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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA “Assegurar o direito de acesso de toda pessoa ou instituição ao Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC, independente de sua localização ou condição socioeconômica, é um dever do Poder Público. Uma responsabilidade constitucional e legal que a União deve assegurar, por intermédio da Anatel, sempre levando em conta a necessidade de atendimento de pessoas com deficiência, instituições de caráter público ou social, áreas rurais, áreas de urbanização precária e regiões remotas. [...] Todos os custos relacionados com o cumprimento das Metas de Universalização serão suportados, exclusivamente, pelas concessionárias” 1 . “Eles desligam torres TDMA e dizem que é manutenção... que obviamente nunca termina, o celular fica com sinal ruim e ficam mandando torpedos convidando a comprar um aparelho GSM a partir de R$ 79... trocar eles só falam que é possível se reclamar, mas mesmo assim só oferecem aqueles basicões... ora, um TDMA como o meu custava uns R$ 400 há 8 anos, hoje dá p/ comprar um V3 e ainda sobra troco!” 2 . O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo titular da Promotoria de Justiça de Seara, com base nos documentos que seguem e nos artigos 5º, XXXII; 127, caput, e 1 Apresentação do Relatório sobre a universalização da telefonia fixa em Santa Catarina, acessado em 4.4.2010, em: http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPubli cacao=231156&assuntoPublicacao=Relat%F3rio%20de%20Universaliza%E7%E3o %202008/2009%20(Santa%20Catarina)&caminhoRel=Cidadao-Telefonia%20Fixa-Universaliza %E7%E3o&filtro=1&do cumentoPath=231156.pdf. 2 Reclamação de consumidor no site Reclame Aqui, em http://www.reclameaqui.com.br/105160/tim-celular/migracao-tdma-para-gsm, acesso em 1º.4.2010. 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA

“Assegurar o direito de acesso de toda pessoa ou instituição ao Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC, independente de sua localização ou condição socioeconômica, é um dever do Poder Público. Uma responsabilidade constitucional e legal que a União deve assegurar, por intermédio da Anatel, sempre levando em conta a necessidade de atendimento de pessoas com deficiência, instituições de caráter público ou social, áreas rurais, áreas de urbanização precária e regiões remotas. [...] Todos os custos relacionados com o cumprimento das Metas de Universalização serão suportados, exclusivamente, pelas concessionárias”1.

“Eles desligam torres TDMA e dizem que é manutenção... que obviamente nunca termina, o celular fica com sinal ruim e ficam mandando torpedos convidando a comprar um aparelho GSM a partir de R$ 79... trocar eles só falam que é possível se reclamar, mas mesmo assim só oferecem aqueles basicões... ora, um TDMA como o meu custava uns R$ 400 há 8 anos, hoje dá p/ comprar um V3 e ainda sobra troco!”2.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, pelo titular da Promotoria de Justiça de Seara, com base nos

documentos que seguem e nos artigos 5º, XXXII; 127, caput, e 129, III e

IX, da Constituição Federal; 1º, II, e 5º, caput, da Lei nº 7.347/85, e 1º;

81, parágrafo único, I e III, e 82, I, da Lei  nº 8.078/90, propõe AÇÃO

CIVIL PÚBLICA (com pedido de antecipação de tutela) em face de:

OI BRASIL TELECOM S/A, pessoa jurídica de direito privado,

inscrita no CNPJ sob o nº 76.535.764/0322-66, que deverá ser citada por

1 Apresentação do Relatório sobre a universalização da telefonia fixa em Santa Catarina, acessado em 4.4.2010, em: http://www.anatel.gov.br/Portal/verificaDocumentos/documento.asp?numeroPubli cacao=231156&assuntoPublicacao=Relat%F3rio%20de%20Universaliza%E7%E3o%202008/2009%20(Santa%20Catarina)&caminhoRel=Cidadao-Telefonia%20Fixa-Universaliza%E7%E3o&filtro=1&do cumentoPath=231156.pdf.2 Reclamação de consumidor no site Reclame Aqui, em http://www.reclameaqui.com.br/105160/tim-celular/migracao-tdma-para-gsm, acesso em 1º.4.2010.

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intermédio de seu representante legal na Avenida Madre Benvenuta,

2080, Itacorubi, Florianópolis, SC, CEP 88035-090.

1. Objetivo desta ação

Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento

jurisdicional que determine à requerida o restabelecimento do sinal de

telefonia rural para todos os habitantes da comarca identificados pelo

Procon de Seara.

Busca também ordem que determine a gratuita migração dos

usuários/consumidores do serviço de telefonia rural TDMA para sistema

de telefonia fixa, no prazo de 20 dias.

Objetiva, por fim, a condenação da requerida ao pagamento

de indenização por danos extrapatrimoniais aos consumidores lesados,

no valor mínimo de R$ 50.000,00 para cada consumidor, e pelos danos

extrapatrimoniais difusos, no valor de R$ 500.000,00.

2. Explicações preliminares

Em telefonia móvel existem basicamente três tecnologias

disponíveis no mercado: TDMA, GSM e CDMA.

A primeira delas, TDMA (Time Division Multiple Access) é

considerada a mais simples dentre os sistemas digitais. Toma uma parte

do espectro das radiofrequências e a divide em canais distintos (tempos).

Para impedir interferências, é atribuída uma faixa para cada usuário. Esta

tecnologia já foi a mais utilizada nas Américas, mas vem sendo

paulatinamente substituída por ter frágil segurança e permitir clonagens.

A segunda delas, a GSM (Global Standard Mobile) é

considerada a evolução do sistema TDMA, porque permite, entre outros

benefícios, a troca de dados entre usuário e operadora através de seu

cartão (chip). Permite também a conexão à internet. Tem maior

confiabilidade e segurança, já que exige para estabelecimento da

conexão a conferência entre os dados fornecidos pelo aparelho celular do

2

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usuário e os constantes nos cadastros da operadora. É a tecnologia

padrão na Europa desde 1992 e vem sendo adotada pela maioria das

operadoras brasileiras pela segurança que apresenta.

A terceira, a CDMA (Code Division Multiple Access), é um

sistema que transforma a voz e os dados transmitidos pelo usuário do

telefone celular em um sinal codificado, que é recebido pelas antenas e

então decodificado para o receptor. Foi escolhida pela União

Internacional de Telecomunicações como a tecnologia-base para a

terceira geração de celulares (ainda estamos na segunda), já que

permite maior velocidade e grande confiabilidade do sistema.

A telefonia rural utiliza-se de um dos sistemas de telefonia

celular para fazer chegar ao consumidor final a comunicação telefônica.

Os aparelhos telefônicos são fisicamente fixos, porque não se pode

transportá-los. Pode-se dizer que são também juridicamente fixos,

porque a tarifação segue as regras da telefonia fixa. Apesar disso, o sinal

chega às residências dos agricultores através de antenas receptoras, tais

quais a telefonia celular. O esquema abaixo demonstra como o sistema

funciona:

3

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3. Fatos

A Brasil Telecom fornecia o serviço telefônico fixo comutado

(STFC) na área rural da Comarca de Seara através do sistema TDMA. Na

região de Seara o sistema é conhecido por “3491”, que era justamente o

prefixo dos telefones dos agricultores. Veja-se, por exemplo, que o

agricultor Airton Wermeier é titular do telefone 3491-3837 (fl. 22).

No entanto, para sua própria proteção e melhoria de seu

sinal nas cidades – portanto, em seu próprio benefício – a requerida

passou a migrar para a tecnologia GSM, o que implica mudança de

estrutura de rede e dos aparelhos, que são incompatíveis. Tal tecnologia,

ainda que mais segura, não atinge com a mesma eficiência as

localidades distantes, como é o caso dos agricultores da Comarca. Além

disso, as antenas receptoras dos agricultores teriam de ser também

substituídas pela concessionária.

Assim, viu-se a empresa com duas opções: a) manter

estrutura TDMA para manter os serviços de telefonia rural; b) fornecer

“sem ônus para o usuário” (Resolução nº 477/07, da Anatel), a substituição

dos aparelhos e das antenas.

A manutenção da estrutura TDMA foi rejeitada. Significava

custos extras à empresa. Tais custos não são revelados, mas certamente

não são nada perto do poderio econômico da empresa, que lucrou R$

782 milhões em 2008, 16% a mais que em 2007. Nas redes urbanas o

investimento de 2009 foi de R$ 1,1 bilhão3.

O fornecimento de equipamentos GSM aos agricultores não

se mostrou viável em muitos lugares. O sinal é instável devido às

distâncias e sua substituição acaba equivalendo a retirar o serviço de

telefonia rural do ar. Há também custo extra com antenas.

3http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG86480-16628,00-LUCRO+LIQUIDO+ DA+BRASIL+TELECOM+CAI+NO+TRIMESTRE.html

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Uma terceira opção, mais viável e confiável, seria a utilização

da boa e velha telefonia fixa, tal qual faz a requerida nas áreas urbanas.

Com a instalação de postes e fiação, a concessionária liga o

consumidor/agricultor até o ponto físico mais próximo, o que a empresa

chama de “atendimento via par metálico”, ou seja, a criação de uma

extensão de fios metálicos até a residência do consumidor.

Esta, como se pode ver na reclamação de Ivonir Pinsetta, foi

a opção da requerida para algumas das localidades de Seara: “há mais

ou menos 18 meses a Brasil Telecom fez a instalação física de postes e

fiação para mudar o sistema de telefonia do reclamante, mas até o

presente momento, somente alteraram de alguns vizinhos e o

reclamante continua com a modalidade 3491, convivendo

constantemente com a falta de sinal” (fl. 10).

Como é óbvio, tal opção é mais cara, porque demanda

investimentos em cabos e postes, além de constante manutenção. E, no

vil cálculo realizado pela requerida, não lhe traz lucros, porque são

poucos os agricultores a consumir o serviço, diante dos custos de

investimento.

Na prática, verifica-se na Comarca de Seara o seguinte:

a) a requerida está migrando a tecnologia TDMA para GSM;

b) nesta migração deveria garantir aos consumidores a

qualidade do sinal, a eficiência do serviço e o preço justo;

c) a migração para GSM traz custos à empresa, custos que

deveriam ser por ela incorporados, de acordo com os

planos de universalização da Anatel, com os quais

concordou nos contratos de concessão;

d) para minorar os custos, e maximizar os lucros, a empresa

tenta coagir os consumidores a abandonar o serviço;

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e) para tanto, torna dolosamente instável o sinal, quer pela

ação de seus agentes, quer pela falta de investimentos, o

que prejudica imensamente os agricultores;

f) além disso, deixa de fornecer sinal GSM de qualidade aos

consumidores e, quando opta pela instalação de telefonia

fixa, demora até um ano e meio para concluir a instalação,

tudo novamente como forma de coagir o

consumidor/agricultor a abandonar o serviço

voluntariamente.

Note-se que a estratégia gerencial da empresa é bastante

clara. Se o consumidor, depois do cansaço, depois de ver-se coagido pela

empresa, vir a cancelar o serviço, não terá mais direito à migração sem

custos. Como será, para efeitos formais, considerado um “novo”

consumidor, terá obrigatoriamente de se satisfazer com a tecnologia

atual (GSM), que evidentemente não será suficiente.

Enfim...

Recebida representação do Procon, dando conta da

gravidade da situação, a Promotoria de Justiça de Seara imediatamente

instaurou inquérito civil público e notificou Brasil Telecom e Anatel para

explicações. O Procon fez juntar à representação documentos contendo

reclamações de 41 agricultores da Comarca de Seara. Informa que há

ainda aproximadamente 80 outros agricultores em situação

semelhante.

A Brasil Telecom S.A. limitou-se a fazer referência

especificamente a dois consumidores, dizendo, em relação a um deles, o

seguinte: “já é objeto de estudo pela Companhia a migração de

tecnologia desta estação móvel, que vai melhorar a qualidade do sinal

para o usuário” (fl. 128).

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Quarenta dias depois de receber o ofício do Ministério

Público, a Anatel informou que “esta Agência está obetendo [sic] os

esclarecimentos pertinentes junto à Prestadora” e pediu prazo adicional

de 20 dias para resposta do ofício. Até o momento não houve resposta

da Anatel.

4. Direito

4.1. Regras da Anatel

A Resolução nº 477/2007 da Anatel, que regula o Serviço

Móvel Pessoal (nome técnico do serviço de telefonia celular), é expressa

em determinar que “a mudança de padrões de tecnologia promovida por

prestadora não pode onerar o usuário”. O parágrafo único ainda

esclarece: “Havendo incompatibilidade entre a Estação Móvel e os novos

padrões tecnológicos a prestadora deve providenciar a substituição da

Estação Móvel sem ônus para o usuário”.

O Plano Geral de Metas de Universalização, aprovado pelo

Decreto nº 4.769/2003, determina que toda localidade que contiver pelo

menos 300 habitantes deverá ser provida de telefonia fixa4.

Não há dúvidas na interpretação das regras.

Em primeiro lugar, a concessionária é obrigada a fornecer

telefonia fixa nas localidades dos consumidores que reclamaram ao

Procon, por conta do Plano de Universalização. Aliás, tanto isso é verdade

que os consumidores sempre tiveram acesso à telefonia fixa em suas

residências.

Por outro lado, se a operadora, por quaisquer motivos, sejam

eles econômicos, tecnológicos, ou mesmo por ordem da agência

reguladora, mudar da tecnologia TDMA para GSM, como ocorre na

Comarca de Seara, o direito de comunicação do consumidor (usuário)

4 Vide cartilha anexa, fls. 130-131.

7

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deverá ser garantido. A mudança do sistema não pode gerar qualquer

ônus.

4.2. Obrigatoriedade da adequação e eficiência dos serviços públicos

O art. 22 do Código de Defesa do Consumidor determina que

o serviço público deve ser prestado de forma adequada, eficiente, segura

e, quanto aos essenciais, contínua.

Não há dúvidas de que o serviço de telefonia é essencial à

vida moderna. Mesmo para quem viva no campo, a utilização de

telefones é imprescindível à compra e insumos, à negociação dos

produtos, e mesmo para atendimentos de emergência. Vale a pena

acessar o Youtube e verificar o drama dos consumidores de Pelotas, que

sofreram do mesmo problema5.

Além disso, a conduta da requerida infringe os direitos do

consumidor do serviço de telefonia, previstos expressamente no art. 6º

do Código de Defesa do Consumidor: “a proteção contra métodos

comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas

abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (art. 6º, IV);

“a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral” (art. 6º,

X).

E se se quiser ir mais adiante, a conduta vilipendia a um só

tempo os princípios da confiança e da boa-fé objetiva, este último norma

de caráter cogente que obriga às partes nas relações contratuais a

atuação conforme a lei e o contrato: “os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé” (art. 422).

5 Com as palavras chave “tim problemas celulares zona rural pelotas” ou com o código http://www.youtube.com/watch?v=PCAezYqLDpM é possível acessar o conteúdo da matéria.

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4.3. Danos extrapatrimoniais e a necessidade de sua reparação

Uma vez configurada a prática lesiva praticada pela

demandada e sua absoluta ilegalidade, não pode o Judiciário contentar-

se com a simples adequação da conduta. Seria um verdadeiro estímulo à

operadora a certeza de que vale a pena aguardar condenações judiciais,

muitas vezes em ações de longa tramitação, para ao final apenas passar

a fazer o que sempre deveria ter feito: cumprir a lei e respeitar o

consumidor.

Entram em cena então as funções dissuasora e sancionatória

da responsabilização civil, que, na sociedade típica da “‘era tecnológica’

desempenha funções que se desenvolvem em dois âmbitos: como

instrumento de regulação social e como mecanismo para a indenização

da vítima”, conforme Annelise Monteiro Steigleder.

E, ainda segundo a autora, “no âmbito de ser instrumento de

regulação social, a responsabilidade exerce a função de prevenir

comportamentos anti-sociais, dentre os quais aqueles que implicam

geração de riscos; de distribuir a carga dos riscos, pelo que se torna

otimizadora de justiça social; e de garantia dos direitos do cidadão”6.

4.3.1. Danos extrapatrimoniais individuais homogêneos

De fato, é fácil imaginar – e isso será comprovado nos autos –

a aflição da quase centena de agricultores da comarca que

experimentam constantemente suspensões no sinal de telefonia de suas

residência, sabendo ainda tratar-se de suspensão dolosa da empresa

concessionária. A jurisprudência amplamente reconhece o dever de

indenizar os danos morais em caso de suspensão do serviço de telefonia

por falta da operadora7.

6 Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004. p. 178, grifou-se.7 A SUSPENSÃO da prestação dos serviços de TELEFONIA, sem prévia comunicação ao cliente, ainda que estivesse inadimplente, caracteriza DANO MORAL passível de indenização" (Ap. Cív. n. 2004.037036-3, de São José, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 7-10-2005).

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O valor a ser arbitrado, a título de danos morais em favor de

cada um dos consumidores já identificados ou a serem identificados (art.

94 do CDC), deve situar-se em patamar que represente inibição à pratica

de outros atos antijurídicos e imorais por parte da empresa demandada.

É imperioso que a Justiça dê ao infrator resposta eficaz ao ilícito

praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o comportamento

infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais,

considerando-se o patrimônio da requerida e o dano moral sofrido pelos

agricultores, além do evidente dolo na conduta, não pode ser inferior a

R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor de cada consumidor

identificado.

4.3.2. Danos extrapatrimoniais coletivos

Mas não foi só a esfera individual de cada consumidor que

acabou sendo lesada com a ação da requerida. Todas as pessoas

determináveis ou não expostas à prática desleal aqui narrada8,

considerada “prática abusiva” pelo art. 39 do Código de Defesa do

Consumidor, são vítimas e, portanto, ainda que difuso o dano e, portanto,

impossível identificar as vítimas, é necessária a fixação de indenização

pelos danos extrapatrimoniais difusos.

Sim, porque evidentemente não apenas os consumidores

titulares das linhas dolosamente suspensas sofreram com a conduta

narrada. Também todos aqueles que procuraram pelos agricultores, ou

REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. SUSPENSÃO DE LINHA TELEFÔNICA CELULAR, POR ERRO IMPUTÁVEL À FORNECEDORA. DIREITO AO RESTABELECIMENTO DO SERVÇO. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. REDUÇÃO QUANTUM INDENIZATÓRIO. O dano moral, na hipótese concreta, prescinde de prova, ante a dificuldade de produzi-la e, ademais, por estar evidente o prejuízo, inerente ao próprio fato do bloqueio indevido de importante ferramenta da comunicação. Situação que ultrapassa o mero dissabor cotidiano. RECURSO PROVIDO, EM PARTE. (Recurso Cível Nº 71002389393, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 28/01/2010).8 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

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seja, tentaram contato telefônico com eles, deixaram que obter o

resultado que legitimamente se esperava de um sistema de telefonia

eficiente, adequado e justo. Estas pessoas, que são parentes,

fornecedores, consumidores, amigos, serviços públicos, enfim, pessoas

não determináveis, certamente acabaram lesados de uma forma ou de

outra pela conduta da requerida.

E, como se sabe, os interesses difusos foram definidos pelo

legislador consumerista, no art. 81, inc. I, do CDC, como os

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato9.

 A prática abusiva adotada pela ré abala o patrimônio moral

da coletividade, pois todos acabam se sentindo ofendidos e

desprestigiados como cidadãos com a prática lesiva a que se expuseram.

A sensação, como se percebe claramente, atingiu a todos, no caso

vertente, e foi justamente a de que o sistema é injusto, pois não se

poderia conceber o mais forte submetendo o mais fraco à tamanha

situação de indignidade. Daí a inquestionável ofensa coletiva passível de

reparação.

Não se pode conceber que numa sociedade democrática,

onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que

9 Para Kazuo Watanabe, “nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza indivisível e a inexistência de relação jurídica-base não possibilitam, como já ficou visto, a determinação dos titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se um vínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas, a relação jurídica-base que nos interessa, na fixação dos conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de lesão. [...] No campo da relação de consumo, podem ser figurados os seguintes exemplos de interesses direitos difusos: [...] b) colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde, ou segurança dos consumidores, o que é vedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge a todos os consumidores potenciais do produto, que são em número incalculável e não vinculados entre si por qualquer relação-base. Da mesma forma que no exemplo anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do produto no mercado, beneficia ao mesmo tempo a todos eles” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, 1997. p. 625/627).

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venham a garantir ao cidadão o pleno exercício dos atributos da

cidadania, inclusive com a efetiva implementação da legislação

consumerista, tenha lugar a busca insana do enriquecimento fácil que

submete o consumidor a práticas inaceitáveis, como a que foi narrada

nesta inicial.

É dentro desse mesmo contexto que não se pode esconder a

grande extensão do dano causado, pois, além de agredir interesses

garantidos por lei ao consumidor, o procedimento denunciado gerou

sentimento de descrença e desprestígio da sociedade com relação aos

poderes constituídos e ao sistema de um modo geral.

Importa declinar, de outra parte, que a demandada é

empresa de grande porte, sendo desnecessária qualquer referência a sua

capacidade econômica, por ser de conhecimento público.

 O valor a ser arbitrado, a título de danos extrapatrimoniais,

deve situar-se em patamar que represente inibição à pratica de outros

atos antijurídicos e imorais por parte da empresa demandada. É

imperioso que a justiça dê ao infrator resposta eficaz ao ilícito praticado,

sob pena de se chancelar e se estimular o comportamento infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais não pode ser

inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), revertendo-se para o

fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

5. Antecipação da tutela

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 84,

§ 3º:

Art. 84 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.[...] § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz

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conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o Réu.

                                                

No caso dos autos, não podem os consumidores aguardar até

o trânsito em julgado desta ação civil pública para verem seu direito

tutelado pelo Judiciário. Ainda que nesta Comarca de Seara a tramitação

dos feitos seja célere, sabe-se que a Brasil Telecom, experiente ré em

ações deste tipo, fatalmente fará subir aos tribunais superiores recursos

procrastinatórios.

Depois do trânsito em julgado, de nada adiantará o

provimento final. Os consumidores terão passado anos sem telefonia de

qualidade, sem este serviço público essencial da modernidade,

experimentando toda a sorte de prejuízos, inclusive econômicos. Basta

imaginar, Excelência, uma pessoa nos dias de hoje sem telefone para

mensurar a gravidade da situação.

Por este motivo é que se faz imperiosa a antecipação da

tutela para o fim de determinar à Brasil Telecom que, em 30 dias migre

todos os sistemas de telefonia TDMA da Comarca para GSM ou para

telefonia fixa, sob pena de multa, e que, no mesmo prazo, restabeleça o

sinal de telefonia para todos os consumidores da Comarca de Seara.

Note-se que o prazo de 30 dias não é exíguo. Para quem já

vem sendo alertado pelo Procon e pelos consumidores há pelo menos

seis meses, o prazo é na verdade muito largo. Aliás, tivesse mesmo a

responsabilidade necessária à obtenção de concessão pública tão

importante, a requerida jamais permitiria chegar ao Judiciário a questão

neste ponto.

6. Conclusões

Diante de tudo o que foi exposto, dos precedentes

jurisprudenciais e da extensa documentação existente nos autos, o

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA requer:

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

a) o recebimento e autuação da inicial;

b) a publicação de edital nos termos do art. 94 do Código de

Defesa do Consumidor;

c) a concessão de liminar para o fim de determinar à Brasil

Telecom S.A. que, em 30 dias;

c1) restabeleça o sinal de telefonia para todos os

consumidores rurais da Comarca de Seara (Arvoredo, Xavantina e Seara),

notadamente para os indicados na nota de rodapé nº 10, sob pena de

multa de R$ 10.000,00 por mês, para cada consumidor identificado;

c2) migre todos os sistemas de telefonia TDMA da Comarca

para GSM ou para telefonia fixa, garantindo a qualidade (sem chiassos,

interrupções, ecos, etc.) e a continuidade, sem qualquer custo para os

consumidores, sob pena de multa de R$ 10.000,00 por mês, para cada

consumidor identificado;

d) a citação da requerida, para que apresente a defesa que

quiser;

e) a produção da prova que for necessária, indicando desde

já como testemunha o senhor Clodoaldo Weber, Chefe do Procon de

Seara, e dos 41 consumidores listados no inquérito civil, com a inversão

do ônus da prova, a teor do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do

Consumidor;

f) ao final, a confirmação dos pedidos deduzidos em sede de

tutela antecipada, para que migre definitivamente os sistemas TDMA

para GSM ou telefonia fixa;

g) a condenação da requerida ao pagamento de R$

50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada consumidor lesado por sua

conduta, identificados no inquérito civil10;

10 Para que não se tenha dúvidas, seguem os nomes dos consumidores já identificados: Pedro Breier, Ivonir Carlos Pinssetta, Darci Wildner, Eliseu Arend, Airton Wermeier, Ivonir Pilger, Érico Krutzmann, Wilson Inácio Rambo, Irio Casarotto, Armindo Begnini,

14

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h) a condenação da requerida ao pagamento de indenização

genérica, no valor mínimo de R$ 50.000,00, aos consumidores que

vierem a ser identificados posteriormente e aos consumidores que se

habilitarem nesta ação (art. 94, 95 e seguintes do CDC);

i) a condenação da requerida ao pagamento de indenização

pelos danos extrapatrimoniais difusos, em favor do Fundo de

Reconstituição de Bens Lesados, no valor mínimo de R$ 500.000,00.

j) a condenação das requeridas em custas, despesas

processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto

Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de Bens

Lesados do Estado de Santa Catarina).

Dá-se à causa o valor de R$ 2.550.000,00 (dois milhões

quinhentos e cinquenta mil reais).

Seara, 1º de abril de 2010

  

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça

Arlindo Bedin, Ernesto Aluísio Theobal, Luiz Lorenzetti, Seara Prefeitura (Linha Santa Cruz), Lauri Poletto, Jadir Antônio Martini, Seara Prefeitura (Linha São Marcos), Vilson José Vani, Clair Decezare, Geraldo Fedrizzi, Selvino Deitos, Benjamin Nava, Genir Paludo, Levis Luiz Bordignon, Ademir Marafon, Ademar Antônio Dagostine, Moacyr Antoninho Tedesco, Luiz Bassani, Vanderlei Arend, Amarildo Mior, Vilmar Berno, Leocir Biondo, Claudemir Fávero, Itá Prefeitura (Linha Cruzeiro), Clair Carlesso, Vergínio Simoni, Hilário Doerzbacher, Laurindo Tofolo, Gilmar José Mocellini e Abrelino Trevisan.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

HABILITAÇÃO PARA VÍTIMAS

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA

JOÃO DA SILVA, brasileiro, casado, agricultor, CPF nº XXXX,

RG nº XXX, telefone nº XXX, e-mail [email protected], residente em

Linha Santa Cruz, interior de Seara, nos termos do art. 94 e 98 do Código

de Defesa do Consumidor, requer sua HABILITAÇÃO na Ação Civil

Pública nº 068.10.XXXX, que trata da telefonia rural.

Para tanto, informo que:

a) sou titular da linha telefônica rural nº 3491-XXXX;

b) há aproximadamente XXX meses o sinal vem se tornando

instável, de modo que não consigo mais fazer ligações

nem receber chamadas;

c) já mantive contato com a Brasil Telecom por diversas

vezes, mas nada foi resolvido;

d) tal situação gera prejuízos de toda a ordem, notadamente

para contatos com familiares, amigos, prefeitura, órgãos

públicos, fornecedores de insumos agrícolas e

compradores da produção agropecuária de minha

propriedade;

e) requeiro seja a Brasil Telecom condenada a me pagar,

como indenização, o valor postulado pelo Ministério

Público.

f) segue anexa cópia da fatura telefônica e de reclamação

no Procon.

Seara, 5 de abril de 2010

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João da SilvaAgricultor

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