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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
BRUNNA MESIKA MALHEIRO
A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL JUNTO A
ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO
NATAL/RN
2017
BRUNNA MESIKA MALHEIRO
A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL JUNTO A
ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao
Departamento de Serviço Social no Curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito obrigatório à
obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Alves de Oliveira
NATAL/RN
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Malheiro, Brunna Mesika.
A atuação dos profissionais em serviço social junto a adolescentes em
cumprimento das medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação/
Brunna Mesika Malheiro. - Natal, RN, 2017.
78 f.
Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Alves de Oliveira.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Serviço Social.
1. Serviço Social - Monografia. 2. Medidas socioeducativas - Semiliberdade -
Monografia. 3. Internação - Monografia. 4. Garantia de Direitos - Criança e
Adolescente - Monografia. I. Oliveira, Rosângela Alves de. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364-787.2
Dedico a todos aqueles que ainda acreditam na possibilidade de vivermos dias
melhores.
Dedico também a todas as pessoas que acreditaram na minha capacidade, em
especial, aos meus pais, meus irmãos, minha família, meu namorado e meus
amigos, que foram meu verdadeiro alicerce perante as dificuldades que enfrentei
nesse percurso.
AGRADECIMENTOS
A finalização desse trabalho é para mim, motivo de imensa satisfação, tendo em
vista que sela o término de uma longa e árdua caminhada, embora estimulante e
prazerosa, ao longo desses anos percorridos.
Agradeço primeiramente a Deus, por possibilitar o meu existir e, principalmente
por ter me dado sabedoria para assumir o compromisso de trilhar mais esta etapa em
minha vida, me dando força para superar as dificuldades que foram existindo e me
possibilitando cada dia, novos aprendizados.
De maneira especial agradeço, aos meus pais (Marta Nanci e Messias Severino),
que sempre me incentivaram a ir atrás dos meus objetivos e, por serem os principais
responsáveis por quem me tornei. Aos meus avôs (Maria Madalena, Francisco das
Chagas, Sebastiana Nogueira e Mário Serafim), por terem me ensinado muito dos
valores que trago junto a mim e por sempre me dedicarem amor incondicional. Ao meu
irmão (Bruno Francisco) por sempre ter me motivado ao olhar atento sobre todas as
coisas, e por nunca ter desistido de acreditar em meu potencial. A minha irmã (Brenda
Mecyta) por sempre me trazer um pouquinho mais de alegria nos momentos
complicados, e por sempre me manter com os pés no chão. A minha família e amigos
pelo carinho com que me tratam.
Agradeço também ao meu namorado (Alysson Marques), pelo amor que ele me
dedica, pelo companheirismo que compartilhamos, por toda a sua atenção e paciência,
devotadas a mim durante todos os momentos; agradeço também por todo o apoio moral
que ele me ofertou, e que muito me ajudou para o desenvolvimento deste e de todos os
outros trabalhos.
A todos vocês que fazem parte da minha vida, meu muito obrigado.
Agradeço também a todos aqueles que estiveram direta ou indiretamente ligados
ao meu desenvolvimento pessoal, profissional e espiritual, em especial a Januza
Simplício, Glaubene Pereira e demais profissionais da Maternidade do Divino Amor,
que sabiamente partilharam comigo momentos essenciais para a minha caminhada
futura enquanto profissional, e também enquanto pessoa. Aos meus colegas de sala que
partilharam comigo bons e maus momentos enquanto turma, por terem dividido as suas
próprias dúvidas, as alegrias e as angústias, por saberem os momentos certos de ouvir,
de calar, de apoiar, de criticar e principalmente mostrarem que estamos todxs em um
único barco, enfrentando o mesmo processo, ainda que em caminhos diferentes;
agradeço também por com isso, terem amenizado as longas horas que ficamos dentro do
ambiente universitário, que por vezes se tornou desmotivante e pesaroso.
Agradeço a Thaisa Ribeiro pelo carinho que sempre me demonstra, pelos
momentos de conversa e atenção que foram imprescindíveis durante todo o tempo, e
principalmente por ter sido a grande motivadora pela escolha desse tema; uma vez que
ela me possibilitou a aproximação com o mesmo.
A Instituição de Ensino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), seu
corpo docente e demais profissionais, que oportunizaram esta conquista. A minha
orientadora (Rosângela Alves), por todo suporte no pouco tempo que lhe coube, por
toda a atenção, paciência, e confiança em mim; o que foi fundamental para a conclusão
desse trabalho.
Por fim, embora não menos importante, agradeço aos membros da Banca
Examinadora (Rosângela Alves, Anna Luiza Liberato e Antoinette Madureira), que se
prontificaram a fazer parte da finalização desse processo.
“[...] Um país se faz pela educação
Quem planta arma colhe corpo no chão[...]
Quero diploma, jovens dignos sem algemas
no pulso
O moleque fumando pedra na madrugada
Pode ser o juiz e a menina futura advogada
Ou a professora da escola
Que tenta dignificar nossa história
Ô pátria amada idolatrada
Incentivo, não à escola desqualificada
Não quero ter que usar o meu talento
Pra cravar meu ódio no peito de outro
detento
Não quero ver futuro jogador de bola
No caixão com coroa de flor em memória[...]
Respeite e terá um cidadão
Desrespeite e o boy sente meu ódio sem
compaixão
Quem leva tiro dá tiro sem dó[...]
Sem dor, sem pena não faz diferença
Quem planta esquecimento colhe violência[...].”
(Grupo Facção Central, Álbum Versos
Sangrentos, Vidas em branco)
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar se a ação do assistente social na
execução das Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de Internamento contribui
na defesa da garantia de direitos dos sujeitos a que se destinam. Buscando contribuir
também com a discussão acerca do trabalho profissional da categoria nesse âmbito.
Considerando as configurações atuais da sociedade e as prerrogativas do ECA e do
SINASE, o assistente social encontra-se inserido em diversos campos de atuação, sendo
a execução de medidas socioeducativas um de seus novos espaços interventivos. Nesse
texto, o objeto analisado será a intervenção dos profissionais de Serviço Social no
estado do RN que atuam diretamente com adolescentes em cumprimento das medidas
em questão. Dessa forma, o texto vai abordar e discutir algumas informações sobre esta
realidade. A busca em compreender como se efetiva o fazer profissional do assistente
social na socioeducação, desvinculando-se da visão meramente simplista e fatalista do
senso comum, atentando-se para a atuação profissional direcionada para defesa da
garantia de direitos, levou a escolha do tema. Evidenciar que a profissão vem
contribuindo na viabilização de direitos dos sujeitos atendidos pelas medidas sinaliza-se
a relevância desse estudo. Assim conclui-se, dentre outras considerações, que a
humanização no atendimento a adolescentes pode colaborar para a diminuição de
reincidência dos mesmos à medida, além de contribuir para que eles compreendam que
os referenciais institucionais podem garantir a cidadania e o seu desenvolvimento pleno.
Os procedimentos metodológicos utilizados nesse trabalho convergem de revisões
literárias e documentais acerca da temática abordada.
Palavras chaves: Serviço Social. Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de
Internamento. Rio Grande do Norte (RN). Garantia de Direitos. Criança e Adolescente.
ABSTRACT
The present work has as general objective to analyze if the action of the social worker in
the execution of the Socio-educational Measures of Semiliberty and Internment
contributes in the defense of the guarantee of the rights of the subjects to which they are
destined. Seeking to contribute also to the discussion about the professional work of the
category in this scope. Considering the present configurations of the society and the
prerogatives of ECA and SINASE, the social worker is inserted in several fields of
action, being the execution of socio-educational measures one of its new intervening
spaces. In this text, the object analyzed will be the intervention of Social Service
professionals in the state of the Rio Grande do Norte who work directly with
adolescents in compliance with the measures in question. In this way, the text will
address and discuss some information about this reality. The search for an
understanding of how the professional work of the social worker in the socioeducation
is effective, dissociating himself from the merely simplistic and fatalistic view of
common sense, taking into account the professional action directed to the defense of the
guarantee of rights, led to the choice of the theme. Evidence that the profession has
contributed to the viability of the rights of the subjects served by the measures indicates
the relevance of this study. Thus, it is concluded, among other considerations, that
humanization in the care of adolescents can contribute to reduce recurrence of same to
the measure, and contribute to their understanding that institutional references can
guarantee citizenship and its full development. The methodological procedures used in
this work converge from literary and documentary reviews on the subject.
Keywords: Social Work. Socio-educational Measures of Semiliberty and Internment.
Rio Grande do Norte (RN). Guarantee of Rights. Child and teenager.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Unidades Socioeducativas de atendimento as Medidas de Semiliberdade e de
Internação no estado do RN. (Pag. 41)
LISTA DE ABREVIATURAS
CEDUC – Centro Educacional
CIAD -Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente - acusado de Ato Infracional
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CPPE - Coordenadoria de Programas de Proteção Especial
CRESS – Conselho Regional do Serviço Social
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
FUNDAC - Fundação Estadual da Criança e do Adolescente
IEE – Internação em Estabelecimento Educacional
IRS - Inserção em Regime de Semiliberdade
PEP – Projeto Ético Político
PIA – Plano Individual de Atendimento
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
RN – Rio Grande do Norte
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SSO - Serviço Social
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
UI – Unidade de Internação
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14
2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE
INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS...........22
2.1. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO
CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS.......................................................29
2.2. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO
DA DEFESA DE DIREITOS EM DIÁLOGO COM A GARANTIA DE
DIREITOS...........................................................................................................35
3. O SERVIÇO SOCIAL NA DEFESA DA GARANTIA DE DIREITOS DOS
SUJEITOS ATENDIDOS PELAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE
SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO.....................................................45
3.1. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO............52
3.2. A PRESENÇA DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO CAMPO DE
ATUAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E
DE INTERNAÇÃO NO ESTADO DO RN........................................................64
3.3. A CONTRIBUIÇÃO DA PROFISSÃO PARA OS ADOLESCENTES
EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE
SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO........................................................65
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 68
5. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 72
6. ANEXOS.............................................................................................................75
14
1.INTRODUÇÃO
Antes de entrarmos efetivamente na discussão das medidas socioeducativas, é
importante esclarecer que a reflexão aqui tomada acerca do adolescente autor de um ato
infracional é enfatizada sob a perspectiva de garantia de direitos. Assim, temos que as
medidas socioeducativas, concernente com as elucidações presentes no ECA e no
SINASE, são ações de caráter fundamentalmente pedagógico, que visam compreender a
resposta punitiva1 do Estado aos atos infracionais praticados por crianças e
adolescentes, objetivando a promoção de sua reinserção na família e na comunidade,
efetivando assim a inclusão social e, superando a condição de responsabilização do
sujeito2.
Nesta perspectiva, ainda que os adolescentes se encontrem sujeitos a todas as
consequências dos seus atos infracionais, não são passíveis de “responsabilização
penal”. Cabendo-lhes, nesses casos, as medidas socioeducativas, cujo objetivo é menos
a punição e mais a tentativa de reinserção social, de fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
Nesse âmbito pode-se dizer que o ECA é a Lei que concretizou a luta histórica
pelo reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos, e, portanto, pessoas
que por se encontrarem em condição particular de desenvolvimento3, necessitam de uma
proteção integralizada e universal. Segundo Edson Seda (2000, p. 127): “o ECA se
fundamenta em três princípios, sendo o da cidadania, o do bem comum e o da condição
peculiar de desenvolvimento”. Além disso, o ECA surgiu objetivando mudanças na
Política Nacional do Bem-Estar do “Menor” no Brasil; estabelecendo como diretrizes: a
articulação das políticas básicas e das assistências e a execução de programas e serviços
de proteção especial.
1 Crítica ao entendimento do Estado sobre o tratamento referenciado a adolescentes que se encontram em
cumprimento de medidas socioeducativas. A esse respeito, ressalta-se que o ato infracional cometido pelo
adolescente, entre 12 e 18 anos, é entendido como sendo a transgressão das normas estabelecidas, do
dever jurídico, que em face das particularidades que os cercam, não pode se caracterizar enquanto crime.
2 Apesar de o objetivo continuar sendo o de responsabilização do sujeito, o foco dessa responsabilização
se pauta na dimensão educativa e não mais na sancionatória. 3 Mesmo considerando o adolescente como pessoa na condição peculiar de desenvolvimento (Brasil,
1990), ao adotar medidas socioeducativas enquanto sanções – fruto da transgressão do dever jurídico –, o
ECA acaba por fugir às armadilhas das concepções retribucionista e paternalista. No retribucionismo
encontra-se a defesa do aumento da repressão na proporção da gravidade das infrações praticadas, na
expectativa da prevenção do cometimento delas; o paternalismo, por seu turno, tende a isentar de culpa os
adolescentes que as cometerem, naturalizando a prática do ato infracional.
15
Já o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), nas palavras
de Oliveira & Sodré (2008, p.31) é composto por uma política pública destinada à
inserção do adolescente que encontra-se em situação de conflito com a lei. Ainda sobre
isso as autoras dizem que é no SINASE onde se processam as iniciativas dos distintos
campos das políticas públicas e sociais; requerendo ações firmadas com a necessária
restrição de direitos apurada por lei e aplicada por sentença e satisfação de direitos.
Segundo Veronese & Lima (2009), em consonância com o que versa nos termos
da Conanda (2006, p.23), o SINASE, portanto, é um instrumento composto por um “[...]
conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político,
pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de
ato infracional até a execução de medida socioeducativa”. Devendo ser compreendido
como uma política social de inclusão do adolescente autor de ato infracional4.
De forma que, mediante a infração cometida por um adolescente, a aplicação da
medida socioeducativa é, acima de tudo, uma resposta formal do Estado a um ato
infracional pelo qual o adolescente, após ser submetido ao devido processo legal, foi
considerado não somente como “vítima” das causas sociais ou familiares, mas também
como responsável por suas ações.
O reconhecimento de que a obediência a regras mínimas é essencial para o
convívio social requer a responsabilização do adolescente, quando ele desenvolve
condutas transgressoras desses padrões. Considerá-los pessoas em desenvolvimento
expressa tão somente a tutela especial a que têm direito, por lei, assim como a
identidade peculiar desses sujeitos, não implicando a supressão da sua sujeição ao
ordenamento jurídico.
Muito embora não se questione a necessidade da obediência a um certo
ordenamento jurídico, também não se perde de vista que tais regras são definidas por e a
partir de um grupo social específico, aqui denominado dominante (burguesia), o qual
constrói toda um emaranhado de relações sociais e uma subjetividade -ideológica- que,
ao mesmo tempo em que é expressão dessa teia de relações, é também sua fonte de
retroalimentação. Logo, há um padrão de referência de relação social, que serve para
delimitar as fronteiras do que se considera transgressão das regras sociais.
4Ato infracional são comportamentos considerados, na visão social, impróprios e desrespeitos em relação
aos contratos sociais estabelecidos e aos direitos de todas as pessoas da sociedade.
16
Consequentemente, segue-se um padrão de referência quando se pensa em
ressocialização, ou seja, o padrão que se faz imponente é o padrão determinado pelo
grupo social dominante, o padrão daquele grupo social específico.
Consoante Volpi (2006), as medidas socioeducativas podem vir a ser
qualificadas e aplicadas da seguinte maneira:
a) As medidas sócio-educativas são aplicadas e operadas de acordo com as
características da infração, por circunstâncias sócio-familiar e disponibilidade de
programas e serviços em nível municipal, regional e estadual;
b) As medidas sócio-educativas comportam uma espécie de natureza coercitiva,
uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção
integral e oportunização, e do acesso à formação e informação [...].5
c) Os regimes sócio-educativos devem constituir-se em condição que garanta o
acesso do adolescente à oportunidade de superação de sua condição de exclusão, bem
como de acesso a formação dos valores positivos de participação na vida social;
d) A operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o envolvimento familiar e
comunitário, mesmo no caso de privação de liberdade...
e) Os programas sócio-educativos deverão utilizar-se do princípio da
incompletude institucional, caracterizado pela utilização do máximo possível de serviço
(saúde, educação, defesa jurídica, trabalho, profissionalização etc.) na comunidade,
responsabilizando as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes;
f) Os programas sócio-educativos deverão, obrigatoriamente, prever a formação
permanente dos trabalhadores, tanto funcionários quanto voluntários6;
g) A denominação das unidades de aplicações da medida, dos adolescentes
envolvidos e das demais formas de identificação das atividades a eles relacionadas deve
respeitar o princípio da não–discriminação e não-estigmatização, evitando-se os rótulos
que marcam os adolescentes e os expõem a situações vexatórias, impedindo-os de
superar suas dificuldades na inclusão social. (VOLPI, 2006, p. 20-22).
5 Observa-se aqui que a dimensão/natureza coercitiva/punitiva ainda aparece em primeiro lugar. 6 Aqui está um grande desafio para o trabalho em rede; assim como também é desafio pensar no que é
possibilitado ao adolescente que infringiu a lei, para que o mesmo consiga superar sua condição de
exclusão.
17
Ainda de acordo com Volpi (2008) as medidas socioeducativas devem se
constituir de forma que venham a garantir o acesso dos adolescentes infratores às
oportunidades de superação de sua condição de exclusão, bem como de acesso à
formação de valores positivos na vida social.
Para os jovens com idades entre 12 e 18 anos (até 21 anos em casos
excepcionais7), o ECA prevendo a alternativa de aplicação das medidas socioeducativas,
visa a educação e ressocialização do jovem que por algum motivo veio a infringir a lei.
Dessa maneira, a atitude punitiva é deixada de lado, uma vez que é levado em
consideração o princípio de que o adolescente encontra-se ainda em período de
formação, sujeita às intempéries sociais do ambiente onde esse adolescente se insere.
Dentre as medidas socioeducativas que podem ser aplicadas aos adolescentes – citadas
posteriormente - em situação de desacordo com a lei, estão presentes as medidas de
semiliberdade e de internação.
É importante destacar que é de competência do juiz da Infância e da Juventude
analisar cuidadosamente qual a capacidade do adolescente de cumprir a medida,
traçando seu perfil psicológico, entendendo seu contexto social e também a gravidade
do delito para proferir a sentença8. Cabendo ainda a cada Estado gerir e organizar os
órgãos e instituições responsáveis pela aplicação efetiva das medidas.
Assim, as medidas socioeducativas são, portanto, a forma instituída na legislação
brasileira de responsabilizar o adolescente pelos atos infracionais por ele praticados,
mas concomitantemente, oferecer condições para a reinserção social. O que indica -
mesmo depois de 27 anos da promulgação do ECA - a persistência de um modelo de
atendimento que, ao mesmo tempo em que remete ás ações desenvolvidas no Contexto
dos Códigos de Menores, expressa a atualidade dos desafios a serem transpostos com
vistas à efetivação, na prática, dos novos conceitos legais. Assim, de acordo com
Bazílio (2003), a prática social com relação à infância e adolescência continua sendo
marcada pela violência, negligência e incompetência na esfera pública.
7 Conforme estabelecido no ECA, no SINASE e no Plano Estadual para o Atendimento Socioeducativo,
consideram-se casos excepcionais aqueles em que o adolescente cometeu o ato infracional antes de
completar 18 anos de idade e o processo ao qual está submetido só foi julgado e determinada a internação
depois que o adolescente completou a maioridade. Nesses termos, o jovem (com mais de 18 anos) será
responsabilizado como adolescente, levando-se em consideração a idade do mesmo quando verificada a
prática do ato infracional. 8 Aqui o juiz é quem concebe a sentença e o assistente social é o profissional que dá as prerrogativas da
mesma.
18
Embora este trabalho verse sobre as medidas socioeducativas de semiliberdade e
de internamento, é relevante destacar as demais medidas de responsabilização em face à
prática de atos infracionais. Segundo determinação do art. 112 do ECA, as medidas
socioeducativas em sua totalidade dividem-se em:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – Advertência (AD); II - Obrigação de
Reparar o Dano (ORD); III - Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); IV -
Liberdade Assistida (LA); V - Inserção em Regime de Semiliberdade (IRS); VI -
Internação em Estabelecimento Educacional (IEE); VII – qualquer uma das previstas no
art. 101, I a VI.
Em termos sucintos, e em consonância com os pressupostos do ECA, a medida
de advertência implica, o adolescente comparecer ante a autoridade judicial e ser
advertido por ela quanto a sua prática infracional; a medida de obrigação de reparar o
dano significa que o adolescente deverá devolver, restituir, compensar a vítima;
enquanto na prestação de serviços à comunidade, o adolescente vai realizar tarefas
gratuitas de interesse da coletividade; na medida de liberdade assistida, o mesmo será
orientado sistematicamente por profissionais, objetivando a reinserção familiar e
comunitária saudável, acompanhando-se a escolarização e a possibilidade de
profissionalização.
A medida de semiliberdade visa conter o ato infracional por meio da privação de
liberdade, mas ao mesmo tempo garantindo maior acompanhamento e participação da
família. Já a medida de internação pode ser considerada a mais restritiva, visto que é a
de privação completa de liberdade, ficando o adolescente afastado do convívio diário
com sua família e a comunidade. Ainda de acordo com o ECA, a medida de internação
só pode ser aplicada em caso de ato infracional grave, descumprimento de medida
anterior ou quando o adolescente cometer o mesmo ato infracional diversas vezes.
As medidas socioeducativas possuem particularidades diversas e, portanto, as
estratégias de intervenção para o profissional de Serviço Social são também
diferenciadas. A fim de entrar na reflexão sobre a atuação dos profissionais em Serviço
Social junto aos adolescentes em cumprimento das Medidas Socioeducativas de
Semiliberdade e de Internamento, é importante situar o trabalho profissional do Serviço
Social como profissão historicamente ligada a intervenção na realidade social tendo-se
19
por essa razão, um amplo e diversificado leque de atuação para o Assistente Social,
incluindo o campo Sócio Jurídico, que de maneira sutil será aqui abordado.
Seguindo essa linha de raciocínio, de que a profissão foi chamada a intervir
diretamente na realidade social, fica evidente que as ações profissionais do Serviço
Social, devem se concretizar enquanto leitura dessa realidade vivenciada, indo além
dela, superando a intervenção meramente simplista, fatalista e factual da realidade,
construindo dessa maneira a sua práxis profissional – amparada em uma perspectiva
crítica. É relevante salientar ainda, que o espaço de trabalho para o Assistente Social em
relação a execução de medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação -como
propõe o trabalho em questão, se insere no âmbito de atuação estadual ficando as
demais medidas socioeducativas comtempladas no âmbito municipal.
O trabalho do Assistente Social na aplicação das medidas socioeducativas possui
ampla discussão, embora não se encontre produções teóricas significativas acerca da
mesma, o que nos leva a uma certa deficiência teórica sobre o tema, principalmente no
que concerne a Medida Socioeducativa de Semiliberdade, ou seja, a medida de Inserção
em Regime de Semiliberdade -IRS. Pensando nesta questão, o trabalho aqui
desenvolvido analisa a temática tratada, contribuindo, ainda que minimamente, para
uma possível referência textual sobre o assunto.
É importante ponderar que a discussão do trabalho profissional do Assistente
Social junto as medidas socioeducativas devem considerar os pressupostos presentes no
Projeto Ético Político da profissão, que está orientado por princípios éticos relacionados
a projetos societários (transformadores, emancipatórios), uma vez que envolve sujeitos
individuais e coletivos, bem como, saberes teóricos e práticos. Por assim ser, não
podemos separar o Projeto Ético Político da Profissão (PEP), do contexto social em que
ele se insere e se articula com as políticas sociais existentes. É nesse âmbito que o
Serviço Social procura estabelecer releituras críticas da própria intervenção – análise
crítica da sua ação, voltando seu olhar para a historicidade, ou seja, levando sempre em
consideração as raízes da questão social.
No Brasil, o Serviço Social esteve desde o seu princípio atrelado diretamente ao
sistema capitalista. Esse entendimento se faz necessário para que, considerando a raiz da
Questão Social – dada a partir do conflito entre capital e trabalho, possamos enxergar
que a problemática do adolescente em conflito com a lei é apenas mais uma das suas
múltiplas expressões. Sendo assim, a realidade desses adolescentes é marcada por
20
diversos problemas sociais oriundos das desigualdades sociais e da concentração de
renda, fruto do sistema vigente.
Seguindo esse pensamento, podemos aferir que as mediações que permeiam a
realidade dos adolescentes que cometeram ato infracional e a implementação das
medidas socioeducativas são determinadas pelas contradições das relações
socioeconômicas, políticas e culturais na sociedade capitalista em que estamos
inseridos. Dessa forma, as grandes contradições entre as classes sociais contribuem para
os elevados índices de vulnerabilidade e riscos sociais que atingem as famílias, em
especial, os adolescentes e jovens, que em sua maioria são negros, pobres, que
apresentam dificuldades de acesso à educação e a outras políticas sociais, etc.
Nesse sentido, é importante ainda evidenciar que no Brasil, a profissão, em seu
início, direcionava seu agir profissional hegemonicamente para ações que buscavam
primordialmente apaziguar os efeitos ocasionados pelas relações sociais desiguais, não
questionando o sistema capitalista - que produz e reproduz as desigualdades. Dessa
maneira, o agir profissional, nos espaços financiados pelo Estado, era orientado pelo
pressuposto de ação filantrópica, sendo a assistência social vista não como um direito
cidadão, mas como benefício ofertado pelo Estado.
Somente após o “Movimento de Reconceituação” é que se busca construir novas
bases teórico-metodológicas para orientar o agir profissional do Serviço Social. Esse
movimento se constituiu como um enorme desafio, uma vez que se tratava de um
projeto de ruptura que questionava a base teórica da profissão e, implicava também na
discussão de práticas profissionais características da profissão. É a partir desse momento
que começa a aflorar as bases do agir profissional fundamentado em um novo Projeto
Ético Político para a sociedade – como já fora mencionado anteriormente, ou seja, um
projeto profissional em articulação direta com um novo projeto societário, a saber, um
projeto emancipatório, que busca superar o projeto societário anterior, fundado no
conservadorismo - que possui diretrizes nas ordenações católicas.
Nesse sentido, é somente após esse momento de mudanças, que o Serviço Social
passa a orientar sua intervenção voltada ao compromisso com a garantia de direitos e
com a efetivação e ampliação desses. Assim, evidencio, mais uma vez, que a discussão
proposta no decorrer desse texto será amplamente perpassada pelo compromisso
histórico da profissão com a garantia de direito dos cidadãos, na sociedade capitalista.
21
Tendo levantado essas considerações iniciais é importante relembrarmos a
temática desse trabalho, a saber: a atuação dos profissionais em Serviço Social junto a
adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas de semiliberdade e de
internamento. Nesse, o objeto analisado será a intervenção dos profissionais de Serviço
Social no estado do Rio Grande do Norte que atuam com adolescentes que se encontram
cumprindo as medidas socioeducativas em questão.
O objetivo geral, por sua vez será analisar o trabalho do Assistente Social na
aplicação das medidas socioeducativas de IRS e de Internação em Estabelecimento
Educacional (IEE). Os objetivos específicos estão assim definidos: mapear a presença
(quantitativa) dos assistentes sociais no campo de atuação dessas medidas, no estado do
RN; demonstrar a atuação desses profissionais junto aos adolescentes que se encontram
cumprindo as medidas de semiliberdade e de internamento e; contribuir para a
construção do conhecimento sobre a temática. Os procedimentos metodológicos
utilizados nesse trabalho convergem de revisões literárias e documental acerca do tema.
Este Trabalho Monográfico está organizado da seguinte forma: introdução,
capítulo 1, capítulo 2 e considerações finais. Para dar continuidade ao debate posto,
traremos no primeiro capítulo, o debate sobre as medidas socioeducativas de
semiliberdade e de internação no contexto da garantia de direitos, bem como, a
presença/atuação (quantitativa) das unidades executoras dessas medidas no estado do
Rio Grande do Norte. Nesse capítulo será abordado as medidas em questão,
demostrando que elas devem se constituir de forma que venham a garantir o acesso dos
adolescentes “infratores” às oportunidades de superação de sua condição de exclusão,
bem como acesso à formação de valores positivos na vida social dos mesmos.
No segundo capítulo, será abordado o debate sobre o Serviço Social na defesa
da garantia de direitos dos sujeitos destinados pelas medidas em questão, enfatizando
que o assistente social deve buscar imprimir no cotidiano de atendimento aos
adolescentes em conflito com a lei, o resgate da cidadania, o reforço da autoestima, bem
como as perspectivas de valorização, desenvolvendo nesses adolescentes o senso de
autonomia e de responsabilidade. Nesse capitulo trataremos também sobre a atuação do
Serviço Social junto as medidas de IRS e de IEE, além de demonstramos
quantitativamente a presença desses profissionais no estado do RN. Para concluir,
algumas considerações finais dento do alcance da pesquisa.
22
2.AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE
INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS
Para fins desse trabalho se faz necessário realizar uma breve contextualização
acerca do atendimento direcionado a criança e ao adolescente no Brasil - e de modo
especifico, no estado do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, será feito um recorte
analítico do assunto a partir da década de 1950, adentrando até os dias atuais. Assim,
observaremos as mudanças nas legislações, assim como os avanços e limites para a
garantia de direitos à criança e adolescentes.
A cerca do tratamento direcionado às crianças e adolescentes autores de ato
infracional (chamadas de “menores”, “delinquentes”, “meninos socialmente
desajustados”), no período de regimento do Código de Menores Mello Mattos, já
funcionava no estado do RN, em cooperação de modo regular e permanente o Juizado
de Menores, o Departamento Estadual da Criança que dava “assistência” ao público
infanto-juvenil9, conforme versa o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONSECO) do Governo do Estado do Rio Grande do Norte.
Esse Departamento era diretamente subordinado à Secretaria de Estado da Saúde
e Assistência Social, cabendo-lhe a orientação e coordenação das atividades estaduais
voltadas à proteção e assistência à maternidade, à infância e à adolescência. Tinha entre
outras competências, a incumbência de reorganizar, superintender, fiscalizar e manter os
serviços que já existiam, sendo eles: Abrigo Juiz Melo Matos, Casa de Menores Mário
Negócio e Instituto Padre João Maria. Onde os dois primeiros eram destinados ao
público masculino e o último, ao público feminino.
Ainda de acordo com o CONSECO, outra instituição que atuava na mesma linha
de ação, era o Instituto Estevam Machado - fundado em 04 de julho de 1954,
pertencente a Pastoral da Ação Social da Arquidiocese de Natal cujo objetivo era
assistir “menores” “vadios ou delinquentes” que existiam na Cidade de Natal. Essa
instituição tinha capacidade para atender no máximo 20 adolescentes, e nela poucas
eram as atividades ocupacionais desenvolvidas. Em 1970, a instituição passou a receber
apoio financeiro da FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor) e do
Estado. Já no ano de 1973, dia 13 de dezembro, o Governo do Estado (RN) criou
9 Criado e regulamentado pelo Decreto nº 2.977, de 15 de fevereiro de 1957.
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através da Lei nº 4.306 a FUNBERN – Fundação do Bem-Estar Social do Rio Grande
do Norte, vinculando-a a Secretaria de Estado de Educação e Cultura. A essa Fundação
foram incorporadas competências, atribuições e patrimônio do Departamento de Serviço
Social do Estado – DSSE.
A FUNBERN, além de suas diretrizes próprias, seguia as normas gerais
formuladas pela FUNABEM; dessa forma uma de suas atribuições era promover a
internação de “menores”, e como consequência a isso tinha como competência manter
as seguintes instituições assistenciais: Instituto Padre João Maria, Instituto Estevam
Machado, Instituto Dom Manoel Tavares, Abrigo Juvino Barreto, Casa de Menores
“Mário Negócio”, e o Centro de Recepção e Triagem – CRT. Em 1975, esta fundação
ganhou um novo estatuto e passou a ser vinculada à Secretaria de Estado do Trabalho e
Bem Estar Social.
Em 1979 o Governo do Estado do RN, instituiu a Fundação Estadual de Bem
Estar do Menor – FEBEM - em substituição a FUNBERN, extinta conforme artigo 3º
do decreto nº 7.819 de 29 de janeiro de 1980. A nova FEBEM permaneceu vinculada à
Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social, seguindo, em regra geral, as normas
formuladas pela FUNABEM. Entre outras competências promovia, de acordo com o
CONSECO, assistência a “menores” em unidades de Internatos e de guarda. A mesma
criou vários programas de atendimento as crianças e adolescentes, inclusive a
implantação de creches espalhadas em grande parte dos municípios do estado.
O Instituto Estevam Machado foi extinto e, no seu lugar, foi criado o Centro de
Reeducação do Menor (CRM), conhecido como Colônia Agrícola, localizado na área
rural do município de Parnamirim – Vale do Pitimbú. Ainda neste contexto também
foram criadas entre outras unidades o Núcleo Educacional Agrícola – NEA e o Centro
de Profissionalização do Menor. Estas instituições refletiam a materialização de um
paradigma dominante naquele período, referente ao tratamento destinado à criança e ao
adolescente autor de ato infracional difundindo-se a partir de práticas repressivas,
punitivas e assistencialistas, pautadas no código de menores, tendo como base a
doutrina da situação irregular. Permanecia a utilização da categoria “situação
“irregular”, como também das categorias “carentes”, “abandonados”, “inadaptados” e
“infratores”.
Em âmbito nacional, constata-se na década de 1980 um período de efervescência
política, no qual as Organizações Não Governamentais (ONGs) e os movimentos
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sociais realizaram diversas mobilizações junto à sociedade civil clamando pela defesa
da democratização e reivindicando direitos sociais e trabalhistas, assim como os direitos
das crianças e adolescentes. Nesse processo de articulação entre entidades
governamentais e não governamentais destaca-se a criação do Fórum Nacional
Permanente de Entidades Não-Governamentais de defesa dos direitos da Criança e do
Adolescente (Fórum DCA) em 1988. O mesmo objetivava, consoante SILVA (1997),
desenvolver ações de combate a violência às crianças e adolescentes em articulações
com outras entidades; e organizar a participação das ONGs nos lobbies da Assembléia
Constituinte com a finalidade de influenciar a legislação que seria criada.
Além disso, pode-se aferir ainda, conforme a mesma autora, a importância de
outros movimentos, como é exemplo o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua, que envolveu a participação de crianças, adolescentes e educadores no processo de
mobilização, desenvolvendo desse modo, um papel fundamental nas discussões acerca
do novo ordenamento legal. Vale mencionar também que a luta pela extinção do código
menorista no Brasil recebeu grande influência dos organismos internacionais em prol
dos direitos das crianças e adolescentes.
Em 1990 é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90)
revogando-se o Código de 1979. Com a Promulgação do ECA, a categoria “menor”
passa a ser substituída pelos termos criança e adolescente - na tentativa de extinção de
toda a carga pejorativa de preconceito que havia anteriormente. Além disso, é nesse
mesmo viés que se adota a concepção de cidadania no tratamento direcionado a crianças
e adolescentes, considerados agora, por lei, como pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento e sujeitos de direito. A partir desse novo paradigma legal, várias
mudanças ocorreram; entre as quais a noção de necessidade passou a ser reconhecida
como noção de direitos.
Para assegurar os direitos aos quais se propõe esta legislação, ela prevê a
formulação de políticas sociais a partir da articulação dos organismos
governamentais e não governamentais, a descentralização política para
esboçar as políticas sociais direcionadas a este segmento, além de atribuir
novos papéis ao Ministério Público, a Defensoria Pública e a Justiça da
Infância e da Juventude. Nesse contexto também são criados os Conselhos de
Direito e os Conselhos Tutelares. (SALES; ALENCAR 1997, s.p).
Assim, com o advento da Doutrina de Proteção integral das Nações Unidas, a
população Infantojuvenil, passa a ser visualizada como sujeito de direitos e deveres,
conforme preconizado no ECA. Neste contexto a Fundação Estadual do Bem-Estar do
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Menor –FEBEM/RN, teve sua composição alterada pela Lei nº 6.682 de 11 de Agosto
de 1994, que criou a FUNDAC/RN, regida por seu estatuto, gozando de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial.
Foi portanto, com o fortalecimento dos movimentos sociais e a também
significativa resistência à antiga concepção da “doutrina do menor em situação
irregular”, também denominada de Código de Menores10 - promulgado em 1979, que
passou-se a se consolidar uma caminhada histórica rumo à doutrina de proteção integral
à criança, consagrada no art. 22711 da Constituição Federal de 1988. Era o início de um
complexo processo de transição que resultaria na superação do direito do menor pelo
direito da criança e do adolescente.
Assim, somente após a consagração da doutrina de proteção integral à criança,
foi que crianças e adolescentes passaram a deter todos os direitos que até então eram
pertencentes exclusivamente aos adultos. Além desses direitos, as crianças e
adolescentes passaram também a deter de direitos especiais, decorrentes da condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento, deixando assim de serem vítimas da sociedade
e se tornando protagonistas de direitos.
Dessa forma, como já fora anteriormente citado, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, instituído pela Lei Federal nº 8069/90 de 13 de julho de 1990, revogou o
Código de Menores de 197912 – que incorpora a nova concepção assistencialista à
população infanto-juvenil - e o FUNABEM13, trazendo consigo todos os direitos da
criança e do adolescente, adotando, em seu 1º artigo, a Doutrina de Proteção Integral. Já
em 18 de janeiro de 2012, foi sancionada a Lei 12.594/2012, que instituiu o SINASE,
cujo principal objetivo é regulamentar a execução das medidas socioeducativas
destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional.
10 Segundo Veronese e Custódio (2011, p.26) “[...] caracterizou-se pela imposição de um modelo que
submetia a criança à condição de incapaz, que vigorava uma prática não participativa, autoritária e
repressiva representada pela centralização das políticas públicas” 11 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) 12 Vale lembrar que anteriormente ao Código de Menores de 1979, já havia sido promulgado em 1927 um
outro Código de menores, conhecido como Código Mello Mattos, que considerava a “Doutrina de Direito
do Menor”. O Código de 1927 é considerado o primeiro documento legal para a população com idade
inferior a 18 anos. 13 A FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Lei nº 4.513 de 1º de dezembro de 1964,
é o órgão normativo que tem a finalidade de criar e implementar a política nacional do chamado “Bem-
Estar” do Menor, através da elaboração de “diretrizes políticas e técnicas”.
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Dentre as previsões Legais presentes no SINASE encontra-se o PIA – Plano
Individual de Atendimento. O PIA é um instrumento que norteia as ações a serem
realizadas para viabilizar a proteção integral, a reinserção familiar e comunitária e a
autonomia de crianças e adolescentes afastados dos cuidados parentais e sob proteção de
serviços de acolhimento. É uma estratégia de planejamento que, a partir do estudo
aprofundado de cada caso, compreende a singularidade dos sujeitos e organiza as ações
e atividades a serem desenvolvidas com a criança/adolescente e sua família durante o
período de acolhimento. Assim, ao contextualizar e considerar a história de vida da
criança ou adolescente acolhido, o PIA examina as razões pelas quais a medida de
proteção de acolhimento foi indicada para aquele caso e como ela poderá ser efetiva
para resgatar os direitos violados, proporcionar superação e desenvolvimento integral e
preparar a reinserção familiar e comunitária.
A respeito do PIA, o SINASE institui em seu capitulo IV – Do Plano Individual
de Atendimento, art. 52 a seguinte proposição:
Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação
de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá
de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão
das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente.
“A ação socioeducativa deve respeitar as fases de desenvolvimento integral
do adolescente levando em consideração suas potencialidades, sua
subjetividade, suas capacidades e suas limitações, garantindo a
articularização no seu acompanhamento. Portanto, o Plano Individual de
Atendimento (PIA) é um instrumento pedagógico fundamental para garantir a
equidade no processo socioeducativo”. (SINASE, 2012)
É, portanto, dentro desse contexto, que o ECA coloca as medidas
socioeducativas de semiliberdade e de internação como sendo medidas restritivas e
privativas de liberdade, reconhecendo assim, a possibilidade de privação provisória de
liberdade ao adolescente infrator, lhes oferecendo, de acordo com a gravidade de sua
infração, alternativas de responsabilização.
Considera-se relevante esclarecer que a elaboração do plano Individual de
Atendimento é de responsabilidade da equipe técnica da unidade de atendimento,
tomando por base a participação do adolescente e do seu grupo familiar, bem como os
relatórios e pareceres das equipes técnicas de todos os órgãos públicos, programas e
entidades que lhes presta atendimento e/ou orientação. O seu objetivo é o de garantir a
compreensão de cada adolescente enquanto pessoa, revestido de uma singularidade
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particular, que tem um plano construído com ele e para ele. Todas as esferas envolvidas
no atendimento ao adolescente (judicial, administrativa, pedagógica, de saúde,
segurança, família e comunidade) devem respeitar sempre a ideia de que cada um desses
adolescentes é único, tal como será o desenvolvimento de seu processo socioeducativo.
O Plano Individual de Atendimento, além de ser apropriado a cada um, deve ser
personalizado. Portanto ele é definido como o plano de trabalho que dá
instrumentalidade para o desenvolvimento pessoal e social do adolescente em
cumprimento de medida socioeducativa, respeitando a visão global e plena do ser
humano e da educação. Nesse sentido, o PIA pode ser construído como um plano de
estratégias e ações a serem desenvolvidas, segundo diretrizes fixadas por eixos de
garantia de direitos fundamentais (educação, saúde, convivência familiar e comunitária
e outros previstos pelo ECA). Ele parte da avaliação técnica interprofissional criteriosa
e busca trabalhar sobre a singularidade no coletivo.
O PIA com as metas, a pactuação, o compromisso do adolescente e do(s)
responsável(is), e o relatório da equipe interdisciplinar será encaminhado ao Judiciário
no prazo de 45 dias a partir da entrada do adolescente na unidade de internação ou
semiliberdade. É imprescindível a articulação do PIA do adolescente com seu relatório
interdisciplinar, o qual deve apresentar consonância com a avaliação do desempenho
escolar e o PIA. Para tanto, o PIA possui duas dimensões complementares: 1. Uma
dimensão avaliativa interdisciplinar que apura a realidade e as necessidades específicas
da criança, adolescente e sua respectiva família. 2. Uma dimensão de planejamento
operativo que reúne estratégias de cuidado, apoio e educação para planejar as ações e
atividades de atendimento que deverão ser desenvolvidas durante a rotina coletiva e
individual de forma a superar a vulnerabilidade e proporcionar a vida fora do serviço de
acolhimento.
A responsabilidade que cabe ao sujeito na construção de um projeto de vida é
relativizada pela sua peculiar inserção nos grupos e classes sociais. Logo, muito embora
seja de fato na e pela ação educativa que se dá a feitura do projeto individual, toda ação
educativa revela-se parcial, e, portanto, condicionada.
Acredita-se que investigar o caráter educativo das medidas aplicadas ao
adolescente infrator das regras sociais requer ter claro que o ato educativo, para quem
com ele lida, pressupõe um conceito, uma ideia, uma expectativa em relação ao perfil
que assumirá o educando que deseja formar através de um processo qualquer; em
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relação à sociedade na qual esse processo formativo se dá e esse adolescente irá viver; e
à forma como esse adolescente irá se relacionar com os demais nessa sociedade, muito
em face de tal processo.
Sobre a ação educativa presente nas medidas em questão, Alice Itani (1998)
relata:
É fato que a educação surge como uma necessidade da civilização para o
processo de socialização. Por esse processo, os indivíduos são instituídos
com a imposição da lei social à psique, tornando-se humanos. Ou com um
conteúdo que podemos considerar de natureza humana. Essa ação educativa
socializa, impõe regras de vivência coletiva, é realizada pelas diversas
instâncias da sociedade, desde a família até a escola, imprimindo-se o valor
da vida como um valor constitutivo do ser humano. Mas por essa ação pode-
se também reproduzir a desigualdade e se instalar o rompimento com uma
ética da vida. (ITANI, 1998, p. 38).
Dada a orgânica relação entre educação e sociedade, que torna o processo
educativo parcial e relativo, não há certeza de que tal processo cumpra as expectativas
em termos do adolescente que se espera, uma vez que seu resultado é um sujeito fruto
de uma dinâmica que, em muito, extrapola esse processo. O mais que se pode esperar é
que, dadas certas condições de trabalho, de relações, de vida, enfim, no interior das
instituições, o adolescente na posição de educando assuma uma específica postura de
respeito frente à sua vida e à vida dos demais.
Do ponto de vista do tratamento emprestado pelo ECA à questão do adolescente
em conflito com a lei faz-se necessário esclarecer que, enquanto sanção, a medida não
se caracteriza como pena, ou seja, muito embora se assemelhe à pena ao considerar o
princípio da personalidade na sua aplicação – apenas o autor do crime responde por ele
–, ser decorrência de lei e visar à ordem pública, as medidas se diferem em aspectos
essenciais.
E se diferem porque, primeiro, se a aplicação da pena, do castigo, busca
estabelecer uma relação entre o ato cometido e o rigor da punição, a aplicação da
medida deve buscar uma maior individualização, no sentido da sua adequação à história
de cada adolescente em particular, ao invés de adequar-se apenas à infração cometida.
Em segundo lugar, se diferem quanto à finalidade imediata de uma e de outra. Com a
pena, busca-se causar sofrimento ao transgressor, puni-lo por meio da privação de
direitos. Com a medida sócio-educativa, por outro lado, é a ação pedagógica
sistematizada que é visada, mesmo quando se trata de medida de privação de liberdade.
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A respeito da relação existente entre ação pedagógica e privação de liberdade, é
importante considerar o debate que é incitado a partir da compreensão de que há uma
contradição entre essas duas ações. Conforme apontado por Bazílio (2003, p.46) “como
é possível pensar em processo educacional em estabelecimentos cujo objetivo é
precisamente a tutela, o controle dos tempos e corpos?”. Poderiam ser, esses
estabelecimentos socioeducativos, adaptados em sua estrutura física e em relação à
capacitação do pessoal técnico-administrativo de forma que, mesmo com a “ restrição
ou privação da liberdade”, eles pudessem cumprir o caráter educativo das medidas?
Assim, o duplo caráter das medidas – punição/reparo e criação de condições para
a não reincidência desses adolescentes aos atos infracionais por eles cometidos – em
princípio, teria por finalidade operar um reordenamento dos valores e padrões de
conduta do sujeito que por algum motivo veio a “transgredir” a lei. Além de possibilitar
uma ressignificação dos seus padrões de socialização, de modo que os “novos modelos”
primem pela consideração da integridade da vida e da preservação do patrimônio14.
Neste sentido, em última instância, denominar de socioeducativa uma medida que foi
aplicada em face da transgressão do ordenamento jurídico significa atribuir-lhe –
princípio e condição – a possibilidade de operar, no sujeito, mudanças que
necessariamente impliquem na consciência de que a integridade da vida deve ser
mantida, assim como preservado o patrimônio.
Feito as considerações e críticas iniciais, é importante lembrar que dentre as
medidas de privação de liberdade, a mais grave (IEE) impõe o internamento do
adolescente, sem atividade externas. Passaremos agora a discorrer com mais detalhes
sobre essas duas medidas -Semiliberdade e Internação.
2.1. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO
CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS
A respeito do regime de semiliberdade (IRS)15, temos que é a medida
socioeducativa imposta, mediante sentença, a adolescentes em conflito com a lei,
14 É importante se fazer evidenciar, que a perspectiva que assume a ação ético-formativa no nosso modelo
de sociedade capitalista reflete a contradição inerente a ela, ao apontar na direção do trinômio Estado,
família e propriedade privada. 15 O art. 120 prevê a Inserção no Regime de Semiliberdade, ou melhor, dois regimes de semiliberdade: o
que é determinado desde o começo, e o que representa a mudança para o meio aberto. No primeiro tipo,
semiliberdade propriamente dita, o adolescente passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo,
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pela Vara da Infância e da juventude e acompanhada pela Vara de Execução de
Medidas Socioeducativas em respeito à dignidade e condição da pessoa humana em
situação peculiar de desenvolvimento. Nesse regime são trabalhados aspectos
psicossociais, tanto vocacionais, de inserção dos sujeitos à escolarização,
profissionalização e mercado de trabalho, assim como outras políticas públicas,
pautadas na busca do exercício da autonomia relativa do sujeito. Por isso, pode-se
dizer que possuem o caráter essencialmente “extramuros”, indo além do espaço
físico oferecido pelas unidades que atendem a esse tipo especifico de medida.
A medida socioeducativa da semiliberdade está prevista no Art. 120 do ECA
e estabelece que ela pode ser determinada, desde o início ou constituir uma
forma de transição para o regime aberto. Trata-se, na verdade, de um modelo
similar ao regime semiaberto destinado aos imputáveis, os quais,
normalmente, exercem atividades escolares e profissionalizantes externas sob
a supervisão do responsável pela Colônia agrícola, industrial ou similar e
retornam para o pernoite, permanecendo, também, nos domingos e feriados
no estabelecimento do regime semiaberto. [...] A semiliberdade é uma
alternativa ao regime de internamento, que priva, parcialmente, a liberdade
do adolescente, colocando-o em contato com a comunidade.
O SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – que define
os princípios e parâmetros da ação e gestão pedagógicas das Medidas
Socioeducativas configura a semiliberdade como uma medida restritiva de
liberdade que admite a coexistência do adolescente com o meio externo e
institucional, estabelecendo a obrigatoriedade da escolarização e atividades
profissionalizantes, numa interação constante entre a entidade responsável
pela aplicação da medida de semiliberdade e a comunidade, utilizando-se,
preferencialmente, recursos da própria comunidade. Com efeito, a medida da
semiliberdade avulta de importância, pois contribui para o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários, bem como estimula o desenvolvimento
do senso de responsabilidade pessoal do adolescente. A sua principal
característica e que a difere do sistema de internamento é que admite a
existência de atividades externas e a vigilância é a mínima possível, não
havendo aparato físico para evitar a fuga, pois a medida funda-se,
precipuamente, no senso de responsabilidade do adolescente e sua aptidão
para ser reinserido na comunidade. (BANDEIRA, s.d., p.1)
Como é possível perceber na fala de Bandeira, o regime de semiliberdade, por
não se constituir em um regime total de privação de liberdade, deve ser executado em
unidades onde a “vigilância técnica e humana” devem ser a mínima possível, existindo
apenas para manter a “segurança da unidade”, no sentido de preservação da vida de
todos os que se encontram ali presentes, tanto dos profissionais como dos educandos.
(Portanto, não se trata de proteger os profissionais dos adolescentes que estão
que é o semi-internato, o adolescente passa da liberdade para a instituição, onde deve passar o dia
trabalhando fora da instituição e regressando ao estabelecimento apenas à noite. O emprego da medida de
regime de semiliberdade deve ser acompanhado de escolarização e profissionalização obrigatórias.
31
cumprindo a medida, e vice versa, mas proteger os profissionais e os educandos de um
possível conflito entre eles e a comunidade/sociedade).
Nessa medida socioeducativa -Semiliberdade, os jovens são diariamente
acompanhados pela equipe inter e multidisciplinar de cada unidade para a elaboração de
estudos de caso em conjunto com o adolescente e sua família para pensar/refletir sobre a
medida.
A respeito da convivência dos adolescentes em comunidade, a Secretária de
Estado de Políticas para Crianças, adolescentes e Juventude do Governo de Brasília
afirma:
Conforme prevê a lei, a convivência dos adolescentes em comunidade
estimulada pelos profissionais da área da Psicologia, Pedagogia, Serviço
Social, Atendentes de Reintegração Social e os Técnicos Administrativos
com a participação da sociedade civil organizada, preferencialmente onde o
jovem criou vínculos, e familiares, é de fundamental importância tanto de
inserção, quanto nos esforços possíveis de fortalecimento dos vínculos
familiares e superação das suas vulnerabilidades biopsicosocioculturais.
(Secretaria de Estado de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude,
2017, p.2)
A realização de atividades externas, nesse contexto, se configura a própria
essência do regime de Semiliberdade, como já fora dito, sendo a escolarização e a
profissionalização, atividades centrais que devem ser evidenciadas no discurso do
convencimento em sentido a incitar o jovem voltar/passar a frequentar estes espaços,
como forma de transformação da sua realidade social16. Desse modo, o apoio e a
inclusão no mercado de trabalho mostram-se como uma importante estratégia de
intervenção na execução da medida e “desconstrução da ideologia capitalista”. Tendo
em vista que o adolescente passa a vislumbrar possibilidades de superação da condição
que contribuiu para seu ingresso no sistema socioeducativo, logo o trabalho adquire um
caráter pedagógico de transformação na vida do adolescente e, consequentemente, dos
seus familiares.
16 É importante evidenciar que ao incitar o adolescente a frequentar esses espaços, a medida adquire não
só um caráter educativo (como deveria), mas também um caráter de ajustamento, uma vez que está
diretamente associada ao fato do adolescente passar a respeitar as regras socialmente estabelecidas, e aqui
está o paradoxo da questão, pois ao convencer o adolescente a frequentar esses espaços não é considerado
a real necessidade desse adolescente, mas sim o simples fato de se está cumprindo uma das prerrogativas
das medidas.
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A Medida de Semiliberdade, conforme enfatiza a Secretaria de Estado de
políticas para crianças, adolescentes e Juventude do Governo do Distrito Federal17
(2013), tem norte a partir dos seguintes objetivos:
• Garantir ao socioeducando convivência em um ambiente educativo, no qual
possa expressar-se, vivenciar relações comunitárias e, também, participar de
atividades em grupos18;
• Colaborar para a integração do adolescente e seus familiares através das redes
comunitárias;
• Estimular o socioeducando a respeitar às normas sociais e aos outros19;
• Proporcionar ao socioeducando condições para o convívio social pleno e
oportunizar o acesso à rede de serviços e programas sociais;
• Resgatar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários dos adolescentes,
por meio da participação destes, como atores principais no palco socioeducativo,
em atividades do programa, e, do acompanhamento familiar no momento em que
os adolescentes passam os finais de semana em suas residências;
• Trabalhar, junto ao adolescente, aspectos que o faça refletir quanto a
responsabilização pelo ato infracional e a importância de se manterem
afastados20 destes lugares que contribuíram de certa forma para a prática de
ilicitudes.
• Trabalhar o exercício da autonomia e a construção de um projeto de vida
afastado da prática de atos infracionais.
• [...].
Sob essa conjuntura, as unidades executoras da medida socioeducativa de
semiliberdade se organizam em equipes multidisciplinares e interdisciplinares no
sentido de garantir que esses objetivos sejam concretizados, levando em consideração,
17Governo do Distrito Federal. Projeto Político Pedagógico das Medidas Socioeducativas no DF
Semiliberdade. Brasília; 2013. P.57. 18 Embora seja importante vivenciar as relações comunitárias, a aceitação desses jovens na comunidade,
de maneira geral, se constitui em um enorme desafio. Outro grande desafio encontrado no contexto das
medidas socioeducativas versa sobre a continuidade desses adolescentes – que por algum motivo infringiu
a lei - na unidade de execução da medida. 19 Esse objetivo se revela, ainda, em conformidade com os moldes presentes no Código de Menor de
1979, baseado na Doutrina de Situação Irregular atribuída ao adolescente, retomando por sua vez, a
perspectiva de controle social, de integração e adaptação as normas sociais, ou seja, o mesmo visa o
ajustamento social dos adolescentes que estão cumprindo as medidas socioeducativas. 20 Esse objetivo, manifesta a reiteração de desigualdades, principalmente social, uma vez que ao afastar os
jovens dos locais por eles frequentados, acaba oprimindo-os da mesma forma.
33
as particularidades dos adolescentes e seus familiares, o ambiente sóciocomunitário em
que a unidade está inserida, bem como, as potencialidades de desenvolvimento do
atendimento e das articulações institucionais. Para tanto, as equipes articulam e
executam ações nas áreas de educação, saúde, assistência social, esporte, cultura e lazer,
profissionalização e trabalho; conforme preconiza o ECA, velando pelo cumprimento
do art. 35 da Lei 12.594, que institui o SINASE, onde prevê os princípios norteadores
da execução das medidas socioeducativas.
Sobre o PIA, no regime de semiliberdade temos:
Nos mesmos moldes da Liberdade Assistida, é também elaborado um Plano
Individual de Atendimento do adolescente que, também, será cumprido
através das fases já mencionadas, entretanto, na semiliberdade o adolescente
acaba ficando mais tempo na instituição, ou seja, [...], ele realiza refeições e
dorme na fundação, embora durante o dia, seja colocado em oficinas e
atividades escolares, podendo nos finais de semana e feriados permanecer
com os seus familiares, o que não ocorre com a liberdade assistida, já que o
adolescente só comparece à instituição nos dias determinados para o
atendimento. Com efeito, a semiliberdade implica institucionalização, pois é
uma medida restritiva de liberdade, tanto que não pode, assim como a
internação, ser objeto de remissão, nos termos do Art. 127 do ECA, só
podendo ser imposta, mediante o devido processo legal, no qual sejam
assegurados ao adolescente o direito à ampla defesa e o princípio do
contraditório. (BANDEIRA, s.d., p. 1 – 2)
Desse modo fica evidenciado que a medida de semiliberdade, como bem fora
colocado na fala de Bandeira, trata-se de uma medida restritiva de liberdade, e não de
privação total dela, uma vez que o adolescente mesmo cumprindo a medida, não fica
obrigado a se restringir ao espaço físico da unidade executora.
A respeito do tempo de duração e o período de cumprimento da medida:
A semiliberdade não poderá exceder a três anos, conforme preceitua o
disposto no § 2º do Art. 120 c/c o § 3º do Art. 121, todos do ECA. O
adolescente, durante o período do cumprimento máximo da medida fixado
pelo juiz, deverá se submeter a avaliações periódicas levadas a efeito pela
equipe interdisciplinar, realizadas, no máximo, a cada seis meses, podendo,
inclusive, sugerir a progressão para o cumprimento em meio aberto, ou seja,
liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, respeitado o limite
máximo previsto na lei, ou mesmo, o seu desligamento definitivo do
programa de atendimento, por ter cumprido, satisfatoriamente, todas as fases
e já se encontrar apto para conviver, pacificamente, na sociedade e exercer
plenamente a sua cidadania. (BANDEIRA, s. d., p. 2)
A medida socioeducativa de semiliberdade pode ser dada como resposta a
qualquer ato de infração cometido pelo adolescente, sobretudo aqueles análogos aos
crimes de médio e alto potencial ofensivo, como lesões corporais graves, homicídio,
estupro, roubos, entre outros; desde que sejam levadas em conta as circunstâncias, a
34
acuidade e as condições pessoais do adolescente; e desde que seja a medida mais
adequada para o caso.
Vale lembrar, que por se tratar de uma medida restritiva de liberdade, não se
pode deixar de observar as direções constitucionais de brevidade e excepcionalidade da
medida, e a necessidade de trabalhar a reintegração do adolescente “infrator” ao seu
meio social.
Numa visão constitucional21 Martha Toledo Machado diz:
Outros dois direitos fundamentais especiais de crianças e adolescentes
relacionados com a prática de crime reconhecidos na Constituição Federal
são a excepcionalidade e a brevidade na privação da liberdade, como
assegurado no inciso V do parágrafo 3º do art. 227. (MACHADO, 2003,
p.343)
A excepcionalidade e a brevidade da medida de semiliberdade são normas de
garantias previstas na Constituição e asseguradoras do princípio reitor da dignidade
humana. Sendo assim, diante de atos infracionais graves, deve-se procurar a aplicação
de uma medida mais afável, de preferência, que seja cumprida em meio aberto, só então,
excepcionalmente, quando as circunstâncias e condições pessoais do adolescente, assim,
não indicarem, é que se deverá pensar na aplicação de uma medida restritiva ou
privativa de liberdade (semiliberdade ou internação).
Dessa forma, a simples gravidade do ato infracional não constitui motivo por si
só para aplicação da medida de semiliberdade. A motivação para o cumprimento dessa
medida, deve basear-se em outras circunstâncias e no fato do adolescente não possuir as
condições mínimas para cumprimento de outra medida em meio aberto.
Assim coloca Marcos Antônio, Juiz da Infância e da Juventude da Comarca de
Itabuna:
Entende-se que é, perfeitamente, cabível a aplicação da semiliberdade
provisória pelo prazo máximo de 45 dias, nos moldes do que é,
expressamente, prevista para o internamento, no sentido de redirecionar e
propiciar as condições para ajustar o adolescente, preferindo-se a privação
parcial da liberdade – semiliberdade provisória – do que o internamento
provisório, que exige a privação completa da liberdade. (BANDEIRA, s.d.,
p.4)
Em resumo a medida socioeducativa de IRS, Garcia (2017), versa que:
21 Abordagem jurídica que recorre aos pressupostos preconizados na Constituição Federal de 1988.
35
A semiliberdade é considerada uma medida intermediária, porque apesar de
não privar inteiramente o adolescente da liberdade, altera sua relação com o
meio. Ela consiste em colocar o adolescente em uma casa de internação
durante os dias da semana para cumprimento de atividades pedagógicas e
formativas. Nessa casa o adolescente também faz suas refeições e dorme. Ele
pode voltar para junto de sua família ou para o abrigo onde estiver durante o
fim de semana. A medida funda-se principalmente no princípio de
responsabilização do adolescente; visando uma ação ético-pedagógica, em
que ele pode participar de atividades sem vigilância, regidas apenas por uma
agenda predefinida, onde o adolescente desenvolve uma noção de
independência e de reinserção na sociedade. [...] Assim como no caso da
liberdade assistida, é prevista por lei a criação de um Plano de Atendimento
Individual do Adolescente, em que é traçado um perfil para poder propiciar o
atendimento ideal caso a caso. (GARCIA, 2017, p.5)
Feitas as considerações sobre a medida de Inserção em Regime de
Semiliberdade, traremos a seguir o debate sobre a medida de Internamento em
Estabelecimento Educacional.
2.2. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA
DEFESA DE DIREITOS, EM DIÁLOGO COM A GARANTIA DE DIREITOS
Na medida socioeducativa de internação (IEE) contidas nos artigos 121 à 125 do
ECA, o ponto de partida e aspecto principal é dado a partir da privação de liberdade do
adolescente, que por motivos excepcionais infringiu a lei.
É importante citar que nessa medida socioeducativa, o prazo mínimo de
permanência do adolescente no regime privativo de liberdade é de seis (06) meses,
podendo chegar somente ao prazo máximo de três (O3) anos, ou seja, trinta e seis (36)
meses, conforme regulamento estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Uma vez que a medida é norteada pela lógica do processo socioeducativo, com
intuito de ressocialização desse adolescente para o convívio social, e não somente como
processo sancionatório/punitivo, a IEE implica antes de qualquer coisa, escolarização
obrigatória ao adolescente, bem como profissionalização e assistência integral ao
mesmo.
Vale destacar ainda que, assim como na medida de semiliberdade, a FUNDAC
(posteriormente aprofundada) é o órgão que executa a medida de Internação em
36
Estabelecimento Educacional22, ou seja trata-se de uma fundação organizacional da
administração pública, que executa as medidas de caráter socioeducativas em meio
fechado, de acordo com a sua aplicação pela Justiça da Infância e Juventude. Além
disso, a FUNDAC é responsável pela organização e administração dos recursos
(humanos, materiais e financeiros) e pelas instalações físicas para o devido
funcionamento do sistema socioeducativo no Estado.
A medida de internação subdivide-se em Internação Provisória e Internação por
prazo indeterminado. Na primeira, o prazo máximo de privação de liberdade é de
quarenta e cinco (45) dias, enquanto o ato infracional é apurado. Conforme Freitas
(2010):
Essa internação pode ser determinada por diversos fatores, entre eles proteger
o adolescente quando se tratar de ato que mobilize a opinião pública e
também garantir que o mesmo permaneça à disposição da autoridade
judiciária com a determinação da internação por prazo indeterminado, o
adolescente é encaminhado para Unidade de Internação (UI) onde
permanecerá por no mínimo seis meses e no máximo por três anos.
(FREITAS, 2010, p.6)
De acordo com o ECA, a medida de IEE, "constitui medida privativa de
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento" (Brasil, 1990, p. 24). Nessa medida são
obrigatórias as atividades de caráter pedagógico, devendo a manutenção dela ser revista
no prazo máximo de seis (06) meses.
Além disso, o ECA coloca que aos adolescentes em cumprimento da medida de
internação deve ter garantido direitos como: informação de sua situação processual,
recebimento de visitas, ter contato (corresponder-se) com familiares e amigos, ser
respeitado e tratado dignamente, ter alojamento que disponham de condições adequadas
de higiene e salubridade, dispor de assistência integral, entre outros.
É importante lembrar que apesar de a FUNDAC possuir um regimento interno
que orienta e direciona todo o trabalho que deve ser desenvolvido nas unidades
22 A Internação em Estabelecimento Educacional é uma medida aplicada em caráter excepcional, e como
as outras medidas socioeducativas, está assegurada por Lei, de acordo com o artigo 121 e 122 do ECA
que ressalta, ser aplicada a internação por ocorrência de um ato infracional mediante grave ameaça ou
violência à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves e por descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Vale ressaltar que, a IEE deve ser cumprida
em entidade exclusiva para adolescente. Em hipótese nenhuma o período máximo deverá exceder 3 anos.
É considerada na medida de internação que o adolescente deve ser avaliado a cada seis meses pela equipe
interprofissional, podendo ter uma progressão para a IRS ou LA conforme a avaliação psicossocial.
37
socioeducativas de atendimento aos adolescentes em situação infracional, cada unidade
executora possui sua própria rotina e estrutura arquitetônica, além de distintos e
diversificados referenciais teóricos dos projetos pedagógicos. Embora existam
diferenças, as unidades de execução dessas medidas, em geral orientam-se pela
necessidade de garantir aos adolescentes privados de liberdade que se encontram em
cumprimentos de medida socioeducativa, um atendimento integral.
Em resumo a medida socioeducativa de IEE, Garcia (2017), versa que:
A medida de internação é considerada a mais gravosa, por privar o
adolescente de liberdade por um prazo que varia de seis meses a até três anos.
Ela está sujeita a três princípios: o de brevidade, que preconiza uma duração
pequena para que o adolescente não seja privado de sua convivência em
sociedade; o de excepcionalidade, que caracteriza que a medida de internação
só deve ser aplicada quando esgotadas todas as opções em medidas
socioeducativas descritas acima; e a de respeito à condição peculiar da pessoa
em desenvolvimento, que é a especial atenção à fase do desenvolvimento em
que se encontra o infrator e a necessidade de constante reavaliação da
sentença. (GARCIA, 2017, p.6)
Em relação ao cumprimento da medida, Garcia diz ainda:
A medida é cumprida em casas de internação. Ainda que aconteça a privação
da liberdade é fundamental que o adolescente tenha à sua disposição todos os
serviços possíveis para se formar enquanto cidadão: ele deve ter acesso à
escola, às atividades pedagógicas e culturais e aos cursos profissionalizantes.
A medida pode ser aplicada de duas maneiras: em caráter provisório, quando
o adolescente pode ficar até 45 dias em internação aguardando decisão
judicial definitiva; e em caráter estrito, quando já é determinado que ele irá
cumprir a internação. (GARCIA, 2017, p.6)
Conforme fora enfatizado na fala de Garcia, o regime de privação de liberdade
não pode e nem deve se constituir em privação de direito dos adolescentes. Apesar de
terem a liberdade privada, eles precisam ter seus direitos fundamentais efetivados, uma
vez que a dimensão humana continua presente no indivíduo.
É importante reforçar que as outras medidas socioeducativas de teor mais leves
devem ser alternativas ao uso da medida de IEE, uma vez que essa trata-se da medida
mais severa prevista na Lei para adolescentes que cometem atos infracionais. De acordo
com o ECA, essa última medida, devido seu grau de excepcionalidade - como já citado
anteriormente, só deve ser aplicada em casos que realmente se façam necessários e onde
as outras medidas não sejam viáveis, ou já não surtam mais os efeitos esperados.
Conforme Garcia (2017):
Na prática, a despeito de leis progressistas, as medidas socioeducativas
esbarram em uma cultura de criminalização da juventude que se ramifica nos
38
setores responsáveis por sua aplicação. Para o coordenador especial de
políticas públicas do gabinete do governador do Ceará, Demitri Cruz, a
sociedade ainda não compreende a lógica da proteção integral da criança e do
adolescente. “Temos uma política socioeducativa autoritária, que começa
desde o processo preventivo e recrudescimento da pauta de direitos humanos
e parte para uma lógica mais punitiva do que restaurativa. O resultado é uma
tendência a priorizar a medida de internação em detrimento das de meio
aberto, o que gera uma superlotação das unidades. (GARCIA, 2017, p.7)
Essa perspectiva preconceituosa, presente na cultura de criminalização da
juventude, tem sido um dos maiores entraves nas articulações interinstitucionais. Essa
perspectiva tem como base que o delito e os crimes que os adolescentes (em sua maioria
negros e de classes com menor valor aquisitivo) cometem são sua única identidade, não
compreendendo o contexto que o adolescente está inserido. Preconceito este que é
reforçado particularmente pela mídia, que fundamenta o posicionamento da sociedade,
onde o adolescente é descaracterizado da sua condição de pessoa em situação peculiar
de desenvolvimento e fica retido na condição ‘menor, pivete, marginal e delinquente’.
A respeito da superlotação citada anteriormente pelo coordenador Demitri
Cruz23, Garcia (2017) coloca:
Quando acontece a superlotação, o caráter de ressocialização do adolescente
fica comprometido, porque não há estrutura física ou de pessoal que possa
acompanhar cada caso e determinar que tipo de medida pode ser mais
eficiente. O coordenador atenta ainda para uma fragilidade do poder
judiciário. (GARCIA apud DEMITRI, 2017, p.8)
Essa fragilidade está associada principalmente ao fato da aplicação da medida,
na cultura atual, se ligar diretamente ao ato de punição, e não a análise da condição
desse adolescente que por algum motivo veio a cometer um determinado ato infracional.
Garcia (2017), colocando a perspectiva do coordenador Demitri, aponta que:
A medida socioeducativa, na visão do coordenador, não pode ser enxergada
como a única solução para a reinserção do adolescente na sociedade. Ela deve
agir em conjunto com todo um sistema de garantias de direitos que funcione
efetivamente para a proteção da criança e do adolescente. “Ainda temos o
grande desafio de articular políticas públicas que transformem o ambiente de
onde esse adolescente saiu e para onde ele irá voltar”, conclui Demitri.
(GARCIA apud DEMITRI, 2017, p.9)
Conforme expresso na citação acima, a reinserção do adolescente - que por
algum motivo veio a infringir a Lei - na sociedade, não pode se restringir a medida
23 Presente no Texto de Garcia (2017).
39
privativa de liberdade; tendo em vista que a medida socioeducativa por si só não possui
condições para efetivá-la; sendo necessário a união de um conjunto articulado entre
políticas sociais, Estado e sociedade. Esse sistema articulado deverá por sua vez, agir de
maneira a primar pela garantia e efetivação de direitos desses adolescentes.
Tendo elencado o debate sobre as medidas de semiliberdade e de internamento,
faremos agora um breve delineamento sobre a presença/atuação das unidades que
aplicam essas medidas socioeducativas no estado do Rio Grande do Norte (RN)24.
As medidas socioeducativas em meio fechado (restritivas e de privação de
liberdade – IRS e IEE) no estado do Rio Grande do Norte são administradas pela
FUNDAC – Fundação Estadual da Criança e do Adolescente, através da Coordenadoria
de Programas de Proteção Especial (CPPE). 25
No estado do RN, a FUNDAC está presente em 17 municípios, com diversos
programas e ações, desenvolvidas em unidades regionalizadas. A mesma atua nos 167
municípios do Estado de forma regionalizada, através de bases físicas instaladas nos
municípios de Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró. “Sua atuação visa atender aos
adolescentes acusados de ato infracional e em cumprimento de medida socioeducativa
de restrição e privação de liberdade, garantindo sua proteção integral” (FUNDAC/RN,
2017).
Como fora dito, as unidades executoras das medidas socioeducativas
administradas pela FUNDAC se encontram presentes em quatro (04) municípios26,
mantendo nove (09) unidades sob sua administração.27 Dessas nove unidades, quatro
(04) encontram-se na cidade do Natal, entre as quais duas são destinadas ao sexo
feminino e duas ao sexo masculino.
As unidades que atendem e executam as medidas socioeducativas se diferem
quanto a denominação, de acordo com o caráter executivo das medidas que
24 As informações sobre as unidades socioeducativas no estado do Rio Grande do Norte foram em sua
essência retirados do site oficial da FUNDAC-RN. ( www.fundac.rn.gov.br) 25 Em outras palavras, segundo a FUNDAC: No Estado do Rio Grande do Norte, os programas
socioeducativos são executados pelo Poder Executivo, (FUNDAC/RN) e por alguns municípios, onde a
FUNDAC/RN municipalizou o atendimento em meio aberto. Assim, a FUNDAC/RN executa as medidas
restritivas e privativas de liberdade (Semiliberdade, Internação Provisória e Internação), cabendo aos
municípios a execução das medidas socioeducativas, em meio aberto, de Prestação de Serviços à
Comunidade-PSC e de Liberdade Assistida-LA. Disponível em: http://www.fundac.rn.gov.br (área de
atuação). 26 Esses municípios são: Natal, Parnamirim, Caicó e Mossoró. 27 A saber: CEDUC Pe. João Maria. CEDUC Nazaré. CIAD Natal. CEDUC Santa Catarina -Zona Norte
de Natal. CEDUC Pitimbú. CEDUC Caicó. CEDUC Santa Delmira. CIAD Mossoró. CEDUC Mossoró.
40
representam. Dessa maneira as unidades que atendem a medida de internação –
privativa de liberdade (IEE) e de semiliberdade (IRS) -restritiva de liberdade, são
denominadas Centro Educacional – CEDUC, e as que se dedicam a medida de
internação provisória são denominadas de Centro Integrado de Atendimento ao
Adolescente (CIAD)28.
Os serviços oferecidos nestes centros (CEDUC e CIAD) são: internações;
atendimento social; atendimento psicológico; atendimento médico-odontológico;
assistência nutricional; atividades artístico-culturais; fornecimento de alimentação,
vestuário, medicamentos; acompanhamento jurídico; apoio biopsicossocial e orientação
sexual.
A distribuição dessas unidades executoras, no estado do RN é dada da seguinte
maneira: a FUNDAC RN administra duas unidades femininas (CEDUC Santa Catarina
e CEDUC Pe. João Maria - ambas em Natal), sendo uma delas destinada ao
atendimento da medida socioeducativa de semiliberdade e a outra somente para o
cumprimento de medidas em regime fechado; e outras sete (07) masculinas, sendo duas
(02) destinadas ao regime fechado (CEDUC Pitimbú – Parnamirim, e CEDUC Mossoró
– Mossoró), duas (02) ao regime de semiliberdade (CEDUC Nazaré – Natal, e CEDUC
Santa Delmira – Mossoró), uma (01) com as duas modalidades (CEDUC Caicó – Caicó)
e dois pronto-atendimentos com internação provisória (CIAD Natal – Natal, e CIAD
Mossoró). Além de contar também, na cidade do Natal com uma unidade de pronto
atendimento destinado somente ao atendimento inicial (art. 175 – ECA), possuindo
capacidade de atendimento para 15 adolescentes.
Colocando em quadro (TABELA 1) as informações sobre as unidades
socioeducativas de atendimento as medidas de semiliberdade e de internação no estado
do RN29, temos:
28 CIADs: Atendem demanda de adolescentes em conflito com a lei a serem sentenciados pelo juiz.
CEDUCs: Atendem demanda de adolescentes em conflito com a lei que já foram julgados.
29 Conforme dados da Fundação Estadual da Criança e Adolescente no RN sobre unidades de
atendimento. Disponível em:
http://www.fundac.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=22813&ACT=null&PAGE=0&PAR
M=null&LBL=A+Funda%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 13 de junho de 2017.
As informações sobre a FUNDAC encontram-se disponíveis em:
< www.portal.rn.gov.br/content/aplicacao/fundac/instituicao/gerados/fundac.asp>; acesso em 13 de
junho de 2017.
41
MUNICÍPIO UNIDADE
MODALIDADE DE
ATENDIMENTO
(MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA)
SEXO
DESTINADO
CAPACIDA
DE DE
ATENDIM
ENTO
NATAL CIAD
Natal
Atendimento inicial
(art. 175 -ECA) e
Internação provisória
(art. 108 –ECA)
Masculino 70
adolescentes
NATAL
CEDUC
Nazaré
Semiliberdade (art. 120
-ECA) Masculino
20 vagas/
15 internos30
NATAL
CEDUC
Pe. João
Maria31
Internação – privação
de liberdade (art. 122 -
ECA) e Internação
Provisória (art. 108 -
ECA)
Feminino 20 vagas/
15 internos
NATAL
CEDUC
Santa
Catarina
Semiliberdade (art.
120 -ECA) Feminino
10 vagas/
4 internos
PARNAMIRI
M
CEDUC
Pitimbú
Internação – privação
de liberdade (art.122 -
ECA)
Masculino 72 vagas/
36 internos
MOSSORÓ
CEDUC
Santa
Delmira
Semiliberdade (art. 120
-ECA) Masculino
10 vagas/
10 internos
MOSSORÓ CIAD
Mossoró
Atendimento Inicial
(art. 175 -ECA) e
Internação Provisória
(art. 108 -ECA)
Masculino
32 vagas/
nº de internos
não
confirmado
30 A quantidade de internos refere-se à quantidade de adolescentes que se encontram cumprindo as
medidas. 31 Com a inauguração da CEDUC Santa Catarina, em 21 de março de 2017, a CEDUC Pe. João Maria que
anteriormente atendia a medida socioeducativa de internação, a medida de semiliberdade e a medida de
internação provisória, passa a funcionar somente para o cumprimento de medidas em regime fechado.
42
MOSSORÓ
CEDUC
Mossoró
Internação – privação
de liberdade (art. 122 -
ECA)
Masculino 48 vagas/
28 internos
CAICÓ
CEDUC
Caicó
Internação – privação
de liberdade (art. 122 -
ECA)
Masculino 32 vagas/
31 internos
Analisando a distribuição das unidades socioeducativas de atendimento às
medidas de semiliberdade e de internamento no estado do RN, podemos observar –
como já fora anteriormente mencionado - a existência de apenas dois polos destinados
ao atendimento socioeducativo para o sexo feminino – ambos localizados no município
de Natal/RN; o que significa que dos 167 municípios que compõem o estado, somente
um se destina ao atendimento feminino à medida socioeducativa, incluindo o regime em
meio fechado. Isso quer dizer que todas as adolescentes (sexo feminino) ao receberem a
aplicação para cumprimento das medidas socioeducativa de privação e restrição de
liberdade, são “obrigatoriamente” deslocadas de sua localidade habitual para cumprirem
a medida nas unidades de NATAL, descontruindo um pouco o convívio familiar dessas
adolescentes com os seus familiares.
A constatação dessa “desconstrução familiar”, embora temporária, contraria o
direito das adolescentes a convivência familiar e comunitária, além de ir em desacordo
com o que preconiza o artigo 124 do ECA, em seu inciso VI32.
Vale ressaltar que a convivência e a interação com o grupo social de origem,
onde laços afetivos e sociais são estabelecidos, são imprescindíveis para o
desenvolvimento sóciomoral do adolescente, haja vista a importância da
afetividade e da interação entre pares para o aprendizado e internalização de
regras e contratos sociais, fatores imprescindíveis à formação de sujeitos
moralmente autônomos (PIAGET, 1994)
Embora existam dificuldades financeiras e estruturais no interior das unidades
executoras das medidas, o ideário da punição e do castigo como bases pedagógicas para
a ressocialização dos adolescentes autores de ato infracional ainda parece se configurar
como o maior obstáculo a um trabalho comprometido com a formação autônoma desses
jovens.; tendo em vista que em muitas instituições de ressocialização, os adolescentes
são considerados ainda como “delinquentes”, que, por sua “natureza ruim”, são
32 Art. 124 – inciso VI - É direito do adolescente privado de liberdade, entre outros – permanecer
internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável.
43
irrecuperáveis e altamente perigosos. Desconsidera-se, portanto, que eles são indivíduos
cujo desenvolvimento sofre forte influência das desigualdades e injustiças sociais a que
são submetidos, assim como do tipo de relação interpessoal prevalente nos locais em
que eles cumprem medidas socioeducativas.
Vale lembrar ainda que a reincidência dos adolescente na prática dos atos
infracionais e a aplicação da Medida Socioeducativa de Internação ainda se configura
como algo recorrente nos centros de atendimentos, na maioria das vezes, ocasionado
pelo descumprimento da medida socioeducativa em meio aberto (LA, PSC) e restritiva
de liberdade (Semiliberdade); com isso percebe-se que tais medidas não estão
conseguido consolidar seus objetivos e metas, devido a desarticulação entre as políticas
sociais, desproteção do Estado para com as famílias, pelo descrédito e preconceito da
sociedade quanto a ressocialização, o crescimento do tráfico de drogas nas comunidade
e envolvimento de crianças e adolescentes nessas práticas ilícitas, ocasionado pelo uso
indevido e comercialização para o atendimento a dependência da droga ou para suprir
suas necessidades básicas, dentre outras. Além das relações hierarquizadas, autoritárias,
desiguais e alienadas que caracterizam o processo de produção e reprodução do capital e
do trabalho, que tem fundamentado o surgimento das expressões da questão social, fato
que vem corroborando com a violação de direitos dos cidadãos.
É evidente que grande foi o avanço legal no que diz respeito ao atendimento dos
adolescentes em conflito com a lei. Contudo, a observação da realidade atual das
instituições voltadas para tal parcela da população deixa margem para muitas
interrogações sobre a distância entre o que é preconizado pela lei e o que é efetivamente
desenvolvido nessas instituições.
No tocante às ações a serem desenvolvidas no interior das instituições, com
vistas à ressocialização, se esta pressupõe convívio com a família e a comunidade,
(re)ingresso no sistema escolar e o exercício de uma profissão, então se espera que tais
ações efetivamente reflitam tal perspectiva socializadora.
Nesse sentido, é necessário ultrapassar as atuais condições, em quase tudo
semelhantes às das prisões comuns. Se, em grande parte das instituições voltadas para
os adolescentes, alcançou-se o objetivo de extinguir a coerção física e o uso da força
como estratégia educativa, se os mesmos têm direito a visitas semanais, inclusive visitas
íntimas para aqueles que têm parceiras fixas, por outro lado eles se encontram alojados
em celas e não em dormitórios que, além de não serem o espaço adequado para pessoas
44
em processo de desenvolvimento, ainda fogem às exigências mínimas de salubridade e
dignidade para qualquer ser humano.
A partir deste breve esclarecimento das medidas socioeducativas – em especial,
o regime de semiliberdade e o de internamento - como formas de responsabilização dos
adolescentes mediante a prática de ato infracional, e rápido delineamento sobre as
unidades socioeducativas atuantes no estado do RN; passaremos agora a discutir sobre o
Serviço Social na defesa da garantia de direitos dos sujeitos destinados pelas medidas
socioeducativas de semiliberdade e de internamento, bem como a atuação do Assistente
Social nesse espaço sócio ocupacional.
45
3.O SERVIÇO SOCIAL NA DEFESA DA GARANTIA DE DIREITOS DOS
SUJEITOS ATENDIDOS PELAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE
SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO
Compreender que o surgimento do Serviço Social, no Brasil, esteve
fundamentalmente interligado ao sistema capitalista de produção, que produz e reproduz
as diversificadas faces das desigualdades no pais, é extremamente importante; tendo em
vista que a temática envolta do adolescente infrator é mais uma das múltiplas
expressões da questão social, decorrentes do conflito entre capital e trabalho.
A história do atendimento a crianças e adolescentes no Brasil é norteada pelo
atendimento marcado pela segregação e pelo desrespeito aos direitos humanos, talvez
tal conteúdo histórico, não muito remoto, ainda garanta forte influência na aplicação e
execução das medidas socioeducativas. Em muitas situações, são surpreendentes as
formas como são tratados os adolescentes, esquecendo-se mesmo de que são seres
humanos. Assim, as mediações que permeiam a realidade dos adolescentes que
cometeram ato infracional e a implementação das medidas socioeducativas são
determinadas pelas contradições das relações socioeconômicas, políticas e culturais na
sociedade capitalista em que estamos inseridos.
Considerando os momentos históricos atrelados à profissão no Brasil, temos o
seu início marcado pela filantropia, onde o profissional do serviço social tinha seu agir
orientado pela perspectiva de benesse, de repasse de benefícios. Somente no momento
de movimento de reconceituação os profissionais passaram a buscar construir novas
bases teórico-metodológicos para o trabalho profissional, colocando a necessidade de
ruptura com o modelo anterior, e questionando toda a base teórica da profissão.33
É, portanto, a partir desse momento de ruptura que começam a ser lançadas, na
profissão, as bases para um novo agir profissional, pautado em um novo projeto ético-
político para a sociedade, ou seja um projeto que possui caráter transformador,
emancipatório, distinguindo-se do anterior, que em linhas gerais se fazia conservador.
Sobre o Projeto anterior do serviço social, temos que: os primeiros assistentes
sociais idealizavam a construção de um projeto societário, através da reeducação de
33 Vale ressaltar que o movimento de ruptura do serviço social com o conservadorismo não se fez de
maneira hegemônica entre todos os seus profissionais. Embora tenhamos nos dias atuais, um fazer
profissional, orientado no sentido de efetivação de direitos.
46
valores morais e obediência a princípios cristãos, baseados principalmente na ética
católica, mas argumentavam que este projeto só se viabilizaria, se fossem asseguradas
as mínimas condições de bem-estar social.
Na defesa da viabilização deste projeto, esses profissionais restringiam as suas
atuações profissionais à esfera privada, como se os valores morais fossem construídos
apenas a partir de vontades individuais e as precariedades materiais de existências
fossem amenizadas com esforços individuais. Contudo, ao mesmo tempo, estes
assistentes sociais criticavam a ênfase no indivíduo posta pelo liberalismo, o que nos
coloca diante de um impasse. Esse impasse nos leva a entender que os assistentes
sociais, ao seguirem, incondicionalmente, às orientações das Encíclicas Papais,
partilhavam das críticas erigidas pela Igreja Católica ao liberalismo e ao socialismo;
dessa maneira, situavam-se, na perspectiva de uma terceira via, a saber: o humanismo
cristão que defende a construção de valores cuja premissa básica é o respeito à
dignidade da pessoa humana.
Esta premissa, na descrição da compreensão da prática dos primeiros assistentes
sociais, nos coloca diante de uma possível dicotomia entre teoria e prática. É como se
naquele momento (1939/2940) nos pressupostos teóricos dos assistentes sociais, o
homem fosse compreendido como uma pessoa humana34 e na atuação profissional fosse
compreendido como um indivíduo que precisa de ajuda para sair do ambiente decaído,
no qual, a condição de vida operária o coloca. Neste contexto, a recuperação de quadros
sociais degenerados, segundo esses assistentes sociais, se dá, sobretudo, a partir da
atuação profissionais junto a indivíduos e famílias, mas a perspectiva teórica que anima
essa prática profissional é a realização da pessoa humana, que se dá numa esfera que
transcende à materialidade das condições de vida.
Já sobre a novo Projeto Ético-Político do Serviço Social, temos que: O projeto
ético-político hegemônico na profissão está vinculado a um projeto de transformação da
sociedade, que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou
exploração de classe, etnia e gênero. Ele tem em seu núcleo o reconhecimento da
liberdade como valor ético central, a liberdade como possibilidade de escolher entre
34 Enfatizamos que a concepção do homem como pessoa humana, nos moldes da filosofia neotomista,
permitia aos primeiros assistentes sociais compactuar com as diretrizes doutrinárias da Igreja Católica na
década de 30. Por esta via, o Serviço Social acreditava diferenciar-se de ações meramente filantrópicas.
Estas limitar-se-iam à assistência material e a atuação profissional do assistente social teria um caráter
técnico, porque ancorava –se em uma doutrina que permitia aos indivíduos elevarem-se da precariedade
material com vistas à realização em uma esfera atemporal.
47
alternativas. Um compromisso com a autonomia, com a emancipação e plena expansão
dos indivíduos sociais.
A dimensão política do projeto é a favor da equidade e justiça social, na
perspectiva de universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos programas
sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania, visando à garantia dos direitos civis,
políticos e sociais das classes trabalhadoras. Do ponto de vista profissional, o projeto
implica o compromisso com a competência, tendo como base o aprimoramento
intelectual do assistente social. Devendo este investir em sua (auto) formação
permanente, assim como, adotar uma postura investigativa.
O projeto ético-político do Serviço Social prioriza uma nova relação com os
usuários dos serviços oferecidos pelos assistentes sociais, onde estes devem se
comprometer com a qualidade dos serviços prestados à população, assim como, com a
publicização dos recursos institucionais e também, abrir as decisões à participação dos
usuários.
Frequentemente, em seu exercício profissional, o assistente social fica restrito ao
atendimento de demandas institucionais e sua intervenção se dá apenas na adoção de
procedimentos formais, legais e burocráticos. Dessa forma, torna-se necessário que, pela
via do conhecimento teórico, ele escolha conscientemente, por valores universais, por
uma direção política, que vá além da cotidianidade.
Um projeto com dimensões críticas, ao tratar da ética, engendra uma reflexão
sobre a moral dominante e permite questionar os preconceitos, as verdades
estereotipadas, o senso comum e as superstições existentes. Ao se referenciar por um
aporte teórico-metodológico crítico, o projeto profissional oferece uma análise concreta
das situações concretas. Direcionar-se pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social não
se limita a um discurso de defesa da igualdade, liberdade, democracia, luta contra
iniquidades e crítica à exploração vigente na sociedade capitalista, mas sim, que todas
as diretrizes e princípios aqui explicitados se façam presentes na intervenção
profissional. Ou seja, que se materializem na prática do assistente social e não fiquem
restritos ao discurso.
Segundo Behring e Boschetti (2006), o projeto profissional vincula-se a um
projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social e, ao reafirmar
direitos e políticas sociais no âmbito do capitalismo e lutar por eles, tendo como projeto
48
uma sociedade justa e igualitária, não significa contentar-se com os direitos nos marcos
do capitalismo. Dessa forma, um desafio posto é articular forças e construir alianças
estratégicas para a construção de uma sociedade justa, fraterna e igual. Para isso,
devemos reconhecer os limites dados pela estrutura econômica capitalista, mas também,
acreditar que todas as coisas e ideias se movem, se transformam, se desenvolvem,
porque são processos.
Essa nova perspectiva no trabalho profissional, direciona o Serviço Social para
o compromisso com a garantia de direitos e sua ampliação, buscando extrapolar os
limites impostos pela política neoliberal, que preconiza a mínima intervenção do Estado
nas áreas econômicas e sociais, embora atuando dentro deles.
Dessa forma, a discussão aqui proposta, perpassa pelo compromisso histórico da
profissão com a garantia de direito dos cidadãos, buscando apreender as estratégias de
que o Serviço Social se utiliza na luta pela concretização desses na contemporaneidade.
Recorrendo-se a um quadro analítico da sociedade, se faz imprescindível situar
que nos contextos atuais da sociabilidade capitalista, a população brasileira em suma
proporção (raça negra, pertencente a classe baixa e média baixa com menor poder
aquisitivo, moradores da periferia das grandes cidades, etc.) encontra-se vivendo ainda
em situação de marginalidade; sendo justamente neste cenário social que padecem, de
maneira especial, crianças e adolescentes (em grande maioria negros, pobres, que não
possuem atendimento específico as suas mínimas necessidades); que devido a omissão
do Estado, acabam por se tornarem sinônimo de “vítimas vulneráveis e fragilizadas”.
Existem também, casos onde se pode perceber a existência de uma omissão
secundária, atribuída geralmente a família desses adolescentes e a sociedade de maneira
geral; embora nesse viés, o Estado ainda seja o principal agente dessa omissão,
principalmente, no que diz respeito à assistência dos direitos essenciais da pessoa em
desenvolvimento - ou seja das crianças e dos adolescentes, como afirma o ECA.
É diante dessa situação de “miséria”, que os vínculos familiares se fragilizam,
fazendo com que crianças e adolescentes, de classes baixas e média baixa, se desloquem
por completo de seus contextos familiares e comunitários; levando-os a irem se
alojar/viver nas ruas das cidades, estando, portanto, totalmente desprovidos de
oportunidades, além de desprotegidos e desassistidos socialmente.
49
É a partir desse cenário, que crianças e adolescentes, que se encontram
vulneráveis, podem se envolver com práticas de pequenos e/ou grandes atos
delituosos35. Sendo nesse momento que, amparado pelo, ECA, a Justiça da Infância e
Juventude interfere, julgando tanto o adolescente que infringiu as regras socialmente
estabelecidas, quanto a própria sociedade e o Estado quando em conflito com os “delitos
juvenis”.
É importante lembrar que as “regras sociais” não são iguais para todos os
adolescentes, e só existem como forma de enquadramento/ajustamento social de alguns
(classes de menor valor aquisitivo, além de ser considerado ainda, em alguns casos, a
dimensão étnico-racial). Esse fator demonstra que a aplicação das medidas ocorre de
maneira seletiva, uma vez que ao cometerem atos delituosos, adolescentes de classe
média alta e de classe alta, não são “punidos” na forma da lei - e os que são, o que
dificilmente acontece, não são “punidos” no mesmo rigor dos demais que pertencem a
classes com menor poder aquisitivo.
É neste contexto cruel e contraditório vivido por adolescentes em conflito com a
lei, que a profissão do Serviço Social deve se inserir nas unidades de atendimentos as
medidas socioeducativas; assumindo não só cargos específicos e privativos dos
assistentes sociais, mas também cargos de diretor, de coordenador e educador; buscando
assumir em seu cotidiano profissional, o compromisso de classe. Já que conforme
SILVA (2006), o Serviço Social, é a profissão mais capacitada para poder analisar
criticamente a singularidade destes adolescentes, intervindo através das mediações
sociais em suas particularidades. Exigindo assim, muita competência e postura ética
deste profissional para que seu trabalho alcance resultados positivos e sólidos nas
relações sociais.
Aos adolescentes em conflitos com a lei, ou adolescentes autores de ato
infracional, são conferidas, através de audiências judiciais, as medidas socioeducativas
(divididas em não privativas de liberdade, e as restritivas/privativas – que são as que o
texto se destina).
Diante desse contexto é que o assistente social judicial36, quando determinado
pelo juiz, é chamado a intervir; atuando em atendimentos aos adolescentes que se
35 A saber: lesão corporal, porte de arma, roubo, tráfico de drogas, homicídio, entre outros. 36 Embora o termo não pareça adequado, devido o fato de os assistentes sociais serem profissionais
generalistas que atuam em diversos espaços sociocupacionais, o presente termo refere-se a um cargo
50
encontram em conflito com a lei. A atuação do assistente social judicial refere-se a:
elaboração de estudos técnicos sociais, psicológicos, psicossociais, com
acompanhamento e supervisão em todo o período de duração da medida37.
A atitude crítica e criadora do assistente social diante da realidade dos
sujeitos que se encontram em cumprimento das medidas socioeducativas é
importante por dois motivos fundamentais: a) não permite, pelo menos
conscientemente e claramente, que a violência se desenvolva com
tranqüilidade através da ação profissional; b) cria condições para elaborar e
por em prática propostas não violentas. (SILVA, 2006, p.168)
Sendo assim, visando a defesa da garantia de direitos dos sujeitos atendidos
pelas Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de Internação, o objetivo do Serviço
Social junto aos sujeitos envolvidos (adolescentes em cumprimento das medidas e seus
familiares) é a restituição do convívio familiar saudável, bem como o restabelecimento
do jovem ao meio comunitário em que vivia e por sua vez, na sociedade, buscando
sempre sua ressocialização. Dessa maneira, o papel do profissional em serviço social
torna-se determinante, principalmente ao trabalhar no alcance de seu objetivo.
É também muito importante que esse profissional esteja sempre em movimento
dialético, e por consequência se faça inquieto na busca de possibilidades para suas ações
transformadoras.
Na socioeducação, este profissional deve estar presente desde o momento de
elaboração das propostas pedagógicas das mediadas socioeducativas, até a
implementação dessas; estando presente no cotidiano dos adolescentes, estabelecendo
vínculos com eles, com suas famílias e as comunidades. Os mesmos devem ainda,
acompanhar a adaptação com as atividades e tarefas colocadas aos adolescentes,
oferecendo-lhes diversificadas opções; fazendo com que esses adolescentes percebam
que suas opiniões são extremamente importantes e relevantes para o processo
ressocializador.
Os assistentes sociais, devem também trabalhar com as comunidades na tentativa
de eliminar conceitos estereotipados e preconceituosos, para que essas possam vir a
receber de uma melhor forma estes adolescentes, embora os preconceitos estejam em
presente na Secretaria de Estado do trabalho, da Habitação e da Assistência Social e não a uma
especialidade da profissão. 37 Em todo o período de duração da internação técnica da assistente social, a responsabilização dos atos
praticados pelos adolescentes “infratores” é trabalhada junto aos mesmos e aos seus familiares.
51
sua maioria fora das comunidades em que esses adolescentes se inserem38; indicando
por sua vez, como bem afirma SILVA (2006) novos caminhos de cidadania, nos quais
eles próprios (adolescentes) possam exercer seu autogoverno de acordo com seus
próprios valores, crenças, anseios e aspirações (embora seja muito difícil na sociedade
em que vivemos), ou seja, levá-los ao conhecimento da realidade no alcance de sua
emancipação e autonomia; ressignificando assim, suas vidas diante da sociedade.
É nesse sentido, que os pressupostos de uma ação que contempla o aspecto
jurídico e o educativo nas medidas socioeducativas exigem uma permanente sintonia
entre a realidade e os atores sociais que integram esse sistema socioeducativo. Sendo,
portanto, necessário a reflexão acerca da prática socioeducativa no sentido de
dimensionar, junto ao adolescente, o impacto do ato praticado por ele, tanto na vida da
vítima como em sua própria vida.
Sobre isso, Athayde (2005) afirma:
... se o objetivo é afastar o jovem do crime, seria preciso: (1) oferecer
oportunidade para a mudança; (2) estimular o jovem a se desenvolver, como
pessoa; (3) fortalecer a sua auto-estima; e (4) separar o futuro do passado, ao
invés de amarrá-los um no outro. (ATHAYDE, 2005, p.145)
Assim, o profissional tem que inicialmente compreender que o impacto do
mundo global é recebido pelo jovem de diferentes maneiras e por meios distintos. Nessa
perspectiva, destaca-se a condição em que se encontra o sujeito (adolescente), que ora
aparece como agente violador das regras sociais, ora como sujeito vítima de violência,
ou ainda, acumulando os dois papeis. Por isso, cabe aos profissionais envolvidos na
aplicação das medidas socioeducativas, e principalmente ao assistente social, imprimir
no cotidiano do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, o resgate da
cidadania, o reforço da autoestima deles, bem como as perspectivas de valorização,
mudança de vida e de hábitos, recomeço e futuro.
38 Os preconceitos em relação aos adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas, partem
principalmente da classe média e alta, ou seja, da burguesia.
52
3.1 A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO
A atuação do Serviço Social é construída a partir das dimensões de sua
instrumentalidade, ou seja, alicerçada nos processos teórico-metodológicos, ético-
políticos e técnico-operacionais da profissão, apreendidos no contexto social, histórico e
político da produção e da reprodução na (e da) relação capital-trabalho, inerente ao
sistema capitalista.
É importante ainda lembrar que na atuação profissional, junto as medidas
socioeducativas, o Assistente Social trabalha imprescindivelmente em equipe, ou seja,
faz parte de uma equipe multidisciplinar, desenvolvendo ações de caráter
interdisciplinar juntamente aos demais profissionais39. Além disso, é de fundamental
importância que os Assistentes Sociais se articulem cotidianamente com os demais
envolvidos na execução das medidas socioeducativas40.
Conforme o art. 4º da resolução do Conselho Federal do Serviço Social – CFESS
nº 557/2009, o assistente social ao atuar em equipes multiprofissionais, deverá garantir a
especificidade de sua área de atuação, tendo clareza do objeto em análise, para uma
intervenção profissionalmente qualificada.
O Serviço Social ao atuar junto das medidas socioeducativas, se insere no campo
sócio jurídico da profissão. Mediante essa informação, é sabido que historicamente a
inserção do Assistente Social nesse campo de atuação no Estado do Rio Grande do
Norte ocorreu em 1970, através da criação do cargo de Assistente Social jurídico.41
Em conformidade com a Portaria nº. 003 de julho de 2001 (da Prefeitura
Municipal do Natal), em seu art. 7º, constituem atribuições do assistente social
jurídico42:
I. Elaborar estudos sócio-familiar, por determinação judicial em processos
cíveis e de execução de medidas sócio-educativas;
39 Ligados as áreas da Pedagogia, da Psicologia, do Direito, da enfermagem, da Nutrição, entre outros. 40 São exemplos: os professores/educadores, os agentes de segurança socioeducativos, os diretores das
unidades, os auxiliares educacionais, e demais profissionais que compõem o centro socioeducativo. 41 Cargo anteriormente mencionado no rodapé 36. 42 Principalmente daqueles profissionais que se encontram na 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ)
da Comarca de Natal. (Disponível em: www.natal.rn.gov.br/bvn/publicacoes/oliveiracsf.pdf) acesso em
16 de maio de 2017.
53
II. Fazer atendimento ao público, com aconselhamento, orientações e
encaminhamentos à rede pública de atendimento;
III. Proceder às inspeções e diligências quando determinadas pela autoridade
judicial;
[..]
VI. Acompanhar estagiários em estágio curricular do curso de Serviço Social;
VII. Participar de audiências judiciais quando requisitado por ordem judicial ou
por iniciativa própria, para oferecer subsídios ao Juiz;
VIII. Auxiliar outras equipes de trabalho, quando necessário;
IX. Elaborar relatório de suas atividades e remetê-lo, mensalmente à Secretaria
Técnica.
De acordo com o conteúdo dessas competências profissionais, o Assistente
Social tem autonomia relativa nas suas ações, ou seja, possui liberdade de atuação
técnica, podendo fazer uso de todo instrumental43 técnico-operativo para proceder ao
estudo social. Para Guerra (2000, p.1), a instrumentalidade “[...] refere-se, não ao
conjunto de instrumentos e técnicas, mas a uma determinada capacidade ou propriedade
constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo sócio histórico”.
Dessa maneira, para que exista uma expressiva intervenção profissional junto
aos adolescentes envolvidos com o ato infracional – nesse caso, medida de IRS e IEE -
bem como aos seus familiares, é necessário que os Assistentes Sociais, toda a equipe
técnica e demais envolvidos com o Sistema de Proteção Integral se embasem em um
conjunto de aparatos legais que possam fundamentar as suas ações nos municípios.
Entre eles estão: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069/1990; a
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) – Resolução CNAS nº 145/2004; o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – Lei 12.435/2011; a Tipificação Nacional
de Serviços Socioassistenciais – Resolução CNAS nº 109/2009; as Orientações técnicas
para o SINASE - Resolução CONANDA nº 119/2006; a Lei do SINASE - Lei
12.594/2012; o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, entre outros.
Na perspectiva de que a ação profissional do Assistente Social - através da
práxis, exige reflexão constante sobre a totalidade de suas intervenções, tendo em vista
43 Dentre os principais instrumentais estão: o Estudo Social, o Laudo Social, o Parecer Social, a
Abordagem, a Entrevista, a Visita Domiciliar, a Reunião e o Encaminhamento Social.
54
que a atuação desse trabalho envolve um cotidiano que emana constantes mudanças e
alterações súbitas das relações sociais nas quais, as ideologias, as culturas, os valores, e
as configurações sociais do ser social assentam diversos desafios e questões que
requerem respostas, intervenções, e enfrentamento; destacaremos alguns pontos quanto
ao trabalho do assistente social com os adolescentes em cumprimento das medidas
socioeducativas de semiliberdade e de internamento.
O assistente social ao trabalhar nessa área de atuação, possui certas atribuições e
competências no seu dia a dia, entre elas estão: a elaboração de relatórios e as planilhas
de atividades -feita pela unidade, a participação em reuniões de equipe, de estudo de
caso e em atividades promovidas pela unidade, dentre outros. Em alguns casos cabe
também ao assistente social: as visitas domiciliares, o trabalho com grupos de famílias,
a articulação com a rede, visita do adolescente a família, entre outros.
Nessa direção, as ações entendidas como sendo “atribuições funcionais” do
assistente social nos Centros de Socioeducação (IASP, 2006, p.78) são:
1- Organizar a recepção e acolhida dos adolescentes na unidade;
2- Elaborar os estudos de caso44 e relatórios técnicos dos adolescentes;
3- Realizar atendimentos individuais e de grupo com os adolescentes;
4- Prestar atendimento às famílias dos adolescentes, colhendo informações,
orientando e propondo formas de manejo das situações sociais;
5- Providenciar a documentação civil dos adolescentes;
6- Realizar pesquisas e levantamentos referentes aos autos judiciais e histórico
infracional dos adolescentes;
7- Manter contatos com entidades, órgãos governamentais e não-governamentais
para obter informações sobre a vida pregressa dos adolescentes;
8- Buscar e articular recursos da comunidade para formação de rede de apoio,
visando a inclusão social dos adolescentes;
9- Elaborar planos de intervenção para o desenvolvimento da ação socioeducativa
personalizada junto aos adolescentes;
44 Na internação e semiliberdade, o estudo de caso é aprofundado, passando a conter informações sobre as
características pessoais do adolescente, suas aptidões, sentimentos, sonhos, ideais. Assim, passa também a
ter outro objetivo: o direcionamento das condições que favorecerão um maior aproveitamento da proposta
socioeducativa durante o tempo em que o adolescente estiver internado. Sendo a base de construção do
Plano Individual de Atendimento.
55
10- Realizar a inclusão dos adolescentes em programas da comunidade, escola,
trabalho, profissionalização, programas sociais, atividades esportivas e
recreativas;
11- Realizar o acompanhamento dos adolescentes egressos;
12- Manter registro de dados e informações para levantamentos estatísticos;
13- Realizar a verificação da correspondência dos adolescentes e acompanhar os
contatos telefônicos realizados por eles;
14- Coordenar e orientar a visitação dos familiares aos adolescentes.
Após esse breve delineamento do IASP sobre as atribuições funcionais dos
assistentes sociais, se faz relevante atentar para o fato de que aqui, novamente, deve ser
considerado o Plano Individual de Atendimento, uma vez que se faz necessário o
entendimento de que o acolhimento inicial do adolescente nas unidades executoras das
medidas, não é feito somente pelos profissionais do serviço social, mas também por
outros profissionais que compõem a equipe multiprofissional de cada unidade.
Sob essa conjuntura, o PIA constitui-se numa importante ferramenta no
acompanhamento da evolução pessoal e social do adolescente e na conquista de metas e
compromissos pactuados com esse adolescente e sua família durante o cumprimento da
medida socioeducativa.
A elaboração do PIA45 se inicia na acolhida do adolescente no programa de
atendimento e o requisito básico para sua elaboração é a realização do diagnóstico
polidimensional por meio de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família,
nas áreas: Psicológica: (afetivo-sexual) dificuldades, necessidades, potencialidades,
avanços e retrocessos; Social: relações sociais, familiares e comunitárias, aspectos
dificultadores e facilitadores da inclusão social; necessidades, avanços e retrocessos.
Pedagógica: estabelecem-se metas relativas à: escolarização, profissionalização, cultura,
lazer e esporte, oficinas e autocuidado. Enfoca os interesses, potencialidades,
dificuldades, necessidades, avanços e retrocessos. Registra as alterações (avanços e
retrocessos) que orientarão na pactuação de novas metas. Saúde física e mental:
45 A elaboração do PIA deve envolver uma escuta qualificada da criança/adolescente e de sua família,
bem como de pessoas que lhes sejam significativas em seu convívio, de modo a compreender a dinâmica
familiar e as relações estabelecidas com o contexto.
56
avaliação, tratamento, encaminhamento proposto; Jurídica: situação processual e
providências necessárias.
É necessário que o adolescente e as famílias tenham papel ativo nesse processo e
possam - junto com os profissionais envolvidos na elaboração do PIA - pensar nos
caminhos possíveis para a superação das situações de risco e de violação de direitos,
participando da definição dos encaminhamentos, intervenções e procedimentos que
possam contribuir para o atendimento de suas demandas. Também devem ser ouvidos
outros profissionais que porventura estejam atendendo ou tenham atendido a
criança/adolescente ou a família, como nos casos de acompanhamento por equipes de
outros serviços da rede socioassistencial, da saúde mental, da escola, dentre outros,
conforme a necessidade.
Nesse trabalho de caráter socioeducativo, é importante que o profissional do
serviço social direcione suas ações numa perspectiva emancipadora, levando em
consideração a particularidade de cada adolescente, para assim fortalecer a efetivação
dos direitos dos sujeitos atendidos pelas medidas socioeducativas.
A visita e atendimento ao adolescente e sua família, realizados pelo assistente
social é denominada de atendimento social, onde o profissional busca junto aos sujeitos
mencionados construir a consciência de classe, não se fazendo um agente de
fiscalização, mas um intermediário na busca da garantia de direitos, buscando
ultrapassar o caráter legalista de sua ação. É através dessas visitas que o profissional vai
compreender as particularidades e singularidades de cada adolescente, e elaborar sua
estratégia de intervenção, que tem como foco, a prática profissional envolvendo a
trajetória sócio histórica e cultural da família e do adolescente. Assim, o assistente
social consegue, junto as demais informações obtidas por ele (a), construir o estudo de
caso individualizado de cada adolescente.
O atendimento feito pelo Serviço Social ao adolescente em cumprimento de
medidas socioeducativas acontece desde o momento de admissão desse adolescente na
unidade de atendimento das medidas - a saber centro socioeducativo, até o seu
desligamento total com a unidade.
É importante ressaltar que a primeira visita da família ao adolescente na unidade
de atendimento socioeducativo, tem que ter referências do serviço social, que deve fazer
57
um cadastro com os nomes dos familiares que poderão vir a visitar esse adolescente
durante o cumprimento da medida socioeducativa.
Aos familiares devem também ser informado o propósito das medidas
socioeducativas, as regras da unidade – como dias e horários de visitas familiares, além
da importância do acompanhamento familiar em reuniões, nos eventos, e nas visitas de
caráter familiar, mostrando-lhes a sua significância para o desenvolvimento formativo
do sujeito em cumprimento da medida socioeducativa. Dessa maneira, o Serviço Social
é uma grande referência para o planejamento dessas famílias, garantindo assim o direito
desses adolescentes, e além dele.46
Quando houver visitas domiciliares47, o Assistente Social precisa estar coerente
com os princípios da profissão, atendendo o Código de Ética profissional,
principalmente no que se refere ao capítulo III, das relações profissionais, das relações
com os usuários do referido código.
O profissional do Serviço Social nessa área carrega grandes e reais desafios. Por
esse motivo, o assistente social necessita ser um estudioso social, ou seja, este deve ser
um apto leitor dos conhecimentos que emergem das múltiplas expressões da vida
cotidiana.48 Tendo este que ser compreensivo e político, entendendo que seu trabalho,
nessas medidas restritiva e privativas de liberdade envolve a história de vida do
adolescente, a família, a comunidade e os desejos e valores desses adolescentes.
Por essa questão, é importante a articulação desses profissionais com as
instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos. Essa articulação é
necessária para que o trabalho profissional se realize em sua totalidade, evitando que o
adolescente não se sinta/perceba fora de seu próprio movimento vital e de sua realidade.
Martinelli (2006), coloca que os assistentes sociais são os:
46 Manter o vínculo entre o adolescente e a família, e o vínculo entre famílias é o grande
acompanhamento feito pelo assistente social em conjunto com a equipe técnica de profissionais da
unidade socioeducativa. 47 É importante ressaltar que a primeira visita domiciliar deve ser feita no início do cumprimento das
medidas e outra deve ser realizada próximo ao desligamento do adolescente com a unidade de
atendimento. (Forma de autorização para que sejam feitas visitas dos jovens a sua residência, nos finais
de semana; e também uma estratégia de acompanhamento desse adolescente em sua residência após o
termino da sua medida socioeducativa.) 48 Vale destacar, que o estudo social, por si só, não é capaz de garantir a efetivação de uma intervenção
qualificada, mas pode possibilitar, ao assistente social, o domínio e o embasamento do (a) profissional
para lidar com a realidade, e assim poder construir estratégias que possibilitem a instrumentalidade de
suas ações. (Guerra 2000)
58
(...) profissionais que chegamos o mais próximo possível da vida cotidiana
das pessoas com as quais trabalhamos. Poucas profissões conseguem chegar
tão perto deste limite como nós. É, portanto, uma profissão que nos dá uma
dimensão de realidade muito grande e que nos abre a possibilidade de
construir e reconstruir identidades – a da profissão e a nossa – em um
movimento contínuo. (MARTINELLI, 2006, p. 02)
Assim, o serviço social procura no seu cotidiano superar ações tarefeiras e
assistencialistas; buscando em uma perspectiva emancipadora, instrumentalizar a
construção do sujeito enquanto cidadão que busca assumir o seu projeto de vida, tanto
pessoal quanto social.49
A respeito do trabalho do assistente social, em especial, com adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade não fora encontrado
detalhamentos sobre sua atuação.
Já em termos da atuação profissional, junto aos adolescentes que se encontram
cumprindo a medida de internação, anexarei a seguir o detalhamento feito por
FREITAS (2010)50.
No trabalho do Serviço Social em unidade de internação, o exercício da função
de analista técnico/assistente social exige registro no Conselho Regional de Serviço
Social, e as atribuições do cargo incluem atribuições específicas diferenciadas das do
analista técnico/psicólogo. É importante destacar que os assistentes sociais e os
psicólogos compõem a equipe técnica de atendimento socioeducativo nas unidades de
atendimento das medidas, sendo eles os responsáveis pelo acompanhamento da situação
processual do adolescente, bem como pela garantia do atendimento integral.
Cumpre ainda destacar que por razões que podem ser consideradas históricas,
existe uma certa dificuldade em distinguir as funções de assistentes sociais e psicólogos.
Conforme as atribuições de cada cargo, pode-se identificar que algumas ações são
comuns aos dois cargos, como realizar o acolhimento dos adolescentes e familiares,
participar da elaboração do projeto político-pedagógico da unidade, elaborar relatórios
com informações destinadas ao Poder Judiciário. Contudo, existem atribuições que são
específicas do assistente social, como: realizar estudo social, realizar visita
49 Neste sentido, ir além do trabalho rotineiro, buscando novas possibilidades de intervenção é um
constante desafio para a profissão. 50 O texto integral encontra-se disponível em: FREITAS, Tais Pereira de. Serviço Social e medidas
socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. 2010. In: serviço social & sociedade -
Serv. Soc. Soc. no.105 São Paulo Jan./Mar. 2011.
59
familiar/comunitária, articular junto à rede socioassistencial pública e privada para a
integração dos recursos existentes que complementem o trabalho desenvolvido. Assim,
cabe ao assistente social atuar de acordo com sua especificidade, garantindo o diálogo
interdisciplinar, sem perder de vista o que é particularidade do Serviço Social.
A discussão acerca do trabalho profissional do assistente social na medida
socioeducativa de internação parte do cotidiano da unidade de internação. Para o
Serviço Social o atendimento inicial com o adolescente, é importante porque se
constitui no momento de acolhida do adolescente na Unidade de Internação. É nesse
momento que o profissional irá fazer o primeiro esclarecimento ao adolescente quanto a
seus direitos e deveres, orientando-o acerca do dia a dia na unidade e buscando
informações (uso de substâncias psicoativas, problemas de relacionamento, familiares
que realizarão visitas) que auxiliarão na melhor inserção do adolescente na medida de
internação.
Os princípios fundamentais do Código de Ética profissional do Serviço Social
pressupõem a defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e
autoritarismo, e mesmo que o adolescente esteja privado de liberdade é preciso garantir
que essa privação de liberdade não seja também privação dos direitos inalienáveis.
O reconhecimento da liberdade como valor ético central, também princípio
fundamental do Código de Ética profissional do assistente social, deve estar na base do
atendimento ao adolescente, entendendo que a aplicação da medida de internação está
relacionada principalmente à privação da liberdade de ir e vir e jamais privar o
adolescente do direito de escolha, de comunicação, entre outros.
Desde a entrada do adolescente na unidade é preciso que os objetivos
socioeducativos da medida estejam clarificados no entendimento do profissional, pois
isso permitirá a intervenção pautada na perspectiva de direitos, levando-se o adolescente
e sua família à percepção de que eles são sujeitos no processo socioeducativo e a
internação é mais uma etapa desse processo para o adolescente que cometeu ato
infracional, e não o fim de perspectivas de socialização, escolarização e
profissionalização.
60
Esse acolhimento inicial51 é também uma forma de dar início ao estabelecimento
de vínculos com o adolescente e sua família, visto ser esse fundamental para a
realização do trabalho desejado. A recepção do adolescente pode e deve superar as
orientações técnicas sobre regras da unidade, podendo constituir-se no início de um
trabalho emancipatório com vistas ao desenvolvimento integral.
A duração da medida de internação vai depender da reavaliação do Poder
Judiciário, sendo necessário, portanto, o envio de relatórios técnicos da unidade que
subsidiem a decisão da autoridade judiciária. De acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a medida poderá então durar entre seis meses e três anos.
Logo após a entrada do adolescente na unidade, faz-se necessário, elaborar os
objetivos da intervenção junto ao mesmo, já que é preciso considerar a particularidade
de cada um. Para a elaboração desses objetivos conta-se com representantes de todas as
equipes, que irão identificar as necessidades pessoais do adolescente e como as
intervenções profissionais poderão contribuir para que a medida de internação alcance
os resultados esperados. Trata-se do Plano Individual de Atendimento (PIA) proposto
pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
O profissional de Serviço Social nas unidades de internação precisa
comprometer-se com a efetividade do atendimento realmente socioeducativo, situando
seu trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Assim, o assistente social
acompanhará o adolescente durante toda a medida de internação, na perspectiva do
atendimento integral. Apenas para melhor compreensão do que está sendo proposto, é
possível organizar didaticamente o trabalho do assistente social em três grandes
dimensões que possuem interlocução entre si: atendimento ao adolescente, atendimento
à família, participação na unidade de internação.
Além do atendimento individual com o adolescente, o assistente social poderá
desenvolver, com os adolescentes, ações grupais que possibilitem a reflexão, a tomada
de consciência e a socialização; sendo importante planejar e elaborar esses trabalhos
com a equipe multiprofissional, buscando entender os desafios e as possibilidades de
atuação de cada um.
51 O acolhimento inicial e as demais fases do atendimento profissional aos adolescente que cometeram ato
infracional, devem estar amparado/subsidiado no Plano Individual de Atendimento.
61
Ao viabilizar - aos adolescentes - possibilidades concretas de tomadas de
decisões, o assistente social leva em consideração a sua consciência de classe - processo
histórico e dialético, constituído por homens concretos inseridos em determinado modo
de produção e suas relações sociais correspondentes. A consciência de classe está,
portanto, diretamente vinculada à atividade material e coletiva dos homens, sendo
impossível concebê-la em cada homem isolado no conjunto das relações sociais. Assim,
na medida em que o adolescente toma consciência da necessidade de estabelecer
relações com os indivíduos que o cercam, isto marca, para ele, a tomada de consciência
de que vive efetivamente em sociedade.
É nesse sentido que a organização das classes subalternas é uma exigência
fundamental para a emancipação humana, porque é na luta que os segmentos
subalternos da sociedade elevam sua consciência e sua solidariedade e se constituem em
sujeitos coletivos, isto é, “coletividades onde se elabora uma identidade e se organizam
práticas através das quais seus membros pretendem defender interesses e expressar suas
vontades, constituindo-se nessas lutas” (SADER, 1988, p. 55).
Esses interesses e vontades com um determinado grau de homogeneidade é
necessário para determinar uma ação coletiva coordenada no sentido de superar a
condição de subalternidade e conquistar a hegemonia sobre toda a sociedade; acenando
para as possibilidades de transformação mais profunda dessa sociedade. Nesse contexto,
os assistentes sociais ao elaborarem uma identidade com esses adolescentes, acabam
desenvolvendo uma política pedagógica que concretiza a participação desses, fazendo-
os alcançar a consciência da necessidade de romper seus limites, e, de forma
organizada, construir novas relações hegemônicas.
O profissional de Serviço Social que trabalha em unidades que executam a
medida de internação não pode perder de vista que o seu trabalho deve ser orientado
pelo atendimento integral e, portanto, esse profissional pode e deve verificar se o
adolescente está recebendo esse atendimento. Desta forma, o assistente social busca
assegurar que o adolescente receba alimentação, atendimento médico, odontológico,
oportunidades de profissionalização, além de verificar, registrar e notificar aos seus
superiores quaisquer violações aos direitos dos adolescentes, tanto por outros servidores
da instituição quanto por outros adolescentes.
O acompanhamento da medida e o atendimento ao adolescente se dão também
na busca de programas e projetos nas comunidades, que atendam o adolescente em suas
62
necessidades, como saúde, tratamento de drogadição, profissionalização, assistência
religiosa, entre outros.
No aspecto legal da medida de internação, o atendimento ao adolescente
contempla também a elaboração de relatórios técnicos que informem a autoridade
judiciária sobre o aproveitamento do adolescente em relação à medida socioeducativa,
oferecendo subsídios técnicos para a decisão judicial de extinguir ou manter a medida
de internação.
O profissional de Serviço Social deve sempre ter claro que o compromisso
fundamental dele é com a população atendida, no caso, o adolescente autor de ato
infracional, e então é para esse sujeito que o trabalho deve ser direcionado. Esse sujeito
deve ser o alvo principal, direto, de nossa práxis, devendo estar no centro de nossa
proposta de trabalho profissional.
Ressalta-se ainda que é imprescindível ao adolescente que o mesmo tenha
espaço para expressar suas opiniões, religião e cultura, que a ele seja possibilitado
opinar acerca das rotinas das unidades onde cumpre a medida socioeducativa. Assim, os
adolescentes devem ser preparados para tomar decisões, o que deve ser exercitado
durante o cumprimento da medida socioeducativa e previsto no Projeto Político
Pedagógico da unidade e no Plano Individual de Atendimento (PIA).
A perspectiva de atendimento integral considera a família como alvo da
intervenção, uma vez que são também partícipes no processo socioeducativo. A família,
compreendida aqui a partir de todos os arranjos familiares na contemporaneidade, é
fundamental na construção que se faz com o adolescente, visto que o meio familiar é,
em geral, para onde o adolescente volta depois da internação e, portanto, carece também
de intervenção.
O profissional de Serviço Social vai procurar conhecer a dinâmica familiar, as
necessidades, os recursos, utilizando-se para isso do estudo social, visita domiciliar e
entrevista52. A partir da particularidade de cada família, o profissional terá condições de
desenvolver junto ao adolescente, estratégias para o fortalecimento de vínculos
familiares e, caso seja necessário, realizará encaminhamentos da família à rede de
serviços sociais dos municípios.
52 A formação crítica do profissional, dará a direção nesse atendimento.
63
Considerando a organização atual do mercado de trabalho, o assistente social é
mais um dos trabalhadores inseridos na divisão sociotécnica do trabalho. Como
trabalhador, que exerce uma função remunerada e que precisa cumprir metas que lhe
são designadas, o trabalho com medida socioeducativa, em especial a internação, é um
desafio. A experiência profissional aponta que o conhecimento da rotina da unidade, do
jogo de forças que se opera na realidade institucional e a participação nos espaços
coletivos de construção da ação socioeducativa são fundamentais para que se alcance o
que está proposto. É preciso participar do "jogo de forças" que se estabelece,
participando de comissões, conselhos, reuniões para elaborações de planos de ação,
entre outros.
O assistente social pode encontrar na dinâmica institucional alternativas que
orientem o trabalho desenvolvido para a perspectiva da garantia de direitos, mas para
isso é preciso situar-se na instituição, enxergar no espaço institucional oportunidades
para desenvolvimento de práticas emancipatórias e efetivamente socioeducativas. Essa
participação na realidade institucional pode ser considerada como o "fazer político" do
assistente social.
Tão importante como o compromisso com a concretização de direitos do
adolescente e sua família é o compromisso do assistente social com a participação na
instituição, já que essa tem também condições de viabilizar essa concretização de
direitos.
É importante salientar ainda que o processo socioeducativo não termina com a
saída/desligamento do adolescente da unidade. Tão importante como o trabalho
desenvolvido durante o período em que o adolescente esteve internado é o trabalho que
continuará sendo desenvolvido fora da unidade, através da articulação com a rede53.
Quando o adolescente é desinternado com a progressão da medida de internação
para a medida de liberdade assistida, o profissional deve assegurar que o mesmo tenha
clareza quanto ao que significará essa medida, quais os compromissos que ela
acarretará. Além disso, cabe também ao profissional fazer o encaminhamento desse
adolescente de forma emancipatória, e não como quem "passa um problema". O
profissional que passará a acompanhar esse adolescente deverá ter conhecimento do que
já foi desenvolvido e como foi a resposta do adolescente às intervenções realizadas.
53 Essa articulação com a rede levará em consideração a particularidade de cada caso; uma vez que a mesma busca atender as demandas de cada adolescente no seu contexto singular.
64
Quando o adolescente é desinternado com extinção de medida, torna-se
praticamente impossível realizar o acompanhamento da sua medida – se terá progresso
ou regresso; qual perspectiva de vida será tomada por ele dali para frente, etc. -, tendo
em vista a grande rotatividade de adolescentes e a relativa demanda profissional nessas
unidades. Porém, a intervenção bem planejada e efetiva deve garantir que, ao sair, o
adolescente tenha condições de continuar o processo de ressocialização. O mesmo deve
sair da unidade com a documentação pessoal exigida, perspectiva de trabalho, garantia
de continuidade de escolarização, entre outros. (Embora na prática isso não aconteça)
3.2- A PRESENÇA DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO CAMPO DE ATUAÇÃO
DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE
INTERNAÇÃO NO ESTADO DO RN
A fim de estabelecermos a presença (quantitativa) de assistentes sociais no
campo de atuação das medidas socioeducativas de IRS e IEE, precisamos adentrar no
quesito recursos humanos. De acordo com dados da FUNDAC/RN, a execução de
atividades de sua competência conta com uma equipe (totalidade) composta por
técnicos de nível superior e de nível médio – onde se encontram os assistentes sociais,
agentes educacionais e agentes de serviço.
Ao todo, a FUNDAC/RN, conta com um quadro de 829 servidores efetivos54 e
85 servidores comissionados. Esses servidores encontram-se inseridos nos termos da
Resolução nº 383, de 04 de dezembro de 1995.
Na relação de servidores da FUNDAC/RN – 201755, as unidades que executam
as medidas de semiliberdade e de internamento contam com a seguinte presença de
profissionais do Serviço Social: 10 Servidores Efetivos, 2 Servidores Efetivos – com
formação distinta, 3 Servidores Efetivos – com formação em Serviço Social (função
diretiva e de chefia), 7 Servidores Temporários, 7 Servidores Formados em Serviço
54 A FUNDAC/RN em toda sua história realizou um único concurso público para provimento de cargos
efetivos de Agente Educacional, nos termos da Lei nº 7.100, de 16 de dezembro de 1997. 55 A relação de servidores a que o texto faz menção, leva em consideração a atualização de servidores em
fevereiro de 2017.
65
Social, que exercem outras funções. O quadro profissional, conta ainda com 5
Servidores licenciados56, sendo (1) por Licença Médica e (4) por Licença Prêmio.
Levando em consideração os dados acima (retirados do portal FUNDAC/RN), o
estado do RN conta com um quadro de 19 servidores57– entre servidores efetivos e
temporários, atuando diretamente como Assistentes Sociais, nas unidades executoras de
medidas socioeducativas. Entre esses, um (01) atua no PAFE Natal, três (03) no CIAD
Mossoró, dois (02) no CEDUC Santa Delmira, três (03) no CEDUC Mossoró, três (03)
no CIAD Natal, dois (02) no CEDUC Caicó, um (01) no CEDUC Nazaré, um (01) no
CEDUC Pe. João Maria, dois (02) no CEDUC Pitimbu, e um (01) estando a disposição
com ônus.
3.3. A CONTRIBUIÇÃO DA PROFISSÃO PARA OS ADOLESCENTES EM
CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E
DE INTERNAÇÃO
A profissão do Assistente Social contribui de maneira peculiar, para a integração
e ressocialização – compreendida em sua dimensão emancipatória - de adolescentes em
cumprimento das medidas socioeducativas de IRS e de IEE, uma vez que atua não
somente no adolescente em particular, mas também no universo em que este se insere,
levando em consideração o contexto familiar e comunitário; visando assim, o
restabelecimento dos laços familiares e a reinserção desses adolescentes ao meio
social/comunitário.
É importante salientar que esses adolescentes são indivíduos, ainda em
desenvolvimento, que por meio de seus atos, rapidamente passaram da invisibilidade
social à exposição midiática. Sendo que os assistentes sociais, juntamente com a equipe
deve caminhar no sentido de fazer esses adolescentes reencontrarem um caminho de
possibilidades e oportunidades, ou seja, de visibilidade social construída por meio de
outras relações sociais. É aqui que o assistente social democrático, muitas vezes trabalha
em contramão ao pensamento evidenciado no senso comum social.
56 Os servidores licenciados, foram referenciados anteriormente entre os servidores efetivos (03) e
servidores formados em Serviço Social que exercem outra função (02). 57 A quantidade citada não leva em consideração as funções de diretor de unidade e nem de chefia.
66
O perfil do adolescente autor de ato infracional confunde-se com o de grupos
ditos vulneráveis socialmente, marginalizados em relação a políticas públicas e ao
acesso a condições dignas de vida (Ayres, Júnior, Calazans, & Filho, 2003) devido a
fatores históricos, culturais e estruturais, a saber: a maior parte dos adolescentes
julgados socialmente como autores de ato infracional são do sexo masculino, de raça
negra, com baixa escolaridade e baixa renda familiar, além de não possuírem
atendimento específico as suas mínimas necessidades. Na maioria dos casos, esse
quadro se complementa também com a desestruturação familiar desses adolescentes, já
que boa parte deles são considerados filhos de pais separados ou alcoólatras.
Todavia, os atos infracionais praticados por adolescentes, não somente são
cometidos por aqueles que estão em nível de pobreza; a situação atual dos adolescentes,
no que diz respeito ao ato infracional, alcança também os jovens da burguesia e de
classe média com alta escolaridade, embora para esses a penalidade do ato infracional
por eles cometidos seja mais branda, muitas vezes, nem existindo.
À respeito desse perfil, temos que a realidade circunstancial envolta dos
adolescentes que cometem atos infracionais, demonstra que os atos por eles praticados
nada mais são do que o produto da sociedade, a qual fazem parte. É sob essa perspectiva
que o profissional do serviço social deve procurar efetivar suas ações junto a esses
adolescentes na direção do atendimento humanizado aos mesmos.
É de suma importância elencar, que tais adolescentes estão expostos há vários
riscos sociais, a mercê da criminalidade, do provisório e do imediato, que podem trazer
uma série de problemas para seu futuro. Para tanto, a realidade dos adolescentes hoje no
Brasil, exigem respostas do Estado em todos seus aspectos e contextos. O Estado deve
assegurar a efetivação das políticas públicas e sociais em toda sua dimensão, que amplie
e aumente a política de atendimento socioeducativo em todo o território.
Na busca da visibilidade social desses adolescentes, os assistentes sociais junto
com as equipes multidisciplinares, buscam a consolidação de direitos desses indivíduos
em desenvolvimento. A saber: direito a aprendizagem, a reconstrução da realidade, e
principalmente direito a percepção de si mesmo como sujeito de possibilidades.
Simultaneamente a essa busca de direitos, os profissionais buscam preparar os
67
adolescentes para o retorno ao convívio social, a partir da construção de projetos de vida
que se desconectem de práticas delitivas58.
O profissional, fundamentado em uma visão do adolescente como um ser sócio
histórico, e levando em consideração uma perspectiva de trabalho, à luz do SINASE,
que envolva o próprio adolescente, sua família e a comunidade, busca desenvolver junto
ao adolescente o senso de autonomia e responsabilidade desse, a partir de suas próprias
concepções sócio históricas.
Voltando-se para a socioeducação como práxis pedagógica que objetiva a
preparação desses adolescentes para o convívio na comunidade, o assistente social, na
visão de Tissot (2009)59 busca compreender esse adolescente como “agente
transformador do mundo, autor e construtor da sua própria história, protagonista das
suas ações que pode perceber-se como sujeito de direitos, deveres e possibilidades. ”
Além disso, o serviço social - junto com a rede de atendimento, em contribuição
desses adolescentes, busca a articulação e o comprometimento das políticas
intersetoriais (como saúde, educação, cultura, assistência social, lazer, esporte,
segurança pública), reconhecendo a incompletude e a complementaridade entre os
mesmos, visando um atendimento que proporcione o desenvolvimento pessoal e social
dos adolescentes, e ainda, a efetivação deles no desenvolvimento de sua medida.
Ressalta-se assim que a intervenção profissional é pautada para a efetivação
continuada dos direitos sociais. Dessa maneira, o assistente social, ao intervir
diretamente com esses adolescentes, trabalhando entre outros aspectos, o exercício da
cidadania, contribuem para a construção de um novo projeto de vida nesses indivíduos.
58 Segundo o Dossiê sobre o caos no sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte “Apesar da atuação
do serviço social ir de encontro a defesa dos direitos desses adolescentes, a situação dos adolescentes no
sistema socioeducativo do RN continua extremamente precária, não fazendo justiça, inclusive, ao termo
socioeducação, visto que, em geral, não existem planejamentos ou atividades pedagógicas, as estruturas
físicas são precárias, falta preparação das equipes técnicas, e os adolescentes e seus familiares vivem
situações de violações de direitos, que vão desde a falta de acesso à educação, à saúde (inclusive com
graves questões de adoecimento mental) até a violação do direito à vida, visto que ocorrem,
frequentemente, mortes de adolescentes que se encontram em cumprimento de medidas e, portanto, sob a
responsabilidade do Estado.” 59 No contexto sócio-histórico em que vivemos, a visão ideológica de Tissot, torna-se quase impossível de
ser ralizada, embora não deva ser de maneira alguma, descartada.
68
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho procurou de maneira sucinta apresentar uma reflexão sobre o
trabalho do assistente social junto aos adolescentes que estão cumprindo as medidas
socioeducativas60 de IRS e IEE, bem como, a contribuição desses profissionais para os
adolescentes que se encontram em cumprimento dessas medidas restritivas e privativas
de liberdade. O mesmo, pretende ainda, contribuir com a discussão da temática,
principalmente em relação ao trabalho profissional no estado do RN, na medida em que
trata de informações sobre a dinâmica contemplada por este estado.
É fundamental mencionar que o assistente social inserido no espaço
socioeducativo tem seu fazer profissional previsto na legislação brasileira, constituindo
possibilidades concretas de tomada de consciência por parte dos sujeitos a que se
destinam. A presença do assistente social nesses espaços se constitui também em
esforços para a garantia e efetivação de direitos dos sujeitos atendidos.
É importante ressaltar, que mesmo em instituições que trabalham com a
perspectiva de execução de sanções – como é o caso, o trabalho profissional do
assistente social está, e deve sempre estar comprometido com os pressupostos do
Projeto Ético-Político profissional da categoria. Sendo a partir desse, que o profissional
passa a ocupar papel fundamental, na medida em que contribui para transformações de
valores que supõe a supressão de processos adversos as perspectivas de justiça social,
liberdade e de direito cidadão. Para isso, o assistente social necessita, além da
competência técnica, dispor também da competência ética e política, tornando possível
a resposta às demandas provenientes das múltiplas expressões da questão social -objeto
de trabalho do assistente social, tendo por base o Código de Ética e a Lei de
Regulamentação da profissão.
Dentro desse contexto, a práxis do Serviço social está orientada para a
possibilidade de ressocialização dos adolescentes, bem como, para a reinserção social
desses, compreendida em sua dimensão emancipatória - onde o indivíduo tem condições
de se tornar sujeito da própria história. Dessa maneira, é cada vez mais evidente a
necessidade de um profissional que considere o campo da subjetividade no
60 Entendendo que esse é um espaço de trabalho da categoria na contemporaneidade, sendo necessária
construção teórica sobre a temática.
69
enfrentamento da problemática da violência, investigando sua constituição, seu
desenvolvimento.
Trabalhar com as medidas socioeducativas é sem dúvida um grande desafio
social; contudo, os profissionais inseridos nesses espaços, conseguem, a partir do
cotidiano, desenvolver práticas interventivas que buscam possibilitar o resgate da
liberdade, vista como condição peculiar da humanidade. É, pois, nesse sentido, que os
assistentes sociais atuam, visando - ainda que ideologicamente, preparar o adolescente
para seu retorno ao convívio social, e para o resgate dos valores sócio familiares.
O Serviço Social pode atrelar contribuições importantes que caminhem na
direção da humanização do atendimento aos adolescentes, possibilitando a reinserção
destes na sociedade e colaborando para que haja uma diminuição de reincidência dos
mesmos à medida. Além disso, a humanização do atendimento também pode contribuir
para que o jovem compreenda os referenciais institucionais, entendendo que esses
podem garantir a cidadania e o desenvolvimento pleno dos mesmos (adolescentes).
É nesse sentido que os profissionais do serviço social devem promover a
reintegração social (dimensão emancipatória) do adolescente em cumprimento das
medidas socioeducativas, corresponsabilizando-o quanto às consequências lesivas do
ato infracional cometido pelo mesmo, bem como pelo cumprimento da medida imposta.
Nesse mesmo viés, o assistente social deve estimular, nesses adolescentes, a sua
autonomia, gerando uma reflexão por meio da construção do plano individual de
atendimento; e possibilitando o acesso a oportunidades que o permita superar essa
condição, tendo como eixos a proteção integral, a garantia de direitos, o exercício da
cidadania e a brevidade da medida.
Embora se saiba que são muitas as variáveis com as quais se necessita lidar no
trato com medidas socioeducativas e sua implementação, destaca-se como indispensável
a interação entre os diversos atores sociais, no intuito de garantir condições essenciais
para o desenvolvimento do adolescente, tais como o debate e a participação ativa nos
espaços e aparelhos sociais (como escolas, igrejas, associações estudantis e de
moradores, unidades de saúde), na construção da rede de assistência e no seu próprio
processo de (re)inserção social.
Dessa maneira, é valido afirmar que a privação e restrição de liberdade (medida
socioeducativa de IEE e IRS), só terá eficácia, se for apenas um meio para conduzir os
70
adolescentes que se encontram em conflitos com a lei a uma vida social comum, de
forma ressocializada.
No que se refere à relação entre o Serviço Social e a Política de Atendimento
Socioeducativo, a inserção e intervenção profissional do assistente social deve pautar-
se, sobretudo, na perspectiva de defesa e garantia dos direitos humanos, tendo sempre
em vista o caráter de universalidade, integralidade, interdependência e indivisibilidade
de direitos de proteção integral e materialização das políticas públicas e sociais,
mediante a articulação e intersetorialidade destas políticas. Freitas (2001, p.43) afirma:
“Ao assistente social cabe assim a busca por construir com o sujeito um atendimento
orientado pela perspectiva do direito”.
Assim ao buscar entender as conexões existentes entre a questão social e os
adolescentes submetidos as medidas socioeducativas, o profissional do serviço social
consegue identificar as violações que cercam o cotidiano desses adolescentes como
forma de mediação com o mundo contemporâneo que os oprimem; uma vez que há um
conjunto de violências visíveis e simbólicas que perpassam a vida dos adolescentes e
que estão imbricadas, historicamente, com o surgimento da “questão social”.
Portanto, falar em direitos humanos e dignidade da pessoa humana requer
analisar a configuração desses direitos na sociedade capitalista moderna. Dessa forma, a
efetivação da Lei do SINASE não consegue se consolidar diante da atual conjuntura, o
que requer maiores reflexões sobre o processo de elaboração, execução e
monitoramento das políticas sociais, em especial, da socioeducação.
Apesar de sabermos que nenhuma profissão, ou projeto profissional, seja capaz
de dar conta das alternativas viabilizadoras da emancipação humana; precisamos
considerar que o projeto profissional do serviço social tem a sua finalidade apontada na
perspectiva da justiça social e da superação de uma lógica conservadora de ideologia
neoliberal que impossibilita o alcance dessa justiça social, visando assim, uma
sociedade emancipada e esclarecida ideologicamente, livre de crenças e ignorância, ou
seja sem influência de preconceitos.
Embora o assistente social, tenha sua prática (como já fora mencionado)
orientada a garantia de direitos, na perspectiva da emancipação humana e; no espaço
socioeducacional, sua prática vise a possibilidade de ressocialização, é primordial para a
efetivação da garantia de direitos e inclusão social desses adolescentes envolvidos em
71
atos infracionais, que os municípios elaborem o Plano Municipal de Atendimento
Socioeducativo definindo objetivos e as ações que irão nortear a Gestão da Política de
Atendimento Socioeducativo61; além de se fazer necessário também a intensificação das
lutas coletivas nos diversos espaços de organização, e a participação da sociedade civil e
governamental, os quais são componentes indispensáveis na defesa e na garantia dos
direitos humanos.
Por fim é importante salientar que as medidas socioeducativas apesar de serem
importantes - para o adolescente que cometeu ato infracional e para a sociedade - e
admiráveis, não combatem a essência do ato infracional, que possui raiz nas
contradições capital x trabalho (relação por natureza, conflituosa). Isso porque existem
problemas de duas ordens: a dificuldade operacional derivada da frágil articulação da
rede de serviços do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente na
perspectiva das políticas públicas; e a ausência de objetivação das condições
sócioestruturais para o enfrentamento dessa questão a partir do processo de produção e
reprodução social, imposto pelo capitalismo.
Assim, não podemos dissociá-las das análises conjuntas desses determinantes e
do contexto da crise do capitalismo, cujas estratégias de superação concentram-se no
neoliberalismo, na globalização, e na reestruturação produtiva, redefinindo, assim, o
papel do Estado, principalmente para com as políticas de caráter sociais, ou seja, as
próprias Políticas Sociais. Nesse viés, pensar em direitos humanos, assim como, em
dignidade da pessoa humana, requer uma análise completa da configuração desses
direitos na atual sociedade capitalista, o que se traduz como um enorme desafio aos
profissionais das áreas sociais, incluindo aqui de maneira especial, os assistentes
sociais.
61 Conforme o ECA nos incisos I e III do art. 88 quanto as diretrizes da Política de Atendimento a
crianças e adolescentes, a municipalização e descentralização político-administrativa dos serviços
ofertados devem observar a realidade de cada município. Portanto, busca-se a articulação e
comprometimento das políticas intersetoriais (como Saúde, Educação, Assistência Social, Esporte,
Cultura, Lazer, Segurança Pública), reconhecendo-se a incompletude e a complementaridade entre eles
visando assegurar um atendimento que promova o desenvolvimento pessoal e social dos adolescentes, e
ainda, a efetiva participação deles no desenvolvimento de sua medida.
72
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19 de abril de 2017.
SILVA, J. F. S. da. Serviço Social e violência estrutural: notas introdutórias.
Serviço social & Realidade, Franca, v.15, 2006. p. 159-174.
SILVA, Nívia Carla Ricardo da. Do Código de Menores ao ECA: Um Perfil de
Atenção Sócio-institucional ao Adolescente Autor de Ato Infracional. In: Em Pauta.
Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. nº 11. Dez/1997.
TISSOT, Larissa Marsolik. O Serviço social e a Prática Socioeducativa. In: IV
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VERONESE, Josiane Rose Petry; CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do
Adolescente: Para Concurso de Juiz do Trabalho. 1.ed. São Paulo: Edipro
Concursos, 2011.
VERONESE, Josiane Rose Petry; Lima, Fernanda da Silva. O Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo: breves considerações. In: Rev. Bras. Adolescência e
Conflitualidade, Florianópolis 1(1): 29-46, 2009
VOLPI, Mário. O adolescente e o ato infracional. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
VOLPI, Mario (org). O Adolescente e o Ato Infracional. 7ed. São Paulo: Cortez, 2008
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6 ANEXOS
6.1 – (ANEXO 1)
Principais Atividades da FUNDAC/RN62
• Planejar e executar as Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e Internação, bem
como o Atendimento Inicial e a Internação Provisória do adolescente em conflito com a
lei;
• Atender de forma integral o adolescente, sob nossa responsabilidade, na perspectiva do
exercício da cidadania e da sua inclusão sociofamiliar e comunitária, de acordo com os
dispositivos legais e parâmetros voltados à defesa e garantia dos direitos fundamentais;
• Fortalecer o núcleo familiar nas suas funções de sobrevivência, de provisão de afeto e
de cidadania, com vistas à convivência familiar e comunitária da criança e do
adolescente atendidos na FUNDAC;
• Articular e desenvolver ações de apoio à política estadual e municipal de atendimento
ao adolescente, em convergência com o público alvo da Instituição;
• Promover e apoiar a formação e o aperfeiçoamento de recursos humanos específicos ao
atendimento ao adolescente em conflito com a lei;
• Promover ações articuladas com órgãos públicos das esferas federal, estadual e
municipal e com instituições da sociedade civil que atuam na área de promoção,
proteção e defesa dos direitos do adolescente para o cumprimento de sua finalidade;
• Desenvolver estudos e pesquisas, bem como promover cursos e seminários sobre o
atendimento, a promoção, a proteção e a defesa dos direitos do adolescente com autoria
de ato infracional.
62Fundação Estadual da Criança e do Adolescente. Rio Grande do Norte. Instituição – Áreas de
Atuação. Disponível em:
http://www.portal.rn.gov.br/content/aplicacao/fundac/instituicao/gerados/area.asp.
Ou ainda em: http://www.fundac.rn.gov.br (área de atuação) acesso em 18 de Abril de 2017.
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6.2 – (ANEXO 2)
Governo do Estado do Rio Grande do Norte Secretaria de Estado do Trabalho, da
Habitação e da Assistência Social - SETHAS Fundação Estadual da Criança e do
Adolescente - FUNDAC/RN PRESIDÊNCIA. PORTARIA Nº 270/15-GP Natal, 17 de
julho de 2015. Ricardo de Sousa Cabral Diretor Presidente Interventor Judicial IN:
http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/fundac/DOC/DOC000000000083488.PDF
PORTARIA Nº 270/15-GP Natal, 17 de julho de 2015.
Seção II Das Medidas Socioeducativas
Art.4º - A medida socioeducativa tem natureza sancionatória e conteúdo
prevalentemente pedagógico.
Art. 5º - Constituem medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e
do Adolescente, executadas pela FUNDAC:
I. Regime de semiliberdade;
II. Internação
IV. § 1º - O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início,
ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de
atividades externas prioritariamente, independentemente de autorização judicial,
conforme art. 120 do ECA.
V. § 2º - A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do
socioeducando, como pessoa em desenvolvimento conforme art. 122 do ECA.
VI. § 3º - A internação provisória, antes da sentença pode ser determinada
pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias, conforme art. 108 do ECA.
Art. 6º - A FUNDAC, excepcionalmente, poderá realizar o atendimento inicial
ao adolescente, previsto no artigo 175, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim
de permitir o acolhimento, enquanto se aguarda a apresentação ao representante do
Ministério Público, em local apropriado à sua condição.
Art. 7º - A internação provisória e o atendimento inicial, para os fins deste
Regimento Interno, regem-se pelos princípios da internação.
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Seção III Das Unidades de Atendimento
Art. 8º - São unidades de atendimento da FUNDAC/RN:
I. CIADs Centros Integrados de Atendimento ao Adolescente Acusado de Autoria
de Ato Infracional (Atendimento inicial e Internação Provisória), conforme
previstos nos artigos 175 e 108 da Lei nº 8.069/90.
II. II. CEDUCs DE INTERNAÇÃO – Centros Educacionais – Atendimento ao
adolescente sentenciado a medida socioeducativa de internação, conforme
previsto nos artigos 122 da Lei nº 8.069/90.
III. III. CEDUCs DE SEMILIBERDADE – Atendimento ao adolescente
sentenciado a medida socioeducativa de semiliberdade, conforme previsto nos
artigos 120 da Lei nº 8.069/90.
Art. 9º - As unidades de atendimento terão sua capacidade e características
definidas em Portaria, que especificará a medida socioeducativa executada, conforme
sexo e faixa etária dos adolescentes de 12 a 18 anos e excepcionalmente até 21 anos
incompletos.
Art. 10 - Caberá a cada unidade de atendimento apresentar, anualmente, o
projeto político pedagógico, tendo como referencia o projeto político pedagógico
institucional, que englobará todos os aspectos do trabalho a ser desenvolvido na
execução da medida socioeducativa, de âmbito técnico e administrativo, a partir do
levantamento das necessidades do socioeducando e sua família, das especificidades
regionais e das características definidas para atendimento da unidade.
Subseção V Dos Serviços Técnicos Especializados
Dos Serviços do Assistente Social
Art. 31 – A atuação do Assistente social deverá considerar a especificidade de
cada uma das situações em internação provisória, Internação, ou em regime de
Semiliberdade, e o profissional que exercer suas funções nessa área deverá respeitar e
conhecer a existência de normativas nacionais – ECA, SINASE –, internacionais e do
Código de Ética profissional do assistente social, reguladores de sua atuação.
Art. 32 – Compete ao Assistente Social:
I. Planejar a organização do trabalho do próprio setor de Serviço Social e
participar da elaboração do projeto pedagógico da unidade.
II. II. Elaboração do parecer social, que comporá, com os estudos dos demais
profissionais, o relatório técnico a ser encaminhado ao Poder Judiciário.
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III. III. Articular os recursos da comunidade para a formação da rede de apoio,
visando à inclusão social dos socioeducandos e suas famílias, conforme
necessidades detectadas;
IV. IV. Favorecer os encaminhamentos para aquisição da documentação pessoal
dos socioeducandos;
V. V. Realizar visitas domiciliares com o objetivo de subsidiar o acompanhamento
social
VI. VI. Realizar atividades com os socioeducandos e seus familiares com o objetivo
de fortalecer os vínculos familiares;
VII. VII. Viabilizar e realizar contatos com as famílias dos socioeducandos de outras
comarcas, conforme a necessidade;
VIII. VIII. Proceder acompanhamento familiar através de atividades de orientação
individual e grupal acerca da situação processual de cada socioeducando,
acolhimento, desligamento, normas institucionais e encaminhamentos a
serviços públicos;
IX. IX. Elaborar anualmente, relatório específico sobre atuação do Serviço Social,
enfatizando os resultados obtidos, dificuldades enfrentadas e perspectivas.
Subseção II Dos Horários Internos da Unidade
Despertar Despertar – 06:30 às 07:30h (Higiene Pessoal / Limpeza dos
Alojamentos)
Saída dos alojamentos. Manhã – 07:30h Tarde – 14:00h
Atividades Pedagógicas e Atendimentos Especializados. Manhã – 08:00 as
11:00h Tarde – 14:00 as 16:30h
Do Recolhimento. Tarde – Após o almoço – 12:30h Noite – 22:00h
Das Refeições: Café da Manhã – 07:30 às 08:00h Almoço - 12:00 às 12:30h
Lanche - 15:30h Jantar - 18:00 às 18:30h Lanche - 21:00h
TV e Vídeo, Jogos, Som. Noite das 18:30 às 22:00h
Seção V Da Assistência Social
Art. 84 - A assistência social garantirá o acesso e a inclusão do socioeducando
nos programas, bens e serviços da rede sócio-assistencial em consonância com a LOAS
e GOAS, promovendo o fortalecimento da cidadania, por meio da convivência familiar
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e comunitária, proporcionando, dentre outros, observado as diretrizes da política de
convivência familiar e comunitária em todas as esferas governamentais:
I. Acompanhamento sistemático e contínuo do socioeducando e sua família
durante o cumprimento da medida socioeducativa;
II. Orientação, encaminhamento e acompanhamento dos procedimentos oficiais
para obtenção dos documentos pessoais;
III. Integração e acesso às assistências básicas e especializadas, definidas neste
Regimento Interno, por meio da rede sócio-assistencial;
IV. Acesso à previdência social e programas de transferência de renda básica.
[...]