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Bruno Guimarães de Miranda O chamado de Jesus ao rico notável Comentário exegético de Lc 18,18-23 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teologia. Orientador: Prof. José Otacio Oliveira Guedes Rio de Janeiro março de 2017

Bruno Guimarães de Miranda O chamado de Jesus ao rico notável · características e o tema do discipulado em Lucas. ... final a questão do discipulado, bem de acordo com o tema

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  • Bruno Guimares de Miranda

    O chamado de Jesus ao rico notvel Comentrio exegtico de Lc 18,18-23

    Dissertao de Mestrado

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao

    em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para

    obteno do grau de Mestre em Teologia.

    Orientador: Prof. Jos Otacio Oliveira Guedes

    Rio de Janeiro

    maro de 2017

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1512069/CA

  • Bruno Guimares de Miranda

    O chamado de Jesus ao rico notvel. Comentrio exegtico de Lc 18,18-23

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno

    do grau de Mestre pelo Programa de Ps-graduao em

    Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia

    e Cincias Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comisso

    Examinadora abaixo assinada.

    Prof. Jos Otacio Oliveira Guedes

    Orientador

    Departamento de Teologia PUC-Rio

    Prof. Waldecir Gonzaga

    Departamento de Teologia PUC-Rio

    Prof. Tomson Michael Aerathedathu

    IFTSJ

    Prof. Monah Winograd

    Coordenadora Setorial de Ps-graduao e Pesquisa do

    Centro de Teologia e Cincias Humanas PUC-Rio

    Rio de Janeiro, 07 de maro de 2017.

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  • Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou

    parcial do trabalho sem autorizao da universidade, do autor e

    do orientador.

    Bruno Guimares de Miranda

    Graduou-se em Teologia pela PUC-Rio em 2013. Lecionou as

    disciplinas Escatologia e Grego I e II no IFTSJ Instituto de

    Filosofia e Teologia do Seminrio So Jos, em Niteri.

    Atualmente leciona as disciplinas Sinticos e Atos e Grego I no

    mesmo Instituto.

    Ficha Catalogrfica

    CDD: 200

    Miranda, Bruno Guimares de O chamado de Jesus ao rico notvel :comentrio

    exegtico de Lc 18,18-23 / Bruno Guimares de Miranda ; orientador: Jos Otacio Oliveira Guedes. 2017.

    99 f. ;30 cm Dissertao (mestrado)Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Teologia, 2017. Inclui bibliografia 1. Teologia Teses. 2. Rico notvel. 3. Chamado de

    Jesus. 4. Vocao. 5. Discipulado. 6. Seguimento de Cristo. I. Guedes, Jos Otacio Oliveira. II. Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Ttulo.

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  • Agradecimentos

    Aos meus pais, Jos Luis e Zelia, pelo amor que sempre me dedicaram e pela

    confiana que me inspiraram na busca por meus objetivos.

    A Dom Jos Francisco Rezende Dias, arcebispo de Niteri, pelo apoio que me deu

    para que eu pudesse prosseguir meus estudos.

    Ao prof. Dr. Pe. Jos Otacio Oliveira Guedes, meu orientador e amigo, pela ajuda

    preciosa e inestimvel, muito alm do mbito acadmico.

    Aos demais professores do Departamento de Teologia da PUC-Rio, pela acolhida

    e pelo denso aprendizado que me proporcionaram.

    Aos colegas do programa de Ps-graduao, com quem tambm aprendi muito,

    pelo convvio fraterno e f partilhada.

    Aos funcionrios da secretaria do Departamento de Teologia da PUC e da

    biblioteca da PUC, pela dedicao e pacincia em todos os momentos.

    CAPES e PUC-Rio, pelos auxlios financeiros sem os quais esta pesquisa se

    tornaria invivel.

    Aos paroquianos da Parquia Nossa Senhora das Neves, em So Gonalo, pela

    compreenso diante de minhas ausncias, necessrias para a dedicao ao estudo.

    Por fim, aos amigos que de inmeras maneiras me estimularam a cumprir esta

    meta.

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  • Resumo

    Miranda, Bruno Guimares de; Guedes, Jos Otacio Oliveira. O chamado

    de Jesus ao rico notvel. Comentrio exegtico de Lc 18,18-23. Rio de

    Janeiro, 2017. 99 p. Dissertao de Mestrado Departamento de Teologia,

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    Esta pesquisa buscou analisar o chamado de Jesus ao rico notvel, conforme

    o relato do Evangelho segundo Lucas, e perceber em que medida tal convite no

    se destina somente ao personagem em questo, mas pode ser estendido a todos

    aqueles que se aproximem de Jesus reconhecendo nele o caminho para a vida

    eterna. Concluiu-se que o ncleo do chamado no o cumprimento dos

    mandamentos e nem mesmo a distribuio dos bens aos pobres, mas o seguimento

    de Jesus. Como decorrncia, esta adeso a Cristo se traduz na acolhida da vida

    eterna como graa, e no conquista pessoal; alm disso, aquele que acolhe tal

    chamado incorporado Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus. Em

    oposio frustrante hesitao do rico notvel, outros casos de vocao e

    discipulado em Lc e At mostram como a acolhida do chamado de Jesus era

    possvel, e seria fonte de alegria duradoura. A pesquisa combinou o mtodo

    histrico-crtico com mtodos de carter sincrnico, como a anlise retrica.

    Palavras-chave

    Rico notvel; chamado de Jesus; vocao; discipulado; seguimento de

    Cristo.

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  • Abstract

    Miranda, Bruno Guimares de; Guedes, Jos Otacio Oliveira (Advisor). The

    call of Jesus to the rich young ruler: an exegetical commentary of Lc

    18,18-23. Rio de Janeiro, 2017. 99 p. Dissertao de Mestrado

    Departamento de Teologia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de

    Janeiro.

    This survey sought to analyze the call of Jesus to the rich young ruler, as

    narrated in the Gospel according to Luke, and realize to what extent such an invite

    is not destinated only to the character in case, but can be extended to all those who

    approach Jesus recognizing in him the path to eternal life. It was concluded that

    the center of the call is not the accomplishment of the Commandments, and not

    even the distribution of the goods to the poor, but the follow of Jesus. As a

    consequence, this adhesion to Christ signifies the reception of eternal life as grace,

    and not as self achievement; besides, the one who accepts such call is

    incorporated to the church, the community of Jesus followers. In opposition to

    the frustrating hesitation of the rich young ruler, other cases of vocation and

    discipleship in Luke and Acts show how the acceptance of the call of Jesus was

    possible, and would be a source of lasting joy. The survey combined the

    historical-critical method with synchronic character methods, such as the

    rhetorical analysis.

    Keywords

    Rich young ruler; call of Jesus; vocation; discipleship; follow of Christ.

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  • Sumrio

    1. Introduo

    2. Questes preliminares

    2.1. O autor

    2.2. Destinatrios

    2.3. A obra lucana

    2.4. Caractersticas de Lc e At

    2.5. O discipulado em Lucas

    3. A percope de Lc 18,18-23

    3.1. Opes de traduo

    3.2. Delimitao

    3.3. Contexto imediato

    3.4. Anlise semntica

    3.4.1. Vida eterna

    3.4.2. Mandamentos

    3.5. Gnero literrio, dinmica do texto e sinopse

    3.5.1. Gnero literrio

    3.5.2. Dinmica do texto

    3.5.3. Sinopse

    4. Comentrio exegtico

    4.1. Algum importante pergunta

    4.2. Que fazer para herdar a vida eterna

    4.3. Ningum bom seno o Deus nico

    4.4. Fiel desde a juventude

    4.5. Distribui teus bens aos pobres e segue-me

    4.6. Um desfecho frustrante

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  • 5. Reflexes teolgicas

    5.1. Um chamado possvel

    5.2. Um exemplo de generosidade

    5.3. Respostas diferentes

    5.4. Alguns desdobramentos

    6. Concluso

    7. Referncias Bibliogrficas

    7.1. Bibliografia bsica

    7.2. Bibliografia secundria

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  • 1

    Introduo

    Esta dissertao tem como objeto material a percope de Lc 18,18-23,

    conhecida como a passagem do rico notvel, ou tambm do jovem rico. O objeto

    formal , no mbito da Teologia Bblica, a exegese do chamado de Jesus ao

    personagem para o seu seguimento sem reservas, bem como do frustrante

    desfecho.

    Como objetivo principal, pretendemos analisar o chamado de Jesus ao

    personagem em questo, e mostrar como a resposta ou o caminho proposto por

    Jesus para a vida eterna no so propriamente os mandamentos, mas o seu

    seguimento, a adeso ao seu Evangelho. Sustentamos que a percope no sugere

    dois nveis de doao, um genrico com os mandamentos e outro com a venda dos

    bens, que seria especfico para alguns.

    A partir dessas reflexes, poderemos avaliar em que medida a palavra de

    Jesus ao rico notvel constitui um chamado pessoal especfico, ou pode ser

    estendido, como modelo de discipulado, a qualquer outra pessoa que se aproxime

    de Jesus vendo nele a chave para a vida eterna. Destaca-se assim a temtica da

    vocao, considerando-se que Cristo chama a todos ao discipulado.Pretendemos

    analisar como esse chamado da parte de Cristo, quais suas caractersticas, e qual

    o perfil daquele que responde positivamente.

    Assim, o propsito deste trabalho refletir sobre a proposta de Jesus

    generosidade de um homem que se aproxima em busca do ideal mais nobre,

    alcanar a vida eterna. Nosso intento mostrar que no dilogo Jesus no

    necessariamente apresenta um caminho simples e j percorrido pela tradio de

    Israel, a saber, a Lei de Moiss. H na percope elementos suficientes para

    sustentar que, na verdade, as palavras de Jesus no so uma mera repetio do que

    diziam os rabinos, mas soam como uma provocao, insinuam algo novo e

    superior, de acordo com a percepo que as primeiras comunidades tm do

    mistrio de Cristo e da vida nova que ele traz, com seu mandamento novo e o

    chamado ao seu seguimento.

    Como objetivos anexos a este, queremos demonstrar: a) que esta adeso a

    Cristo comporta a acolhida da vida eterna como graa, e no como conquista

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  • 10

    pessoal pelas prprias obras, e como esta doutrina subjaz percope em questo;

    b) que tal adeso supe o ingresso na comunidade dos fiis, na nova famlia

    fundada por Cristo, e que estes seriam justamente os pobres a serem favorecidos

    pela generosidade proposta por Jesus ao rico notvel; c) que uma resposta

    favorvel era possvel e seria fonte de profunda e duradoura alegria, como sempre

    experimentaram os discpulos desde as primeiras comunidades crists. Assim

    veremos que o chamado de Jesus ao rico notvel no era um ideal inatingvel, mas

    poderia sim ser correspondido.

    Aps a introduo, o segundo captulo tratar das questes preliminares,

    sobre o autor e destinatrios do Evangelho de Lucas, a obra lucana e suas

    caractersticas e o tema do discipulado em Lucas.

    No terceiro captulo ser feita uma anlise da percope, com opes de

    traduo, delimitao, contexto imediato e anlise semntica dos conceitos

    principais da percope, nomeadamente os de vida eterna e mandamentos. Este

    terceiro captulo abordar ainda o gnero literrio, a dinmica dos textos a partir

    dos lxicos e uma sinopse.

    O quarto captulo ser dedicado ao comentrio exegtico propriamente dito.

    Nele procuraremos tratar especificamente de cada aspecto que compe o relato do

    dilogo entre Jesus e o rico notvel.

    O quinto captulo apresentar algumas reflexes teolgicas, a partir da

    exegese desenvolvida. Nestas reflexes a comparao com outros casos de

    vocao mostrar como a resposta favorvel era possvel e seria fonte de alegria e

    comunho com Jesus e com a Igreja, como foi o caso dos apstolos Pedro e

    Andr, Tiago e Joo, Paulo e Barnab. No sexto captulo, ser feita a concluso,

    com base nos objetivos apresentados na introduo.

    Aplicaremos percope o mtodo histrico-crtico. Pretendemos tambm

    fazer uso dos aportes de outros mtodos, de carter mais sincrnico, tais como a

    anlise retrica. A partir da, apresentaremos as reflexes bblico-teolgicas

    extradas dessa metodologia.

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  • 2

    Questes preliminares

    No presente captulo, antes ainda de entrar no estudo especfico da percope

    do rico notvel, sero analisadas algumas caractersticas prprias de Lucas, e ao

    final a questo do discipulado, bem de acordo com o tema desta pesquisa.

    2.1

    O autor

    De acordo com o prprio prlogo do Evangelho (Lc 1,2), Lucas no foi

    testemunha ocular do ministrio de Jesus, mas depende dos que o foram

    diretamente; deve ter sido um cristo da segunda ou terceira gerao.1

    Provavelmente no era judeu de nascimento, pois em At 15,10 ele considera

    a Lei um jugo intolervel; ademais, os tementes a Deus captam a sua ateno,2

    como o centurio que construiu a sinagoga (cf. Lc 7,5), ou aqueles de toda e

    qualquer nao citados por Pedro em seu discurso (cf. At 10,35). V-se tambm

    que dificilmente pode ser considerado nativo da Palestina: Seu escasso

    conhecimento da geografia e dos costumes locais uma clara prova de sua origem

    estrangeira.3 Sua provenincia da gentilidade se constata tambm pela ausncia

    das diversas polmicas de Jesus contra a compreenso farisaica da Lei.4

    No se deve subestimar sua caracterstica de historiador; trata-se de algum

    que investigou minuciosamente os fatos antes de escrever, e assim produziu uma

    obra de qualidade formal e solidez.5 Diferentemente dos demais evangelistas, o

    autor se expressa pessoalmente no prlogo do Evangelho (a mim pareceu), e

    1 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 71. 2 Cf. F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO (Ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; p. 219. 3 J. A. FITZMYER. Loc. cit. 4 Cf. W. KMMEL. Introduo ao Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1982; pp. 186-187. 5 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 287.

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  • 12

    sob um ns nos Atos, mas guarda o anonimato, distinguindo-se assim de Paulo

    em suas cartas ou do autor do Apocalipse.6

    Sabemos sobre Lucas que era um missionrio das primeiras comunidades

    crists, talvez companheiro de Paulo em algumas de suas viagens. J desde os

    primeiros sculos Irineu, por exemplo, sustenta que Lucas sempre esteve em sua

    companhia e era inseparvel de Paulo.7 Neste sentido se expressa Bovon:

    No devemos situar nosso autor acomodado em um gabinete de trabalho, nem no lugar de

    um bispo encarregado de uma comunidade local. Antes, Lucas nos aparece como um

    missionrio itinerante. Ele se interessa pela fundao da comunidade, no por sua

    edificao. Batizados os primeiros convertidos, ele parte para novas conquistas. Seu olhar

    no o de um diretor de conscincias nem de um pastor em sua parquia, mas de um

    missionrio mesmo, um companheiro de viagens de Paulo. Lc um paulinista, mas que

    deseja a unidade com os Doze.8

    No entanto, preciso reconhecer que, apesar de ter sido sim um importante

    colaborador de Paulo, os relatos deixam claro que tal associao no foi

    inseparvel.9 Ademais, as diferenas entre a teologia de Paulo e o paulinismo de

    Lucas so inegveis.10

    E ainda, Lucas no conhece as cartas, e das sees-ns

    somente se pode deduzir que o acompanhou em alguns momentos.11

    Alguns vo

    alm, e sustentam ser evidente que Lucas no est familiarizado com a teologia

    paulina, o que salta aos olhos na concepo a respeito da morte de Jesus, sem

    qualquer referncia noo de uma morte expiatria.12

    Lucas desponta como um homem da segunda13

    ou terceira14

    gerao da

    tradio crist, e tem o propsito de basear-se na tradio da primeira gerao

    crist, por ele examinada, para construir, a partir dos acontecimentos colhidos,

    uma obra com pretenso literria.15

    6 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles.Madrid: Cristiandad, 1982; p. 214. 7 IRINEU. Adversus Haeresis. 3.14. Apud J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas:

    Introduccin General. Madrid: Cristiandad, 1986; p. 75. 8 F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO (Ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; pp. 218-219. 9 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 92. 10 Ibidem. 11 R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5 ed.

    So Paulo: Ave-Maria, 2012; p. 333. 12 Cf. W. KMMEL. Introduo ao Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1982; pp. 185-186. 13 Cf. R. FABRIS; B. MAGGIONI. Os Evangelhos II. 4 Ed. So Paulo: Loyola, 2006; p. 11. 14 Cf. W. KMMEL. Op. cit.; p. 158. 15 Ibidem.

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  • 13

    Ainda que, segundo o prlogo, Lucas tenha investigado as fontes e

    testemunhas oculares, ele no um simples compilador de dados, e se no pode

    ser considerado um historiador no sentido moderno da palavra, trata-se

    inegavelmente de um grande artista literrio do seu tempo.16

    2.2

    Destinatrios

    Os dois livros de Lucas vo dedicados a um certo personagem chamado

    Tefilo, do qual pouco ou nada sabemos alm do nome. Especula-se que possa ter

    sido um patrocinador da produo e difuso do texto, o que poca exigia muitos

    recursos.17

    Seja o caso ou no, esta dedicatria uma conveno literria,18

    mais

    que a descrio do destinatrio. Na verdade, Lucas espera ter inmeros leitores. A

    convico universalista a respeito do cristianismo, to prpria de Lucas, faz com

    que o alcance de sua obra seja extremamente amplo.19

    Ao que tudo indica, Lucas desejava com a sua obra alcanar um pblico

    variado, e familiariz-los com a f crist. E queria tambm confirmar as

    convices dos fiis.20

    De fato, conforme o prlogo inicial (Lc 1,4), Lucas-Atos

    destinado aos crentes que j receberam uma formao na f.21

    A obra lucana se

    apia em tradies e fontes de dentro da Igreja, e sugere um cristianismo com dois

    plos, com cristos procedentes do judasmo e do paganismo.22

    E sua simpatia

    pelos tementes a Deus constitui sem dvidas uma mostra de sua preocupao

    missionria.23

    16 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p.160. 17 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 214. 18 Idem; p. 278. 19 Ibidem. 20 Cf. F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO (Ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; p. 203. 21 R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5 ed.

    So Paulo: Ave-Maria, 2012; p. 336. 22 Cf. F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO (Ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; pp. 203. 23 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 278.

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  • 14

    A opinio mais aceita atualmente supe um pblico cristo proveniente em

    sua maioria do paganismo. Uma das razes seria o ntido interesse do autor de

    abrir aos pagos a salvao prometida a Israel no Antigo Testamento.24

    Essa

    perspectiva tambm explica a eliminao de certos materiais de suas fontes, Mc

    ou Q, de preocupao tipicamente judaica.25

    Alm disso, Lucas estende a

    genealogia de Jesus at Ado, indo alm dos limites de Mateus, que comea por

    Abrao. E a utilizao do termo genrico Judeia para abarcar toda a Palestina

    sugere que o autor escrevia para um pblico no propriamente daquela regio.26

    Tambm o livro dos Atos dos Apstolos estava destinado a leitores

    provenientes do paganismo. Na obra, fica claro que os pagos tomaram parte nos

    dons concedidos a Israel, ou seja, a salvao enviada em primeiro lugar ao povo

    israelita reconstitudo se estendeu, por desgnio de Deus, a todos os povos e sem

    as obrigaes prescritas na Lei. Assim o autor explica a relao entre os cristos

    vindos do paganismo, destinatrios de sua obra, e o antigo Israel.27

    Vale ressaltar

    ainda que esses cristos provenientes do paganismo, destinatrios da obra lucana,

    no viviam em ambiente predominantemente judaico; antes, eram convertidos que

    se encontravam em meio predominantemente pago.28

    Assim, no seria inadequado ampliar o alcance dos destinatrios da obra

    lucana, estendendo-os s sucessivas geraes nas diversas naes s quais

    chegaria o Evangelho. Desde as narrativas da infncia, j o profeta Simeo

    anuncia que o menino seria luz para iluminar as naes (2,32); e os

    antepassados de Jesus, como visto, remontam a Ado, o qual filho de Deus

    (3,38); esses antepassados, portanto, no param em Abrao como que diante de

    uma porta fechada, uma barreira ou um limite intransponvel, progenitor de um

    povo e de uma raa privilegiada.29

    Ao final, o mandato de Cristo aos apstolos

    24 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p.108. 25 Ibidem. 26 Idem; p. 109. 27 Idem; p. 110. 28 Idem; p. 111. 29 A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Comentrio ao Evangelho de So Lucas. Petrpolis:

    Vozes, 1979; p. 19.

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  • 15

    tambm confirma tal universalismo, j que em seu nome (de Cristo) seria pregado

    o arrependimento para a remisso dos pecados a todas as naes (24,47).30

    Se verdade que o Evangelho de Lucas estende a salvao de Cristo a todos

    os povos e naes, e de maneira total, pois cobre todas as necessidades do

    homem,31

    tambm verdade que h os destinatrios privilegiados, a saber, os

    pecadores, os pobres, as mulheres e os samaritanos. E esta inverso da lgica,

    nota marcante dos textos lucanos, fonte de alegria para os at ento excludos,

    que em Cristo encontram finalmente acolhida da parte de Deus.32

    Sobre o tema,

    assim se expressam Monasterio e Carmona:

    A salvao de Jesus, nico Salvador, total, porque salva tudo, inclusive do pecado e da

    morte, onde no chega a salvao humana, e salva a todos, universal, mas os

    marginalizados da salvao humana so os privilegiados, especialmente os pobres-

    miserveis e os pecadores.33

    O Evangelho mostra Jesus indo ao encontro dos pecadores (cf. 19,7),

    comendo com eles (cf. 5,29-31), perdoando-os (cf. 7,48-50), a fim de resgat-los

    segundo a misericrdia do Pai; a converso deles traz grande alegria ao cu (cf.

    15,7).34

    De fato, se o Evangelho se estende a todos os homens, ser

    necessariamente um anncio de misericrdia e de acolhida sem restries aos que

    o acolhem. E por isso mesmo os pecadores so os primeiros e principais

    beneficirios desse anncio. Dir-se-ia at que so uns privilegiados em

    comparao com os justos, e o so com certeza se comparados com aqueles que

    presumem ser justos (16,15; 18,13).35

    Quanto aos pobres, no exagero qualificar o evangelho de Lucas como o

    evangelho dos pobres.36

    So destinatrios privilegiados do Evangelho tanto os

    miserveis e famintos (cf. 6,21; 14,13.21), por causa da lei de compensao (cf.

    16,20), como os cristos perseguidos por causa da f (cf. 6,22-23), e por fim os

    que vivem a pobreza por austeridade, pois o discpulo deve evitar a cobia e no

    depositar sua confiana no dinheiro (cf. 12,15-21), alm de ser generoso com os

    30 Cf. A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Comentrio ao Evangelho de So Lucas. Petrpolis:

    Vozes, 1979; p. 19. 31 R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5 ed.

    So Paulo: Ave-Maria, 2012; p. 317. 32

    Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; pp. 317-318. 33

    R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; p. 342. 34 Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; p. 318. 35

    A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Op. cit.; p. 19. 36 R. FABRIS; B. MAGGIONI. Os Evangelhos II. 4 Ed. So Paulo: Loyola, 2006; p. 110.

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  • 16

    irmos, sobretudo os mais pobres (cf. 12,33-34),37

    como alis podemos ver

    claramente no chamado de Jesus ao rico notvel, percope de nossa pesquisa.

    Por outro lado, o prprio fato de Jesus ter chamado ao seu seguimento um

    homem que era extremamente rico ( ), em vez de trat-lo com

    desprezo, mostra que Jesus era avesso s riquezas, mas amigo dos ricos, como de

    todos os homens, e tambm a eles queria salvar e chamar converso (cf. 7,36-

    50; 19,5).38

    Ocorre que com os ricos Jesus se mostra mais exigente, bem de

    acordo com sua palavra, que tambm a eles pode ser aplicada: quele a quem

    muito se deu, muito ser pedido, e a quem muito se houver confiado, mais ser

    reclamado (Lc 12,48). Pagola reflete:

    Jesus no exclui ningum. A todos anuncia a boa notcia de Deus. Mas esta notcia no

    pode ser ouvida por todos da mesma maneira. Todos podem entrar em seu reino, mas nem

    todos da mesma maneira, porque a misericrdia de Deus est urgindo antes de mais nada

    que se faa justia aos mais pobres e humilhados. Por isso a vinda de Deus uma sorte para

    os que vivem explorados, enquanto se transforma em ameaa para os causadores dessa

    explorao.39

    Os samaritanos tambm tm o seu lugar nos textos lucanos, o que notvel,

    considerando-se a hostilidade que ainda vigorava entre judeus e samaritanos

    poca (cf. Lc 9,53; Jo 4,9). Os samaritanos aparecem no Evangelho como modelo

    de virtudes dentre as mais nobres e elevadas, como a gratido (cf. 17,11-19) e a

    misericrdia (cf. 10,29-37); e apesar da resistncia inicial a Jesus (cf. Lc 9,52-56),

    acolhem a evangelizao j no tempo da Igreja nascente (cf. At 8,25).40

    Salta aos olhos o destaque extraordinrio que os escritos lucanos do s

    mulheres. Na infncia de Jesus, as mulheres so as protagonistas; em sua vida

    pblica, Jesus as cura (cf. Lc 8,43-48), defende-as e as perdoa (cf. Lc 7,36-50),

    ressuscita uma jovem (cf. Lc 8,49-56) e o filho de uma viva (cf. Lc 7,11-17), e

    elogia a generosidade de outra viva (cf. Lc 21,14); alm disso, aceita-as como

    discpulas e colaboradoras materiais (cf. Lc 8,1-3), o que no era comum,41

    e as

    37

    Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5

    ed. So Paulo: Ave-Maria, 2012; pp. 318-319. 38

    Idem; pp. 320-321. 39 J. A. PAGOLA. Jesus: Aproximao histrica. 7 Ed. Petrpolis: Vozes, 2014; p. 130. 40

    Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; p. 321. 41 Jesus, contrariando uma norma consagrada pelo uso rabnico daquela poca, as aceita em sua

    seqela, permitindo-lhes segui-lo em suas peregrinaes e aliviar suas fadigas com sua assistncia.

    Dessa maneira, elas so chamadas por Jesus tarefa e dignidade de colaboradoras do

    Evangelho. A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Comentrio ao Evangelho de So Lucas.

    Petrpolis: Vozes, 1979; p. 23.

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  • 17

    ensina (cf. Lc 10,38-42); so tambm as primeiras testemunhas da ressurreio

    (cf. Lc 24,1-11.22). E ainda nos relatos das primeiras comunidades, as mulheres

    esto sempre presentes (cf. At 1,14; 6,1).42

    Lancellotti e Boccali apresentam a

    seguinte lista de mulheres atuantes nos Evangelhos:

    Lucas nos faz admirar as qualidades dessas devotas discpulas, sempre solcitas, corajosas e

    fiis: Maria, me de Jesus; Isabel, dcil ao Esprito Santo; a velha Ana, assdua orante no

    templo; a pecadora annima que lava nas lgrimas e na gratido a sua vida; a mulher de

    Naim, viva aflita; Marta, conhecida pela sua solicitude; e Maria pela fidelidade em ouvir;

    as mulheres de Jerusalm, compassivas e aflitas pela condenao de Jesus.

    Alm desse panorama de figuras femininas, h tambm a viva insistente junto ao juiz

    perverso, a qual se torna smbolo da orao persistente; a mulher da dracma perdida, que

    simboliza a salvao de Deus para o homem perdido; a mulher das duas moedinhas,

    smbolo da pobreza e da generosidade evanglicas; a mulher doente havia 18 anos, smbolo

    da libertao messinica; a mulher que, pela primeira vez, glorifica a me de Jesus.43

    Ainda uma palavra sobre os destinatrios da obra lucana: deve-se destacar a

    importncia do apstolo Paulo na segunda parte do livro dos Atos, numa espcie

    de paralelo com Pedro, o grande protagonista dos primeiros captulos. Paulo

    quem, conduzido pelo Esprito, chega at os confins da terra, cumprindo portanto

    o mandato ou programa de Jesus em At 1,8. Alm disso, o livro deixa aberto o

    final, com Paulo no crcere, e como que convidando o leitor a dar seguimento

    evangelizao.44

    Tudo isso se explica perfeitamente se aceitarmos como destinatrios da obra uma

    comunidade de origem paulina, cujo fundador duramente desacreditado, porque na

    comunidade nascem dvidas sobre a legitimidade de sua origem. Lucas-Atos oferece

    segurana sobre essa origem e convidam a continuar na linha de Paulo.45

    2.3

    A obra lucana

    A obra de Lucas se diferencia das demais obras do NT fundamentalmente

    por seu carter dplice, constando de um Evangelho, que narra com centralidade a

    vida e ministrio de Jesus, e de um livro dos Atos dos Apstolos, que narra os

    42

    Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5

    ed. So Paulo: Ave-Maria, 2012; p. 321. 43 A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Comentrio ao Evangelho de So Lucas. Petrpolis:

    Vozes, 1979; p. 23. 44

    Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; p. 341. 45

    R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Op. cit.; p. 341.

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  • 18

    incios da comunidade crist e a expanso do Evangelho. Nota-se sem dvida uma

    continuidade entre os dois relatos, mas as distines tambm so claras, em razo

    dos personagens centrais e dos episdios apresentados. Comparado aos demais

    evangelistas, Lucas se distingue em razo de sua dupla obra.46

    O conjunto

    representa o empreendimento literrio mais ambicioso do cristianismo primitivo,

    que pela primeira vez procurava autocompreender-se no marco da Histria da

    Salvao.47

    A teologia lucana encenada na histria e na geografia.48

    De fato, Lucas

    apresenta a histria de Jesus,de trs diferentes maneiras, em clara conexo com a

    histria de seu tempo49

    : primeiro, ao relacionar o nascimento de Jesus em Belm

    com o censo ordenado pelo imperador Augusto, sob Quirino (2,1s); depois, ao

    apresentar a histria de Jesus como o comeo da histria da Igreja em marcha: A

    histria de Jesus para Lucas apenas o comeo da histria escatolgica da

    redeno, na qual os eventos de Jesus so levados frente pela pregao;50

    ao

    tentar demonstrar a no-culpabilidade poltica de Jesus perante os romanos, como

    Pilatos ou o centurio aos ps da cruz: No h margem para dvida quanto

    inteno poltico-apologtica, pois os romanos saem completamente absolvidos

    do pecado da crucifixo de Jesus.51

    Assim, a diferena de Lucas para os demais

    evangelistas consiste em relacionar a vida de Jesus no somente com o ambiente e

    a cultura da poca, mas tambm com o desenvolvimento e expanso da Igreja

    nascente.52

    Por outro lado, no difcil perceber as semelhanas do seu Evangelho com

    os de Mateus e Marcos. No por acaso so chamados sinticos, e a semelhana

    dos temas e dos relatos pode ser facilmente constatada pela simples leitura dos

    referidos textos. Mas uma anlise cuidadosa tambm dar conta de diferenas

    46 Cf. F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO. (ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; pp. 207. 47 Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5

    ed. So Paulo: Ave-Maria, 2012; pp. 267-268. 48 R. E. BROWN. Introduo ao Novo Testamento. 2 ed. So Paulo: Paulinas, 2012; p. 330. 49 Cf. W. KMMEL. Introduo ao Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1982; p. 172. 50 W. KMMEL. Op. cit.; p. 173. 51 Idem; p. 174. 52 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 71.

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  • 19

    marcantes, que tm relao com os objetivos de cada autor e o pblico a que se

    dirige.

    Comparado a Mc, Lc apresenta melhores qualidades literrias. No material

    comum, o que poderia parecer vulgar ou ferir a sensibilidade dos cristos

    substitudo por expresses mais apropriadas. Comparado a Mt, Lc mais

    helnico: omite ou transforma passagens de carter excessivamente judaico, que

    seriam incompreensveis ou sem interesse para seus leitores. Comparado a Jo, Lc

    se comporta mais como historiador, menos ligado a sentidos espirituais e a

    smbolos.53

    Note-se ainda que, nos materiais narrativos, Lc se aproxima mais de Mc, e

    nos discursos de Jesus, de Mt. Em relao a Jo, h semelhanas temticas54

    e

    marcas da evoluo do cristianismo nas comunidades primitivas.

    Lucas traz inmeros textos exclusivos, alguns deles de grande importncia

    para a f crist. Muitos desses relatos esto nos Atos dos Apstolos, como a vinda

    do Esprito Santo em Pentecostes, ou as descries das primeiras comunidades.

    Mas tambm no Evangelho h significativo material exclusivo, como as parbolas

    do filho prdigo ou do bom samaritano, ou a apario do Ressuscitado aos

    discpulos de Emas.55

    Apesar disso, opinio quase unnime que Lucas no s estava ciente de

    que havia outros relatos sobre a vida de Jesus, mas que de fato os utilizou para

    compor a sua narrativa sobre Jesus.56

    H muitos e claros indcios, por exemplo, de

    que o Evangelho segundo Marcos tenha influenciado o relato lucano.57

    53 Cf. F. BOVON. El Evangelista Lucas. Retrato y proyecto: Forma y funcin de la doble obra

    lucana. In A. PIERO (Ed.). Fuentes del Cristianismo: Tradiciones primitivas sobre Jess.

    Cordoba: Ed. Almendro; Madrid: Complutense, 1993; p. 206. 54 A ao do Esprito Santo, o papel de destaque das mulheres, a rejeio dos judeus em contraste

    com a f dos pagos, dentre diversos outros. Cf. I. MAZZAROLO. Lucas em Joo: uma nova

    leitura dos evangelhos. 2 ed. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2004. 55 Cf. R. FABRIS; B. MAGGIONI Os Evangelhos II. 4 Ed. So Paulo: Loyola, 2006; p. 11. 56 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 121. 57 Cf. W. KMMEL. Introduo ao Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1982; pp. 36-93. No

    est no foco do presente trabalho o aprofundamento das fontes lucanas ou a questo sintica.

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  • 20

    2.4

    Caractersticas de Lc e At

    Dentre os evangelistas, Lucas o que melhor maneja a lngua grega.

    Escreve com elegncia, e apresentado como o evangelista da mansido de

    Cristo.58

    Quando quer, escreve com todos os recursos literrios, como no prlogo

    do Evangelho59

    ou no discurso de Paulo em Atenas, a fim de mostrar que o

    cristianismo consegue dialogar com a cultura grega em seu melhor nvel.60

    Mas o

    faz excepcionalmente apenas; via de regra, escreve de maneira simples, renuncia

    nfase e evita o que pode soar chocante.61

    Monasterio e Carmona ensinam:

    Desde a poca patrstica considera-se o grego de Lucas, junto ao dos Hebreus, como o mais

    cultivado e o mais elegante de todo o Novo Testamento. Emprega com correo literria a

    koin, de uma forma superior ao uso vulgar do povo e de muitos escritos bblicos, mas sem

    chegar a ser um classicista ou aticista.62

    O autor varia de estilo, e ao lado de uma narrativa bem construda, sabe

    tambm trazer a linguagem semtica para as palavras de Pedro, e conferir a Paulo

    o talento de um orador judeu da dispora.63

    A variedade de estilos, longe de

    refletir fontes divergentes, atesta o talento de um autor.64

    comum distinguir em

    Lc trs estilos: o estilo verdadeiramente literrio do prlogo; o grego semitizante

    das narraes da infncia;65

    e o grego corrente do restante da obra, em Lc e At.66

    Lucas no escapa regra crist, mas sabe ser original tambm. Por exemplo,

    o seu Evangelho, como os demais, comea com Joo Batista; mas sua

    originalidade est em apresentar o precursor e o Messias no apenas na idade

    58 F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 213. 59O Evangelho segundo Lucas o nico que comea com um perodo rotundo de excelente

    construo grega. Este prlogo convencional, ainda que extremamente esmerado, corresponde aos

    cabealhos usuais desta classe de obras na literatura grega contempornea poca de Lucas. J. A.

    FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad, 1986; p.

    186. 60 Cf. F. BOVON. Op. cit.; p. 221. 61 Ibidem. 62 R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5 ed.

    So Paulo: Ave-Maria, 2012; pp. 273-274. 63 Cf. F. BOVON. Op. cit.; p. 222. 64 F. BOVON. Op. cit.; p. 222. 65 Diga-se o que for a propsito dos presumidos semitismos do grego lucano, ao final sempre se

    deve contar com um influxo decisivo do grego da LXX; J. A. FITZMYER. El Evangelio segn

    Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad, 1986; p. 209. 66 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 186.

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  • 21

    adulta, mas desde o ventre materno.67

    Apresenta diversos temas estruturantes: o

    protagonismo do Pai e a ao do Esprito Santo no ministrio de Jesus;a salvao

    universal destinada tambm aos gentios; a incredulidade judaica, com as

    perseguies e tribulaes da decorrentes; a necessidade da orao constante; a

    demora da parusia e, como conseqncia, o sentido do tempo da Igreja; o

    apostolado e o discipulado.68

    Ao lado das caractersticas humanas de Jesus, Lc enumera outras que

    transcendem sua condio humana: sua concepo virginal por obra do Esprito

    Santo, seu ministrio pblico guiado pelo Esprito Santo, sua estreita relao com

    o Pai, sua ressurreio dentre os mortos e sua ascenso aos cus:69

    Seja como for,

    a autntica concepo lucana do acontecimento Cristo radica na combinao dos

    aspectos transcendentes e dos puramente humanos na existncia de Jesus.70

    Lucas sublinha o papel indispensvel das mediaes. O Deus dos pais, cuja

    imagem fora distorcida, d-se a conhecer de verdade na pessoa de seu Filho, Jesus

    Cristo; e este, por sua vez, ausente a partir da ascenso, d-se a conhecer

    mediante a palavra proferida por seres de carne e osso.71

    Mas a simples

    recordao no suficiente para garantir essa continuidade entre Jesus e sua

    Igreja. a que Lucas faz intervir o Esprito Santo: aps a ascenso, o

    Ressuscitado pode enviar seu Esprito sobre os apstolos, e o faz em Pentecostes,

    conferindo queles homens a segurana que no tinham para desempenhar o

    mandato missionrio recebido de Cristo.72

    Sobre esse papel da Igreja, Fitzmyer

    afirma:

    E se assim, se na perspectiva de Lucas a salvao chega ao ser humano atravs da Igreja,

    isto , por meio da comunidade crist com suas estruturas, porque na Igreja a Palavra de

    Deus pregada eficazmente e se administra o batismo em nome do Senhor Jesus. Mas

    reduzir toda a eclesiologia lucana a este nico ponto de vista seria uma amputao

    intolervel da totalidade da obra. A Igreja tambm comunidade que parte o po (At

    67 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 224. 68 Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5

    ed. So Paulo: Ave-Maria, 2012; pp. 280-281. 69 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; pp. 324-326. 70 J. A. FITZMYER. Op. cit.; p. 330. 71 F. BOVON. Op. cit.; p. 279. 72 Cf. F. BOVON. Op. cit.; p. 280.

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  • 22

    2,42.46; 20,7.11), sem que isto suponha exclusivismos salvficos, que ora em comum (At

    1,14; 2,42; 4,24 etc) e experimenta a orientao do Esprito de Deus.73

    Quanto teologia, muito mais comum os autores apresentarem as

    concepes teolgicas de Paulo e Joo, como os dois grandes expoentes da

    teologia do NT.74

    O espao dedicado teologia de Lucas muito reduzido, e

    geralmente implicado no problema das relaes sinticas.75

    Alguns autores,

    porm, defendem uma viso sinttica da concepo teolgica de Lucas, no s

    como aparece em sua redao dos materiais evanglicos, mas especialmente no

    impacto de sua prpria composio, tanto na narrao evanglica como no livro

    dos Atos dos Apstolos: O que deve ser objeto de sntese a totalidade da obra,

    o produto acabado da criatividade do autor.76

    Fitzmyer apresenta algumas caractersticas da teologia lucana: a sua tpica

    proclamao do querigma; sua perspectiva geogrfica e histrica; sua cristologia e

    soteriologia; o acento na atividade do Esprito Santo, durante o ministrio de

    Jesus, na sua ressurreio e com os discpulos no cumprimento da misso; a

    imagem do discpulo, que pela f se abre converso e assume as exigncias do

    seguimento de Cristo.77

    Quanto historicidade dos relatos, preciso reconhecer que a recordao de

    fatos histricos no era propriamente a finalidade da tradio evanglica na

    comunidade primitiva; nunca se pretendeu reproduzir escrupulosamente as

    ipsissima verba Iesu.78

    Por outro lado, ningum como Lucas destaca o alcance

    histrico do acontecimento Cristo e de sua proclamao querigmtica; isto se v

    quando Paulo apresenta sua defesa ante o rei Agripa, e afirma que todo o ocorrido

    no se deu num recanto remoto, 79 (At 26,26); ou quando Clofas

    pergunta ao peregrino desconhecido se ele o nico que ignora o que se sucedeu

    73 J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 434. 74 Cf. R. BULTMANN. Teologia do Novo Testamento. So Paulo: Ed. Teolgica, 2004; pp. 245-

    247; 433-442. 75 Cf. J. A. FITZMYER. Op. cit.; pp. 239-240. 76 J. A. FITZMYER. Op. cit.; pp. 240-241. 77 Cf. J. A. FITZMYER. Op. cit.; pp. 241-243. 78 A lembrana dos acontecimentos histricos no era o objetivo prioritrio da proclamao

    querigmtica; por outro lado, desnudar completamente o querigma de seu carter de evocao

    histrica suporia cortar todos os seus vnculos com a realidade do Jesus histrico. J. A.

    FITZMYER. Op. cit.; p. 287. 79 canto, ngulo. A. BAILLY. Dictionnaire Grec-Franais. Paris: Hachette, 1894; p. 423.

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  • 23

    em Jerusalm naqueles dias (cf. Lc 24,18)80

    : Em Lucas coexistem em perfeita

    harmonia a dimenso querigmtica e a perspectiva histrica.81

    Outra caracterstica bem marcante de Lucas, presente nos seus dois livros,

    a alegria que marca os relatos, pelo dom gratuito da salvao que dado aos

    homens em Cristo, e que toma a vida dos que abraam a f. claro que esta

    alegria tambm est presente nos demais livros do Novo Testamento,

    especialmente dos evangelhos, que so justamente apresentados como boa

    notcia, alegre notcia. Mas inegvel que tal alegria crist tem destaque nas

    narrativas lucanas.82

    Este dado ainda mais relevante para a presente pesquisa,

    levando em conta que o rico notvel termina triste, justamente porque resiste ao

    chamado de Jesus ao discipulado.

    2.5

    O discipulado em Lucas

    Nos textos lucanos o discipulado recebe destaque, talvez em funo do

    atraso na parusia e consequente percepo do ofcio da Igreja na continuidade da

    misso de Jesus. Em todo o tempo, fica claro que o discpulo de Cristo tem um

    mandato, o de anunciar aos demais a ressurreio de Jesus, conforme o

    testemunho dos apstolos, apresentando aos judeus como Messias aquele que fora

    crucificado.83

    E o mesmo discurso de converso chega aos pagos, chamados a

    abandonar os dolos e voltar-se para o Deus vivo e seu Filho.84

    De fato, como j

    visto,85

    uma peculiaridade de Lucas sua abertura ao universalismo do desgnio

    salvfico divino,86

    e claro que tal abertura se estende tambm ao apostolado e

    seguimento do Cristo. E o universalismo de Lucas no se refere somente relao

    entre judeus e pagos; vemos Jesus aberto aos mais diversos representantes de

    80 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; pp. 287-288. 81 J. A. FITZMYER. Op. cit.; p. 292. 82 Cf. R. A. MONASTERIO; A. R. CARMONA. Evangelhos sinticos e Atos dos Apstolos. 5

    ed. So Paulo: Ave-Maria, 2012; pp. 321-322. 83 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 281. 84 Ibidem. 85 Cf. supra 2.2 Destinatrios. 86 Cf. J. A. FITZMYER. Op. cit.; p. 313.

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  • 24

    todas as classes sociais: samaritanos, publicanos (como Levi ou Zaqueu),

    pecadores pblicos (at o malfeitor crucificado com ele), as mulheres (como a

    viva de Naim, o grupo de mulheres que o seguiam, Marta e Maria, a mulher

    encurvada, a viva pobre que ofereceu tudo), e os pobres em geral.87

    Deve-se

    dizer ainda, neste temtica, que Lucas mostra um interesse particular pelos mais

    oprimidos e marginalizados,88

    pelos que constituem como que o lixo da

    sociedade.89

    Tambm por isso seu Evangelho particularmente severo com os

    ricos, que encontram ali inmeras advertncias sobre o perigo das riquezas e

    exortaes generosidade com os pobres.90

    Nessa linha, Fabris e Maggioni

    ensinam:

    Lucas realista: sabe que o homem rico no pode ser livre e disponvel, tem demasiadas

    coisas a amarr-lo. Da a consequncia: a condio para seguir a Jesus a pobreza radical,

    sem meio-termo; o que quer dizer, na prtica: pr todos os bens disposio dos pobres

    (12,21.33; 14,33). esta pobreza de base que torna os discpulos disponveis para o reino

    de Deus, com plena confiana e coragem, sem medo de extorses e represso (12,1-

    7.11.22-32). Os discpulos so portanto homens livres, fiis e generosos no servio

    comunidade e ao homem necessitado, sem compensaes, nem distines raciais ou

    culturais (10,25-37: o bom samaritano). A exemplo do mestre, os discpulos escolhem os

    pobres como destinatrios privilegiados de seu amor e servio (14,12-14.15-24).91

    Em Lucas o ensinamento moral no a primeira preocupao, no sentido de

    que o evangelista conhece a Lei, mas no faz dela o seu foco.92

    No seu Evangelho,

    o escriba que a resume no duplo mandamento do amor (a Deus e ao prximo)

    87 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; pp. 321-322. 88 Cf. supra 2.2 Destinatrios. 89 Cf. J. A. FITZMYER. Op. cit.; p. 322. 90 Outro fato que impressiona na leitura do evangelho de Lucas, sempre sob o perfil

    socioeconmico, a pesada condenao dos ricos, a qualificao do dinheiro como injusto ou

    inquo, e o subseqente apelo ao abandono radical dos bens. S Lucas relata os quatro ais para os

    ricos, fartos, folgazes, paralelos s bem-aventuranas para os pobres (6,24-25). S Lucas usa a

    expresso Mamon (Dinheiro) de iniquidade (16,9). E quando se trata de abandonar os bens ou

    vend-los e d-los aos pobres, geralmente Lucas quem carrega na dose em relao aos outros

    evangelhos sinticos: deve-se deixar tudo (cf. Lc 5,11.28), deve-se renunciar a tudo (14,33;

    18,22). S no terceiro evangelho acham-se as parbolas sobre o perigo das riquezas ou da

    acumulao dos bens: o rico sem qualificaes morais que no socorre ao pobre, na hora da

    morte precipitado numa runa sem remdio (16,19-31); o latifundirio que planeja celeiros

    maiores, confiando unicamente na fartura de seus bens, um insensato (12,16-21); a parbola do

    administrador astucioso que torna amigos alguns clientes para prover a seu futuro um convite a

    se servir dos bens com perspiccia e deciso em favor dos verdadeiros clientes e amigos, os pobres

    (16,1-9). R. FABRIS; B. MAGGIONI. Os Evangelhos II. 4 Ed. So Paulo: Loyola, 2006; p.

    112. 91 R. FABRIS; B. MAGGIONI. Op. cit.; p. 19. 92 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 282.

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  • 25

    felicitado por Jesus (cf. 10,25-28).93

    E na percope em estudo encontra-se um

    resumo dos mandamentos. Mas curiosamente no livro dos Atos nem os

    mandamentos nem o resumo da Lei voltam a aparecer. De fato, a moral

    evanglica no contradiz a Lei, mas a radicaliza.94

    A atitude moral tem unidade e

    coerncia: implica uma transformao da pessoa, um compromisso no servio de

    Deus, uma abertura ao outro e uma viso nova da realidade.95

    Essa abertura e

    servio ao prximo caracteriza os discpulos; assim refletem Fabris e Maggioni:

    Atravs do retrato dos discpulos, pode-se adivinhar o empenho e o ideal que animam as

    comunidades s quais Lucas dirigiu o seu evangelho. Um empenho e uma dedicao que se

    alimentam no tirando de novo o p de velhos programas de moral ou de um sistema

    disciplinar, mas no contato vivo e permanente com o Mestre e Senhor, que est sempre

    adiante de seus discpulos.96

    No possvel falar do discipulado sem levar em conta a Igreja, a

    comunidade constituda por Jesus para reunir e agregar seus discpulos. Lucas

    mostra que no se trata de uma criao ex nihilo, mas do resto de Israel,

    restaurado e reconstitudo.97

    Nela o poder se exerce no servio (cf. Lc 22,24-27).

    dessa nova comunidade de irmos que o discpulo ser chamado a fazer parte.

    A concepo lucana do discpulo no se reduz a um catlogo de exigncias

    impostas ao indivduo, mas compreende tambm um estilo de vida comunitrio e

    organizado, uma vida em Igreja.98

    O presente trabalho est focado justamente no tema do discipulado. O

    chamado de Jesus a tantos com quem se encontrou, como os pescadores beira

    mar, ou Mateus na coletoria de impostos, aparece no dilogo com o rico notvel

    de maneira privilegiada. Podemos ver ali de maneira bem completa uma

    apresentao lucana das exigncias para o discipulado, bem como consequncias

    da resposta ao seguimento de Cristo. E analisando as primeiras comunidades,

    apresentadas por Lucas em sua segunda obra, v-se que o discipulado no se

    esgota nos chamados da vida pblica de Jesus, mas se estende pelas geraes

    seguintes queles que acolhem o anncio dos apstolos. Alm do caso

    93 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER (dir.).

    Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 282. 94 Ibidem. 95 F. BOVON. Op. cit.; p. 283. 96 R. FABRIS; B. MAGGIONI. Op. cit.; p. 20. 97 Cf. F. BOVON. Op. cit.; p. 283. 98 J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 424.

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  • 26

    extraordinrio de Paulo, vemos a generosidade e entrega de homens como

    Barnab, dentre tantos outros missionrios da Igreja nascente.

    Para esse seguimento de Cristo, o Evangelho de Lucas faz fortes exigncias,

    e convida o discpulo a abandonar tudo, sem meias medidas ou interpretaes

    espirituais tergiversantes.99

    Assim, o discpulo chamado a uma vida rica de

    boas obras, vida de doao e generosidade, buscando agradar a Deus pela ateno

    e cuidado com os pobres.100

    Lancellotti e Boccali refletem:

    Deus um bem to grande, o Cristo seu filho um dom to inestimvel, e o Evangelho uma

    Boa-Nova e uma posse to preciosas, que no h outra coisa no mundo que se lhes possa

    comparar. (...)

    Quem portanto coloca a sua confiana nas coisas mundanas, especialmente na riqueza, na

    posse de bens, no poder desse mundo, no ter condies de colocar sua confiana em outro

    salvador e noutra salvao, mesmo quando oferecida por Deus.101

    Mas preciso notar que o chamado de Jesus por inteiro, e inclui o seu

    destino final. Ele ensina que o discpulo deve negar-se a si mesmo e tomar sua

    cruz a cada dia nesse seguimento (cf. Lc 9,23). Dessa forma, Jesus j sinaliza aos

    seus seguidores at onde devem segui-lo. Como afirma Fitzmyer:

    Ser discpulo de Jesus significa seguir seus passos, acompanh-lo em sua viagem a

    Jerusalm, onde vai cumprir-se seu destino de morte, seu xodo, sua passagem para o

    Pai. (...)

    O imperativo segue-me j se encontra em Mc, mas a intensidade que toma em Lc

    extraordinria. (...)

    Na concepo lucana, ser discpulo de Cristo inclui no s a aceitao dos ensinamentos do

    Mestre, mas tambm a identificao pessoal com o estilo de vida de Jesus e com seu

    destino de morte, que o que verdadeiramente cria uma dinmica interna de seguimento.102

    Apesar disso, o discpulo de Jesus no vive angustiado nem teme a morte.

    Sabe que segue o nico que pode lhe dar a verdadeira liberdade, e que enche de

    sentido e plenitude a sua vida. A alegria uma marca caracterstica sua. Fabris e

    Maggioni recordam:

    Pode parecer estranho que, justamente neste caminho rumo cruz, o clima dominante seja

    o do entusiasmo e da alegria (10,17.20-21; 15,7.10.32; 19,6). Mas deve-se lembrar que a

    meta da caminhada de Jesus e dos discpulos no a morte, mas a libertao plena e a vida

    99 A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Comentrio ao Evangelho de So Lucas. Petrpolis:

    Vozes, 1979; p. 25. 100 Cf. A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Op. cit.; pp. 25-26. 101 A. LANCELLOTTI; G. BOCCALI. Op. cit.; p. 25. 102 J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 407.

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  • 27

    nova, de que eles j possuem uma antecipao nos gestos de acolhimento e nas palavras de

    misericrdia e perdo de Jesus (15; 19,1-10).103

    103 R. FABRIS; B. MAGGIONI. Os Evangelhos II. 4 Ed. So Paulo: Loyola, 2006; pp. 19-20.

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  • 3

    A percope de Lc 18,18-23

    Eis o texto de Lc 18,18-23, segundo a 28 edio do Nestl-Aland, com a

    devida segmentao e a traduo que apresentamos:

    18a E perguntou-lhe algum

    importante dizendo:

    ,

    ;

    18b Bom mestre, que hei de fazer

    para herdar a vida eterna?

    19a Disse-lhe ento Jesus:

    ; 19b Por que me chamas bom?

    104

    . 19c Ningum bom seno o Deus

    nico.

    20a Conheces os mandamentos:

    , 20b No cometas adultrio,

    , 20c no mates,

    , 20d no roubes,

    , 20e no prestes falso testemunho,

    .105

    20f honra teu pai e me.

    21a Ele ento disse:

    .106

    21b Tudo isso tenho observado desde

    a juventude.

    104 A presena do lxico (um), para referir-se a Deus, parece ser uma remisso ao texto fundamental da f de Israel no Deus nico, .em Dt 6,4 , 105 O cdigo Sinatico (a) e diversos manuscritos trazem a palavra , ficando portanto a concluso do versculo assim: . Mas outros importantes

    manuscritos e cdigos, dentre eles o Vaticano (B), no apresentam tal palavra. Fazemos portanto a

    opo por esta ltima redao, pois mais fcil explicar o acrscimo do termo por questes de

    paralelismo entre pai e me, do que explicar a retirada do termo, o que no teria, em princpio,

    nenhuma justificativa razovel. 106 O cdigo Sinatico e diversos manuscritos trazem a palavra mou; j o cdigo Vaticano, tambm acompanhado de diversos outros manuscritos, no traz tal palavra. Parece mais razovel a opo

    por esta ltima redao, pois mais fcil explicar o acrscimo, seja por questes de elaborao e

    estilo, ou para melhor caracterizar a juventude ( mou), do que explicar a retirada do termo, que no teria razo de ocorrer.

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  • 29

    107

    22a Tendo ouvido, Jesus lhe disse:

    22b Ainda uma coisa te falta:

    22c Tudo o que tens

    22d vende

    108

    , 22e e distribui aos pobres,

    ,

    22f e ters um tesouro nos cus,

    . 22g e ento segue-me.

    109

    23a Tendo ouvido isso ficou muito

    triste;

    . 23b porque era extremamente rico.

    107 Algumas variantes trazem, aqui, a palavra tauta, ficando o texto: tauta . (ouvindo essas coisas Jesus disse a ele). Mas esta no parece ser a melhor opo.

    Alm do peso dos testemunhos em contrrio (o termo est ausente nos cdigos Sinatico e

    Vaticano), mais coerente explicar, como nos casos anteriores, o acrscimo do termo, para fins de

    melhor compreenso, que a sua excluso, que no teria uma motivao razovel. 108 O cdigo Sinatico, acompanhado de outros e de alguns manuscritos, traz em vez de ,

    lendo-se portanto d em vez de distribui (teus bens aos pobres). Os cdigos Vaticano e o

    Cantabrigiensis (D) apresentam , o que sugere melhor elaborao. Apesar disso, a opo

    do Nestle-Aland e do Greek New Testament. Ao que parece, essa melhor elaborao prpria de

    Lucas, que prefere (distribui) a (d). S. Lgasse nota que em Lucas o dever de ajudar

    os pobres ocupa um lugar preponderante. Esta a razo por que em vez de dizer dar (),

    Lucas diz distribuir (), da a semelhana com o que se pode ler em At 4, 35: vendiam-

    nas... repartia-se. S. LGASSE. Apelo ao rico in VV. AA. A pobreza evanglica. So Paulo:

    Paulinas, 1976; p. 82. 109 Os cdigos Sinatico e Vaticano trazem , enquanto outros cdigos (por exemplo,

    Alexandrino [A] e Cantabrigense) e manuscritos trazem . Trata-se do mesmo verbo grego,

    , que pode ser traduzido por tornar-se, ficar. Mas no primeiro caso, o verbo est

    conjugado no indicativo aoristo passivo, 3 pessoa do singular; j no segundo caso, est no

    indicativo aoristo mdio depoente, mesma pessoa. Vale notar que o termo , no aoristo

    passivo, s tem trs ocorrncias nos textos lucanos, sendo duas no Evangelho (20,17, alm da

    nossa percope) e uma nos Atos (4,4). J o termo bastante recorrente, aparecendo nesses

    textos 122 vezes, sendo 69 vezes no Evangelho e 53 nos Atos dos Apstolos. Isso pode significar

    que as verses que trazem tentam uma harmonizao, o que seria mais um motivo para

    preferir . Mas alm disso, h que se notar que muito forte o indcio de que seja

    mesmo a verso mais confivel. Neste texto, o autor escolhe um verbo que no costuma usar,

    ento razovel concluir que foi bem escolhido. A traduo para os termos poderia ser a mesma.

    Portanto, na verdade, no parece haver mudana semntica significativa, qualquer que seja a

    opo. Ficamos com a primeira, considerando a autoridade dos cdigos Sinatico e Vaticano, ao

    lado da 28 edio do Nestle-Aland.

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  • 30

    3.1

    Opes de traduo

    Ainda antes de tratar da delimitao da percope, pretendemos justificar

    algumas opes de traduo adotadas no estudo.

    Quanto ao lxico , pode ser traduzido como um chefe, ou magistrado,

    de maneira genrica.110

    De fato, o termo freqente, e seu significado s pode ser

    deduzido do contexto; parece ser um representante da observncia da Lei, talvez

    um chefe de sinagoga.111

    Note-se que a percope traz na verdade a expresso

    , que pode ser traduzida por algum importante, ou certo chefe. Tal

    expresso est separada na sentena, com o lxico intercalado entre os

    termos. O termo vem depois, mais ao final da sentena, e portanto com

    maior destaque. A retrica estilizada frequentemente separa os termos para dar

    maior efeito aos elementos por seu isolamento; tal palavra, tirada do seu contexto

    e tornada mais independente, mais enftica quando posicionada ao final da

    sentena.112

    Por essa razo, para manter o aspecto genrico da palavra e ao mesmo

    tempo dar-lhe o devido destaque, optamos pela traduo da expresso

    como algum importante.

    Na pergunta que o personagem faz a Jesus, o verbo ,

    indicativo futuro do verbo , que significa herdar. A pergunta traz um

    verbo no particpio aoristo ativo, , e outro no indicativo futuro:

    ;. Uma traduo mais prxima da lngua original

    poderia ser algo como: O que tendo feito vida eterna herdarei? Mas em ateno

    lngua de chegada da traduo, preferimos, como apresentado na segmentao:

    Que hei de fazer para herdar a vida eterna? Assim se mantm a semntica do

    texto, mas a pergunta fica mais inteligvel em Portugus.

    No desfecho da percope, o chamado solene de Jesus o seguinte:

    , []

    , . Traduzimos: Ainda uma coisa te falta: vende

    110 Cf. A. BAILLY. Dictionnaire Grec-Franais. Paris: Hachette, 1894; p. 283. 111 Cf. J. A. FITZMYER. El Evangelio segn Lucas: Introduccin General. Madrid: Cristiandad,

    1986; p. 21; 112 Cf. F. BLASS; A. DEBRUNNER. A Greek grammar of the New Testament: and other early

    christian literature. Chicago: The University of Chicago Press, 1961; p. 249.

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  • 31

    tudo o que tens e distribui aos pobres, e ters um tesouro nos cus, e ento segue-

    me. Muitas tradues, nessa ltima ao proposta por Jesus trazem termos tais

    como depois, segue-me, ou depois, vem e segue-me. No nos parece a melhor

    opo, pois o texto grego no apresenta nenhum advrbio de tempo, nem

    preposio ou qualquer termo ou expresso que transmita a ideia de um momento

    posterior, de algo que ocorra depois.113

    Ao contrrio, temos uma sequncia de

    verbos interligados simplesmente pela conjuno . preciso atentar para o fato

    de que Jesus acabara de dizer: uma s coisa te falta. Portanto, parece-me que a

    melhor traduo aquela que respeita uma tal conexo entre os verbos que esses

    aparecem como uma s ao. Uma traduo que contemplasse uma pausa antes do

    ltimo verbo, associada ao advrbio depois, poderia insinuar que, na verdade,

    ao rico notvel faltavam duas aes consecutivas: vender os bens e distribuir aos

    pobres, e depois seguir Jesus. No o caso. Temos um nico ato proposto naquela

    sucesso de aes, e o texto deixa isso claro. No h porque chegar ao ponto de

    quase dividir a ao em duas justapostas, ferindo o sentido do texto.

    Ademais, o advrbio tem em primeiro lugar a noo de espao, sendo

    melhor traduzido como aqui. H outras possibilidades, mas nenhuma delas

    aproxima-se de depois. A ideia na percope em questo a de como um

    estmulo, a fim de encorajar o interlocutor.114

    um advrbio de local,

    primeiramente, com sentido de proximidade; mas funciona bem tambm como

    uma interjeio: Eia! Vamos!115

    Significado bem apropriado, sem dvida, para a

    percope em questo. Parece de fato que foi nesse sentido que Jesus interpelou o

    personagem; mais que depois, segue-me, algo como eia, vamos, segue-me.

    Da mesma maneira, nas diversas outras passagens em que aparece o

    advrbio , ele sempre est associado a uma sada de si, a um gesto de ir ao

    encontro de Deus. No discurso de Estvo, em At 7,2-53, isso ocorre duas vezes.

    No v. 3, quando Deus fala a Abrao: Sai da tua terra e da tua parentela, e vai para

    113 Para essa idia de um momento posterior, Lucas prefere usar a preposio mais o

    complemento no acusativo, em inmeras passagens (cf. Lc 2,46; 12,4; At 10,37.41; 14,23 etc). F.

    BLASS; A. DEBRUNNER. A Greek Grammar of the New Testament: and other early

    Christian literature. Chicago: The Universityof Chicago Press, 1961; p. 172. Raramente outros

    termos, como o advrbio , em Lc 16,7 ou em Lc 8,1; mas nunca o advrbio ,

    que no tem esse sentido temporal. 114 Cf. A. BAILLY. Dictionnaire Grec-Franais. Paris: Hachette, 1894; p. 449. 115 Cf. H. G. LIDDELL; R. SCOTT. A Greek-English Lexicon. Oxford: University Press, 1968;

    p. 381.

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  • 32

    a terra que eu te mostrarei, ,

    . No mesmo discurso, mais frente, no v. 34,

    Deus diz a Moiss: Eu vi, eu vi o sofrimento de meu povo no Egito, e ouvi seus

    gemidos. Por isso desci para livr-los. Agora vem, eu vou enviar-te ao Egito. No

    original,

    ,

    . Em Jo 11,43, Jesus, clamando em voz alta, chama Lzaro para fora:

    , . Em Ap 17,1, um dos sete anjos chama o narrador e diz:

    Vem!Vou mostrar-te o julgamento da grande Prostituta que est sentada beira

    de guas copiosas. O texto original traz: ,

    . E mais ao final, em Ap 21,9, o anjo

    chama para mostrar a esposa, convidando: Vem!Vou mostrar-te a Esposa, a

    mulher do Cordeiro! No original: ,

    . Assim, o advrbio , como nas demais passagens acima citadas, est

    sempre ligado a um chamado de Deus, e sempre traz consigo um convite sem

    volta ao desapego da prpria vida e das prprias seguranas, confiana ousada

    no cuidado de Deus. No difcil perceber que este exatamente o caso do

    convite de Jesus ao rico notvel. S isto lhe faltava. Por isso optamos por essa

    traduo.

    No ltimo versculo, fiz a opo de no repetir o mesmo advrbio em

    Portugus, no caso, muito (evitando ficou muito triste porque era muito rico),

    levando em conta inclusive que sequer aparece no versculo uma palavra em

    grego equivalente a muito. Temos na verdade outros lxicos que expressam

    grande intensidade, seja de tristeza () ou de riqueza (), e por isso

    fizemos a opo de traduzir por um advrbio comum na lngua de chegada, em

    vez de usar superlativos ou palavras menos usuais (tristssimo, desolado). Em

    funo disso, para no repetir o advrbio muito, preferi traduzir por

    extremamente, at porque o advrbio supe mesmo uma intensidade extrema.

    Assim, temos a escolha por tendo ouvido isso, ficou muito triste, porque era

    extremamente rico.

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  • 33

    3.2

    Delimitao

    A percope em questo no apresenta dificuldades de delimitao no seu

    incio. Em Lc 18,17, Jesus acolhe as crianas e d um ensinamento citando-as

    como exemplo. O versculo 18 introduz uma nova personagem com uma pergunta

    direta a Jesus. Na sequncia, com o dilogo que se estabelece, no difcil

    perceber a conexo entre os versculos, tanto formalmente, nas conjunes e

    demais termos conectivos, como materialmente, pela lgica das perguntas e

    respostas.

    J quanto concluso da percope, a questo no to simples. O versculo

    23 parece conclu-la, pois o dilogo termina e o homem fica triste; o texto no

    afirma categoricamente, mas insinua que ele saiu da presena de Jesus, retirou-se.

    O certo que ele no respondeu nada a Jesus, parecendo encerrar o assunto.

    Entretanto, o versculo seguinte parece falar sobre a tristeza do homem: Vendo-o

    assim, Jesus disse: Como difcil aos que tm riquezas entrar no Reino de

    Deus!. E segue tratando do tema do perigo das riquezas, e como podem afastar

    do caminho da salvao. De fato, a expresso vendo-o sugere que se trate da

    mesma percope, e dificulta a sua separao. Ainda assim, parece-me que este

    versculo 18,24 constitui como que um versculo-ponte entre as duas percopes,

    faz a passagem para um tema prximo. Note-se tambm que a partir de 18,24 h

    um novo gnero literrio: no h mais um dilogo entre Jesus e o rico notvel,

    mas uma exortao de Jesus a um outro pblico, os seus ouvintes,

    (18,26), h um ensinamento do Mestre destinado aos seus discpulos.

    Alm disso, defendemos que o tema central da nossa percope o chamado

    de Cristo ao discipulado. E o que pe em risco o seu seguimento no somente o

    perigo das riquezas, mas tambm o perigo do apego s prprias seguranas, sejam

    as riquezas ou a Lei mosaica; tambm esta pode constituir um obstculo ao

    seguimento de Cristo, e pr em xeque a salvao. Diante dessas consideraes,

    entendemos que a percope de nosso trabalho termina no v. 23. Por fim, no

    parece haver no texto indcios de diversas camadas redacionais. Com efeito, no

    h rupturas, duplicatas ou afins.

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  • 34

    3.3

    Contexto imediato

    Dentro do Evangelho de Lucas, a percope do rico notvel encontra-se na

    grande seo intermediria em que o autor narra a viagem de Jesus da Galileia

    para Jerusalm (9,5119,28). Nesta seo esto mais presentes os relatos ligados

    ao discipulado, com diversas passagens referentes ao seguimento de Jesus. Em

    alguns materiais prprios, Lc destaca qual a vida justa aos olhos de Deus; ela

    comea com o reconhecimento da prpria misria e a acolhida da graa divina

    como um dom.116

    o que vemos na parbola do fariseu e do publicano (18,9-15)

    e no episdio da visita casa de Zaqueu (19,1-10). E entre essas duas percopes,

    Lc insere trs relatos tomados de Mc: o acolhimento das crianas (18,15-17), o

    rico notvel, nossa percope de estudo (18,18-23), e o cego de Jeric (18,35-42).

    Tais relatos se prestam bem aos objetivos de Lucas, telogo da converso e da

    salvao, que quer no tanto definir a atitude boa em contraste com a pecadora,

    mas antes contrastar a justia aos olhos de Deus com a justia aos olhos dos

    homens.117

    Comentando o Evangelho segundo Lucas, Ivo Storniolo encaixa a percope

    do rico notvel dentro de um bloco amplo, 18,1-30, que prope o desapego de si e

    a confiana em Deus: clamar por justia e confiar (1-8), como a viva; pedir

    perdo e sair justificado (9-14), como o publicano; acolher o Reino de Deus (15-

    17), como as crianas; repartir com os pobres e seguir a Jesus (18-30), como

    proposto ao rico notvel.118

    Javier Pikaza sublinha o mesmo bloco, 18,1-30, mas entende que a percope

    do rico notvel est ao final das palavras de Jesus sobre a orao e a confiana em

    Deus (viva, publicano, crianas) justamente para afastar o perigo da passividade

    absoluta, na medida em que o episdio ilustra bem a funo da riqueza, e

    justamente num israelita modelo, que julga poder aproximar-se de Deus por sua

    116 Cf. F. BOVON. Evangelios de Lucas y Hechos de los Apstoles. In E. CHARPENTIER

    (dir.). Evangelios Sinpticos y Hechos de los Apstoles. Madrid: Cristiandad, 1982; p. 239. 117 Ibidem. 118 Cf. I. STORNIOLO. Como ler o Evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova histria. 2

    ed. So Paulo: Paulus, 1992; pp. 160-164.

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  • 35

    retido de fariseu. A ele se contrapem Pedro e os demais discpulos que,

    conforme 18,28-30, deixaram tudo para seguir Jesus119

    .

    LEplattenier insere a percope do rico notvel em uma grande sequncia

    com diversas imagens da salvao, de 18,9 a 19,28, ltimo bloco antes da entrada

    definitiva em Jerusalm. Apresenta o caminho indicado por Jesus como uma

    exigncia superior s foras humanas, a qual recorda portanto que a salvao do

    homem , antes de tudo, obra de Deus. O autor menciona ainda os discpulos, que

    foram tornados capazes dessa renncia a seus bens, e que o comentrio de Jesus

    aponta justamente para a narrao eclesial do livro dos Atos, o qual mostra essa

    renncia como portadora de novas riquezas nas relaes humanas.120

    J segundo a anlise retrica de Roland Meynet, a percope est em um

    bloco maior, que comea ainda em 17,11 e se estende at 18,30, e tem por tema o

    abandono pelo Reino. So trs subsequncias de maneira concntrica (17,11-37;

    18,1-14; 18,15-30), sempre intercalando os fariseus (ou o notvel da nossa

    percope) e os discpulos.121

    No centro est o Filho do Homem que vir para

    julgar (18, 8b). Antes, as perguntas sobre quando e onde se dar o Reino de Deus

    (17,20-37); e depois, como acolh-lo e receber a vida eterna (18,15-30). Nossa

    percope est no centro desta ltima subsequncia; esta comea com o seguimento

    de Cristo como uma criana e termina com a promessa aos discpulos que tudo

    deixaram para seguir a Cristo. Em todo esse grande bloco, a chave para o

    abandono pelo reino a f; e no ncleo central est a pergunta dramtica de Jesus

    em 18,8b, uma provocao que repercute por todas as geraes crists: Mas

    quando o Filho do Homem vier, encontrar a f sobre a terra? (

    ;). Todo o bloco se desenvolve,

    como em dois lados, em torno a essa pergunta, com o tema da f:

    A pergunta central sobre a f (v. 8b) se conecta com o primeiro lado (que a precede)

    mediante a retomada de Filho do homem como em 17,22.24.26 e 30; vindo retoma o

    verbo da primeira pergunta dos fariseus (17,20) e indica o juzo como aquele do dilvio

    (17,27). A palavra f se encontra apenas ao final da primeira passagem (17,19), mas

    somente desta que se trata em todo o resto da sequncia: aquela de No e de L que

    escutaram a palavra de Deus e foram salvos (17,26-29), aquela que permitir ser salvo

    quem, como L, renuncia a buscar as prprias coisas (17,31), aquela da viva que no se

    119 Cf. J. PIKAZA. A teologia de Lucas. 2 ed. So Paulo: Paulinas, 1985; p. 108-109. 120 Cf. C. LEPLATTENIER. Leitura do Evangelho de Lucas. So Paulo: Paulinas, 1993; pp.

    164-172. 121 Cf. R. MEYNET. Il Vangelo secondo Luca: Analisi Retorica. Roma: Dehoniane, 1994; p. 493.

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  • 36

    cansou de pedir e viu o dia no qual se lhe fez justia (18,2-6), aquela de Jesus e dos

    discpulos que aceitam perder a prpria vida (17,25 e 33). No segundo lado da sequncia

    (aps a pergunta central), a f se ope Lei em cuja observncia o fariseu (18,11) como o

    chefe (18,20-21) depositaram sua confiana. a f que permite ao discpulo deixar tudo

    (18,28) e abandonar-se como as crianas (18,16-17) e como o publicano (18,13)

    misericrdia de Deus. Esta f se volta a Jesus: o seu dia aquele do Reino de Deus (17,20-

    30); segui-lo entrar no Reino de Deus e herdar a vida eterna (18,15-30).122

    3.4

    Anlise semntica

    Neste momento do trabalho, analisaremos qual era a compreenso a respeito

    dos principais temas da percope em questo, tanto para o interlocutor que aborda

    Jesus como para os ouvintes e destinatrios do relato lucano. Os principais termos

    que merecem ateno so os conceitos de vida eterna, , finalidade da

    pergunta dirigida a Jesus, e o de mandamentos, ai,, presentes na sua resposta

    inicial.

    3.4.1

    Vida eterna

    Quanto ao conceito de vida eterna, cabe o questionamento: qual a

    compreenso que um fiel cumpridor da Lei mosaica poderia ter a respeito dessa

    vida eterna? certo que devemos considerar, na elaborao do texto, os

    destinatrios do Evangelho de Lucas, a saber, cristos provenientes do

    paganismo123

    que j conhecem os ensinamentos de Cristo e que, portanto, como

    membros das primeiras comunidades ps-pascais, j acolheram o dom da vida

    eterna; para eles que a percope est relatada. Mas ainda assim a pergunta

    pertinente: Em que consistiria esta vida eterna para um judeu fiel no cumprimento

    da Lei?

    No judasmo palestinense, Deus Senhor sobre a vida e a morte, colocou

    nos homens o sopro da vida como uma bno. Seus mandamentos so vida, suas

    122 R. MEYNET. Il Vangelo secondo Luca: Analisi Retorica. Roma: Dehoniane, 1994; p. 519. 123 Cf supra, 2.2 Destinatrios.

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  • 37

    palavras so de vida.124

    Com o decurso dos sculos, cresce a convico de que a

    verdadeira vida deve ser eterna, pois procede do Deus que no tem fim de dias.

    Assim, no judasmo tardio, os fariseus defendem a ressurreio academica-

    mente125

    , e nisso confrontam os saduceus (cf. Mt 22,23.34). Este dado, bastante

    conhecido, leva concluso de que o rico notvel est muito mais afinado com a

    doutrina dos fariseus do que com os saduceus.

    No judasmo helenstico, a alma, como portadora da vida, imortal. A

    expectativa de vida aps a morte muito difundida, mas a imortalidade da alma

    substitui parcialmente o conceito de ressurreio, e o julgamento acontece

    imediatamente na morte.126

    No NT, a vida sujeita morte apenas temporria; a verdadeira vida, em

    Deus, indestrutvel. A nossa ressurreio est baseada na ressurreio de

    Cristo,127

    ao qual o fiel est unido. Vida sujeita morte no merece ser chamada

    vida. A verdadeira vida dada por Deus como bem escatolgico. Essa vida vida

    eterna.128

    Dessa forma, associado ao conceito de vida, temos o de eternidade, . O

    termo est presente na LXX (cf. Am 9,11; Is 45,17; Sl 45,6), e no AT significa

    primeiro que Deus sempre foi e sempre ser, diferentemente dos mortais. O NT

    tomou essa construo judaica e estendeu a eternidade a Cristo (Hb 1,10; Ap 1,17-

    18; 2,8)129

    , mediante quem tal eternidade alcana os fiis.

    Para Paulo, a vida eterna consiste no fato de que tudo o que era velho deu

    lugar ao novo em Cristo, o segundo Ado, autor da nova humanidade; se h um

    cumprimento futuro, h tambm uma renovao presente.130

    E para Joo, os

    crentes j passaram da morte para a vida; Jesus a ressurreio e a vida, e por isso

    os que nele creem vivero ainda que morram.131

    124 Cf. G. KITTEL; G. FRIEDRICH (orgs.). Dicionrio Teolgico do Novo Testamento. vol. I.

    So Paulo: Cultura crist, 2013; p. 323. 125 Idem; p. 324. 126 Ibidem. 127 Idem; p. 325. 128 A. STGER. O Evangelho segundo Lucas. Vol. 3/2. Petrpolis: Vozes, 1974; p. 126. 129 Cf. G. KITTEL; G. FRIEDRICH (orgs.). Op. cit.; pp. 35-36. 130 Idem; p. 325. 131 Idem; pp. 326-327.

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  • 38

    3.4.2

    Mandamentos

    O segundo conceito importante a analisar nesta etapa o de mandamentos,

    ai,. Qual a percepo que poca havia a respeito dos mandamentos?

    A palavra em grego, no acusativo plural no texto, , e na tradio

    judaica tem importncia fundamental. Os mandamentos da Lei so a base da

    fidelidade a Deus; aquele que obedece aos mandamentos agradvel ao Deus de

    Israel e pode ser considerado justo. Os mandamentos so um conceito

    fundamental do Antigo Testamento, base da aliana de YHWH com Israel;

    aparecem com freqncia no plural, significando todos os mandamentos de

    Deus,132

    como o caso da percope em questo.

    Em grego a palavra h, feminina, e uma traduo do termo hebraico

    h'wcmi, que pode ser traduzido por mandamento, preceito, ordem, lei, ou significados afins.

    133 No Antigo Testamento, os equivalentes a h, aparecem

    muitas vezes (da raiz hwc, temos h'Wci 344 vezes, e h'wcmii 159 vezes).134 A maior ocorrncia no Pentateuco; pode ser empregada para uma ordem humana, mas

    geralmente refere-se a mandamentos divinos.135

    H outras palavras, derivadas de

    outras razes (dqp, rbd, qwx) que tambm so traduzidas por h,, e sempre no sentido dos preceitos e estatutos ditados por Deus para Israel, e exigindo

    correspondncia do povo.136

    Esta a prpria aliana de Deus com seu povo eleito.

    E a fidelidade deste a tais normas ocasionar a bno, o amparo e o perdo de

    Deus.137

    Mas por influncias helnicas, especialmente esticas, o judasmo dos

    tempos de Jesus vivia em tenso.138

    No mundo helenstico, h, a traduo

    grega da LXX para o h'wcmii hebraico, e por isso tal palavra ganha um solene

    132 Cf. H. G. LIDDELL; R. SCOTT. A Greek-English Lexicon. Oxford: University Press, 1968;

    p. 576. 133 Cf. L. A. SCHKEL. Dicionrio Bblico Hebraico-Portugus. 5 reimpresso. So Paulo:

    Paulus, 2012. 134 Cf. C. BROWN e L. COENEN. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento.

    Vol.I. So Paulo: Vida Nova, 2000; p. 1243. 135 Idem; p. 1244. 136 Ibidem. 137 Idem; pp. 1243-1245. 138 Idem; p. 1246.

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  • 39

    sentido religioso. Mas entre os esticos no era um termo valorizado, estava na

    parte mais baixa da moralidade, j que o ato voluntrio era superior a um ato que

    foi ordenado. O verdadeiro sbio conhece e pratica a virtude sem os

    mandamentos, que s podem ser tolerados pelos imaturos e ignorantes.139

    Nos evangelhos sinticos, vemos Jesus endossando todos os mandamentos,

    mas ultrapassando-os pelo mandamento positivo do amor. E ao atacar os

    mandamentos humanos, concentra-se no principal e vai essncia dos

    mandamentos, o amor a Deus e ao prximo (Mt 22,36-40; Lc 10,25-28).140

    E

    ensina que tais mandamentos so inseparveis. Alm do primeiro, o segundo

    semelhante a esse (...) Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os

    Profetas (Mt 22,39-40). Apontando para a raiz do mandamento, a saber, uma

    oferta de vida que brota do amor de Deus, possvel, em gratido, amar tanto ao

    prximo como a Deus.141

    O episdio objeto desta pesquisa um bom exemplo nos ensinamentos de

    Jesus. O rico notvel foi desafiado a distribuir todos os seus bens aos pobres a fim

    de viver, sem reservas, conforme o cuidado dirio da parte de Deus enquanto

    seguia a Jesus.

    Nos escritos joaninos, h alguns sentidos a serem destacados para h,.

    Em Jo 10,18, Jesus recebeu do Pai a h, de dar a vida e retom-la. Mais

    frente, d aos discpulos uma nova h,, o mandamento do amor como o do

    prprio Cristo (13,14; 15,12). Jesus pode falar com toda a propriedade deste novo

    mandamento porque cumpriu total e completamente o mandamento de Deus no

    sentido de abrir mo de si mesmo em prol da humanidade.142

    E ainda, guardar as

    aj, de Cristo a marca do amor verdadeiro a ele (14,15.21). Se o amamos,

    guardamos seus mandamentos e os cumprimos. Mas no h uma relao legalista;

    como o Filho faz a vontade do Pai, assim faz o discpulo em relao a Cristo;

    portanto, estamos diante de uma relao pessoal de amor. A h, do Pai a vida

    eterna (Jo 12,50) no porque algum poderia cumpri-lo e assim ganhar a vida

    eterna, mas porque o ato do Filho, em cumprir este mandamento, importa em vida

    139 Cf. G. KITTEL; G. FRIEDRICH (orgs.). Dicionrio Teolgico do Novo Testamento. Vol. I.

    So Paulo: Cultura crist, 2013; p. 259. 140

    Idem; p. 260. 141

    C. BROWN e L. COENEN. Op. cit.; pp. 1246-1247. 142

    Idem; p. 1247.

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  • 40

    eterna para o mundo.143

    Por fim, nas cartas joaninas, o amor a Deus no uma

    unio mstica, mas est intimamente relacionado ao amor ao prximo, aos irmos.

    No combate ao gnosticismo, h a nfase na ligao entre h, e f (1Jo 3,23),

    bem como a insistncia em que os mandamentos no so opressivos (5,3