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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MÚSICA LICENCIATURA EM MÚSICA UM ESTUDO SOBRE BRINCADEIRAS CANTADAS DA INFÂNCIA: JOGOS DE MÃOS APRESENTADOS POR CRIANÇAS DE FLORIANÓPOLIS ALUNA: GABRIELA FLOR VISNADI E SILVA ORIENTADORA: VIVIANE BEINEKE Florianópolis, dezembro de 2004

Brincadeira s

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES - DEPARTAMENTO DE MSICA

    LICENCIATURA EM MSICA

    UM ESTUDO SOBRE BRINCADEIRAS CANTADAS DA INFNCIA:

    JOGOS DE MOS APRESENTADOS POR CRIANAS DE

    FLORIANPOLIS

    ALUNA: GABRIELA FLOR VISNADI E SILVA

    ORIENTADORA: VIVIANE BEINEKE

    Florianpolis, dezembro de 2004

  • TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO apresentado e aprovado como pr-

    requisito parcial para a obteno do ttulo de licenciada em msica pela comisso

    de avaliao composta pelos seguintes professores:

    ______________________ Profa. Viviane Beineke ______________________ Prof. Srgio Paulo Ribeiro de Freitas ______________________ Profa. Cleidi Marlia Carvalho Pedroso de Albuquerque

  • E se quisermos verdadeiramente fazer justia s crianas, teremos que desafi-

    las em sua graa e poder, atravs de sua prpria cultura.

    (Lydia Hortlio)

    As fotografias deste trabalho foram tiradas pela autora e por Viviane Beineke.

  • Dedico este trabalho a todas as crianas, especialmente quelas que me

    ensinaram estes jogos de mos.

    Agradeo s professoras das escolas que eu visitei, que tanto colaboraram

    tanto nas entrevistas como no espao das suas aulas que me cederam.

    Agradeo tambm s crianas da Escola de Educao Infantil Flor do

    Campus, em Florianpolis, pela colaborao com as fotografias ilustrativas para

    este trabalho.

    Agradeo em especial minha amiga Viviane Beineke, que foi uma grande

    orientadora no s neste, mas em muitos outros trabalhos que j fizemos juntas.

  • 5

    SUMRIO

    RESUMO ________________________________________________7

    COMO SURGIU A IDIA... __________________________________1

    1. BRINCADEIRA DE CRIANA... ____________________________4

    1.1 O que brincar? 4 1.2 A importncia do brincar na formao da criana 9

    2 MSICA E BRINCADEIRA _______________________________18

    2.1 A msica da cultura infantil 18 2.2 Que caractersticas possuem as brincadeiras cantadas? 20 2.3 Sobre os jogos de mos 25 2.4 Contribuies das brincadeiras cantadas na formao integral da criana 30 2.5 As crianas ainda brincam com msica? 32

    3 COMO ACONTECEU A PESQUISA ________________________36

    3.1 Seleo das escolas a serem pesquisadas 36 3.2 Como foi o encontro e a negociao com as escolas selecionadas 39 3.2.1 Escola Bsica Vitor Miguel de Souza 39 3.2.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 40 3.3 Conhecendo as crianas 41 3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 41 3.3.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 42 3.4 Cmera, ao! Chegou o dia da gravao 43 3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza 43 3.4.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR 45 3.4.2.1 Turma da 3. srie 45 3.4.2.2 Turma da 4. srie 45 3.5 Bnus: mais um encontro com as crianas da escola Vitor Miguel 46 3.6 Transcrio e anlise dos jogos de mos 47 3.6.1 Cdigo dos gestos 48

    4 OS JOGOS DE MOS ___________________________________51

  • 6

    4.1 Jogos apresentados por crianas da 2. srie da Escola Vitor Miguel de Souza 51 4.1.1 Batom 51 4.1.2 O Viado 54 4.1.3 O Trem Maluco 56 4.1.4 Tim, Tim 59 4.1.5 L em cima daquele morro 61 4.1.6 Cecerece Cec 62 4.1.7 O Mateus no lava o p 64 4.1.8 Adoleta 65 4.2Jogos apresentados por crianas da 3. srie da Associao Pedaggica Praia do Riso APPR 68 4.2.1 Parara 68 4.2.2 O Trem Maluco 69 4.2.3 Babalu 71 4.2.4 Adoleta 72 4.2.5 Fui ao Cinema 73 4.2.6 Fui China 74 4.2.7 Fui no cemitrio 76 4.3 Jogos apresentados por crianas da 4. srie da Associao Pedaggica Praia do Riso APPR 77 4.3.1 Com Quem? 77 4.3.2 Popeye 80 4.3.3 Olvia 81 4.3.4 Catchup 82 4.4 Jogos apresentados no segundo encontro com as crianas da Escola Municipal Vitor Miguel 82 4.4.1 Ana Banana 83 4.4.2 Soco, soco, bate, bate 83 4.4.3 Tim, tim castelo 84 4.4.4 Xuxinha 86

    CONCLUSO ___________________________________________88

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS __________________________92

    ANEXO 1_______________________________________________94

    ANEXO 2_______________________________________________95

  • RESUMO

    Este trabalho um estudo sobre as brincadeiras cantadas infantis, desenvolvido

    com o objetivo de conhecer jogos de mos praticados por crianas de escolas do

    Ensino Fundamental de Florianpolis. Os dados foram coletados em turmas de

    sries iniciais de duas escolas Escola de Educao Bsica Vitor Miguel de

    Souza e Associao Pedaggica Praia do Riso. Foram realizadas filmagens dos

    jogos de mos apresentados pelas crianas, os quais foram posteriormente

    transcritos para partitura, tomando-se o trabalho de Gainza (1996) como

    referncia. Cada jogo de mo analisado segundo a parte estrutural ou versos,

    rtimica realizada com as mos, forma, combinaes e particularidades dos

    diferentes jogos.

    Palavras-chave:

    1) Educao Musical

    2) Brincadeiras cantadas

    3) Jogos de mos

  • COMO SURGIU A IDIA...

    A idia para este trabalho surgiu em certa fase do projeto Produo de

    Material Didtico para o Ensino de Msica na Escola, projeto do Programa NEM

    Ncleo de Educao Musical, do Departamento de Msica da UDESC, que consiste

    na pesquisa, estudo e produo de arranjos e composies de peas e atividades

    voltadas para sala de aula, a partir de cantigas infantis e do folclore brasileiro. um

    projeto de extenso permanente, no qual podem participar alunos, ex-alunos e

    professores do Departamento de Msica.

    No comeo do projeto, as atividades propostas enfocavam principalmente o

    uso da flauta doce em arranjos de canes de poucas notas. Tambm foram feitos

    trabalhos voltados para explorao da flauta doce, usando-a de diversas maneiras

    no-convencionais. Depois, com maior uso da voz e percusso na sua produo de

    arranjos, incluindo percusso corporal e o uso de instrumentos no-convencionais, o

    grupo se interessou tambm por brincadeiras cantadas como jogos de mos e

    copos. Reunimos alguns trabalhos publicados em livros e cds que encontramos

    sobre o assunto, e em pouco tempo surgiu no projeto um captulo inteiro de arranjos

    de brincadeiras cantadas em geral, resultando em um caderno de atividades.

    Como participante do grupo, percebi ento a riqueza dessas brincadeiras,

    tanto musicalmente como culturalmente. Pensei: Como seriam teis nas aulas de

    msica, alm de bonitas e prazerosas, essas brincadeiras podem abrir vrias

    possibilidades!. A ento surgiu a idia de pesquisar mais sobre brincadeiras

    cantadas e descobrir um pouco do que as crianas esto fazendo atualmente. A

    maneira mais eficiente e verdadeira seria buscar com as prprias crianas.

  • 2

    Assim, decidi que o meu trabalho seria sobre esse aspecto da cultura infantil,

    buscando conhecer um pouco da msica realizada nas brincadeiras infantis.

    Lembrei-me ento, dos recreios da escola de primeiro grau onde estudei em So

    Paulo, que eram repletos de jogos de mos. Assim, me propus a visitar os recreios

    de algumas escolas de Ensino Fundamental de Florianpolis em busca de

    brincadeiras cantadas.

    Acredito que esse conhecimento tambm venha a complementar a minha

    formao como professora de msica, me aproximando mais de um saber musical

    que seja significativo para a criana.

  • A brincadeira o caminho que percorremos felizes, expressando o que nos vai no

    corao, revelando o nosso eu autntico, nosso modo livre e criador de curtir a vida;

    viramos crianas quando j no o somos mais. A diferena para as crianas que

    vivem ainda um tempo mesmo de ser criana, de brincar. (Maluf, 2004)

  • 1. BRINCADEIRA DE CRIANA...

    1.1 O que brincar?

    O termo brincar tem um universo de significados. Uma criana quando

    convida vamos brincar?, pode estar representando inmeras idias e

    possibilidades que o termo abrange. Jogos, brincadeiras, faz de conta, brinquedos,

    criao, mgica... tudo pode se tornar brincadeira ou brinquedo para uma criana.

    Um exemplo clssico so as linhas da calada, que se transformam em jogo no

    olhar da criana. Eugnio Tadeu Pereira, professor de msica do Centro Pedaggico

    da UFMG e coordenador do Grupo Rodapio, explica que a criana tem sua volta

    inmeras possibilidades de formar uma brincadeira, seja com um brinquedo

    tradicional, com um pedao de madeira, uma folha de rvore, uma tampa plstica,

    um som, uma pessoa, muitas pessoas... e todos esto cheios de possibilidades e

    sugestes que podem virar brinquedo, que vai ser diferente de acordo com cada

    indivduo. Essa maneira de lidar com a realidade - transformar objetos, lugares,

    inventar coisas, uma forma da criana se descobrir, compreendendo o mundo que

    a cerca, (re) inventando-o e se encontrando nele; (...) e isso tem aspectos de

    brincadeira. O autor cita ainda, que muito difcil encontrar uma criana que no

    brinca, sendo algo at preocupante (Pereira, 2002). Segundo Gildo Volpato,

    professor em cursos de graduao e ps-graduao na rea de Educao Fsica, o

    jogo, a brincadeira e o faz de conta so as atividades que predominam na infncia,

    como parte do desenvolvimento da criana. Nos parques, nas ruas, em casa, ou em

    qualquer lugar, a criana quase sempre est jogando ou brincando de alguma coisa

    (Volpato, 2002, p. 11). E s olhar com ateno para uma criana brincando que

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    percebemos o quanto o brincar natural e significativo para ela, faz parte da sua

    linguagem.

    Sempre que uma criana seleciona algo com a inteno de brincar, e cria

    uma situao de brincadeira com este objeto (ou pessoa), ela cria uma situao que

    a faz sair do seu mundo, abrindo-se para as relaes. Brincar, ento, estar em

    relao com algo diferente em ns e/ou fora de ns (Pereira, 2002). E essa relao

    com o outro, leva a criana a um universo diferente daquele que costuma estar,

    abrindo janelas para outras possibilidades.

    O brincar para a criana algo altamente srio, no sentido de importncia,

    compenetrao. Sobre isso Volpato cita Piaget: Nada mais srio do que uma

    criana brincando (Piaget apud Volpato, 2002, p 85). A criana quando brinca est

    concentrada, totalmente envolvida com a brincadeira. Brincar, no uma mentira,

    uma atitude em que tudo est presente (Pereira, 2002). E quando est brincando, a

    criana fica num estado entre o imaginrio e o real, um estado intermedirio. Sobre

    isso, ngela Cristina Munhoz Maluf, citando Vygotsky, explica que o brincar difere de

    outras atividades porque cria uma situao imaginria. A autora coloca o brinquedo

    como a riqueza do imaginrio infantil (Maluf, 2003, p 48).

    Froebel, considerado por Blow (1991) o psiclogo da infncia, concebe o

    brincar como uma atividade livre e espontnea, responsvel pelo desenvolvimento

    fsico, moral, cognitivo, e os dons1 ou brinquedos, objetos que subsidiam atividades

    infantis (Froebel apud Kishimoto, 2004 e Maluf, 2003).

    A brincadeira, de maneira geral, alm de espontnea, tambm vista como

    uma atividade prazerosa (Maffioletti, 1992; Teles, 1999; Volpato, 2002; Maluf, 2003,

    2004; Friedmann, 2004; Gainza, 1996). As crianas tm prazer em todas as

    1 dons pequenos objetos de material e formas variadas, usados nos programas froebelianos, para serem utilizados em atividades orientadas (Kishimoto, 2004)

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    experincias de brincadeira fsica e emocional (Winnicott apud Maluf, 2003 p. 20).

    Para a educadora e terapeuta Maria Luiza Silveira Teles, o que move a criana no

    brincar unicamente a paixo. Teles tambm fala no poder que possui o brinquedo

    para uma criana, citando como exemplo, uma cena em que crianas brincam nos

    escombros de uma guerra. Segundo a autora, quando est brincando, a criana est

    imune a qualquer medo de conseqncias srias. como se estivesse de frias

    com relao realidade social (Teles, 1999, p.18).

    Uma caracterstica histrica dos brinquedos, jogos e brincadeiras, a ligao

    com os costumes, tradies e transformaes sociais de um povo. O

    desenvolvimento de tais atividades e objetos acompanha o prprio desenvolvimento

    cultural, muitas vezes surgindo a partir de rituais ou objetos de crena religiosa, por

    exemplo. A educadora Adriana Friedmann considera as brincadeiras e jogos

    tradicionais infantis como um patrimnio ldico-cultural que pertence ao nosso

    folclore (Friedmann, 2004 p.13). Para Volpato (2002), a criana e seus jogos e

    brinquedos, necessariamente, se constituem e fonte de saber e conhecimento. O

    autor faz um levantamento histrico sobre o assunto, mostrando como o brinquedo

    um elemento cultural revelador dos valores e crenas de cada povo em diferentes

    tempos histricos, cheio de simbolismos e significados, muitas vezes tendo sido

    criado para o uso em atividades religiosas ou outros tipos de rituais, alguns

    aparecendo primeiramente como objetos de culto, para depois se tornarem

    brinquedos de crianas. Os jogos e competies, que sempre tiveram grande papel

    social desde a sociedade antiga, se faziam muito presentes em festas sazonais e

    tradicionais. Nestes tipos de atividades, participavam crianas, jovens e adultos em

    p de igualdade, sendo que as crianas e jovens desempenhavam, nas festas,

    importantes papis tradicionais. Ao olhamos para os brinquedos e brincadeiras da

  • 7

    atualidade, perceberemos tambm caractersticas e valores do nosso tempo e

    cultura. Afinal de contas, normal que a criana acompanhe as transformaes que

    ocorrem no ambiente que a cerca. Algumas brincadeiras, porm, como o jogar, o

    correr, o lutar, entre outras, continuam fazendo parte da vida das crianas, apesar

    das mudanas que tenham ocorrido. (Volpato, 2002)

    O brincar , de fato, a atividade predominante da infncia, estando muito alm

    de ser apenas um entretenimento na vida da criana.

  • O brincar um aspecto fundamental para se chegar ao desenvolvimento integral da criana. (Maluf, 2003)

  • 9

    1.2 A importncia do brincar na formao da criana

    Muitos autores colocam o brincar como uma das necessidades bsicas para o

    desenvolvimento sadio da criana. Brincar, segundo Maluf, uma das

    necessidades bsicas da criana, essencial para seu bom desenvolvimento motor,

    social, emocional e cognitivo. A autora considera que, atravs do brincar, possvel

    formar indivduos mais motivados e com maior autonomia, tambm sendo uma

    forma de desenvolver a capacidade de manter-se ativo e participante, pois o brincar

    exige participao e engajamento (Maluf, 2003, p 19-20). Para Teles, criana que

    no brinca, no tem condies de se desenvolver de maneira sadia. A autora

    tambm coloca o brincar como uma das necessidades bsicas da criana, sendo

    indispensvel para uma infncia saudvel.

    Para a autora, as brincadeiras tambm desenvolvem na criana a

    compreenso da realidade, o sentimento de grupo, o respeito pelo outro, a

    imaginao e a criatividade. A criana reproduz na brincadeira a sua prpria vida.

    Atravs dela, ela constri o real, delimita os limites frente ao meio e o outro e sente o

    prazer de poder atuar ante as situaes e no ser dominado por elas (Teles, 1999,

    p15-16). Froebel (apud Kishimoto, 2004) refere-se ao brincar como:

    a fase mais importante da infncia do desenvolvimento humano neste perodo por ser a auto-ativa representao do interno a representao de necessidades e impulsos internos, a atividade espiritual mais pura do homem neste estgio e, ao mesmo tempo, tpica da vida humana enquanto um todo. Ela d alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo (...). Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo no trivial, altamente srio e de profunda significao. (Froebel apud Kishimoto, 2004)

    Maluf (2004) considera que as brincadeiras so admirveis instrumentos de

    realizao para o ser humano, pois desenvolvem iniciativas, potencialidades e

    capacidades, desempenhando um papel decisivo para converter as crianas de

  • 10

    nossos dias em adultos maduros, com grande imaginao e autoconfiana (Maluf,

    2004, p 13-14). Tizuko Morchida Kishimoto, professora da faculdade de educao da

    USP, acredita que, o cotidiano infantil deve estar repleto de contos, lendas,

    brinquedos e brincadeiras, para formar seres criativos, crticos e aptos para tomar

    decises (Kishimoto, 2004). interessante essa relao que alguns autores fazem

    do adulto resultante de uma criana que brinca ou no brinca. Teles comenta: No

    existe adulto criativo sem criana que brinque (Teles, 1999, p 24).

    O desenvolvimento da inteligncia criativa na criana tambm aparece muito

    ligado ao brincar. Teles considera que o indivduo criativo muito importante para o

    funcionamento efetivo de uma sociedade, o impulso criativo uma das molas-

    mestras do ser humano. Ele o impulsiona ao construtiva e eficiente, gera prazer

    e traz a auto-realizao (Teles, 1999, p. 21). A autora considera que o

    desenvolvimento da imaginao e a compreenso da realidade so condies

    bsicas para o ser criativo, muito estimuladas atravs das brincadeiras. A

    brincadeira , alm dos muitos motivos de importncia na vida da criana, o

    verdadeiro impulso da criatividade (Teles, 1999, p. 22). Maluf tambm valoriza o

    brincar como ferramenta para o desenvolvimento do pensamento criativo. Para a

    autora, a criatividade necessria para o indivduo tornar-se pleno e sincronizado

    com a vida. Ela acredita que a criao de uma brincadeira s possvel se houver

    um poder criativo, j que a brincadeira est cheia de criatividade. (Maluf, 2003).

    Segundo Teles (1999), brincando que o beb e a criana pequena vai

    aprendendo a separar o eu do no-eu. Maluf (2003) coloca tambm a importncia

    do brincar para a criana como um meio para ela desenvolver a imagem de si e do

    mundo que a cerca a partir de relaes cotidianas, que vo se organizando atravs

    das brincadeiras. Comenta, atravs de citao de Bettelheim, que brincar estimula o

  • 11

    desenvolvimento intelectual da criana, tambm ensina os hbitos necessrios a

    esse crescimento. Segundo a autora, a prpria natureza curiosa e imaginativa da

    criana faz com que ela explore todas suas possibilidades, adquirindo experincias e

    exercitando suas potencialidades atravs das brincadeiras. Kishimoto (2004) explica

    que, quando brinca, a criana explora os objetos que a cercam; movimenta-se em

    busca de parceria, comunicando-se com seus pares; se expressa atravs de

    mltiplas linguagens; descobre regras e toma decises.

    Podemos dizer que o brincar tem sido alvo de estudos e investigaes nas

    mais diversas reas, principalmente nas ltimas dcadas (Volpato, 2002; Pereira,

    2002; Kishimoto, 2004), e unnime a importncia atribuda a essa experincia no

    desenvolvimento sadio da criana, de maneira completa, como explica Maluf:

    A criana, atravs das brincadeiras, assimila valores, assume comportamentos, desenvolve diversas reas de conhecimento, exercita-se fisicamente e aprimora habilidades motoras. No convvio com outras crianas aprende a dar e receber ordens, a emprestar e tomar emprestado, a compartilhar momentos bons e ruins, a ter tolerncia e respeito, enfim, seu raciocnio desenvolvido de forma prazerosa. A criana tambm encontra nas brincadeiras equilbrio entre o real e o imaginrio, alimenta sua vida interior, descobre o mundo. (Maluf, 2003, p. 94)

    Para Volpato, os diferentes enfoques das diversas reas do conhecimento

    acerca do brincar nos propiciam uma viso mais ampla sobre o tema, nos ajudando

    a compreend-lo melhor, mesmo que possam parecer contraditrios. A

    multiplicidade de olhares, por sua vez, pode tambm se complementar, contribuindo

    para uma viso da totalidade que envolve a singularidade do jogo e do brinquedo

    (Volpato, 2002, p. 9). Pereira tambm considera importante a contribuio de

    diversas reas para a melhor compreenso do brincar e das suas vrias situaes.

    Cada rea elege alguns pontos de seu interesse e aponta para uma direo,

    interpretando a brincadeira a seu modo. Como exemplifica Pereira,

  • 12

    (...) a Psicologia cuida dos significados que a brincadeira tem na formao da pessoa, e cada gesto e palavra observados trazem em si um tanto de elementos que dizem sobre quem est brincando. como se o brincar de casinha refletisse a maneira como a criana enxerga o mundo e como ela gostaria que fosse. Assim ela repete e tambm reorganiza uma possvel realidade. A Antropologia e Sociologia observam os contedos presentes numa brincadeira que mostram a organizao de uma cultura. Ali esto expostos os mitos, os ritos, as relaes de autoridade, dentre outros muitos aspectos. J na educao, as brincadeiras tm sido alvo de muitos estudos, principalmente como instrumentos pedaggicos. Em outros campos do saber humano, as brincadeiras tambm ocupam importantes lugares. Nas Artes, por exemplo, o brincar visto como algo semelhante ao fazer artstico, pois na atitude ldica que se concebe e se faz uma msica, um quadro ou um conto (...) (Pereira, 2002).

    Volpato (2002) faz uma anlise das caractersticas da brincadeira e do jogo

    infantil e das diversas formas de interpret-los, levando-os para o mbito da escola.

    Considerando o jogo/ brincadeira como possibilidade de ser mediador no processo

    de aprendizagem, o autor faz um levantamento de diferentes concepes sobre a

    brincadeira e a escola. Conta tambm, que em vrios pases o brincar tem sido visto

    como uma poderosa ferramenta para o aprendizado, pois contribui para que a

    criana se aproprie do conhecimento de maneira significativa e prazerosa, sendo

    recomendado nos currculos de ensino bsico.

    As brincadeiras e os jogos so as formas mais originais que a criana tem de se relacionar e se apropriar do mundo. brincando que ela se relaciona com as pessoas e objetos ao seu redor, aprendendo todo o tempo com as experincias que pode ter (Volpato, 2002, p. 100)

    Para o autor, os jogos e brincadeiras infantis devem ser concebidos como

    recursos didticos importantes, sem que se faa distino entre o que jogo e o que

    srio. O autor fala da importncia de se manter as caractersticas de brincadeira e

    o carter ldico nas atividades propostas pelo professor, para que estas no deixem

    de ser significativas para a criana. Quando perde sua dimenso ldica, a

    brincadeira esvazia-se (...). Isso se d quando, em vez da criana aprender

  • 13

    brincando, a criana levada a usar o brinquedo para aprender (Fontana e Cruz

    apud Volpato, 2002, p. 97). Teles (1997) concorda que o ato de brincar uma

    importante fonte de promoo do desenvolvimento sadio da criana, pois faz parte

    da sua natureza. Logo, o que no ldico no prprio para a criana (Teles,

    1997, p. 37). Teles baseia-se em Piaget e Vygotsky quando explica o papel do

    brincar no desenvolvimento da criana. A autora conta que atravs da brincadeira

    que a criana vai construindo o prprio saber, de acordo com as necessidades de

    cada etapa do seu desenvolvimento. Sobre a questo da interao social defendida

    por Vygotsky, onde fala que o desenvolvimento das estruturas mentais humanas s

    vo se desenvolver pelo relacionamento com o outro, o ato de brincar com outras

    crianas entra como principal atividade para este desenvolvimento. Sobre isso, Maluf

    (2004) explica que, entender a brincadeira como uma estratgia de ensino e

    aprendizagem compreender que a criana administra a sua relao com o outro e

    com o mundo permeada pelo uso de brinquedos. A autora considera que o ldico

    o parceiro do professor. Para ela, o brincar deve ocupar um lugar especial na prtica

    pedaggica, tendo espao privilegiado na sala de aula. Brincar a forma mais

    perfeita para perceber a criana e estimular o que ela precisa aprender e se

    desenvolver (Maluf, 2003, p.31).

    Tanto o brincar livre como o brincar dentro de uma atividade orientada pode

    ser rico no processo de aprendizagem. Contrariando uma das caractersticas sobre o

    brincar que levantou de alguns autores, Volpato considera que uma brincadeira

    proposta pelo professor possa ser to significativa quanto uma escolhida pela

    criana.

    O que faz do jogo um jogo e o que caracteriza uma brincadeira a possibilidade que a criana tem de tomar decises, de combinar regras, de negociar papis, de agir de forma transformadora sobre contedos significativos para ela, de ter liberdade e prazer. Isso possibilita que a

  • 14

    criana torne-se cada vez mais autnoma, mais consciente de suas aes. (Volpato, 2002, p.98)

    Maluf (2003) considera que de responsabilidade do professor oferecer

    oportunidades para que aconteam momentos ldicos dentro da sala de aula. Para

    ela, o educador deve estabelecer uma conexo entre o prazer, o brincar e o

    aprender. preciso que os professores se coloquem como participantes,

    acompanhando todo o processo da atividade, mediando os conhecimentos atravs

    da brincadeira, do jogo e outras atividades (Maluf, 2003, p. 33). Para Teles (1997), a

    atuao do educador fundamental para que as brincadeiras tenham lugar

    garantido na escola. A autora explica que importante que a criana tenha para isso

    um bom espao disponvel, com possibilidades de mudar a organizao; alm do

    tempo suficiente para que as brincadeiras possam surgir e se desenvolver.

    Kishimoto tambm defende que um dever da escola proporcionar para a criana a

    oportunidade de conhecer outros elementos da cultura que no a escolarizada

    como o acervo cultural dos contos, lendas e brincadeiras tradicionais, para que

    beneficie e enriquea o repertrio imaginativo da criana. Aprendizado esse, que

    comea com brincadeiras em que se aprende a criar significaes, a comunicar-se

    com outros, a tomar decises, decodificar regras, expressar a linguagem e

    socializar (Kishimoto, 2004).

    Volpato faz uma queixa sobre as prticas escolares, dizendo que a

    importncia do brinquedo e do jogo no desenvolvimento cognitivo e corporal da

    criana, apesar de ser defendida por estudiosos da Educao e da Psicologia, no

    so efetivamente aplicados nas prticas escolares. O ensino dos contedos

    escolares geralmente maante, srio e desvinculado da natureza da criana, no

    valorizando-a como produtora de conhecimento. O que acontece um

  • 15

    descontentamento por parte das crianas e tambm dos professores que, na

    tentativa de manter a ordem para transmitir os contedos de maneira sria,

    frustram-se com a ineficincia destes mtodos. Diante de uma escola que oferece

    pouca alegria, os jovens do provas de crescente impacincia, e a resistncia

    manifesta-se por meio da rebeldia, da apatia e at mesmo na recusa em freqent-

    la (Volpato, 2002, p. 115). Sobre isso, Kishimoto (2004) conta que, apesar da

    valorizao do brincar como principal atividade para o desenvolvimento infantil, as

    instituies de ensino no se preocupam em oferecer oportunidades para que

    aconteam tais atividades, tampouco se utilizam efetivamente do brincar na

    construo de um saber significativo para as crianas. Poucos so os espaos para

    brincadeiras livres. Os horrios so rgidos, com turmas homogneas, atividades

    padronizadas e pouca escolha da criana (Kishimoto, 2004, p.). Para Teles (1997),

    o modo de vida moderno, marcado pela pressa e pela competitividade acaba

    refletindo de maneira negativa na educao. As crianas so preparadas para as

    responsabilidades da vida adulta cada vez mais cedo, e o tempo de brincar vai

    ficando cada vez menor. O resultado uma escola triste, que no motiva a criana

    para estudar.

    Volpato (2002) citando Paulo Freire explica sobre a importncia da alegria

    dentro da escola. Se o educador e os educandos contam os minutos para sair da

    monotonia da sala de aula, porque a escola est deteriorando a alegria de viver. A

    alegria que a escola promete criana uma alegria que s pode ser desfrutada

    depois de muito esforo, muita disciplina, muitas lies de casa, provas e

    brincadeiras no brincadas (Volpato, 2002, p. 114). E do outro lado, quando

    olhamos para uma criana brincando concentrada, inteira na sua brincadeira,

    sempre vai haver motivao e um sorriso no rosto. Diante da necessidade de se

  • 16

    apropriar do mundo, as crianas se motivam a jogar e a brincar. E ns, professores,

    o que estamos fazendo diante dessa necessidade? (Volpato, 2002, p. 112).

  • Entendendo-se cultura infantil como a experincia, as descobertas, o fazer das

    crianas entre elas mesmas, buscando a si e ao outro em interao com o mundo,

    ou seja, toda a multiplicidade e riqueza dos brinquedos de criana teremos que

    buscar a compreenso da msica da cultura infantil dentro deste mesmo contexto,

    como parte que de um mesmo corpo de conhecimento, nele includas,

    naturalmente, a sensibilidade, a inteligncia e a vontade como dimenses da vida na

    sua complementaridade e inteireza. (Lydia Hortlio)

  • 2 MSICA E BRINCADEIRA

    2.1 A msica da cultura infantil

    A msica da cultura infantil, como define a pesquisadora musical Lydia

    Hortlio, uma msica para ser brincada, o que quer dizer, uma msica com o

    corpo, que vive na inter-relao de palavra, msica, movimento e o outro (Hortlio,

    2002). Por esse motivo, seria difcil represent-la atravs apenas da dimenso

    sonora. Hortlio considera a msica tradicional da infncia como um importante

    patrimnio cultural de um povo, onde encontramos arqutipos, caractersticas

    estruturais e poticas da lngua me e da lngua me musical em seu nascedouro

    (Hortlio, 2002). Reconhecendo ento a criana como produtora de cultura e

    considerando a cultura como o conjunto de significaes produzidas pelo homem

    (Bougre apud Maffioletti, 2004, p37) seus brinquedos e fantasias ganham forte

    significado dentro da histria de sua sociedade. Afinal de contas, a capacidade de

    simbolizar seus medos, sentimentos e conhecimentos atravs da msica e do

    brinquedo exclusiva dos seres humanos (Maffioletti, 2004).

    Valorizar as atividades espontneas infantis e perceber a criana como

    produtora de cultura, implica em oferecer subsdios para que ela se desenvolva na

    sua prpria natureza, produzindo e reproduzindo a sua cultura, que atenda suas

    necessidades psicolgicas, intelectuais e sociais. Na ausncia dessas atividades, o

    processo de desenvolvimento seria orientado exclusivamente do ponto de vista dos

    adultos. Ao invs de compreender a vida por si mesmas, as crianas teriam apenas

    os adultos como referncia (Maffioletti, 2004, p. 38).

    Precisamos reconhecer que a cultura musical infantil existe e cumpre o importante papel de promover aprendizagens essencialmente humanas,

  • 19

    porque esto apoiadas no desenvolvimento das interaes sociais e na musicalidade que nos caracteriza (Maffioletti, 2004, p. 38).

    Para a educadora musical Teca Alencar de Brito, a criana est sempre

    interagindo com o ambiente sonoro que a cerca e conseqentemente, com a msica.

    A autora considera que desde o bero a criana comea seu processo de

    musicalizao, atravs do contato com os sons do cotidiano, incluindo a msica.

    Neste sentido, as cantigas de ninar, as canes de roda, as parlendas e todo o tipo de jogo musical tm grande importncia, pois atravs dessas interaes que os bebs desenvolvem um repertrio que lhes permitir comunicar-se pelos sons (Brito, 2003, p. 35).

    Brito (2003) tambm explica que esse envolvimento do beb e da criana

    pequena com a msica, proporcionando momentos de comunicao e troca,

    favorece o desenvolvimento afetivo e cognitivo, bem como a criao de vnculos

    fortes tanto com os adultos quanto com a msica. Mais especificamente se tratando

    do dia a dia da criana pequena, percebemos grande utilizao da msica para

    muitos fins, seja na mdia, na escola, em casa, nos parques, nas ruas ou em lojas de

    produtos infantis, ou seja, sem dvida que existe grande produo musical voltada

    para a criana. Ento, podemos chegar concluso que a criana, desde cedo,

    vivencia uma srie de experincias de vrios tipos com a msica, entende diferentes

    tipos de expresses musicais, reconhece inmeras melodias e tambm faz uso disso

    nas brincadeiras, naturalmente.

    Cantando e recitando versos, a criana compreende a estrutura da lngua materna, e aprende a reconhecer o significado das nuanas na sonoridade das palavras. Aprende que a entonao pode mudar o sentido e que o sentido importante na comunicao (Maffioletti, 2004, p. 38).

  • 20

    Ento, podemos dizer que a criana capaz de construir sua prpria cultura

    musical a partir das vivncias e experincias significativas que tenha vivido, alm da

    natureza criativa e da necessidade de comunicao que prpria da criana.

    Fatalmente, por culpa do processo de globalizao e desculturizao, as

    brincadeiras mais antigas, ricas em folclore popular, as cantigas de tradio oral e os

    contos e lendas vo deixando de existir para dar espao aos modelos de

    brincadeiras e msicas importados, que pouco tem a ver com a cultura brasileira.

    Observa-se, no entanto, que as crianas jamais pararam de cantar, apenas cantam

    outras coisas (Maffioletti, 1992, p. 11). Inclui-se a todo o tipo de experincia musical

    que a criana tem contato: os sucessos do rdio e da televiso, a msica tocada na

    escola, as suas improvisaes e tambm canes folclricas. Segundo Maffioletti

    (1992), a atividade folclrica ainda um fator de identidade entre as crianas, que

    constatamos quando elas esto agindo espontaneamente. A necessidade de se

    expressar continua; mudam as letras, variam os movimentos e encenaes, mas o

    que as crianas fazem hoje, muito se parece com o que outrora faziam (Maffioletti,

    1992, p. 11). Mais um motivo para prestarmos mais ateno nas manifestaes

    espontneas das crianas, ou seja, nas suas brincadeiras.

    2.2 Que caractersticas possuem as brincadeiras cantadas?

    As brincadeiras cantadas fazem parte das brincadeiras tradicionais da

    infncia. Geralmente realizadas entre duas ou mais crianas, essas brincadeiras

    podem conter melodias, versos, canes folclricas, parlendas, improvisos, ritmos

    feitos com o corpo, gestos, etc. So diversas as maneiras de se brincar com a

    msica, podendo esta assumir diversos papis dentro da brincadeira, sendo por

    vezes o elemento principal, por vezes no. Pode ter papel determinante na

  • 21

    realizao de uma brincadeira, quando a letra dita suas regras, determinando uma

    ao; como pode no influenciar nas suas aes.

    Estas brincadeiras so, geralmente, de tradio oral e de carter folclrico,

    havendo ento variaes de acordo com o contexto em que se encontra, j que, de

    acordo com Brito (2003 p. 94), cada regio do nosso pas tem suas prprias

    tradies (...), com caractersticas e significados legtimos.

    Das brincadeiras cantadas mais comuns, podemos citar jogos de mos, de

    copos, brincos, parlendas, adivinhas, acalantos, rimas, trava-lnguas e brincadeiras

    de roda, que, de acordo com Maffioletti (1992), figura entre os brinquedos cantados

    mais difundidos entre as crianas.

    A relao ldica com a msica faz parte da vida da criana desde a mais

    tenra infncia, considerando que os acalantos e canes de ninar tambm fazem

    parte desse universo sonoro infantil. A cantiga de bero, o suave embalo e

    aconchego nos braos das mes ou amas carinhosas, foi sempre, em todos os

    povos, o primeiro gesto de solidariedade ao recm-nascido. (Melo apud Brito, 2003,

    p. 97). Os brincos e parlendas so as brincadeiras rtmicas que, junto com os

    acalantos, costumam ser as primeiras canes apresentadas para os bebs e

    crianas pequenas. Brito faz uma diferenciao entre as duas brincadeiras,

    explicando que as parlendas, geralmente, possuem rima sem msica, enquanto que

    os brincos so cantados, mas com poucos sons (Brito, 2003 p 101). Nely Alves de

    Almeida, no caderno Folclore Brasileiro Gois (1999), faz uma classificao

    interessante sobre as parlendas:

    Significam palavreado, palavrrio, e a cujo ramo pertencem as trava-lnguas, os brincos e as frmulas de escolha. So rimas infantis, imperfeitas, divertem e ajudam, muitas vezes, a memorizar nomes ou nmeros. Embora no tenham msica, as parlendas, em sua arrumao de palavras, oferecem a possibilidade de obedecer a um ritmo que vem

  • 22

    justamente das slabas, numa espcie de metrificao (Almeida, 1999, p. 13-14).

    Quanto aos brincos, Almeida comenta que trazem melodia de voz materna e

    recordaes de infinita e ingnua alegria. Ao compararmos com a definio feita por

    Brito, fica reforada a idia de que os brincos e parlendas fazem parte do repertrio

    da criana pequena, e geralmente so aprendidas atravs de um adulto prximo.

    Lydia Hortlio tambm coloca os brincos e parlendas como os primeiros gestos da

    meldica infantil (Hortlio apud Brito, 2003).

    Existem brincadeiras com msica cujo carter mais parecido com o do jogo,

    nas quais as crianas desafiam uma(s) (s) outra(s). Aqui podemos citar as

    brincadeiras onde existir um ou mais vencedores; tambm aquelas que podem ser

    usadas como ritual de seleo para uma outra brincadeira, chamadas de frmulas

    de escolha, que so preliminares para alguns jogos. Este ltimo caso, Adriana

    Friedmann (2004) comenta que so ao mesmo tempo um jogo em si, que implica a

    escolha para incluir ou excluir os companheiros dos grupos. Podem ter dilogos ou

    monlogos, a partir dos quais as crianas, num tom ritmado, permanecem atentas

    chance de serem escolhidas (Friedmann, 2004, p.19). claro que essas mesmas

    brincadeiras podem ser realizadas com o fim nelas mesmas, sem necessariamente

    ser preliminar para outra brincadeira; como tambm existem diversas outras

    frmulas de escolha que no so cantadas.

    Podemos relacionar o carter dos jogos e outras brincadeiras cantadas com o

    que apresentou Volpato (2002), citando Huizinga, sobre os jogos infantis:

    - uma atividade voluntria e prazerosa - as crianas brincam porque gostam

    de brincar e o prazer por ele provocado o transforma numa necessidade;

  • 23

    - possui carter no srio - no no sentido de julgamento de valor, mas sim ao

    estado de esprito de quem est brincando, sendo que a brincadeira pode ser

    bastante sria, j que a criana, quando brinca, faz de forma bastante

    compenetrada (Kishimoto apud Volpato, 2002, p85);

    - uma atividade livre, com liberdade de ao se imposta deixa de ser jogo.

    O que importa para a criana o processo em si de brincar, sem visar

    resultado final, sem preocupaes pedaggicas;

    - h uma separao da vida cotidiana evaso da vida real para uma

    atmosfera temporria de atividade com orientao prpria. A criana atua no

    real, mas a partir de um distanciamento do prprio real (Fantin apud Volpato,

    2002, p86);

    - limitao do tempo e do espao o jogo possui um caminho e um sentido

    prprio;

    - existncia de regras;

    - carter fictcio.

    Existem tambm as brincadeiras cantadas que so puramente brincadeiras, sem

    inteno competitiva como, por exemplo, muitas das rodas, que, segundo Renata

    Meirelles, educadora e criadora do projeto BIRA,

    ocupam um espao muito importante no repertrio ldico popular brasileiro. Fazem parte da chamadas brincadeiras tradicionais que, passadas de pai para filho, carregam fortes traos culturais caractersticos da regio de origem (Meirelles, 2004)

    Encontramos muitas definies acerca das brincadeiras de roda, cantigas de

    roda e cirandas. No projeto Canes do Brasil, Paulo Tatit e Sandra Peres

    registraram um exemplo de brincadeira de roda, com a msica Igrejinha, no estado

    do Tocantins.

  • 24

    Os brinquedos de roda existem h muito tempo. As pessoas, adultos e crianas, brincam e cantam em roda de muitos jeitos: rodas com gente ao centro, rodas s em roda, roda aos pares, duas rodas, uma de dentro, outra de fora e at brincadeiras que no tm roda que algumas pessoas as chamam de brinquedos de roda (Peres, Tatit, 2002)

    Adriana Friedmann classifica as brincadeiras de roda como jogos nos quais

    as crianas, ao som de uma msica, cantiga ou rima, viram, mexem-se, falam e

    representam. No ritmo das cantigas, dilogos e aes, as crianas giram em rodas

    (Friedmann, 2004 p. 125). Sobre as cantigas de roda, Maffioletti diz :

    As cantigas de roda so canes utilizadas em brincadeiras de roda cantadas, realizadas como forma de recreao por adultos ou crianas. Sua formao clssica consiste em formar uma roda de mos dadas, com o rosto voltado para o centro, movimentando-se para a direita ou para a esquerda, em andamento eleito pelo grupo. A roda figura entre os brinquedos cantados mais difundidos entre as crianas, embora a formao em fileiras ou pares tambm seja praticada. (Maffioletti, 1992 p. 15)

    Tambm encontradas com o nome de rondas, as brincadeiras de roda so

    populares em todo o Brasil, e como todo tipo de brincadeira tradicional, como cita

    Meirelles, recebe influncias culturais de acordo com a regio e o contexto em que

    se encontra. Alguns autores associam tambm as diferentes formas de se brincar de

    roda com influncias estrangeiras, como vemos no Referencial Curricular Nacional

    para a educao Infantil: as rondas ou brincadeiras de roda integram poesia,

    msica e dana. No Brasil receberam influncias de vrias culturas, especialmente

    da lusitana, africana, amerndia, espanhola e francesa (BRASIL, 1998, p. 71).

    Sobre isso, Maffioletti explica que:

    Muitas cantigas conservam resqucios de sua origem portuguesa, francesa ou espanhola. Fragmentos de romances, histrias, poesias, quadrinhos e relatos do cotidiano foram incorporados ao repertrio infantil e, devidamente aculturados, passaram a representar o folclore tipicamente brasileiro. De tanto ouvir e repetir os ritmos caractersticos destas rodas cantadas, as crianas vo assimilando e marcando com traos regionais a

  • 25

    sua musicalidade e a produo musical de sua regio ou pas (Maffioletti, 1992, p. 15).

    Nos jogos de mos, percebemos caractersticas bastante singulares. So

    marcados pela mistura de ritmos, gestos e canes ou versos, executados em forma

    de um jogo que envolve bastante troca com o outro, pois uma brincadeira

    realizada necessariamente por duas crianas ou mais.

    2.3 Sobre os jogos de mos

    Sobre os jogos de mos, tambm chamados de brincadeiras de mos, temos

    como referncia o bonito trabalho de Violeta Hemsy de Gainza, intitulado Juegos de

    Manos 75 rimas e canciones tradicionales com manos y otros gestos.

    O jogo com mos, mmicas e outros gestos se executam geralmente a partir de uma rima ou de uma cano. Em alguns casos, constitui um aspecto inerente cano, tendo sido originado de maneira simultnea. Outras vezes, os gestos so agregados pelas prprias crianas a certas canes tradicionais (Gainza, 1996, p. 13).

    As crianas executam com entusiasmo na rua, no recreio escolar, em todo

    lugar. Geralmente realizados em pares, os jogos de mos tambm acontecem em

    roda ou em formaes especficas - existem alguns que so criados especificamente

    para serem realizados em par e outros para quatro crianas. Certos jogos incluem

    saltos no lugar, com diferentes formas de ps, giros com todo o corpo e tambm

    alguns breves deslocamentos. (Gainza, 1996, p. 15)

    Gainza conta ainda que os jogos de mos e similares contendo canes e

    rimas possuem carter universal, aparecendo em quase todos os pases e culturas

    e apresentando, em alguns casos, caractersticas assombrosamente similares

    porque respondem a certas necessidades funcionais comuns a todas as pessoas

    (Gainza, 1996, p. 9). De acordo com a autora, a faixa etria das crianas que

  • 26

    praticam jogos de mos muito relativa. mais comum entre crianas de cinco a

    dez anos, porm em muitos casos essa prtica pode se estender a crianas bem

    maiores de dez anos, que desenvolvem gestos cada vez mais rpidos e

    complicados.

    Gainza (1996) relaciona algumas caractersticas prprias dos jogos de mos:

    - a sincronia entre o gesto e a palavra;

    - o realismo ou o cmico da mmica e das onomatopias;

    - os desafios de coordenao motora;

    - a velocidade rpida ou crescente;

    - a finalizao: bela, engraada ou inesperada.

    A estrutura da maioria dos jogos de mos obedece a alguns padres. Gainza

    (1996) conta que existem introdues que podem ser comuns a vrios jogos. Nas

    finalizaes percebemos fatos inesperados ou engraados, e tambm so comuns

    os sorteios, quando as crianas mostram os dedos num nmero qualquer para tirar

    a sorte. Tambm se repete em vrios jogos o recurso de tirar rapidamente a mo ao

    final dos versos recitados, para evitar ser palmeado pelo companheiro e, deste

    modo, perder a partida e sair do jogo (Gainza, 1996, p. 15). A autora tambm fala

    de frmulas pr-estabelecidas em relao a posies dos ps (saltos com pernas

    abertas e cruzadas); alm do costume de somar vrios jogos independentes,

    formando assim um pot pourri.

    Sobre os textos utilizados nas canes ou versos recitados pelas crianas nos

    jogos de mos, Gainza (1996) faz um levantamento de alguns temas encontrados

    nestas brincadeiras:

    - personagens de estrias infantis;

  • 27

    - personagens humorsticos;

    - personalidades do mundo do entretenimento;

    - personalidades do mundo da poltica local;

    - modismos;

    - ciclo da vida e da morte, desmistificados atravs do humor;

    - o desconhecido e o terror, como o diabo;

    - transgresses, vistas atravs da tica infantil - como namorar, beijar, dar um

    tapa no bumbum do colega;

    - produtos do mundo do consumo;

    - o extico, representado pela China e pelo Japo;

    - fantasia pura - o sentido lingstico submetido rima e ao som das palavras;

    - o inslito, a aventura.

    A autora explica que muitas vezes o texto consiste em palavras sem sentido

    ou um idioma inventado. Tambm encontramos palavras, frases e versos que nos

    remetem a restos de um ingls passado de boca em boca (Gainza, 1996, p. 16).

    Sobre a parte gestual, Gainza explica que o repertrio muito grande.

    Registrou em seu trabalho mais de quarenta gestos, incluindo as diferentes

    combinaes feitas com as mos, dedos, ps (saltos e giros), cabea, cabelos,

    ombros, etc. Os gestos sonoros que prope Orff em seu Schulwerk, comparados

    com esse riqussimo arsenal estritamente tradicional, resultam pobres e

    estereotipados (Gainza, 1996, p. 18). A autora tambm conta que a maior parte das

    canes e rimas so bem movidas ou aceleradas progressivamente e se encontram

    em compasso de dois ou quatro tempos, muitas vezes podendo ser acompanhadas

    por gestos de trs tempos. Os jogos mais modernos apresentam ritmo de swing e

  • 28

    a combinao dos gestos pode produzir um efeito de contratempo sonoro (Gainza,

    1996, p. 18).

    Sobre a transmisso dos jogos, Gainza explica que as crianas aprendem de

    maneira direta, por imitao e repetio a criana aprende na prpria ao,

    praticando com outra que j sabe. Simplesmente imitam e repetem o modelo at

    que os movimentos e as palavras se ajustem naturalmente (Gainza, 1996, p. 8).

    Crianas de uma escola aprendem jogos praticados por crianas de outra escola, e

    assim introduzem o novo jogo em sua escola. As crianas, ente elas, sabem ensinar

    e aprender com surpreendente eficcia (Gainza, 1996, p. 19). A exatido dos

    gestos e palavras depender de sua capacidade de memria, porm nenhuma

    criana tem problemas com isso, pois se lhe faltar alguma parte ou detalhes de um

    jogo, ela o completa sua maneira. A autora conta que para os adultos, os jogos de

    mos geralmente so muito difceis de se realizar, como se fossem um emaranhado

    de dificuldades. Isso se d pela maneira analtica de aprendizagem caracterstica

    dos adultos, que para estes casos no rende bons frutos. A observao prvia de

    partes separadas de um jogo s provoca confuso e perda de tempo.

  • Brincar de roda, ciranda, pular corda, amarelinha, etc., so maneiras de estabelecer

    contato consigo prprio e com o outro, de se sentir nico e, ao mesmo tempo, parte

    de um grupo, e de trabalhar com as estruturas e formas musicais que se apresentam

    em cada cano e em cada brinquedo (BRASIL, 1998, p.71).

  • 30

    2.4 Contribuies das brincadeiras cantadas na formao da criana

    Da mesma forma que as outras brincadeiras, as brincadeiras cantadas

    tambm so valorizadas por seu papel na formao da criana, satisfazendo

    necessidades afetivas, intelectuais, morais, sociais ou de expresso religiosa. As

    crianas brincam com as canes e atravs delas entram no universo dos cdigos

    sociais (Maffioletti, 2004, p. 36).

    Possuem grande valor como mediadoras das relaes coletivas, envolvendo

    o sentimento de estar-com, favorecendo aprendizagens de conceitos sociais e as

    construes de sentimentos afetivos, tanto no pequeno grupo familiar como nas

    experincias coletivas com outras crianas. Maffioletti (2004) cita o exemplo da roda

    cantada, que para ela um espao privilegiado onde a criana consegue criar para

    si o espao do brinquedo coletivo, cuja rea no est dentro da criana, nem fora

    no mundo compartilhado, mas num viver intermedirio, onde os smbolos tm sua

    origem e as aprendizagens sociais tomam significado (Maffioletti, 2004). A autora

    valoriza tambm a brincadeira de roda como um espao coletivo onde a criana

    sente-se nica e ao mesmo tempo parte do grupo. Nas cantigas de roda ela ora o

    centro, ora o coro, apresentando o estado onde se fundem a independncia e a

    necessidade do outro (Maffioletti, 1992, p. 9). A autora tambm fala que as

    brincadeiras cantadas ajudam muito no processo de integrao da criana com um

    grupo, diminuindo o tempo de adaptao social, possibilitando interaes em outros

    nveis. O canto em grupo facilita as trocas sociais, aproximando as pessoas.

    Os textos e as estruturas das cantigas e versos utilizados nas brincadeiras

    cantadas possibilitam uma vivncia muito rica da lngua materna, de maneira

    diferenciada da linguagem corrente.

  • 31

    A questo espacial tambm bastante trabalhada, principalmente nas rodas.

    De acordo com Maffioletti (1992), a formao em crculo faz parte das primeiras

    experincias coletivas de explorao dos espaos. Os limites da roda funcionam

    como fronteiras ou alicerces das noes que desenvolvem a partir da distino de

    dentro e fora, pertencer ou no pertencer, ser ou no ser (Maffioletti, 1992, p. 17).

    Enquanto gira e canta, organiza seus movimentos no espao, promove o desenvolvimento de estruturas temporais sem as quais no poderia sequer expressar-se de forma coerente. Deslocamento de acentos, seqncias rtmicas de variada composio completam e enriquecem suas experincias. (Maffioletti, 1996, p. 17)

    Mais especificamente sobre os jogos de mos, Gainza (1996) explica que

    atravs da sua prtica, as crianas alm de se divertir adquirem uma srie de

    habilidades motoras, lingsticas e mentais, alm dos aspectos afetivos. A autora

    valoriza tambm a contribuio dos jogos de mos no processo de musicalizao:

    as crianas cantam, movem-se, incorporam padres musicais, fortalecem seu

    sentido rtmico e o pulso musical (Gainza, 1996, p. 14). Os jogos de mos

    desmentem as dificuldades de coordenao das crianas muitas vezes levantadas

    em algumas prticas pedaggicas, explica a autora.

    No conceber as brincadeiras cantadas como importantes experincias para

    a formao completa da criana perder uma riqussima oportunidade de

    compreender mais profundamente a criana, proporcionando a ela que se

    desenvolva em sua integridade. Deixar de cantar ou cantar pouco as suas canes

    tem como resultado o enfraquecimento dos traos culturais e a conseqente

    fragilidade nos padres de identidade social (Maffioletti, 1992, p. 15).

  • 32

    2.5 As crianas ainda brincam com msica?

    Existe certa polmica sobre o assunto. Alguns autores dizem que as crianas

    das grandes cidades esto cada vez mais afastadas das canes e brincadeiras

    tradicionais infantis. Outros falam que as crianas continuam se expressando de

    maneira muito parecida com o que se fazia antigamente, porm acompanhando as

    mudanas sociais que vm acontecendo com o passar dos tempos. De qualquer

    forma, impossvel fazer algum tipo de classificao generalizada, j que estamos

    falando de um pas to diversificado em cultura como o Brasil.

    Muitas brincadeiras possuem fortes traos folclricos e culturais, que por

    serem de tradio oral, vo se modificando conforme os diferentes contextos

    histricos e culturais, mas sem perder o carter popular. Existem tambm aquelas

    brincadeiras que se modernizaram de tal maneira, atravs da influncia dos meios

    de comunicao, que acabam tendo poucas caractersticas nacionais. Afinal de

    contas, natural que a criana aprenda a se interessar pelo que os outros se

    interessam, observando aquilo que percebe como muito valorizado sua volta

    (Maffioletti, 1992).

    Observa-se, no entanto, que as crianas jamais pararam de cantar, apenas cantam outras coisas. Nestas outras coisas esto includas as msicas de sucesso de rdio e televiso, improvisaes e canes folclricas. (...), canes populares so, adaptadas, reinventadas, para serem assimiladas como brincadeira, mesclando-se no folclore j existente (Maffioletti, 1992, p11).

    Esse trecho retirado do Referencial Curricular Nacional para a Educao

    Infantil explica que:

    Em todas as culturas as crianas brincam com a msica. Jogos e brinquedos musicais so transmitidos por tradio oral, persistindo nas sociedades urbanas, nas quais a fora da cultura de massas muito intensa, pois so fonte de vivncias e desenvolvimento expressivo e musical. Envolvendo o gesto, o movimento, o canto, a dana e o faz de

  • 33

    conta, esses jogos e brincadeiras so legtimas expresses da infncia. (BRASIL, 1998, p. 71).

    claro que as brincadeiras realizadas nos grandes centros so diferentes

    daquelas realizadas em lugares menores, por exemplo. Mesmo dentro de uma

    mesma cidade encontramos variaes na msica e na maneira de brincar. De

    acordo com Renata Meirelles, pesquisadora e criadora do Projeto BIRA

    Brincadeiras Infantis da Regio Amaznica, brincadeiras tradicionais como as rodas

    esto cada vez mais raras nos grandes centros urbanos. Maffioletti (1992) coloca

    que a rotina das crianas, hoje, muito diferente de tempos atrs. Os modelos so

    outros os da televiso e a falta de tempo livre e espao acaba por diminuir as

    brincadeiras coletivas poucas tm somente o colgio como ocupao diria, alm

    das mudanas sociais que impossibilitam a expresso das mesmas coisas que

    foram expressadas tempos atrs. (Maffioletti, 1992, p. 11).

    Meirelles (2004) tambm afirma que falta para a criana urbana um espao

    real de brincadeira, onde ela possa se expressar com seus amigos. Na sua opinio,

    o modo de vida moderno acarreta em mudanas na rotina infantil, sendo a criana

    constantemente treinada para encarar a vida adulta, sofrendo um bombardeio de

    informaes. As brincadeiras tradicionais, pelo contrrio, tm o propsito nico de

    brincar, permitindo a explorao e o prazer to caractersticos da infncia (Meirelles,

    2004). J em regies mais afastadas, pequenos vilarejos e cidades de interior, a

    cultura tradicional parece estar mais presente no cotidiano das pessoas em geral,

    refletindo tambm nas manifestaes infantis, onde as brincadeiras envolvem

    msicas, personagens tpicos e costumes da regio. Atravs da sua pesquisa em

    vilarejos da Amaznia, Meirelles constatou que as brincadeiras de roda e outras do

    gnero constituem a principal atividade infantil. A autora conta que em meio s

    casas de madeira enfileiradas sobre as passarelas de palafitas, moram as famlias

  • 34

    cujos valores morais, intimamente ligados aos recursos naturais estabelecem um

    ritmo de vida determinado pela natureza.

    As atividades infantis no escapam influncia dessa organizao social, e guardam fortes traos dos costumes locais. (...) Por serem transmitidas dessa forma, as brincadeiras tm um forte sotaque regional, como o caso das cantigas de roda, recheadas de nomes de frutas e animais da regio, alm de referncias a aspectos da vida cotidiana pedir a beno av e dormir na rede, por exemplo (Meirelles, 2004).

    Sobre os jogos de mos, Gainza (1996) explica que, alm de continuarem

    sendo bastante praticados por crianas em praticamente todos os pases, vm se

    desenvolvendo conforme os avanos dos modelos de comportamento e

    comunicao do mundo da tecnologia. Os jogos de mos que realizam as crianas

    de hoje so incrivelmente mais ricos e complicados do que os aprendidos em nossa

    infncia (Gainza, 1996, p. 9). A autora comprova, atravs de sua pesquisa, que as

    crianas, alm de praticar e difundir essas brincadeiras, so tambm produtoras

    ativssimas dos mesmos:

    comeam inventando as partes que no se lembram de um determinado jogo seja no texto, na melodia ou nos gestos para continuar propondo arranjos ou variaes facilitadas para seus irmos menores ou complicando certa verso oficial para aumentar a diverso no jogo com seus pares (Gainza, 1996, p. 20).

    Pelas prprias caractersticas dos jogos de mos s necessitam da voz e do

    corpo para serem realizados, estas brincadeiras so feitas em qualquer lugar.

    Gainza (1996) conta que, em entrevistas realizadas com crianas, percebeu que os

    jogos aparecem em situaes diferentes. Nas escolas, nas ruas, como pura diverso

    ou desafio e tambm para no se aborrecer quando no podem jogar com nada -

    dentro de um carro, por exemplo (Gainza, 1996, p. 23). Como explica Gabriel

    Vanasco (apud Gainza, 1996, p. 23), de oito anos de idade:

  • 35

    So jogos simples, sem materiais nem nada fabricado por uma fbrica. S uma melodia. Qualquer cano se pode brincar com mos... lindo jogar assim aos 8 9 anos (ou aos 4 5 anos). Durante uma longa viagem de nibus, as crianas inventam sons para se divertir...

  • 3 COMO ACONTECEU A PESQUISA

    Os dados para a realizao deste trabalho foram coletados atravs de

    observaes e filmagens. Para definir as escolas a serem pesquisadas, foram feitas

    observaes dos recreios e foram realizadas conversas informais com professores

    das escolas. As observaes foram do tipo participantes (Estrela, 1994) dentro das

    salas de aula, quando foram registradas imagens atravs de filmadora.

    3.1 Seleo das escolas a serem pesquisadas

    Para definio das escolas a serem pesquisadas foram realizadas observaes e

    conversas informais com professoras e coordenadoras pedaggicas. Foi preciso

    realizar alguns passos para a definio de quais escolas entrariam nesta pesquisa.

    Achei que seria interessante a participao de realidades diferentes escola pblica

    e escola particular, alm de localidades distintas dentro de Florianpolis, para

    verificar se h existncia de rotinas e comportamentos diferentes, de acordo com

    essas realidades. Por isso, visitei escolas estaduais, municipais e particulares.

    Segue abaixo a relao das escolas visitadas durante o perodo de maro a maio de

    2004:

    - Escola de Educao Bsica Leonor de Barros, no bairro Itacorubi;

    - Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR, em Coqueiros;

    - cola de Educao Bsica Prefeito Accio Garibaldi So Tiago, na Barra da

    Lagoa;

    - cola de Educao Bsica Henrique Veras, na Lagoa da Conceio;

  • 37

    - Escola Sarapiqu, no Itacorubi;

    - Escola Waldorf Anab, no Itacorubi;

    - Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no Itacorubi;

    - Escola Municipal Padre Alfredo Horn, no Crrego Grande.

    Inicialmente foram feitas conversas informais com a direo e/ou

    coordenao das escolas, onde me apresentei como formanda do curso de

    licenciatura, expliquei o tipo de pesquisa, como esta seria feita e onde seria utilizada.

    Tambm entreguei uma carta assinada pela orientadora do trabalho (anexo 1),

    Viviane Beineke, confirmando que a pesquisa se tratava de um trabalho de

    concluso de curso, e que para isso seria necessria a realizao de filmagens das

    crianas dentro das escolas.

    A idia inicial era conseguir informaes suficientes atravs dos prprios

    professores/ coordenadores sobre a existncia e periodicidade de jogos de mos ou

    outros tipos de brincadeiras cantadas presentes nos ptios das escolas, durante os

    recreios. Dessa forma, eu j teria alguns dados para me apoiar ao fazer a seleo.

    Porm, as informaes a esse respeito no foram muito consistentes, pois a maioria

    dos professores no assistia aos recreios das crianas, sendo poucos os que

    conheciam o recreio das crianas. Assim, me foi concedida permisso para observar

    os recreios matutinos e vespertinos das escolas, verificando a ocorrncia dessas

    brincadeiras.

    Organizei o tempo de observao para que conseguisse acompanhar pelo

    menos um recreio em cada perodo nas escolas que eu havia selecionado para

    visita. Foi um processo demorado, pois na maioria das escolas o horrio do recreio

    o mesmo, ento ficava difcil de acompanhar mais de uma escola por perodo. Mas

  • 38

    isso foi interessante, pois assim consegui acompanhar todo o processo do recreio

    desde o incio, quando as crianas vo para o ptio, lancham, caminham pelos

    espaos da escola, se encontram nos seus grupos e brincam; at o final, quando

    aos poucos, as crianas retornam s suas salas de aula. A minha inteno era

    conseguir um repertrio de brincadeiras realizadas durante os recreios, de maneira

    espontnea. Feitas as observaes, constatei que as brincadeiras cantadas,

    naquelas escolas, no estavam muito presentes na rotina das crianas naquele

    momento, o que me deixou um tanto angustiada. Eram poucas as ocorrncias

    dessas brincadeiras nos recreios, no havendo freqncia suficiente para realizar a

    pesquisa no tempo disponvel, pois elas aconteciam esporadicamente. De acordo

    com algumas professoras e coordenadoras das escolas, os jogos de mos

    apareciam em pocas isoladas, alternando fases de maior ou menor grau de

    interesse por parte das crianas. Isso tambm acontece com outros tipos de

    brincadeiras, que vem e voltam na rotina das crianas, como febres do momento.

    Em uma das escolas visitadas durante este processo de seleo, a escola do

    Crrego Grande, a informao era que as meninas costumavam brincar mais com

    jogos de mos durante o inverno, quando se sentavam ao sol para aquecer-se.

    Analisando a situao, percebi que a minha primeira idia seria invivel, mas

    como eu no pretendia abandonar o trabalho, optei por realizar a pesquisa de

    maneira a criar um ambiente aonde as brincadeiras viessem tona na memria das

    crianas, ao invs de esperar que brotassem espontaneamente. No havendo

    nenhum tipo de influncia sobre as brincadeiras apresentadas pelas crianas, a

    pesquisa continuaria sendo verdadeira. Assim, selecionei duas escolas aps essa

    primeira observao nos recreios, que foram:

  • 39

    - Escola Municipal Vitor Miguel de Souza, no bairro Itacorubi, por haver grande

    interesse por parte da escola em participar do trabalho, alm de confirmar

    presena de jogos de mos nos recreios;

    - Associao Pedaggica Praia do Riso (APPR), no bairro de Coqueiros, pela

    receptividade e grande vontade em ajudar na realizao da pesquisa, pelo perfil

    da escola o qual valoriza o brincar e as artes e pela presena de brincadeiras

    cantadas na escola;

    3.2 Como foi o encontro e a negociao com as escolas selecionadas

    3.2.1 Escola Bsica Vitor Miguel de Souza

    A Escola Vitor Miguel de Souza uma escola pblica da rede municipal de

    Florianpolis e atende crianas de classe mdia a baixa.

    J na primeira visita, houve grande interesse por parte da coordenao da

    escola para que se fizesse um trabalho em conjunto com a turma da 2. srie, pois

    havia certa compatibilidade entre o foco da pesquisa e o projeto para aquele

    semestre da professora da turma, Maria de Lourdes. No primeiro encontro com a

    professora, trocamos informaes sobre os nossos trabalhos - eu falei sobre a minha

    pesquisa e ela me apresentou seu projeto, que consistia no resgate e valorizao de

    brincadeiras e brinquedos de antigamente, j quase que esquecidos das crianas,

    como parlendas, adivinhas, contos do folclore brasileiro, pies, pipas e muitos

    outros. Como o assunto tambm era de seu interesse, a professora Lourdes ficou

    bastante entusiasmada em incluir um captulo sobre brincadeiras cantadas, cantigas

    de roda e jogos de mos em seu projeto, fazendo com que a coleta de dados para a

  • 40

    minha pesquisa viesse a fazer parte dos contedos propostos a serem trabalhados

    naquele perodo. Aps uma negociao de horrios e atividades, ficou estabelecido

    que o trabalho seria melhor realizado se feito na prpria sala de aula devidamente

    organizada, para que no houvesse disperso. A turma ficaria totalmente disponvel

    para o trabalho. Em contrapartida, foi prometida uma aula de msica para a turma,

    em outra data a combinar.

    Era importante explicar para as crianas a natureza do trabalho, como ele

    seria realizado e qual a sua finalidade, para que as crianas se sentissem vontade

    em participar. Assim, numa data anterior data prevista para a pesquisa, foi feito um

    encontro para conhecer as crianas da turma da 2. srie matutina da E. M. Vitor

    Miguel de Souza.

    3.2.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR

    A APPR uma escola particular com excelentes instalaes fsicas, situada

    em bairro nobre de Florianpolis e atende crianas de classe mdia a alta.

    Esta escola tornou-se candidata a ser uma das escolas pesquisadas durante

    uma conversa informal com a sua coordenadora pedaggica, professora Cludia,

    que mostrou-se muito interessada na proposta do trabalho, ficando disposio

    para qualquer necessidade. Ela me sugeriu uma visita na reunio pedaggica

    mensal da escola, onde estariam presentes todos os professores, de forma que seria

    uma boa oportunidade para conversar sobre o trabalho.

    Realmente foi muito importante essa interao com o corpo docente da

    escola, no sentido de conhecer a turma cujo perfil fosse mais adequado para

    realizao da proposta. Em certo momento da reunio pedaggica, me apresentei e

  • 41

    expliquei a todos os professores da escola um pouco do meu trabalho e o que eu

    pretendia com a pesquisa, de forma que duas professoras se adiantaram, dizendo

    que seria interessante realizar o trabalho com as suas turmas. Assim, o trabalho

    ficou marcado com as professoras de 3. e 4. sries (vespertino), j com uma data

    para conhecer as turmas e explicar sobre o trabalho (28 de abril de 2004) e uma

    previso para as filmagens, que seriam nos dias 5 de maio - para a turma de 4.

    srie e 11 de maio - para a 3. srie.

    3.3 Conhecendo as crianas

    3.3.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza

    Na data combinada para o primeiro encontro com a turma, compareci na

    escola aps o recreio das crianas. O grupo era composto por vinte e quatro alunos,

    na maioria entre oito e nove anos e alguns j com dez anos de idade. Aps

    prazerosas conversa na sala de aula, mostraram-se muito receptivos e interessados

    no trabalho proposto. Expliquei tambm que, se houvesse interesse, faramos juntos

    uma atividade musical na escola, onde eu levaria alguns instrumentos e propostas

    de msicas para tocarmos juntos. Todas as crianas ficaram muito interessadas,

    aceitando a idia na mesma hora. Um garoto me perguntou se eu levaria uma

    guitarra, outros dois me contaram que estavam na aula de msica do NEM Ncleo

    de Educao Musical da UDESC e sabiam tocar a msica do Peixinho (Peixinhos

    do Mar, domnio pblico). Combinamos ento que faramos as gravaes numa data

    e a aula de msica em outra.

    Foi entregue a cada criana uma carta onde pedia a autorizao dos pais

    para que ela pudesse realizar a gravao (anexo 2). Somente com a carta assinada

  • 42

    a criana poderia participar da atividade. Dessa forma, ficou marcada para 05 de

    maio de 2004 a data para realizao das gravaes.

    3.3.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR

    Na data marcada, fui at a escola conhecer as crianas das turmas de 3. e

    4. sries. Cheguei no horrio do recreio e esperei at que os alunos voltassem para

    suas salas, aproveitando para observar as brincadeiras que aconteciam durante o

    recreio. Algumas crianas vieram falar comigo, pois as turmas j sabiam que haveria

    visita naquele dia. Comecei pelo grupo de vinte crianas da 3. srie - que

    estavam na faixa dos nove anos de idade, explicando o trabalho e como ele seria

    feito. Eu considerava sempre muito importante esse primeiro contato com as

    crianas, tanto para nos conhecermos um pouquinho, como tambm para eu ter uma

    noo do grau de interesse das crianas em me mostrar o que sabiam sobre jogos

    de mos. Perguntei aos alunos se conheciam alguma brincadeira de mos e se

    poderiam me ajudar na pesquisa. A maioria das meninas mostrou interesse, dizendo

    que conheciam vrias brincadeiras e que concordavam em mostrar o que sabiam.

    Por parte dos garotos, no houve interesse, pois achavam que aquilo era coisa de

    menina. Sobre a aula de msica, toda a turma gostou da idia e quis participar.

    Entreguei a carta para autorizao dos pais (anexo 2) e combinei a data para

    gravao.

    O grupo da 4. srie, com quinze alunos de dez anos de idade, me pareceu

    mais disperso, mas algumas meninas gostaram da idia e fizeram questo de me

    mostrar na hora alguns jogos de mos que lembravam. Essa segunda turma, neste

  • 43

    primeiro contato, teve uma atitude mais desafiadora, no se envolvendo muito com a

    idia e nem todas as crianas optaram por participar do trabalho.

    3.4 Cmera, ao! Chegou o dia da gravao

    3.4.1 Escola Municipal Vitor Miguel de Souza

    Na data combinada - 05 de maio de 2004, s 8:00h, chovia intensamente, de

    forma que remarquei esse encontro para o dia 10 de maio. No seria conveniente

    percorrer na chuva todo o trajeto at a sala de aula com os equipamentos para

    filmagem, alm do que, segundo a professora Lourdes, os alunos costumavam faltar

    bastante nos dias de chuva.

    No dia 10 de maio, o tempo estava bom e a atividade pode ser realizada. Foi

    combinado que as filmagens seriam feitas nos ltimos perodos, aps o recreio.

    Cheguei na escola por volta das 10:00 h e me dirigi sala da 2. srie, junto com a

    professora Lourdes. Os alunos foram entrando curiosos com o que ia acontecer.

    Alguns j se sentiram vontade para falar comigo e vieram fazer perguntas ou

    contar alguma coisa. Fui montando a filmadora no trip enquanto a professora da

    classe conversava com as crianas e pedia que ficassem sentadas em seus lugares.

    As carteiras estavam arrumadas em pequenos grupos de trs a quatro crianas.

    Achamos que o melhor lugar para a filmadora seria no fundo da sala, de modo que

    as crianas apresentassem os jogos de mos na parte da frente, perto do quadro

    negro, onde havia mais espao. A filmadora foi algo que despertou muita

    curiosidade entre as crianas. Toda a turma queria saber como funcionava, se

    amontoando em volta da cmera na tentativa de dar uma espiadinha no visor.

    Expliquei para toda a turma que seria necessrio muito cuidado com aquela

  • 44

    filmadora e fiz um rodzio entre as crianas para que todas pudessem olhar um

    pouquinho, matando a curiosidade. A minha relao com as crianas era muito boa

    e elas me travavam com bastante respeito. Nesse sentido, no foi preciso chamar a

    ateno em nenhum momento.

    Deixei livre para as crianas se organizarem com as brincadeiras,

    perguntando quem gostaria de comear. A turma parecia muito feliz com a situao,

    todos querendo participar da gravao. Conversei com a turma, pedindo apenas

    que, durante cada apresentao, o resto da turma fizesse silncio, pois todos os

    sons produzidos na sala iriam aparecer na gravao. Duas garotas j se

    organizaram para comear, realizando alguns ensaios antes de me mostrarem seus

    jogos de mos. As brincadeiras foram sendo mostradas uma aps a outra, algumas

    saram bem na primeira gravao e outras foram gravadas mais de uma vez por

    motivos de erros das crianas ou quando a voz estava muito baixa. Algumas

    crianas iam treinar no corredor, outras queriam aprender na hora alguma

    brincadeira para poder participar, e alguns meninos adaptaram canes que

    conheciam com algumas batidas de mos e assim se apresentaram. Uma das

    brincadeiras, Adoleta, era conhecida de toda a turma, de modo que todos queriam

    apresent-la. Combinei com as crianas que faramos aquele jogo por ltimo, com a

    participao de todos numa grande roda no meio da sala. Neste dia, foram

    apresentados oito jogos de mos.

  • 45

    3.4.2 Associao Pedaggica Praia do Riso - APPR

    3.4.2.1 Turma da 3. srie

    Na data combinada, 11 de maio, cheguei na escola perto das 14:00h. as

    crianas j sabiam da atividade, mas nem todas iriam participar. Achamos melhor

    fazer as gravaes dentro da sala, pois havia barulho no ptio e as crianas

    poderiam ficar desconcentradas. Aqueles que no tinham interesse foram

    dispensados, ficando livres para brincar no ptio. Dos meninos, apenas um ficou na

    sala, o restante saiu para brincar.

    A professora da turma me contou que naquela semana as meninas

    comearam a brincar mais com os jogos de mos no ptio, provavelmente treinando

    para a gravao. Algumas crianas se interessaram em aprender mais brincadeiras,

    mas os meninos no se entusiasmaram com a idia. Esta turma apresentou quatro

    jogos de mos.

    3.4.2.2 Turma da 4. srie

    No dia 5 de maio, data marcada para realizar as filmagens com a turma de 4.

    srie, compareci na escola por volta das 17 horas, horrio combinado. Neste dia o

    trabalho no pde ser feito, pois a maioria das crianas no havia trazido a

    autorizao dos pais para as filmagens. Marcamos ento para a semana seguinte,

    dia 12 de maio, no mesmo horrio.

    No dia 12 de maio, ento, a filmagem pde ser realizada. Resolvemos fazer o

    trabalho no ptio, pois havia crianas que no queriam participar. Reuni as meninas

  • 46

    que queriam mostrar as brincadeiras e fomos juntas at um canto do ptio. Ali elas

    comearam a brincar com os jogos de mos, sem muita inibio. Algumas faziam

    com mais entusiasmo, outras mais desinteressadas. Foram quatro brincadeiras

    diferentes, todas feitas em duplas, as quais as prprias garotas iam organizando e

    escolhendo. O trabalho com essa turma foi bem rpido, no teve muitas brincadeiras

    e a dinmica de troca dos pares foi rpida. Nenhuma foi preciso gravar de novo.

    Neste dia, aconteceu algo interessante: algumas garotas da 3. srie me

    chamaram, contando que haviam lembrado de mais jogos de mos e que queriam

    me mostrar. Assim, me dirigi sala da 3. srie e filmei mais trs brincadeiras.

    3.5 Bnus: mais um encontro com as crianas da escola Vitor Miguel

    No momento em que transcrevia os jogos de mos apresentados pelas

    crianas da 2a. srie da escola Vitor Miguel, senti necessidade de realizar mais um

    encontro para conferir algumas palavras de jogos que eu havia ficado com dvidas.

    Eu no tinha idia que esse encontro poderia render mais jogos de mos! Assim, em

    meados de setembro resolvi fazer nova visita escola na tentativa de encontrar as

    garotas que haviam me ensinado aquelas brincadeiras.

    Conversei com a coordenadora pedaggica da escola, explicando minha

    situao. Falei que seria uma conversa rpida e que eu no queria tirar as crianas

    da sala de aula, por isso aguardaria o horrio do recreio. A coordenadora fez

    questo de chamar as garotas na sala, dizendo que talvez no recreio elas no

    quisessem conversar.

    As garotas ficaram muito felizes ao me ver e me acompanharam at o ptio,

    onde sentamos no cho e eu comecei falar sobre minhas dvidas em alguns jogos

    de mos. As crianas no s me esclareceram as dvidas, como tambm realizaram

  • 47

    uma poro de jogos novos, que no haviam apresentado no dia da filmagem. Como

    eu j havia adquirido certa habilidade em entender e escrever os jogos, consegui

    passar rapidamente as brincadeiras novas para o papel, aumentando ento, o

    repertrio de brincadeiras para o meu trabalho.

    3.6 Transcrio e anlise dos jogos de mos

    Aps a coleta de dados, o prximo passo foi fazer uma anlise dos jogos de

    mos apresentados pelas crianas. Para isso, transcrevi todas as brincadeiras,

    baseada no trabalho de Gainza (1996), que foi muito til e facilitou bastante essa

    parte do trabalho, no sentido de me ajudar com uma grafia bem especfica para

    representar os gestos contidos nos jogos de mos. A autora explica que na sua

    pesquisa teve de elaborar uma maneira eficiente para registrar os jogos que ia

    conhecendo. Ela conta que muitas vezes se encontrava em lugares onde no

    dispunha de papel e caneta, ou ainda que havia pouco tempo para registrar um novo

    jogo que aprendia. Por isso, conta que foi muito importante o trabalho de criao de

    uma escrita prpria para os gestos dos jogos. So mais de quarenta smbolos

    diferentes para representar os gestos realizados pelas crianas nas brincadeiras, de

    forma que, para a escrita dos jogos de mos que eu coletei, no precisei me

    preocupar com a criao de um cdigo prprio, pois a grande maioria Gainza (1996)

    j havia criado, sendo que foram poucos os que no estavam contidos no seu

    trabalho.

    Depois de transcrever as brincadeiras, analisei a parte estrutural das canes

    ou versos junto com a parte rtmica realizada com as mos; a forma das brincadeiras

    e as combinaes e particularidades dos diferentes jogos.

  • 48

    Achei importante realar as clulas dos padres de acompanhamento antes

    de algumas partituras, para facilitar o entendimento do ritmo executado pelas mos,

    j que muitas vezes este no est no mesmo compasso da parte falada ou cantada.

    3.6.1 Cdigo dos gestos

    A partir da notao musical desenvolvida por Gainza (1996) para escrever os

    gestos dos jogos de mos, neste trabalho foram utilizados os cdigos relacionados

    abaixo para as transcries das brincadeiras coletadas.

    Legenda:

    : bater palma.

    : a mo direita, com a palma voltada para baixo, desce e bate na palma

    esquerda do companheiro que est voltada para cima. Ao mesmo tempo, a mo

    esquerda voltada para cima, sobe e bate na palme direita do companheiro que

    est voltada para baixo.

    : as duas palmas, paralelas e verticais com os dedos apontando para cima,

    batem contra as palmas do companheiro.

    : bater com as costas das mos, paralelas e verticais dedos apontando para

    cima nas costas das mos do companheiro.

    e : de mos dadas com o companheiro, balanar os braos para um lado

    e para o outro.

    : os dois polegares apontam para trs, por cima dos ombros.

  • 49

    e : levar o polegar at boca, como se estivesse bebendo algo direito e

    esquerdo.

    : levar as duas mos na cabea, imitando as orelhas de burro.

    fazer o gesto de escrever com uma caneta.

    e : com as mos dadas com o companheiro, puxar-se de um lado para

    outro, como se estivessem dando beijos no rosto.

    d : a palma da mo direita bate na palma da mo direita do companheiro.

    e : a palma da mo esquerda bate na palma da mo esquerda do companheiro.

    : fazer uma volta completa, parando no mesmo lugar.

    : com as duas palmas unidas dedos apontando para frente, bater nas

    mos do companheiro (em posio idntica), indo para um lado e para o outro.

    : com as duas palmas unidas dedos apontando para frente, encostar as costas

    das mos nas costas das mos do companheiro (em posio idntica), formando

    assim um conjunto.

    : no mesmo conjunto descrito acima, bater uma palma com a mo que est livre

    (direita), sem desencostar as costas das mos do companheiro.

    e : mantendo a posio do conjunto, bater palmas com a mo direita na

    mo direita do companheiro, acima e abaixo do conjunto.

    : fazer um arco com o brao direito, subindo e descendo para ...

    : dar uma palmada na coxa.

  • 50

    : estalar os dedos.

    : com a mo direita, bater na mo direita do companheiro.

    : com as costas da mo direita, bater nas costas da mo direita do

    companheiro.

    : levar a mo direita no ombro esquerdo e a mo esquerda no ombro direito.

    e : dar um salto para frente ou para trs.

    : balanar os quadris.

    : pisar com o p direito frente

    : balanar os braos, imitando uma galinha

    : com os dedos indicadores, puxar o canto dos olhos.

    : girar as mos, uma atrs da outra.

    : dar um salto, caindo com as pernas abertas.

    : com as mos fechadas, bater nas mos do companheiro, como se estivessem

    dando soquinhos.

  • 4 OS JOGOS DE MOS

    4.1 Jogos apresentados por crianas da 2. srie da Escola Vitor Miguel

    de Souza

    4.1.1 Batom

    O primeiro jogo de mos foi apresentado por duas garotas, Larissa e Brbara.

    Resolvi chamar de Batom, que a chamada para a msica, mas no sei qual

    realmente o nome deste jogo. A letra uma brincadeira que conta uma estria

    engraada sobre uma velha que caiu e um velho que viu sua calcinha verde e

    amarela.

    A turma toda ficou em silncio, respeitando a apresentao das colegas. As

    meninas realizaram a brincadeira com bastante desenvoltura nos gestos, mas

    cantaram os versos em voz baixa. Pedi s outras crianas que ajudassem a cantar,

    para que pudssemos ouvir melhor as canes. Alguns me responderam que aquela

    eles no conheciam. Aps essa primeira apresentao, a turma ficou entusiasmada,

    batendo palmas e vibrando com a performance das colegas.

    A clula rtmica utilizada no acompanhamento de mos desta msica est

    logo abaixo, sendo que esta repetida at o fim da brincadeira, quando as crianas

    fazem um breque.

  • 52

    Batom

    Introduo 1 estrofe 2 estrofe Coda

    Batom,

    Batom

    Tira o ba,

    Fica tom

    Um dia desses

    Eu conheci

    Uma velha

    Que se chamava

    Dona Lea

    Velha caiu

    O velho viu

    Calcinha dela

    Verde e amarela

    Cor do Brasil

    Quem bater palma

    Imita/vai ser

    a velha

    A cano utilizada nesta brincadeira formada por versos com rima e sem

    melodia, acompanhada por um ritmo em compasso quaternrio, que permanece o

    mesmo por toda a brincadeira. Possui uma introduo de quatro compassos, para

    depois comear a estria. Depois, seguem duas partes, com momentos diferentes

  • 53

    a apresentao da velha e o momento em que ela cai, quando o velho v suas

    calcinhas, ambas formadas de cinco compassos, o que podemos chamar de forma

    irregular. Temos ainda uma finalizao de dois compassos, que faz um breque e

    um tipo de pegadinha para quem no estiver atento. interessante que a

    introduo e a coda possuem um movimento meldico diferente do restante da

    msica, que toda falada, sem melodia, o que nos d a idia de que se tratam de

    partes distintas.

    O acompanhamento realizado pelas mos um padro utilizado em outras

    canes, como Flai si, si ol, citada por Maffioletti (1992), brincadeira popular nos

    recreios de minha escola; tambm a cano argentina Ritmo, e a espanhola Em la

    calle 24 (cuja letra muito parecida com a brasileira Rua 24), citadas por Gainza

    (1996). Este mesmo padro tambm muito utilizado nas introdues de algumas

    brincadeiras, como por exemplo, Xuxinha, brincadeira criada pelas meninas da

    escola Vitor Miguel, Popeye, tambm apresentada pelas meninas da escola e a qual

    eu brincava muito na infncia; Com Quem, apresentada por crianas na escola Praia

    do Riso e as argentinas Mens e Me est persiguiendo um Chico, ambas citadas por

    Gainza (1996). Nestes casos, comum que a introduo - que geralmente cita

    algumas palavras da letra da msica, como uma chamada; venha seguida da

    cano num andamento mais rpido, acompanhada pelo padro rtmico ternrio

    muito comum nos jogos de mos.

  • 54

    4.1.2 O Viado

    Esta msica talvez no fosse apresentada se eu no insistisse um pouco.

    Percebi que a turma estava pedindo alguma brincadeira que as meninas estavam

    relutando em fazer. Uma das garotas no queria de jeito nenhum, e elas ficaram por

    algum tempo discutindo qual seria a prxima msica. Eu fiquei bastante curiosa em

    conhecer a cano proibida; percebi que havia algo envolvido, do tipo palavro,

    ou alguma brincadeira estranha. Fiz questo que elas realizassem a brincadeira,

    dizendo que no havia problema. Tentei deix-las bem vontade para mostrar

    aquela msica, mas no foi preciso muita insistncia, pois logo j comearam a

    cantar e toda a classe acompanhou cantando junto, todos bem entusiasmados. A

    msica se tratava de um viado no nibus, que faz uma confuso com o cobrador e

    o motorista. Como na brincadeira anterior, a ltima frase da msica uma

    pegadinha, e quem no estiver atento pode ser alvo de gozao. Foi muito

    interessante a execuo dessa brincadeira, o quanto todas crianas participaram e

    levaram a srio. Tanto que resolvemos gravar duas vezes, com as duas verses

    de finais diferentes uma delas a letra fala que o viado quer ficar sentado, ento

    todos tm que se levantar rapidamente; a outra diz que o viado quer ficar em p, a

    todos se sentam (na verso em que o viado tem que fi