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25/11/2017 Guiana Francesa: uma análise geohistórica https://confins.revues.org/11072 1/17 Confins Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia 28 | 2016 : Número 28 Guiana Francesa: uma análise geohistórica Guyane: une analyse géohistorique French Guiana: a geohistorical analysis G R D Résumés Português Français English O artigo visa refletir sobre as características geo-históricas da Guiana Francesa, abordando seus aspectos físicos, demográficos, estruturais, dentre outros. A análise apresenta um panorama sobre as características internas do território ultramarino francês, possibilitando uma reflexão mais aprofundada sobre sua inserção regional. Cet article vise à réfléchir sur les caractéristiques géohistorique de la Guyane, exposant ses aspects physiques, démographiques, structurels, entre autres. L'analyse fournit un aperçu des caractéristiques internes du territoire d'outre-mer, ce qui permet une réflexion plus profonde sur son intégration régionale. This article aims to reflect on the geohistorical characteristics of French Guiana, addressing its physical, demographic and structural features. The analysis provides an overview of the internal characteristics of the overseas territory, enabling a deeper reflection on its regional integration. Entrées d’index Index de mots-clés : Géographie. Géopolitique. Analyse géohistorique. Guyane Index by keywords : Geography. Geopolitics. Geohistorical analysis. French Guiana. Index géographique : Guyane française Índice de palavras-chaves : Geografia. Geopolítica. Análise geo-histórica. Guiana Francesa Texte intégral

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ConfinsRevue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

28 | 2016 :Número 28

Guiana Francesa: uma análisegeohistóricaGuyane: une analyse géohistorique

French Guiana: a geohistorical analysis

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Résumés

Português Français EnglishO artigo visa refletir sobre as características geo-históricas da Guiana Francesa, abordando seusaspectos físicos, demográficos, estruturais, dentre outros. A análise apresenta um panoramasobre as características internas do território ultramarino francês, possibilitando uma reflexãomais aprofundada sobre sua inserção regional.

Cet article vise à réfléchir sur les caractéristiques géohistorique de la Guyane, exposant sesaspects physiques, démographiques, structurels, entre autres. L'analyse fournit un aperçu descaractéristiques internes du territoire d'outre-mer, ce qui permet une réflexion plus profonde surson intégration régionale.

This article aims to reflect on the geohistorical characteristics of French Guiana, addressing itsphysical, demographic and structural features. The analysis provides an overview of the internalcharacteristics of the overseas territory, enabling a deeper reflection on its regional integration.

Entrées d’index

Index de mots-clés : Géographie. Géopolitique. Analyse géohistorique. GuyaneIndex by keywords : Geography. Geopolitics. Geohistorical analysis. French Guiana.Index géographique : Guyane françaiseÍndice de palavras-chaves : Geografia. Geopolítica. Análise geo-histórica. Guiana Francesa

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Afficher l’image Crédits : Hervé Théry 2009

Mapa 01 – As Guianas

A Guiana Francesa, coletividade territorial de ultramar da França, é o menorterritório sul-americano e a única unidade política não independente da América doSul. Junto com Guiana e Suriname forma uma região, marcada pela presença doplanalto das Guianas, relativamente pouco conhecida e pouco explorada pelos estudosgeográficos. Voltadas para o norte, como é possível observar no mapa 1 pela localizaçãodas capitais, as Guianas se integram de forma tímida à dinâmica geopolítica sul-americana e, por essa razão, são consideradas como atores periféricos na região.

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O objetivo desse artigo é analisar as características geo-históricas da GuianaFrancesa, discorrendo sobre seus aspectos físicos, demográficos, etc. Tendo em vista asinúmeras possibilidades de investigação numa análise dessa natureza, optou-se porpartir de uma reflexão norteada pelo modelo desenvolvido pelo Instituto de AltosEstudos Militares de Portugal (IAEM), que reúne fatores físicos, humanos, relativos arecursos naturais, à circulação, tecnológicos e estruturais. Busca-se, contemplandoessas características, apresentar um panorama que permita uma compreensão maisaprofundada sobre o território.

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Dessa forma, o texto divide-se em duas seções principais, seguidas de consideraçõesfinais. A primeira apresenta uma contextualização histórica da região, abordando comose desenvolveu a colônia e como se deu o processo de departamentalização. A segundaelenca os fatores geopolíticos definidos pelo IAEM e analisa a Guiana Francesa à luzdesses fatores, apresentando assim uma análise geohistórica. O artigo é fruto depesquisa bibliográfica e documental e de um trabalho de campo realizado em janeiro de2012. Muito embora vários dados aqui apresentados não sejam inéditos, acredita-seque seja relevante a análise proposta, pois ela viabiliza considerar, em conjunto, osvários elementos que caracterizam este território ultramarino francês.

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De inferno verde a departamentoultramarino

Desde o início do século XVII diversas tentativas de colonização do território daGuiana Francesa foram conduzidas sem muito sucesso. Um século depois ainda haviaum grande esforço por parte dos franceses no sentido de concretizar a ocupação dacolônia. Com este intuito, em 1764 mais de 11 mil franceses migraram para Kourou, aoeste de Caiena, mas foram acometidos por epidemias de malária, tifo, febre amarela edisenteria. Apenas cerca de 60 famílias sobreviveram e foram transferidas para as Îlesdu Salut, para que pudessem ficar em quarentena antes de serem repatriadas. Ofracasso completo dessa iniciativa, associado aos inúmeros fracassos anteriores, fez aregião ficar conhecida como “enfer vert” (inferno verde) (PIANTONI, 2009).

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O período da Revolução Francesa (1789 – 1799) e, posteriormente, o períodonapoleônico foram bastante significativos para a história da colônia. Foi nesse períodoque ocorreu o primeiro processo de departamentalização, muito embora ele tenha sidorevogado por Napoleão, em 1801. O período revolucionário foi responsável também porinaugurar o estereótipo da Guiana Francesa como um local de exílio, pois durante essafase inúmeros presos políticos, inimigos do regime, foram deportados e transportadospra lá. A partir de 1796, após o golpe de 18 fructidor (1797), essa prática se tornourecorrente, já que as mortes na guilhotina eram extremamente impopulares. Osopositores eram enviados para prisões no interior do território guianense, onde boaparte acabava morrendo de fome ou de doenças (MONTABO, 2004a).

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Posteriormente, quando as tropas de Napoleão invadiram Portugal, em 1808, a corteportuguesa se mudou para o Brasil e estabeleceu no Rio de Janeiro a sede da coroa.Dom João VI em resposta decidiu, com o apoio da Inglaterra, invadir a colôniafrancesa. O território foi, dessa forma, facilmente conquistado, embora não tenha sidoanexado aos domínios brasileiros. A ocupação portuguesa se estendeu até 1817, quando,com o fim das guerras napoleônicas, a colônia foi devolvida à França (GRANGER,2012).

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Após o retorno do domínio francês o território experimentou, pelo menos durante aprimeira metade do século XIX, um significativo progresso econômico, baseado numplano de desenvolvimento agrícola, fundamentado no manejo de terras baixas e nautilização da mão de obra escrava. Essa época de prosperidade chegou ao fim com aabolição da escravidão, responsável pela libertação de 16 mil escravos queimediatamente abandonaram as plantações, causando o colapso da economia.

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O abandono das fazendas e a escassez de políticas eficazes de recrutamento de mãode obra nos anos seguintes levaram à ruína definitiva da agricultura como base daeconomia guianense. A segunda metade do século XIX foi marcada pelodesenvolvimento de duas novas atividades na colônia: a prisão e o garimpo. Em 1852,por um decreto de Napoleão III, foi instituída, na Guiana Francesa, uma colônia penal.O imperador alegava que os condenados presos nas cadeias francesas geravam enormecusto e ameaçavam a sociedade, de modo que seria muito mais produtivo usar a forçade trabalho dessas pessoas para promover a colonização. Nos quase cem anos seguintes(1850 – 1946) a administração penitenciária se tornou a atividade mais importante dacolônia. Diversos presídios foram construídos e milhares de condenados, ao todo 68 mildegredados, foram enviados à colônia e submetidos ao trabalho forçado.

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Outra importante atividade iniciada nesse período foi a extração do ouro, estimuladapela descoberta, em 1855, do ouro de aluvião em quantidades exploráveis no interior doterritório guianense. Foi desencadeada, então, uma verdadeira corrida pelo ouro quenessa primeira fase (1864 – 1944) permitiu que, em seu ápice, a produção chegasse amais de 4.500 kg por ano. O apogeu da garimpagem se situa entre os anos de 1910 e1930 e mesmo diante de uma tentativa, durante a I Guerra Mundial, de revitalizar aagriculta, o ouro se tornou a principal base da economia guianense (MONTABO,2004b).

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A primeira metade do século XX foi marcada do ponto de vista econômico pelacolônia penal e pela exploração do ouro. No campo político, a colônia avançou em

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Caracterização geo-histórica

direção a mudanças administrativas, que culminaram no processo dedepartamentalização, em 1946. A lei de departamentalização significou que as colôniasGuadalupe, Martinica, Reunião e Guiana Francesa se tornariam, a partir daquelemomento, départements d’outre-mer da França, nos quais o sistema político francês seaplicaria de modo idêntico ao da metrópole, salvo exceções determinadas na lei.

Esse processo, entendido a partir do princípio da assimilação, removeu qualquerpossibilidade de autonomia para esses territórios, mas para os guianenses representoua esperança de que a região decolasse rumo ao desenvolvimento econômico e social. AGuiana Francesa passou a ter o direito de designar um deputado, um representantepara o Senado e para o Conselho Econômico e Social. O cargo de governador foisubstituído pelo de prefeito departamental e posteriormente foi dada competêncialegislativa ao Conselho Geral (GIACOTTINO, 1984).

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Nesse mesmo ano concluiu-se a fase da colônia penal. Oficialmente, a condenaçãopor degredo já havia sido extinguida por decreto em 1938. Desde então novostransportes de prisioneiros foram proibidos e a condenação a trabalhos forçados foibanida do código penal francês. Apesar disso, as prisões só foram realmente fechadasem 1946 e nos anos seguintes cerca de 800 presos foram repatriados.

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A departamentalização permitiu pequenos avanços e melhorias principalmente emtermos de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico. Contudo, certamente omaior avanço vivenciado na segunda metade do século XX está relacionado àimplantação, na década de 1960, de um centro espacial em Kourou. Em 1964 a GuianaFrancesa foi escolhida para sediar as atividades espaciais da França, em virtude de sualocalização geográfica, já que a proximidade com o Equador facilita a colocação deobjetos em órbita, e da baixíssima densidade populacional. O primeiro lançamento foifeito em 1968 e, posteriormente, com a criação da Agência Espacial Europeia, em 1973,a base de Kourou se tornou o porto espacial da União Europeia. O sucesso do programaespacial Ariane, de lançamento de satélites, a partir da década de 1980, tem feito doCentre Spatial Guyanais – CSG um dos elementos principais para o desenvolvimentoda Guiana Francesa, superando, em grande medida, o estigma de “inferno verde”,conquistado durante a colonização.

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É possível dizer que na década de 1990 a Guiana Francesa já se mostrava uma regiãomuito mais próspera, a despeito da profunda dependência em relação à Françametropolitana, atraindo, inclusive, muitos imigrantes dos países vizinhos. Os haitianos,surinameses e brasileiros são significativos, representando nesse período 75% dosestrangeiros presentes no território e cerca de 25% da população total (PIANTONI,2009).

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Em janeiro de 2010, por uma iniciativa do presidente francês Nicolas Sarkozy, foirealizado um referendo na Guiana Francesa e na Martinica a fim de consultar apopulação sobre o desejo de alterar o status dos departamentos para coletividadesterritoriais ultramarinas, o que garantiria uma fusão entre o departamento e a região eo estabelecimento de uma assembleia única. Esse novo estatuto entrou em vigor emjaneiro de 2016, muito embora, em nenhum momento, tenha sido cogitada apossibilidade de avançar em direção à independência (AFP, 2010).

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Realizar uma análise geo-histórica é uma tarefa que pode ser conduzida de inúmerasformas, tomando como referência diferentes caminhos metodológicos. Neste artigooptou-se por refletir sobre algumas características da Guiana Francesa tendo como baseo modelo desenvolvido pelo IAEM para se realizar uma análise geopolítica(GONÇALVES, 2011). Sem entrar no mérito de uma discussão mais aprofundada sobreas possíveis metodologias de análise, nem tampouco esmiuçar os critérios para aformulação do modelo elaborado pelo Instituto de Altos Estudos Militares, optou-se poranalisar a geo-história da Guiana Francesa à luz dos fatores elencados abaixo poracreditar-se que eles contribuem para uma visão ampla acerca das características doterritório1.

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Quadro 1 – Fatores Geopolíticos (modelo IAEM)

Os fatores identificados pelo Instituto estão sintetizados no quadro abaixo e visamcontemplar os territórios analisados em suas dimensões físicas, demográficas, nopotencial relativo aos recursos naturais, nas comunicações internas e externas, no graude desenvolvimento tecnológico e nos aspectos políticos, econômicos, sociais e militaresmais gerais. A última coluna extrapola o modelo do IAEM delimitando, de forma maisprecisa, os elementos que serão considerados aqui para a análise da Guiana Francesa.

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Fator Físico

Extensão(dimensão esuperfície)

Superfície territorial (Km²)

Localização(Posição relativa) Continentalidade ou maritimidade

Configuração(forma e fronteiras)

Forma (compacta, alongada, recortadaou fragmentada); fronteiras (paísesfronteiriços)

Morfologia (relevo ehidrografia)

Características gerais de relevo ehidrografia

Solo (naturezageológica do solo)

Natureza geológica do solo, tipos de usoe fertilidade

Vegetação Vegetação predominante/ bioma

Clima Características gerais/ zona climática

Mar e viasnavegáveis

Saída para o mar e abundância ouescassez de vias navegáveis

FatorHumano(população)

Demografia(aspectosquantitativos)

Efetivopopulacional Tamanho absoluto da população

Distribuição edensidade

Distribuição nas regiões do país,densidade demográfica total e densidadenos grandes centros

Taxa decrescimento

Taxas de natalidade, mortalidade ecrescimento natural

Composição ouestrutura dapopulação

Composição etária, expectativa de vida eeducação

Etnografia(aspectosqualitativos)

Característicasétnicas, linguísticase religiosas

Grupos étnicos, idiomas falados ereligiões professadas (porcentagens)

Homogeneidade ouheterogeneidade

Divergências ou tensões entre grupos dapopulação

Fator Recursos Naturais

Energéticos Petróleo, gás natural, hidrelétricas,energia nuclear

Minerais Metálicos e não-metálicos

Alimentares Terras agricultáveis, água, pesca

Fator Circulação

Comunicações(transportes)

Plano interno (transportes, vias deacesso, telecomunicações)

Comunicações(relaçõesexteriores)

Relações externas (vias de acesso emigrações)

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Fonte: Elaborado pela autora com base em Gonçalves (2011)

Fator físico: a França tropical

Mapa 2 – Guiana Francesa – Unidades do Relevo

Fator Tecnológico Grau dedesenvolvimentocientífico-tecnológico

Setores avançados, inovações

Fator Estrutural

Aspectos Políticos Governo, regime político

AspectosEconômicos PIB e taxa de crescimento

Aspectos SociaisPIB per capta, mortalidade infantil,população abaixo da linha da pobreza,IDH

Aspectos Militares Efetivos militares, investimentos earmamentos

A Guiana Francesa é o menor território da América do Sul com 84.000 km², o quefaz dela, por outro lado, a maior região francesa. O departamento está localizado entreos paralelos 2º e 5º de latitude Norte e os meridianos 52º e 54º de longitude Oeste, naporção nordeste da América do Sul. A capital, Caiena, se situa na porção nordeste doterritório, na foz do rio de mesmo nome.

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As fronteiras terrestres percorrem um total de 1.250 km, enquanto a fronteiramarítima equivale a 380 km, conferindo ao território um coeficiente decontinentalidade superior ao de maritimidade2. Em relação à forma, pode-se dizer quese trata de um território compacto, cujo formato é semelhante a um trapézio, uma vezque as extensões das fronteiras leste/oeste e norte/sul são próximas, havendo umligeiro estreitamento na porção sul da área. O rio Maroni demarca a fronteira com oSuriname, que totaliza 520 km. A leste, pelo rio Oiapoque e ao sul, pela Serra doTumucumaque, o departamento faz fronteira com o Brasil, num total de 730 km(PRIVAT, 2003).

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No tocante à morfologia o relevo é determinado pela presença do planalto dasGuianas, mas de maneira mais específica Montabo (2004a) divide o território em doisespaços: as terras baixas e as terras altas. No primeiro caso, trata-se da planícielitorânea, que na Guiana Francesa é uma faixa estreita, de 15 a 50 km, que se estendepor toda a costa. Nessa área, a altitude média não ultrapassa os 30 metros, com exceçãoda “ilha” de Caiena e do monte Grand Matoury (234 metros).

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As terras altas, por sua vez, se dividem em quatro setores, como demonstra o mapa 2:uma zona de colinas ao norte, logo após a faixa litorânea; o maciço central de colinasgraníticas, que constituem um dobramento bastante antigo; as montanhas do Inini-Camopi, onde se localiza o ponto culminante do relevo (a montanha Bellevue com 851metros de altitude); e o peneplano meridional, pontilhado por inselbergs, formasresiduais que expõem picos de granito.

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Mapa 3 – Guiana Francesa - Vegetação

O relevo é abundantemente dissecado por rios e cursos d’água, a maior parte delescorrendo na direção sul-norte. Os cinco rios principais são: o Maroni, o maior deles,com 540 km de extensão, e que estabelece a fronteira com o Suriname, o Mana, oApprouague, o Sinnamary e o Oiapoque, que demarca a fronteira com o Brasil. A Serrado Tumucumaque, ao sul, se configura como o divisor de águas entre a baciahidrográfica das Guianas e a bacia Amazônica.

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No tocante aos tipos de solo, as terras altas são marcadas em parte, nas encostas, porsolos rasos em função do escoamento da água provocado pelo relevo acidentado. Poroutro lado, existem também, no planalto, solos bem drenados, nos quais o fluxo de águaé profundo, capazes de sustentar a densa floresta tropical. Nas terras baixas, verifica-seuma primeira faixa, junto ao litoral, constituída por sedimentos marinhos de argilasiltosa, depositados recentemente, sujeita à inundação das marés. Logo em seguida,encontra-se uma faixa considerada como a planície litorânea antiga, constituída de doistipos de sedimentos sobrepostos: argila na base e areia fina e bem ordenada no topo. Nazona das terras baixas, portanto, a cobertura inicial, argilosa e que dispõe de boaspropriedades físicas dá lugar a um solo de areia branca, constantemente alagado nosperíodos chuvosos (BOULET, 1988).

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As terras férteis se localizam na planície litorânea e ocupam apenas uma pequenaparcela do território. A superfície agrícola utilizada é de 232 km², o que corresponde amenos de 0,5% da área total. A terra arável equivale a 0,13% e as culturas permanentesocupam 0,4% do território. As plantações se concentram nas terras baixas, no litoral eao longo dos rios Maroni e Oiapoque. Ao longo dos rios prevalece a agricultura desubsistência, ao passo que na região costeira são produzidos legumes, vegetais eprincipalmente arroz, com a ajuda do sistema de pôlderes (INSEE, 2013).

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O território francês guianense é coberto, em 90% de sua área, pela floresta tropical,que ocupa as terras altas. São 7,5 milhões de hectares considerados, portanto, como amaior floresta da União Europeia. Na planície litorânea, numa estreita faixa, avegetação se alterna entre manguezais e florestas pantanosas. No interior, comoevidencia o mapa 3, predomina a floresta tropical.

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Fator humano: a França créole

Em relação ao clima, a Guiana Francesa está inserida na zona climática equatorial eapresenta, por essa razão, um clima quente e úmido, com temperaturas elevadas epouca amplitude térmica. A temperatura média anual gira em torno de 27ºC e asvariações não chegam a ser superiores a 5ºC. Existem duas estações chuvosas bemdelimitadas: uma menor, de dezembro a fevereiro, e uma de chuvas mais abundantes,de abril a julho. A elevada pluviosidade garante na região uma umidade relativa do arde, em média, 80% (POIXBLANC, 2001).

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O acesso ao mar é favorecido pelos 380 km de costa e o grande número de riospossibilita uma ampla rede de vias navegáveis, que constitui, na prática, a principalligação entre o interior e o litoral. Apesar da existência de muitas corredeiras e quedasd’água, no total 3.300 km de rios e cursos d’água são navegáveis, em sua maior partepor embarcações de pequeno porte. O porto principal do departamento é o Degrad desCannes, localizado no estuário do rio Mahury, a cerca de 10 km da capital.

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A população da Guiana Francesa é estimada em 240.000 habitantes e nos últimosanos o departamento tem experimentado um crescimento populacional elevado, emtorno de 3,5% ao ano. A densidade demográfica, de um modo geral, é baixa, 2,7hab./km², muito embora esse índice possa chegar a mais de 900 hab./km², comoocorre na região em que se localiza Caiena. Como demonstra o mapa 4, a maior parteda população está concentrada na planície litorânea, que ocupa cerca de 5% doterritório.

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A taxa de natalidade é considerada a mais elevada de toda a França, pois equivale a30 nascimentos para cada 1.000 habitantes. A taxa de mortalidade é uma das maisbaixas e corresponde a 3,5/1.000 habitantes. A fecundidade média é elevada, girandoem torno de 3,5 filhos por mulher e a expectativa de vida é de, em média, 78 anos deidade. A estrutura etária da população apresenta um clássico formato piramidal, de

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Mapa 4 – Guiana Francesa – Densidade Demográfica por Commune em 2010

Figura 1: Grupos Étnicos Guiana Francesa

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados de INSEE (2015)

modo que a população pode ser considerada jovem, pois 44% dos habitantes possuemmenos de 20 anos de idade. A taxa de alfabetização é de 98% (INSEE, 2015).

No que diz respeito à composição étnica, o departamento francês é bastanteheterogêneo, já que cerca de 40% da população são créoles, descendentes dos negrosafricanos 30% são imigrantes e 10% são franceses metropolitanos, quase sempreconcentrados na região de Kourou e de Caiena e envolvidos nas atividades do centroespacial. Os maroons, populações descendentes de escravos fugidos que formaramcomunidades no interior, representam 6% e os ameríndios são 5% dos habitantes.

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Fator recursos naturais: a relevância da água e doouro

Em relação às tensões sociais entre os grupos populacionais, pode-se dizer que nãohá grande divergência política entre os grupos tradicionais, mas a presença deimigrantes ilegais pode ser considerada um foco de tensão. O índice de desemprego nodepartamento é elevado, em torno de 20%, e muitas vezes os imigrantes,principalmente brasileiros, surinameses e haitianos, são responsabilizados por“roubarem” as oportunidades dos trabalhadores locais.

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A imigração recente começou com a demanda de mão de obra para a construção docentro espacial, na década de 1960. Posteriormente, nos anos 1990, uma nova onda deimigrantes chegou ao território e se tornou parte substancial da população. Comoafirma Leclerc (2012), em meados da década de 1990 o índice de desemprego chegava a40% e a mão de obra imigrante, irregular e, portanto, mais barata, era muitas vezespreferida em detrimento da mão de obra guianense.

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Embora não haja casos expressivos de conflitos entre imigrantes e guianensesfranceses, o problema dos imigrantes é intenso quando se trata da migração ilegal,especialmente de brasileiros. A tentativa da polícia francesa de combater a entradairregular e o garimpo ilegal rotineiramente termina em hostilidades (SILVA, 2005;AROUCK, 2000). Em julho de 2012, por exemplo, dois militares franceses quefiscalizavam áreas de garimpo no interior foram emboscados e mortos por garimpeirosbrasileiros, o que foi chamado por um senador guianense francês de “declaração deguerra dos garimpeiros brasileiros contra a França” (FERNANDES, 2012).

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No tocante aos recursos naturais, em termos energéticos, a Guiana Francesa contaprincipalmente com o potencial hidrelétrico, em função da abundância hidrográfica.Cerca de 55% da energia consumida no departamento é fornecida pela usinahidrelétrica Petit Saut. A barragem, construída em 1994 no rio Sinnamary, possui 370km² de extensão, tem capacidade de 115 megawatts e produz anualmente cerca de 560gigawatts/hora, sendo responsável por abastecer parcialmente as principais cidades daregião: Caiena, Kourou, Saint Laurent du Maroni, dentre outras. Estima-se que haja noterritório potencial para o desenvolvimento de pelo menos mais 60 instalaçõeshidrelétricas. Além da energia hidrelétrica, outra fonte fundamental são oscombustíveis fósseis, responsáveis pela provisão de 43% da energia consumida (DEALGUYANE, 2015).

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Em setembro de 2011 um consórcio formado pela Shell e por outras empresasrecebeu autorização do governo francês para iniciar uma grande empreitada deexploração do mar territorial em busca de petróleo. A descoberta desse recurso seriaextremamente benéfica para reduzir a dependência energética da França e tambémpara abastecer com tranquilidade o centro espacial, o maior consumidor de energia.Contudo, em novembro de 2013 a Shell declarou que o resultado das perfurações feitasaté então não era positivo, embora as pesquisas fossem continuar (BEZAT, 2013).

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Os recursos minerais disponíveis no território são ouro, bauxita, estanho, cobre ediamantes. A concentração desses recursos, principalmente o ouro, se dá na porçãonorte e na porção central do departamento. Conforme discutido anteriormente, aexploração do ouro desempenhou um papel importante na história da Guiana Francesae atualmente essa atividade ocupa o segundo lugar na economia do departamento,ficando atrás apenas das atividades relacionadas ao centro espacial. Anualmente, sãoproduzidas, oficialmente, de 2,5 a 3 toneladas de ouro, mas as exportações do produtochegam a 9 toneladas por ano. Essa diferença é atribuída, em grande medida, aogarimpo e aos fluxos ilegais. Estima-se que existam cerca de 10 mil garimpeiros ilegaistrabalhando no interior do território (CATZEFLIS, 2004). Os demais recursos minerais,a despeito do grande potencial, são explorados em menor proporção.

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Em relação aos recursos alimentares, pode-se dizer que a Guiana Francesa apresentauma abundância de água substantiva. A disponibilidade de água, em função da amplarede hidrográfica, corresponde a aproximadamente 800 m³ por pessoa (IAEA, 2015).

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Fator circulação: o relativo isolamento

Mapa 5 – Guiana Francesa – Rodovias

Não foram encontrados dados oficiais acerca da disponibilidade de terras agricultáveisper capita, mas pode-se inferir que, nesse aspecto, o departamento francês apresenteum nível extremo de escassez. Isso ocorre pelo fato de apenas 25 mil hectares seremutilizados como superfícies agrícolas, o que equivaleria a 0,10 hectares por habitante3.A pesca, por outro lado, é bastante relevante para a economia local e se configura comoo terceiro maior setor de exportação. Os 350 km de costa e os 130 mil km² de zonaeconômica exclusiva permitem uma produção de mais de 6 mil toneladas de peixe ecamarão por ano, movimentando algo em torno de 25 milhões de Euros (RÉGIONGUYANE, 2015).

Do ponto de vista da circulação interna, a Guiana Francesa apresenta limites clarosem razão de suas características físicas, de modo que as principais estradas, porexemplo, se localizam na planície litorânea, como evidencia o mapa 5. O acesso aointerior do território é bastante limitado em virtude do relevo e da densa florestatropical. O departamento possui um total de 2.160 km de estradas, divididos entre 440km de estradas nacionais, que interligam as principais cidades e comportam um grandefluxo de veículos, 408 km de estradas municipais, que são secundárias e conectam azona urbana à zona rural, além de 1.312 km de estradas, em geral não pavimentadas,que dão acesso ao interior do território, normalmente utilizadas para a exploraçãomadeireira e para o garimpo. A malha ferroviária é inexistente (INSEE, 2015).

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Na questão da circulação externa, a Guiana Francesa possui como principal via deacesso o aeroporto internacional Félix Eboué, localizado em Matoury, a 13 km deCaiena. Nele operam a Surinam Airways, com voos destinados a Belém e aParamaribo4, a Air Caraibes, que realiza voos para a França e a Air France, quedisponibiliza saídas para a França, para a Martinica e para Guadalupe (territórios

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Mapa 6 – Guiana Francesa – Destinos Aéreos

ultramarinos franceses), como evidencia o mapa 6. Pela via terrestre, uma balsainterliga as cidades de Saint Laurent du Maroni e de Albina, no Suriname. Na fronteiracom o Brasil, uma ponte sobre o rio Oiapoque conecta a cidade de Saint George aomunicípio brasileiro de Oiapoque. Construída em 2011, a ponte ainda não foiinaugurada, em função da necessidade de primeiro finalizar as obras do posto defiscalização no lado brasileiro.

No que tange aos fluxos migratórios, a Guiana Francesa pode ser considerada comoum local de imigração. No total, os imigrantes representam 35,5% dos habitantes. Osgrupos mais expressivos são os surinameses, os haitianos e os brasileiros, quecomeçaram a chegar em grande número a partir da década de 1990. Hoje, elesrepresentam, respectivamente, 13,8%, 8,8% e 8,7% da população (INSEE, 2015). Deve-se considerar, ainda, que muitos brasileiros, por exemplo, vivem e trabalham

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Fator tecnológico: a preponderância do CentroEspacial

Fator estrutural: a dependência da França

ilegalmente nos garimpos clandestinos no interior do território e por isso não sãocontabilizados nos dados oficiais.

No aspecto tecnológico a Guiana Francesa se destaca por abrigar o Centro EspacialGuianense, que funciona como o porto espacial da União Europeia. O setor envolvetecnologia avançada e o centro espacial é considerado uma das mais modernas e maisbem equipadas bases de lançamento. Além dos lançamentos realizados pela AgênciaEspacial Europeia, outros países também utilizam a base para colocar satélites emórbita, assim como o fazem outros fabricantes de foguetes, como a Rússia, por exemplo.

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Para o departamento, o centro espacial representa a principal atividade econômica eo caminho mais curto em direção ao desenvolvimento. O setor emprega direta eindiretamente 15% da força de trabalho, o que corresponde a aproximadamente 9 milpessoas. Cerca de 15% do PIB departamental é fruto das atividades espaciais. Diversosprojetos visando o desenvolvimento regional, a preservação ambiental, a formação dejovens e a criação de empregos são financiados pelo Centro Nacional de EstudosEspaciais, que administra a base (CNES, 2015).

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Por fim, o fator estrutural se divide em aspectos políticos, econômicos, sociais emilitares. Na dimensão política é necessário frisar que a Guiana Francesa ao que tudoindica, permanecerá sendo um departamento da França. Todas as leis francesas sãoaplicáveis no território guianense e a autoridade nacional é representada pelo prefeito,indicado pelo presidente francês. O departamento conta com um Conselho Geral e comum Conselho Regional, compostos por 19 e 34 membros, respectivamente, eleitos porvoto popular para mandatos de seis anos. Os interesses do departamento sãorepresentados, no nível nacional, por dois deputados, um senador e um conselheiroeconômico e social.

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Como parte do Estado francês, a Guiana Francesa faz parte da União Europeia, sendoconsiderada um território ultra periférico. As regiões ultra periféricas (RUPs) da UE sãoreconhecidas pelo tratado constitutivo do bloco como territórios caracterizados peloafastamento do continente europeu, por baixa densidade populacional, insularidade e,muitas vezes, superfície reduzida, relevo e clima adversos e dependência econômica.Em virtude de seu atraso estrutural, contam com recursos financeiros provenientes doFundo Europeu de Desenvolvimento Regional e são consideradas como porta deentrada para o desenvolvimento de relações comerciais com as regiões nas quais seencontram, sendo vistas, ademais, como locais estratégicos para a implantação deatividades de alta tecnologia (EUROPA, 2015). Nesse sentido, a Guiana Francesainequivocamente se estabelece como um território importante, pois permitiria o acessoeuropeu à América do Sul e ao Caribe, além de abrigar o centro espacial europeu, devalor absolutamente fundamental para a União Europeia.

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Em relação aos aspectos econômicos e sociais, constata-se que a condição geral naGuiana Francesa é elevada, quando comparada à realidade dos vizinhos do norte daAmérica do Sul. O PIB do departamento é de 3 bilhões de Euros, apresentandocrescimento de em média 3,5% ao ano e o PIB per capita gira em torno de 14 mil Euros.A taxa de mortalidade infantil, de 12,6/1.000 nascidos vivos, é comparativamentebaixa, mas é considerada alta para os padrões europeus. O IDH oficial da França, deacordo com o PNUD, é 0,893, mas segundo a Agence Française de Développement(2012), o IDH do departamento equivale a 0,739. Além disso, estima-se que um quartoda população francesa guianense se encontre abaixo da linha da pobreza. Vale destacartambém que o custo de vida no departamento é alto dada a dependência financeira em

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Considerações finais

Bibliographie

relação à França metropolitana, que pode ser considerada o principal parceirocomercial da Guiana Francesa (INSEE, 2015).

Por último, acerca dos aspectos militares é importante ressaltar que o departamentoem si, por razões óbvias, não dispõe de forças armadas próprias. A segurança égarantida pela polícia nacional, a Gendarmerie, composta por cerca de 470 policiais dodepartamento e por algo em torno de 450 militares que integram as forças móveis,responsáveis pela defesa do território. Os objetivos principais, além do policiamentoregular, são: a proteção do centro espacial, o combate à imigração ilegal e o combate àgarimpagem clandestina no interior do território (PRÉFECTURE DE GUYANE, 2015).

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Vale ressaltar, ainda, que muito embora a Guiana Francesa não detenha podermilitar de fato, a França certamente é uma potência nesse sentido. O país, que étambém uma potência nuclear, gasta 2,6% do seu PIB com as forças armadas (CIAFACTBOOK, 2015) e constantemente se envolve em intervenções militares,unilateralmente ou em coalizões. A França também utiliza o território da GuianaFrancesa como quartel general do Terceiro Regimento de Infantaria da LegiãoEstrangeira, uma unidade militar francesa composta por mais de 7 mil homens,oriundos de 136 países. O terceiro regimento é composto por cerca de 670 homensorganizados em 5 companhias (LEGIÃO ESTRANGEIRA, 2015).

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A Guiana Francesa, embora seja um ator periférico na dinâmica política da Américado Sul simboliza a presença da França na região e por isso possui uma posição deinterface capaz de interligar os países sul-americanos à Europa. O relativo isolamento,causado pela existência do maciço das Guianas e da densa floresta tropical obscurece arelevância desse território para a região, fazendo com que o departamento francêsmereça pouca atenção nos estudos sobre a América do Sul.

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Mesmo pouco integrado aos processos políticos que envolvem os Estados da região, aGuiana Francesa compartilha com os vizinhos problemas transfronteiriços como otráfico de drogas, a migração irregular e o garimpo ilegal, além de disputar com oSuriname um pequeno território relacionado ao traçado do rio Marouini. Na prática,com exceção desses problemas transfronteiriços as relações da Guiana Francesa com orestante da América do Sul são tímidas e a inserção do departamento na dinâmicaregional é bastante marginal. Contudo, apesar disso, esse território não devepermanecer desconhecido ou pouco explorado, pois a despeito de apresentarcaracterísticas geo-históricas tão distintas e de refletir uma identidade ao mesmo tempocréole, francesa e europeia, trata-se, sem dúvida, de uma unidade política sul-americana.

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Notes

1 Para uma reflexão mais aprofundada sobre o modelo do IAEM, ver Leal (2007).

2 O coeficiente de continentalidade é 0,76, ao passo que o de maritimidade é 0,23.

3 Um parâmetro interessante de análise da disponibilidade de água e de terras agricultáveis éestabelecido por Cincotta, Engelman e Anastasion (2003). De acordo com o estudo realizado poresses autores, um país é considerado numa situação de risco quando a disponibilidade de águaper capita é menor que 1,6 mil m³ e quando as terras agricultáveis são inferiores a 0,21 hectarespor habitante.

4 A retomada desses voos entre Caiena e Paramaribo, que existiam na década de 1990 e depoisdeixaram de ser operados, é bastante recente, pois só foram retomados a partir de 2012.

Table des illustrations

Titre Mapa 01 – As GuianasURL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-1.jpgFichier image/jpeg, 140k

Titre Mapa 2 – Guiana Francesa – Unidades do RelevoURL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-2.jpgFichier image/jpeg, 220k

Titre Mapa 3 – Guiana Francesa - VegetaçãoURL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-3.jpgFichier image/jpeg, 184k

Titre Mapa 4 – Guiana Francesa – Densidade Demográfica por Commune em2010

URL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-4.jpgFichier image/jpeg, 180kTitre Figura 1: Grupos Étnicos Guiana FrancesaCrédits Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados de INSEE (2015)URL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-5.pngFichier image/png, 43k

Titre Mapa 5 – Guiana Francesa – RodoviasURL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-6.jpgFichier image/jpeg, 220kTitre Mapa 6 – Guiana Francesa – Destinos AéreosURL http://confins.revues.org/docannexe/image/11072/img-7.jpgFichier image/jpeg, 229k

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Pour citer cet article

Référence électroniqueGeraldine Rosas Duarte, « Guiana Francesa: uma análise geohistórica », Confins [En ligne],28 | 2016, mis en ligne le 30 septembre 2016, consulté le 24 novembre 2017. URL :http://confins.revues.org/11072

Auteur

Geraldine Rosas DuarteProfessora do Departamento de Relações Internacionais e da Pós-Graduação em Geografia daPUC Minas, [email protected].

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