Budismo e Cristianismo

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ACARA - UVA FACULDADE DE EDUCAO TEOLGICA DO NORDESTE FAETEN CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM CINCIAS DA RELIGIO

SEMELHANAS ENTRE O BUDISMO E O CRISTIANISMO Contribuies Ecumnicas do Oriente para o Ocidente

Francisco Adalberto Alves Sobreira

Maranguape/ CE 2005

Francisco Adalberto Alves Sobreira

SEMELHANAS ENTRE O BUDISMO E O CRISTIANISMO Contribuies Ecumnicas do Oriente para o Ocidente

Monografia apresentada Universidade do Vale do Acara UVA, como requisito parcial para obteno do grau de Licenciatura Plena em Cincias da Religio, sob a orientao da Prof. Glucia Narciso.

Maranguape/ CE 2005

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DEDICATRIA

Dedico esse trabalho a minha esposa, aos meus pais, e a todos aqueles que lutam pelo respeito entre as religies.

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AGRADECIMENTOS

Agradeo ao Deus de todas as religies, por ter se expressado de formas to diferentes para o bem da humanidade. Agradeo ainda ao apoio e co-orientao do Prof. Eduardo de Arajo Miranda.

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No h absolutamente nada que no seja mais fcil com o conhecimento. (Shantideva)

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Sumrio

Introduo ........................................................................................................................ 1. Origem e Correntes atuais .......................................................................................... 1.1 Cristianismo ............................................................................................................ 1.2 Budismo .................................................................................................................. 2. Semelhanas Histricas ................................................................................................ 2.1 As mes Imaculadas ............................................................................................. 2.2 As profecias aps o nascimento ........................................................................... 2.3 A busca dos predestinados ................................................................................. 2.4 A prova das tentaes .......................................................................................... 2.5 O preconceito no incio da misso ........................................................................... 2.6 Autoridade de Buda e Jesus em apresentarem-se como nicos .............................. 2.7 A disseminao do conhecimento ........................................................................... 2.8 Iluminaes ............................................................................................................ 3. Semelhanas doutrinrias ................................................................................................ 3.1 O primeiro discurso ................................................................................................ 3.2 A sntese dos ensinamentos por eles mesmos ............................................................ 3.3 Os mandamentos ................................................................................................... 3.4 Como tratar os inimigos ............................................................................................. 3.5 A f ........................................................................................................................... 3.6 A importncia do esforo pessoal .............................................................................. 3.7 Crtica vaidade ................................................................................................... 3.8 Concepo de Deus ............................................................................................. Concluso ........................................................................................................................... Glossrio ........................................................................................................................... Bibliografia ........................................................................................................................

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INTRODUO

Este trabalho o reflexo de quase cinco anos de estudos e reflexes acerca do enigma da inexistncia de diferenas entre as religies, realizado atravs de pesquisa bibliogrfica comparada. A principal diferena, e talvez nica que exista entre as religies, que cada religio guarda uma determinada tecnologia espiritual que poderia complementar e ajudar suas irms a se desenvolverem espiritualmente, quando vistas com olhos ecumnicos. Traamos as principais semelhanas entre o Budismo e o Cristianismo, atendo-se mais corrente Crist do Catolicismo Romano, e corrente Budista Tibetana. A bibliografia selecionada teve como fundamentos principais a Bblia Sagrada, em especial o Livro de Mateus; o livro O Evangelho de Buda, do monge Swami Kharishnanda (1998); a obra Religies da Humanidade, do Padre Waldomiro Piazza (1991); e O Despertar do Buda Interior do Lama ocidental Surya Das (2001). Os termos sublinhados constam no glossrio ao final da obra. Este trabalho pretende quebrar muitas barreiras e dogmas, mostrando vises de certa forma polmicas, quando destroa o mito do atesmo Budista. Atesmo seria a negao ou a omisso em falar sobre Deus? Como o Budismo ento uma religio? Existem Divindades no Budismo? O trabalho foi dividido em trs captulos, mostrando no Captulo I a Origem de cada religio separadamente e suas linhas de atuao na atualidade; O Captulo II d um esboo nas semelhanas de fatos histricos entre as duas religies, penetrando ainda no campo da Devoo a Maria e ao Buda Feminino, nas Mortificaes e no Proselitismo. Uma anlise sobre o sincretismo explanada especialmente sobre o ponto de vista oriental, com suas vantagens e conseqncias co-relacionadas. No Captulo III apresentamos as semelhanas doutrinrias, procurando intermediar o

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fosso entre o esforo para Iluminao Oriental e Graa Divina do Ocidente. O Budismo centra todos os esforos espirituais no esforo humano, enquanto no Cristianismo enfatizada a f como suficiente para a graa Divina. Como conciliar e encontrar semelhanas entre estes dois pontos opostos? Este mais um quesito a ser analisado e debatido. Debatemos ainda sobre a complexa Doutrina do Vazio, sua relao com a vida cotidiana, prtica religiosa e a Negao de Si mesmo; a F e as Divindades Budistas . Esta monografia tem ainda como objetivo esclarecer o Catecismo budista a partir do ponto de vista de um ocidental que tem tradio familiar no Cristianismo, mas que tem estudado o Budismo Tibetano, Budismo Zen, o Hindusmo reformado de Sri Ramakrishna e os Movimentos Gnsticos contemporneos, como forma de lanar bases educativas para o corpo docente e discente da rea de Cincias da Religio, que precisam romper as amarras que os prendem aos conceitos dogmticos do Ocidente e do Cristianismo em especial, a ponto de considerar as Escrituras Sagradas e Deus unicamente em sua tradio religiosa, excluindo as restantes como outrora no perodo medieval. Nosso tempo no mais um tempo de dominao, mas um tempo de nfase no resgate da paz entre os povos. E enquanto houver os preconceitos, inclusive religiosos, jamais o mundo poder viver em paz. A grande tentativa desse trabalho foi explorar de forma filosfica e antropolgica os fundamentos, semelhanas e contribuies das duas culturas. Acima das diferenas de linguagem, pocas, costumes, histria, influncias sociais e econmicas, procurou-se penetrar na essncia das religies, no real sentido e resultado que servem a cada ser humano que pratica e se aprofunda sinceramente em sua tradio. Ao final do estudo, cada um poder tirar suas prprias concluses: so o Budismo e o Cristianismo irms gmeas? possvel o Ocidente aprender com a espiritualidade Oriental? possvel aprendermos espiritualidade em outras religies sem abalar a f? No h inteno alguma em se pr ponto final a estas questes, mas de gerar idias novas, palpitantes e frteis, que aproximem no simplesmente as culturas, mas principalmente os povos.

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1.

ORIGEM E CORRENTES ATUAIS

1.1 Cristianismo O Cristianismo tem incio em meados do Sculo I com Jesus Cristo, absorvendo e reformando o Judasmo da poca. Perseguido por ser considerado blasfemo ao se anunciar como filho de Deus, Jesus preso e morto na cruz. Aps 03 dias ressuscita, e encarrega seus discpulos de difundirem seus ensinamentos. Seu grande organizador o apstolo tardio Paulo. Os Cristos so perseguidos at o ano 313 d.C., quando o imperador romano Constantino lhe concede liberdade de culto. Em 392 d.C. torna-se a religio oficial do imprio, e no fim da Idade Mdia se expande para a Amrica e sia. No sculo XIX chega a frica (ALMANAQUE, 2004, p.126-127). Divide-se principalmente em trs ramos: Catolicismo, Ortodoxos e Protestantes. Catolicismo: Catlico deriva do grego, e quer dizer Universal. Tem rgida hierarquia centrada no Papa em Roma, e suas principais caractersticas so a canonizao de seus mrtires, considerados intermedirios entre Deus e os homens; a devoo a Maria, considerada intermediria entre os Cristos e Jesus, seu filho; e as missas. A expanso do Catolicismo associa-se com a expanso do imprio romano. Em 1960 surge dentro do Catolicismo a corrente chamada Renovao Carismtica, que introduz tcnicas de manifestao e cura do Esprito Santo. No mesmo ano surge o movimento da Teologia da Libertao, principalmente na Amrica Latina, com o emprego de teorias marxistas para defender a justia social e a opo pelos pobres. (ALMANAQUE, 2004, p.127-128). Ortodoxos: Surgiu em 1054 quando o Imprio Bizantino rejeitou a hierarquia da

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Igreja de Roma. Veneram santos, utilizam os mesmos rituais, mas rejeitam a infalibilidade papal, o purgatrio (lugar intermedirio entre o cu e o inferno) e a doutrina da Imaculada Conceio, na qual Maria teria nascido sem pecado, concebido virgem e ascendida aos cus em vida. Aceita o casamento dos padres. Possui quatro sedes: Jerusalm, Alexandria, Antioquia e Constantinopla (ALMANAQUE, 2004, p.129). Protestantismo: Oriunda da Reforma Protestante da Europa no sculo XVI, onde se abolem os cultos s imagens, aos santos e Virgem Maria; suspende-se o celibato dos padres e o uso do latim nas liturgias. Divide-se ainda em Protestantismo Histrico, Pentecostais e Neopentecostais. O Protestantismo histrico abrange as Igrejas surgidas com a Reforma, que so a Luterana, Presbiteriana, Batista e Metodista. Os Pentecostais surgem em 1906, em Chicago, E.U.A, em um movimento denominado Santidade, atravs da crena no poder do Esprito Santo para curar e garantir a santificao. Ateno especial para a tcnica chamada glossolalia, que o dom de falar lnguas desconhecidas. Incluem-se centenas de Igrejas, tais como Assemblia de Deus e Deus Amor. O Neopentecostalismo formado por grupos autnomos sados do Pentecostalismo, que extrapolaram as tradies deste grupo, tais como o forte tom emotivo dos cultos, forte presena na mdia, expulses de demnios seguidos de converso, e felicidade em vida atravs de doaes Igreja. Destacam-se as Igrejas Universal do Reino de Deus e a Sara Nossa Terra. H ainda grupos sados do Protestantismo que se apiam em outras doutrinas ou revelaes externas Bblia. So as Igrejas dos Mrmons, Adventistas e Testemunhas de Jeov (ALMANAQUE, 2004, p.129-133). 1.2 Budismo O Budismo nasceu no Sculo VI a.C. na ndia, com o prncipe Sidarta Gautama, que aps passar uma vida de luxos afastado de qualquer ato que pudesse mostrar sofrimento, muda radicalmente ao ver um doente, um velho e um cadver, abandonando seu palcio para encontrar a Verdade. Depois de pesadas mortificaes, v que o importante o equilbrio em sua vida, senta-se para meditar, vence o demnio dos desejos e se Ilumina, reformando a

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religio predominante, o Hindusmo, para abrir a espiritualidade a todas as pessoas. Morre aos 80 anos. Em 253 a.C. o budismo propaga-se por vrios pases sobre o cetro do rei indiano Ashoka, que aps longas batalhas imperialistas para ampliao do seu reino, arrepende-se da matana e converte-se ao Budismo, devido o exemplo compassivo de sua esposa. No sculo I, desenvolvem-se os conceitos Mahayanas (Grande Veculo), em contestao aos monges que reservavam unicamente para si a condio de devotos, designando que a Iluminao seria conseguida mais rapidamente com o sacrifcio pelo outro, ao invs de enclausurar-se do mundo. Isso propaga rapidamente o Budismo entre os leigos, assemelhando-o muito ao Cristianismo, mas freado no sculo VII, aps a invaso muulmana na ndia. No Sculo VII, ao adentrar nas fronteiras do Tibet, o budismo mescla-se com a religio local chamada de Bon, e adota os ritos mgicos, a devoo e at alguns Deuses Hindus. Este Budismo foi chamada de corrente Vajrayana (Veculo de Diamante). A religio Budista altamente sincretista, pois Buda no considerando um Deus, permitindo assim seus seguidores conviverem com outras religies (ALMANAQUE, 2004, p.134). Suas correntes de pensamento so basicamente as linhas Theravada, Tibetana e Zen. A corrente Budista Theravada so os ortodoxos do Budismo, que enfatizam a vida monstica e seguem fielmente suas escrituras sem aceitar nenhuma alterao. comum na Tailndia, Ceilo, Sri Lanka e todo o sudeste asitico (DHARMANET, 2005). A corrente Tibetana teve sua origem no Tibet no sculo VII d.C., com a vinda do Mestre Indiano de nome Padmasambhava, e enfatizam a devoo aos Mestres chamados de Lamas, e rituais mgicos advindos da religio primitiva do Tibet. Padmasambhava era dotado de muitos poderes, e as tradies tibetanas asseguram que ele era um no nascido, ou seja, no nascido de um ventre, pois ele simplesmente surgiu. O Budismo tibetano divide-se ainda em quatro grandes escolas, das quais o Dalai Lama o chefe espiritual de uma, alm de ser o chefe poltico da nao tibetana, invadida pela China em 1959. Todas as correntes tibetanas praticam as tcnicas tntricas, que so mtodos de meditao dotados de grande poder, oriundos da regio da Caxemira na ndia, que podem incluir prticas de unio sexual (SAMUEL, 1997, p.103). Por isso, alguns Mestres Tibetanos so casados. O Budismo Tibetano disseminou-se tambm no Nepal, Monglia e quase toda a

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regio prxima ao Himalaia. A corrente Zen foi muito difundida na China, Coria, Vietnam e Japo, e enfatiza a intuio e a meditao, sem dar grande esboo s teorias (PIAZZA, 1991, p.278-322). Difundiu-se muito no Japo, a ponto de se confundir com o prprio povo japons, pois sincretizou as correntes tradicionais, como o Xintosmo e o Confucionismo, aliando-se ao governo quando este favorecia o povo (PIAZZA, 1991, p.321-332). Sua tcnica revolucionria prega a aniquilao da lgica mental, deixando a mente em seu estado natural, seja atravs de meditaes com perguntas sem respostas, chamadas de Koans, seja atravs do Zazen, que uma meditao que visa estender o espao de tempo existente entre cada pensamento, o chamado no-pensar.

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2. SEMELHANAS HISTRICAS Seria o Cristianismo um Budismo simplificado? A complexidade da filosofia do Budismo, e a extrema simplicidade prtica e emocional de Jesus, podem aparentar um grande fosso entre ambas. O prprio Buda reconheceu logo aps sua iluminao que o conhecimento adquirido seria muito difcil de ser entendido, chegando at mesmo a pensar em no divulg-lo para ningum. Mas nas suas prxis podem ser detectadas numerosas semelhanas, tanto histricas quanto doutrinrias. Iniciaremos analisando as semelhanas histricas de vrios eventos ocorridos entre Eles, e os familiares e discpulos com os quais conviviam. 2.1 As mes Imaculadas Os nascimentos de Buda e Cristos guardam semelhanas entre a santidade de suas mes e seu sangue real, como que justificando uma gentica espiritual em boto desenvolvido at o ponto mximo por seus filhos pr-destinados. Buda nasce de uma Rainha, que imaculada e pura de desejos, de nome Mayadevi (KHARISHNANDA, 1998, p. 23-25). Jesus nasce de Maria, a virgem imaculada, cujo esposo possui uma descendncia real oriunda do Rei Davi (Mt 1,1-25). Com o passar dos tempos, Maria foi adorada como a consoladora, a protetora, a negociante das recompensas e alvio dos castigos, sendo uma das Santas de mxima adorao dentro do catolicismo. No entanto, enquanto Maria santificada por ser a Me Imaculada do Salvador, no acontece o mesmo com a me de Buda, Mayadevi. Mayadevi com todas suas virtudes, aps a morte de seu esposo, abandona seu palcio, converte-se ao Budismo juntamente com seu neto e nora, a famlia constituda por Buda antes

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de abandonar o palcio, e todos se tornam monjes. Mas o Budismo sente a necessidade do acalento de uma Divindade feminina, e s doze sculos aps, com a introduo do Budismo no Tibet, que passam a adorar uma Divindade oriunda da ndia, a Arhat conhecida pelo nome de Tara. O Budismo tibetano, embora seja uma religio dominada pelos homens, j que a grande maioria dos seus lderes Lamas masculina, possui uma grande devoo por Tara, considerada a protetora do Tibet (DAS, 2001, p.264). Semelhante tambm com as protetoras ou padroeiras dos estados e municpios do Brasil, as Nossas Senhoras. Tara um ser que se sacrifica para proteger e liberar todos os seres. Sua histria indica um combate ao machismo, crena ilusria da superioridade masculina, tal como houve no Judasmo, Cristianismo e Islamismo. Em um tempo que se perde no espao, Tara meditava e irradiava muita energia, quando foi avistada por alguns monges que ao v-la exclamaram: Grande meditadora, fazemos voto que na prxima encarnao voc possa nascer como homem!. Tara respondeu: Meu desejo que enquanto haja seres sofrendo, eu possa renascer com o corpo feminino. Estes so meus votos. Tara deu a lio que o caminho da liberao no est limitado ao sexo masculino (TARANATHA, 2005). A devoo a Deusa Tara emocionou e entrou como um raio nas camadas populares da nao Tibetana. J o Cristianismo Catlico tem sido muito criticado e incompreendido devido sua devoo a Maria, que ao lado de So Francisco, so os santos mais festejados dentro das camadas populares. As crticas tm vindo especialmente das correntes protestantes, tendo em vista que a Bblia no relata fatos especiais que evoquem sua santidade, como por exemplo, martrios, torturas, milagres ou alguma reforma que tenha feito no Cristianismo. A grande maioria dos santos tiveram suas beatificaes por martrios (Pedro, Paulo, Santa Claus), por reformas que fizeram (Toms de Aquino e Agostinho), ou pelos milagres e poderes manifestados (Francisco de Assis, Santa Tereza Davila). E Maria? Suas maiores proezas so o acompanhamento dos sofrimentos do filho, sem perder a f. No entanto, podemos analisar com mais profundidade a santidade de Maria, acima das Escrituras e encontrando a essncia religiosa da devoo. Tal devoo vem do sentimento de necessidade do amor maternal, considerado maior amor terreno que possa existir. O amor da me incomensurvel, sem limites, sem lgica, sem leis, acima do amor filial, fraterno, sexual e qualquer outro sentimento que possa existir. O alento, alimento e sentimentos dos filhos so todos ensinados com a ternura materna. E se fisicamente assim, por relao e similaridade, o indivduo que filho devocional de uma

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religio, sente a necessidade de um Deus-Me, um Deus flexvel, consolador, protetor, sentimental, acalentador. Algo que no se v no aspecto masculino do Deus-Pai, especialmente o Deus do Antigo Testamento, guerreiro, vingativo, rgido e recompensador. A devoo de Deus-Me remonta desde as religies mais primitivas at nossos dias, como o culto da Me do Grande Esprito dos povos siberianos de 20.000 a.C.; Deusa sis do Egito em 3.200 a.C.; Ishtar na Mesotopmia em 3.000 a.C; a Deusa Kali do Hindusmo em 2.000 a.C.; e a Deusa Atenas da Grcia em 1.500 a.C (PIAZZA, 1991). Todas essas Deusas tinham uma venerao to importante quando ao Deus Supremo de todas essas culturas, como Zeus, Brahma, Osris, Tup, Amon etc. O Judasmo retirou o elemento feminino da devoo, e o Cristianismo o retornou. E a grande figura a preencher esta lacuna Maria, que mesmo sem participar ou entender profundamente todo o drama do Filho que culminou com sua dramtica morte, o apoiou sem hesitar nenhum momento. A devoo a Maria um culto essencial, matriarcal, de sentimentos profundos, que preenche os coraes dos devotos, especialmente os mais simples. E se torna o devoto mais sensvel, mais espiritualizado, mais consolado e firme na compaixo Cristo, de forma nenhuma h que se renegar esse desenvolvimento devocional acontecido no Cristianismo, assim como muitas mudanas, acrscimos e tcnicas foram implementadas no Budismo ao longo dos sculos por milhares de Lamas, Rinpoches, Swamis e Mestres Budistas em geral. 2.2 As profecias aps o nascimento Os nascimentos de Buda e Cristo foram considerados em suas pocas distintas como marcos espirituais, pois seriam o advento da vinda dos Mestres dos Mestres, aqueles que abririam os olhos at mesmo dos maiores Mestres de seus tempos. Mesmo com a diferena cronolgica de 500 anos entre os dois nascimentos, duas pessoas aclamadas como sbias fizeram profecias semelhantes sobre a misso que estas crianas desenvolveriam no mundo. Buda foi profetizado pelo sbio de nome Asita, que ao v-lo, profetizou que ele libertaria o mundo (KHARISHNANDA, 1998, p.23-25). A liberdade do mundo profetizada por Asita abrange dois objetivos: o sofrimento e o social. A libertao da cadeia de sofrimentos profetizada aconteceu na poca de Buda devido sua religiosidade estar centrada nisso, abominando as especulaes e a necessidade

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peremptria dos ritos, que era a crena predominante da poca. Houve tambm a libertao social, pois sua segunda abominao foi a separao dos indivduos em castas, que exclua queles sem hereditariedade nobre, os chamados prias. Assim, para estes, os ritos de purificao e recompensas celestes no estavam disponveis, restando apenas uma vida fsica e espiritual de plena amargura. No Cristianismo temos a figura do Simeo, que j na sua profecia encaixa dor e separao, quando relata que haver quedas de muitos em Israel, e ser alvo de contradio:Ora, havia em Jerusalm um homem cujo nome era Simeo; e este homem, justo e temente a Deus, esperava a consolao de Israel; e o Esprito Santo estava sobre ele. Simeo o tomou em seus braos, e louvou a Deus, e disse: E Simeo os abenoou, e disse a Maria, me do menino: Eis que este posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradio. (Lucas 2,25-34).

E aconteceu mesmo a consolao de Israel, pois com Jesus tambm os excludos passaram a absorver a benevolncia de Deus, independente de ser escravo, gentio, pago ou estrangeiro. O Judasmo da poca alm de impor inmeras regras impossveis de serem cumpridas, enfatizava por demais a hereditariedade judia, excluindo os que no possussem o carter gentico. Enfrentar o poder espiritual dominante foi o ponto central da perseguio de Jesus, pois Roma procurava no interferir nestas questes religiosas to difceis de Israel. Mexer nesse barril de plvora seria estourar rebelies em todos os recantos, o que dificultaria a dominao romana e o recolhimento de impostos. Mais fcil seria dar liberdade religiosa. E Cristo veio e plantou a contradio, trazendo uma nova concepo ao Judasmo, sem muitos rituais, sem muitas exigncias de purificao e provocando uma diviso de guas entre os abertos a mudanas e os retrgrados. 2.3 A busca dos predestinados Procede ainda grande semelhana entre a procura dos Reis Magos pela criana Jesus e a tradio do Budismo tibetano procura das crianas consideradas reencarnaes de Mestres espirituais, tais como os Lamas (Instrutores), tradutores e os regentes polticos, os Dalai Lama. Que mistrios guardam a predestinao da nascimento de certas crianas, gerando a procura dos doutores da poca por seu encontro? O Budismo encontra uma explicao mais plausvel, pois defende a Reencarnao.

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Ento grandes Mestres voltam a encarnar sucessivamente por amor humanidade, para que assim todos os seres cessem seus sofrimentos. Poderiam ficar nas regies paradisacas, celestes, gozando da boa-venturana, mas o amor lhes move ao sacrifcio de se manifestarem fisicamente, com todas as dores, humilhaes e intolerncias que isso traz (DAS, 2001, p.128129). J o Cristianismo tem nessa passagem atualmente apenas a exposio do cumprimento das profecias, pois no aceita mais a reencarnao. Como dar lgica a vinda de seu maior Mestre, o Deus vivo em carne, se no h toda uma expectativa? Mas a aceitao da reencarnao ou transmigrao das almas nem sempre foi assim no Cristianismo, pois at os seis primeiros sculos do Cristianismo a crena na reencarnao era comum: A crena na reencarnao constitua um dos dogmas das comunidades crists primitivas, mas depois foi considerada hertica e banida da teologia crist no Segundo Concilio de Constantinopla em 553 d.C. (KERSTEN, 1998, p.28). Os sbios reis Magos, oriundos provavelmente da Prsia, terra de conhecimentos mgicos, sobrenaturais, astrolgicos, msticos e at astronmicos (pois seguiam uma estrela), chegaram exatamente no ponto certo do encontro do menino, to distante da cidade que nem mesmo o Rei Herodes tinha conhecimento. Este o mesmo procedimento utilizado pelos sbios do Tibet, mesmo na atualidade. No sculo XIX, uma expedio foi criada com a misso de encontrar a reencarnao do atual XIV Dalai Lama, e esta se baseou em pistas dadas em vida pelo Dalai Lama anterior; nas indicaes de um monge funcionrio do governo com poderes para ver o futuro, denominado de Orculo; nas meditaes e vises do monge regente do Tibet; e nos clculos dos Astrlogos do governo, pois a Astrologia largamente utilizada pelo governo e cidados tibetanos em geral (KERSTEN,1988, p.98-100).

2.4 A prova das tentaes A similaridade do caminho percorrido pelos dois Mestres encontra-se tambm no isolamento de ambos, onde so tentados por demnios para que abandonem o caminho espiritual em favor da opulncia, luxria e riquezas. Sofrem grandes martrios, indicando a necessidade de controle sobre o corpo. Aps o domnio sobre o corpo, enfrentam as provas de domnio sobre a mente e a

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fora de vontade em enfrentar sua misso. Buda conviveu com ascetas Jainistas que praticavam horrendas mortificaes no corpo e na mente, para assim ter domnio da mente. Dentre as mortificaes destaca-se fechar as mos muito fortemente e por muito tempo, a ponto das unhas atravessarem as palmas; calar sandlias com pregos; dilacerar suas carnes com laminas ou fogo; morar e dormir com cadveres. Alimentava-se com apenas dois gros de arroz por dia, tornado-se to esqueltico que ao tocar o estmago, atingia a coluna (KHARISHNANDA,1998, p.56-57). Aps seis anos de penitncias e meditao, tendo-se isolado dos seus companheiros ascetas, tentado por Mara, prncipe das trevas, com cenas de luxria, poder e riquezas (KHARISHNANDA,1998, p.62-63). J Jesus foi conduzido pelo Esprito ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4,1-1). Jejuou tambm quarenta dias e quarenta noites no deserto (Mt 4,2). As horrendas mortificaes de Buda so tambm semelhantes ao sofrimento de Cristo na priso e na cruz. Os fatos da tortura crist inspiraram por sculos a penitncia sangrenta como forma de expiao dos pecados. Muitas dessas penitncias intentavam imitar seus sofrimentos, seja martirizando-se com objetos cortantes, seja sendo pregado com parafusos na cruz. Estas tradies chegaram at nossos dias, tendo como exemplo um grupo de penitentes na cidade de Barbalha, interior do Cear, que costumam fazer rituais de autoflagelao:Mas o Cariri no abriga apenas fanticos aguardando o fim do mundo. Grupos de penitentes que praticam a autoflagelao como forma de penitncia para aplacar a ira de Deus, obter o perdo dos pecados e chegar ao paraso, so ainda mais numerosos. Um dos mais tradicionais o do Stio Cabeceiras, em Barbalha, cidade a menos de 20 quilmetros de Juazeiro do Norte. Liderado por Joaquim Mulato de Souza, 77 anos, o grupo uma tradio que vem sendo mantida h pelo menos quatro geraes. (...) As oraes so centenrias. A penitncia diria para as mulheres a orao. J os homens se submetem a um ritual muito mais impressionante que remete aos primeiros sculos da Igreja e a santos mrtires e guerreiros como So Sebastio e So Bernardo. Usando chicotes com lminas afiadas de metal nas pontas, eles se autoflagelam durante longos perodos, enquanto cantam oraes onde se louvam sacrifcios, a dor e a redeno que ela traz, como aconteceu com Cristo (PROFETAS, 1997).

Aps tantos sculos, as penitncias fsicas conseguem perdurar dentro de pequenos grupos, como forma de purificar os pecados e seguir o caminho do Cristo atravs do domnio da dor no corpo. A grande diferena entre a tortura do Cristo e as penitncias sangrentas destes grupos,

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que o Cristo o fez por um motivo maior, e no por questes pessoais. Cristo tambm entrou em uma novela de penitncias com sua priso, tortura e crucificao, e por vontade prpria, mas isso fez para sua mensagem perdurar por sculos, e no para ganhar alguma recompensa espiritual como fazem os penitentes. De outra maneira, talvez o Cristianismo no houvesse se difundido tanto. Imaginem se Cristo no tivesse sido crucificado. Ser que isso conseguiria comover tanta gente? Que grande exemplo de vida ele teria dado? Agora, um homem santo, puro, que enfrentou todos os poderosos da poca para ajudar os desamparados, e como conseqncia foi preso, dilacerado e morto nu, vergonhosamente exposto para uma multido, algo muito forte para que no deixemos de nos interessar que fora era essa que esse homem tinha, e o que tinha para ensinar. Algum bom sofrendo injustias algo que mexe no fundo do ser humano, que atravessa o corao. E essa a porta de entrada do Cristianismo. Os penitentes querem seguir Cristo em seus sofrimentos na carne, mas no seguem sua vida de compaixo e ajuda aos outros, tentando melhorar a vida dos mendigos, das crianas de rua, dos presidirios e dos violentos. Preferem distanciar-se da vida. Muito semelhante ao ps-modernismo, em que se prefere morrer um uma escalada de montanha, do que enfrentando poderosos para ajudar necessitados. Dentro do Budismo no h mais essas penitncias, no mximo jejuns ou retiros espirituais com pouca alimentao. Sacrifcio s se for pelo prximo. Antes do Sculo I o Budismo no era assim, onde os monges isolavam-se da sociedade e faziam grandes sacrifcios em retiros nas cavernas, com disciplinas pesadssimas de meditao e jejuns. Uma deduo bastante plausvel para estas mudanas que os missionrios Cristos da poca tenham influenciado os grandes Mestres Budistas a mudarem seus conceitos de sacrifcio monstico para o sacrifcio pelo prximo. 2.5 O preconceito no incio da misso Embora encerrem o nascimento de Mestres dos Mestres de suas pocas, profetizados como os possuidores dos maiores atributos divinos, Buda e Jesus tambm foram humanos e viveram em determinado contexto social, parecendo ser incongruente as manifestaes fsicas e antropolgicas de uma pessoa divina que possua carne e ossos, como todos os outros seres humanos. O preconceito sobre Buda recaiu sobre seus antigos discpulos com quem teve anos de

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convivncia, e acreditavam de acordo com os conceitos Jainistas predominantes na poca, que a nica forma de ascender espiritualmente e alcanar a iluminao, seria o controle sobre o corpo com as mortificaes. Buda, aps a iluminao, reverteu esses conceitos e exortou todos a terem uma vida equilibrada. Ao verem que seu antigo tutor se alimentava e se vestia normalmente como todos os outros impuros, desprezaram-no por considerarem um fracassado nos seus votos da santidade (KHARISHNANDA, 1998, p.77). Como se tornar santo se no se martiriza? As mortificaes de Buda foram as maiores de todos eles, e ningum era capaz de conseguir repeti-las, e por isso o antigo Sidarta tornou-se o Mestre deles antes de sua Iluminao. Agora, voltando e se anunciando como Iluminado, SidartaBuda apresenta-se forte, limpo e com roupas normais, algo totalmente adverso a tudo que acreditavam at ento. Viraram-lhe os rostos e o consideraram o mais inferior dos humanos, pois conheceu o caminho e desistiu! Assim pensaram os cinco ascetas... O preconceito contra Jesus j no foi oriundo de sua revoluo de conceitos, mas na incapacidade de se compreender como um Messias, o profeta mais esperado de todos os tempos poderia ter uma origem humilde e no ter sado de uma famlia rica e poderosa. Essa a concluso que chegamos quando alinhamos a indagao de Natanael ao ser informado que Jesus nazareno, quando pergunta O que pode vir de bom de Nazar? (Jo 1,46), e os questionamentos de seus conterrneos quando interrogavam: No esse o filho do carpinteiro? De onde vem toda essa sabedoria? (Mt 13,54-58). O preconceito contra Jesus foi puramente materialista, pois era um homem de origem humilde, sem estrutura educacional e financeira. Para que acreditassem em sua mensagem e reforma, exigiam que ele fosse rico, nobre, de uma classe guerreira ou sacerdotal, como se a sensibilidade para mudar o mundo e o prprio ser humano estivesse vedada aos pobres. Alm de ser um pensamento ingnuo, anti-histrico com os prprios fatos narrados anteriormente com o Antigo Testamento. Primeiro, porque quem vem de uma classe dominante normalmente no quer mudanas para no perder suas riquezas e posio. Segundo, porque todos os grandes reformadores de Israel desenvolveram suas misses devido aproximao com a pobreza. Moiss, mesmo sendo adotado pela filha do Fara, enfrentou o Egito porque vivia ao lado dos miserveis de Israel. Cristo nasceu na pobreza, em uma caverna sem nenhum conforto, e desde pequeno j via as injustias, exploraes e vedao espiritual do seu povo. Buda nasceu em um palcio, em uma vida cercada dos maiores confortos, mas vendo que tudo isso no eliminaria os problemas da dor humana, e nem jamais conseguiria achar a verdadeira felicidade, abandonou

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tudo! Abandonou suas riquezas, seus pais, sua esposa, seu filho pequeno, seus amigos e suas vestes, indo viver ao lado de ascetas, mendigos e cadveres. E tornou-se tambm um mendigo, ou melhor dizendo, um monge mendicante. Francisco de Assis tambm faria do mesmo jeito vinte sculos depois, abandonando sua vida fidalga e saindo nu da casa dos seus pais. Tomou essa deciso inspirado na vida de Cristo, mas sua histria muito mais semelhante vida do Buda. 2.6 Autoridade de Buda e Jesus em apresentarem-se como nicos No seria algo totalmente incongruente que duas culturas que se baseiam na compaixo e no amor ao prximo, tenham seus fundadores definindo-se como os maiores, os nicos? Exatamente por causa desses conceitos, muito enfatizados no Cristianismo, que houve tanta intolerncia religiosa na humanidade, com tantos assassinatos e humilhaes s outras religies. Termos como pagos e hereges trazem em seu mago os gritos de sangue de todos os inocentes torturados e mortos absurdamente. Mas seria esse o propsito de Jesus? Jamais poderamos conceber isso. Esse pensamento tacanho seria aplicvel apenas a empresrios sem escrpulos, no af de eliminar a concorrncia, mas no ao reformador do Ocidente. O trecho mais forte no Novo Testamento sobre a superioridade de Jesus apresenta-se no Livro de Joo: Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ningum vem ao Pai, seno por mim. (Joo 14,6). As interpretaes sectrias que se seguiram durante sculos e sculos que o nico caminho seria o Cristianismo, gerando termos insuflados de uma violncia sanguinria: paganismo, heresias, idolatria, mitologia etc. Mas isso tudo foi, e continua sendo, um grande superficialismo letra morta, que no resiste a uma anlise mais profunda. Tal interpretao s teria sentido se o prprio Cristo j estivesse contaminado com a poltica imperialista e podre de Roma. Tal contaminao s foi acontecer quatro sculos mais tarde com o imperador Constantino (SAMUEL, 1997. p.199), criando a ideologia que o Reino de Deus estaria condicionado a um cadastro em uma ordem eclesistica e hierarquizada, bastando para isso um ritual (Batismo), que mesmo inconsciente, garante o passaporte automtico para os Cus (ROHDEN, 1990, p.60). E qual anlise mais profunda seria essa? Por incrvel que parea, vamos encontr-la

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em um escritor oriental e pago: Thich Nhat Hanh, monge Zen Budista, vietnamita, autor de vrios livros sobre o Zen, tendo lutado incansavelmente contra a guerra no Vietn, o que lhe rendeu uma indicao para o Prmio Nobel da Paz, e tambm a expulso e exlio de sua terra natal. Thich sofreu em sua prpria pele a discriminao do invasor contra a religio de seu pas, imposta por missionrios sectrios do cristianismo francs nos anos 70. No entanto, sua luta pela paz o ajudou a ver o outro lado do Cristianismo nas atitudes pacifistas de Martin Luther King e muitos outros nomes, passando a nutrir tanta devoo a Jesus como a Buda, a ponto de possuir uma imagem de cada um em seu altar pessoal! Thich conhece os dois lados da moeda do Cristianismo: seu sectarismo violento e sua compaixo engajada com o social. O Cristianismo ajudou Thich a desenvolver um Budismo engajado com o social, que a tnica dos seus livros, alm do ecumenismo, claro (HANH, 1997, p.73). Para Thich, o trecho de Joo tem a seguinte verso:Quando Jesus disse Eu sou o caminho , Ele quis dizer que, para termos um verdadeiro relacionamento com Deus, precisamos praticar Seu caminho. (...) O Eu na declarao Dele a prpria vida, a vida Dele, que o caminho. (HANH, 1997, p.69).

Essa interpretao d uma clara manifestao da ausncia de egosmo e verdadeira sinceridade de Jesus, pois o valor de seus ensinamentos no est em suas palavras, mas em sua vida! Ele o que sua vida, e nada mais... No h um eu a, um instituidor de Igrejas, sectarismos e dogmas, mas apenas algum que cumpre sua tarefa, e exorta que sigam seus passos de compaixo. Huberto Rohden, professor e escritor brasileiro de renome internacional, compactua com essa viso, quando explica que o nome imposto pelo Anjo Gabriel para o filho de Maria, Jesus, significa Deus Salvao ou Redentor Divino, do hebraico. Tal nome no a designao de um ser, mas a funo visvel de uma realidade externa, sua misso a cumprir (ROHDEN, 1990, p.39-40) Essa separao entre o eu e a vida uma idia completamente budista. Tal separao e afirmao da inexistncia do eu foi estabelecido pelo budismo para contrapor o forte conceito de castas hindu (HANH, 1997, p.68), o qual reforava a idia da superioridade de um eu em funo de sua hereditariedade, desprezando e massacrando as classes hereditariamente desfavorecidas. Assim, Buda tambm se apresenta em diversas ocasies como nico, ou como O Mais

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Iluminado. Logo aps sua iluminao, muda seu nome de Sidarta Gautama para O Iluminado, e ao encontrar novamente seu pai depois de vrios anos, autodenomina-se como O Mestre da Verdade (KHARISHNANDA, 1998, p.84). Mesmo com essas denominaes, o Budismo no se tornou sectrio, mas adotou o respeito compassivo e positivamente sincrtico em todos os locais que propagou, adquirindo tambm o respeito das outras religies. O prprio Hindusmo, que teve um grande declnio aps o Budismo, considera Buda como a 9 Encarnao do seu Deus Reformador, Vishnu (ALMANAQUE, 2004,p.134). No Japo houve praticamente a fuso do budismo com o Xintosmo, implementando no Budismo uma prtica tradicional japonesa que o culto aos antepassados.

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A disseminao do conhecimento

Ambas as religies foram disseminadoras em nvel mundial, talvez devido ao fato de terem sido radicalmente reformadoras, trazendo a ltima palavra em espiritualidade para suas pocas. A orientao de Buda para a divulgao dos seus ensinamentos foi mais doce que a de Jesus, provavelmente por que em sua poca e regio a violncia era bem menor. de se frisar que Buda recebeu o apoio de muitos Reis, vidos de conseguirem atingir a Iluminao, ao contrrio de Jesus, que foi assassinado devido velha forma de poltica podre que derrama o sangue daqueles que ameaam a inteno do poder perptuo. A orientao de Buda foi a divulgao atravs da alegria, mas APENAS para os que quisessem: Buda orientou seus discpulos a reunirem todos os que quiserem escutar as doces palavras da lei, estimulando os incrdulos a receberem a verdade e encher de alegria seus coraes. (KHARISHNANDA, 1998, p.110). A premissa no Cristianismo com Jesus j foi mais amarga, para uma poca sangrenta, escravocrata, ameaadora. Entende Jesus que o preconceito e o desprezo iro liderar a recepo aos Apstolos, preconizando extrema prudncia como alerta s armadilhas dos inimigos ocultos, e usa at mesmo um tom de ameaa para o futuro castigo dos desprezadores de sua reforma:

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Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela digno, e hospedai-vos a at que vos retireis. E, ao entrardes na casa, saudai-a; se a casa for digna, desa sobre ela a vossa paz; mas, se no for digna, torne para vs a vossa paz. E, se ningum vos receber, nem ouvir as vossas palavras, saindo daquela casa ou daquela cidade, sacudi o p dos vossos ps. Em verdade vos digo que, no dia do juzo, haver menos rigor para a terra de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade. Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudente como as serpentes e simples como as pombas. (Mateus 10,11-16).

Em seu af de difundir-se mundialmente, o Cristianismo tornou-se uma religio de proslitos, que consiste na tcnica de converter o maior nmero possvel de adeptos, aderindo-os no novo engajamento religioso. O proselitismo na histria foi feito mediante as milhares de misses evangelizantes, no se furtando utilizao da ameaas, assassinatos e outros crimes hediondos, especialmente contra os indgenas. Para Evaldo Pauli, da Universidade de Santa Catarina, este foi um vcio oriundo da cultura judaica, onde os judeus saam pelo mundo helnico e romano para convert-los ao Judasmo (PAULI, 2005). Esse proselitismo, alm de criar tenses entre os outros grupos religiosos pejorativamente definidos como pagos, necessitou do estabelecimento de dogmas para evitar ou adiar a perda dos fiis de sua escuderia, para que assim no houvesse a ousadia de novas teorias ou interpretaes que viessem abalizar a cpula crist. Ao contrrio do Cristianismo, a disseminao mundial do Budismo tornou-o sincrtico com as demais culturas com as quais se envolvia, adaptando-se e mesclando-se com as tradies culturais e religiosas locais, como por exemplo no Japo, que adotou vrias tradies do Xintosmo. At nossos dias o Budismo considera o sincretismo algo salutar para sua religio, como se o prprio Budismo crescesse com isso. O Budismo realmente no consegue ser uma religio de multides em todos os locais que passa. A grande maioria dos grupos budistas brasileiros no passa de cinqenta integrantes, e isso ocasionado devido a forma de divulgao do Budismo, atravs unicamente de palestras e artigos, em revistas ou Internet. O Budismo considera um missionrio como um erro bastante grave, algo totalmente inadmissvel, pois se algum tenta propagar sua religio e outro faz o mesmo, tornam-se ambos concorrentes e vm os conflitos (DALAI LAMA, 2001a, p.198). O Cristianismo, que herdou o esprito dominador dos judeus e romanos, passou a escravizar povos e desprezar as outras religies, e no Sculo XVIII passou a definir a palavra Sincretismo como algo totalmente negativo, como uma reconciliao ilegtima de pontos

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de vista teolgicos opostos, ou heresia contra a verdadeira religio (FERRETTI , 1995, p.113-130). Assim o Budismo tornou-se sincrtico, e o Cristianismo violentamente sectrio. Seriam dois extremos de uma mesma linha? O ideal seria um meio termo entre o sincretismo e o sectarismo? Para estas religies, que trabalham para divulgar seus ensinamentos em amplitude mundial, o termo sincretismo no pode deixar de existir quando se entra em contato e se convive com culturas diferentes. Embora o Cristianismo e o Budismo tenham chegado a essas culturas trazendo uma nova tecnologia espiritual, jamais poderiam esmagar toda uma cultura tradicional de uma religiosidade que j existe, e que permite o desenvolvimento de muitos aspectos morais incipientes nas novas culturas. Assim aconteceu com os espanhis ao catequizarem os indgenas Maias e Incas, e os portugueses com nossos aborgines. Vieram como culturas superiores, para ensinar o verdadeiro Deus, pois consideravam que estes nativos selvagens adoravam deuses falsos. Com o passar do tempo, consideraram os ndios como almas perdidas, e chegaram a concluir que os nativos eram seres sem alma! S que os indgenas possuam um sistema comunitrio mil vezes mais solidrio que os invasores, alm de terem um cuidado e adorao extrema com todas as formas de vida, pois viam Deus em tudo. No poluam, e s matavam os animais que eram necessrios sua alimentao. Viviam em grande harmonia entre si e com a natureza, um verdadeiro paraso. Os invasores trouxeram apenas a mentira, politicagem, corrupo, armas, estupros, torturas, desmatamento, explorao e guerra. Concluso: eram os nativos mais Cristos que seus dominadores. E estes ainda consideravam sua religio superior, como ainda at hoje consideram... Tal influencia se nota na prpria cultura ocidental, que classifica outras religies antigas como mitologias, e apresenta os termos Divindades e Deuses com as iniciais em letras minsculas, escrevendo unicamente com a inicial maiscula o Deus do monotesmo, como se apenas para Este ltimo houvesse respeito e realidade, sendo os Deuses das outras religies meras invenes. E quais so os problemas trazidos pelo sincretismo? Que religio se queixa de ter mesclado elementos de uma nova cultura na sua? Os africanos foram estraalhados em suas culturas, trazidos algemados em imundos

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navios para nossas terras, e considerados inferiores espcie humana. Para poderem adorar suas Divindades tiveram que sincretiz-las com os Santos Cristos. Mesmo assim, os grupos religiosos africanos da nossa atualidade, em nada se queixam do sincretismo! Mas o Cristianismo dominador, teme e abomina o sincretismo. Considera-se livre dele, uma cultura pura, sem as misturas das outras religies, e isto o que o afasta tanto do Ecumenismo. Conta Thich Nhaht Hanh, monge Zen Budista a quem nos referimos anteriormente, que em uma conferncia de telogos e professores de religio, um cristo indiano falou no microfone: Vamos ouvir falar maravilhas de vrias tradies, mas no vamos fazer uma salada de frutas!. Quando foi a vez de Thich falar, sua primeira frase foi: Uma salada de frutas pode ser deliciosa.... Aps, compartilhou a Eucaristia com um padre amigo seu, para horror dos cristos que estavam no recinto (HANH, 1997, p.23). Por mais esforo e violncia que se faa, impossvel entrar em contato com outra cultura sem sofrer influncias. Por isso, nas palavras do clebre Leonardo Boff, impossvel a ausncia de sincretismo em qualquer cultura religiosa que ultrapasse naes:A Igreja em sua estrutura apresenta-se to sincrtica como qualquer outra expresso religiosa [...] o cristianismo puro no existe, nunca existiu nem pode existir. [...] O sincretismo, portanto no constitui um mal necessrio nem representa uma patologia da religio pura. sua normalidade. (BOFF, 1982, p. 150-151).

De forma alguma podemos condenar o sincretismo, mas devemos equipar-lo ao prprio termo Ecumenismo, denotando respeito, tolerncia e humildade religiosa, alm de uma grande abertura em aprender o novo. Sincretismo une evangelizao e respeito. Sectarismo e tentativa de pureza religiosa unem guerra e atraso cultural. Temos o exemplo muito claro disso nos pases que adotaram o Islamismo Fundamentalista, trazendo guerra e dor para o seu povo. 2.8 Iluminaes A Iluminao definida no Budismo como a descoberta da natureza prpria da mente, de natureza celestial, onde atravs de intensos esforos as nuvens ilusrias se desvanecem e pessoa consegue ver a realidade tal como ela (RINPOCHE, 1999, p.74). Um verdadeiro insight, um grande choque, em que a partir deste instante que se desperta a pessoa muda

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radicalmente sua forma de ver a vida, tornando-se espiritualmente profunda e consciente. A Iluminao a manifestao extraordinria da conscincia, e existem muitos casos no Budismo e no Cristianismo. Buda, aps receber orientaes dos maiores Mestres da poca, Arada e Uraka (KHARISHNANDA, 1998, p.50), e praticar as maiores mortificaes, resolveu abandonar os mtodos usuais e sentar embaixo de uma rvore, decidindo s se levantar aps se Iluminar. Ao conseguir compreender a verdade integral da vida, libertou-se das cadeias da ignorncia acabando definitivamente com o sofrimento e frustrao, adquirindo uma paz permanente e imortal (RINPOCHE, 1999, p.75 e 85). Shantideva, um dos maiores filsofos budistas, era considerado um grande preguioso no Templo que morava na ndia, pois no memorizava nada dos textos sagrados, irritando seus colegas monges. O abade o advertiu que, se na manh seguinte ele no recitasse de memria as Escrituras, seria expulso do templo. noite, o abade foi at a cela onde Shantideva dormia, e lhe ensinou um mantran (palavra sagrada) de Manjushri, o Buda da Sabedoria, que deveria ser recitado a noite inteira para que assim obtivesse ajuda divina e na manh seguinte conseguir cumprir o dever de monge. Amarrando sua gola com uma corda no teto, para que assim sua famosa preguia no o tombasse no cho, Shantideva orou com o mantran a noite inteira, mas ao nascer o sol viu que no estava nenhum um pouco mais esperto. Em alguns instantes teve a viso da Divindade chamada Buda Manjushri, que lhe concedeu a realizao de cada qualidade da perfeita sabedoria. Ao dirigir-se ao palanque, que tinha como platia o prprio rei, pediu silncio e perguntou ao rei se queria que ele recitasse um texto da Escritura ou algo original. O rei sabendo da m fama de Shantideva, solicitou com ironia que fizesse algo de sua autoria. Assim Shantideva comeou a recitar um dos mais famosos textos budistas, O Guia para o Modo de Vida do Bodhisattwa. Ao terminar o ltimo captulo, levitou e desapareceu nas nuvens (SHANTIDEVA, 1998, p.51-57). Dentro do Cristianismo, temos a histria de Moiss, que teve sua vida comum mudada para lder espiritual depois do dilogo com um anjo em forma de chama de fogo em uma sara ardente (Ex 3,1-14). Temos tambm mudanas especiais que se assemelham s experincias da Iluminao: para os apstolos, o dia que mudou suas vidas dando-lhes mais capacidade foi o dia de

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Pentecostes, quando ficaram cheios do Esprito Santo (At 2,1-4). Saulo muda de ser e de nome no caminho para Damasco, aps a viso de Jesus (At 9,1-8). Para o Lama budista americano Surya Das, que tem sua origem tradicional no Judasmo, tornando-se posteriormente um instrutor do Budismo tibetano, esta uma autentica experincia da Iluminao. Define ainda: A Iluminao um processo no diferente de Deus (DAS, 2001, p.26). Francisco de Assis obtm seu grande momento espiritual quando ouve uma voz ordenando que restaure a Capela de So Damio. Aps esse fato, renuncia a todos os bens, veste-se como eremita e comea a reforma. Abraa a pobreza e vence a si mesmo indo pedir esmolas (SOCIEDADE, 2005). Nenhum mstico tem maior semelhana com o Budismo do que Francisco de Assis, com seus votos de pobreza, suas sesses de orao, seus xtases msticos tpicos de meditadores, seu extremo amor com todas as formas de vida. O Budismo reverencia todos os seres como Divinos, e Francisco os Diviniza como irmos, desde o sol e a lua, at os animais e plantas (BOFF, 1999, p.168-170). Tudo para Francisco extremo cuidado, sendo hoje esta a tnica da Teologia da Libertao para poder salvar a natureza da destruio do homem. Todas as experincias dos santos e msticos no poderiam passar despercebidas como autnticas experincias de Iluminao. O Ocidente apenas aceita essas experincias para pessoas que j faleceram, a ponto de alguns correntes teolgicas afirmarem que a Revelao de Deus acabou com os apstolos, restando para n s unicamente os escritos da Bblia. No Oriente, a tradio das experincias pessoais de Revelao de Deus continua no contato entre Mestres e discpulos, renovando suas prticas e deixando acesa a chama da Iluminao.

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3. SEMELHANAS DOUTRINRIAS Entrando no campo da doutrina, exporemos a sntese conceitual comparativamente das duas culturas, mesmo que afastada por sculos e por costumes. Exporemos ainda os aparentes conflitos entre f e Iluminao, e a comparao entre a negao de si mesmo com a doutrina do Vazio. Como se no bastasse, percorreremos tambm o porqu das diferenas Testas e Atestas das duas religies, conseguindo ainda encontrar respaldo para mostrar os mais variados aspectos de irmandade do Oriente e Ocidente. 3.1 O primeiro discurso O primeiro discurso marca a entrada na vida pblica dos Mestres, uma das mais importantes fases na misso. Jesus d o seu primeiro discurso para uma grande multido, mas Buda d para apenas cinco monges, pois entendia que apenas eles teriam capacidade de compreender facilmente a revoluo espiritual que estaria por vir. O 1 discurso de Jesus, o Sermo da Montanha, trata de consolar e mostrar a praticidade do caminho espiritual: ter um corao puro e ser misericordioso. Consola ainda os que choram, os que tm fome de justia e os injuriados. Promete tambm grandes recompensas aos que forem perseguidos por causa do Cristo (Mt 5,1-14). Em meio a toda desolao que viviam os deserdados de Israel, pisados pela dominao Romana e pela inflexibilidade Judaica, Cristo os convoca a terem um corao puro e misericordioso, pois essa seria a nica forma de trazer paz a tanta turbulncia. dio s gera mais dio, e se no houver a misericrdia, perdo e compaixo, todos se autodizimaro.

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Mesmo que haja dor e injustias, o corao puro e misericordioso o que sustentar a fora e o triunfo de uma vida, mesmo que seja assassinado, mesmo que perca tudo, pois poder provocar o benefcio de muitos no futuro. Essa foi a vida Crstica. Buda tambm em seu primeiro discurso mostra o caminho mais prtico para a espiritualidade, e ao invs de consolo, usa a repreenso, pois eram ensinamentos para pessoas a quem j tinha intimidade, e no para uma multido em geral. Proferiu na cidade de Varanasi, ndia, para os cinco monges ascetas com quem praticara as mais violentas mortificaes. Mostrou-os que a espiritualidade baseia-se no caminho do meio, o equilbrio em todas as coisas, e advertiu-os que as mortificaes no limpariam seus defeitos, sendo vs se a personalidade persiste em desejar os prazeres do mundo e dos cus (KHARISHNANDA, 1998, p.78-79). O equilbrio entre o material e o espiritual sempre foi um grande desafio para todos os que buscam com afinco o caminho espiritual, ou a vida da Iluminao. Os monges ascetas amigos de Buda acreditavam que deveriam praticar com todo seu sangue unicamente a via espiritual, e que s assim atingiriam a meta. Embora Buda mostrasse que estavam enganados, seus esforos no foram em vo, pois Buda os considerou como os nicos que estariam aptos a compreenderem a revoluo que iria empreender. Isso por que os cinco ascetas praticavam com verdadeira sinceridade, e no para se exibirem aos outros, mostrarem-se superiores ou para adquirir orgias ou riquezas espirituais. Buda viveu em um mundo de ascetismo fantico, mas que buscava a Deus mesmo que fosse com os maiores sacrifcios. Jesus, porm, conviveu em um mundo contaminado pela poltica, explorao, injustia e violncia. Estes foram os motivos porque Jesus transmite consolo e f, e Buda receita o equilbrio e harmonia da vida material e espiritual. 3.2 A sntese dos ensinamentos por eles mesmos Segundo seus prprios fundadores, em que se resumem os ensinamentos Cristos e Budistas? Podemos encontrar uma forte semelhana tambm entre a sntese de todo o conhecimento de Buda e Jesus, que provocaram a revoluo de suas culturas. Buda, na ndia, luta contra a excluso da espiritualidade das castas inferiores e abole a idolatria, entrando em conflito com os brmanes que detinham o monoplio do ensinamento religioso da tradio hindusta (TOYNBEE, 2005). Entra tambm em conflito com os lderes

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ascetas, pois via o equilbrio como o nico caminho slido espiritualmente, abrindo tambm o leque espiritual para aqueles que no queriam se afastar da vida social. Tambm teve um radical desinteresse teolgico em favor do problema existencial, pois era uma poca em que se contestava a existncia dos Deuses (PIAZZA, 1991, p.278). A linguagem de Buda voltou-se ento totalmente para o esforo humano em prol da Iluminao e cessao dos sofrimentos, uma linguagem totalmente nova em todas as pocas da humanidade, agradando sobretudo queles que no se inspiravam com as idias devocionais do Hindusmo, nem com os extremos do Jainismo. Da seu principal ensinamento ser voltado s quatro nobres verdades: 1- O sofrimento existe; 2- As causas do sofrimento so os desejos; 3- O sofrimento pode ser cessado; 4- A forma para eliminao dos sofrimentos o caminho ctuplo: Compreenso correta, inteno correta, fala correta, ao correta, meios de subsistncia corretos, esforo correto, ateno correta e meditao correta (KHARISHNANDA,1998, p.70-71). As trs primeiras verdades so para reforar a importncia de se praticar a quarta nobre verdade, o caminho espiritual denominado de ctuplo. O caminho ctuplo possui ainda trs subdivises: Treinamento em sabedoria, tica e meditao. Compreenso e intenes corretas pertencem ao Treinamento em Sabedoria. Fala, ao e meios de vida corretos so do Treinamento em tica, e Esforo, ateno plena e Meditao corretas fazem parte do Treinamento em Meditao. A compreenso correta engloba o estudo do apego, insatisfao, carma, samsara, eu, vazio, impermanncia e morte. A doutrina da Impermanncia um dos assuntos mais destacados, pois segundo esta, tudo no passa de uma iluso, pois tudo nasce e morre. Se a pessoa no se aprofunda na meditao sobre a impermanncia, ver como verdadeiras as coisas ilusrias, gerando o apego famlia, bens materiais etc; e ver como ilusrias as coisas verdadeiras, como por exemplo, o esforo de progresso interno, que permite a pessoa sair do ciclo de dor da vida. A inteno correta engloba as diversas tcnicas para desenvolver o corao bondoso e compassivo, com prticas de imaginaes e reflexes. Este o treinamento em Sabedoria, para conseguir ver a realidade dos fenmenos (DAS, 2001, p. 108-182).

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O Treinamento em tica objetiva uma vida de acordo com os preceitos sagrados. A fala correta ensina os benficos de dizer a verdade, no falar dos outros e a utilizao dos mantrans. A ao correta ensina a agir com generosidade, tentar no matar nenhum ser vivo, no se embriagar, e no utilizar equivocadamente a energia sexual. Utilizar indevidamente a energia sexual seriam os relacionamentos sem sentimentos, por puro prazer carnal, em que se v a pessoa com desprezo, apenas como um objeto de satisfao orgnica. Tal procedimento vai contra os ensinamentos do Tantrismo Budista. O meio de vida correto ensina a ter uma profisso que no prejudique os outros, como vender bebidas alcolicas. Aos monges era permitido viver de esmolas dos leigos Budistas nos pases Orientais, pois as crianas desde cedo eram educadas a darem esmolas. Mas com vinda do Budismo para o Ocidente, em que no h essa educao e venerao de sustentar monges, devido a avareza ocidental e os inmeros escndalos de lideres religiosos exploradores da boa f, os monges passaram a aprender profisses e se sustentarem como qualquer outro cidado (DAS, 2001, p. 183-277). Adentrando no Treinamento em meditao, temos o esforo correto, que foca o esforo de controle e percepo mental, para estudar os pensamentos negativos, como evitalos, e como desenvolver os pensamentos positivos. A ateno e concentrao plena ensinam as tcnicas de concentrao, como postura, respirao, forma de olhar, como no dormir na prtica, e como diminuir a agitao mental. A meditao correta ensina as tcnicas de Meditao, como por exemplo, a tcnica de observar a respirao, ou de observar os pensamentos, ou de imaginar a prpria morte, ou de utilizar perguntas sem resposta, como por exemplo, Onde eu estava antes de nascer?. (DAS, 2001, p.278-395) Jesus tambm reformou sua poca e a maneira como era vista a espiritualidade, com seus inmeros rituais e a prtica adoo de sistemas de castas pelos escribas e fariseus, que fechavam as portas aos prias do judasmo. Simplifica o judasmo com todas as suas leis, profecias e rituais em um nico ponto: Amar a Deus de todo o teu corao, e ao prximo como ti mesmo. (Mt 22,34-40). A coluna vertebral do Cristianismo est na abertura do corao, e a do Budismo est na disciplina mental. A evidncia em Amar Deus de todo o teu corao implica em uma devoo que acha foras onde no existe nada; que galga conquistas pessoais onde o ser humano no

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conseguiria supor conseguir; que acumula virtudes para chegar o mais prximo possvel perfeio; que luta contra seus conflitos para no se afastar da sua meta perfeio. Este o sentido da devoo a um Ser Superior, pois do contrrio, o ser humano poderia no ter um ideal to elevado a conquistar. Quem seria um exemplo humano de maior ideal? Jlio Csar, Napoleo, Nietzsche? Seriam ideais por demais pequenos, quando comparamos ao Ser Superior que criou tudo. S amando Deus de todo o seu corao que Algum conseguiria entregar sua honra e corpo para dar esperana e fora para uma multido que no conhece. No entanto, amar unicamente a Deus pode jogar o individuo em um enclausuramento social, sem poder utilizar todo o potencial desenvolvido na sua busca pela proximidade da Perfeio. Mais vale um miservel que colheu uma fruta para um companheiro, do que um grande sbio que passou sua vida escondido em uma caverna. Da a complementao Crstica de Amar ao prximo para Amar ao prximo como a si mesmo! Este Amar ao prximo como a si mesmo pode ressoar como algo extremamente eglatra, vaidoso e narcisista, mas o sentido jamais poderia ser esse. Amar a si mesmo indica fazermos aquilo que seja o melhor para ns, sempre e a todo instante. Seria o correto discernimento entre o que ilusrio e o que real. Trabalhar toda uma vida para ter conforto material, passando por cima dos outros, no seria amar a si mesmo, pois se dedicou a algo ilusrio, que a qualquer momento poder se desvanecer, e que no futuro provoca irremediavelmente a solido e o desprezo dos outros, provocando uma vida intil e depressiva. No raro muitos que levam uma vida assim se suicidam. No possuem paz. Amor devocional deve gerar um amor engajado no social. Dedicar-se ao real seria o prprio aprimoramento pessoal e interior, em prol do engrandecimento da humanidade em todos os seus aspectos. Isso o que qualquer um poderia fazer de melhor para si, e no uma vida materialista, que implicaria consequentemente na destruio e sofrimento de muitas pessoas e da prpria natureza em si, que o que acontece hoje em nosso planeta massacrado. O homem destruindo tudo, todos, e a si mesmo. Pelo prazer momentneo e ilusrio, o homem se suicida ao assassinar a natureza e seus semelhantes. O contrrio do Amar a si mesmo o lema da nossa humanidade, Destruir ao prximo e a si mesmo... Os quatro votos budistas, feitos quando o nefito decide ingressar nas fileiras do Budismo, espelham fortemente que o campo do possvel a completa mediocridade, incondizente com a energia do esforo pessoal ou espiritual a ser conquistada no cotidiano:

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Embora os seres vivos sejam inumerveis, eu me comprometo a salva-los. Embora meus desejos sejam inesgotveis, eu me comprometo a me libertar deles. Embora os ensinamentos sejam ilimitados, eu me comprometo a aprend-los todos. Embora o budismo seja inalcanvel, eu me comprometo a atingi-lo. (SUZUKI, 1994, p.44)

Jesus, assim como Buda, resume sua sntese do caminho espiritual tambm no esforo humano, independente de graa ou recompensa divina. Jesus ordena amar a Deus e ao prximo, e Buda manda encontrar a felicidade extirpando os defeitos e prazeres mundanos. Jesus prega a devoo divina e humana, e Buda a purificao. Mas como ter devoo de qualquer espcie estando com a mente carregada de egosmos, ganncia, desprezo pelo prximo, orgias, irritao, angstias, medos, traio, vinganas, remorsos, traumas e mgoas? Nenhuma devoo, nem pelo Divino, nem pelo companheiro poder existir sem uma disciplina de eliminao de todas essas distores mentais. No seriam ento os dois caminhos, tcnicas diferentes e complementares com o mesmo objetivo? Jesus resumiu seu ensinamento em uma orao, e Buda em quatro. Isso indica que o Cristianismo prima pela simplicidade de conceitos, em quantidade muito menor que o Budismo. S para se ter uma idia, Buda ensinou 84.000 tcnicas para a Iluminao. 3.3 Os mandamentos Os mandamentos constituem as regras de conduta para as comunidades, o caminho moral e tico que deve ser seguido. O Cristianismo adotou os mesmos mandamentos do Judasmo, e estes permanecem em incrvel semelhana, havendo diferenas diminutas, como por exemplo, a citao do amor de Deus no Cristianismo que inexistente no Budismo; e a absteno de drogas e lcool inexistente no Cristianismo. Embora o Budismo no coloque a devoo a Deus, evidencia a orientao de no desrespeitar as Divindades, quando exorta a no blasfemar. So Mandamentos no Budismo: no matar, ser compassivo, dar e receber com generosidade, abster-se de drogas e lcool, na adulterar, ser casto, no mentir, no caluniar, no jurar, no blasfemar, no cobiar, no invejar, purificar o corao da ira e aprender a verdade (KHARISHNANDA, 1998, p.99-159). No Budismo temos mandamentos de conduta que no dizem respeito a verdades universais, como por exemplo, abster-se de lcool. Ora, exagerar no lcool sem dvida um grande empecilho no desenvolvimento espiritual como em qualquer outro desenvolvimento da vida, tais como trabalho, famlia e convvio social. Mas o Budismo estabelece absteno total

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devido os grandes prejuzos que provocam na mente para a prtica da meditao, pois o lcool provoca uma grande agitao mental impedindo a concentrao. J no Cristianismo temos: Amar a Deus sobre todas as coisas, no matar, no roubar, no adulterar, no caluniar, no cobiar a mulher do prximo, no tomar o nome de Deus em vo, honrar pai e me, no jurar falso testemunho, honrar o prximo (Dt 5,1-21). Todos os mandamentos do Cristianismo praticamente se aplicam a verdades universais, pois o objetivo Cristo a simplificao de regras para a comunidade, em oposio s numerosas regras do Judasmo. 3.4 Como tratar os inimigos O Antigo Testamento d pouco valor ao perdo contra os inimigos, ou mesmo nenhum valor, pelo rigor da Lei Judaica. A regra estabelecida Olho por olho, dente por dente, e o perdo aplicado apenas secretamente entre a pessoa e Deus: Porque tu, Senhor, s bom, e pronto a perdoar, e abundante em benignidade para com todos os que te invocam. (Salmos 86,5). Com o Cristianismo, se introduz a nova idia do perdo aos inimigos: todos devem perdoar indefinidamente seus inimigos. No apenas sete vezes, mas setenta vezes sete (Mt 18,22), que metaforicamente, quer dizer ilimitado, sem contagem. A idia lanada pos Cristo vai muito mais longe ainda, radical ao extremo: no s se deve amar seus inimigos (Mt 5,44), como tambm lhe dar a outra face quando agredido (Mt 5,39)! E porque algum faria to grande esforo, amado os inimigos e oferecendo a outra face para a agresso? A explicao dada na Bblia seria a recompensa celeste. No h mais explicaes nas Escrituras para isso. Sem fundamentos que explicassem motivos slidos que no envolvessem os lucros ps-mortem, a filosofia do perdo Cristo tornou-se incua e sem resultados, e o Cristianismo tornou-se cada vez mais intolerante e violento, no s deixando de perdoar os inimigos, mas enxergando inimigos em todos seus recnditos, seja nos fiis das outras religies (os pagos), seja em alguns fiis dela mesma (os hereges). E que conceitos profundos poderamos deflagrar dentro dos ensinamentos Cristos no tratamento com os inimigos? Podemos encontr-los em sua Irm Oriental, o Budismo... Como visto em itens anteriores, o Budismo Mahayana coloca como principal objetivo

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a compaixo, e todo esforo depreendido pela compaixo acelerar rapidamente a cessao dos sofrimentos, nico objetivo da vida. O Dalai Lama diz ainda que a compaixo a forma de egosmo mais inteligente, porque beneficiando os outros, estaremos beneficiando muito mais a ns mesmos. No entanto, sem pacincia jamais conseguiremos ter o mnimo de compaixo. A pacincia a grande chave, e sua conseqncia natural o perdo (DALAI LAMA, 2001a, p.114). H um livro largamente utilizado e memorizado dentro do Budismo Tibetano, chamado Guia para o modo de vida do bodhisattwa, do filsofo budista indiano do sculo VIII, Shantideva. Enumera em oito captulos as grandes vantagens da pacincia, e os grandes malefcios do maior inimigo do ser humano: o dio. Para Shantideva e o Budismo, os inimigos so verdadeiros tesouros! Por qu? Por qu o mais importante para um autentico Budista a sua vida espiritual, mesmo que sua vida material se reduza a uma tigela e um manto. So os inimigos que iro dar a verdadeira fortaleza espiritual, nossos mestres em desenvolver a pacincia, a virtude mais importante a ser adquirida. Atravs da pacincia se consegue a concentrao to necessria para meditar; o perdo para acumular mritos; e a compaixo para acelerar a Iluminao. Ento por que ter raiva dos inimigos se eles nos fazem to bem? A pessoa pode sentir raiva dos inimigos por que pensa que eles assim agem no propsito de prejudicar, no entanto no bem assim. Ningum possui uma independncia de pensamentos e atitudes, tudo interdependente. Se algum procura prejudicar algum, por que existem situaes, pessoas, desejos que o obrigam a fazer isso, que por sua vez so j so controlados por outros fatores que so controlados por outros (DALAI LAMA, 2001a, p.15105). Por exemplo: algum tenta tomar injustamente a propriedade de outra pessoa. Tal atitude pode ter origem no mau exemplo dos pais, em alguma injustia cometida contra este, com a influncia de uma outra pessoa, um desequilbrio emocional, o desespero de ajudar algum, etc e etc. Ento so fatores que regem outros, e o verdadeiro inimigo no a pessoa que est sendo manipulada. Se algum bate em outro com o porrete, de quem devemos sentir raiva? Da pessoa ou do porrete? Por que da pessoa, se a dor vem do porrete? Por que do porrete, se quem o manipula a pessoa? Shantideva conclui que o grande inimigo quem controla isso, o dio. E seria burrice querer mudar os outros, infrutfero, pois: O que mais fcil: cobrir o mundo inteiro de sola, ou apenas nosso ps? (DALAI LAMA, 2001a, p.27).

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No entanto, existe uma raiva chamada de positiva, que quando nos indignamos para ajudar os outros. Porm, deve-se meditar para ter controle sobre essa raiva, seno a pessoa nunca conseguir atingir a concentrao necessria pela ausncia de paz na mente, dissipando seu caminho espiritual como uma tnue fumaa. Raiva positiva pode, mas no um dio positivo, que j indica um completo descontrole. Portanto, se o mais importante o caminho espiritual, a pacincia tem que ser conquistada, custe o que custe. A outra opo bem mais desvantajosa: desistir do caminho de eliminao dos sofrimentos para rumar no materialismo, buscando tirar vantagens em cima dos outros, sofrendo com as angstias da mente, sendo massacrado pela pior conduta da podrido humana, e nunca conseguindo a felicidade, porque a vida se reduziu a uma busca incessante de satisfao dos desejos, vazia e intil.

3.5

A f

Qual seria a definio de f? As definies so as mais ambguas possveis, indo da crena ao poder. Estabelecer f como crena seria um grande erro, um estratgia sectria para fidelizao de proslitos. Um grande reducionismo para uma das palavras mais ricas do Cristianismo, provavelmente com mais definies e exemplos do que no Budismo. Assim, o lder religioso utiliza o termo f para designar unicamente a crena no Cristianismo, que quando abandonado ou decidido mudar para outra religio, perdeu-se a f. Ora, a pessoa deixou de ter interesse na espiritualidade? A outra religio escolhida no possui espiritualidade? Unicamente o Cristianismo possui f e espiritualidade? E por que as maiores atrocidades da humanidade foram cometidas sob a gide de povos cristos? Que f to exclusiva essa que explora, tortura e mata o irmo? Para no cairmos em termos sectrios, poderamos definir a f como o poder da comunicao com Deus, e todas as demais conseqncias que isso possa acarretar. Na maioria de suas curas milagrosas, Jesus dizia: Tua f te salvou! Ento ele se anunciava como um mediador, um receptor da mensagem de Deus para operar os milagres, mas ele por si prprio no o faria. A f seria a grande condio para os milagres, uma f gerada pelo arrependimento, pois sem o arrependimento no haveria as condies necessrias

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para a comunicao divina e a manifestao do poder. F sem arrependimento torna-se tambm hipcrita. Reduz-se a crena e nada mais. A definio de f do Cristianismo retirou da pessoa a fonte do poder mgico, que a exemplo dos magos egpcios, conseguiam fazer encantamentos atravs de seus treinamentos e ritos (Ex 7,22), vangloriando-se e considerando-se superiores, acima da Divindade. O poder mgico agora s pode vir da f, da sua comunicao e submisso ao Divino, e sem esta, nada pode ser feito: Disse-lhes ele: Por causa da vossa pouca f; pois em verdade vos digo que, se tiverdes f como um gro de mostarda direis a este monte: Passa daqui para acol, e ele h de passar; e nada vos ser impossvel. (Mateus 17,20). No Budismo tibetano, a f tambm um grande poder devocional, imprescindvel para o caminho. No entanto, essa f deve ser direcionada para um Mestre, pois ele que ir lhe dar inspirao e conhecimento para seu trabalho espiritual. Enquanto a f no Cristianismo Catlico direcionada para a Trindade ou os Santos, no Budismo devotada aos Budas, Bodhisattwas e para o Mestre espiritual, o guru. Se a confiana no for extrema no Mestre espiritual, o discpulo no poder ir longe no caminho. Se a f que tem de apenas de aluno-professor, o mximo que conseguir ser professor. Se a f entre um discpulo e um Buda, pois v o mestre como o prprio Buda, ento o discpulo ter contato com o Buda. Enquanto a f do Cristianismo incorprea, a do Budismo fsica e corprea. Porm, a f Budista deve ser inteligente, racional, analisando se o guru realmente capacitado para tamanha f (DALAI LAMA, 2001b, p. 73-74 e 103). Dever ser uma pessoa ntegra, tica, compassiva, e possuir realizaes espirituais, como por exemplo, conquistas na meditao, facilitao em fornecer experincias aos discpulos, conhecimentos das iluses mentais, e atitudes genuinamente compassivas. Pois do contrrio ser cego guiando cego, e o discpulo no ir longe, conforme prenuncia Cristo:Deixai-os; so guias cegos; ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairo no barranco. (Mateus 15,14). Porque ho de surgir falsos cristos e falsos profetas, e faro grandes sinais e prodgios; de modo que, se possvel fora, enganariam at os escolhidos. (Mateus 24,24).

Jesus amplia ainda os problemas dos falsos Mestres apontados por Buda. Buda aponta que um Mestre ou professor qualificado deve ter realizaes espirituais, mas Cristo adverte que tambm os falsos instrutores conseguem produzir grandes prodgios, podendo ento confundir os aspirantes que esses prodgios so realizaes espirituais, deixando-os em um

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completo labirinto. De que forma ento Cristo ensina a resolver essa confuso? Atravs da convivncia, pois s atravs dela que poder se observar os frutos produzidos por esses Mestres, pois s a rvore boa produz bons frutos (Mt 7,17). 3.6 A importncia do esforo pessoal Qual o critrio para um Cristo receber suas recompensas celestes? A graa divina baseada na f, ou o esforo pessoal? Dessa questo polmica, muitos cismas foram alimentados entre Catlicos e Protestantes. Algumas linhas Protestantes afirmam categoricamente que o principal a graa divina, independente da conduta que tenha a pessoa. Este um conceito perigoso, pois pode justificar e desenvolver a prpria preguia, irresponsabilidade e hipocrisia dentro do ser humano, bastando que freqente os cultos e faa suas doaes Igreja! Fora da Igreja, que cometam os piores desatinos que sero sempre perdoados... Mas no abandone a Igreja, seno o fogo ardente o consumir! Assim poderia pensar qualquer crtico ou lder religioso mercantilista. No entanto, analisando vrios trechos das escrituras Crists, podemos asseverar fortemente que no assim. Admitir que o esforo pessoal insignificante diante da graa divina seria aniquilar o prprio sentido puro da religio, e ir contra a prpria humanidade. Mesmo porque, quem poder assegurar que digno da graa divina? Assegurar-se- em algum trecho Bblico? Por que seria digno da graa divina um estuprador, assassino, falsrio, estelionatrio que no mudou sua conduta? H trechos Bblicos que so bastante incisivos quanto prtica do esforo pessoal, por exemplo, amar os inimigos e orar pelos que perseguem (Mt 5,44). Existiria um esforo maior do qu o perdo a um inimigo que no se arrepende? Outro trecho mais claro sobre o esforo pessoal est contido na parbola dos talentos. Jesus ensina que o servo que recebeu talentos, e no os usa para dar lucro ao seu patro, um servo indigno e deve ser lanado s trevas exteriores (Mt 25,14-30). No caso, os talentos foram uma metfora a uma moeda da poca, mas na traduo encaixa-se literalmente nos talentos que indicam qualidades, virtudes, dotes que devem ser desenvolvidos, pois este o principal objetivo da vida e das prprias religies: desenvolver o ser humano de forma total, a fim de aproximar-se do Divino. E sem o sacrifcio e esforo no possvel esse

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desenvolvimento, pois para ser dado necessrio pedir; e para entrar tem que bater na porta (Mt 7,7). O discurso no pode estar alijado da prtica. E para seguir os passos de Jesus necessrio tomar a cruz do sacrifcio, e pr suas palavras em prtica para ter uma vida espiritual segura, uma casa com fundao na rocha (Mt 7,24). Conclui-se com estes trechos que a prtica mais importante que as palavras, que estas se tornam vazias sem uma vida adequada. Tornam-se unicamente mentiras e hipocrisias. Onde est a graa de um hipcrita? Purificar-se para receber a graa divina no algo considerado errado no Budismo, mas no citado, pois o Budismo enfatiza a luta pelo sacrifcio de si mesmo, o trabalho de lapidao dos defeitos e desejos para acabar com os sofrimentos dos outros, e assim tambm acabar os seus, j que somos todos dependentes uns dos outros. Um Budista no almeja recompensas. Almeja unicamente conseguir acabar com os sofrimentos de todos, pois ele no diferencia Deus das pessoas, dos animais, das plantas, das pedras, dos mosquitos, das baratas, dos ratos ou de qualquer outro ser. Tudo Deus, tudo deve ser respeitado, e todos devem ser ajudados a encerrarem seus sofrimentos e se liberarem. E a nica forma de conseguir isso adotar uma disciplina mental livre do dio, luxria e intenes nocivas (DALAI LAMA, 2001b, p.17). Para o Budista, esses mritos no chegam nem sequer a ser uma recompensa, mas uma conseqncia natural para a Iluminao, assim como beber gua mata a sede. A grande nfase dada nas recompensas celestes pelo Judasmo e Cristianismo, parece ser uma linguagem dirigida a povos de tradies comerciantes, em que todo passo medido atravs do lucro que se vai ter. Para grandes lucros, grandes passos devem ser dados, mas se o lucro pequeno, s um pequeno passo necessrio. O pensamento oriental diferente. Contam que um grande Mestre tibetano, Geshe Chekawa, difundiu uma prtica para desenvolver a compaixo, chamada de prtica Dar e receber, tornando-se um grande especialista nesta. Atravs dessa prtica, a pessoa medita imaginando dar tudo que possui de mais precioso, e receber tudo de negativo dos outros, seja dor, prejuzos, angstias, medo etc. Isso com o propsito de eliminar a noo do eu e desenvolver a compaixo. Chekawa desenvolveu tanto a compaixo, que confidenciou a seus discpulos perto da hora de morrer, que havia tido vises que renasceria em locais celestes, mas que seu desejo era renascer em locais infernais para poder ajudar as almas agonizantes, e pediu que orassem para que ele renascesse assim, tamanha era a fora de vontade em ajudar os outros, mesmo que fossem

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incorpreos, mesmo que fossem demnios (DAS, 2001, p.168-170). Assim pensa o budismo da linha Mahayana: nada de lucro, nada de recompensas, nada de eu. Apenas o altrusmo, nem que para isso a pessoa sofra e passe misrias. Essa disciplina adquirida atravs de um esforo constante para observar profundamente os pensamentos no dia a dia e na meditao. O convvio com as pessoas extremamente valioso para se estudar na meditao, pois sem esse convvio no seria possvel desenvolver a compaixo, o estado mais elevado da mente e que conduz mais rapidamente Iluminao. Ter compaixo cuidar de todos os seres, estar atento a todos, seja uma formiga que est prestes a ser pisada, seja uma planta que precisa de gua, seja uma pessoa que precisa de consolo. Esta a fora espiritual do Budismo reformado, o Budismo Mahayana , onde a principal meta desenvolver um estado altrustico da mente que tenha a finalidade de se iluminar para beneficiar todos os seres (DAS, 2001, p.43). Ou seja, a compaixo vem como prioridade em relao Iluminao. O esforo deve ser to grande, que para se gerar um estado de compaixo perfeito, a pessoa deve extirpar de si todo trao de egosmo, preocupando-se exclusivamente com os outros. Deve esquecer o seu prprio eu. O eu quero, eu exijo, eu no admito, eu te odeio devem ser mortos para o bem de todos os seres, pois o prprio eu no existe. A compaixo um estado de fortaleza mental, que permite atrair foras ocultas no mago humano para ajudar os outros, enquanto que o egosmo gera fragilidades mentais, depresses, distrbios e doenas psicossomticas, retirando o prprio nimo de viver. Isso para um ocidental pode aparentar muito complicado, pois essa a complexa doutrina do Vazio Budista, mas dentro dessa doutrina de negao com o eu h uma ntima relao com o um famoso trecho Bblico de Mateus: Ento disse Jesus aos seus discpulos: Se algum quer vir aps mim, negue-se a si mesmo (...) (Mateus 16,24). Quando algum nega-se a si mesmo, destri sua concepo de eu, no havendo mais um meu corpo com o que se tenha tanto apego. Se tem apenas um veculo de osso, sangue, carne e rgos para ajudar os outros, no importa se esse veculo sofra maus tratos e violncias em nome de uma misso maior de ajuda humanitria. Mas fazer o veculo corporal sofrer por um capricho pessoal ou financeiro (esportes, espetculos, desafios da mdia) ou negligncia um grande equvoco, em que se afirma tenazmente a egolatria e mostra que no houve a negao de si, ou do eu. Tambm no existe mais um minha vida, minha honra ou meus orgulhos, mas apenas uma srie de atitudes sensveis que buscam a felicidade do

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outro radicalmente e por muito tempo. Existe apenas o cumprimento do dever. No ligar para o conforto do corpo nem para o risco de ser um fracassado materialmente e socialmente, em prol de uma mudana espiritual profunda, consistente e duradoura de todo um planeta, no seria a prpria vida do Cristo? Que outro exemplo to marcante teramos de algum que negou a si mesmo, deixando-se voluntariamente ser execrado publicamente e logo aps, assassinado lentamente? Negar a si mesmo no poderia ter outra conotao que no guarde semelhana com a Doutrina do Vazio. Nenhuma religio poderia sobreviver sem a negao de si mesmo dos seus fiis, negando seus interesses pessoais em prol da comunidade. Por qu Vazio? O Vazio seria a completa ausncia de sofrimentos, e isto no pode acontecer se existe uma separao entre o eu e o outro. Sempre que existir essa diferenciao, o eu sempre ir querer o melhor para si, considerar-se o mais importante, e cedo ou tarde, ir prejudicar o outro. A compaixo ensina a dar mais importncia ao outro, estar sempre atento se ele est sofrendo. Dessa forma, atingindo-se o mais alto grau da compaixo, v-se que nossa felicidade depende da felicidade do outro, que somos todos interdependentes, que temos que estar sempre focados no outro e esquecidos do eu. Esquecidos do eu, vemos que o eu no existe, e ento no teremos mais sofrimento, pois no h mais um corpo ou sentimento que reclame conforto. No Sermo da Montanha, Cristo define os possuidores dos cus como os humildes de esprito (Mt 5,3). Em outras verses bblicas, a traduo define como Pobres de esprito. Tal assertiva vem a configurar como pessoas vazias de arrogncia, orgulhos, vaidades, exigncias e idias pr-concebidas. Seriam os humildes de esprito as pessoas simples, inocentes, vazias de maldade, mas no vazias de inteligncia, pois isto significaria os santos tolos. Vazias de uma inteligncia que cria para destruir, mas ricas em uma inteligncia que pratica o viver no momento presente, resolvendo cada problema em seu devido tempo, sem preocupar-se com o futuro e sem guardar mgoas do passado. o viver desperto, sem pensar, sem lembrar, sem projetar. O autntico no-pensar. Se formos vazios do eu, seremos o prprio Vazio, a prpria ausncia de angstias e dramas. Esta a doutrina. 3.7 Crtica vaidade Grande importncia dada crtica da vaidade nas escrituras crists e budistas. A

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vaidade representa o mais puro materialismo, em que a vida centra-se em si prprio, nos seus prazeres, egosmos, egolatrias, orgulhos, poder e riquezas. Tudo eu, eu e eu. Finda-se assim a vaidade como a grande oposio do caminho espiritual, que se sustenta no altrusmo, sacrifcio, devoo, f e partilha com o prximo. Ou se vaidoso, ou se espiritualista. Nunca os dois. No livro de J, a vaidade eiva-se como o fracasso na vida espiritual, pois Deus no ouve os gritos da vaidade (J 35,13); nos Salmos e Eclesiastes a vaidade retira o objetivo final da vida, provocando uma grande perda de tempo na estadia fsica. Que grande objetivo de vida este? Por que grande perda de tempo? Se para a Bblia o grande objetivo de vida o caminho espiritual, a vaidade seria o afastamento dela por alimentar em demasiado a egolatria, ou em termos tibetanos, o eu. Alimentar a egolatria estende a uma concepo de superioridade ao Divino, pois o homem para si prprio o principal foco de vida. Para Jesus, as boas obras no devem ser feitas diante dos homens, pois assim no se receber a recompensa celeste. Dar esmolas e orar com alarde tpico dos hipcritas, que desejam receber glrias humanas (Mt 6,1-5). Da mesma forma, Buda exorta seus discpulos a no se vangloriarem de suas virtudes ou nenhuma qualidade sobre-humana, pois assim ficar envaidecido, alimentando o egosmo e tirando proveito pessoal (KHARISHNANDA, 1998, p.99-100). Todo o cuidado que Jesus e Buda tiveram em alertar seus discpulos para no se envaidecerem com suas obras, com o objetivo primordial para que continuem sempre a crescer espiritualmente. No entanto, se a vaidade engrandece, a noo de superioridade e busca de prazer terminaro em encerrar as atividades espirituais, provocando o fracasso de todos. No caminho espiritual tem que se lutar contra a egolatria. Eu e Esprito so totalmente incompatveis. 3.8 A concepo de Deus Muitos escritores ocidentais e at orientais concebem o Budismo como ateu. A que Budismo referem-se, j que so vrias as correntes? O Budismo tem como uma de suas caractersticas mais peculiares, adaptar-se s mais diferentes culturas sem esmag-las, mesclando-se entre si. Assim temos correntes das mais devocionais, com o Budismo

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Tibetano, at as correntes mais pragmticas e impessoais, como as escolas Zens. Some-se a isso tambm as diferenas de linguagem, regies, pocas, costumes e concepes entre orientais e ocidentais. A concepo de Deus dentro do Cristianismo tambm no das mais simples. Embora reforme o judasmo transformando-se em uma nova religio, o Cristianismo no abole uma s vrgula de seus ensinamentos, mas os amplia e simplifica ao mesmo tempo. Assim temos as concepes mais impessoais e indefinveis para Deus; como tambm as pessoais, esboadas no carter do prprio Cristo; e outras que tramitam entre a pessoalidade e impessoalidade, como a Trindade em Um s Deus. A definio da Pessoalidade e Impessoalidade de Deus brilhantemente definida por Sri Ramakrishna, um grande reformador do Hindusmo no Sculo XIX. Ramakrishna acaba com o preconceito existente esclarecendo que ambas as vises so devoes autnticas, pois satisfazem a nveis de intelecto diferentes. Os devotos do Deus Impessoal normalmente so pessoas mais intelectualizadas e praticantes de disciplinas espirituais reflexivas, e os devotos do Deus Pessoal so as pessoas mais simples, que necessitam de quadros, imagens e gravuras para direcionarem sua f, o que seria muito difcil sem uma imagem para adorao. De forma alguma poder-se-ia considerar a devoo ao Deus Impessoal ou Sem Forma, superior devoo ao Deus Pessoal ou com Forma, pois Deus sabe perfeitamente que ambos chamam pelo Seu Nome. (ABHEDANANDA, 1995, p. 25-42) As semelhanas entre o Budismo e o Cristianismo entram tanto no aspecto pessoal como no aspecto impessoal de Deus. No Cristianismo encontramos a concepo impessoal de Deus em pelo menos dois livros: xodo e Apocalipse. No xodo, Deus apresenta-se a Moiss sem definio de nome, com nuances de Impessoalidade:Ento disse Moiss a Deus: Eis que quando eu for aos filhos de Israel, e lhes disser: O Deus de vossos pais me enviou a vs; e eles me perguntarem: Qual o seu nome? Que lhes direi? Respondeu Deus a Moiss: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirs aos olhos de Israel: EU SOU me enviou a vs.(xodo 3,13-14).

No Apocalipse sua definio se estende do incio ao fim, quando utiliza a 1 e a ltima letra do alfabeto grego, revestida de extremo poder: Eu sou o Alfa e o mega, diz o Senhor Deus, aquele que , e que era, e que h de vir, o Todo-Poderoso (Apocalipse 1,8). Para Buda, Deus algo impessoal, e no se interessa em defini-Lo como Criador, Sustentador, Reformador ou qualquer outro atributo usado muito no Hindusmo. Seu

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desinteresse teolgico nestas discusses completo, no significando dizer que O negue: Alm da morada de Brahma, h um poder estvel e Divino, existente antes do princpio e no ter fim. (KHARISHNANDA, 1998, p.87). No sculo de Buda, o politesmo Hindu j dava sinais de mercantilismo com seus inmeros Deuses, em que o povo vivia de rituais com o objetivo de adquirir recompensas, sejam elas materiais ou espirituais. Por isso, Buda para inovar e