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INFORME LARI CONJUNTURA INTERNACIONAL SOBRE DEMOCRACIA E INFORMAÇÃO , 14ª Edição – Agosto de 2021

Briefing Democracia e Informação

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INFORMELARI

CONJUNTURA INTERNACIONALSOBRE

DEMOCRACIA E INFORMAÇÃO

,

14ª Edição – Agosto de 2021

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O Laboratório de Análise das RelaçõesInternacionais

O LARI, como chamamos o Laboratório deAnálise das Relações Internacionais, é umevento que acontece semestralmente e temcomo objetivo observar em grupo a conjunturainternacional e discutir sobre possíveiscenários futuros, como uma forma dedesenvolver a capacidade de interpretar osfatos e elaborar uma sequência lógica depossibilidades sobre eles.

Os membros do PET-REL discutempreviamente temas relevantes no cenáriointernacional e escolhem qual será o maisinteressante e produtivo. Após a pesquisaextensa sobre o assunto, divulgamos um breveresumo dos fatos e interpretações para os

interessados, o que objetiva contribuir para suaparticipação nos debates.

Após o LARI, todos são convidados aelaborarem sua análise de conjuntura, umdocumento em que cada interessadodesenvolve uma breve introdução do assunto edesenvolve suas visões sobre os várioscenários que entende possíveis. Nessa fase, osmembros do PET se dispõem a colaborar comqualquer assunto ou dúvida, incentivando osparticipantes do LARI que se interessem aelaborarem sua própria análise, que pode serpublicada no nosso boletim.

Informação e o Sistema Político

A humanidade passou por diversasrevoluções de caráter estrutural que alterarama forma como nos comportamos enquantoseres individuais e coletivos. Entre as maisrecentes, a primeira pode ser considerada apromovida pelo advento do motor a vapor, quesubstituiu o modelo agrícola e artesanal porgrandes indústrias. A segunda, baseada naenergia elétrica e no petróleo, deu início àprodução em massa e ao uso do aço. Aterceira, e última consolidada entre os debatesacadêmicos, ficou conhecida justamente comoa revolução da informação, baseada noscomputadores e no processo de globalização

da economia e dos meios de comunicação,contando, também, com o advento da internet,com o que ficou conhecido como revoluçãoinformacional. A partir daqui, temos umasociedade em que a informação se torna umavariável fixa e de caráter extremamente volátilna equação de poder junto às demais esferasde atuação, partindo para o que o geógrafoMilton Santos definiu teoricamente comomeio técnico-científico-informacional(SANTOS, 1996).

A importância da informação deixou aárea dos estudos estratégicos e nos processosdecisórios e passou a ter um papelfundamental nos mais diversos níveis da vidadas pessoas. Com o advento das redes sociais,

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a informação tornou-se a melhor arma parafortalecer as narrativas pessoais e derrubaradversários e ideologias. Exemplos dissopodem ser vistos por toda a década de 2010,vindos da Europa com a crise dos refugiados eculminando na eleição de Donald Trump comopresidente dos Estados Unidos. Apopularização do termo fake news foi o legadodessa grande odisseia informacional quetomou a sociedade contemporânea.

No entanto, é válido mencionar queessa dinâmica informacional não é nova ouexclusiva da era das redes sociais. A dinâmicade propaganda da Guerra Fria, na qual os doisblocos conflitantes, o capitalista e o socialista,usavam da propaganda para reafirmar suasideologias. O governo nazista, que tinha umministério focado integralmente para apropaganda e a propagação de informação,também demonstra que a informação seencontra intrínseca ao processo político desdeantes do advento da internet, revelando-secomo a mais eficaz estratégia para a boafuncionalidade do poder em qualquer regime— incluindo a democracia (ZANUNI; CAUR;COSTA, 2021).

Considerando esse histórico, vemoscomo os sistemas políticos ao redor do mundose moldaram a partir do uso da informação. Asestruturas são retroalimentadas porinformações que entram na forma de buscarvantagens a nível doméstico e internacional, eque saem na forma de instrumentos deoperação a favor de quem está no governo.Acadêmicos como Yaacov Y. I. Vertzberger(1990) debatem acerca dessas informações e oprocessamento delas por parte de quem arecebe, tornando esse processo não somenteuma resposta passiva ao recebimento dessas

informações, mas um processo de construçãode realidade.

A partir da construção da realidade,quem domina esse processo automaticamentedetém o poder e tece a realidade da maneiraque mais lhe agrada. E, em cima disso, valelembrar também que a relatividade da verdadetorna esse processo ainda mais complexo. Aconsiderar que, com as diversas variáveis —principalmente a informação — queinfluenciam e mudam a percepção desociedades diferentes, o que é tido como certoem uma sociedade, pode ser tido como erradoem outra.

Partindo disso, o PET-REL dedicará asexta edição da Revista Petrel para entenderum pouco mais desses processos e das suasinfluências na democracia ao redor do mundo.Este briefing tem como propósito servir comopreparatório para os debates do Laboratório deAnálises de Relações Internacionais,oferecendo, como base, temas como ademocracia e a segurança no processoeleitoral, o papel das mídias sociais, fake newse todo esse debate atrelado à realidadebrasileira.

Democracia e Segurança Eleitoral

As últimas eleições democráticas aoredor do mundo trouxeram novas perspectivassobre a influência da informação e datecnologia, tanto com relação ao própriosistema, quanto em relação à segurança. Em2017, a inteligência estadunidense informouque a Federação Russa havia realizadooperações virtuais com o objetivo demanipular as eleições de 2016, que elegeram oex-presidente Donald Trump (HARRIS,

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2019). Ademais, o uso de redes sociais foisuspenso durante as eleições sob justificativade segurança cibernética em países comoUganda, Gana e Congo (MATFESS, 2016).

Apesar de não terem sido comprovadasfraudulentas, as eleições dos Estados Unidoscolocaram no centro da discussão a segurançaeleitoral e os perigos à democracia que crimesde cibersegurança podem apresentar. Ovazamento de dados se tornou tema ainda maisimportante, uma vez que poderia influenciarna questão do registro dos eleitores(ROBINSON, 2016). Mais recentemente, aquestão se ampliou em países como o Brasil, apartir dos questionamentos do presidente daRepública e sua base aliada da segurançaeleitoral promovida pelas urnas eletrônicas.

Nas eleições de 2016, Gana, que utilizao conhecido modelo democrático africano,resolveu suspender a conexão de internet nopaís. A justificativa foi construída em cima dapreocupação com a cibersegurança, com aproteção do sistema eleitoral e com apossibilidade de desestabilização do país(MATFESS, 2016). Outros países da regiãotambém realizaram o mesmo procedimento,como Etiópia, Congo, Chade e Uganda. Em2021, a nova eleição de Uganda contounovamente com o precedente aberto 5 anosantes: um novo corte de internet e de algunsaparelhos celulares foi realizado pelo governoem exercício (KAFEERO, 2021).

Essas ações de corte no principal meiode comunicação podem ser entendidas a partirde dois pontos de vista distintos, sendo oprimeiro a questão de garantir que ademocracia seja cumprida em uma eleiçãosem influências externas ou ataques ao sistemaeleitoral e a segunda como uma forma de acercear, uma vez que restringe a capacidade de

comunicação dos eleitores e da expressão desua opinião política.

Já nas Américas, segundo relatório daOrganização dos Estados Americanos (OEA)feito com dados de 34 Estados membros, cercade 93% dos processos eleitorais sãodigitalizados em algum grau. Esse movimentopermitiu maior participação e contribuiu paracriar consciência e transparência nosprocessos. Porém, as Américas são uma dasregiões que possuem mais ataquescibernéticos, apesar de 55% dos países nãoterem ciência de nenhum incidente eleitoralrelacionado (OEA, 2019).

Em consonância, uma publicação daHarvard Kennedy School (HARVARD, 2020apud OEA, 2019), apontou três categorias deacidentes eleitorais cibernéticos, sendo elas a1) criação de contas falsas para desacreditar osistema eleitoral; 2) exposição de informaçõesconfidenciais e 3) criação de temasirrelevantes e midiáticos, a fim dedesconcentrar os eleitores.

A partir disso, é possível perceber queo debate de democracia e segurança eleitoralestá no cerne da questão política,especialmente a partir da polarização nosEstados Unidos, em 2016. No Brasil, épossível perceber um esforço dos órgãosreguladores, políticos e judiciários na lutacontra as fake news e contra o descrédito dosistema eleitoral brasileiro. Devido àsdeclarações do presidente Jair Bolsonaro, aseleições de 2022 poderão enfrentar desafios noBrasil. Dúvidas sobre a segurança dadigitalização dos processos podem elevar apolarização da sociedade, com repercussõesimprevisíveis para o processo eleitoral.

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Mídias Sociais, Fake News e oparadoxo da decisão democrática

Quando falamos sobre tecnologiasdigitais e mídias sociais, o debate sobre FakeNews (anglicanismo que representa ofenômeno das notícias falsas que se espalhamrapidamente nos meios de comunicaçãodigitais) já é notório. Vivemos, atualmente,duas crises com relação à informação: afalsidade e o excesso de conteúdos pelos quaissomos bombardeados diariamente. Somados,esses fenômenos nos levam a uma verdadeiracrise de desinformação. O fenômeno poderiacausar espanto, se pensarmos nas expectativasde democratização do conhecimento que ainternet evocou durante seu surgimento.

A problemática não consiste nadisponibilidade do conteúdo em si, mas nalógica de ganhos políticos a partir dapropagação de notícias falsas de cunhopolítico-eleitoral, ou de lucro, quandorelacionadas com a competição constante dasinformações disponíveis pela nossa atenção.Em ambos os casos, porém, há a geração delucro para as empresas que fornecem os meiospara a divulgação de fake news. Jaron Lanier,especialista em mídias do Vale do Silício,questiona: por qual serviço as empresasmultimilionárias, como Facebook, Twitter,Google e Instagram, estão sendo pagas, se osusuários não gastam um centavo para usufruirde seus produtos? Para o especialista, aresposta é clara: o produto vendido nessa trocacomercial é, na verdade, representado pelospróprios usuários, seus dados e atransformação paulatina do seucomportamento (LANIER, 2020).

Segundo Tristan Harris, ex-funcionárioda Google e de outras grandes empresas doVale do Silício, a transformação decomportamento é um objetivo declarado dasmídias e tecnologias em questão. Pelarealização de estudos sobre psicologia ecomportamento, são criados algoritmosinteligentes, como o Growth Hacking, capazesde traçar “perfis” de usuários e, a partir daí,direcionar a utilização da mídia para gerar omáximo possível de engajamento, mesmo queisso signifique o vício e outras consequênciasnegativas (HARRIS, 2020).

Há dois problemas centrais nessaforma de utilização dos usuários: a venda dosdados, que são fornecidos no credenciamentoe adquiridos durante o uso das mídias; e atransformação dos padrões de comportamento,sem que os alvos dessa mudança sejamalertados ou sequer tomem conhecimento(HARRIS, 2020). Na lógica do “capitalismode vigilância”, tudo que se faz, especialmenteem aparelhos eletrônicos, está sendocuidadosamente observado e internalizado –pelos algoritmos que regem o funcionamentodas redes. Cada movimento é utilizado paratraçar um perfil único de usuário, com dadosdiversos (o que o usuário gosta, quer, faz,frequenta, pensa, etc.). De posse desses dados,e sem legislações fortes que controlem autilização indiscriminada de informaçõessobre bilhões de pessoas ao redor do globo, asempresas se tornam máquinas poderosas depublicidade dos mais diversos tipos (HARRIS,2020).

E é aí que está o cerne do paradoxoentre a democracia e as tecnologias digitais: aotraçar um perfil específico para cada usuário, aponto de produzir um feed de notícias

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direcionado especialmente para você (cadapessoa tem acesso a uma experiênciapersonalizada, com notificações e respostas debusca diferentes – tudo é direcionado ao seuperfil, ao seu modelo), os algoritmos passam ainfluenciar sistematicamente pensamentos ecomportamentos (HARRIS, 2020). Isso jáseria problemático se pensássemos na vendade roupas, sapatos ou outros bens e serviços,mas quando pensamos na possibilidade deinfluenciar opiniões políticas, escolhaseleitorais e decisões cotidianas com impactosocial, o problema alcança outro nível. Qual éo sentido de uma participação democráticamanifestada pelo voto, se somos manipuladospelos algoritmos das redes sociais antes dechegar à urna, e sem que sequer tomemosconsciência disso?

Como se não bastasse essaincompatibilidade estrutural com o sistemapolítico mais aceito no mundo – a democracia–, as mídias sociais nos apresentam umaquestão ainda mais grave: as Fake News. Osalgoritmos, apesar de configurarem um tipo deinteligência artificial, não são capazes dediferenciar um conteúdo verdadeiro ou falso.Ao contrário, o estímulo aceito pelo algoritmopara definir o próximo vídeo recomendado oua próxima postagem do feed é, entre outrascoisas, o engajamento que recebe a publicaçãoem questão. E a mentira, segundo oprogramador Tristan Harris (2020) recebemais engajamento e se espalha seis vezes maisrápido que a verdade nas mídias sociais.

Esse não é um funcionamentoprogramado por seres humanos. É umprocesso que acontece durante o uso, pelo fatode que os usuários se interessam e se engajammais em publicações com conteúdosimpressionantes, chocantes, terríveis, mesmo

que sejam mentirosos. E assim, são essas aspublicações impulsionadas pelo algoritmo.Dentro da lógica de uma empresa que busca olucro, e que, para isso, precisa manter o maiortempo de engajamento possível por usuário,cria-se um modelo de negócio que,intencionalmente ou não, lucra com adesinformação.

Dessa forma, o que antes pareciaminofensivos algoritmos capazes derevolucionar o mundo publicitário, setornaram armas letais de polarização, que noslevam a passos rápidos à era da desconfiança,da desinformação sem questionamentos, dadesestabilização das dinâmicas políticas esociais. Essa realidade se manifesta em casosconcretos, como a campanha pelo Brexit, osconflitos em Hong Kong e na Ucrânia, aeleição de Bolsonaro no Brasil e DonaldTrump nos Estados Unidos, e teoriasconspiratórias como o Q Anon e o Pizza Gate.

Nesse contexto de polarização cadavez mais acirrada, as redes sociais têm papelcentral no aprofundamento dos radicalismos.Por meio dos algoritmos, as informações queaparecem para usuários em feeds e páginas debusca se tornam cada vez mais extremas. Aoconstruir seu “perfil” como usuário, as redesselecionam o conteúdo que mais se assemelhaà sua maneira de pensar, e acabamformando-se bolhas que reforçam aintolerância e minam a capacidade deargumentação. Além disso, a venda de dadosdos usuários para empresas é um limite éticoque já foi ultrapassado, como apresentado nodocumentário Privacidade Hackeada (2019).

Um caso que ganhou notoriedade,levando a empresa Facebook à julgamento emcorte, aconteceu no Myanmar em 2018. Nopaís, a perseguição étnica às minorias

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muçulmanas já era uma realidade desde osanos 70, por dinâmicas sociais e históricas quenão nos cabe discutir, mas que estavamarrefecidas. O Facebook, rede social maisutilizada no país, por meio do algoritmo deengajamento, passou a impulsionarpublicações com discurso de ódio ferrenhocontra essa minoria. Em agosto, aspublicações amplamente compartilhadas pormilitares e turbas budistas, chegaram a umtriste apogeu. Posts de convocação da irapopular geraram grandes manifestaçõesdirecionadas ao assassinato em massa demuçulmanos. Tristemente, tais manifestaçõesatingiram seu objetivo – vilas foramqueimadas, pessoas foram assassinadas emulheres foram estupradas (FACEBOOK...,2018). Yanghee Lee, investigadora da ONUpara Myanmar, afirmou: “Temo que oFacebook tenha se transformado numa fera”,junto a outros especialistas que concordam tersido essa mídia a grande correia detransmissão do ódio, o impulsionador final dotriste morticínio (FACEBOOK..., 2018).

Hoje, seguimos suscetíveis à influênciade uma manipulação que parece não terculpados – o algoritmo se transforma tãorapidamente, que nem seus próprios criadoressão capazes de definir seu funcionamento emtotalidade. O fato é que, o attention extractingmodel, vinculado ao modelo de feed PositiveIntermitent Stimulous (que sempre se atualiza)e a testes como massive scale contagiousexperiments, entre outros, já demonstram suacapacidade de desestabilizar dinâmicaspolíticas e sociais e de manipular resultadosreais (como eleições), sem que as pessoassequer tenham consciência disso (ZUBOFF,2020). A eficácia dos conteúdos extremos e

mentirosos, que provocam a polarização e adesinformação, em manter as pessoas online éestratégica para essas grandes empresas.Enquanto não houver mudanças profundas emsua estrutura, a tendência é que oimpulsionamento de conspirações como a terraplana (que foi recomendada milhares de vezespelo algoritmo do Youtube, por exemplo)(CHASLOT, 2020), continuem ocorrendo.Esse debate evoca a importância daformulação de leis e regulações para controledo espalhamento de Fake News, para limitaçãodos impactos da manipulação dos algoritmos epara utilização dos dados.

Perigo à brasileira

Com os avanços tecnológicos e maiorrelação entre qualidade de informação edemocracia, com ênfase nos riscos dapropagação de fake news e a participaçãodefinidora de empresas como a CambridgeAnalytica em eleições chave do mundo todo,1

urge a necessidade dos Estados possuíremmaior preparo ao lidar com cibersegurança ecom dados e propagação de desinformação pormeio de redes sociais. Entretanto, o Brasilapresenta problemas em fatores básicos naproteção e manutenção de dados, por exemplo,demonstrando a fragilidade e despreparo dopaís na gestão da segurança cibernética. Umexemplo disso é o apagão de dados sofridopelo Ministério da Saúde (MS) em plenapandemia da Covid-19, em novembro de

1 Empresa de análise de dados que faz a coleta e usopolítico de dados pessoais sem consentimento. Seutrabalho mais repercutido foi o de propaganda políticapara a campanha presidencial de Donald Trump para aseleições estadunidenses de 2016 (ENTENDA..., 2018).

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2020. A rede de computadores do órgão foicomprometida por um vírus que afetou pordias a atualização dos dados de casos e mortespor Covid-19. Segundo o diretor-presidente daAgência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), Antônio Barra Torres, houve umataque cibernético ao sistema do MS, quetambém afetou a agência. O entãosecretário-executivo do Ministério da Saúde,Élcio Franco, confirmou indícios nesse sentido(APÓS..., 2020).

Além disso, mesmo com a iniciativa demelhoria na regulamentação e preservação pormeio da Lei Geral de Proteção de Dados(LGPD) — que entrou em vigência em agostode 2020 e que promete maior segurançajurídica e proteção aos dados pessoais doscidadãos (SERPRO, [2018?]) —, o sistemabrasileiro não conseguiu impedir doismegavazamentos no início de 2021. Emjaneiro, 223 milhões de CPFs de pessoas vivase falecidas foram expostos na internet, juntoao vazamento de quase 103 milhões deregistros de celulares, em fevereiro(MUNDO..., 2021).

Segundo Marco DeMello, CEO daPSafe, empresa de segurança cibernética quedescobriu os dois casos de megavazamento, omundo vive uma “pandemia” de ciberataques,com as tecnologias de defesa ainda nãoadaptadas às novas inteligências artificiais quecolocam em posição de vulnerabilidadeempresas e indivíduos. E, no caso do Brasil,estamos ainda mais despreparados que amaioria dos países. De acordo com DeMello,“o Brasil tem uma defasagem muito grandeentre a sua posição econômica e a sua posiçãoem termos de cibersegurança” (MUNDO...,2021), pois o país é uma das maioreseconomia do mundo, mas o 46º de 47 países

monitorados em relação a velocidade dedetecção de vazamento de dados.

Além da cibersegurança, outro fatorimportante a ser considerado para oenfrentamento aos impactos negativos dainformação na democracia — principalmenteem 2022, com o contexto de eleiçõespresidenciais — é a preparação da sociedadepara lidar com as notícias falsas. O país aindanão conseguiu estruturar uma campanhaefetiva contra as fake news — nem mesmo emrelação à segurança e à confiabilidade dasurnas eletrônicas (CARVALHO, 2021) —,sendo a efetividade na comunicação um pontochave para a realização de eleições justas em2022 (COMBATE..., 2021).

Em debates entre parlamentaresbrasileiros — principalmente no âmbito daComissão Parlamentar Mista de Inquérito(CPMI) das Fake News —, já forammencionados a educação e o fortalecimento dademocracia como formas de combater adesinformação, pois amenizam as chances deinformações falsas confundirem a formação daopinião pública e desestabilizarem, assim, oestado democrático de direito(DEBATEDORES..., 2019). Entretanto,medidas eficazes ainda devem ser tomadas porparte do governo, e certamente não ocorrerãode maneira determinante antes do períodoeleitoral, considerando também que odesprezo pela mídia e o uso de inverdadesfazem parte da agenda do Presidente daRepública, que não tem interesse em alteraresse cenário.

Desse modo, o país se mostradespreparado para lidar com as problemáticasque enfrentaremos ao longo de 2022,principalmente considerando metodologiasque analisam a vulnerabilidade e preparo de

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países para lidar com informações, como a doeuropeu Media Literacy Index 2021 — queclassifica os países do continente de acordocom o maior potencial para suportar o impactonegativo de notícias falsas e desinformaçãodevido à qualidade da educação, mídia livre ealta confiança entre as pessoas (OSIS, 2021).

Na Europa, por exemplo, países maisafetados por tecnologias propagadoras de fakenews, como a Bulgária, apresentavam índicesmuito baixos na medida citada e realmente nãoconseguiram enfrentar tais problemas comsucesso (FAKE..., 2017). Por outro lado,outros países já se preparam maisefetivamente depois de lidar comdesinformação em suas últimas eleições, com,por exemplo, a intervenção de tecnologiasrussas. Entre as medidas tomadas porgovernos europeus visando solucionar aquestão está um sistema educativo daFinlândia, que, desde 2014, disponibiliza umcurso, parte iniciativa anti-fake news lançadapelo governo finlandês, com o objetivo deensinar estudantes, jornalistas e políticos acombater informações falsas(MACKINTOSH, 2019). Outro exemplo é oda Espanha, cujo governo preparou protocolospara proteger as eleições gerais espanholascontra ataques cibernéticos (SPAIN..., 2019).

Além disso, a União Europeia (UE)disponibiliza o website EU v Disinformation,que desde 2015 foca especificamente nascampanhas de desinformação da Rússia queafetam a UE. O objetivo é aumentar aconscientização e a compreensão do públicosobre as operações de desinformação doKremlin, sendo parte da força tarefa EastStratCom, que trata do tema na prática(QUESTIONS..., 2021).

Conclusão

Com o avanço exponencial do uso detecnologias de informação, questões deproteção e segurança de dados estão cada vezmais presentes. Ainda, em âmbitointernacional, as discussões sobre normativaspara proteção de dados são fortementeregionalizadas, com tendência de produção deregulamentações surgindo apenas a partir dosanos 2000 (GONZÁLEZ, 2020). Nessecontexto, o General Data ProtectionRegulation da União Europeia foi o principalmarco internacional surgido nos últimos anos,demarcando a necessidade de atuação pararegulamentar o uso de dados e informaçõespor governos e entidades privadas.

Como se pode perceber pela discussãoacima, o debate sobre informação edemocracia tem sido extremamente relevantepara dimensões distintas das relaçõesinternacionais, inclusive com possíveisdesdobramentos para a própria concepção dedemocracia no mundo. Nesse sentido, o debateque será realizado pelo PET-REL procurará,mesmo que de modo geral, abordar essasrepercussões, de modo a fomentar aconstrução de ideias sobre a relação entre ainformação e a qualidade das democracias .Abaixo, são mencionadas algumas perguntascom o intuito de provocar o debate:

● Quais são os principais perigos àdemocracia proporcionados a partir dasredes sociais?

● Em âmbito internacional, qual o papelde organismos internacionais como

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OCDE, G20 e ONU em regular o usodo espaço digital?

● Qual o efeito conjuntural que asnotícias falsas têm proporcionado nosprocessos eleitorais pelo mundo?

● Quais instrumentos institucionaisdevem ser criados para fortalecer ademocracia em espaço digital?

● Quanto às eleições brasileiras de 2022,quais são os principais perigos ao quala nossa democracia estará submetida?

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