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BREVES NOTAS SOBRE A EXCEÇÃO DE P-EXECUTIVIDADE José Miguel Garcia Medina Doutor em direito pela PUC-RS Professor de Graduação e Pós-Graduação Advogado. SUMÁRIO: 1. Atos executivos e cognitivos e sua mescla nas diversas categorias de processo: crise da classificação tradicional. 2. Juízo de admissibilidade da petição inicial. 3. A questão do “demonstrativo do débito atualizado” e seu controle judicial (CPC, arts. 604 e 614, inc. II). 4. Da nova redação do art. 604, § 2.º do CPC (cf. Lei n. 10.444;2002) 5. Possibilidade de alegação de exceções e objeções substanciais através de exceção (ou objeção) de pré-executividade. 6. Ausência de preclusão quanto aos requisitos de admissibilidade da execução. 7. Atos executivos e sua desconstituição na pendência e após a extinção do processo de execução. 8. Extinção da execução e sentença (CPC, art. 795). 9. Possibilidade de repetição de indébito, após a extinção da execução, na hipótese de inexistência da dívida executada. Bibliografia. 1. Atos executivos e cognitivos e sua mescla nas diversas categorias de processo: crise da classificação tradicional A repartição do processo em duas modalidades — de conhecimento e de execução — é antiga, e geralmente admitida sem maiores discussões, como se pode verificar na literatura processual brasileira. Coloca a doutrina, ao lado delas, outra categoria, qual seja, a do processo cautelar, como um terceiro gênero de processo. Desse modo, a Jurisdição atuaria através de três modalidades de processo: de conhecimento, de execução, e cautelar. Na sua conformação original, o CPC de 1973 adotou a tríade referida. As diversas modificações legislativas que sucederam em tal diploma, conjugada com a criação de novas leis dirigidas ao tratamento de situações jurídicas que até então não tinham merecido tratamento especial, porém, fizeram com que o sistema processual civil não se ajustasse mais àquela ordem de idéias. Isso porque, crescentemente, identificam-se, hoje, atos executivos realizados no processo de conhecimento, e atos cognitivos realizados no processo de execução. 1 Trata-se, na verdade, de assunto que merece análise mais aprofundada. Mas,

BREVES NOTAS SOBRE A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE© Miguel Garcia Medina(2... · inexistência do título.4 Não se põe dúvida, assim, acerca da existência de cognição no

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BREVES NOTAS SOBRE A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE

José Miguel Garcia Medina Doutor em direito pela PUC-RS

Professor de Graduação e Pós-Graduação Advogado.

SUMÁRIO: 1. Atos executivos e cognitivos e sua mescla nas diversas categorias de processo: crise da classificação tradicional. 2. Juízo de admissibilidade da petição inicial. 3. A questão do “demonstrativo do débito atualizado” e seu controle judicial (CPC, arts. 604 e 614, inc. II). 4. Da nova redação do art. 604, § 2.º do CPC (cf. Lei n. 10.444;2002) 5. Possibilidade de alegação de exceções e objeções substanciais através de exceção (ou objeção) de pré-executividade. 6. Ausência de preclusão quanto aos requisitos de admissibilidade da execução. 7. Atos executivos e sua desconstituição na pendência e após a extinção do processo de execução. 8. Extinção da execução e sentença (CPC, art. 795). 9. Possibilidade de repetição de indébito, após a extinção da execução, na hipótese de inexistência da dívida executada. Bibliografia.

1. Atos executivos e cognitivos e sua mescla nas diversas categorias de processo: crise

da classificação tradicional

A repartição do processo em duas modalidades — de conhecimento e de

execução — é antiga, e geralmente admitida sem maiores discussões, como se pode verificar

na literatura processual brasileira. Coloca a doutrina, ao lado delas, outra categoria, qual seja,

a do processo cautelar, como um terceiro gênero de processo. Desse modo, a Jurisdição

atuaria através de três modalidades de processo: de conhecimento, de execução, e cautelar. Na

sua conformação original, o CPC de 1973 adotou a tríade referida. As diversas modificações

legislativas que sucederam em tal diploma, conjugada com a criação de novas leis dirigidas ao

tratamento de situações jurídicas que até então não tinham merecido tratamento especial,

porém, fizeram com que o sistema processual civil não se ajustasse mais àquela ordem de

idéias. Isso porque, crescentemente, identificam-se, hoje, atos executivos realizados no

processo de conhecimento, e atos cognitivos realizados no processo de execução.1

Trata-se, na verdade, de assunto que merece análise mais aprofundada. Mas,

para os fins desse estudo, basta lembrar, para a primeira situação enunciada no parágrafo

anterior, a execução da liminar de antecipação de tutela (cf. art. 273, § 3º, do CPC), que

deverá ser executada na pendência do processo de conhecimento. Inversamente, através das

exceções (ou objeções) de pré-executividade, provoca-se a atividade cognitiva do órgão

jurisdicional no processo de execução.2

Parece-nos, diante disso, mais consentâneo aos dias atuais falar em atividades

cognitivas e executivas não mais como elementos capazes de distinguir, em virtude de sua

proeminência, os processos de conhecimento e de execução. A tutela jurisdicional deve se

adequar à pretensão do demandante e, se necessário, poderão realizar-se, simultaneamente,

atos cognitivos e executivos, independentemente da modalidade de processo. A aplicação da

tutela antecipatória a todo o processo de conhecimento, a partir da modificação do art. 273 do

CPC, bem revela esta tendência.3

Nesses termos, o art. art. 5.º, inc. XXXV, da Constituição Federal (“a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) deve ser entendido no

sentido de se possibilitar a concessão de providência jurisdicional mais efetiva, ainda que seja

necessária a “mescla” de atividades jurisdicionais cognitivas e executivas numa mesma ação.

Mesmo que para isso se deva preterir, no ponto, a clássica distinção entre processo de

conhecimento e processo de execução.

Não se nega que a ação de execução volta-se à realização de atos executivos, e

não à discussão da pretensão do exeqüente. No curso do processo de execução, entretanto,

surgem diversas questões a serem resolvidas pelo juiz (p.ex., quanto à penhorabilidade de

determinado bem, sobre a avaliação etc.), a fim de que se possa chegar ao resultado esperado,

qual seja, a satisfação do crédito exeqüendo. Não se pode, portanto, negar a existência de

cognição nas ações de execução. É certo, por outro lado, que a cognição no processo de

execução, consoante escreve Kazuo Watanabe, é “tênue e rarefeita”, de modo que, no

processo executivo, não se permite, por exemplo, a produção de prova testemunhal acerca da

1 Cf., a respeito, o que dissemos em nosso Execução civil – Princípios fundamentais, n. 4., p. 188 s. 2 Nesse sentido, v. esclarecedoras observações de Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela, p. 9 s. 3 Antes, o maior exemplo utilizado pela doutrina para demonstrar a possibilidade de se praticar atos cognitivos e executivos no mesmo processo era o das ações executivas “lato sensu”, nas quais, contudo, embora se postule atos executivos, os mesmos – a não ser se houver concessão de liminar – se realizam, em princípio, após o proferimento da sentença. Observe-se que nesse caso não há simultaneidade entre cognição e execução,

inexistência do título.4

Não se põe dúvida, assim, acerca da existência de cognição no processo de

execução. Sucede, apenas, que o objeto da percepção do sujeito cognoscente (juiz), no caso

do processo de execução, é diverso daquele que lhe é submetido à apreciação no processo de

conhecimento.5 Por isso, parece-nos que o processo de execução pode ser catalogado dentre

aqueles em que a cognição é parcial, pois somente alguns temas podem nele ser analisados

(p.ex., existência ou inexistência do título executivo), com exclusão de outros, relacionados à

relação jurídica de direito material que envolve exeqüente e executado. Embora seja limitada,

no plano horizontal, a cognição é exauriente, no plano vertical, em relação às questões que

neste processo podem ser examinadas.

Assim sendo, deve o juiz verificar, de ofício, se há título executivo, se a

petição inicial é apta, se estão presentes os pressupostos processuais e condições da ação

executiva, etc., e em tais situações manifesta-se a atividade cognitiva do juiz, no decorrer da

ação executiva.

Por outro lado, insta indagar se é possível a investigação, pelo juiz, acerca da

efetiva existência da dívida, no corpo da própria ação executiva.

Em princípio, a atividade cognitiva a ser realizada pelo magistrado na ação

executiva limita-se, como já foi dito, em analisar a presença dos requisitos para que o

processo de execução exista e se desenvolva validamente (título executivo, pressupostos

processuais, validade dos atos executivos, etc.). Mas há matérias que, por sua natureza, e

muito embora não digam respeito a tais requisitos, devem ser conhecidas de ofício pelo juiz.

É o que ocorre, por exemplo, com a nulidade absoluta do ato jurídico. Em tais casos,

pensamos que deve o juiz verificar ex officio essa matéria, e decretar a nulidade do ato na

própria ação executiva. Esse raciocínio será melhor desenvolvido adiante.

As matérias que devem ser conhecidas de ofício pelo órgão jurisdicional,

mas, sim, sucessividade. 4 Da cognição no processo civil, n. 19, p. 83. 5 Consoante escreve João Batista Lopes, “no processo de execução não há possibilidade de surgir controvérsia sobre a existência de relação jurídica, simplesmente porque nessa espécie de processo não se procura solucionar qualquer lide, mas fazer atuar concretamente a vontade da lei expressa num título judicial ou extrajudicial” (Ação declaratória, n. 4.12., p. 142).

Excluído: exposto

independentemente de provocação do interessado, são chamadas de objeções, ao lado

daquelas matérias que somente merecem ser analisadas se houver provocação pela parte, que

são chamadas de exceções.

Assim como diversos outros institutos do direito processual civil, os estudos

que se voltaram à analise das exceções e objeções em regra tiveram por alvo o processo de

conhecimento. Entendemos, porém, que as considerações relativas ao tema aplicam-se tanto

ao processo de cognição quanto ao de execução.

Na atividade jurisdicional, normalmente toma-se em consideração as alegações

das partes, erigidas em questões, que serão alvo de julgamento.6 Assim como ocorre no

processo de conhecimento, também no processo de execução há atividade postulatória das

partes, e há, também, matérias que devem ser conhecidas de ofício pelo órgão jurisdicional.

Basicamente, o problema se manifesta em relação às nulidades processuais absolutas,7

referidas no art. 618 do CPC, à ausência de condições da ação e à ausência de pressupostos

processuais (p.ex., a petição inicial deve, na hipótese do art. 614, inc. II, ser instruída com

demonstrativo atualizado do débito, e tal circunstância pode ser controlada, ex officio, pelo

juiz, ex vi do art. 616 do mesmo diploma). Tais matérias, por deverem ser decretadas de ofício

pelo órgão jurisdicional, são denominadas objeções.

Há, contudo, outra categoria de matérias que, para poderem ser conhecidas

pelo juiz, devem ser argüidas pela parte a quem aproveita. Tais matérias são chamadas pela

doutrina de exceções (em sentido próprio). As exceções ficam submetidas, em regra, aos

6 A respeito, v. nosso O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial – E outras questões relativas à sua admissibilidade e ao seu processamento, 3.ª ed., n. 3.2.3., p. 225 s. 7 “Nulidade é o estado em que se encontra um ato, que o torna passível de deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos, destroem-se os já produzidos” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 82). Referimo-nos no texto apenas às nulidades processuais absolutas porque estas poderão der conhecidas de ofício pelo juiz; o mesmo, contudo, não ocorre com as nulidades processuais relativas, as quais somente poderão ser conhecidas pelo juiz se argüidas pela parte prejudicada. Neste sentido, o escólio de Teresa Arruda Alvim Wambier: “Pode-se dizer haver, no processo, nulidades de fundo substanciais (em relação ao próprio processo, não ao direito substancial), que são aquelas que dizem com a estrutura do próprio processo e da relação processual e com a viabilidade do exercício do direito de ação; e nulidades formais, que, por exclusão, serão as que disserem respeito aos restantes aspectos. (...). As nulidades substanciais ou de fundo são por natureza absolutas, a não ser que haja texto de lei em sentido contrário; já as nulidades de forma são por sua natureza relativas, exceto nos casos em que a lei diga serem absolutas. (...). As nulidades relativas devem ser argüidas pela parte interessada ou na oportunidade que lhes for imediatamente posterior, em que se manifestar nos autos, ou no prazo que a lei estabelecer, sob pena de preclusão. (...). As nulidades absolutas não precluem para o juiz. Para as partes ocorre preclusão, não temporal, mas consumativa, se há recurso da decisão sobre elas” (idem, p. 272-273).

efeitos da preclusão, visto que, não sendo oportunamente alegadas, não mais poderão sê-lo no

futuro pela parte interessada, ou apreciadas pelo juiz; diversamente, as objeções não se

submetem a tal efeito preclusivo, podendo ser deduzidas a qualquer tempo, e devendo ser

conhecidas de ofício pelo juiz.8

Tanto as exceções quanto as objeções, por sua vez, podem ser processuais ou

substanciais. São processuais aquelas dedicadas à existência, validade ou regularidade do

processo, bem como as pertinentes à existência do direito de ação. Substanciais, por sua vez,

são as exceções e objeções relativas ao mérito, distinção esta que não se ajusta ao processo

executivo, no qual não há resolução judicial acerca do mérito. As exceções e objeções

substanciais, quanto ao processo de execução, mais parecem se adequar ao conceito de

fundamento da pretensão do exeqüente. Assim, dizendo respeito ao mérito, a exceção é

substancial (v.g., prescrição); se pertinente ao processo, a exceção é processual (v.g.,

incompetência relativa). De igual modo, a objeção pode ser processual ou substancial.

Referindo-se à ação, ou ao processo, a objeção é processual (e.g., incompetência absoluta,

carência da ação); dizendo respeito ao mérito, a objeção é substancial (e.g., nulidade absoluta

de cláusula contratual).

Embora, como se disse, a doutrina tenha realizado essa construção tomando

por base o processo de conhecimento, entendemos que, na verdade, aplica-se ela a toda e

qualquer categoria de atividade jurisdicional. Para nós, há exceções e objeções, no sentido

mencionado retro, tanto no processo de conhecimento quanto no processo executivo.

Não se pretende “importar” conceitos do processo de conhecimento para o

processo de execução. Isso porque as categorias mencionadas não pertencem a uma

determinada modalidade de processo. Com efeito, há matérias que, no processo de execução,

devem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Cite-se, por exemplo, aquelas referidas no art. 618

do CPC, relativas à nulidade da execução. Trata-se, na hipótese, de objeção processual, de

modo que a matéria ali referida poderá (rectius: deverá) ser conhecida pelo juiz

independentemente de provocação da parte interessada (no caso, o executado).

2. Juízo de admissibilidade da petição inicial

8 Cf. lição de Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, v. I, p. 341.

Grosso modo, e diante do que se verificou no item precedente, as decisões

proferidas no processo executivo podem ter por objeto as seguintes questões:9

a) Sobre os atos executivos, propriamente, hipótese em que, normalmente,

cinge-se o juiz a observar se o ato está sendo praticado validamente, a fim de se possibilitar a

entrega da prestação jurisdicional executiva.

Tratando-se, por exemplo, de execução por quantia certa contra devedor

solvente, deverá o juiz verificar se os atos executivos preparatórios (ou instrutórios), tais

como penhora, avaliação, etc., bem como aqueles chamados de satisfativos, como a

adjudicação, entrega do dinheiro, etc., estão sendo realizados em observância aos ditames

legais. É o que ocorre, v.g., quando o juiz decide o incidente de nomeação de bens (art. 657,

parágrafo único); anula a penhora (art. 667, I); autoriza a alienação antecipada de bens (art.

670); rejeita a oferta de preço vil (art. 692, caput); decreta a prisão do devedor (art. 733, § 1º);

declara suspensa a execução (art. 792, caput); e assim por diante.

b) Sobre a admissibilidade da execução, quando se verificará se a execução

ajuizada apresenta os requisitos de admissibilidade dispostos em lei. Caso a petição inicial

tenha vícios ou irregularidades sanáveis, deverá o juiz determinar a sua emenda. Caso tais

vícios não sejam sanáveis, ou o sendo, não procede a parte a sua correção, deverá o juiz

indeferir a petição inicial, extinguindo o processo.

c) Excepcionalmente, sobre questões relativas ao fundamento da pretensão do

exeqüente, sobre o próprio crédito exeqüendo, desde que a questão a ser resolvida não exija

dilação probatória, tal como ocorre na hipótese de o juiz se manifestar sobre a prescrição e,

diante de sua ocorrência, extinguir o processo executivo.

A teor do que dispõe o art. 616 do CPC, havendo vícios ou irregularidades

sanáveis na petição inicial da execução, possibilita-se ao juiz determinar a sua correção, ou

emenda, no prazo de 10 dias. Semelhantemente ocorre no processo de conhecimento (cf. art.

284 do CPC). Não sendo corrigida a petição inicial, deverá o juiz determinar a extinção da

9 Sobre o tema, no direito italiano, v. Giuseppe Tarzia, “O contraditório no processo executivo”, Revista de Processo, v. 28, p. 55 s.

execução, proferindo sentença.

Pensamos que o pronunciamento do juiz que determina a emenda da petição

inicial é decisão interlocutória, pelo menos pelas seguintes razões: tem conteúdo decisório,

porquanto o juiz deverá enfatizar a razão da determinação da correção; é suscetível de causar

gravame à parte, pois pode ocorrer que, na hipótese, nada há a se emendar.

De qualquer modo, não pode o juiz, deparando-se com vícios dessa natureza,

indeferir, de imediato, a petição inicial. Deverá, antes, proporcionar a sua emenda e, só

depois, caso não haja correção, indeferi-la, extinguindo o processo de execução.10 Caso a

existência de vício na petição passe desapercebido, pelo juiz, possibilita-se a sua correção

mesmo após a apresentação dos embargos, consoante reiterada jurisprudência.11 Essa

orientação, para nós, somente deve ser admitida se houver irregularidade sanável (p.ex.,

juntada do original do instrumento contratual). Caso, porém, falte liquidez ao título executivo,

não caberá a possibilidade de emenda da petição inicial, devendo a mesma ser indeferida,

extinguindo-se a execução.

Desse modo, quando o vício encontrado pelo magistrado é insanável, como

ocorre, por exemplo, na hipótese de o documento acostado pelo exeqüente não ser

considerado, pelo juiz, como título executivo, ou faltar legitimidade ad causam, deverá o juiz,

de imediato, indeferir a petição inicial, porquanto a sua correção é inviável.

Nada havendo a corrigir, na petição inicial, deverá o juiz determinar a citação

do executado. Trata-se, também nesse caso, de decisão interlocutória e, como tal agravável,

10 “O Tribunal podia examinar a questão da carência da ação executiva, por falta de liquidez e certeza do título, matérias constantes da defesa do devedor. Sendo insuficientes os documentos e os cálculos apresentados pelo credor com a petição inicial do processo de execução, não é o caso de extingui-lo, mas de oportunizar a emenda da inicial, na forma do art. 616 do CPC” (STJ, 4ª T., REsp 117122-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 01.09.98, DJU 09.11.98, p. 107); “O simples fato da petição inicial não se fazer acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura da ação de execução, não implica de pronto seu indeferimento. Neste caso, cumpre ao juiz, verificando tal vício ou irregularidade, determinar a diligência contemplada no art. 616, do CPC, pena de indeferimento, em proveito da função instrumental do processo” (STJ, 3ª T., REsp 156116-MG, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 05.06.98, DJU 08.06.98, p. 97). 11 “É possível a regularização documental, no processo de execução, mesmo após a apresentação dos embargos, antes da manifestação do Juiz, na linha de precedentes da Corte que admitem a emenda da inicial na forma do art. 616 do Código de Processo Civil” (STJ, 3ª T., REsp 198446-GO, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27.04.99, DJU 06.09.99, p. 81).

porquanto tal pronunciamento é capaz de gerar prejuízo.12 Nesse caso, se ao recurso de

agravo de instrumento for dado provimento tratar-se-á de decisão que extingue a execução.

Se, uma vez interposto o agravo, ocorrer retratação, não há mais que se falar em decisão

interlocutória, mas, sim, em sentença.13

3. A questão do “demonstrativo do débito atualizado” e seu controle judicial (CPC,

arts. 604 e 614, inc. II)

O art. 604 do CPC, em sua atual redação, possibilita ao credor, quando a

determinação do valor contido no título executivo depender apenas de cálculo aritmético,

instruir a petição inicial com “memória discriminada e atualizada do cálculo”. Em

consonância com essa nova redação, que extinguiu, no sistema processual brasileiro, a

liquidação de sentença por cálculo do contador, dispõe o art. 614, inc. II do CPC que deve o

exeqüente instruir a petição inicial “com o demonstrativo do débito atualizado até a data da

propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa”.

O demonstrativo do débito atualizado, de acordo com referido preceito legal, é

um dos requisitos da petição inicial. Entendemos, diante disso, que, a respeito, deverá o juiz

manifestar-se de ofício. Assim, faltando tal demonstrativo (ou “memória discriminada”, como

diz o art. 604 do CPC), deverá o juiz determinar a emenda da petição inicial, aplicando-se, no

particular, o art. 616 do CPC.

Por outro lado, entendemos que não basta a apresentação de “demonstrativo”

elaborado superficialmente. Pensamos que, de acordo com o art. 604 do CPC, deve o

exeqüente discriminar os critérios utilizados para a determinação ou atualização do valor da

dívida, para que fique claro o iter seguido para se chegar ao valor pretendido.

Indaga-se, no caso, se é possível o controle de tal circunstância de ofício, pelo

12 Nesse sentido, Marcelo Lima Guerra (Execução forçada, p. 145-146), citando jurisprudência a respeito. O mesmo autor transcreve a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier, segundo a qual “o despacho que ordena a citação torna-se capaz de gerar prejuízo, tornando-se, por isso, recorrível” (ob. cit., p. 146, nota 31). Extensamente, sobre o tema, v. Teresa Arruda Alvim Wambier, O novo regime do agravo, p. 81 s. 13 “Decisão proferida em juízo de retratação, em agravo de instrumento, que declara extinta, ainda que parcialmente, execução, é apelável, por encerrar conteúdo sentencial e não simplesmente agravável, pela forma do parágrafo 6º do art. 527 do Código de Processo Civil” (STJ, 3ª T., REsp 15616-RJ, rel. Min. Dias Trindade, j. 17.12.91, DJU 24.02.92, p. 1870).

juiz, ou se a análise de tal questão depende de provocação do executado, por intermédio de

embargos. A jurisprudência majoritária era no segundo sentido.14 Para essa corrente, o

executado deveria, ao apresentar embargos, alegar excesso de execução (cf. CPC, art. 743,

inc. I). O magistrado não poderia, desse modo, diligenciar com o intuito de verificar a

correção do cálculo apresentado pelo exeqüente.

Não nos parecia, data venia, fosse essa a melhor solução. É que, se tal

elemento é requisito da petição inicial, sobre ele deve o juiz manifestar-se de ofício, ex vi do

art. 616 do CPC.15-16 O Superior Tribunal de Justiça mostrou-se sensível ao problema e, em

recentíssima decisão relatada pelo E. Min. Eduardo Ribeiro de Oliveira, proclamou que “pode

o juiz, antes de determinar a citação do devedor, investigar a plausibilidade da memória de

cálculo apresentada pelo credor, a fim de impedir excessos, que só poderiam ser impugnados,

em embargos, com a prévia garantia do juízo”.17 O mesmo Tribunal Superior,

semelhantemente, considerou correta a decisão de juiz que determinou a remessa dos autos à

contadoria judicial, na hipótese, para que se realizasse a atualização da dívida cobrada,18

orientação esta também adotada pelo 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.19

14 “Na liquidação da sentença, quando a determinação do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor apresentará as suas contas, cabendo a impugnação por meio dos embargos” (STJ, 2ª T., REsp 172021-MG, rel. Min. Hélio Mosimann, j. 06.05.99, DJU 31.05.99, p. 119); “A discussão a respeito do índice de correção monetária utilizado no cálculo, e de outras parcelas supostamente indevidas, por se tratar de direito patrimonial, deve ser levantada em embargos” (STJ, 4ª T., REsp 119939-MA, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 27.05.97, DJU 23.06.97, p. 29148). V., também, decisões citadas por Alexandre de Paula, Código de Processo Civil Anotado, v. 3, p. 2582-2583. 15 Esse entendimento é corroborado pela aplicação supletiva do art. 284 do CPC, por força do art. 598 do mesmo diploma. É que, consoante dispõe aquele preceito legal, o juiz pode determinar a emenda da petição inicial quando esta “apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito” (grifou-se). Obviamente, não se busca julgamento de mérito no processo executivo, mas o erro na determinação do valor cobrado na execução é defeito que poderá dificultar a realização da execução. Por mais essa razão, justifica-se a solução apontada no texto. 16 De acordo, escreve Araken de Assis que “também é lícito, em casos de flagrante aberração, o juiz ordenar que o credor apresente outra memória, consentânea com as diretrizes explícitas do título, no mesmo prazo” (ob. cit., n. 82.1., p. 271-272). 17 STJ, 3ª T., REsp 135805-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 06.04.99, DJU 24.05.99, p. 161. 18 “Não parece correto que, nos casos do art. 604 do CPC, o pedido de execução deva ser sempre acolhido, independente do valor indicado, o qual somente poderia ser impugnado através de embargos do devedor, depois de garantido o juízo com a penhora. Em certas circunstâncias, o resultado indicado no cálculo feito pelo credor, constante do seu memorial, pode ser absurdo, tão distanciado da realidade que a própria instalação do processo de execução, com a penhora, constituiria indevida ofensa. Nesse caso, prudente é a decisão que ordena a remessa dos autos ao contador, para verificar a adequação do pedido, antes do julgamento da execução apresentada pela devedora” (STJ, 4ª T., REsp 135124-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.10.97, DJU 19.12.97, p. 67507). 19 “Tendo em vista que a execução inaugura-se com a agressão patrimonial do devedor, é admissível a interposição da exceção de pré-executividade, independentemente de seguro o juízo, quando a questão, alegação de erro na memória do cálculo, disser respeito a uma das condições da ação” (1º TACivSP, 8ª Câm, AgIn 726098-4, rel Juiz Antonio Carlos Malheiros, j. 20.08.97, Revista dos Tribunais, v. 752, p. 215 s.).

Nesses casos, considerando a possibilidade de controle de ofício do cálculo

apresentado, nada impede que o executado apresente, independentemente de ter havido

penhora, exceção (ou objeção) de pré-executividade. Caso sua alegação não seja acolhida,

cabível será o recurso de agravo, podendo ser ao mesmo atribuído, inclusive, efeito

suspensivo (cf. art. 558 do CPC).

4. Da nova redação do art. 604, § 2.º do CPC (cf. Lei n. 10.444;2002)

A Lei n. 10.444/2002 acrescentou ao art. 604 do CPC um segundo parágrafo,

com a seguinte redação: “Poderá o juiz, antes de determinar a citação, valer-se do contador do

juízo quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão

exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária. Se o credor não concordar com esse

demonstrativo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá

por base o valor encontrado pelo contador”.

Desse modo, havendo evidente desarmonia entre a sentença exeqüenda e a

memória de cálculo apresentada pelo exeqüente, poderá o juiz remeter os autos à contadoria

judicial. Nesse sentido, aliás, já se manifestava a jurisprudência, embora atualmente não

houvesse norma legal específica, consoante analisado no item precedente.

É importante salientar que, diante da redação do mencionado preceito legal, é

possível a instauração de debate no curso do processo de execução, independentemente da

apresentação de embargos, pelo executado. Isso porque, considerando que se trata de matéria

que poderá ser conhecida de ofício pelo magistrado, nada impede que ocorra provocação por

parte do executado, através de exceção (ou objeção) de pré-executividade. O juiz, no caso,

deverá ouvir o credor, que poderá aceitar ou não o valor encontrado pelo contador.

Independentemente da anuência ou discordância do exeqüente, a penhora deverá ser realizada

tomando-se por base o valor encontrado no cálculo realizado pela contadoria judicial.

A decisão do juiz que resolve essa questão é uma decisão interlocutória – não

se trata, no caso, de “sentença homologatória” – que poderá vir a ser impugnada por agravo

de instrumento.

Note-se, a propósito, que a decisão do juiz que acolhe o cálculo do contador do

juízo, em caso de discordância do exeqüente, não é atingida pela preclusão, em relação ao

valor cobrado. Em relação à penhora que virá a ser realizada, pode ocorrer que, embora

inicialmente realizada com base no valor definido no cálculo do contador, se demonstre que o

valor devido é efetivamente aquele pretendido pelo exeqüente, hipótese em que poderá haver

nova penhora (CPC, art. 667, inc. II) ou, conforme o caso, ampliação da penhora (CPC, art.

685, inc. II). Vê-se, assim, que também esta decisão não é atingida pela preclusão.

5. Possibilidade de alegação de exceções e objeções substanciais através de exceção (ou

objeção) de pré-executividade

Naqueles casos em que o juiz, no curso da ação de execução, deve se

manifestar de ofício, não importa se o juiz toma conhecimento da questão por sua própria

conta ou através de provocação de qualquer das partes.

Desse modo, por exemplo, em execução por quantia certa contra devedor

solvente, pode o executado argüir a falta dos requisitos necessários à existência e

desenvolvimento válido da ação de execução, por simples petição, independentemente de se

ter realizado a penhora.

Considerando que não há, quanto a tais matérias, preclusão pro judicato, pois o

juiz poderá se aperceber da existência de vício processual (p.ex., ausência de título, ou

nulidade da penhora) em qualquer tempo, também a provocação realizada pelo executado não

se sujeita a prazo processual.

Isso se dá porque, como se disse, o juiz pode analisar tais matérias de ofício,

sendo irrelevante, para que isso ocorra, saber se houve manifestação do executado, a respeito.

A argüição de tais matérias pelo executado, em tais situações, tem apenas o condão de incitar

o órgão jurisdicional a se pronunciar, acerca do tema.

Assim sendo, se o juiz decide que determinado documento não é título

executivo, deverá extinguir a ação de execução, por lhe faltar requisito essencial (nulla

executio sine titulo). Pode até ocorrer que o magistrado tenha atentado para a falta de título

em virtude de provocação do executado, mas isso é irrelevante para se determinar o destino

do processo: tenha havido provocação do executado, tenha o juiz conhecido da matéria de

ofício, a solução será a mesma, qual seja, a extinção da execução em virtude da ausência de

título executivo.

A essa provocação da parte a doutrina denominou, inicialmente, de exceção de

pré-executividade e, depois, considerando a natureza das matérias argüidas através de tal

instrumento, de objeção de pré-executividade.20 Não há, atualmente, univocidade acerca do

termo, havendo quem use somente uma das expressões, e outros que usem as duas,

dependendo da matéria argüida.

Não mais se questiona acerca da possibilidade da utilização da exceção (ou

objeção) de pré-executividade quando a matéria argüida é objeção processual. Põe-se dúvida,

por outro lado, a respeito de matérias que não dizem respeito, necessariamente, aos requisitos

da ação executiva, mas outras matérias ligadas, propriamente, à existência da dívida cobrada.

É o que ocorre, por exemplo, com as alegações de nulidade absoluta do ato jurídico e da

prescrição.

A nulidade absoluta do ato jurídico, como é sabido, é matéria que deve ser

conhecida de ofício pelo órgão jurisdicional. Sistema semelhante ao existente no Código Civil

é adotado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), quando dispõe

acerca da nulidade de diversas cláusulas contratuais (cf., dentre outros, o art. 51 do referido

diploma).

Nesses casos, deparando-se o magistrado com nulidade absoluta do contrato ou

de alguma cláusula (que estipule, por exemplo, multa superior ao limite do art. 52, § 1º, do

CDC),21 entendemos que deverá sobre tal questão se manifestar de ofício.22

20 Cf., a respeito, Alberto Camiña Moreira, Defesa sem embargos do executado – Exceção de pré-executividade, passim, onde o tema é analisado extensamente. 21 Corretamente, neste sentido, assim decidiu o 1º TACivSP: “Se o art. 52, § 1º, da Lei 8.078/90, com a redação dada pela Lei 9.298/96, estabeleceu limite máximo para aplicação de multa moratória decorrente de inadimplemento contratual, é defeso ao credor ajuizar execução indo além dos limites traçados por norma de ordem pública, sendo perfeitamente admissível que o Juiz determine a emenda da inicial para adequá-la aos ditames legais cogentes” (12ª Câm., AgIn 759.722-6, rel. Juiz Campos Mello, j. 11.12.97, Revista dos Tribunais, v. 753, p. 267 s.).

Pensamos, no entanto, que, muito embora exista, nestes termos, cognição na

ação executiva, ela não é plena, ou seja, não é completa, em termos de extensão.23 Diante

disso, não se pode permitir, por exemplo, no curso do processo executivo, a oitiva de

testemunhas para se demonstrar que a cambial executada foi emitida mediante coação, pois tal

dilação probatória é incompatível com o processo executivo. Em se tratando, contudo, de

questões de direito, que podem ser examinadas sem que se desvirtue a finalidade do processo,

bem como não se perturbe a prática dos atos executivos,24 não vemos óbice à admissibilidade

no exame de tais matérias pelo juiz, seja de ofício, quando isso for possível, seja em virtude

de provocação do executado, através de exceção de pré-executividade.

No sentido ora defendido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça. Em

virtude do art. 51, inc. VIII, da Lei n.º 8.078/90, são nulas de pleno direito as cláusulas que

“imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor”.

Com base em tal preceito legal, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 60, segundo

a qual “é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao

mutuante, no exclusivo interesse deste”.25 Lastreado nesta Súmula, decidiu o referido

Tribunal Superior que “não serve a aparelhar execução o título cambial emitido em seu favor,

pelo credor, como mandatário do devedor”.26 Embora se trate, no caso, de objeção, não se

cuida de matéria processual, mas diz respeito à validade do ato jurídico negocial que deu

origem ao título. Considerando tratar-se de matéria de ordem pública, deverá ser conhecida de

ofício pelo juiz, conhecimento este que poderá ser provocado através de exceção (ou objeção)

de pré-executividade, pelo executado.

Situação diversa ocorre com a prescrição, pois, considerando tratar-se de

matéria que não pode ser conhecida de ofício pelo magistrado, deve aguardar provocação da

parte interessada. Ocorrendo tal provocação através de exceção de pré-executividade, tem-se

entendido ser possível o conhecimento de tal matéria na própria ação executiva,

22 Nesse sentido, escrevem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, comentando o art. 1º da Lei 8.078/90: “As normas do CDC são ex vi legis de ordem pública, de sorte que o juiz deve apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo” (Código de Processo Civil Comentado, p. 1798, nota 1 ao art. 1º da Lei 8.078/90). 23 Vide, no particular, Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, n. 19, p. 83. 24 Observe-se que a apresentação de exceção ou objeção de pré-executividade não tem o condão de proporcionar a suspensão do processo executivo. 25 DJU 20.10.92, p. 18382. 26 STJ, 3ª T., REsp 35186-RS, rel. Min. Dias Trindade, j. 28.06.93, DJU 06.09.93, p. 18031.

independentemente de realização de penhora, sob o argumento de que não seria razoável

exigir-se a penhora para se possibilitar a alegação de prescrição em embargos que, sendo

acolhidos, levariam à extinção da execução e da própria penhora efetuada. Nesse sentido já se

manifestaram doutrina27 e jurisprudência.28 O Superior Tribunal de Justiça, porém, vem se

manifestando, majoritariamente, em sentido diverso ao ora noticiado.29

6. Ausência de preclusão quanto aos requisitos de admissibilidade da execução

As matérias relativas à admissibilidade da execução, muito embora devam ser

analisadas no exórdio do processo, antes da citação do executado, podem vir a ser conhecidas

no curso do processo. Não ocorre, a respeito preclusão pro judicato. Não há que se falar,

também, em “decisão implícita”, a respeito, quando o juiz determina a citação do executado.

Considerando que todas as decisões devem ser fundamentadas (CF, art. 93, inc. IX), não há

decisão quando inexistir manifestação explícita, a respeito.

27 Nesse sentido, Sérgio Shimura, Título executivo, p. 78-80; Paulo Henrique dos Santos Lucon, “O controle dos atos executivos e a efetividade da execução: análises e perspectivas”, in Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), Processo de execução e assuntos afins, p. 350; Alberto Camiña Moreira, ob. cit., p. 150. 28 Cf. decisões citadas por Paulo Henrique dos Santos Lucon, cit., p. 350. 29 Nesse sentido: “Processo de execução (cobrança de crédito fundado em título executivo extrajudicial). Prescrição. Momento para ser alegada. À falta de embargos do devedor, não é dado ao juiz apreciar a argüição de prescrição, formulada por simples petição. A matéria relativa à prescrição não se adapta ao disposto nos arts. 267, par. 3º e 618, do CPC. O que pode o juiz conhecer, e até de ofício, e de matéria que diz respeito à existência do título executivo. CC, arts. 162 e 166, e CPC, arts. 736, 737, 739-II, 741-VI e 745. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3ª Turma, REsp 61.606-MG, rel. designado Min. Nilson Naves, j. 24.02.97, maioria, DJU 22.04.97, p. 14423); “A alegação de prescrição somente pode ser formulada em sede de embargos, após seguro o juízo por regular penhora” (STJ, 1ª T., REsp 178353-RS, rel. Min. Garcia Vieira, j. 18.03.99, maioria, DJU 10.05.99, p. 109); “Processo civil. Execução. Exceção de pré-executividade. Pressuposto. Inocorrência na espécie. Prescrição. Recurso desacolhido. A exceção de pré-executividade, admitida em nosso direito por construção doutrinário-jurisprudencial, somente se dá, em princípio, nos casos em que o Juízo, de ofício, pode conhecer da matéria, a exemplo do que se verifica a propósito da higidez do título executivo” (STJ, 4ª T., REsp 157018-RS, rel. designado Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 17.09.98, maioria, DJU 12.04.99, p. 158). Em sentido contrário: “Inexistindo bens penhoráveis, circunstância certificada pelo meirinho (e, em conseqüência, suspenso o processo de execução), desnecessária e prejudicial espera para que o juiz se manifeste sobre a extinção do crédito, em face da prescrição, cuja decretação foi requerida pelo executado, se este se encontra na absoluta impossibilidade de oferecer embargos. A execução forçada se ultima com a satisfação do seu objeto, que é o pagamento ao credor. Pode, porém, estancar diante de empeços inarredáveis, como, ad-exemplum, nos casos de extinção do próprio direito do crédito do exeqüente, podendo, em hipóteses excepcionais, o juiz extinguir o processo executório, antes mesmo de seguro o juízo, com a penhora” (STJ, 1ª Turma, REsp 59351-PR, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 11.04.96, unânime, DJU 27.05.96, p. 17812). Atente-se que, nesta última decisão, havia a circunstância específica de não terem sido localizados bens penhoráveis. A respeito dessa decisão, afirma Araken de Assis que “como se nota, o campo de incidência da objeção de executividade se alarga, a partir deste julgado, para abranger exceções substanciais, que ao juiz é vedado conhecer de ofício, desde que o executado, pela falta de bens penhoráveis, não possa embargar” (ob. cit., n. 167, p. 446).

Considerando que a matéria pode ser conhecida de ofício pelo órgão

jurisdicional, nada impede que a parte se manifeste no curso do processo de execução, ainda

que nos embargos não se tenha realizado tal alegação,30 e mesmo após o prazo para

apresentação de embargos.31 Como já se disse, importa que o magistrado possa conhecer da

matéria ex officio, sendo irrelevante, para isso, que tal conhecimento tenha sido provocado

pela parte, através de exceção ou objeção de pré-executividade.

Em relação a tais matérias, impera o princípio inquisitório, oposto ao princípio

dispositivo, segundo o qual a Jurisdição somente pode atuar se provocada e na medida da

provocação.

Essa afirmação vale, também, na hipótese de ter havido recurso, no processo de

execução ou, até mesmo, no caso de apelação interposta contra sentença que julga os

embargos. Também nesse caso será possível a análise de tais matérias, mesmo que não haja

alegação expressa do apelante ou do apelado. É que, em virtude de expressa disposição legal,

fica autorizado o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do

recurso. Tal circunstância, ao contrário do que se dá com o efeito devolutivo, decorre do

princípio inquisitório, já referido, em virtude do qual, em situações determinadas em lei, pode

o órgão judicial agir e pronunciar-se de ofício, independentemente de pedido ou requerimento

da parte ou interessado.32 Dá-se, no caso, o que denomina Nelson Nery Júnior de efeito

30 “APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NULIDADE POR ILIQUIDEZ, ART. 618, I DO CPC. FALTA DE PEDIDO DO EMBARGANTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ. POSSIBILIDADE. Por se tratar de pressuposto de desenvolvimento da execução deve o juiz declarar de oficio a nulidade da execução a que falte liquidez, certeza e exigibilidade ao pretenso titulo executivo extrajudicial que a instrui. Aplicação, em razão do art. 598, dos artigos 267, VI, combinado com § 3º, ambos do Código de Processo Civil” (TA-PR, 4ª Câm. Cív., ApCív 0117905-3, rel. Juiz Idevan Lopes, j. 04.11.98, DJ-PR 12.02.99). 31 “EMBARGOS À EXECUÇÃO - TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS - NULIDADE DA EXECUÇÃO - ALEGAÇÃO - JUÍZO SEGURO PELA PENHORA, EM PARTE - ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS - DECISAO QUE OS RECEBEU, REVOGADA - AGRAVO PROVIDO. Podendo a alegação da nulidade da execução ser feita a qualquer tempo, inclusive independentemente de Embargos, e de serem processados os opostos, ainda que o Juízo esteja seguro, apenas em parte, pela penhora” (TA-PR, 6ª Câm.Cív., AgIn 0113340-6, rel. Juiz Antonio Martelozzo, j. 16.03.98). 32 Assim como o princípio dispositivo, também o princípio inquisitório é um princípio fundamental, decorrente de aspectos políticos e ideológicos incorporados pelo sistema jurídico. Diversamente, os princípios informativos são regras predominantemente técnicas, quase que universais, consideradas quase como axiomas. Desse modo, as razões de sua adoção não necessitam ser demonstradas, pois tais princípio prescindem de maiores indagações. São os seguintes: lógico, jurídico, político e econômico (v., a respeito, Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, v. 1, n. 4, p. 18; Nelson Nery Júnior, Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, p. 30-31).

translativo,33 que ocorre nas hipóteses dos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC, relativamente

às matérias de ordem pública.34

Reconhecemos, contudo, que este entendimento não é pacífico. Com efeito, já

se decidiu que tais matérias não podem ser conhecidas pelo Tribunal, quando do julgamento

da apelação oposta à sentença que julga os embargos,35 entendimento com o qual, data

maxima venia, não podemos concordar, pelas razões expostas.

Nesses casos, considerando ter ocorrido extinção do processo, terá o juiz

proferido sentença, como tal apelável, consoante será analisado adiante, em tópico próprio.

Em alguns casos, contudo, poderá o juiz se manifestar sobre tais requisitos,

proferindo decisão interlocutória. É o que se dá, por exemplo, quando o juiz exclui

litisconsorte do processo de execução, considerando que este não tem legitimidade ad

causam. Apesar de o conteúdo do pronunciamento ser o de sentença, tal pronunciamento não

extingue o processo, razão pela qual contra o mesmo caberá agravo de instrumento.36

7. Desconstituição dos atos executivos na pendência e após a extinção do processo de

execução

Deve o juiz, no curso do processo de execução, atentar para a validade dos atos

executivos realizados. Caso, porém, algum ato é realizado sem a observância de seus

requisitos legais, nada impede que o juiz conheça tal questão de ofício, determinando a

33 Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, p. 408 s., passim. 34 Neste sentido: “APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DO DEVEDOR - PEDIDO DE EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO - INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO - NOTAS PROMISSÓRIAS - REQUISITOS ESSENCIAIS - PROVA DOCUMENTAL DE NÃO PREENCHIMENTO - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO - DECISÃO DE OFÍCIO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 616 DO CPC - RECURSO CONHECIDO PARA DE OFÍCIO DECRETAR A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. Se as notas promissórias, que de acordo com contrato referido se referiam a divida em dólares americanos com conversão quando do pagamento foi emitida em moeda que só muito tempo depois da emissão veio a ser criada no pais, reputa-se provado que um dos seus requisitos essenciais (art. 75 da Lei Uniforme), que conter a quantia certa a ser paga no vencimento, não foi preenchido quando de sua emissão” (TA-PR, 4ª Câm. Cív., ApCív 0120248-8, rel. Juiz Idevan Lopes, j. 09.12.98, DJ-PR 12.02.99). 35 “Apelação do embargado (credor). Conhecimento, de ofício, de matéria não impugnada (legitimidade para a execução). Impossibilidade, a teor dos arts. 2º, 128, 460 e 515 do Cód. de Pr. Civil” (STJ, 3ª T., REsp 189874-RS, rel. Min. Nilson Naves, j. 27.04.99, DJU 28.06.99, p. 107); “Embargos à execução em contrato de abertura de crédito. Apelação do embargado (credor). Conhecimento, de ofício, de matéria não impugnada (legitimidade para a execução). Impossibilidade, a teor dos arts. 2º, 128, 460 e 515 do Código de Processo Civil” (STJ, 3ª T., REsp 159809-RS, rel. Min. Nilson Naves, j. 29.06.98, DJU 05.10.98, p. 82). 36 STJ, 4ª T., REsp 184829-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 15.10.98, DJU 14.12.98, p. 255.

correção cabível.

Pode ocorrer, por exemplo, que tenha sido penhorado bem absolutamente

impenhorável,37 ou que se tenha realizado arrematação por preço vil. Nesse último caso, tem

entendido a jurisprudência que se trata de nulidade absoluta, que pode ser conhecida de ofício

pelo órgão jurisdicional, podendo a parte, inclusive alegá-la por simples petição, sendo

desnecessária a apresentação de embargos à arrematação.38 Apercebendo-se do fato, deverá o

juiz pronunciar, de ofício, a nulidade, determinando, se for o caso, que o ato seja realizado

novamente.

Esses e outros incidentes são resolvidos, pelo juiz, através de decisões

interlocutórias impugnáveis por recurso de agravo de instrumento. Não cabe, no caso, agravo

retido, porquanto este só poderá ser apreciado se houver apelação contra a sentença que

extingue a execução, o que nem sempre ocorre, e, ante sua própria natureza, as questões

resolvidas no curso da ação executiva devem ser reapreciadas imediatamente. O mesmo

ocorre quando o juiz profere decisão “homologando” a atualização do cálculo da dívida.39

Não se trata, no caso, de sentença. Lembre-se que não mais existe, no ordenamento jurídico

pátrio, a liquidação por cálculo do contador, na qual era proferida sentença. Não se aplica, ao

caso, o princípio da fungibilidade recursal, pois, consoante entendemos, não há, no caso,

“dúvida objetiva”, um dos requisitos para a incidência do princípio.40 Já se admitiu, contudo,

na jurisprudência, a aplicação do princípio, na hipótese, solução que, data venia, não temos

37 Em interessante decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível ao Tribunal local manifestar-se acerca da nulidade da penhora mesmo que essa questão não tenha sido alegada, nas razões ou contra-razões de apelação: “Não malfere o art. 515 do Código de Processo Civil a decisão do Tribunal de origem que modificou a sentença, por inteiro, acolhendo os embargos e tornando insubsistente a penhora do bem protegido pela Lei num. 8.009/90. O pedido de inversão dos ônus da sucumbência, feito na apelação, não tem o condão de submeter o Tribunal aos limites do art. 515 quando a decisão é para acolher os embargos, que foram repelidos na sentença” (STJ, 3ª T., REsp 123493-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 12.05.98, DJU 15.06.98, p. 116). 38 “III - A nulidade da arrematação pode ser declarada de ofício pelo Juízo ou a requerimento do interessado, por simples petição, nos próprios autos da execução, dispensada a oposição dos embargos à arrematação. IV - Conquanto não seja caso de ajuizamento dos embargos de segunda fase, não deixará o Juízo de conhecer da nulidade decorrente da arrematação por preço vil e declará-la porque suscitada por esse meio” (STJ, 4ª T., REsp 100706-RO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 29.10.98, DJU 01.03.99, p. 319). 39 “O agravo de instrumento é o recurso cabível da decisão que homologa a atualização do cálculo da liquidação” (Súmula n.º 118 do STJ). 40 “I – Questão sedimentada na jurisprudência desta corte, inclusive cristalizada no enunciado n. 118 de sua Súmula, que ‘o agravo de instrumento é o recurso cabível da decisão que homologa a atualização do cálculo da liquidação’. II – Se inexiste dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do recurso adequado, não se aplica o princípio da fungibilidade recursal” (STJ, 4ª T., REsp 146469-RS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 22.10.97, DJU 24.11.97, p. 61239).

por absolutamente correta, ante a sistemática processual atual.41

No caso em análise, é desnecessária a prévia impugnação da conta de

atualização. Proferida a decisão, o recurso de agravo de instrumento será cabível de

imediato.42

Pode ocorrer que tais vícios sejam alegados nos embargos à execução e, uma

vez reconhecidos, podem levar à desconstituição do ato executivo atacado. Indaga-se, neste

caso, se a apelação deveria ser recebida com efeito suspensivo, ou não.

O art. 520, inc. V, do CPC, dispõe que, na hipótese, apelação não será recebida

com efeito suspensivo. Ocorre, contudo, que, diante do disposto no art. 558, parágrafo único,

do CPC, é possível a concessão de efeito suspensivo à apelação nas hipóteses em que,

naturalmente, esse recurso não possua esse efeito. Pensamos, diante disso, que, consoante já

tivemos a oportunidade de escrever, estando presentes os requisitos referidos no art. 558 do

CPC, deverá ser concedido efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto contra a

sentença que rejeita os embargos à execução.43

Caso se tenha extinguido o processo de execução, ainda assim poderão ser

desconstituídos os atos executivos, se demonstrados os vícios processuais que os inquinam.

Já se decidiu, seguindo essa linha, ser cabível o ajuizamento de ação

anulatória, quando não se tenha apresentado embargos à arrematação ou à adjudicação, pois,

no caso, a sentença seria meramente homologatória, incidindo o art. 486 do CPC.

41 “O nosso sistema de normas processuais dispõe expressamente ser a apelação o recurso cabível contra decisão homologatória dos cálculos de liquidação, admitindo-se, porém, a conversão como tal de recurso de agravo de instrumento interposto, face a inocorrência de erro grosseiro” (STJ, 6ª T., REsp 131374-RS, rel. Min. Vicente Leal, j. 11.11.97, DJU 09.12.97, p. 64785). 42 “O Superior Tribunal de Justiça já firmou, em definitivo, o entendimento de que é dispensável a prévia impugnação da conta de execução para que possa a parte insatisfeita recorrer da sentença que a homologou, restando, em conseqüência, superada a Súmula n. 188 do C. Tribunal Federal de Recursos que dizia em contrário” (STJ, 2ª T., REsp 129115-SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 17.12.98, DJU 10.05.99, p. 134); “A impugnação do cálculo homologado da conta em liquidação não constitui pressuposto de recurso” (STJ, 5ª T., REsp 192688-RJ, rel. Min. Gilson Dipp, j. 30.06.99, DJU 16.08.99, p. 96). 43 V., a respeito, o que dissemos em “Antecipação da tutela recursal e efeito suspensivo — Análise de alguns problemas decorrentes da aplicação do art. 558 do CPC”, in Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Júnior, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98, p. 337 s. No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior, “Execução. Rejeição dos Embargos do devedor. Relevância do recurso de apelação. Perigo de dano de difícil reparação. Atribuição de efeito suspensivo ao recurso”, Revista dos

Diversamente, caso se tenha apresentado embargos, haverá resolução do litígio por sentença

e, portanto, ocorrerá coisa julgada. Nesse caso, cabível será o ajuizamento de ação

rescisória.44-45 A jurisprudência não é pacífica, a respeito.46

Presentes os respectivos pressupostos, possível será a concessão de tutela

antecipatória, em tais casos.47

8. Extinção da execução e sentença que extingue a execução (CPC, art. 795)

Não há que se falar, no processo de execução, em extinção do processo com ou

Tribunais, v. 755, p. 133 s. 44 “Não havendo embargos à arrematação aplica-se o art. 486 do Código de Processo Civil, sendo de quatro anos o prazo para o ajuizamento da ação anulatória, nos termos do art. 178, 9º, V, do Código Civil” (STJ, 3ª T., REsp 150115-DF, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 03.12.98, DJU 22.02.99, p. 105); “A arrematação é anulável por ação ordinária, como os atos jurídicos em geral; se, porém, forem apresentados embargos à arrematação, será necessária ação rescisória para anular a decisão neles proferida” (STJ, 2ª T., REsp 35054-SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 27.04.94, DJU 16.05.94, p. 11746). 45 No mesmo sentido, Sérgio Rizzi, “Da ação rescisória”, Revista de Processo, v. 29, p. 196. Berenice Soubhie Nogueira Magri, Ação anulatória, p. 209 s. 46 Entendendo ser cabível somente a ação rescisória: “O processo de execução, depois de declarado extinto, por sentença com trânsito em julgado, não pode ser anulado mediante ação ordinária. A desconstituição do processo executório (incluída a da sentença que o extinguir), ainda que nulidade tenha existido no seu caso, só se torna juridicamente possível, pela via da ação ‘rescisória’ (artigo 485, V, do Código de Processo Civil)” (STJ, 1ª T., REsp 15622-SP, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 14.12.94, DJU 13.03.95, p. 5256); no mesmo sentido: STJ, 1ª T., AGA 83040-MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 21.11.96, DJU 16.12.96, p. 50754. Entendendo ser cabível somente ação anulatória; “I – a doutrina mais moderna assentou entendimento no sentido de que ‘quando não mais for possível a anulação da arrematação dentro dos próprios autos da execução, a parte interessada terá de propor ação anulatória pelas vias ordinárias. II – não há sentença no procedimento da arrematação, de sorte que o ato processual em causa, é daqueles que se anulam por ação comum, como os atos jurídicos em geral, e não pela via especial da ação rescisória’ “ (STJ, 3ª T., REsp 59211-MG, j. 12.09.95, DJU 16.10.95, p. 34651); “A arrematação é anulável por ação ordinária (art. 486, CPC), como os atos jurídicos em geral, sendo inadmissível a exigência de ser movida ação rescisória” (STJ, 1ª T., REsp 3255-BA, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 16.03.94, DJU 18.04.94, p. 8442). Entendendo ser cabível ação anulatória, mesmo quando proferida sentença nos embargos à adjudicação ou à arrematação; “Cabível a ação anulatória de arrematação mesmo quando anteriormente opostos os competentes embargos, desde que inconfundíveis as causas de pedir” (STJ, 3ª T., REsp554374-AM, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 10.09.96, DJU 14.10.96, p. 39003). 47 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA EM AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ARREMATAÇÃO SOB O FUNDAMENTO DE PREÇO VIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Se, apesar de tudo, o lanço for aceito e se consumar a arrematação, ainda assim poderá ser desfeita, se o lanço for vil, porque é nula, cabendo ação anulatória, para desconstituí-la e com fundamento no art. 486 do CPC. O art. 273 do CPC, torna possível a concessão de liminares em todos os processos de cognição. Na antecipação cuida-se, antes, de proteção realmente efetiva a um direito subjetivo, de forma tal que, se a evidencia e tanto, mais danosa passa a ser a protelação do exercício do direito do que a remota possibilidade de sua existência. Demonstrado o prejuízo, pelo cumprimento do mandado de imissão de posse, aplicável o art. 273, I do CPC, com a antecipação da tutela, eis que presentes os pressupostos legais correspondentes” (TA-PR, 6ª Câm.Cív., AgIn 0115204-3, rel. Juíza Anny Mary Kuss Serrano, j. 16.03.98, DJ-PR 03.04.98).

sem julgamento do mérito, tal como ocorre no processo de conhecimento.48 Isto porque,

consoante esmerada doutrina, a execução pode ter fim normal ou anormal, respectivamente,

nas hipóteses de restar satisfeito ou insatisfeito o credor. Nesses casos, a sentença tem por

finalidade, apenas e tão somente, declarar extinta a relação jurídico-processual, seja em

virtude de se ter alcançado seu fim normal, seja porque isso é impossível. Ressalte-se que,

enquanto não proferida a sentença, haverá litispendência, mesmo que a finalidade da ação de

execução já tenha sido alcançada.49

Não há dúvida, portanto, quanto à natureza jurídica do ato: trata-se de

sentença, muito embora de finalidade distinta daquela proferida no processo de conhecimento.

Desse modo, contra tal pronunciamento cabe recurso de apelação,50 não se admitindo a

aplicação do princípio da fungibilidade.51

Considerando que, normalmente, não se pronuncia acerca da existência ou

inexistência do direito afirmado no processo de execução, não há que se falar em coisa

julgada material.52 Caso, porém, sejam apresentados embargos à execução, nestes poderá ser

analisado o mérito (no sentido de existência ou inexistência do crédito), e, no caso, havendo

julgamento com tal natureza, haverá coisa julgada material, sendo possível, inclusive, o

ajuizamento de ação rescisória contra a mesma.

Contra a sentença referida no art. 795 do CPC, por outro lado, não cabe ação

rescisória, pois esta sentença não é de mérito, no sentido referido no art. 485 do CPC.

48 V., sobre o tema, o que escrevemos em artigo publicado na Revista de Processo, v. 88, p. 239 s., e doutrina e jurisprudência ali citada. 49 “A extinção da execução é ato formal, que resulta de sentença (CPC, art. 794); enquanto esta não for proferida (CPC, art. 795), o juiz pode e deve apurar se o julgado foi fielmente cumprido” (STJ, 2ª T., AGA 165587-SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 11.12.97, DJU 02.02.98, p. 106). 50 “Não contraria o art. 795 o acórdão que tem por cabível recurso de apelação de sentença de extinção de execução, por pagamento de dívida” (STJ, 4ª T., REsp 38198-MG, rel. Min. Dias Trindade, j. 11.10.93, DJU 29.11.93, p. 25890); “Processual civil – Execução – Decisão que põe termo ao processo - Apelação – Recurso cabível – artigos 162, 513 e 794, I, do CPC. I- Assentado na doutrina e jurisprudência do STJ, o entendimento no sentido de que, contra decisão que coloca termo ao processo (art. 794, I, do CPC), - constituindo tal ato judicial sentença terminativa – cabível o recurso de apelação, na forma preconizada nos artigos 162 e 513, do Código de Processo Civil” (STJ, 3ª T., REsp 27418-SP, j. 27.10.92, DJU 30.11.92, p. 22613). 51 “Na compreensão do relator, acompanhando precedente da corte, ‘da decisão que extingue o processo de execução (CPC, art. 794), o recurso próprio é a apelação, por força da sistemática vigente, nos termos dos arts. 162, parág. 1º e 513, CPC’, inaplicável, portanto, o princípio da fungibilidade diante do erro grosseiro” (STJ, 3ª T., REsp 86452-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.09.97, DJU 01.12.97, p. 62736). 52 “Acórdão que, de ofício, anula ‘ex radice’ processo de execução porque supostamente não teria sido apresentado o título executivo, não veicula provimento jurisdicional de mérito, para o fim de ensejar ação rescisória” (STJ, 4ª T., REsp 98647-MG, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 29.10.98, DJU 01.02.99, p. 198).

Há, contudo, situações anômalas, já analisadas no presente trabalho, que, por

não se enquadrarem na sistemática ora analisada, geram certa perplexidade, na doutrina.

Nesses casos, entendemos que a situação haverá de ser diversa. É o que se dá, por exemplo,

quanto à sentença que reconhece a ocorrência da prescrição ou do pagamento, na própria ação

de execução. Nesse caso, extraordinaria e excepcionalmente, acaba o juiz por manifestar-se

acerca da (in)existência do próprio crédito exeqüendo. Pensamos que, em tais casos, não se

pode negar que ocorreu julgamento, embora em sede imprópria, e não há como se afastar, por

isso, a ocorrência de coisa julgada.53 Por tal razão, nesta hipótese caberá, excepcionalmente,

ação rescisória.

9. Possibilidade de repetição de indébito, após a extinção da execução, na hipótese de

inexistência da dívida executada

Considerando ser incabível, em regra, a ação rescisória contra a sentença

referida no art. 795 do CPC — ressalvando-se as excepcionais situações referidas ao final do

item precedente —, não terá havido declaração judicial acerca da existência ou inexistência

da dívida cobrada, razão pela qual nada impede que se busque, em ação autônoma, a

restituição do valor indevidamente entregue ao exeqüente.54-55 Caso, por outro lado, tenham

sido apresentados e rejeitados, quanto ao mérito, os embargos à execução, pensamos que a

solução apontada é incabível, pois, considerando que os embargos à execução são verdadeira

ação de conhecimento, incide na hipótese o disposto no art. 474 do CPC, que trata da eficácia

preclusiva da coisa julgada (ou princípio do deduzido e do dedutível).56

53 É o que afirma Alberto Camiña Moreira, baseando-se na lição de Humberto Theodoro Júnior, José Carlos Barbosa Moreira, Donaldo Armelin e Hamilton Moraes e Barros (ob. cit., 193). Afirma Thereza Alvim, a respeito, que “tratando-se de sentença que extingue a execução, porque o devedor satisfez a obrigação, por o devedor obter, mediante transação ou qualquer outro meio, a remissão total da dívida ou por o credor ter renunciado ao crédito, inegavelmente, ficará ela abrangida pela imutabilidade própria da coisa julgada material. Esse o motivo pelo que nos parece só poderá ser desconstituída através de ação rescisória” (“Notas sobre alguns aspectos controvertidos da ação rescisória”, Revista de Processo, v. 39, p. 15). Em sentido contrário, Sérgio Rizzi, “Da ação rescisória”, Revista de Processo, v. 26, p. 195. 54 Nesse sentido, Enrico Tullio Liebmam, Embargos do executado, p., 210-211; Humberto Theodoro Júnior, Processo de execução, p. 471; Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 104. 55 “1. Não se confundem os embargos do devedor, que visa a extinguir o processo de execução ou a desfazer a eficácia do título executivo, com a ação anulatória cujo escopo é o reconhecimento da inexistência da dívida fiscal. 2. Não sendo embargada a execução, inexiste sentença, não se podendo falar de coisa julgada capaz de impedir a propositura da ação anulatória do lançamento fiscal” (STJ, 2ª T., REsp 9410-SP, rel. Min. Peçanha Martins, j. 08.09.93, DJU 25.10.93, p. 22469). 56 “Processo de execução. Preclusão ‘pro judicato’. Coisa julgada material inexistente. Inocorre preclusão,

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Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 30.03.2003