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BOCA E OUVIDO: Contos Africanos no ensino de história da África nas turmas de 6º anos
Maria Rita de Jesus Barbosa
Pontifícia Universidade Católica PUC-SP
RESUMO: A proposta de comunicação faz parte de um conjunto de projetos que
venho desenvolvendo na Educação Básica da rede pública da SEE/MG, na cidade de Itapagipe/MG, como docente da rede estadual. No ano de 2005 entrei em contato com a Lei n° 10.639/03, que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de Educação Básica do país. Questões envolvendo a temática atravessaram minha pesquisa de mestrado e mantêm-se presente na atual pesquisa de doutorado, porém não como um tema norteador neste momento. Em 2018, durante as aulas de história para turmas de 6º anos do Ensino Fundamental me vi diante do desafio de falar sobre África para esses alunos e alunas. Como validar esse conhecimento histórico para os alunos, como trabalhar para que esses conteúdos ganhassem sentido, o que fazer para despertar o interesse pelo tema da história da África, considerando que a África continua sendo vista por muitos como um lugar de animais selvagens, de gente pobre e atrasada? É possível trazer agentes históricos e narrativas relegadas às margens da historiografia e até mesmo do ensino de história? As civilizações africanas foram assentadas na oralidade na produção e transmissão de suas tradições e memórias, sociedades iletradas A partir de um projeto de abordasse narrativas dos povos africanos com o tema “Contos Africanos” foi possível criar uma conexão entre as turmas de 6º anos e conteúdo histórico sobre África. A maior parte desses alunos conhecem algum conto ou histórias infantis, no entanto grande parte são os contos oriundos da Europa, o que acaba contribuindo ainda mais para o debate, instigando-os a refletir o porquê eles, geralmente, só tem acesso aos contos e histórias infantis da Cinderela, Rapunzel, Branca de Neve, relegando outras narrativas infantis, seja de origem africana ou indígena. O objetivo não é somente apresentar experiências exitosas, mas dialogar sobre as dificuldades e possibilidades em nossos enfrentamentos, como docente no cotidiano das salas de aula, sobretudo, quando nos deparamos com representações construídas no interior das famílias, principalmente aquelas que possuem um forte apelo religioso. Palavras-chave: História e cultura Africana, Contos Africanos, Ensino de
História, Oralidades e Memória.
Relato 1
Professora de carreira da SEE/MG e da SME/Itapagipe-MG, disciplina História. Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Doutoranda em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Bolsista Capes/MODALIDADE II.
A discussão apresentada faz parte das vivências e dificuldades no
cotidiano da sala de aula, com relação ao desenvolvimento de aulas que
possuem como temas geradores à África, cultura africana, povos africanos e
seus saberes. Em termos de verdades discursivas e história universal à
produção eurocêntrica é dominante, relegando assim outras perspectivas
civilizatórias, principalmente, as de regimes orais.
Os impasses entre as civilizações escritas e as civilizações orais são
marcados pelo domínio dos padrões ocidentais de cultura e verdade construída
sobre o código da escrita. Nas civilizações africanas de tradições orais a fala não
é somente uma forma de se comunicar, mas também um meio de preservação
e transmissão da sabedoria dos ancestrais. Vansina define o significado da
tradição oral nas sociedades africanas: “A oralidade é uma atitude diante da
realidade e não a ausência de uma habilidade. ”1
O professor de educação básica que decida enfrentar um ensino de
história que incorpore as culturas de matrizes orais como as civilizações
africanas estará diante de várias dificuldades, como o descrédito dos alunos
diante das narrativas orais oriundas dos povos africanos e também indígenas. A
maioria desses alunos estão imersos em uma sociedade letrada, marcados pelo
valor epistêmico do código escrito, é necessário que consigamos apresentar
esse “mundo novo” da oralidade em um contexto de significados ....
Na minha prática de pedagógica procuro repensar as estratégias de
ensino para construir oferecer momentos de aprendizagem. A leitura recente de
uma obra de bell hooks2, me devolveu parte do entusiasmo de ensinar que
acabamos perdendo diante à desvalorização da atividade do professor.
Esses relatos envolve o trabalho com contos africanos e narrativas
fílmicas, desenvolvido a partir de 2016. Os descritores presentes na matriz de
referência do 6° ao 9° ano definem os conteúdos a serem trabalhados, refletindo
no plano de trabalho do professor. As temáticas Origens da vida humana na
1 VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In KI-ZERBO, J (org). História Geral da África: Metodologia e pré-história da África. Tomo I, São Paulo, UNESCO, 1982, p. 140. 2 hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
terra, Pré-história, Surgimento da humanidade, África dos nossos antepassados,
são os primeiros conteúdos a serem apresentados aos alunos. O que nos coloca
diante de questões que são dicotômicas para os alunos, principalmente, aqueles
provenientes de famílias mais religiosas, percebemos suas angústias e conflitos
a partir de perguntas como: Professora, eu não sou parente de macaco?
Professora, mas foi deus que criou o mundo e homem, a bíblia ensina.
O objetivo do texto não é entrar na discussão sobre as legislações
educacionais ou o currículo escolar, pois esse é um campo de disputas e
divergências. Durante uma Conferência com professor Mauro Cézar Coelho3,
afirmou que a BNCC e o currículo precisam ser transgredido, ou não
conseguiremos atender nenhuma de suas demandas. A fala do professor foi
interessante para pensar a nossa prática em quanto professor de Educação
Básica na rede pública, precisamos transgredir o currículo, o planejamento
escolar, ou não conseguiremos atingir os nossos sujeitos, os alunos.
Na minha atuação como professora de história na E. E. Santo Antônio
deparo-me com essas problemáticas diariamente. Existe uma grande
insegurança no nosso trabalho de professor, muitas vezes tomei certas atitudes
diante de várias questões em sala de aula, mas de forma insegura, não sabendo
se estava fazendo o melhor, e outras tantas me silenciei, sem saber o que fazer
e como fazer.
É inegável a contribuição da Lei n.º 10.639/03 que instituiu a
obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira no currículo da
Educação Básica, posteriormente alterada pela Lei n.º 11.645/08, que inclui a
história e as contribuições dos povos indígenas, no entanto não é possível negar
que nossos alunos dos 6° anos possuem uma visão de mundo, principalmente
de origem da humanidade e essa concepção está na maioria das vezes
vinculadas ao criacionismo, e talvez ainda mais difícil de ser negado é que a
afetividade no cumprimento da Lei também diretamente da disposição dos seus
agentes, professores.
3 COELHO, Mauro Cézar. Ensino de História na Educação Básica: desafios curriculares. 2019.
Conferência apresentada durante o 30° Simpósio Nacional de História/Anpuh. Recife, 17 de jul. 2019. Não
publicado.
No interior das escolas percebemos que nem todos os professores estão
abertos a experiência de um ensino que abordem temas como raça etnia, classe
social, acho que seja, porque trabalhar em uma perspectiva da Lei n.º 10.639/03
é enfrentar todas essas questões e outras que irão se desenrolar a partir delas,
essas são práticas pedagógicas progressistas que os professores necessitam
estar profundamente comprometidos e engajados, mas que é bastante difícil no
cenário educacional brasileiro, mas este é um assunto para um outro texto.
A Lei é indiscutivelmente importante para a inserção da História e Cultura
da África e dos Africanos, assim como uma forma de combater estereótipos e o
racismo, presente em nossas instituições escolares, porém a Lei não terá efeitos
práticos caso o seu conteúdo não seja colocado em prática, nesse momento
entra o papel de nós professores. É notório que as legislações educacionais
estão em constante mudança, e professor sempre imerso nessas mudanças,
não sabe bem como agir, abona todo o seu conhecimento adquirido pela prática
e corre atrás das “novidades”, ou continua a fazer o seu trabalho como sempre
fez?
Nesse relato apresento duas experiências de ensino de história na E. E.
Santo Antônio, na cidade de Itapagipe, para as turmas de 6° anos. A primeira
envolve um dos primeiros conteúdos apresentado nos descritores para o Ensino
Fundamental II, turmas de 6° anos, Origens da vida na África e África dos nossos
antepassados, temas que descontroem algumas das certezas que muitos anos
alunos trazem de casa, convicções e crenças religiosas que entram em conflito
com os conteúdos históricos.
A prática como professora de história da educação nos faz compreender
que alguns conteúdos precisam de uma atenção peculiar, ou simplesmente
cumprirão as formalidades do currículo. Diante das reações dos alunos quando
falava da África como local do surgimento da vida, das tradições da cultura oral,
percebia nos alunos reações de mais diversas desde espanto a indignação,
confrontada com essas reações dos alunos decidi realizar um projeto com o
objetivo de aproximá-los das histórias africanas e sua cultura.
Como são alunos de 6° anos, decidi optar pelos contos africanos, uma
literatura que apresenta a África contada pelos africanos, obras literárias que
trazem em forma de contos ideias outras sobre as origens da vida humana, a
valorização da cultura oral, a importância do papel dos griots nas sociedades
ágrafas. Conforme Luís da Câmara Cascudo, “O conto popular revela
informações históricas, etnográficas, sociológicas, jurídica, social”4. O projeto foi
chamado de “Contos e provérbios africanos: África explicada pelos africanos”.
As dificuldades para a realização do projeto começaram de imediato,
falta de obras literárias sobre contos africanos, fiz uma seleção nas bibliotecas
das escolas da cidade e algumas obras que tinha em casa, separei o material,
coloquei em uma caixa e deixei disponível na biblioteca da escola, assim os
alunos poderiam ler os livros, pesquisar e realizar o trabalho.
O interessante foi perceber que as visões preconcebidas e distorcidas
sobre a África e os povos africanos são frutos das relações familiares, no entanto
grande parte das famílias se envolveu com o projeto, preocupados em ajudar os
filhos a fazer um bom trabalho acabaram se envolvendo de uma forma que
surpreendeu, recebi a visita de diversas famílias para saber do que se tratava,
como deveria ser feito.
No dia do seminário para apresentação dos trabalhos os alunos
deveriam não apenas ler o conto e alguns provérbios que haviam selecionados,
mas contar um pouco sobre a experiência na realização do trabalho e um pouco
de sua interpretação sobre o conto que fora apresentado para a turma. Os relatos
foram os mais diversos, expressões de surpresa sobre a sabedoria que aqueles
contos traziam, estavam entre as mais comuns nas reações dos alunos, muitos
relataram sobre a participação dos pais na realização dos trabalhos e de que em
sua época só li histórias de personagens brancas, Cinderela, Branca de Neve e
outras que também deve ter feito parte da vida da grande parte dos brasileiros
das gerações passadas.
Imagem 1 -
4 CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 12ª ed. São Paulo: Global, 2003, p.12.
Imagem 1: Projeto, Contos e Provérbios Africanos: África contada pelos africanos. Fonte: Arquivo Pessoal. Fotos dos trabalhos realizados pelos alunos dos 6° anos. Escola Estadual Santo Antônio: abr. de 2019.
Relato 2
A ampliação destas fontes e métodos utilizados pela História é
compreendida a partir da afirmação de Bloch: “O passado é, por definição, um
dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa
em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa.”5
O trecho faz alusão às possibilidades de fontes e métodos que o
historiador e o professor de história podem utilizar tanto para o trabalho de
pesquisa como em suas ações pedagógicas no espaço escolar. A aprovação da
Lei n.º 10.639/03 e a Lei n. 11.645/08 nos colocam diante de alguns desafios em
sala de aula, como o combate as representações negativas e os estereótipos
vividos pela população negra ao longo da história brasileira. Quais os métodos
empregar diante dessa nova exigência, de repensar o lugar das populações afro-
brasileiras na história? E as fontes? Quais corroborariam para o ensino da
história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica?
5 BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001,
p. 75.
Em sua pesquisa de mestrado. Delton Felipe destaca o valor do cinema
no ensino da história e cultura afro-brasileira. Para Delton, à utilização das
narrativas fílmicas oferecem aos professores a oportunidade de conhecer outra
lógica de produção histórica, que questiona o modo linear de transmissão de
conteúdos preestabelecidos pelos padrões eurocêntricos, ainda predominantes
em nossa realidade educacional.
[...] nesse sentido, conhecer outras formas de saber, outras formas de ser e de existir dos sujeitos históricos, sociais e culturais, é imprescindível para possibilitar outras abordagens de conhecimento sobre a História da África e das relações étnico-raciais no Brasil. [...]6
Nessa parte apresento o segundo relato de experiência no ensino de
história, o desenvolvimento de um trabalho a partir da análise fílmica. O trabalho
pedagógico foi produzido juntamente com os alunos que estavam chegando do
Ensino Fundamental I, as turmas de 6º ano, aproveitando-se do conteúdo
programático determinado a partir da grande curricular. Os conteúdos didáticos
de História para o 6º ano priorizam a formação do Egito Antigo, do Reino de
Kusch, desmitificando a ideia que muitos alunos trazem sobre a África, como um
lugar atrasado, com guerras, animais selvagens, doenças e assolado pela fome
e até mesmo que o Egito não pertence à África, ou mesmo que África é um país
e não um continente. Estas construções simbólicas são mais comuns do que se
imagina, para os alunos que estão ingressando no Ensino Fundamental II.
Com tratamento dos conteúdos referidos acima, a partir do material
didático, como o livro didático7 adotado, inseri textos contemporâneos com
discussões atualizadas sobre o continente africano, debatemos sobre as
pesquisas científicas que procuram comprovar que os primeiros seres humanos
surgiram na África e textos que discutem as relações raciais na sociedade
6 FELIPE, Delton Aparecido. O “outro” na sala de aula: o cinema no ensino da história e cultura afro-
brasileira na educação escolar. REVISTA CONTRAPONTOS – Eletrônica. Maringá, v. 10, n. 1, p. 82-
89, jan./abr. 2010. Disponível em:< http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/1707/1558>.
Acesso em: 22 out. 2018. 7 JÚNIOR, Alfredo Boulos. História sociedade & cidadania - Edição reformulada, 6º ano. 2. ed. São
Paulo: FTD, 2012.
brasileira. Optei pela escolha de um documentário que aborda o tema com uma
linguagem acessível à turma e fosse capaz de sensibilizá-los a partir de
situações que lembrassem aquelas vivenciadas no cotidiano dos próprios
alunos, o filme “Vista Minha Pele”8, de Joel Zito Araújo. Um curta-metragem, que
utiliza da paródia para tratar da realidade brasileira abordando o preconceito
racial.
O filme “Vista a minha pele”, lançado em 2003 no Brasil, sob a direção
de Joel Zito Araújo, faz uma inversão da estrutura da realidade social brasileira,
narra a história de Maria, uma menina branca e pobre que estuda em um colégio
particular graças à bolsa de estudo que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira
na escola. A maioria de seus colegas, que são negros e ricos, hostiliza-a por sua
cor e por sua condição social, com exceção de sua amiga Luana, filha de um
diplomata que, por ter morado em países pobres, possui uma visão mais
abrangente da realidade. Maria quer ser “Miss Festa Junina” da escola, mas isso
requer um esforço enorme, que vai desde enfrentar a predominância racial
negra, até a resistência de seus pais, a aversão dos colegas e a dificuldade em
vender os bilhetes para seus conhecidos, que em sua maioria eram pobres.
Maria tem em Luana uma forte aliada e as duas vão se envolvem em uma série
de aventuras para alcançar seus objetivos.
Inicialmente, os alunos demonstraram um interesse assaz pelo
documentário. Durante a exibição observei a atenção especial de algumas
alunas negras. Após o encerramento do filme, várias questões foram postas
pelos alunos, algumas voltadas para um contexto mais amplo. “Professora, mas
não foram os negros que foram escravizados?” “Professora, mas aqui ninguém
faz isso com os colegas?” E perguntas que mesmo não sendo feitas em primeira
pessoa, incidiam um caráter muito particular. Professora, mas tem gente que fica
falando que o cabelo dos outros é ruim, cabelo de Bombril.
A apresentação do documentário, Vista Minha Pele, proporcionou novos
olhares para a discussão, acendendo o debate com os alunos, pois a utilização
8 VISTA MINHA PELE. Direção: Joel Zito Araújo. São Paulo: Casa Da Criação/Ceert, 2004. 1 filme
(50min), son.. color.
das imagens, personagens e situações que talvez faça com que alguns alunos
se reconheçam nos papeis representados pelos personagens. Após as
discussões, foi entregue um questionário com sete perguntas para serem
respondidas, em um total de 64 alunos.
O questionário completo, respondido pelas turmas de 6º anos, após
assistirem o documentário, pode ser verificado nos anexos, mas destaco a
questão cinco, pois ela chama atenção para um debate corrente entre os
estudiosos e pesquisadores das relações raciais no Brasil, o racismo é sempre
uma coisa do outro e com o outro.
Desse modo, através das categorias de análise e respostas dos alunos,
foi possível refletir sobre negação da identidade ou não, inter-relação com
pessoas afrodescendentes, preconceito racial (o que os alunos consideram
atitudes preconceituosas) e a importância de se refletir sobre as desigualdades
raciais.
Questionário -1
Você tem um (a) amigo (a) que já foi discriminado (a) ou vítima de discriminação racial?
Total de alunos participantes 64
Alunos que declararam ter um (a) amigo (a) que foi vítima de racismo.
Alunos que declararam não conhecer nenhum (a) amigo (a) que tenha sido vítima de racismo.
Não souberam responder.
36 Alunos 18 Alunos 10 Alunos QUESTIONÁRIO - Questão de número 05 Fonte: Questionário de interpretação do documentário, “Vista minha pele”, entregue as turmas do 6º anos, questão número 05. Itapagipe, ago. 2017.
Diante das respostas dos alunos o que mais me chamou atenção foi o
fato de que mesmo que a pergunta procurasse indagar sobre o racismo sofrido
pelo outro, nenhum aluno declarou ele próprio ter sido vítima de racismo. Alguns
alunos chegaram a citar os apelidos mais comuns utilizados para depreciar a cor
e a origem do indivíduo como, macaco, carniça preta, bugio, cabelo de Bombril
e neguinho do “Pito Aceso”, em referência aos moradores de um antigo bairro
da cidade de Itapagipe, o qual a maioria dos moradores era composta por
negros.
Alguns destes alunos participantes desta atividade são negros, mas em
nenhum momento declararam terem sido vítimas de racismo. Para alguns
professores e mesmo outros profissionais da educação, isso pode ser justificado
através de um corolário perverso, que procura culpabilizar os negros pela sua
autonegação em relação à cor e raça, como uma fala muito comum a aqueles
que desconhecem a trajetória dos negros na sociedade brasileira, dizendo o
próprio negro é que tem preconceito de ser negro.
Segundo Fernandes, citado por Munanga, “O brasileiro tem preconceito
de ter preconceito”.9 No caso dos alunos negros que responderam o questionário
e não disseram serem vítimas de racismo ou preconceito racial, isso possa,
talvez, significar uma autodefesa, ou seja, se não me assumo como negro, logo
não poderei ser vítima de preconceito ou racismo.
Um desafio que vivencio em prática como professora da educação
básica na rede pública que me incomoda muito é como ajudar as minhas alunas
negras, adolescentes entre 12 a 15 anos, pensar que seus corpos pretos e
principalmente que seus cabelos encaracolados e crespos são tão belos quanto
o meu que apesar de ter os fios bem grossos é liso? É dessa dificuldade que falo
como eu mulher branca de cabelo liso posso ajudar as minhas alunas a amar
seus corpos, a gostar dos seus cabelos, não utilizando a violência das químicas
em seus cabelos na busca de um padrão de beleza que foi imposto e continua
sendo valorizado para nós, mulheres brasileiras, mas que não faz parte do nosso
fenótipo.
É importante registrar que não pretendo converter as minhas aulas em
feministas negras, mas gostaria de poder ajuda-las a compreender que não é
necessário alisar os cabelos, pintá-los de loiro para elas serem bonitas. Eu não
sei bem como fazer isso, tenho medo que elas me digam que para mim que
tenho pele clara e cabelo liso é fácil dizer para elas não alisarem o cabelo.
Considerações finais
9 MUNANGA, Kabengele. Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. Kabengele Munanga (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciências, 1996, p. 76.
Diante de transformações e profundas incertezas pelas quais passam
sua matriz acadêmica, a História escolar tem buscado redefinir seus princípios e
finalidades de maneira a superar perspectivas históricas eurocêntricas,
cronológicos lineares e mono causais. Da mesma forma o objetivo dos relatos
descritos neste texto, não foi apontar caminhos, ou receitas para trabalhar
determinados conteúdos, mas compartilhar experiências que realizadas diante
de várias incertezas alcançaram os objetivos que se propuseram.
A questão principal era a busca por integrar sujeitos e narrativas
históricas ausentes nos conteúdos escolares e proporcionar aos alunos essa
pluralidade das narrativas sobre os mais variados assuntos, nos conteúdos do
projeto é pensar que a narrativa bíblica sobre a origem da humanidade não é a
única possível e permitir aos alunos o conhecimento de outra África, não apenas
aquela dos escravos e animais silvestres.
No contexto de uma política pública inclusiva e reparativa, a Lei n.º
10.639/03 será capaz de se concretizar se os seus agentes aplicadores, os
professores, torna-la real na prática, esse ensino precisa fazer parte da
cotidianidade das escolas, das salas de aulas dos professores.
Referências
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006. CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 12ª ed. São Paulo: Global, 2003,
FELIPE, Delton Aparecido. O “outro” na sala de aula: o cinema no ensino da história e cultura afro-brasileira na educação escolar. REVISTA CONTRAPONTOS – Eletrônica. Maringá, v. 10, n. 1, p. 82-89, jan./abr. 2010. Disponível em:< http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/1707/1558>. Acesso em: 22 out. 2018.
hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade.
Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017. MUNANGA, Kabengele. Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. Kabengele Munanga (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciências, 1996.
VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In KI-ZERBO, J (org.). História Geral da África: Metodologia e pré-história da África. Tomo I, São Paulo, UNESCO, 1982. Anexos
ESCOLA ESTADUAL SANTO ANTÔNIO
TRABALHO DE HISTÓRIA
DOCUMENTÁRIO “VISTA MINHA PELE”
1) O filme fala sobre qual assunto? O que você pensa sobre isso?
2) Como Maria era tratada na escola e por quê?
3) Qual era o sonho de Maria? E por que ela estava com dificuldade de realizar
esse sonho?
4) Como as crianças negras eram tratadas na escola?
5) Você tem um (a) amigo (a) que já foi discriminado (a) ou foi vítima de
preconceito racial?
6) Maria não desistiu do seu sonho, enfrentou o preconceito e o racismo na sua
escola. E você, pense se estivesse em uma situação parecida com a de Maria,
o que faria?
7) A apuração dos votos não acabou. Pense então quem teria vencido para
rainha da festa Junina, Maria ou Sueli? Faça um texto escolhendo o final da
história.
8) Você já presenciou alguma atitude racista? ( ) Algumas vezes ( ) Várias vezes ( ) Nunca 9) Você já ouviu algum xingamento que considera racista: ( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes
10) Cite alguns desses xingamentos racistas que você considera mais “comum”. _______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Projeto: Contos e Provérbios Africanos: África contada pelos africanos, apresentação dos trabalhos no Seminário. Fonte: Arquivo Pessoal. Fotos dos trabalhos realizados pelos alunos dos 6° anos. Escola Estadual Santo Antônio: abr. de 2019.