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EducMed Salud, Vol. 22, No. 2 (1988) BRASIL: RELAAÁO MÉDICO-PACIENTE E SUAS DETERMINA(OES SOCIAIS Everardo Duarte Nunesl INTRODU ÁAO Inúmeras sao as possibilidades de reconstituiaáo de alguns as- pectos fundamentais da sociologia médica, quando apreendidas através da análise que se desenvolveu em torno da relaáao médico-paciente. Nas pró- prias origens do pensamento sociológico na área da saúde, dois nomes se destacam quanto ao tema: Sigerist (1) e Henderson (2). Se ao primeiro pode ser atribuído o início de uma sistematizaçao histórico-social da re- laçáo, que data de 1929, ao segundo, inegavelmente, cabe o pioneirismo no tratamento sociológico do tema em 1935. Na trajetória das análises, a partir dos anos 50, as formulaçoes de Parsons (3) marcariam a relaçao médico-paciente como um dos capítulos centrais da sociologia médica. Como área de preocupaçao sociológica desenvolvida no interior da teoria funcionalista, a maioria dos trabalhos seria realizada dentro dessa orien- taaáo teórica. Apenas recentemente, a este enfoque viria se contrapor um outro - o estrutural. Isto nao quer dizer que as limitao5es teórico-con- ceituais que estiveram embasando o modelo sistemico-funcional nao fos- sem apontadas e críticadas. Alguns pontos serao assinalados nos anos 60. Como exemplos podem-se citar os trabalhos de García, Freidson e Bloom (4-7). Realmente, uma grande produçáo sobre o tema irá ocorrer na década de 70, com pesquisas e análises críticas de diversos autores como: Franken- berg, Freidson, Herlizch, Bloom e Wilson, Miguel, Gallagher, Waitzkin e Waterman (8-14), e uma das mais completas revisóes sobre a história do conceito de sistema social no estudo da relaçao médico-paciente, o tra- balho de Bloom e Summey (15), de 1978. Algumas propostas, como as de Reeder (16) e do próprio Freid- son, avancariam alguns aspectos em direaáo a uma análise na qual a noçao de consumo e de determinantes conjunturais foram respectiva- mente incluídos. Porém as suas perspectivas sáo ainda limitadas. O re- estudo da relaçao médico-paciente, dentro de uma perspectiva que levasse em consideraçao os determinantes economicos, políticos e ideológicos, Professor de Ciencias Sociais Aplicadas á Medicina e doutor em Ciencias, Universidade de Campinas, Faculdade de Ciencias Médicas, Campinas, Sáo Paulo, Brasil. 153

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EducMed Salud, Vol. 22, No. 2 (1988)

BRASIL: RELAAÁO MÉDICO-PACIENTE E SUASDETERMINA(OES SOCIAIS

Everardo Duarte Nunesl

INTRODU ÁAO

Inúmeras sao as possibilidades de reconstituiaáo de alguns as-pectos fundamentais da sociologia médica, quando apreendidas através daanálise que se desenvolveu em torno da relaáao médico-paciente. Nas pró-prias origens do pensamento sociológico na área da saúde, dois nomes sedestacam quanto ao tema: Sigerist (1) e Henderson (2). Se ao primeiropode ser atribuído o início de uma sistematizaçao histórico-social da re-laçáo, que data de 1929, ao segundo, inegavelmente, cabe o pioneirismono tratamento sociológico do tema em 1935. Na trajetória das análises, apartir dos anos 50, as formulaçoes de Parsons (3) marcariam a relaçaomédico-paciente como um dos capítulos centrais da sociologia médica.Como área de preocupaçao sociológica desenvolvida no interior da teoriafuncionalista, a maioria dos trabalhos seria realizada dentro dessa orien-taaáo teórica. Apenas recentemente, a este enfoque viria se contrapor umoutro - o estrutural. Isto nao quer dizer que as limitao5es teórico-con-ceituais que estiveram embasando o modelo sistemico-funcional nao fos-sem apontadas e críticadas.

Alguns pontos serao assinalados nos anos 60. Como exemplospodem-se citar os trabalhos de García, Freidson e Bloom (4-7).Realmente, uma grande produçáo sobre o tema irá ocorrer na década de70, com pesquisas e análises críticas de diversos autores como: Franken-berg, Freidson, Herlizch, Bloom e Wilson, Miguel, Gallagher, Waitzkine Waterman (8-14), e uma das mais completas revisóes sobre a história doconceito de sistema social no estudo da relaçao médico-paciente, o tra-balho de Bloom e Summey (15), de 1978.

Algumas propostas, como as de Reeder (16) e do próprio Freid-son, avancariam alguns aspectos em direaáo a uma análise na qual anoçao de consumo e de determinantes conjunturais foram respectiva-mente incluídos. Porém as suas perspectivas sáo ainda limitadas. O re-estudo da relaçao médico-paciente, dentro de uma perspectiva que levasseem consideraçao os determinantes economicos, políticos e ideológicos,

Professor de Ciencias Sociais Aplicadas á Medicina e doutor em Ciencias, Universidadede Campinas, Faculdade de Ciencias Médicas, Campinas, Sáo Paulo, Brasil.

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ressaltando, portanto, os elementos da estrutura social, é tarefa ainda emelaboraáao, contando com alguns trabalhos da maior importancia como osde Arouca, Silva, MWaitzkin, McKinlay e Boltanski (14, 17-24).

Neste trabalho, a preocupaçao é recuperar os principais para-digmas que tem orientado os estudos da relaçáo médico-paciente, ana-lisando as perspectivas adotadas nos modelos sistemico-funcional e es-trutural.

AS ORIGENS DO MODELO SISTÉMICO DE HENDERSON

O ponto inicial das formulaç5es sociológicas no estudo da re-laaáo médico-paciente tem suas raízes em Henderson (2). Sua elaboraçao,que estabelece o relacionamento como um sistema, traz, de um lado, ascontribuio5es de Wi.llard Gibbs e de outro, as proposiçoes do sociólogoVilfredo Pareto. Na concepçáo de Gibbs o sistema físico-químico é for-mado de componentes, e isso se aplica a qualquer porcáo do universo ma-terial; em Pareto, o sistema é formado de individuos. Os componentesfísico-químicos sao heterogeneos e produzem composiçoes ou estados di-ferentes (sólido, líquido e gasoso) e entre os individuos ocorrem desi-gualdades marcadas pelo sexo, educaaáo, condiçoes económicas, etc.Além disso, esses individuos possuem ou manifestam sentimentos, teminteresses económicos, usam a linguagem. Textualmente, afirma: "Emqualquer sistema social os sentimentos e as interao5es de sentimentos saoprovavelmente o fenomeno mais importante". Para Henderson, o sis-tema se constitui quando ocorre a interaçao entre individuos movidos porsentimentos e interesses heterogeneos. Este é o caso da relaçao que ocorrequando médico e paciente entram em interaçao. Ao desenvolver a suateoria sobre o relacionamento, o autor revelaria, pela primeira vez, algunspontos que se tornariam básicos nas elaboraçoes posteriores sobre os pa-péis do médico e do paciente na relaçao terapéutica e dos valores e crençasque intervem nessa relaçao social. Segundo Henderson, "Um pacientesentado em seu consultório, frente a voce, raramente está em estado deespírito favorável para considerar a significaaáo precisa de uma propo-siçao lógica . .." Ern outro momento, escreve: "o médico deve cuidar-separa que os sentimentos dos pacientes nao influenciem seus sentimentos esobretudo nao modifiquem seu comportamento e se empenhar para afetaros sentimentos do paciente de acordo com um plano bem estabelecido".Em resumo, ao compor as regras do relacionamento, estabelece: "Ao con-versar com um paciente, vocé deve prestar atençao primeiro, ao que eledeseja contar, segundo, ao que nao deseja contar e, terceiro, ao que elenáo pode contar". Depreende-se das propostas de Henderson que,através de um plano bem elaborado, o relacionamento manter-se-á emequilíbrio e os componentes técnicos nao deverao se sobrepor aos senti-

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mentos dos pacientes, que devem ser respeitados, e para isso a responsabi-lidade moral do médico é fundamental.

Como salientado por estudiosos do relacionamento, o trabalhode Henderson seria o primeiro de muitos que seguiram uma perspectivacom enfase na noçáo que "os interesses dos médicos e pacientes náo saoharmoniosos se nao congruentes". Obviamente esse enfoque náo levantaas contradiç5es e os conflitos do relacionamento.

As formulaçoes parsonianas

Parsons (3) tomará como ponto de partida de suas formulaçoesas idéias apresentadas por Henderson, substituindo os "sentimentos" porstatus e papéis como unidades do sistema social.

Fundamental para o modelo de Parsons será o significado dasfunçoes dos papéis dos atores envolvidos na situaaáo de relacionamento.Básico, também, para essa elaboraaáo, é o caráter disfuncional que repre-senta para o sistema social um nível geral de saúde muito baixo, assimcomo a incidencia muito alta de doenças. Como explica o autor, "Istoporque, em primeiro lugar, a doença incapacita para o desempenhoefetivo dos papéis sociais", daí que ". . . está claro que há interesse fun-cional da sociedade em seu controle, a fim de minimizar, amplamente, adoença (3). Nesse sentido, por ser disfuncional, a doença se inclui numacategoria de desvio de um sistema social e, em correspondencia, da saúdecomo uma categoria de conformidade. Assim sendo, o paciente é um serdesviado.

Tomando como ponto de partida a teoria dos papéis, define pri-meiramente o papel do médico da seguinte forma: "O papel do médicopraticamente pertence ao tipo geral de papéis profissionais que sáo umsubtipo do grupo mais amplo de papéis ocupacionais. Cuidar dos doentesnao é, pois, uma atividade incidental de outros papéis - ainda que, porexemplo, as maes o facam amplamente - este cuidado chegou a ser em-prego de dedicaçao exclusiva, funcionalmente especializado" (3). Depoisde afirmar que, definido dessa forma, esse papel nao ocorreria em todas associedades, Parsons acrescenta: "Como papel ocupacional, instituciona-liza-se em torno do conteúdo técnico da funçao, ao qual se dá um alto graude primazia sobre outros determinantes de status". Descreve, entáo, osatributos do papel do médico, que em resumo sáo: competencia técnica,universalidade, especificidade funcional, neutralidade afetiva e orientaaáopara a comunidades. Esses atributos definem as obrigaç5es ou deveres queconstituem o desempenho profissional que se completa com direitos(privilégios) inerentes ao papel; acesso á intimidade física e pessoal dodoente; autonomia e dominaçao profissional.

Quanto aos atributos do papel do paciente, suas obrigao5es sáo:ser motivado a tratar-se, procurar ajuda técnica competente e ter con-

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fiança no médico ou. acatar sua competencia; seus direitos sao dois: isen-tar-se do desempenho das obrigao5es sociais normais e isentar-se da res-ponsabilidade pelo seu próprio estado.

O encontro entre esses dois elementos com papéis diferentes re-quer "uma reciprociidade básica, um entrosamento de pontos de vista e deatividades". Nesse momento, podem ocorrer duas situaçoes: ou os indivi-duos estáo familiarizados com as expectativas e possíveis seqi.encias docomportamento, ou devern aprender como comportar-se. Assim, o queParsons procura mostrar em seu esquema é que o relacionamento se de-fine em termos das expectativas de comportamento. Porém, sua caracte-rizaaáo dos papéis evidencia que essa relaaáo é assimétrica, pois a distri-buiaáo da autoridade é desigual: a expectativa do profissional é a de quedetém o saber frente ao qual o paciente assume um papel passivo e depen-dente. E evidente ern sua formulaçao a caracterizaçao da racionalidade etecnicidade permearido e definindo a relaaáo, mas que nem por isso deixade ser uma relaçao normativa e controladora que se define a partir domédico. Essa perspectiva é diferente, por exemplo, da traçada por Goff-man (25), cujo ponto de partida é o paciente. Ressalte-se que o centrismomédico do esquema parsoniano será um dos pontos sobre os quais muitascríticas iráo se estabelecer.

No que se refere ás características dos papéis, Herzlich (10)lembra que o papel do paciente é considerado tomando como referencia osvalores dominantes da classe média norte-americana, entre os quais arealizaçao, a racionalidade e a capacidade de dominar o ambiente co-locam-se como fundamentais. Como sublinha a autora, esse papel é"limitado ás situao5es nas quais o individuo pode legitimamente declarar-se doente, mas ao mniesmo tempo prescreve-lhe uma conduta racional -pesquisar sinais médicos -- pelos quais ele poderá restaurar a matriz deseu ambiente e suas próprias capacidades de realizaçao. O papel de doenterepresenta, portanto, um ajustamento que permite ao individuo dasclasses médias preservar sua inserQao social, de acordo com seus própriosvalores". Seria um tipo ideal de descriáao e nao se aplicaria a todas asdoenças. Além disso, como aponta Gallagher (13) em sua exaustiva aná-lise sobre as formulao5es parsonianas, a concepçao de desvio, atribuída ádoença, e de desviante, ao doente, náo possibilita a inclusáo do pacientecronico e do incapacitado. Acrescenta, ainda, que o cuidado preventivoou a manutençao da saúde, como elemento normativo tanto da condutaleiga como profissional, náo é conceptualizado.

A influencia exercida por Parsons será extensa, e inúmeros tra-balhos foram elaborados, as vezes com pequenas variao5es e algumas am-pliao5es do esquema original.2 Está nesse caso a inclusao da relaáao

2 Szasz e Hollender (25), dentro do modelo parsoniano, criaram uma tipologia das re-laçQes médico-paciente onde aparecem trés modelos básicos: atividade-passividade,orientaçao-cooperacao e participaçáo mútua.

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diádica em um referencial mais abrangente, como é descrita por Bloom(7). Em seu modelo, ao qual somou as contribuio5es de Spiegel, Kluck-holn e Bales, a relaaáo é inscrita no que ele denominou de "matriz sócio-cultural". Como o próprio autor posteriormente analisou, a tentativa era"esclarecer as implicaç5es e a utilidade potencial do modelo de sistemasocial" (15). Em seu trabalho original, Bloom justifica que "O esquemade análise do sistema social nao está limitado a uma visao isolada da re-lacao médico-paciente, como um grupo de duas pessoas. Se o fosse, naoestaria adaptado á moderna situaçao médica, onde o papel do médico eonde o relacionamento afastou-se bastante do lar e do consultório particu-lar para o hospital" (7). Nao cabe aquí precisar os determinantes da re-laçao, mas destacar os fatores sócio-culturais presentes no momento doencontro entre o médico e o paciente. Chama a atençáo para o fato quecada elemento na relaaáo sofre as influencias de seus antecedentes cultu-rais, dados pela classe social, a que pertence, raQa, religiao e etnia. Essesfatores sao analisados nesse modelo como valores de orientaaáo. Esse tra-balho náo critica o modelo parsoniano, e isto vai se patentear de formabastante clara em Freidson2.

O MODELO DE FREIDSON

Em sua análise do relacionamento, Freidson estabelece algu-mas críticas básicas ao trabalho de Parsons. Assim, para ele, Parsons levaem consideracao como médico e paciente devem comportar-se e que "Avirtude dessa espécie de análise é que ela nos fornece uma definiçao (filo-sófica) da 'esséncia' do relacionamento". Acrescenta que essa fórmulapode ser usada como um padráo fixo, pelo qual se pode medir o desvio darealidade, mas náo se pode explicar realmente a realidade. Mais ainda, adefiniçao do papel de doente é dada pela perspectiva do médico. DefineFreidson que a realidade pode ser apreendida de maneira mais completase as perspectivas forem derivadas da designaçao dos papeis (através dospontos de vista do próprio paciente, dos leigos, do médico, das enfer-meiras e de outras pessoas importantes no processo de tratamento). Se, nomodelo defendido por Parsons e seus seguidores, como Bloom e Summey(15) "as premissas essenciais da concepaáo geral de Henderson permane-cerem as mesmas, as relao5es sociais tem um padráo baseado nas expec-tativas culturais apreendidas e mantidas pelos processos homeostáticosfuncionais inerentes a todos os sistemas"; em Freidson a apreensáo dorelacionamento náo deve se limitar as expectativas, mas a situaçáo em queocorre a relaa5o. Nas palavras de Freidson: "Atenaáo deve ser dada áestrutura social na qual essas perspectivas estao localizadas e que sejamespecificadas sistematicamente as várias situa5oes e posiçoes quando mé-dicos e pacientes se confrontam" (6). Voltando-se para uma análise que sesitua mais ao nível das relaçoes geradas pela organizacáo do cuidado mé-

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dico e nao das determinaçSes mais amplas dessa organizaçao, Freidsonmostra, em sua pesquisa, que tipos diferentes de atenaáo médica impri-mem formas diferentes de relacionamento.3

Nao se pode deixar á margem o fato de que a abordagem feitapor Freidson apresenta diferenças, quando comparada á forma propostapor Parsons. Freidson chama a atenaáo para os dilemas, conflitos e pres-soes entre os participantes, ao tomar como referencia um "clash of pers-pectives" (choque de opinioes). Mesmo com esse avanço, além de terenfatizado o "esquema leigo de referencia", na concepaáo da doença, esalientado o papel autorit.ário da medicina, faltou-lhe uma perspectivamais abrangente que possibilitasse uma explicaaáo dos determinantes es-truturais da prática médica e, consequentemente, do relacionarnento emseu interior. Deve-se citar que esta crítica aos trabalhos de Freidson foiclaramente exposta por McKinlay, ao apontar que a sua análise da Medi-cina como instituiçao náo envolve uma perspectiva de Economia Política.Para McKinlay (22), as atividades relacionadas ao cuidado médico devemser concebidas como "o jogo entre um grupo de jogadores altamentetreinados, cuidadosamente selecionados pela afinidade de seus interessescom os requisitos das instituio5es capitalistas, assistido por um grande nú-mero de espectadores (incluindo durante algum tempo a totalidade das pes-soas, e, de forma crescente, algumas das pessoas, durante todo o tempo).E, envolvendo o proprio jogo, com seu público interessado, está o estadocapitalista (estabelecendo as regras pelas quais o jogo deve ser jogadodiante do público), presenta que assegura a legitimidade do jogo egarante, através dos recursos derivados dos espectadores e das prerro-gativas e interesses dos proprietários do parque (capitalfinanceiro e indus-trial), que sejam sempre protegidos e acrescidos". (Os grifos sao dlo autor).

Considerando que este referencial náo é colocado em destaquepela sociologia médica proposta por Friedson, o modelo para a análise dorelacionamento sofre as mesmas limitaoSes.

Inegavelmente, ao tratar, por exemplo, da burocratizaçao daprática médica moderna, mostra como a mesma afeta as relao5es médico-paciente. Esse aspecto seria destacado posteriormente por Reeder (16),quando levanta oportunas consideraoSes sobre o fornecimento do cuidadomédico dentro de estruturas burocráticas. Essa mudança da prática inde-pendente para as práticas institucionalizadas constitui uma das tre1s signi-ficantes mudanças na estrutura do cuidado médico. Outras duas, náomenos importantes, referem-se á mudança em relaaáo ao tratamento, quede curativo passa para preventivo, e do crescimento do consumismo comomovimento social. O conceito de pessoa como consumidor, em lugar de

No Brasil, estudo realizado por Sucupira (27) abordou a relaçáo médico-paciente em trestipos de serviços: centro de saúide da rede estadual, servicos próprios do Instituto Na-cional de Assisténcia Médica da Previdencia Social e serviços de "Medicina de Grupo".

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paciente, que tem maior desenvolvimentos nos Estados Unidos da Amé-rica a partir dos anos 60, é que levaria o autor a falar de relaçoes entre,"provedores de saúde" e "consumidores", mais do que relaçoes entremédico e paciente.

O MODELO ESTRUTURAL: CARACTERÍSTICAS E PROPOSTAS

O que se pode verificar é que a partir dos anos 60 ocorre umanova etapa frente ás preocupaoSes de estudo da relaaáo médico-pacienteiniciadas com o trabalho de Freidson. Trabalho pioneiro, sem dúvida,mas que estará sujeito a críticas, como foi visto acima. Num sentido maisamplo, a partir daquela época vai se firmando uma crítica negativa aabordagem funcionalista nos estudos de saúde e seu desgaste, como es-quema teórico de referencia, se acentua gradativamente. Como escreveNavarro (28), a influencia e a dominaçao do funcionalismo nas cienciassociais no mundo ocidental "determina um foco de análise e métodos deinvestigaçao que náo sao somente limitados e limitantes, mas servem paraofuscar, em lugar de esclarecer, nossas realidades". Ao criticar a principalcaracterística dessas análises (que é focalizar sobre as partes, a fim de que,supostamente, se compreenda o todo), o autor sublinha que "estudam oscomponentes da sociedade antes de estudar a própria sociedade".

As fraquezas e incorreo5es dos modelos de análise até entáo em-pregados tornam-se mais evidentes quando náo conseguem explicar ascausas das contradiçoes e das crises que afetaram o setor saúde. O ques-tionamento do setor torna-se elemento presente e a tentativa de esclareceras relao5es saúde-sociedade, dentro de marcos teóricos diferentes daquelesempregados pelo funcionalismo, trará á tona importantes contribuio5es,como a de Navarro, citada anteriormente, e de outros autores (14, 22,29-32).

No que se refere ao estudo da relaçáo médico-paciente, McKin-lay salienta que a produçao existente sobre o tema era, até entáo, "extre-mamente limitada, visivelmente conservadora, preocupada com os pro-blemas gerenciais dos médicos, geralmente aistóricos e mesmo fúteis".Prossegue dizendo que "raramente em nossos estudos existem tentativasde localizar o relacionamento em um amplo esquema de referenciapolítico e economico" (22).

Encaminhar a discussao para uma direáao que possibilitasseabordar a relaaáo vinculando-a aos elementos da estrutura social que aconfiguram tornou-se fundamental. Segundo Arouca (17), esses elemen-tos só se tornam compreensíveis na medida em que se refiram ás formas dearticulaao da Medicina com os meios de produao em um determinadomomento histórico. Dentro dessa perspectiva, "náo estamos nos referindo

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á; relaçao médico-paciente como uma troca que envolve valores; as re-llaoSes de autoridade, de representaçao e de ordem técnica, mas sim á re-].aaáo estabelecida dentro de uma formaçao social, da Medicina com a:Economia, a Política e a Ideologia". Assim, o cuidado médico, no interiordo capitalismo, assume dimens5es particulares que podem ser caracteriza-das da seguinte forma:

"1. 0 cuidado médico é simultaneamente uma unidade deproduçao e de consumo;

2. 0 cuidado médico implica tres tipos de valores: o seu pró-prio valor como unidade de troca, os valores vitais que toma como objeto eos valores (de uso e troca) socialmente atribuidos a esses valores vitais;

3. 0 cuidado rnédico como processo de trabalho envolve umconjunto de relaoses entre os elementos que comp5em os conhecimentos,as técnicas, as relac5es sociais e as necessidades a serem satisfeitas, re-lao5es essas que caracterizam as formas históricas que esses cuidados assu-mem e;

4. 0 cuidado médico é determinado pelas necçssidades vitaiscriadas pela condiici social que determina as necessidades ao definir so-cialmente o seu espaç;o de cobertura".

E evidente que o principal aspecto dessa proposta náo está naparticularizaçao dos componentes psicossociais, tao comum nas aborda-gens funcionalistas. O ponto mais importante nao se atém ao papel dosatores, mas nas suas posiçoes referidas pelas relaç5es de produçao e quedefinem a priori as possibilidades e as formas que o relacionamento as-sume. Portanto, no enfoque estrutural, a apreensao do relacionamentotem como ponto de partida as relacSes sociais e náo somente as relaç5estécnicas. Essa questáo é básica, pois, como se sabe, as relao5es sociais naopodem ser consideradas apenas como relaçoes sociais nao podem ser con-sideradas apenas como relao5es humanas mas sao relao5es entre agentesde produaáo. Boltanski (24) desenvolveu um interessante trabalho ondeevidenciou, de forma empírica, o caráter de classe do relacionamento.Nesse trabalho afirma que "Longe de ser uma simples relaçao de homempara homem ou, como quer a ideologia médica (que ensina a ver nodoente apenas um ser abstrato e diferenciado, sem levar em consideraaáo,por exemplo, sua classe social ou sua religiáo) o encontro de uma concien-cia e de uma confianca, ou ainda como descrevem alguns sociólogos,apenas a relaaáo entre um especialista e um profano, a relaçáo doente-médico é também umrna relaçao de classe, modificando-se a atitude domédico em funaáo, principalmente, da classe social do doente".

Em Boltanski (24), a distribuiçao do cuidado médico, em ter-mos de informaçoes prestadas quanto ao tipo e quantidade, está clara-mente marcada quando se trata de pacientes das classes subalternas. Se-gundo esses pacientes, os médicos n5o sao francos, "náo dizem direito oque a gente tem", "nao mostram tudo o que estao pensando", empregam

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"palavras incompreensíveis". Para o autor isto se explica pelo fato domédico náo desejar passar para o paciente o controle de suas ao5es - "omédico tende a transformar a relacáo terapéutica em uma simples relaáaode autoridade a abster-se de fornecer ou mesmo a esconder as raz5es desuas perguntas, de suas ao5es e de suas prescriç5es". Ao caracterizar arelaaáo como uma transaaáo comercial, o autor salienta que a mercadoriaque o médico produz "tem como característica principal receber todovalor (inclusive no sentido económico) do valor que lhe é atribuído" etambém "a fazer tudo para que o doente reconheça o valor de seusserviços".

Sem dúvida, as contribuiç5es trazidas pelo autor em sua pes-quisa, feita na Franca, sáo importantes e corroboram o conhecimento quejá se tinha sobre o caráter assimétrico da relaaáo médico-paciente - assi-metria que diminui na medida em que se trata de pacientes das classesmédias e altas. A apreciaçao geral feita por Boltanski é bastante ilus-trativa: "Nas classes superiores, o médico pode fazer-se ouvir pelo doentee o doente suscitar o interesse e mesmo a amizade do médico, porque elesfalam a mesma linguagem, tem os mesmos hábitos intelectuais, utilizamcategorias de pensamento semelhante e, enfim, sofreram a influencia damesma força formadora de hábitos, que é, no caso, o sistema educa-cional" (24).

Uma tentativa bem sucedida de análise do relacionamento éelaborada por Silva (18) que procura situar o relacionamento no interiorda própria prática médica - a partir dos exemplos fornecidos pela práticainstitucional psiquiátrica - e utiliza o conceito de poder e centros de po-der para ilustrar o que se passa num caso concreto com o pacientediabético. Sem ter esgotado as possibilidades de análise do aparelho mé-dico, como conclui a autora, evidenciou algumas de suas funo5es: qualifi-caaáo-submissáo e conservaçao-reparaáao. No primeiro caso, no sentidoamplo, reproduzindo as condio5es éticas, jurídicas, profissionais, cultu-rais que mantem e desenvolvem a qualificaaáo-submissáo no plano daideologia dominante através da cura ou assistencia; no segundo caso,"como aparelho do estado, o aparelho médico mobiliza-se sempre deacordo com o estágio de desenvolvimento das forcas produtivas com asrelaç5es de produaáo que deve reproduzir". Como é assinalado porArouca, "No modo de produçao capitalista o mesmo cuidado nao possui omesmo significado diante das diferentes classes sociais. Assim, para o pro-letariado que vende sua força de trabalho, a manutençao e recuperacáo dedeterminados valores vitais significa a manutenaáo do valor de troca desua forja de trabalho. Dessa maneira, se inicialmente a saúde significa umvalor de uso para o seu detentor, este imediatamente o transforma emvalor de troca para sua própria sobrevivencia e em valor de uso para seucomprador, dentro do processo produtivo" (17). Acrescenta o autor que"para as classes hegemonicas, essa mesma atividade médica resulta em

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um valor de uso que é colocado como corporificaçao do capital no processode extraaáo da mais valia" (17).

Os pontos assinalados até agora procuram demonstrar que aanálise estrutural do relacionamento vai se completando á medida queesse enfoque teórico recupera conceitos básicos das ciencias sociais parauma análise da situa:ao médica, no caso, a do relacionamento. Nesse sen-itido o encaminhamento dado por Waitzkin (19) coloca-se como funda-mental, ao "focalizar o relacionamento médico-paciente e sua contri-buiçao para o controle ideológico e social no sistema de cuidado a saúde".

Nesse trabalho e:xpem os resultados de pesquisa realizada nos]Estados Unidos da América em 336 relacionamentos médico-paciente,analisados qualitativa e quantitativamente. Suas conclusoes, que se divi-dem em quatro grupos e que se referem as relaçóes de produgio, ás re-lao5es de classe, ao papel da ciencia e ao controle médico da vicla diária,serao o ponto de ateniao.

* Relaçoes de produçao: 0 relacionamento serve para reproduziressas relac5es de, no mínimo, tres maneiras: a) quando o mé-dico nao compartilha a informaçao com o cliente, como ocorrenas relao5es de trabalho na indústria onde a informaaáo é con-centrada nas máos de poucos; b) através do controle médico nadeterminaçao e legitimaçao do papel de doente; c) pela objetifi-caaáo do corpo ou usando a máguina como referencia ao corpo;

* Relafóes de classe: a) primeiramente assinalando ao cliente asua responsabilidade individual; b) individualizando os proble-mas sociais mesmo quando suas causas básicas sao sociais, mis-tificando as raízes políticas e económicas, como no caso dadoença ocupacional, do alcoolismo, etc;

* Papel da ciencia: a) invalidando teorias médicas que naoaderem ao paradigma médico científico ocidental; b) utilizandoo jargao técnico na interaçao; c) controlando a informacáo dadaao paciente;

* Controle mtédico da vida diária: a) medicamentando o desvio,redefinindo, como médico, toda sorte de comportamnento; b)impondo formas de aaáo ao cliente, através do conhecimentocomo especialista; c) institucionalizando o paciente, princi-palmente aqueles que nao encontram formas de reagir ás pres-soes da vida diária.

Esses sao, em resumo, os achados desse estudo que, segundo oautor, evidencia que a relaçao médico-paciente é uma "arena para a re-producao ideológica e controle social" onde "muitos dos micro-processos-- a interaçao face a face de profissionais e clientes - reforçam macro-processos estruturais na sociedade, processos de dominaçao e de subordi-naaáo".

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REVENDO OS MODELOS

Foi Sigerist (1) quem forneceu, entre outros aspectos, duasidéias centrais para a questao da relaçao médico-paciente: o caráter pro-fundamente social que deve estar presente nas relaç5es e, com invejáveldiscernimento, o caráter histórico que acompanha esse processo. Comoescreve o historiador da Medicina: "Em toda a aaáo médica há sempreduas partes envolvidas, o médico e o paciente, ou, em um amplo sentido,o corpo médico e a sociedade. A medicina nada mais é do que a contínuareproduçao das relao5es entre esses dois grupos. A história da Medicina,entretanto, nao pode se limitar á história da ciencia, das instituiçoes e dascaracterísticas da Medicina, mas deve incluir a história do paciente nasociedade, do médico, e a história entre médico e paciente". Apresentadono fim da década de 20, esse seria um pensamento seguidamente reto-mado e ampliado na história teórica do tema do relacionamento. E o en-caminhamento que aqui foi dado permite visualizar os principais enfoquesorientadores dos estudos do relacionamento médico-paciente.

Numa perspectiva sociológica, essa trajetória teórica é marcadapela teoria de sistema social que, na década de 30, teria em Henderson umde seus primeiros autores e em Parsons um de seus discípulos e seguidor.Como mostrado em Gouldner (33), em penetrante análise sobre esseperíodo do pensamento norte-americano, esses dois autores, e outroscomo Homans, Brinton e posteriormente Merton, Murray e Kluckholm,que se reuniram em torno do estudo das idéias de Pareto, formaram o queele denomina o "círculo de Pareto". Para Gouldner "O círculo de Paretoestava claramente buscando uma defesa teórica contra o marxismo, pro-fundamente conservador". Bloom e Summey náo compartilham esse po-sicionamento: "Sem negar a verdade da descriçao de Gouldner do círculode Pareto, eu continuo a sentir que as raízes da teoria de sistema social deHenderson eram mais intelectuais do que políticas. O funcionalismo emFísica, Química e Biologia tinha produzido avanços revolucionários noconhecimento. Henderson estava entusiasmado pelas limitaoSes do ra-ciocínio linear de causa e efeito que ele sabia ser uma abordagem obsoletanas ciencias naturais e que via como um obstáculo para o desenvolvimentoda ciencia social" (15).

De um modo geral, na perspectiva sistémica, tónica da teoriafuncionalista, o comportamento dos componentes no relacionamento era"essencialmente determinado pelas expectativas normativas de sua so-ciedade"; a busca de cuidado era "um assunto de escolha individual" eembora fosse influenciada por fatores sócio-economicos e culturais, a basedessa perspectiva "eram as motivaoSes individuais do médico e do pa-ciente". É evidente que Parsons estende a perspectiva de Henderson, poisesta centrava-se, principalmente, nos processos internos da interaáaomédico-paciente. Contestada por muitos autores, recebe de Freidson um

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redimensionamento, pois este autor, embora conservando de Parsons anoçáo de papel e de desvio, procura analisar as ambivalencias, conflitos ehostilidades presentes no relacionamento. Acrescente-se ainda que suasproposio5es se situam numa outra perspectiva teórica, a estruturalista.

Na realidade, a contestaçao mais efetiva a esses modelos so-rnente irá acontecer junto a uma ampla análise crítica da Medicina; e issoserá obra dos anos 70, sem contanto significar que os esquemas parso-nianos tenham sido completamente abandonados. Foi nesse momento queoa próprio Parsons (34) respondeu ás contínuas críticas de que era alvo.Primeiro, falando sobre o conceito de desvio social, afirma que "Eu naopenso que tenha sido minha intenaáo tentar fazer esse conceito abrangertodo o espectro de fen6menos associados com o papel de doente, de umlado, e os papéis dos agentes terapeuticos, de outro". Quanto á questao dorelacionamento médico-paciente, volta a enfatizar as características dosrespectivos papéis e conclui que, "exceto em casos que sao claramentennarginais ao fenómeno da doença e de seu cuidado, a relaçao entre doentee a agencia de cuidadlo á saúde é inerentemente assimétrica em seu eixohierárquico". Para ele a as;imetria é "funcionalmente específica", a su-perioridade do médico está centrada em suas funo5es específicas por suascaracterísticas de especialista nas questoes de saúde obtidas pelo treina-mento e experiencia. Possui, assim, uma "responsabilidade fiduciária"para o cuidado do doente. Em seu último comentário sobre o tema, aofazer a síntese das apresentaoSes da conferencia sobre relacionamentornédico-paciente, em 1976 (34), lembraria que os trabalhos abordaram otema numa perspectiva macrossocial e poderiam ser divididos em tresgrupos: aqueles que enfatizaram o modelo de mercado, que ve o pacientecomo um "consumidor" e o médico como "vendedor" de um serviço; ogrupo de pesquisadores que situaram o modelo burocrático, característico dasagencias de prestaa5o de serviços com sua carga administrativa e de conse-quente proletarizaçao do profissional; e o terceiro grupo, menos proe-minente na conferencia, e que seria o que sup5e uma associafao democráticano relacionamento. Parsons nega que os dois primeiros modelos possamfornecer as chaves para se entender o relacionamento e sugere o quechama de "associaáao colegiada" - onde as partes possuem seus respec-tivos graus de integracáo. Poder-se-ia criticar esse posicionamento quenao suprime as possibilidades de assimetria, como o próprio Parsonsnovamente assinala: "Competencia profissional e responsabilidade pro-fi.ssional sao legitimadas como condio5es prévias para entrada no rela-cionamento. Quando uma pessoa real ou possivelmente doente procura osserviços de um médico, o médico é chamado para uma tarefa para a qualse presume que tenha competencia e que irá tratar o paciente com respon-sabilidade".

Quando a -temática do relacionamento passa a ser vista comouma relaáao inserida na dimensao macrossocial, e por esta determinada,

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abrem-se as possibilidades de compreende-lo como fato economico,político e ideológico. Várias dimensoes foram abordadas, e sem dúvidauma síntese bastante clara está presente no esquema proposto porWaitzkin (19). 0 pressuposto é a relaaáo dialética entre a infra e a supra-estrutura e de como a interaçao profissional-cliente reproduz, responde ereforça as estruturas da sociedade.

Na introduaáo deste trabalho salientou-se que, ao analisar aquestáo da relaáao médico-paciente, pode-se, sem dúvida, acompanharaspectos importantes na trajetória da sociologia médica. Verifica-se que otema apresenta inúmeras possibilidades como campo de estudo e que naoestá restrito ao enfoque funcionalista. Actualmente, abordagens marxis-tas, como as de Waitzkin e de McKinlay, tem retomado o assunto, dando-lhe um aprofundamento que nao era mais possível dentro dos estreitoslimites parsonianos e mesmo freidsonianos. Para Waitzkin (21), um dosobjetivos da pesquisa em atençao a saúde "séria um entendimento maisclaro das vinculaçoes de micro-estruturas, tais como a relaçao médico-pa-ciente, dentro de macro-estruturas sócio-políticas e económicas de nossasociedade tais como as relaçoes de classe, poder, controle social e ideolo-gia". Acrescenta que é óbvio que a reestruturaçao do sistema de saúdenao depende somente da correaáo de problemas a nivel da relaçao médico-paciente e que o reverso, também é verdadeiro. "Isto é, relaç5es interpes-soais mais igualitárias náo mudariam por si mesmas as fontes estruturaisda opressáo".

Por outro lado, em um dos seus mais recentes estudos,Waitzkin (20) salienta a necessidade de se realizarem estudos empíricos,desde que fortemente embasados em uma abordagem teórica. Nesse es-tudo, seu interesse volta-se para a ideologia médica e o controle social, epara isso é imprescindível considerar "teoricamente, o contexto social noqual ocorre a interaçao médico-paciente".

Conclui-se, portanto, que passado mais de meio século das pri-meiras abordagens o tema continua sendo relevante e da maior importan-cia. Analisar as relaç5es médico-paciente em suas determinao5es sociais,históricas e económicas, contextualizadas nas novas condio5es impostaspelos sistemas de saúde que se reorganizam e se transformam, constitui,inegavelmente, uma das formas de compreender as prácticas sociais emsaúde, historicamente condicionadas.

RESUMO

Analizam-se, neste trabalho, os dois principais paradigmas so-ciológicos utilizados no estudo da relaaáo médico-paciente. O primeiro -o sistemico-funcional - de tradiaáo mais antiga na sociologia médica e osegundo - o estrutural - que vem sendo progressivamente adotado. A

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revisao inicia-se com o trabalho de Henderson que data de 1935, analisa acontribuiaáo de Parsons de 1951 a de Freidson, de 1961. Situa críticas aessas abordagens e num segundo momento poe em destaque as mais re-centes contribuiqoes de Arouca, Boltanski, Waitzkin e Silva. Conclui pro-curando evidenciar as deficiencias do modelo sistemico-funcional e as pos-sibilidades do modelo estrutural.

THE PHYSICIAN-PATIENT RELATIONSHIP AND ITS SOCIALDETERMINANTS

Summary

The paper presents an analysis of the two principal sociologicalparadigms in the study of physician-patient relationship. The first para-digm has a very old tradition in medical sociology-the systemic-func-tional-and the second-the structural paradigm-is of a more recent de-velopment. The review starts with Henderson's work from 1935; afterthat it analyzes Parson's contribution from 1951 and Freidson's ideasfrom 1961. In the second part, the authors point out Arouca's,:Boltanski's, Waitzkin's and Silva's contributions. The article concludes'with an analysis of the limitations of the first paradigm, and the possibili-lties of the structural paradigm.

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