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7/30/2019 Brasileira, 25 Anos
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Brasileira, 25 Anos
Ana Rita Aguiar
A autora tem a idade de VEJA. Sua vida se confunde com o Brasil pblico: nasceu em maternidade do Estado, estudou
em escolas oficiais, sua sade e doenas passaram pelo INPS e hoje ela a professorinha de uma nova gerao debrasileiros
Sou de uma famlia modesta. Nasci em 11 de abril de 1968 numa maternidade pblica do Recife. Fui a primeira dos setefilhos de Amadeu e Albanita Aguiar, ambos funcionrios pblicos. Meus pais so do
interior de Pernambuco. Papai nasceu e viveu por muitos anos em Brejo da Madre de
Deus, no agreste, e minha me em Limoeiro, na Zona da Mata. Conheci desde cedo o
sofrimento do sertanejo e do cortador de cana-de-acar. Era no Brejo, na casa de meus
padrinhos Clvis e Maria Jos, que passava minhas frias. Tambm l moravam meusavs Dudu e Glorinha Aguiar, que j morreram.
Brejo da Madre de Deus uma cidade simptica, fica entre serras e por causa disso
noite faz um friozinho gostoso. Ainda hoje vou sempre l para descansar, passear e rever
parentes e amigos. Numa dessas frias, eu devia ter uns 14 anos, minha v me deu um
livro, At Quarta, Isabela!, de Francisco Julio, lder das Ligas Camponesas em
Pernambuco antes de 1964. Foi um marco em minha vida. Era uma carta de um pai preso,
sofrendo perseguies polticas, para a filha que nascia naquele momento. Uma carta de
amor, um amor to sublime que dele nunca me esqueci. Como o Brasil mudou desde
aquela poca!
Eu e todos os meus irmos sempre estudamos em escolas pblicas. O nico homem Emmanuel. Tem 21 anos e cursaAdministrao de Empresas. J foi aspirante do Exrcito e hoje se dedica soa aos estudos. No consigo imaginar o que
ser dele quando concluir o curso. Ser que vai conseguir um emprego que justifique tantos esforos? Ana Caroline, de
13 anos, cursa a 8. Srie numa escola pblica e pretende ser jornalista. inteligente, alegre e desinibida. Fico me
perguntando como estar quando tiver meus 25 anos. Ou Anamaria, de 12, e as gmeas
Camilla e Marianna, de 8 anos.
Minha segunda irm, Ana Rosa, de 24 anos, foi embora do Brasil. Terminou o curso
superior de Enfermagem h quase dois anos e, diante da falta de oportunidades nomercado de trabalho, aceitou convite para trabalhar em Portugal. Hoje est bem, muito
melhor que todos ns. Embora lamente todo dia a distncia. Apesar desse exemplo
dentro da famlia, no penso em deixar o pas. Quero ter e criar meus filhos aqui.
Em 1984, aos 16 anos, formei-me professora pela Escola Marcelino Champagnat, em
Tejipi, bairro do Recife. Fiz vestibular para o curso de Letras e fui aprovada. Mas no fui
at o fim do curso. Submeti-me a dois concursos pblicos para professora primria e hoje
leciono em duas escolas, uma da prefeitura do Recife e outra do governo do Estado. No
deu para conciliar tudo. Para trabalhar, tive de trancar a
matrcula na faculdade. Foi a mais dura opo feita na vida. claro que ainda penso em
voltar. No desisti. S no sei quando isso ser possvel.
Como professora, procuro passar aos meus alunos a noo de que lutar e desenvolver
suas habilidades para encontrar seu melhor Brasil. Ensino crianas de famlias de baixa renda
que empobrecem a cada dia e no tem muita f. muito triste olhar. Tento mudar isso. Ser
professor no nada fcil. Mas como posso compreender tudo isso se tambm tenho
problemas bem parecidos aos dos meus alunos e no consigo resolv-los?
Do meu salrio, 8% descontado para o Instituo de Previdncia dos Servidores, IPSEP. Pois
bem: no ano passado precisei ir ao mdico e fui at o Hospital dos Servidores marcarconsulta. Consegui uma vaga para vinte dias depois. Na data marcada, a mdica faltou.
Remarquei para quinze dias depois e, dessa vez, a mdica solicitou diversos exames. No
laboratrio do prprio hospital, a atendente informou que s tinha vaga para um ms
Conheci
desde
cedo o
sofrimento
do sertanejo
e do
cortador de
cana
Fico me
perguntando
como estar
Ana Caroline
quando tiver
meus 25
anos
Trancar amatrcula
na
faculdade
foi a mais
dura opo
feita na
vida
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depois.
O Brasil que me oferecido, o pas real onde vive mais de 80% de nosso povo, o Brasil dos servios pblicos, esse pas
faliu faz tempo. Veja o caso dos transportes coletivos. Entro todo dia em seis nibus, no mnimo. Todos sempre lotados.
Bom era quando andvamos de carro. H sete anos meus pais juntaram suas economias e compraram de uma tia um
Fusquinha 78. Eu tinha 18 anos, j trabalhava como professora e era a motorista oficial da famlia. Levava os irmos
menores para o colgio, minha me para o trabalho, fazia supermercado, pagava as contas. Em 1998 vendemos o Fusca
e conseguimos comprar um Gol 84. As coisas pareciam estar melhorando. Depois de Collor, o arrocho pesou. H dois
anos o carro no sai da garagem. No temos dinheiro para gasolina e manuteno. Talvez at pudssemos colocar de
lado uma quantia xis por ms, mnima que fosse, para gastar com o carro. Mas que estamos construindo um novo
quarto na casa e a esse projeto destinamos todas as nossas economias. Investir em imvel muito mais prudente. Carro
se acaba, pode ser roubado. Casa no, para sempre.
Tenho conscincia das diferentes realidades vividas no Brasil de hoje. H pessoas quenasceram em outras situaes, que nunca precisaram trabalhar nem abandonar a
universidade e s sabem da existncia de transportes coletivos porque de dentro de
seus carros contemplam verdadeiros formigueiros humanos. quase impossvel sair
daqui do meu Brasil com destino ao pas desses sortudos. Subir um degrau quase ummilagre.
Os meus pais, que tinham a minha idade no fim da dcada de 60, tiveram mais
oportunidades. Com poucos anos de casados, compraram uma casa prpria. Fizeram
concursos e foram admitidos no servio pblico e minha me conseguiu concluir a
faculdade, mesmo com trs filhos. O pas era mais generoso. A situao piorou. Tem o
monstro da inflao, o fantasma da recesso e, em pocas de dinossauros, o
desemprego de outros tempos.
Nesses 25 anos, acompanhei com entusiasmo cada fase da vida poltica nacional. Depositei f no pas em momentos
como as Diretas J, em 1984. Vibrei com a eleio, mesmo indireta, de Tancredo
Neves e chorei com sua morte. No Plano Cruzado, fui fiscal do Sarney e fiquei nas filas
de leite e da carne. Fui enganada, mas no perdi totalmente a confiana no pas.
Meu maior momento de descrena e pessimismo foi o do confisco da poupana,
promovido pelo assaltante que se instalou no Planalto. No ano passado fui para as
ruas pedir sua sada. Comemorei o impeachment e recebi nova injeo de esperana.
Quem sabe, no foi o comeo de um novo tempo para ns, brasileiros. Precisamos
recuperar o sentimento de coletividade, respeito, responsabilidade e dar crdito aos
polticos srios. Ainda acredito em dias melhores. Pode ser difcil que homens dignos
que gostem e respeitem o Brasil e os brasileiros assumam o comando dos destinos danao. Mas preciso crer nisso.
Os meus pais
que tinham
minha idadenos anos 60,
tiveram mais
oportunidades
Meu maior
momento de
descrena e
pessimismo foi
o do confisco
da poupana