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Se algum dia a cardiologia paulista per- der simultaneamente dois ecocardiografistas, eles poderão ser logo encontrados – ela como chef e ele como violonista – num restauran- te, certamente à beira mar. Esse é o sonho de Cacá, o Carlos Eduardo Suaide Silva, e de sua mulher, Luciana Braz Peixoto, mas não é o único. “Há muito tempo que a gente sonha também em formar um conjunto musical”, explica Cacá, que já tem até o nome para o conjunto, “Bandanômala”, no qual, além dos dois, atuariam os também cardiologistas Adriana Cordovil e Orlando Campos Filho, e o único fora da profissão seria o marido de Adriana, o ortopedista Fábio Trenquilato, fera na bateria. Cacá e Luciana não só trabalham, mas também tocam e cantam juntos “Até quando ele me cantou, foi com mú- sica”, recorda Luciana, fluminense de Cam- pos. É que Cacá escolheu o Samba do avião, ensaiou e usou a música, que fala tanto do Rio, como uma forma de se aproximar de Luciana em outras bases, pois até então o que os ligava era apenas a Ecocardiografia, cujos segredos técnicos ele lhe ensinava e cuja linguagem não tinha brechas para tira- das sentimentais. E a música foi efetivamente a linguagem comum do casal, unido há sete anos. Ela, que estudara piano clássico e canto por qua- se uma década, antes de optar pela Medici- na, tinha música no sangue, enquanto ele nascera numa família que vivia de música, pois o pai de Cacá, o famoso “Picapau”, foi o produtor musical que lançou Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento e tantos outros, e a casa em que cresceu vivia cheia de artistas, Belchior, Ednardo, a turma dos “Secos e Molhados”, que tocavam para que seu pai escolhesse o repertório de cada show. Cacá diz que foi o próprio pai quem o levou e a seu irmão ao estudo do violão. “Eu tinha treze anos e vivia diante da televisão”, conta ele, “e meu pai tirou as válvulas do aparelho, dizendo que a TV estava quebrada, mas que não fazia mal, porque a gente ia ocupar o tempo estudando violão”. E o pro- fessor foi o melhor possível, Thomas Roth. Quando falam de música, Cacá e Luciana levantam a bola um do outro. Ele diz que não vai cantar, porque ela canta muito melhor do que ele, e ela garante que Cacá tem nível para tocar profissionalmente e que, se nunca o fez, foi por causa do ambiente de sua casa, convivendo com os maiores nomes da músi- ca brasileira e também por causa do pai, que segundo ela sempre foi um crítico muito duro, mesmo com os filhos. Essa timidez em se apresentar em públi- co cessa, porém, nos congressos e demais eventos da SBC. Ainda recentemente, na “Reunião Estratégica”, em Santa Catarina, terminadas as discussões técnicas, os “cardiologistas músicos” foram se reunindo, o Miguel De Pata, Juarez Ortiz, o “cantante” Augusto Bozza e Cacá, e a seresta foi até as seis da manhã. Embora digam que não têm tempo de se dedicar seriamente à música, Cacá e Luciana montaram uma boa biblioteca musical, pois ela lê as partituras e ele as cifras e sempre que vão à casa de alguém que toca ou a um congresso, levam um calhamaço cuidadosa- mente montado e xerocopiado por Cacá, onde estão encadernadas centenas de músicas, pois “não há nada mais chato do que a gente tentar tocar uma música e ninguém se lem- brar direito”, diz ele. E a música tem que ser levada a sério realmente, explica Luciana, pois é a válvula de escape para as tensões do trabalho, maio- res ainda à medida que os dois têm a mesma especialidade, o que torna impossível “não levar o trabalho para casa”. E para espantar o estresse, para “desligar” efetivamente, eles usam uma variedade de hobbies, ela é ligadíssima em culinária, ele pinta e fotogra- fa também, os dois se envolvem com arqui- tetura, e juntos bolaram a casa em que mo- ram, na qual, lado a lado, como na vida, está o piano dela e os violões de Cacá. É pouco provável que algum dia a banda ou o restaurante deixe de ser um sonho, to- davia, pois, perfeccionistas, Cacá e Luciana dizem que só tocariam em público se pudes- sem se dedicar seriamente à música, e por enquanto, pelo menos, a Cardiologia não lhes dá o tempo livre de que precisam, o que não impede que a música faça parte integral de suas vidas. JORNAL SBC 74-2.p65 3/4/2006, 10:59 12

Cacá e Luciana não só trabalham, mas também tocam e cantam …jornal.cardiol.br/2006/mar-abr/outras/fora_consultorio.pdf · chef e ele como violonista – num restauran-te, certamente

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Se algum dia a cardiologia paulista per-der simultaneamente dois ecocardiografistas,eles poderão ser logo encontrados – ela comochef e ele como violonista – num restauran-te, certamente à beira mar. Esse é o sonhode Cacá, o Carlos Eduardo Suaide Silva, e desua mulher, Luciana Braz Peixoto, mas não éo único. “Há muito tempo que a gente sonhatambém em formar um conjunto musical”,explica Cacá, que já tem até o nome para oconjunto, “Bandanômala”, no qual, além dosdois, atuariam os também cardiologistasAdriana Cordovil e Orlando Campos Filho, eo único fora da profissão seria o marido deAdriana, o ortopedista Fábio Trenquilato, ferana bateria.

Cacá e Luciana não só trabalham,mas também tocam e cantam juntos

“Até quando ele me cantou, foi com mú-sica”, recorda Luciana, fluminense de Cam-pos. É que Cacá escolheu o Samba do avião,ensaiou e usou a música, que fala tanto doRio, como uma forma de se aproximar deLuciana em outras bases, pois até então oque os ligava era apenas a Ecocardiografia,cujos segredos técnicos ele lhe ensinava ecuja linguagem não tinha brechas para tira-das sentimentais.

E a música foi efetivamente a linguagemcomum do casal, unido há sete anos. Ela,que estudara piano clássico e canto por qua-se uma década, antes de optar pela Medici-na, tinha música no sangue, enquanto elenascera numa família que vivia de música,pois o pai de Cacá, o famoso “Picapau”, foi oprodutor musical que lançou Elis Regina,Chico Buarque, Milton Nascimento e tantosoutros, e a casa em que cresceu vivia cheiade artistas, Belchior, Ednardo, a turma dos“Secos e Molhados”, que tocavam para queseu pai escolhesse o repertório de cada show.

Cacá diz que foi o próprio pai quem olevou e a seu irmão ao estudo do violão. “Eutinha treze anos e vivia diante da televisão”,conta ele, “e meu pai tirou as válvulas doaparelho, dizendo que a TV estava quebrada,mas que não fazia mal, porque a gente iaocupar o tempo estudando violão”. E o pro-fessor foi o melhor possível, Thomas Roth.

Quando falam de música, Cacá e Lucianalevantam a bola um do outro. Ele diz que nãovai cantar, porque ela canta muito melhor doque ele, e ela garante que Cacá tem nívelpara tocar profissionalmente e que, se nuncao fez, foi por causa do ambiente de sua casa,

convivendo com os maiores nomes da músi-ca brasileira e também por causa do pai, quesegundo ela sempre foi um crítico muito duro,mesmo com os filhos.

Essa timidez em se apresentar em públi-co cessa, porém, nos congressos e demaiseventos da SBC. Ainda recentemente, na“Reunião Estratégica”, em Santa Catarina,terminadas as discussões técnicas, os“cardiologistas músicos” foram se reunindo,o Miguel De Pata, Juarez Ortiz, o “cantante”Augusto Bozza e Cacá, e a seresta foi até asseis da manhã.

Embora digam que não têm tempo de sededicar seriamente à música, Cacá e Lucianamontaram uma boa biblioteca musical, poisela lê as partituras e ele as cifras e sempreque vão à casa de alguém que toca ou a umcongresso, levam um calhamaço cuidadosa-mente montado e xerocopiado por Cacá, ondeestão encadernadas centenas de músicas, pois“não há nada mais chato do que a gentetentar tocar uma música e ninguém se lem-brar direito”, diz ele.

E a música tem que ser levada a sériorealmente, explica Luciana, pois é a válvulade escape para as tensões do trabalho, maio-res ainda à medida que os dois têm a mesmaespecialidade, o que torna impossível “nãolevar o trabalho para casa”. E para espantaro estresse, para “desligar” efetivamente, elesusam uma variedade de hobbies, ela éligadíssima em culinária, ele pinta e fotogra-fa também, os dois se envolvem com arqui-tetura, e juntos bolaram a casa em que mo-ram, na qual, lado a lado, como na vida,está o piano dela e os violões de Cacá.

É pouco provável que algum dia a bandaou o restaurante deixe de ser um sonho, to-davia, pois, perfeccionistas, Cacá e Lucianadizem que só tocariam em público se pudes-sem se dedicar seriamente à música, e porenquanto, pelo menos, a Cardiologia não lhesdá o tempo livre de que precisam, o que nãoimpede que a música faça parte integral desuas vidas.

JORNAL SBC 74-2.p65 3/4/2006, 10:5912