições análogas à escravidão/ degradante)
52. Lula
53. George W. Bush
54. Energia elétrica
55. Movimento sindical
56. Guerra do Iraque
34 O Fórum Social Brasileiro, organizado em Belo Horizonte de 6 a 9 de novembro de 2003, foi uma
espécie de edição nacional do Fórum Social Mundial, planejado para encaminhar as lutas durante o ano de 2004, em que o Fórum Social Mundial aconteceria na Índia.
35 Antonio Palocci Filho, médico e político de Ribeirão Preto (SP) foi o primeiro ministro da Fazenda nomeado pelo governo Lula, permanecendo no cargo do início do primeiro mandato, em 2003 até o dia 27/03/2006. Era identificado pelos movimentos sociais como o principal responsável pela política econômica conservadora adotada pelo governo.
57. MST/ luta pela reforma agrária
58. Relações entre Estados Unidos – Brasil
59. Dívida externa
60. Venezuela
61. Mundo do trabalho
62. Movimento de desempregados
63. George W. Bush/ América Latina
64. Cuba
65. Palestina
66. Reforma agrária
67. Venezuela
68. Livre comércio
69. Exportação de cana de açúcar
70. Reforma agrária
71. Movimento Passe Livre
72. Transgênicos
73. Venezuela
74. Fórum das Américas
75. Especulação financeira no Brasil
76. Privatização do petróleo brasileiro
77. Venezuela
78. Ataques a moradores de rua em São Paulo
79. George W. Bush
80. Grito dos Excluídos 200536
81. Reforma Universitária/ protestos
82. Movimento sindical
83. Soberania nacional
84. Partido dos Trabalhadores/ eleições
85. Grito dos Excluídos
86. Transgênicos
36 O Grito dos Excluídos é uma entidade latino-americana de combate às desigualdades sociais,
composta por setores progressistas da Igreja Católica e movimentos sociais . No Brasil, organiza manifestações em várias cidades no dia 7 de setembro. A temática das mobilizações muda a cada ano, mas o mote permanente é a luta contra as desigualdades sociais e a exclusão.
87. Transposição do Rio São Francisco
88. Uruguai
89. Massacre de Eldorado dos Carajás
90. Mobilizações/ movimentos sociais
91. Massacre Felisburgo
92. Monitoramento dos movimentos sociais pela polícia/ São Paulo
93. Reforma agrária
94. Salário mínimo
95. Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA)37
2005
96. Solidariedade/ valores de esquerda
97. Lula
98. Venezuela
99. Argentina
100. Fórum Social Mundial 2005 – Porto Alegre
101. Fórum Social Mundial 2005 – Porto Alegre
102. Guerra do Iraque
103. Violência no campo
104. Lula
105. Haiti
106. Mulheres
107. Guerra do Iraque
108. Taxa de juros
109. FMI/ não renovação do acordo pelo Brasil
110. Violência policial
111. Moradia
112. Indígenas
113. Reforma agrária
114. MST/ marcha
115. Cúpula sul-americana 37 A ALBA é uma proposta de integração comercial regional para os países da América Latina.
Formulada pelo governo de Hugo Chávez, ela seria um alternativa à ALCA, vista pelos movimentos sociais como uma ameaça imperialista ao desenvolvimento dos países pobres do continente.
116. MST/ marcha
117. José Sarney
118. Corrupção
119. Índígenas
120. Corrupção/ reação da "direita"
121. Lula
122. Movimento Zapatista – México
123. Lula
124. Lula
125. Lula
126. Crise da esquerda
127. PT
128. Lula
129. Movimentos sociais/ marcha em Brasília
130. Palocci
131. Grito dos excluídos
132. George W. Bush
133. Desemprego/ importações
134. ONU
135. Lula
136. Transposição do Rio São Francisco
137. Guatemala
138. OMC
139. Justiça social
140. Venezuela
141. Manifestações na França
142. Transgênicos
143. Transposição do Rio São Francisco
144. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra
145. Transposição do Rio São Francisco/ reeleição
146. Privatizações em São Paulo/ PSDB
147. Lula
148. Reforma agrária
2006
149. Lula
150. Haiti
151. Fórum Social Mundial – Venezuela
152. Fórum Social Mundial – Venezuela
153. Fórum Social Mundial – Venezuela
154. Relação entre o Ministério da Comunicação e a Globo
155. Trabalho infantil
156. Tribunal Popular em São Paulo
157. Bancos
158. Reforma agrária
159. Lula
160. INSS
161. Lula
162. Massacre de Carajás
163. Manifestações na França
164. Agronegócio e violência no campo
165. Petróleo – última edição com 16 páginas
166. Bolívia – primeira edição com 8 páginas
167. Demissões na indústria automobilística
168. Segurança pública em São Paulo/ PCC/ PSBD
169. Violência policial na periferia/ São Paulo
170. Movimentos sociais/ juventude
171. Movimento sindical/ CUT
172. Favelas vs. Bairros nobres/ São Paulo
173. Trabalho degradante/ marca C&A
174. Energia elétrica
175. TV digital
176. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
177. Oriente Médio
178. Paraguai
179. Ataque de Israel ao Líbano
180. Lula
181. Transnacionais
182. Reforma agrária
183. Movimento sindical/ demissões
184. Lula
185. Acidentes de trabalho
186. Bolívia
187. Lula
188. Lula
189. Lula
190. Coréia do Norte
191. Lula
192. Lula
193. George W. Bush
194. Reforma agrária
195. México
196. Venezuela
197. Movimento sindical/ Gerdau
198. Morte de Augusto Pinochet
199. Natal vs. Consumo
200. Bolsa família
2007
201. Reforma agrária
202. Lula
203. Privatização do metrô de São Paulo
204. África
205. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
206. Lula
207. Direitos trabalhistas
208. Educação
209. África/ transnacionais
210. Guerra do Iraque
211. América Latina
212. Reforma agrária vs. Ruralistas
213. Agronegócio
214. Lula
215. Salários no neoliberalismo
216. MST/ jornada de luta
217. Movimento sindical
218. Dia do trabalho
219. Vale do Rio Doce
220. Plebiscito Vale do Rio Doce38
221. Transposição do Rio São Francisco
222. Corrupção/ empreiteiras
223. Venezuela
224. MST/ 5° congresso
225. Transnacionais
226. Transposição do Rio São Francisco
227. Violência policial/ Rio de Janeiro
228. Usinas hidrelétricas vs. Meio ambiente
229. Lula
230. Crise aérea
231. Lula
232. Agências reguladoras
233. Bancos
234. Plebiscito Vale do Rio Doce
235. Sucateamento do Estado
236. Corrupção Vale do Rio Doce/ mensalão tucano
237. Plebiscito Vale do Rio Doce
238. Crescimento econômico vs. Distribuição de renda
239. Movimento Zapatista – México
240. Privatizações/ PSDB
241. Che Guevara
242. Privatização do urânio
243. Violência no campo/ assassinato de militante do MST
244. Violência policial no Rio de Janeiro 38 Em 2007, vários movimento sociais, incluindo o MST e a Consulta Popular, organizaram um
plebiscito popular sobre a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ocorrida em 1997 em um processo controverso.
245. Lula
246. Petróleo brasileiro
247. Indígenas
248. Lula
249. Bolívia
250. Transposição do rio São Francisco/ greve de fome de Dom Cappio 39
251. Transposição do rio São Francisco/ greve de fome de Dom Cappio
252. Aquecimento global
2008
253. Bolívia
254. Crise da esquerda
255. Moradia/ despejo de favelas em São Paulo
256. Assassinato de João Goulart pelo regime militar
257. George W. Bush
258. América do Sul
259. Colômbia
260. Cuba/ saída de Fidel
261. Anatel
262. Colômbia/ FARC
263. Agronegócio/ mulheres
264. Bolívia
265. Relação CIA com Dalai Lama
266. Lula
267. Eleições municipais
268. Massacre de Carajás – 12 anos
269. Paraguai
270. CPI da saúde/ governo de São Paulo/ PSDB
271. Bolívia
272. Lula
273. Corrupção/ metrô/ PSDB 39 Dom Luiz Cappio é um frade franciscano, bispo da cidade de Barra, na Bahia, que se posiciona
radicalmente contra o projeto de transposição do rio São Francisco. Fez duas greves de fome, em 2005 e 2007, para tentar convencer o governo Lula a abandonar o projeto e partir para a construção alternativa de cisternas.
274. Indígenas
275. Lula
276. Agronegócio
277. Corrupção/ governo PSDB Rio Grande do Sul
278. MST/ Ministério Público gaúcho 40
279. MST/ perseguição política
280. Colômbia/ resgate de reféns das FARC
281. Daniel Dantas
282. Corrupção
283. Rodada Doha/ OMC
284. Transnacionais
285. Corrupção/ Veracel
286. Geórgia/ ingerência EUA
287. Eleições municipais
288. Paraguai
289. Mulheres no processo eleitoral
290. Bolívia e Venezuela
291. Crise/ EUA
292. Equador
293. Eleições municipais
294. Transgênicos
295. Bolívia
296. Lula
297. Barack Obama
298. Banco do Sul
299. Petróleo brasileiro
300. Crise econômica mundial
301. Presídios nos EUA
302. Tribunal Popular
303. Bolívia
304. Petróleo brasileiro
40 Em junho de 2008, integrantes do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul recomendaram,
em ata de reunião, a extinção do MST.
ANEXO 2
Documento: UM PROJETO POPULAR PARA O BRASIL
I – Objetivos:
1 Organizar na sociedade brasileira, a produção dos bens, as leis e fixar as prioridades do
governo, para que todos os brasileiros e cada cidadão tenha assegurado: Emprego (trabalho);
Acesso a Terra para trabalhar; Moradia digna para sua família; Educação pública e gratuita
em todos os níveis de escolaridade; Alimentação adequada, e atendimento de Saúde pública.
2 Recuperar a SOBERANIA NACIONAL DO BRASIL sobre seus destinos, seja na política
externa, seja evitando ingerência de interesses estrangeiros em nossa economia, na política, no
território e recursos naturais.
3 Desenvolver um regime político de democracia popular, em que cada cidadão possa
participar nas decisões do estado e nos assuntos de interesse coletivo.
4 Valorizar a cultura do povo brasileiro nas suas mais diferentes manifestações e aspectos.
5 Combater todas as formas de discriminação social, por renda, raça, gênero, opçãosexual, cor
da pele, opção religiosa, etc..
6 Desenvolver de forma quotidiana, na nossa sociedade os valores humanistas e socialistas
que fizeram a evolução da humanidade, como a solidariedade, a justiça social e a igualdade
entre todos cidadãos.
7 Preservar os recursos naturais, com um processo de desenvolvimento equilibrado e
responsável com as gerações futuras. Defender nossa Amazônia e sua biodiversidade.
II - Para alcançar esses objetivos será necessário um programa político:
1 Ruptura com a DEPENDÊNCIA EXTERNA DE NOSSA ECONOMIA. Romper os acordos
com FMI e Banco Mundial, que monitoram nossa economia. Proibir a transferências de lucros
e riquezas para o exterior. Cancelar o pagamento da divida externa. Investigar todos os
empréstimos e envio de recursos passados.
2 CONTROLAR O CAPITAL FINANCEIRO. Revisar toda dívida pública interna, federal,
estadual e municipal. Ver sua legitimidade, níveis de taxas de juros, e submete-Ia aos
interesses e prioridades sociais. Ou seja os recursos ora carreados pelo governo para os
Bancos seriam destinados aos programas de educação, saúde, transporte coletivo, e na
reorganização da indústria e da agricultura. Controlar a taxa de juros e a especulação.
3 DEMOCRATIZAR A PROPRIEDADE DA TERRA. Estabelecer o tamanho máximo da
propriedade rural e realizar uma reforma agrária desapropriando todas as grandes
propriedades acima do limite que garanta o acesso a terra a todos os que quiserem viver e
trabalhar no meio rural.
4 REORGANIZAR A PRODUÇÃO NACIONAL, na indústria e na agricultura. Visando, em
primeiro lugar, o abastecimento das necessidades básicas da população e a geração de
empregos. Descentralizar o parque industrial levando o desenvolvimento para o interior do
país e para o meio rural.
5 MANTER SOB CONTROLE DO ESTADO TODAS AS EMPRESAS ESTRATÉGICAS
na área de minérios, comunicações, energia e transportes, garantindo assim sua finalidade
social e a reaplicação dos lucros para bem estar coletivo.
6 DISTRIBUIR RIQUEZA E RENDA. Implantar um amplo programa de distribuição de
renda e de riquezas, diminuindo as desigualdades sociais, com aumento real dos salários,
imposto sobre grandes fortunas e heranças.
7 REFORMA URBANA. REORDENAMENTO DAS CIDADES. Impedir a especulação
imobiliária. Controle dos aluguéis. Democratização da propriedade do solo urbano para
garantir moradia digna para todos.
8 DEMOCRATIZAR OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA. Garantindo o acesso e
o controle das rádios e televisão, que são concessões de serviço público, para as comunidades
e a sociedade em geral.
9 DESENVOLVIMENTO DA TECNOLOGIA NACIONAL. Desenvolver um programa de
estímulo e difusão da pesquisa, da ciência e da tecnologia no território nacional. E priorizar a
busca de solução dos problemas do povo brasileiro.
10 REGIME POLÍTICO. Mudar as leis do país para que se garanta uma democracia com
efetiva participação popular, em todos os níveis de decisão política.
ANEXO 3
Capas do Brasil de Fato cujas manchetes fazem referência ao governo de Luis
Inácio Lula da Silva