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Breve panorama dos estudos em argumentação textual (2010-2016) Ariane Bones Budke UNIOESTE [email protected] Carmen Teresinha Baumgärtner UNIOESTE [email protected] Resumo: A argumentação textual é de extrema importância na construção das redações realizadas pela maioria dos vestibulandos, já que grande parte dos gêneros solicitados nos mais diversos vestibulares encontram-se classificados na ordem do argumentar, como: dissertações descritivas, dissertações argumentativas, cartas do leitor, de solicitação e de reclamação, artigos de opinião, comentários críticos-interpretativos, cartas argumentativas, etc. A argumentatividade aparece em menor ou maior grau até mesmo em textos narrativos ou descritivos que também são cobrados nos concursos. Os gêneros tipicamente argumentativos exigem dos candidatos a construção de uma opinião de forma progressiva, utilizando-se de argumentos coerentes e consistentes para o sucesso na exposição e uma consequente boa classificação. Dada a relevância da temática para o sucesso da construção textual e da necessidade de estudos que contribuam para a melhoria do ensino e aprendizagem de gêneros na escola, este artigo busca expor os dados iniciais da construção de um estado da arte das pesquisas já realizadas no campo da argumentação textual entre os anos de 2010 e 2016, procurando contribuir para a identificação das subáreas já abordadas nesse âmbito e daquelas que ainda merecem atenção dos pesquisadores da área. Palavras-chave: Argumentação textual; Estado da arte; Gêneros argumentativos; Mapeamento. Resumen: La argumentación textual es de gran importancia en la construcción de las redacciones hechas por la mayoría de los vestibulandos, pues grande parte de los géneros textuales pedidos en las más diversas pruebas de acceso a la universidad se encuentran clasificados en el orden del argumentar, como: disertaciones descriptivas, disertaciones argumentativas, cartas del lector, de solicitud y de reclamación, artículos de opinión, comentarios críticos interpretativos, cartas argumentativas, etc. La argumentatividade aparece en menor o mayor grado hasta mismo en textos narrativos o descriptivos que también son cobrados en los concursos. Los géneros típicamente argumentativos exigen de los candidatos la construcción de una opinión de forma progresiva, utilizándose de argumentos coherentes y consistentes para el éxito en la exposición y una consecuente buena calificación. Dada la relevancia de la temática para el éxito de la construcción textual y de la necesidad de estudios que contribuyan para la mejora de la enseñanza y aprendizaje de géneros en la escuela, este artículo busca exponer los datos iníciales de la construcción de un estado del arte de las búsquedas ya hechas en el campo de la argumentación textual entre los años de 2010 y 2016, buscando contribuir para la identificación de las sub-áreas ya abordadas en ese ámbito y de aquellas que aún necesitan atención de los investigadores del área. Palabras-clave: Argumentación textual; Estado del arte; Géneros argumentativos; Levantamiento.

Breve panorama dos estudos em argumentação textual (2010 … · A argumentação está intrinsecamente ligada à linguagem, visto que quando interagimos utilizando-se da língua,

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Breve panorama dos estudos em argumentação textual (2010-2016)

Ariane Bones Budke – UNIOESTE

[email protected]

Carmen Teresinha Baumgärtner – UNIOESTE

[email protected]

Resumo: A argumentação textual é de extrema importância na construção das redações

realizadas pela maioria dos vestibulandos, já que grande parte dos gêneros solicitados nos mais

diversos vestibulares encontram-se classificados na ordem do argumentar, como: dissertações

descritivas, dissertações argumentativas, cartas do leitor, de solicitação e de reclamação, artigos

de opinião, comentários críticos-interpretativos, cartas argumentativas, etc. A

argumentatividade aparece em menor ou maior grau até mesmo em textos narrativos ou

descritivos que também são cobrados nos concursos. Os gêneros tipicamente argumentativos

exigem dos candidatos a construção de uma opinião de forma progressiva, utilizando-se de

argumentos coerentes e consistentes para o sucesso na exposição e uma consequente boa

classificação. Dada a relevância da temática para o sucesso da construção textual e da

necessidade de estudos que contribuam para a melhoria do ensino e aprendizagem de gêneros

na escola, este artigo busca expor os dados iniciais da construção de um estado da arte das

pesquisas já realizadas no campo da argumentação textual entre os anos de 2010 e 2016,

procurando contribuir para a identificação das subáreas já abordadas nesse âmbito e daquelas

que ainda merecem atenção dos pesquisadores da área.

Palavras-chave: Argumentação textual; Estado da arte; Gêneros argumentativos;

Mapeamento.

Resumen: La argumentación textual es de gran importancia en la construcción de las

redacciones hechas por la mayoría de los vestibulandos, pues grande parte de los géneros

textuales pedidos en las más diversas pruebas de acceso a la universidad se encuentran

clasificados en el orden del argumentar, como: disertaciones descriptivas, disertaciones

argumentativas, cartas del lector, de solicitud y de reclamación, artículos de opinión,

comentarios críticos interpretativos, cartas argumentativas, etc. La argumentatividade aparece

en menor o mayor grado hasta mismo en textos narrativos o descriptivos que también son

cobrados en los concursos. Los géneros típicamente argumentativos exigen de los candidatos

la construcción de una opinión de forma progresiva, utilizándose de argumentos coherentes y

consistentes para el éxito en la exposición y una consecuente buena calificación. Dada la

relevancia de la temática para el éxito de la construcción textual y de la necesidad de estudios

que contribuyan para la mejora de la enseñanza y aprendizaje de géneros en la escuela, este

artículo busca exponer los datos iníciales de la construcción de un estado del arte de las

búsquedas ya hechas en el campo de la argumentación textual entre los años de 2010 y 2016,

buscando contribuir para la identificación de las sub-áreas ya abordadas en ese ámbito y de

aquellas que aún necesitan atención de los investigadores del área.

Palabras-clave: Argumentación textual; Estado del arte; Géneros argumentativos;

Levantamiento.

Considerações iniciais

Este trabalho versa sobre o estado da arte acerca da pesquisa sobre a argumentação

textual voltada para a sala de aula, com o objetivo de apresentar a produção científica

acumulada sobre a temática, tendo como marco temporal para a construção da investigação o

período de 2010 a 2016. Como referência para a análise dos dados, utilizamos as teses,

dissertações e artigos publicados em bancos de teses e dissertações da Capes, de universidades,

como: UNIOESTE, USP, UNICAMP, plataforma de dados da Biblioteca Digital Brasileira de

Teses e Dissertações (BDTD) e os dados da grande rede.

Medeiros e Dias (2015)

destacam que estudos acerca do estado da arte são construídos e publicados

em diversas áreas do saber, evidenciando um inventário significativo de

conhecimentos que foram produzidos e socializados em pesquisas, em tempos

e espaços em que se desenvolvem as discussões. (MEDEIROS; DIAS, 2015,

p.117).

Quanto a esse artigo, a intenção é contribuir para a identificação das subáreas já

abordadas nesse âmbito e daquelas que ainda merecem atenção dos pesquisadores da área.

Optamos pelo recorte temporal 2010 a 2016 dada à amplitude da investigação, o que dificulta

uma análise mais cuidadosa e significativa sobre o tema.

Compreendemos como estado da arte o estudo de caráter bibliográfico que busca

mapear a produção acadêmica em diferentes áreas do conhecimento, verificando quais os

aspectos estudados em determinadas épocas e regiões e utilizando “como fontes básicas de

referência para realizar o levantamento dos dados e suas análises, principalmente, os catálogos

de faculdades, institutos, universidades, associações nacionais e órgãos de fomento da

pesquisa.” (FERREIRA, 2012, p.259).

Destacamos que o interesse primário por realizar o levantamento dos estudos já

produzidos e publicados envolvendo a argumentação textual em sala de aula surge em virtude

de a argumentação textual ser o tema central na dissertação intitulada “Desvios de

argumentação em redações do vestibular da Unioeste 2016” que se encontra em andamento no

Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –

UNIOESTE (campus Cascavel).

Esclarecemos que ao realizar as buscas nos bancos de dados milhares de resultados

apareceram ao inserirmos os termos: “argumentação textual, argumentação ou argumentação e

redações”, porém, ao refinarmos os resultados por áreas de conhecimento e ano e ao adentrar

na leitura dos documentos (títulos, resumos, introduções) identificamos 80 trabalhos que

contemplavam a temática de interesse. Grande parte dos trabalhos relacionavam o termo

“argumentação” a outras vertentes de investigação, tais como: argumentação jurídica ou em

textos jurídicos, na argumentação presente em discursos políticos, em questões de vestibulares,

no aprendizado do português como língua estrangeira, no ensino de línguas, dentre outros.

É preciso frisar que a construção de um texto bem argumentado e articulado é essencial

para o sucesso na aprovação às mais variadas universidades brasileiras, tanto públicas como

privadas, já que grande parte dos gêneros solicitados nas provas de redação dos mais diversos

vestibulares encontra-se classificados na ordem do argumentar, como: dissertações descritivas,

dissertações argumentativas, cartas do leitor, de solicitação e de reclamação, artigos de opinião,

comentários críticos-interpretativos, cartas argumentativas, etc.

Argumentamos o tempo todo, pois em todas as interações: familiares, de trabalho ou

entre os amigos somos instigados a apresentar nossas opiniões, a sustentá-las ou discuti-las

para tentar convencer o outro. Dessa forma, argumentamos antes mesmo de dominar o código

escrito ou dos professores nos ensinarem tecnicamente a argumentar nas produções escritas em

sala, como parte de avaliações bimestrais ou em provas de acesso a universidades.

Depreende-se que o argumentar deve ganhar destaque tanto no momento da construção

do texto pelos vestibulandos, quanto ganhará no momento da avaliação. Sousa (2012) frisa que

argumentar implica articular pontos de vista, posicionar-se de forma pessoal em relação a um

tema polêmico, defender uma tese com argumentos válidos do ponto de vista racional e ético.

Isto é, tal competência envolve habilidades complexas necessárias não só para a entrada na

universidade ou conclusão do ensino médio, mas também para a vida profissional, vida

acadêmica futura, para a participação social e o exercício de cidadania.

Diante das inúmeras queixas de alunos, professores e corretores em relação aos

problemas apresentados no momento da escrita das redações e dificuldades de criar textos

claros, coesos e coerentes, acredita-se que os alunos, infelizmente, não desenvolveram durante

os anos de escolaridade as competências avaliadas nos processos de seleção para o acesso ao

ensino superior.

O exame do material encontrado no mapeamento e dialogado no texto visa explicitar as

temáticas recorrentes nas pesquisas. Dessa forma, dividimos o texto em duas seções: na

primeira, discorremos algumas considerações sobre a argumentação textual no ensino, com o

objetivo de esclarecer ao leitor a vertente argumentativa e a metodologia na pesquisa para a

concretização da investigação; no segundo momento, apresenta-se a análise dos dados

identificados, os quais demonstram a pesquisa em argumentação textual no período de 2010-

2016.

Discussão teórica

A argumentação está intrinsecamente ligada à linguagem, visto que quando interagimos

utilizando-se da língua, temos sempre objetivos, efeitos que pretendemos causar, relações que

buscamos estabelecer, tudo isso a fim de atuar sobre o interlocutor para obter respostas e

reações. Assim Koch (2010) afirma que “[...] o uso da linguagem é essencialmente

argumentativo: pretendemos orientar os enunciados que produzimos no sentido de

determinadas conclusões [...].”

Para Ducrot (apud Koch, 2010, p.29) a argumentatividade está inscrita na própria

língua. A autora afirma ainda que qualquer língua apresenta em sua estrutura elementos que

possibilitam indicar a orientação da argumentativa das declarações faladas ou escritas. Esses

mecanismos são nomeados de marcas lingüísticas da enunciação ou da argumentação ou de

modalizadores. “Dessa forma, a linguagem passa a ser encarada como forma de ação, ação

sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se,

portanto, pela argumentatividade.” (KOCH, 2009, p. 15)

Ao adotar essa visão de língua fica mais evidente a necessidade de promover, no ensino

de língua portuguesa nas escolas, o desenvolvimento da capacidade de refletir e analisar de

maneira crítica sobre a utilização da língua como forma de interação e comunicação, para que

os alunos/falantes/agentes/escritores se tornem capazes de compreender, analisar, interpretar,

agir e produzir textos verbais e escritos eficazes.

Koch (2009) salienta que o ato de argumentar subjaz uma ideologia, pois ao nos

expressarmos orientamos o discurso para determinadas conclusões. A estudiosa adota a posição

de que

[...] a argumentação constitui atividade estruturante de todo e qualquer

discurso, já que a progressão deste se dá, justamente por meio das articulações

argumentativas, de modo que se deve considerar a orientação argumentativa

dos enunciados que compõem o texto como fator básico não só de coesão,

mas principalmente de coerência textual. (KOCH, 2009, p. 21).

Nesse sentido a coerência e a coesão textual dependem das relações argumentativas

para se estabelecerem, dado que aquela é definida como a relação de sentido que se estabelece

entre conceitos, situações, fatos, afirmações e ideias no texto; e esta caracteriza-se como a

manifestação linguística da coerência, ao se efetivar nas relações entre os elementos dos

enunciados como: artigos, pronomes, adjetivos, conjunções, advérbios, entre outros. Segundo

Koch, o texto é coerente para os sujeitos em determinadas situações de comunicação. Por

consequência, para construir a coerência deve-se levar em conta os elementos lingüísticos que

formam o texto e o conhecimento enciclopédico, crenças, convicções, pressuposições e

contexto sócio-cultural.

Segundo Marcuschi (2008), a comunicação se dá através de textos que vão além das

frases e se constituem como unidades de sentido que “refratam o mundo na medida em que o

reordena e reconstrói” (MARCUSCHI, 2008, p. 72), assim os textos como unidades de sentido

que comunicam, nas quais convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas podem ser orais

ou escritos. É importante ressaltar que em nosso estudo quando mencionada a palavra texto a

entendemos, nesse momento, como a expressão escrita realizada pelos aprendizes.

Para o pesquisador o ensino ou trabalho com a língua portuguesa deveria privilegiar a

diversa produção textual e suas contextualizações na vida cotidiana, uma vez que a sequência

de enunciados em um texto não é aleatória e, do ponto de vista sociointerativo, produzir um

texto assemelha-se a jogar um jogo. Conforme Marcuschi (2008),

[...] produtores e receptores de texto (ouvinte/leitor – falante/escritor todos

devem colaborar para um mesmo fim e dentro de um conjunto de normas

iguais. Os falantes/escritores da língua, ao produzirem textos, estão

enunciando conteúdos e sugerindo sentidos que devem ser construídos,

inferidos, determinados mutuamente. A produção textual, assim como um

jogo coletivo, não é uma atividade unilateral. Envolve decisões conjuntas.

(MARCUSCHI, 2008, p. 77).

De acordo com Marcuschi (2008), o texto surge na complexa relação entre: linguagem,

cultura e sujeitos históricos que operam em contextos diferentes e só se completa com a

participação do leitor/ouvinte. Para o estudioso o texto com um ato comunicativo deve

obedecer a um conjunto de critérios de textualização, visto que ele não é a escolha aleatória de

um conjunto de frases nem aparece em qualquer ordem. Os critérios elencados pelo autor são

sete: coesão e coerência (conhecimentos lingüísticos), aceitabilidade, informatividade,

situacionalidade, intertextualidade e intencionalidade ( conhecimentos de mundo), sendo estes

critérios de acesso à produção de sentido e não de formação de textos.

Desse modo

Considerando o texto como uma atividade sistemática de atualização

discursiva da língua na forma de um gênero, os sete critérios de textualização

mostram o quão rico é um texto em seu potencial para conectar atividades

sociais, conhecimentos lingüísticos e conhecimentos de mundo.

(MARCUSCHI, 2008, p. 97).

É nos critérios de textualidade coesão e coerência que as operações argumentativas

tomam maior relevância e se efetivam, contribuindo para a progressão textual. Para Viana

(2010) escrever bem é argumentar bem e a manutenção do texto (coesão) e a produção de

sentidos (coerência) só se dá se soubermos argumentar. Deste modo para escrever deve-se

planejar, pois o modo que adotamos para argumentar determina a estruturação do texto. Logo,

argumentar exige organização, visto que um argumento deve articular o outro de maneira

natural, buscando sentido. Ao criarmos textos argumentativos demonstramos ao nosso leitor

nossa capacidade de criação, avaliação e crítica, passando a ele certas indagações, análises e

conclusões sobre o tema discutido. (VIANA, 2010)

Na articulação e organização textual, que estabelecem a enunciação do evento

comunicativo e dos argumentos, os operadores argumentativos, as marcas das intenções e os

modalizadores elencados por Koch (2009) assumem papel de importância, uma vez que

encadeam os enunciados, determinando a orientação discursiva e revelam a atitude perante o

enunciado que se produz.

Para Koch (1996 apud HOFFMANN et al, 2009) a qualidade da produção e da recepção

textual inicia-se com o conhecimento da língua e do valor argumentativo das marcas, pois a

argumentatividade está inscrita na língua.

O estudo aprofundado das questões argumentativas textuais passa a ser interessante

nesse direcionamento, visto que predomina nas solicitações dos vestibulares a produção de

textos dissertativos, dissertativos argumentativos, cartas do leitor, artigos de opinião,

comentários críticos interpretativos a respeito de determinados temas, indicando, na maior

parte dos casos o meio de publicação e a exigência de manifestação da opinião. O texto de teor

argumentativo é visto por muitos autores e pelos próprios vestibulandos ou aprendizes da

língua em ambiente escolar como complexo, pois exige de seu autor a defesa de uma ideia, de

uma opinião, uma tese, procurando que o leitor aceite-a ou creia nela. Destarte, o argumento

seria “[...] todo e qualquer procedimento discursivo que contribua para a sustentação de um

ponto de vista e favoreça sua aceitação pelo interlocutor [...]”. (DITTRICH; FAVARETTO;

MORAES, 2009, p. 41)

Dittrich, Favaretto e Moraes (2009) salientam que no momento em que o

aluno/candidato produz seus textos argumentativos este é avaliado na medida em que suas

asserções estão apoiadas em dados, evidências ou de que modo ele articula sua produção em

torno de informações carentes de sustentação. É preciso ainda que o texto esteja articulado em

torno de uma tese central, a fim de que os argumentos sirvam de estrutura de apoio que

permitam revelar em que linha argumentativa apontam.

Depreende-se da caracterização de avaliação proposta por Dittrich, Favaretto e Moraes

(2009) que o bom argumentar deve ganhar destaque tanto no momento da construção do texto

pelo aluno/candidato, quanto ganhará no momento da avaliação.

Diante dos resultados indesejados nas provas de redação dos variados vestibulares e das

inúmeras queixas de alunos, professores e corretores em relação aos problemas apresentados

no momento da escrita das produções e dificuldades de criar textos claros, coesos e coerentes,

acredita-se que os alunos, infelizmente, não desenvolveram durante os anos de escolaridade as

competências avaliadas nos concursos de vestibular.

É necessário frisar que a aprendizagem e domínio da língua escrita impõem ao aluno

graus de reflexão sobre o funcionamento da língua, por isso os “erros” ou “falhas” podem ser

tomados como indícios dos processos pelos quais os alunos constroem o conhecimento sobre

a língua escrita e o professor precisa auxiliar o aluno a superar suas dúvidas e seus conflitos

sobre a organização da escrita e sistematizar esse conhecimento para a plena apropriação e uso

do código. Nesse contexto, faz-se necessária a existência de estudos que versem sobre a

argumentação textual em idade escolar.

Dolz e Schneuwly (2004 apud Leal e Morais, 2006) salientam que os objetivos

principais do processo pedagógico no ensino de língua portuguesa são preparar os alunos para

dominar a língua em situações variadas, fornecendo-lhes instrumentos

eficazes; desenvolver nos alunos uma relação com o comportamento

discursivo consciente e voluntária, favorecendo estratégias de auto-regularão;

ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e de fala em

situações complexas, como produto de uma lenta elaboração (DOLZ;

SCHNEUWLY, 2004, p.49).

Nesse sentido, para Leal e Morais (2006) é importante que os aprendizes tenham

contato com a maior diversidade possível de textos e em diferentes contextos de interação em

suas trajetórias escolares para que possam desenvolver suas capacidades de escrita,

comunicação e cognição. Para os autores é relevante trabalhar com texto de opinião na escola,

dado que argumentar é uma atividade social fundamental, que permeia a vida dos indivíduos

em todos os campos da sociedade, pois defender uma visão é essencial na conquista de espaço

social e autonomia.

Alguns autores têm se debruçado sobre o estudo do desenvolvimento da capacidade de

defender ideias. Muitos desses trabalhos apontam as dificuldades na produção de textos escritos

tanto por crianças, como por adolescentes e adultos quando tentam argumentar.

De acordo com Leal e Morais (2006), as dificuldades podem ser oriundas de: 1)

inabilidade nas operações cognitivas necessárias para a produção; 2) de maior nível de

complexidade das estruturais textuais; 3) da falta de familiaridade com esses modelos na

escola; 4) das condições de produção de textos em que se busca argumentar; 5) da conjugação

de alguns desses fatores; 6) de outros fatores; 7) ou de processos didáticos inadequados, que

não conduzem a práticas diversificadas de escrita.

Ao partilhar da mesma visão teórica de Leal e Morais (2006), de que é preciso ensinar

os alunos a criarem produções da ordem do argumentar desde o início da escolarização e que

precisamos refletir sobre as melhores estratégias para fazer isso, propomos esse estado da arte

sobre a temática com o intuito de avaliar como estão sendo realizados os estudos sobre a

argumentação em sala de aula ou no âmbito dos vestibulares no período de 2010 a 2016.

Análise dos dados

De 2010 a 2016, foram identificadas 28 dissertações, 23 teses, 29 artigos, totalizando

80 trabalhos relacionados com o trabalho com a argumentação textual voltado para práticas de

sala de aula ou em redações de vestibulares. É importante destacar que esse número é

significativo, principalmente devido ao curto recorte temporal para a busca das pesquisas que

foi realizado.

Como primeiro dado para análise, apresentamos uma tabela que demonstra a quantidade

de investigações desenvolvidas sobre a temática encontradas na busca. Com base nos dados é

perceptível que há um equilíbrio entre as produções de teses, dissertações e artigos.

Quadro 1 – Quantidade de investigações encontradas

QUADRO GERAL PUBLICAÇÕES (2010-2016)

TESES 23

DISSERTAÇÕES 28

ARTIGOS 29 Fonte: Dados dos pesquisadores.

A fim de melhor ilustrar a distribuição da produção cientifica quantificada, organizamos

os dados no quadro seguinte, de acordo com as instituições em que as pesquisas foram

realizadas, bem como a quantidade específica de teses e dissertações publicadas na área em

levantamento.

Quadro 2 - Quantitativo de teses e dissertações por universidade

UNIVERSIDADES TESES DISSERTAÇÕES TOTAL

UNIOESTE 0 4 4

UNITAU 0 1 1

UFU 2 1 3

UFRN 1 5 6

UCS 0 1 1

UEFS 0 2 2

USP 1 4 5

PUC-SP 4 2 6

UERJ 2 2 4

UNICAMP 1 1 2

UFAL 1 1 2

UNICAP 0 1 1

UFPB 1 1 2

UFES 0 1 1

UNISINOS 1 1 2

UEL 2 0 2

UFC 2 0 2

UFRJ 1 0 1

UFMG 1 0 1

UFPR 2 0 2

UFPE 1 0 1 Fonte: Dados dos pesquisadores.

Das 51 teses e dissertações encontradas, 25 do total se localizam nas seguintes

universidades: USP, PUC-SP, UFRN, UNIOESTE e UERJ, sendo essas consideradas as que

mais contemplam a produção em argumentação textual voltada para o ensino.

No que tange às universidades que apresentaram maior concentração de investigações

destacamos: a Universidade de São Paulo (USP), com 4 dissertações e 1 tese; a Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com 4 teses e 2 dissertações e a Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com 5 dissertações e 1 tese.

É importante destacar aqui a concentração dos estudos na região sudeste do país, visto

que para além das 11 produções citadas acima, ainda temos 3 estudos na Universidade Federal

de Uberlândia, 2 estudos na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2 estudos na

Universidade Estadual de Campinas, 1 estudo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1

estudo na Universidade Federal de Minas Gerais, 1 estudo na Universidade Federal do Espírito

Santo e 1 estudo na Universidade de Taubaté, totalizando 22 trabalhos.

Dentro dessa conjuntura, chamam-nos a atenção as poucas investigações realizadas pela

região norte do país e concretizadas pelas universidades tanto estaduais quanto federais que

totalizam uma ou duas produções no período demarcado.

O quantitativo de estudos identificados (teses, dissertações e artigos) mostra a o

interesse dos pesquisadores por estudos voltados para o trabalho e análise da argumentação

textual em sala de aula, no entanto, segundo Damasceno e Beserra (2004 apud Medeiros e Dias,

2015), tal interesse não nasce da clareza ou sensibilidade dos estudiosos do tema, mas, sim, das

próprias circunstâncias da realidade em estudo, ou seja, o crescimento de ações e atividades

direcionadas à argumentação textual, devido à necessidade de aprofundar os estudos nessa área,

já que grande parte dos vestibulares, nas últimas décadas, exigem dos candidatos melhor

desempenho crítico e argumentativo, ao solicitar gêneros da ordem do argumentar em suas

propostas de redação.

As principais áreas da argumentação textual abordadas nos estudos identificados são

apontadas no gráfico abaixo detalhadamente.

Quadro 3 – Áreas investigadas sobre a argumentação textual voltada para o ensino

Fonte: Dados dos pesquisadores.

No topo das subáreas estudadas dentro da argumentação textual aparecem os estudos

relacionados à identificação/categorização de fatores e processos argumentativos nos gêneros

da ordem do argumentar, como: carta do leitor, artigo de opinião, ensaios, dissertações-

argumentativas e textos de opinião. Destaca-se que todos esses estudos foram realizados sob

produções ou trabalhos de/com séries finais do ensino fundamental, no ensino médio, em séries

de educação de jovens e adultos ou em redações de vestibulares. Tal categoria contempla 50%

dos trabalhos levantados.

Com fluxo também representativo surgem os estudos sobre termos, articuladores e

operadores argumentativos (17,5%), seguidos da categoria “Outras” (15%). Nesta categoria,

falamos de trabalhos que não se vinculam às temáticas apreciadas previamente, no entanto,

comungam diretamente com a abordagem da argumentação textual no ensino. Categorizamos

12 trabalhos nessa área, estes aparecem elencados abaixo.

Quadro 4 – Trabalhos categorizados em “Outras”

Argumentação e cidadania no artigo de opinião em sala de aula (tese) - USP 2015

Saberes e interlocuções em redações de vestibular (artigo) 2013

Avaliação e argumentação: uma análise da produção textual no ensino médio

(artigo)

2015

Por que os educadores devem preocupar-se com a argumentação (artigo) 2016

A importância da leitura para a realização de uma argumentação efetiva no

texto dissertativo (artigo)

2010

O ensino da argumentação na leitura, na produção textual e na análise

linguística: reflexões teórico-propositivas (artigo)

2015

Produção textual na escola: práticas de letramento em argumentação 2015

O ethos discursivo nas redações de vestibular (tese) - UERJ 2012

A objetivação da linguagem no contexto do vestibular: movimentos na

história e no político (tese) - UFU

2016

A redação do vestibular sob uma perspectiva multidimensional: uma

abordagem da linguística de corpus (tese) - PUC-SP

2016

A elaboração do discurso argumentativo por alunos do ensino fundamental

(tese) - UFMG

2012

Argumentação e redes sociais: o tweet como gênero e a emergência de novas

práticas comunicativas - USP

2014

Fonte: Dados dos pesquisadores.

Nas demais áreas, percebemos pouca representação no número de investigações e

destacamos a necessidade de mais estudos incidindo sobre elas. É preciso dedicar-se a esses

âmbitos, pois a redação do ENEM, caracterizada como uma proposta de produção dissertativo-

argumentativa, exige do candidato domínio das práticas textuais argumentativas e o processo

seletivo, atualmente, possibilita o acesso a inúmeras universidades e faculdades do Brasil.

Já na abordagem da argumentação nos matérias didáticos, percebe-se que há uma

insuficiência de produções efetivas que auxiliem realmente professores e alunos no processo.

Por último, é imprescindível a continuação do trabalho com a argumentação nos textos que os

estudantes produzem em avaliações no meio acadêmico, uma vez que os desvios

argumentativos identificados nas produções de redações de acesso às universidades

demonstram falhas na estrutura argumentativa textual dos acadêmicos que ainda podem ser

repetidas, sanadas e estudadas ao longo da vida acadêmica.

Considerações finais

Este trabalho buscou identificar a produção científica sobre a argumentação textual

voltada para o ambiente escolar publicada no período de 2010 a 2016. No decorrer da pesquisa,

foram detectados 23 teses, 28 dissertações e 29 artigos versando sobre o assunto em estudo.

Enfatizamos que a pesquisa sobre essa temática apresentou produção significativa em

determinadas áreas do processo argumentativo textual, como: identificação de fatores,

estratégias e processos presentes em textos da ordem do argumentar.

Verificamos que alguns campos da argumentação textual ainda são poucos explorados

e merecem maior atenção, como: a abordagem do argumentar nos materiais didáticos, a análise

da argumentação na produção de acadêmicos e estudos sobre a redação do ENEM. Destacamos

ainda a necessidade de estudos voltados para os desvios argumentativos nos textos, estudos

teóricos da argumentatividade que levem à análise, à leitura/produção de textos e a respeito da

relação do argumentar com as práticas de leitura.

Acreditamos que as publicações enriquecem o conhecimento na esfera da argumentação

e oferecem alguns subsídios para o aprimoramento do ensino de leitura/produção textos em

língua portuguesa, uma vez que os olhares dos investigadores trazem investigações

significativas.

Por fim, indicamos que o estado da arte a respeito da produção de conhecimentos acerca

da argumentação textual voltada para o ambiente escolar no período de 2010 a 2016, aponta

caminhos, mas não preenche todas as lacunas existentes na busca de um conhecimento mais

abrangente e mais profundo na área, sendo necessário buscar outros caminhos para a pesquisa

sobre o tema no país.

Referências

DITTRICH, I. J.; FAVARETTO, R. A. MORAES, M. A. B. de.; Dissertação e argumentação

na redação do vestibular. In: CATTELAN, J. C.; LOTTERMANN, C. (Coord.) A redação do

vestibular da Unioeste: alguns apontamentos á luz da linguística textual. Cascavel:

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