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Caderno de Pensamento Político

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Mais de uma década após a primeira iniciativa do género, o Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha apresenta uma reedição do seu Caderno de Pensamento Político, com novos autores e novos conteúdos, para que fiques a conhecer a vida e a obra de várias figuras relevantes do espectro ideológico que inspira o pensamento da Juventude Popular. Um projecto que envolveu a colaboração de quase duas dezenas de pessoas e que será, certamente, de enorme utilidade.

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AGRADECIMENTOS

O Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha agradece a todos aqueles que se

disponibilizaram para colaborar com este caderno. A qualidade que emprestaram

a esta publicação é a melhor garantia do seu sucesso.

André Levi

António Pedro Barreiro

António Vieira de Castro

Daniela Silva

Guilherme Marques da Fonseca

Hugo Dantas

Hugo Nunes

Joana de Oliveira

João Pinto Bastos

Jorge Miguel Teixeira

Luís Miguel Ribeiro

Rafael Borges

Ricardo Lima

Rishi Lakhani

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ÍNDICE

Palavra Prévia ............................................................................................................................. 9

Thomas Hobbes ....................................................................................................................... 13

John Locke ................................................................................................................................ 17

Montesquieu ............................................................................................................................. 21

Adam Smith ............................................................................................................................... 25

Edmund Burke .......................................................................................................................... 29

Frédéric Bastiat ........................................................................................................................ 33

Alexis de Tocqueville .............................................................................................................. 37

John Stuart Mill ........................................................................................................................ 41

Winston Churchill ..................................................................................................................... 45

Ludwig von Mises .................................................................................................................... 49

Jacques Maritain ....................................................................................................................... 53

Friedrich Hayek ........................................................................................................................ 57

Michael Oakeshott .................................................................................................................. 61

Emmanuel Mounier ................................................................................................................. 65

Milton Friedman ....................................................................................................................... 67

Margareth Thatcher ................................................................................................................ 75

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PALAVRA PRÉVIA

Antes de saber, é preciso conhecer.

Foi há mais de dez anos que o então Gabinete de Formação Política da Juventude Popular,

pela mão de Diogo de Belford Henriques e João Vacas, publicou um caderno que

sistematizava, de forma sucinta, os factos biográficos e bibliográficos mais relevantes de

algumas das figuras cujo pensamento e acção mais ajudaram a definir a base ideológica em

que assenta a Juventude Popular.

Mais de uma década depois, ao longo da qual esse caderno foi caindo na teia profunda do

esquecimento, o Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha publica uma nova edição do Caderno

de Pensamento Político. Com novos autores e novos conteúdos (com a excepção de dois

textos recuperados da primeira edição, como forma de homenagear e relevar o trabalho feito

à época), e o contributo de cerca de uma dezena e meia de pessoas, este documento constitui

uma importante peça de investigação e enquadramento histórico e ideológico.

Este Caderno de Pensamento Político não pretende, no entanto, ser um fim em si mesmo. A

sua missão é dar a conhecer as bases do pensamento ideológico da Juventude Popular e os

seus principais proponentes, convidando os seus leitores a aprofundarem o seu estudo das

ideias com que mais se identificam e as figuras que mais apreciem.

Um documento que se espera de grande utilidade. Porque antes de saber, é preciso conhecer.

TIAGO LOUREIRO

Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha

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homas Hobbes nasceu a 5 de Abril de 1588, em Wesport, Malmesbury, tendo falecido

em Hardwick, a 4 de Dezembro de 1679, aos 91 anos.

Hobbes nasceu num contexto familiar muito díspar: o seu pai era um pastor anglicano

pouco culto, já o seu tio era mais evoluído em termos de conhecimento, homem de línguas, que

viria a educá-lo, ensinando-lhe o grego e o latim.

Aos 15 anos, Hobbes passou a frequentar a Universidade de Oxford, não se tendo, contudo,

tornado grande fã quer da lógica, quer da física escolásticas ensinadas. Viria a ser tornado

preceptor de William Cavendish, que se tornaria Conde de Devonshire. Hobbes tirou proveito desta

sua nova posição, conheceu Bacon e outras personalidades, viajou a França e a outras nações do

continente Europeu, por mais do que uma vez, conhecendo espíritos tão cultos como o de Galileu.

Após ter publicado escritos a favor de Carlos I, começou a sentir-se ameaçado pelo tom crescente

de contestação em redor do regime monárquico absolutista, vivido na altura. Decidiu exilar-se

em Paris, aí ficando por onze anos, entre 1640 a 1651.

Em Paris, redige inúmeras obras, designadamente o De Cive (Do Cidadão), em 1642, e

o Leviathan , em 1647, publicado em 1651, quando regressaria a Londres.

Mais tarde, Thomas Hobbes seria professor de matemática de Carlos II, que, em 1660, o proibiria

de publicar mais livros sobre política. Assim, Hobbes dedicou-se à física, à matemática, à tradução

de grandes obras para o inglês, como a Ilíada e a Odisseia, incluindo também a obra de Tucídides.

É significativa a seguinte passagem de Diogo Freitas do Amaral, em História das Ideias

Políticas: “Sucedeu-lhe um pouco o mesmo que a Maquiavel: todos o liam, muitos o seguiam, mas

poucos o citavam."

T

THOMAS HOBBES (1588-1679)

«O Homem é o lobo do Homem.»

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Em temos de intolerância, pode considerar-se uma certa glória para Hobbes que o De Cive e

o Leviathan tenham sido solenemente condenados pela Universidade de Oxford, em 1683 –

apenas quatro após a sua morte.”

Apenas iremos aqui analisar a sua obra Leviathan.

Da escolha Leviathan

Por que motivo teria Thomas Hobbes escolhido Leviathan, como título da sua obra de referência?

O nome tem origem nos textos da Bíblia, em diversas passagens, como em Isaías, 27-1, Job, 40-

10-19, 40-20 e 55, Salmos, 74-14. Essa constatação é clarificada pelo facto de o autor ter

escolhido, para ilustrar a capa da primeira edição inglesa, o versículo nº 41-24, do livro de

Job: “Non est potestas super terram quae comparetur ei”, traduzindo, “Não há na terra poder que

se compare”.

Da ruptura com a tradição das morais clássicas e cristã

Thomas Hobbes quebrou com os mais elementares ensinamentos, talvez um dos primeiros a ser

recebido por um qualquer educando: não existe qualquer regra comum sobre o Bem e o Mal.

Aquelas noções devem ser sempre usadas para a pessoa que usa, em concreto, não quanto

à Humanidade, nem quanto às coisas em geral.

Da felicidade como caminho para o estado de natureza

Para o autor, a felicidade não se resume a um momento ou a um só acto. Repousa, ao invés,

em “um progresso contínuo do desejo de um objecto para outro, em que a obtenção do primeiro não

é senão o caminho para a obtenção do segundo”. O Homem pode ser caracterizado pelo seu

desejo, sem o qual o Homem é incapaz de viver. No fundo, aquilo que Eu, como Homem, desejo,

no agora, é obter a satisfação do desejo, no futuro.

Depois, o autor vai mais longe, chegando mesmo a afirmar que o poder é instrumento essencial

para a realização do objectivo anteriormente descrito: “o poder de um homem, em geral, são os

seus meios presentes de alcançar no futuro o que se lhe afigurar como bom”.

Deste modo, o Homem anseia e deseja por mais e por um melhor poder, sempre um mais intenso

do que o outro e, como todos os bens são escassos, resultará tal premissa numa competição,

pela riqueza, pelas honras, pelo governo ou por qualquer outro poder.

Existindo alguns que visam o conflito, como instrumento para a obtenção do poder, logo, da

felicidade, outros anseiam pela paz, por serem tranquilos e pacíficos, por gostarem de trabalhar,

por terem medo da guerra ou da morte, por cultivaram a ciência ou as artes, por temerem a

opressão dos mais fortes.

De uma concepção pessimista sobre a natureza humana

O ser humano é egoísta ou egocêntrico: ele actua na procura da sua felicidade, do que seja bom

para si, pois esse será o modo único de ser feliz.

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Assim, Hobbes parte para outra premissa: a igualdade do ser humano, tanto na vertente de

igualdade de capacidades, como na igualdade de esperança de ser feliz.

As três causas de conflito, a competição, a desconfiança – considerando que cada um pensará

que os outros estão dispostos a tudo fazer para serem felizes, independentemente das

consequências a tal associadas, e a vaidade, pelo facto de o indivíduo querer que o seu mais

próximo o aprecie pelo valor que ele atribuiu a si próprio, resultariam numa guerra generalizada

entre os homens.

Da guerra de todos contra todos: “bellum omnium contra

omnes”

É durante este estado que a insegurança é um sentimento generalizado, pelo medo associado à

imprevisibilidade da acção humana, a não ser no que concerne à ideia das capacidades e da força

de cada um.

Aí, a miséria torna-se no paradigma: a vida é solitária, pela desconfiança generalizada, pobre, pois

não há lugar para a produção, penosa, pelo sentimento assombroso a tudo associado, não existe

propriedade, mas a ideia de apossamento por tempo indeterminado.

O Homem fica entregue a si, num contexto de ausência de noções como o justo e o injusto, o

certo e erro, a lei, graças ao famoso brocardo latino: “ubi societas, ibi ius”, traduzindo, “onde há

sociedade, há Direito”.

Paradoxalmente, aqui, o Homem tem o direito e o dever de tudo fazer para preservar a sua vida,

tendo direito a todas as coisas, incluindo ao corpo dos seus inimigos. Mas, logo de seguida o

autor vem delimitar o âmbito de aplicação, esclarecendo que todo o homem deve esforçar-se

para obter a paz, desde que para tal haja esperança e, se a sua obtenção se tornar impossível,

terá o direito de procurar e utilizar todos os auxílios e vantagens da guerra.

Da passagem para o estado de sociedade

O Estado é produto, para Thomas Hobbes, da vontade do ser humano. O autor teorizou a

construção através de um contrato: primeiro, terá de haver a renúncia aos direitos anteriormente

enumerados, num segundo momento, haverá a sua extinção ou sua transferência para um

terceiro, por último, se todos o fizerem, ter-se-á celebrado um contrato.

De seguida, o autor explicita que não basta uma mera afirmação verbal do contrato: para a

manutenção da paz, ou seja, do estado de sociedade, é preciso um Poder, que a todos seja

comum, para dirigir as acções de todos para o bem comum.

Este contrato é apenas celebrado entre os próprios cidadãos: o soberano é um terceiro

beneficiado pelo contrato anteriormente celebrado.

artigo da autoria de

JOANA DE OLIVEIRA

Juventude Popular de Lisboa

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THOMAS HOBBES (1632-1704)

«Sempre considerei as acções dos homens como as melhores intérpretes dos seus

pensamentos.»

ascido a 29 de Agosto de 1632 nos arredores de Somerset, no Sudoeste de

Inglaterra, John Locke foi educado no seio de uma família puritana de origem

humilde. Em 1647, ingressa naWestminster School, em Londres, graças à

generosidade de Alexander Popham, que fora comandante do seu pai durante a Guerra Civil

Inglesa.

Cedo sobressai pelo seu mérito e, em 1652, começa a frequentar a faculdade de Christ

Church, uma das mais prestigiadas de Oxford. Aborrecido pela abordagem medieval centrada

na Filosofia Clássica que caracterizava o ensino universitário da época, refugia-se no estudo

das ideias de filósofos contemporâneos, como Descartes e Francis Bacon e, por influência

de Richard Lower, seu amigo dos tempos de Westminster, junta-se à Royal Society em 1668.

Também por influência de Lower, decide estudar Medicina, vindo a tornar-se, em 1667,

médico pessoal de Lord Anthony Cooper, Conde de Shaftesbury, embora a sua formação

médica não estivesse completa. É na casa de Lord Cooper, de quem se torna secretário,

conselheiro e amigo, que vive os primeiros anos do segundo reinado de Charles II, após a

morte de Cromwell. Torna-se secretário da Câmara do Comércio e Plantações, escreve sobre

matérias económicas e participa na elaboração da Constituição de Carolina. Em 1672, em

resultado da nomeação de Cooper como Lord Chancellor, envolve-se activamente na política,

no seio do movimento Whig, de que aquele era co-fundador. Dois anos depois, o Conde de

Shaftesbury sofre uma queda política que precipita o regresso de Locke a Oxford, onde

conclui a sua formação médica e, depois, um exílio auto-imposto em França.

Locke acaba por regressar ao seu País em 1679, altura em que Lord Cooper e o Movimento

N

JOHN LOCKE (1632-1704)

«A única forma mediante a qual um Homem se afasta da sua natural liberdade e estabelece amarras com a Sociedade,

é por concordar com os outros Homens em juntar-se e unir-se em comunidade.»

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Whig se envolvem numa disputa com o irmão do Rei, James, Duque de York, procurando

aprovar a Lei de Exclusão e, desse modo, proibi-lo de herdar o trono. Locke associa-se a este

litígio, que ficou conhecido como crise da Exclusão, mesmo após a fuga do Conde de

Shaftesbury para a Holanda em 1682 e mesmo após a morte deste um ano depois,

participando mesmo numa tentativa regicida em 1683. O fracasso deste atentado – o Golpe

de Rye House – levou-o a refugiar-se na Holanda, de onde regressa em 1688, após o triunfo

da Revolução Gloriosa e a ascensão ao trono de William de Orange. Publica, então, o Ensaio

Acerca do Entendimento Humano e os Dois Tratados sobre o Governo Civil. Entre 1696 e 1700,

ano da sua reforma, desempenha ainda um papel crucial na reactivação da Câmara de

Comércio e Plantações.

Falece a 28 de Outubro de 1704, estando enterrado no adro da igreja de High Laver, onde

vivera os seus últimos anos.

Os dois Tratados sobre o Governo Civil (1689)

Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil constituem, provavelmente, a mais importante obra de

Locke. Publicados em 1689, permitem fundamentar a Revolução Gloriosa, embora tenham

sido redigidos antes de esta ocorrer, mais concretamente, durante a Crise da Exclusão. Nestas

obras, Locke debruça-se sobre a natureza humana e as funções do Estado, dando voz a uma

das primeiras visões minimalistas desta entidade.

Os Direitos Naturais do indivíduo

Para Locke, há determinados direitos que são inatos e indissociáveis do indivíduo, não

dependendo da sua condição sócio-cultural ou do seu rendimento económico. Estes direitos –

vida, liberdade, propriedade e procura da felicidade – são mesmo anteriores ao aparecimento

do Estado e à formalização dos códigos legais, sendo, por isso, denominados direitos naturais.

O Contrato Social e o direito divino dos monarcas

Apesar de menos pessimista do que pensadores como Thomas Hobbes no que se refere ao

estado de natureza – antes da formação de qualquer Estado – Locke admite que, sem leis,

nenhuma entidade assegura o respeito pelos direitos naturais dos indivíduos. A origem do

Estado, refere Locke, prende-se com uma transmissão consciente de poder para um

organismo centralizado que legisle de forma a garantir que os direitos naturais não sejam, em

momento algum, postos em causa. A legitimidade do Estado cinge-se, por isso, aos termos de

um contrato social, símbolo de um consenso entre governantes e governados que

permita fazer prevalecer a Lei e, através dela, o respeito pelos direitos e pela dignidade de

cada indivíduo.

A tese de Locke relativamente ao papel do Estado é ainda mais revolucionária se

compreendermos que foi defendida numa época em que o absolutismo régio estava em

voga e pensadores como Sir Robert Filmer afirmavam que a legitimição do poder da Coroa

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advinha directamente de uma entidade divina. Este filósofo em particular, havia mesmo

relacionado a legitimação da autoridade da Coroa com o facto de os Reis serem herdeiros de

Adão. Locke dedica a primeira parte desta obra, o Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil, à

refutação da tese de Sir Robert Filmer, citando a própria Bíblia para defender que, mesmo

Adão, nunca tinha detido o controlo absoluto sobre a Terra e que, se a prerrogativa em que

assenta o poder real é uma herança de Adão, tal privilégio deveria ser concedido unicamente

ao seu herdeiro, que é impossível localizar. Paralelamente, e apesar das suas profundas

convicções religiosas, Locke diferencia a religião da legitimação do poder do Estado, algo

extremamente inovador para a época.

A importância da propriedade

Cada indivíduo, afirma Locke, é proprietário de si mesmo, devendo ser-lhe outorgado o

controlo sobre o seu destino e o seu trabalho, bem como sobre os frutos que dele resultem. O

direito à propriedade é, deste modo, uma peça central na concepção que Locke tem da

sociedade. A seu ver, o primeiro e principal propósito que justifica a existência de um corpo de

leis e de um Estado que o faça cumprir é a protecção da propriedade. Contudo, Locke nunca

confunde este objectivo com uma função redistributiva da riqueza. Com efeito, tal sistema

constituiria uma violação dos termos do contrato social preconizado por Locke, uma vez que

este defende que a propriedade é anterior ao Estado e independente dele e que este

organismo deve apenas garantir a sua inviolabilidade, ao invés de ser ele próprio a transgredi-la.

artigo da autoria de

ANTÓNIO PEDRO BARREIRO

Juventude Popular de Alcobaça

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Vida e Obra

Nascido a 19 de Janeiro de 1689 em La Brède, perto de Bordeaux, proveniente de uma família

nobre, Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu, estudou no Collège de Juilly, tendo

posteriormente seguido os seus estudos em Direito na Universidade Bordeaux, mudando-se

para Paris em 1708 para prosseguir na sua carreira. Em 1716 herda o título de Barão de La

Brède e Montesquieu. Nos onze anos seguintes, presidiu a divisão criminal do parlamento de

Bordeaux, onde seria responsável pela administração de castigos penais, bem como a

supervisão das prisões da região. Activo na Academia de Bordeaux, estava sempre a par das

descobertas científicas da altura, tendo feito investigações em ciência também.

Em 1721 é pública da a sua primeira grande obra, ''Cartas Persas'', que fez imediatamente

sucesso. Em 1728 é eleito para a Academia Francesa, e pouco depois decide viajar pela

Europa, visitando países como a Itália, Austria, os estados Alemães e Inglaterra, onde ainda

ficou por dois anos, tendo ficado impressionado com o seu sistema político (que veio a

influenciar a sua obra).

Voltando para França em 1731, devido à deteriorização da sua visão, voltou para La Brède e

começou a trabalhar naquela que veio ser a sua principal obra, ''O Espírito das Leis''.

Morre de febre em 1755, em Paris.

MONTESQUIEU (1689-1755)

«Quando comecei a estudar Direito entregaram-me Leis... Procurei então o seu espírito.»

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O Espírito das Leis

Formas de Governo

O Espírito das Leis é uma obra cujo título se explica a si mesmo: analisar a natureza das leis e a

forma como estas se adequam às diferentes formas de governo, cultura e população. Postula-se

que é impossível de se desenhar um sistema de leis único para diferentes culturas: cada povo,

consoante a sua história, localização geográfica, condições climáticas, qualidade do solo,

principais ocupações da população (entre outros factores) vai construir um sistema de leis e

governo diferente. Com efeito, Montesquieu considera que os melhores governos são aqueles

que alcançam os seus objectivos, através do maior acordo possível com aqueles que são os

desejos e aspirações da população.

A compreensão das leis é importante em si própria, pois pode impedir tentativas enviesadas de

reforma; compreendendo a forma de um governo e as suas leis, muitas das imposições e

costumes que nos aparentemente arbitrários tornam-se claros e ganham sentido: mudá-los

poderia, inclusivé, enfraquecer uma sociedade inteira.

Montesquieu considera que existem três tipos diferentes de governo: a República, que pode ser

democrática ou aristocrática, a Monarquia e o Despotismo. Cada uma destas formas de governo

sustenta-se num conjunto de ''paixões humanas que o lançam em movimento''. Se este conjunto

de paixões que servem de sustento é ameaçado ou posto em questão, o governo cai, ou

corrompe-se (acabando sempre, em último caso, em despotismo).

O princípio da democracia é o da virtude política, ''o amor pelo país e as suas leis''. No entanto, a

protecção da democracia é considerada, por Montesquieu, uma das mais difíceis entre as formas

de governo. A virtude política é uma das mais difíceis de cultivar, pois não deriva naturalmente

dos homens, e tem de ser fomentada através da educação. O sufrágio exige ao votante a

sobreposição dos interesse público ao seu (à partida). Só um bom sistema educativo é capaz de

abrir suficientemente os horizontes aos cidadãos de forma a estes conseguirem identificar o seu

próprio bem no bem público.

Uma democracia pode ser corrompida de duas maneiras: ou pelo espírito da desigualdade, ou o

espírito da igualdade extrema. O espírito da desigualdade surge quando os cidadãos já não

identificam os seus interesses com os interesse público, e procuram forçar os seus sobre os

outros cidadãos através do poder político, acabando em despotismo. O espírito da igualdade

extrema surge quando os cidadãos já procuram ser iguais em todos os aspectos da vida pública,

rejeitando qualquer noção de hierarquia. Desta forma, fomenta-se o desrespeito pelos

magistrados e pelos políticos, e procura-se então gerir colectivamente todos os aspectos da vida

pública. Assim, a virtude política desvanece, e cai-se em despotismo.

Numa monarquia, o poder do monarca flui através das suas leis e canais intermediários de poder,

tais como a nobreza e o aparelho judicial. As leis da monarquia devem proteger o poder destas

diferentes instituições. O princípio do governo monárquico é a honra: diferentemente da

democracia, o desejo de honra vem naturalmente aos homens. Por este motivo a educação não é

tão necessária, e está encarregue com uma tarefa menos difícil: deve estimular as ambições dos

súbditos, criando um sentido de dignidade própria, bem como o respeito da dos outros. O

principal objectivo das leis numa monarquia é proteger as instituições que a distinguem de um

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regime déspota. Devem proteger os direitos da nobreza, de forma a manter o poder do rei

constrangido e fomentar a proliferação de distinções e prémios por contributos dados à nação.

No caso destes mecanismos de fiscalização do poder monárquico falharem, cai-se em

despotismo.

Liberdade

Considerado um dos maiores pensadores do liberalismo, Montesquieu considera que a liberdade

política pauta-se pela tranquilidade que cada cidadão sente face à sua segurança: ao invés de

uma liberdade positiva, de ''poder fazer'', é considerada uma liberdade negativa, isto é, a de se

não poder interferir nos modos de vida dos outros (ou fazer mal a outros). Se se quer dar a maior

liberdade possível aos cidadãos, o governo deve ter um conjunto de características: verifica-se

que todos aqueles que ganham poder estão aptos para abusar dele; daí ser necessário que o

poder seja constantemente fiscalizado.

Daí a divisão tripartida dos poderes, o poder legislativo tratará dos impostos, e pode punir o

executivo caso este último comece a agir de forma arbitrária. De modo inverso, o executivo pode

vetar actos legislativos. Por último, o poder judicial deve restringir-se a aplicar as leis definidas pelo

poder legislativo de forma coerente e ''cega'', estendo essa aplicação aos outros dois poderes.

As leis devem reger essencialmente ameaças à segurança e ordem pública, de forma a impedir os

cidadãos de interferir nocivamente na vida uns dos outros. Daí, as leis não se devem aplicar a

questões religiosas e\ou pessoais. Não se devem aplicar também a pensamentos, actos

involuntários, ou crimes sexuais, que se caracterizam por terem um baixo número de

testemunhas. Com efeito, uma pessoa inocente deve ter a capacidade de provar a sua inocência

bem assente na lei.

Comércio

Das formas que um país pode procurar para enriquecer, Monstequieu entende que o comércio é

a melhor delas. Guerras de conquista traz custos demasiados grandes, a extracção de metais

preciosos aumenta a inflacção, pois o custo de extracção vai aumentando enquanto que o preço

dos metais descresce. O comércio não pede exércitos caros nem a subjugação de outros povos,

nem acaba por implodir como no caso de extracção contínua de metais. O espírito do comércio

fomenta a virtude da ordem e da tranquilidade, trabalha sobre a paz entre as nações, bem como

as boas maneiras entre os povos. Isto levou a que Montesquieu adoptasse uma postura de

laissez-faire em relação à economia: os governos devem ser fiscalmente rigorosos e não devem

interferir nos mercados, a bem da liberdade da população e do desenvolvimento da democracia.

artigo da autoria de

JORGE MIGUEL TEIXEIRA

Juventude Popular do Barreiro

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Page 25: Caderno de Pensamento Político

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ascia no ano de 1723 em Kirkcaldy, uma pequena localidade piscatória do leste

escocês, Adam Smith, considerado como o pai da Economia Política. Herdou o nome

do pai, um modesto controlador alfandegário, cuja morte praticamente coincidiu

com o seu nascimento, registado a 5 de Junho - data do seu baptismo -, e fez-se homem

ambicioso e estudioso muito por culpa da mãe, Margaret, a grande companheira de vida.

O pesadelo da pesquisa biográfica, ainda assim, encontra unanimidade na caracterização de

um ser de fraca compleição, nascido no seio de uma família de parcos recursos – circunstância

praticamente insuperável durante boa parte da sua existência -, sendo a escola pública a sua

única hipótese. Um sujeito dono de uma memória extraordinária, que jamais esqueceria

o rapto de que fora alvo, por um bando de caldeireiros, durante uma das suas estadas em casa

do seu tio Douglas, era ainda de tenra idade.

Religioso, mas sem religião positiva, foi em Oxford que, como estudante, ainda adolescente,

se viu confrontado com os ensinamentos de Hutcheson, que o influenciariam na questão da

divisão do trabalho. Voltaria à Escócia para leccionar Literatura, por convite de Kames,

período durante o qual se tornaria amigo do responsável pela punição no colégio eclesiástico,

ao ler um livro seu: David Hume. Em 1751, com vinte e oito anos, passa a reger a cadeira de

Lógica, em Glasgow e, um ano depois, também da cadeira de Filosofia Moral.

Em 1759 surge, influenciada pelo seu debate mental acerca da aprovação ou desaprovação

moral, ou os conceitos de empatia e simpatia, a obra Teoria dos Sentimentos Morais. É pois o

N

ADAM SMITH (1723-1790)

«Não é da benevolência do padeiro, do homem do talho ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do

empenho deles em promover o seu auto-interesse.»

Page 26: Caderno de Pensamento Político

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caminho que se abre para a reflexão sobre o conceito de interesse, em A Riqueza das Nações,

em 1776.

De 1764 a 1766, viajou pela Europa, como tutor do jovem duque de Buccleuch, até o seu

regresso a casa que, quase por destino familiar, o traria de volta até a alfândega de

Edimburgo, como comissário, em 1778.

A 17 de Agosto de 1790, partia, vitimado por uma doença intestinal, em Edimburgo, aquele

que por muitos é considerado como o mentor do Liberalismo económico - sem que por isso se

faça esquecer a importância dos pensadores escolásticos de Salamanca.

Teoria dos Sentimentos Morais

Originalmente intitulada de Teoria dos Sentimentos Morais ou Ensaio para uma análise dos

princípios pelos quais os homens naturalmente julgam a conduta e o carácter, primeiro de seus

próximos, depois de si mesmos, a obra remete para uma compreensão profunda da psicologia

humana na esfera da moral e na respectiva implicação das acções do Homem, como

sobreposição racional na aproximação ao individualismo metodológico. Revela-se aquilo a que

hoje designamos por “empatia”, na implicação que tem como produto do Homem.

Smith aborda o significado de moral como o resultado de um padrão de comportamento

moldado em sociedade, guiado pelo “espectador imparcial” – algo abstracto, que está em nós,

que nos adapta com a experiência e que não á mais do que a consciência. Esta, obedece

também a padrões/regras de conduta, que nos ajudam a generalizar comportamentos e

decisões sem que seja necessário analisar ou tipificar cada nova situação. Da mesma forma,

aceita a punição como válida, uma vez que é ela, em conjunto com a recompensa, que ajuda a

criar conciliação social. O autor recorre ainda ao conceito de Justiça como prevenção do dano

ao indivíduo e como inevitabilidade reguladora da sociedade que, apenas desta forma, poderá

ser forçada a adoptar um comportamento.

A obra termina com uma exemplificação curiosa: a do “indivíduo virtuoso” - prudente, justo,

caridoso e contido. Será este o cenário ideal promotor da ordem social e livre, como se de

uma “mão invisível” naturalmente equilibradora se tratasse, onde há lugar para a consciência

da consequência dos nossos actos e para o papel que devemos ter, voluntariamente, como

agentes criadores do bem, sem que para isso haja a necessidade de sermos obrigados a

adoptar qualquer comportamento que não dependa da vontade.

Riqueza das Nações

De facto, Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, no seu título

original, ajuda-nos a entender toda a obra de Smith, relativa aos malefícios de uma nação que

restringe a capacidade auto-produtiva, numa crítica ao mercantilismo e à fisiocracia.

Iniciando com os conceitos de produção e de valor de troca, Adam Smith indica a divisão do

trabalho, no seu célebre exemplo da fábrica de alfinetes, como forma de alcançar a máxima

Page 27: Caderno de Pensamento Político

- 27 -

produtividade e criar excedente. E será esta equação a responsável pelo entendimento da

eficiência do mercado, na medida do seu alcance e rapidez, sem que, para tal, um estado

intervenha a favor de um agente, promovendo a livre concorrência, onde o preço é

determinado pela oferta e pela utilidade do bem. Smith defende ainda a Teoria da

Produtividade, distribuída por três pressupostos fundamentais: a especialização da mão-de-

obra em tarefas específicas, o decréscimo do tempo desperdiçado durante a troca de tarefas

e ainda o apoio da máquina.

Não com tanto enfoque, aborda a questão da acumulação de capital. Não se trata de pura

poupança, mas antes de uma contenção temporária que permita investir. O investimento gera

retorno e riqueza. Mas isso apenas será possível com políticas contidas de taxação. Isto leva-

nos também a uma dimensão nacional da política económica, que deve entender a sua

especificidade no mercado. A concorrência é eficiente a partir do momento em que a nação

faz aquilo que de melhor sabe. Defende, por isso, não o interesse próprio restritivo e

interventivo, mas antes o interesse geral livre. Esta realidade, porém, só se concretiza com o

cumprimento dos princípios do Estado de Direito. O papel do Estado será, necessariamente, o

de criar condições para que o mercado funcione, mesmo implicando, pontualmente, algum

sacrifício fiscal, sempre na medida da razoabilidade e do realismo, partindo da nação o

compromisso de gastar estritamente o necessário, ao evitar o endividamento excessivo.

Realiza-se, assim, o conceito de riqueza, como o conjunto de tudo aquilo que é cómodo e

necessário à vida e que o trabalho anual permite alcançar, onde o valor da troca não pode ser

determinado pelo custo do trabalho do trabalhador, mas antes pelo mercado e pela

respectiva utilidade – uma ideia que o próprio viria a rever, mais tarde.

É esta a doutrina que se insere num período aproximado da Revolução Industrial, alvo de

aperfeiçoamento por parte dos seus discípulos e que teria nas teorias socialistas o seu grande

rival.

Importa advertir para um erro vulgarmente cometido: incorrer no anacronismo. Adam Smith

é, de facto, intemporal no seu pensamento, uma vez que inova na percepção da vontade do

Homem e compila visões liberais num todo, atribuindo-lhe um entendimento psico-filosófico

pessoal. Que fique a lição de alguém à frente do seu tempo, onde podemos encontrar bases

para que o nosso presente origine um futuro melhor, na constante actualidade dos seus

ensinamentos.

artigo da autoria de

ANTÓNIO VIEIRA DE CASTRO

Juventude Popular da Póvoa de Varzim

Page 28: Caderno de Pensamento Político

- 28 -

Page 29: Caderno de Pensamento Político

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ascido em Dublin, em 1729, filho de um pai católico e de uma mãe protestante,

estuda os clássicos no Trinity College e em seguida Direito em Londres, onde se fixa

como advogado. Começa a sua actividade política com a publicação de The defense

of a natural society e outros panfletos pedidos pelo partido Whig. Com a publicação da sua

obra filosófica Inquérito aos nossos ideais do belo e sublime ganha franca notoriedade. Eleito

para a Câmara dos Comuns em 1766, representa a colónia de Nova Iorque até à Revolução

Americana. Em 1773 viaja a França onde conhece os enciclopedistas, com quem rapidamente

discorda. De 1782 a 1783 ocupa funções importantes como o de tesoureiro-geral do

ministério Whig de Lord Rockingham. Em 1790, publica as suas Reflexões sobre a Revolução

Francesa que conhecem um grande sucesso entre os conservadores inimigos da revolução.

Esta sua obra surge como resposta a algum entusiasmo (como o do pastor anglicano Richard

Price) e apoio que a revolução teve ao princípio em Inglaterra.

Reflexões sobre a Revolução Francesa

O tema das reflexões sobre a Revolução Francesa: a rejeição do ideal revolucionário. O clima

da revolução de 1789, longe de seduzir Burke, provoca lhe medo. Um sentimento de estranho

caos de ligeireza e ferocidade que conduz a todo género de loucuras. Este reformador

parlamentarista temia que uma chama de violência viesse a devorar toda a Europa e a

N

EDMUND BURKE (1723-1790)

«Quem não olha para o passado dos seus maiores,

não olhará para um futuro de prosperidade.»

Page 30: Caderno de Pensamento Político

- 30 -

Inglaterra, pelo que defendia o modelo idealizado pela revolução inglesa de 1688, que

conservava as antigas leis e liberdades (...) e a herança dos nossos maiores.

A idealização da herança da tradição

Burke recusa aceitar 1789 como o ano da Liberdade pois não considera que anteriormente

existia servidão. As antigas liberdades inglesas eram continuamente transmitidas como uma

propriedade, sem qualquer referência a um direito geral. Como a transmissão hereditária é a

lei da natureza humana por excelência, o povo inglês herdou dos seus antepassados uma

tradição de liberdade, com sede em instituições estáveis que permitiram a coexistência da

Coroa e da Nobreza com a Câmara dos Comuns. Esta constituição é, para Burke, o produto da

experiência dos seus antepassados, da sua sabedoria e do seu mérito. É, assim, que se

determina o pensamento a seguir, a rota da sabedoria e da virtude.

A refutação do racionalismo abstracto

Este pensador rejeita toda a política metafísica, ou seja, todas as abstracções próprias das

Luzes, tais como sejam o fundar uma legislatura em bases meramente geométricas,

aritméticas e financeiras. Considera que os franceses destruíram tudo para tudo

reconstruírem com teorias enganadoras. Sob o pretexto da Razão, esses novos legisladores

fizeram tábua rasa do passado, para tudo nivelar. Ora, a tentativa de igualizar tudo é, para

Burke, impossível, pois a única igualdade verdadeira é a moral da virtude, em que todos os

homens podem e devem fazer igualmente o seu dever. A igualdade teórica, afirma, é uma

utopia: não pode haver sociedade sem hierarquia social.

A refutação dos direitos abstractos

Burke contesta a concepção francesa dos direitos do homem. Considera que uma sociedade é

feita para que todos os seus indivíduos dele retirem algum benefício. Com efeito, os

benefícios produzidos por toda uma sociedade são, naturalmente, os próprios direitos

susceptíveis de serem reclamados pelos indivíduos. A Obrigação deve ser o objecto essencial

da governação, afim de mitigar as paixões dos indivíduos. A natureza de cada homem é

composta pela sua formação, educação e o seu aperfeiçoamento moral... tudo o que só é

possível com um governo estável e regular. Mas como a governação é uma ciência complexa,

que exige um grande conhecimento da natureza humana, os governos simples são

fundamentalmente defeituosos. Desta forma é necessária precaução antes de acabar com

qualquer regime que seja fruto de uma grande experiência. Os teóricos da revolução são, no

seu ponto de vista, professores hipócritas que com especulações abusam do povo. É um

delírio intelectual subordinar a legitimidade do Estado ao consentimento de um indivíduo.

Page 31: Caderno de Pensamento Político

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As reformas

Para Burke, o poder do estado deve estar no exterior do povo. Independente da vontade

popular momentânea, das suas paixões. Deve-se conservar a si mesmo, empreendendo as

suas próprias reformas. Considera, efectivamente, que o ideal de Felicidade anunciado pelos

revolucionários é puramente especulativo apenas mais uma ilusão. Esta sua obra sobre a

revolução francesa conhece desde logo grande sucesso, influenciando os movimentos contra-

revolucionário alemães e franceses. No entanto, se Burke é um conservador, é igualmente um

liberal, mas de um liberalismo inglês, ciente das tradições, permitindo a cada um expandir-se

no respeito dos princípios da moral e do civismo. As suas ideias não são uma doutrina política

articulada mas, antes, uma enunciação de posições sobre princípios sociais, a validade da

hierarquia e o limitado papel da política na vida em sociedade.

artigo recuperado da primeira versão do

CADERNO DE PENSAMENTO POLÍTICO

da responsabilidade de Diogo Belford Henriques e João Vacas

Page 32: Caderno de Pensamento Político

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Page 33: Caderno de Pensamento Político

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rédéric Bastiat nasceu em Bayonne, cidade portuária no sudoeste de França, foi

educado na companhia do avô e da sua tia, no decurso da sua condição de órfão de

mãe, aos sete anos de idade, e de pai, aos nove. Viria a passar a sua juventude em

Sorèze, nocolégio beneditino, recebendo ampla formação em letras e cultivando o gosto

pela economia política e filosofia. Em 1818, vê-se envolto na actividade comercial junto do seu

tio Henry Monclar e a experiência neste meio vai elucidá-lo para as virtudes do comércio, bem

como para os efeitos nefastos do intervencionismo que engendra regras para protecção e

favorecimento do interesse de uns, em detrimento de outros.

Seis anos dedicado ao comércio e, posteriormente, o trabalho como administrador do

património que herdou do seu avô, não o apartou do interesse pela economia e pela filosofia

e seguiu empenhado nas leituras, influenciado por autores como Jean Baptiste Say, Adam

Smith, Charles Comte e Joseph de Maistre, entre outros. Não raras vezes desacreditado pelos

políticos seus contemporâneos e pelo ambiente hostil dominado pelos apologistas do

proteccionismo, ocupou cargo de deputado na Assembleia Constituinte, em 1848, e

posteriormente na Assembleia Legislativa. Aí, alternou as suas votações entre a esquerda e a

direita, privilegiando a própria sensatez, em vez das fáceis divisões que a demagogia

facilmente compartimenta num cerrado maniqueísmo parlamentar.

Com maior perspicácia na escrita do que eloquência na oratória, apressou a sua obra com

maior intensidade nos últimos anos de vida, achando-se já abalado pela tuberculose que ser-

lhe-ia fatal a 24 de Dezembro de 1850.

F

FRÉDÉRIC BASTIAT (1801-1850)

«É-me impossível separar a palavra fraternidade da palavra voluntária. Eu não consigo sinceramente entender como a fraternidade pode se legalmente forçada, sem que a liberdade seja legalmente destruída

e, em consequência, a justiça legalmente pisada.»

Page 34: Caderno de Pensamento Político

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Ideias pioneiras num discurso despretensioso

Se a teorização mais profunda e complexa é o alicerce de uma filosofia política credível, a

clareza do discurso livre de ambiguidades é o complemento indispensável que garante a sua

divulgação com extenso alcance. A capacidade de popularizar os ideais liberais até aos nossos

dias, sobretudo em revistas e panfletos, é talvez a mais distinta particularidade do contributo

de Bastiat. Com argumentos capazes de destronar os maiores tecnocratas, foi um mestre da

concisão. Se tentarmos seguir-lhe agora o exemplo, podemos começar por resumi-lo nos

seguintes traços: defesa da Lei, enquanto legítima defesa dos diretos naturais concedidos por

Deus; perplexidade face ao admirável leque de alternativas que o mercado disponibiliza,

jamais suplantado por qualquer tentativa de inteligência artificial centralizada;

completa oposição a todo o tipo de proteccionismo; e defesa da fraternidade por impulso

voluntário.

Direitos Naturais e A Lei

A ordem social não emana da lei; é a lei que emana da natureza humana e da ordem já

existente. Fiel ao direito natural, defende um equilíbrio sensato de liber-

dade e segurança, pois a ilusão de que podemos reivindicar para além destes dois domínios

conduz irremediavelmente ao sacrifício e esvaziamento destas duas funções fundamentais do

Estado. Conforme a sua frase magistral: “o Estado é grande ficção através da qual todos se

esforçam para viver às custas dos demais”. Alargar a sua área de influência, promovendo o

nivelamento social igualitário e contendo em si a provisão pública de todos os serviços dá

lugar à depredação de recursos e acaba por fazê-lo recuar nas funções que lhe são inerentes:

velar pela justiça e segurança, com vista à protecção das liberdades e propriedade. A

perversão universal da lei dá-se pela iniquidade da classe que legisla, já que, em simultâneo,

beneficia do uso da lei para viver às custas de quem produz e determina o que é susceptível

ou não de punição. A defesa da verdadeira Lei exige, portanto, uma contínua oposição à

opressão pelos abusos arbitrários perpetrados pela elite que controla o poder político e o

crescimento das burocracias.

Sátira ao Proteccionismo e Elogio ao Mercado Livre

Todas as barreiras e interferências governamentais distorcem e quebram aquela harmonia da

cooperação entre homens livres de que nos fala em Les harmonies économiques. Só a ordem

natural, através das trocas livres, pode originar tão ampla panóplia de alternativas e conservar

a paz entre as nações, numa teia harmoniosa que se baseia, tanto no auto-interesse como na

maximização do bem-estar e benefício do consumidor.

Um dos textos mais emblemáticos de Bastiat é a Pétition des fabricants de chandelles e deve a

sua fama ao tom satírico e à facilidade com que desconstrói as falácias que suportam políticas

proteccionistas; dirigida aos Membros da Câmara dos Deputados, lê-se na encenação da

petição - que congregava, entre muitos, os fabricantes de velas, lâmpadas, candelabros e

produtores de resina – que era urgente legislar-se para que fossem fechadas as janelas e todo

e qualquer buraco ou fenda por onde o agressivo concorrente de condições tão superiores

Page 35: Caderno de Pensamento Político

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pudesse penetrar com a sua luz. Era necessário estimular a prosperidade da indústria nacional

e insurgiam-se, assim, contra um rival estrangeiro que usufruía de condições desiguais; esse

rival era o sol. Neste exemplo, elucida-nos para o efeito pernicioso de usar a lei com vista a

alterar as condições de base, pois o resultado final será sempre mais insatisfatório e

ineficiente. Citando-o em Ce qu’on voit et ce qu’on ne voit pas, enquanto escrevia a respeito da

subvenção às belas-artes: "é de se observar que os deslocamentos artificiais das necessidades,

dos gostos, do trabalho e da população colocam as pessoas em uma situação precária e perigosa,

que não tem base sólida."

Com igual simplicidade, conseguiu ridicularizar, sem antever, aquele que viria a ser o “efeito

multiplicador” defendido por Keynes. Podemos encontrar exemplificado na sua Falácia da

Janela Partida que refuta que a destruição possa de alguma forma contribuir para o estímulo

da economia e para a criação de riqueza. Vastamente citado, sobretudo aplicado a cenários de

guerra, é um exemplo notável em que Bastiat ilustra a importância do que “se vê e o que não

se vê” nas circunstâncias imediatas. A fé no dirigismo estatal conduz ao encarecimento da

vida, desprezo pelo hábito de poupança, estanca a criatividade e os investimentos bem

direccionados. Sem subvenção estatal e sem imunidades especiais, aquilo que prospera

resiste à prova do tempo pela própria capacidade de financiamento que é o sinal mais real da

própria viabilidade.

Combate à Falsa Filantropia e ao “Roubo Legalizado”

É com frontalidade que designa por “roubo legalizado” toda a actividade determinada pelo

governo para beneficiar um cidadão ou grupo organizado em detrimento de outros. Não

existe fraternidade por decreto e, como tal, todos os direitos positivos acenados pelos

socialistas não constituem mais do que uma coerção que deturpa a espontaneidade humana,

de onde decorre a sincera e voluntária distribuição dos frutos do nosso trabalho, pois

legislador algum poderá exigir um limite de sacrifício e replicar as acções que só a

solidariedade consegue conservar no tempo. Ao contrário da premissa socialista que declara

todos os interesses como conflituantes, exigindo que a lei force a uma intermediação que

acerte interesses segundos critérios arbitrários, Bastiat defende que a solidariedade jamais

pode resultar de prescrição legal e receio de punição. Compactuar com tal intenção

compromete a liberdade, uma vez que obriga a incorrer numa utopia imposta sem

delimitação, alimentada por permanente extorsão de propriedade.

artigo da autoria de

DANIELA SILVA

Movimento Libertário

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lexis de Tocqueville nasceu a 29 de Julho de 1805, no seio de uma família

aristocrática e católica da Normandia. O seu bisavô, Chrétien de Malesherbes, e o seu

pai, Hervé de Tocqueville, foram presos aquando da Revolução Francesa. O primeiro

acabou condenado à guilhotina, enquanto o pai conseguiu escapar da pena capital devido à

queda do “Incorruptível” Robespierre.

O seu interesse pelo direito levou-o a ingressar na carreira da magistratura no ano de 1827.

Foi nessa altura, mais concretamente em 1831, que Tocqueville obteve a autorização da

Monarquia de Julho para realizar uma visita de estudo às penitenciárias da América, na

companhia do seu eterno amigo Gustave de Beaumont. Durante essa visita, Tocqueville

aproveitaria para visitar o país, retirando inúmeras notas e observações que, em 1835,

culminariam no êxito retumbante de Da Democracia na América. Esta obra representou um

marco na vida do pensador francês. Foi a partir daí que a carreira política de Tocqueville

deslanchou, atingindo os píncaros com a eleição para a Câmara dos Deputados em 1839,

sendo reeleito em 1842 e em 1846. Foi sob a roupagem de deputado da nação que o jurista

gaulês predisse a revolução de Fevereiro de 1848, bradando com veemência contra a inépcia

política das elites da monarquia moribunda.

Posteriormente, entre Junho e Outubro de 1849, assumiria o cargo de Ministro dos Negócios

Estrangeiros da França, onde buscou, com perseverança e cautela, manter o equilíbrio político

europeu de antanho. Contudo, em virtude das contingências políticas da época, acabou por

abandonar o Governo e a carreira política, sendo que em Dezembro de 1851, após o golpe de

A

ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859)

«Creio que, em qualquer época, eu teria amado a liberdade; mas, na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la.»

Page 38: Caderno de Pensamento Político

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Estado de Louis-Napoléon Bonaparte, foi preso por um breve período, sendo privado dos

cargos públicos que ocupou na República.

No rescaldo destes acontecimentos, Tocqueville retornaria à escrita, publicando em 1856 o O

Antigo Regime e a Revolução, uma brilhante análise dos sucessos da Revolução de Julho de

1789. A obra foi celebrada nos altos círculos intelectuais do Ocidente, fazendo de Tocqueville

um dos principais maîtres à penser da época. Três anos depois, não resistiria à inclemência da

tuberculose, morrendo sem ter terminado a segunda parte de O Antigo Regime e a Revolução.

O igualitarismo democrático

A obra de Tocqueville gira em torno de um diagnóstico certeiro do devir das sociedades

liberais oitocentistas: a emergência de um demos pouco atreito às virtudes liberais. A sua

obra magna, Da Democracia na América, é uma exposição certeira dos predicados essenciais

do democratismo, das suas qualidades e vícios, relevando a experiência americana como o

laboratório por excelência da aplicação do ideário democrático. Tocqueville identificou, como

poucos, a força irresistível da democracia, libertando o pensamento conservador da

identificação exclusiva com o legitimismo do Ancien Régime. A progressiva igualdade de

condições entre os indivíduos, dotando-os do mesmo estatuto, isto é dos mesmos direitos e

deveres, traduziu-se, inevitavelmente, num reforço do individualismo atomizante. Sem os

resquícios das hierarquias da era feudal, os indivíduos entregaram-se a uma individualização

extremada, que, em último caso, redundou quase sempre em anarquia e caos político.

Por outro lado, o autor identificou outra tendência política, idiossincrática da era democrática,

assente na centralização crescente do poder estadual. A assumpção da vontade geral

ilimitada rousseauniana desembocou amiúde na apologia de um governo ilimitado. A

tendência que levou os indivíduos a não reconhecer qualquer autoridade que sobrepujasse a

esfera decisória individual, conduziu, concomitantemente, à concessão ao Estado do poder,

ilimitado e ilimitável, de administrar a vida dos cidadãos em nome da sacrossanta igualdade

de todos. Esta uniformização tutelar pressupôs um despotismo centralizador que, nas

palavras do autor, é “um poder absoluto, pormenorizado, ordenado, previdente e suave”.

A limitação do poder

Tocqueville partiu do paradigma inglês e americano para desenhar uma crítica contundente à

narrativa da vontade geral ilimitada. O autor desejava a manutenção, sob novas formas, do

pluralismo político medieval. A análise tocquevilliana tem como cerne a tese de que

o evolucionismo político, próprio das culturas de matriz anglo-saxónica, permitiu um maior

florescimento das liberdades, ao inverso do que sucedeu com a cultura centralista fomentada

pelo absolutismo monárquico francês. A liberdade só respira plenamente em ambientes

conformados por uma tradição de pluralismo, radicada prima facie na extensão das

prerrogativas aristocráticas ao âmago da população.

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A tensão entre a liberdade e a igualdade

Um dos tópicos mais salientes do pensamento de Tocqueville prende-se com a garantia das

liberdades numa era marcada por um igualitarismo asfixiante. É aqui que o autor respiga

alguns dos caracteres mais distintivos da experiência democrática americana. Na análise de

Tocqueville ressalta a ênfase nas instâncias intermediadoras, harmonizadas num

associacionismo de cariz democrático, que reproduz, sobremodo, a indeclinável exigência de

assegurar as liberdades liberais, sem consentir no abandono dos cidadãos perante o

despotismo estadual. Os corpos intermédios, à semelhança do autogoverno local, permitem

uma maior aproximação do cidadão comum ao espírito da liberdade. A religiosidade é outro

dos factores essenciais na travagem da centralização uniformizadora do poder estadual: o

controlo do espectro tutelar do poder despótico do Estado carece de uma instância

endógena, isto é, de um poder interno à sociedade civil, que vigie a acção conformadora do

poder central. Esse poder é representado na perfeição pela religião. Como disse o autor,

sustentando a sua interpretação no experimento americano, “a liberdade vê na religião a

companheira das suas lutas e dos seus triunfos, o berço da sua infância, a fonte divina dos seus

direitos. Considera-a a salvaguarda dos costumes e estes garantes das leis e da sua própria

durabilidade”.

artigo da autoria de

JOÃO PINTO BASTOS

Juventude Popular do Porto

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ohn Stuart Mill é um daqueles pensadores cujo rotulamento das ideias não é tarefa

fácil. De tal forma que nos dias de hoje não é raro encontrar tanto socialistas como

liberais que se definam como seus herdeiros políticos.

Mas antes de avançarmos mais, é proveitoso recuarmos. Lembramos as avisadas palavras do

filósofo espanhol: o homem é sempre ele e a sua circunstância. Isto é uma verdade, diríamos,

universal. E, como tal, também é verdade no caso de John Stuart Mill. Consideramos, aliás,

que seria difícil compreendê-lo sem conhecer duas circunstâncias da sua circunstância: a sua

infância e relacionamento com seu pai e o seu relacionamento com Harriet Taylor.

Comecemos, antes de mais, como convém, pelo princípio. Mill, primeiro filho do filósofo

utilitarista James Mill e de Harriet Burrow Mill, nasceu a 20 de Maio de 1806, em Londres.

James foi o mais próximo dos amigos e o principal colaborador de Jeremy Bentham, pai do

utilitarismo inglês. Acérrimo partidário da total liberdade de expressão, das instituições

democráticas, do sufrágio universal e da plena liberdade de mercado, conseguiu reunir à sua

volta um círculo de reformadores que ficariam conhecidos como filósofos radicais, que vieram

a constituir um grupo político – Radicais – que mais tarde estaria na origem do Partido Liberal.

A instrução de John Stuart, tal como a dos seus 8 irmãos, ficou a cargo do seu pai. Desde os 3

anos estudou grego, aritmética, história, latim, lógica escolástica, oratória e economia.

O utilitarismo de Bentham estruturou o seu pensamento. Em 1821 leu o Traité de Legislation

Civile et Pénale, que o marcou profundamente. Entendeu Mill que todos os anteriores

moralistas tinham sido ultrapassados por Bentham, que inaugurava uma nova era do

J

JOHN STUART MILL (1806-1873)

«A liberdade de um indivíduo deve ser assim limitada: não deve ser prejudicial aos outros.»

Page 42: Caderno de Pensamento Político

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pensamento. Acreditava o último que eram boas as acções que promovessem a felicidade

individual – egoísta e hedonista – (que consistia no saldo positivo do prazer sobre a dor) e que

a soma destas era igual à felicidade geral. No seu Traité, Jeremy Bentham desenvolveu uma

fórmula científica de aplicação deste princípio, através da quantificação, em termos

absolutos, da felicidade.

Em 1830 conheceu Herriet Taylor, com quem viria a casar 21 anos depois, após ter esta

enviuvado. Desde o momento em que se conheceram cultivaram entre si uma grande

amizade. Herriet foi o amor da vida de Mill. Foi também sua fonte de inspiração, alvo de

profunda admiração e ajuda imensurável na composição da sua obra, revendo-lhe todos os

textos e sendo companheira de discussão de todas as ideias. Herriet – então já Mill – morreu

em Avinhão em 1858.

Ao longo da sua vida, Mill colaborou em inúmeras publicações, tendo sido director da London

and Westminster Review. Aí foi grande defensor dos Radicais, que viam no seu pai, James, um

destacadíssimo líder teórico. Mesmo depois de ter entrado em ruptura com essa corrente

política e com o utilitarismo de Bentham não abandonou as suas defesas, por não querer

desgostar o pai. A morte de James Mill, em 1836, foi, assim, para John Stuart, além de uma

experiência muito dolorosa, também uma oportunidade de emancipação intelectual.

Stuart Mill afastou-se das concepções benthamianas de utilitarismo. Rejeitou a possibilidade

de se fazer uma valoração quantitativa dos prazeres, propondo uma qualitativa. Mill advoga

uma concepção altruísta da moral utilitarista. Deste modo, afirma que o princípio da utilidade

fomenta também o interesse geral, para além de gerar felicidade individual. O egoísmo pode

– deve – ser informado pela educação e pela consciência social, de forma a promover uma

associação indissolúvel entre o bem-estar próprio e o bem de todos. A felicidade não se basta,

então, com a satisfação de desejos, mas assenta sobretudo naquilo a que o autor chama os

prazeres superiores: as concretizações do espírito, isto é, a cultura, a inteligência e a

sensibilidade.

Em 1865 Mill foi eleito para a Câmara dos Comuns, pelo Partido Liberal. Cumpriu um único

mandato, não tendo sido reeleito para um segundo.

Foi defensor do governo representativo, do sufrágio universal, pretendendo a extensão do

direito de voto às classes trabalhadoras e às mulheres, Foi incansável defensor das classes

trabalhadoras, denunciando a situação económico-social a que estavam sujeitos os

trabalhadores da Inglaterra novecentista.

Economicamente Mill é definido por muitos como um socialista pragmático, sendo que ele

próprio fez, nos seus Princípios de Economia Política, a apologia da ideia socialista de justiça.

Na verdade, John Stuart faz a distinção entre as leis que regem a produção e as que regem a

distribuição. As primeiras são naturais: a lei da oferta e da procura determina a produção,

independentemente da vontade humana. As segundas, pelo contrário, já são leis

convencionadas. E, assim, devem reger-se pela justiça, corrigindo os efeitos nefastos das

primeiras. Concilia, deste modo, a liberdade económica com a justiça. Neste sentido propõe

também a criação de cooperativas, o imposto sobre a renda fundiária e a limitação dos

latifúndios e dos direitos sucessórios.

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Porém, as ideias mais destacadas de Mill, grandes responsáveis pelo reconhecimento que

ainda hoje tem, são as que desenvolveu sobre a liberdade (maxime, sobre a liberdade de

consciência e de expressão) e sobre a individualidade, especialmente na sua mais conhecida

obra, Sobre a Liberdade.

Esta sua obra é, fundamentalmente dedicada aos limites da interferência da sociedade sobre

o indivíduo. Afirma que não é suficiente fazer a defesa das Nações contra a tirania da

magistratura. É também necessário proteger os indivíduos contra a tirania da maioria. Deste

modo defende que não é legítimo que a sociedade interfira nos assuntos que aos aos

indivíduos dizem respeito. Quais são esses assuntos? São aqueles que da acção dos indivíduos

não resultam danos para terceiros: a isto chamou princípio do dano.

Mill eleva a liberdade, nesta obra em que a sua esposa foi co-autora, a valor sacrossanto, mais

uma vez porque útil: a única fonte infalível e permanente de progresso é a liberdade.

A liberdade de expressão é defendida por John Stuart como por poucos outros: só poderá ser

afastada nos casos em que se configure como um apelo à violência. E nem qualquer apelo

basta; tem de ser um apelo concreto e imediato, de tal forma que se preveja que tenha

consequências na liberdade de outros indivíduos. Claro que a sua análise da liberdade de

expressão esta sujeita a uma análise utilitária. Mill considera que a expressão de opiniões está

ao serviço do progresso moral e intelectual das sociedades.

Neste livro também se faz a defesa intransigente da individualidade. A individualidade é, para

Stuart Mill, fonte de progresso social; e todos os homens tendem para a sua afirmação

individual. Os homens tornam-se nobres e belos objectos de contemplação cultivando a sua

individualidade. A originalidade é a origem de todas as coisas nobres e sábias. A fusão dos

indivíduos nas massas tem como resultado a mediocridade.

John Stuar Mill morreu em 1873, também em Avinhão. Deixou-nos uma obra vasta que, ainda

hoje, constitui excelente motivo de reflexão e cujo estudo é incontornável. Dela se destacam:

Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva (1837), Princípios de Economia Política (1844), Sobre a

Liberdade (1859), Considerações Sobre o Governo Representativo (1861), Utilitarismo (1863),

Sujeição das Mulheres (1869) e Autobiografia (1873).

artigo da autoria de

ANDRÉ LEVI

Juventude Popular de Espinho

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ascido em Oxfordshire, a 30 de Novembro de 1874, Sir Winston Leonard Spencer-

Churchill nasceu no seio de uma família aristocrática. A política parecia ser a

actividade que geneticamente se lhe impunha, não pelo lado da mãe, Jennie

Jerome, que era filha de um magnata Americano, Leonard Jerome, mas pelo lado do pai,

Lorde Randolph Churchill, membro do Partido Conservador, Ministro do Tesouro do Governo

Britânico em 1886, e do avô, que foi Vice-Rei da Irlanda e que sempre foi um exemplo para o

jovem Winston. Diz-se que o amor de Winston ao exército nasceu nas cerimonias militares do

palácio onde vivia o seu avô, hoje residência oficial do Chefe de Estado da Republica da

Irlanda. Com estes dois fenómenos o da política e o das armas se moldou e cresceu para fazer

carreira no Exercito Britânico. Passou pela Índia Britânica, pelo Sudão e até pela África do Sul.

Dizem que andava sempre de bloco de notas no bolso, nascia o Churchill escritor que fez uma

série de livros sobre os conflitos e assim se tornou correspondente de guerra, mal sabia que

mais tarde ia ganhar o Prémio Nobel da Literatura, coisa que alias mais nenhum outro chefe

de Estado conseguiu até hoje. Depois veio o palco de guerra mais dramático em que entrara o

da 1ra Guerra Mundial, em 1914, por lá passou brevemente, tendo comandado o 6º Batalhão

de Fuzileiros Reais Escoceses. Terá sido o bastante para perceber o problema das guerras a

grande escala e a necessidade do seu próprio país se proteger, forma-se uma consciência

forte na que mais tarde vem a salvar o seu país, a Europa e o Mundo. No ano de 1900 não

negando a carreira política é eleito pela primeira vez deputado do Parlamento Britânico pelo

Partido Conservador, tinha apenas 26 anos. Passados 5 anos mudou para o Partido Liberal,

por um curto período, o suficiente para ser subsecretário das colónias e ministro do comercio,

3 anos depois. Regressa depois ao Partido Conservador, agora na oposição Churchill prova a

sua visão, chama várias vezes o Governo Inglês a atenção para a falta de meios da Grã-

N

WINSTON CHURCHILL (1874-1965)

«A política é quase tão excitante como a guerra e não

menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.»

Page 46: Caderno de Pensamento Político

- 46 -

Bretanha e a crescente militarização Alemã e do Regime Nacional Socialista, em resposta foi

chamado de belicista e exagerado. Em Setembro de 1939 a Alemanha torna-se perigosa como

previsto e toma território polaco, face ao acordo bilateral de apoio em matéria de defesa, a

Grã-Bretanha, aliada da Polónia declara guerra a Alemanha. Dado a estes factos foi fácil ao

povo reconhecer que Churchill tinha razão e a 10 de Maio de 1940 é eleito Primeiro-Ministro,

tinha a altura 65 anos de idade. Depois vem a parte mais conhecida da sua história, lidera o

grupo de países aliados na luta contra a Alemanha Nazi. Mais importante foi determinante

para a vitória na guerra, convenceu a URSS a entrar na guerra com os países democráticos da

Europa e já na parte final convenceu os Americanos a juntarem-se a aliança, um último passo

absolutamente decisivo para a vitória e a queda da Hitler. Após a guerra perde as eleições

para o Partido Trabalhista, voltando ao governo só em 1951. Em 1955 faz o seu último

discurso enquanto Primeiro-Ministro, nele a sua capacidade de previsão de acontecimentos

volta a afirmar-se, fala no problema que o Mundo vive dividido em dois bloco pela Cortina de

Ferro, expressão por si criada para o Muro de Berlim, e antevê uma Guerra Nuclear, coisa que

hoje sabemos que realmente podia ter acontecido por noção de termos vivido a Guerra Fria.

Se é verdade que o Mundo merecia que fosse imortal Churchill morre tempos depois, já nas

vestes de mero deputado, em Hyde Park Gate, Londres, a 24 de Janeiro de 1965. Descansa

onde nasceu, em Oxfordshire.

A visão económica

Um dos momentos significativos da sua acção política interna aconteceu cedo na sua carreira,

Churchill discordava publicamente do partido Conservador quando este preconizava a

introdução de tarifas alfandegárias. Propugnador do comércio livre, Curchill começa por, em

conluio com outros descontentes, criar uma estrutura dentro do próprio partido, denominada

por Unionistas pelo Comércio Livre. Apostados em combater a tendência do partido, Churchill

e companheiros conservadores procuram a coabitação entre a defesa do comércio livre e a

militância conservadora, tarefa demasiado espinhosa para o incontinente e genuíno Churchill.

Mesmo aconselhado pelos seus colegas, agudizou as suas verberações contra os Tories,

atingindo o ponto de ruptura. Numa missiva dirigida a um correligionário conservador, Hugh

Cecil, também membro dos Unionistas, Curchill é elucidativo: Eu sou um liberal inglês. Odeio o

Partido Tory, os seus homens, as suas palavras e os seus métodos. Não sinto nenhuma espécie de

simpatia por eles, excepto pela minha gente em Oldham. Após isto o Governo cai e o Partido

Liberal alcançou uma trovejante vitória, Churchill permaneceu como Secretário de Estado das

Colónias, cargo que assumiu logo após a demissão do executivo conservador. Anos depois, e

após ter liderado os ministérios do Comércio (1908) e Interior (1910), em governos liberais,

Churchill retorna à casa-mãe, o Partido Conservador, em 1924, 20 anos após a sua saída.

A capacidade discursiva

Uma questão que parece sempre presente em Churchill é a sua capacidade discursiva, apesar

de alguns autores levantarem um rumor de que Churchill teria alguns problemas de dicção

isso parece não ser verdade, seja como for a questão central é a escolha das palavras, é a

forma que imprimia nas suas frases a grandeza da sua personalidade. Os seus discursos de

Guerra foram fundamentais para levantar o ímpeto nacionalista do povo britânico, levando-o

Page 47: Caderno de Pensamento Político

- 47 -

a ultrapassar alguns problemas históricos regionais e virando-se todos juntos para o inimigo

comum. A 4 de Junho 1940 diz estas palavras no Parlamento Inglês: Lutaremos até ao fim!

Lutaremos na França, lutaremos nos mares e nos oceanos, lutaremos com crescente confiança e

crescente força nos céus, defenderemos a nossa ilha, custe o que custar. Lutaremos nas praias,

lutaremos nos terrenos, lutaremos nos campos e lutaremos nas ruas, lutaremos nestes montes.

Nunca nos renderemos! Nem todas as suas palavras eram sérias, do seu genuíno bom humor

saiu uma das frases politicas mais célebres. Respondendo uma vez a Bessie Braddock,

deputada trabalhista, que o acusou de estar disgustingly drunk, disse-lhe: Bessie, minha

querida... você é nojentamente feia. Mas amanhã eu estarei sóbrio e você continuara

nojentamente feia! Nota especial merece a sua grandeza e humildade, negou sempre o mérito

da derrota de Hitler: Eu nunca aceitei o que muitas pessoas disseram de mim, nomadamente que

inspirei o país. Foram a nação e a raça britânica que batalharam em todos os campos com

coração de leão. Eu só tive a sorte de ser chamado para dar o primeiro rugido.

O líder diplomático

Absolutamente incontornável é meditar na faceta de Churchill enquanto líder politica no

Mundo. Segundo muitos historiadores Churchill é o maior Estadista do século XX. Podemos

ver em três momentos a importância mundial de Churchill no que toca as relações externas.

No momento Pré 2ª Guerra Mundial foi determinante, anteviu o problema alemão e sugeriu

enquanto deputado a preparação de homens e de armas para o que ai vinha. Durante a 2ª

Guerra Mundial foi determinante em sensibilizar o Presidente Americano Roosevelt a juntar-

se as forças aliadas, onde já estavam a Grã-Bretanha, a URSS de Estaline, e a França, achava, e

com razão, que a intervenção dos EUA seriam determinantes para a vitória. No Pós 2ª Guerra

Mundial Churchill foi determinante numa série de acordos importantes para a pacificação e

reorganização geopolítica no pós-guerra. Por exemplo foi determinante mais uma vez em

relação a posição americana, convencendo os EUA a entrar na recém criada ONU, coisa que

não tinha acontecido aquando da Sociedade das Nações, dai o seu falhanço. Finalmente, foi o

primeiro líder a perceber o problema da URSS ser aliada e os problemas da divisão do Mundo

em dois Blocos após a Guerra, preocupava-o a forma como foi dividida a Coreia e

especialmente a divisão da Alemanha. Suspeitava a hipótese de uma guerra nuclear porque

percebeu o entusiasmo russo com as bombas atómicas que os EUA experimentaram no Japão

no fim da 2ª Guerra, sabia que não iam querer ficar para trás enquanto potência bélica. Tinha

razão.

artigo da autoria de

HUGO NUNES

Juventude Popular de Oliveira de Azeméis

Page 48: Caderno de Pensamento Político

- 48 -

Page 49: Caderno de Pensamento Político

- 49 -

O início de um Génio

Nascido em Lemberg, na Galícia, império Austro-húngaro (actualmente Lviv, na Ucrânia) a 29

de Setembro de 1881, Ludwig von Mises foi criado numa família judia de classe alta. A família

do seu pai, Arthur Edler von Mises, viu o seu estatuto ser elevado à nobreza austríaca,

enquanto se dedicava à construção e financiamento de linhas de caminhos-de-ferro.

O liberalismo sempre andou de mãos dadas com a família do jovem Ludwig, tendo o tio da sua

mãe Adele Landau, o Dr. Joachim Landau, feito parte do Partido Liberal Austríaco, chegando

inclusive a desempenhar as funções de deputado no Parlamento da Áustria.

Com apenas doze anos, Ludwig já falava iídiche, alemão, polaco e francês fluentemente, para

além de saber ler latim e perceber ucraniano. Mises desde cedo aprendeu a lidar com a morte

de entes queridos, tendo perdido o seu irmão Karl von Mises, ainda muito jovem, vítima de

escarlatina. Richard von Mises, também seu irmão mais novo, foi orgulhosamente inserido

como membro no famoso Circulo de Viena, tendo tido um papel científico preponderante na

Física da época.

Em 1990, Ludwig entrou para Universidade de Viena, onde mais tarde viria a evidenciar-se

como um dos maiores economistas de todos os tempos, inspirando-se no trabalho de Carl

Menger (pai da Escola Austríaca da Economia). Mises perde o seu pai em 1903, tendo a morte

deste marcado o jovem génio profundamente.

LUDWIG VON MISES (1881-1973)

«A economia não lida com coisas e objetos materiais tangíveis,

trata dos homens, suas ações e propósitos.»

Page 50: Caderno de Pensamento Político

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Vida académica e profissional

Ao entrar para a Universidade de Viena como um assumido esquerdista por ideal, o Mises

descobriu o livro Principles of Economics, de Carl Menger, e viu-se rapidamente convertido à

abordagem Austríaca baseada na acção individual e nos mercados livres, em vez dos

convencionais mecanismos irrealistas como equações pomposas pretensamente

representadoras da realidade económica.

Já no final dos anos 1920, Mises começa a publicar trabalhos sobre o carácter epistemológico

da Economia, em que argumenta que a ciência económica não poderia ser verificada ou

refutada através de dados empiricamente observáveis. Segundo Ludwig von Mises, a

Economia é uma ciência a priori, e só pode ser estudada através da dedução lógica de axiomas.

Mais tarde, o economista veio a defender que a Economia deveria ser vista como mera parte

de uma ciência muito maior, intitulada praxeologia – o estudo lógico da acção humana.

Em 1934, Mises é chamado para desempenhar funções no Instituto Universitário de Altos

Estudos Internacionais de Genebra, onde escreveu o seu grande tratado sobre a praxeologia,

intitulado Nationalökonomie. Ainda em Genebra, Mises casou-se com Gitta Serény, não tendo

havido nenhum filho do casamento.

Em 1940, Mises abandona Genebra com receio de ser capturado pelo exército alemão, ou de

ser entregue ao Reich pelo próprio governo suíço. Mises imigra para Nova Iorque e começa

uma nova vida, recebendo a cidadania americana em 1946. Ele é contratado em 1945 para dar

aulas na Universidade de Nova Iorque como professor convidado, onde que viria a passar os

últimos anos da sua vida de docente.

Nos Estados Unidos da América, durante os anos 1950, Mises torna-se o “guru” do movimento

libertário americano, tendo influenciado grandes pensadores como Murray Rothbard ou Israel

Kirzner. Em 1949, eis que a mais grandiosa obra de Mises é publicada com o título Human

Action, agora em versão inglesa – obra essa que ainda hoje inspira milhares de pessoas

anualmente, desde áreas tão distintas (ou tão semelhantes) como a economia e a psicologia,

pelo que aconselho o leitor a explorar um pouco desse grande trabalho.

Reza a história que independentemente da sua fama crescente, Mises recebia os estudantes

na sua própria casa, para esclarecimento de dúvidas relacionadas com as matérias

leccionadas. Abandonou o ensino da Economia aos 87 anos, sendo à época o professor mais

velho no activo dentro dos Estados Unidos da América. Viria a falecer com 92 anos no St.

Vincent’s Hospital em Nova Iorque. Morreu a apenas um ano de poder ver Friedrich Hayek, um

dos seus melhores discípulos, receber o Prémio Nobel da Economia.

Feitos marcantes

Mises foi, provavelmente, o economista mais influente de toda a Escola Austríaca do

Pensamento Economico até aos dias de hoje, mesmo tendo Hayek recebido mais

reconhecimento pelos economistas e pensadores do “mainstream”.

Page 51: Caderno de Pensamento Político

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Na sua teoria monetária, Mises afirmou que a sociedade não beneficia de modo algum

do aumento da oferta de moeda, que o dinheiro e o crédito bancário aumentados apenas

provocam inflação e crises económicas, e que por isso o governo deveria sempre assegurar a

existência de reservas bancárias equivalentes a 100% do valor total, dos depósitos, em ouro.

Mises acrescentou ainda a estes pressupostos alguns elementos da sua famosa e

intelectualmente fascinante Teoria dos Ciclos Económicos (actualmente reconhecida pelo

nome de Austrian Business Cycle Theory): o aumento da quantidade de moeda em circulação

por parte dos Estados (e devido à Fractional Reserve Banking) - que consequentemente

causará uma diminuição das taxas de juro através da expansão do crédito disponível para ser

concedido pelos bancos aos privados - para além de causar inflação, faz com que

as depressões sejam catastroficamente inevitáveis, causando malinvestments (“maus

investimentos”), isto é, induzindo os gestores a investir exageradamente capital em maiores

quantidades de recursos produtivos (ferramentas, máquinas, etc.) e em menores quantidades

de bens de consumo.

Mises acreditava que o acto de alterar artificialmente as taxas de juro descoordenaria a

economia, tendo em conta que a função da mesma é precisamente a de fazer a coordenação

entre os desejos temporais dos agentes (presente vs. futuro).

Para além de se ter oposto às correntes políticas em voga no século XX, Mises levou uma vida

inteira a lutar pela real liberdade do Homem, lembrando as muitas mais-valias dessa mesma

libertação face aos Estados. Disse um dia: aquele que deseja paz e harmonia nas relações

humanas deve sempre lutar contra o estatismo – só podemos aplaudir de pé.

artigo da autoria de

GUILHERME MARQUES DA FONSECA

Instituto Ludwig von Mises Portugal

Page 52: Caderno de Pensamento Político

- 52 -

Page 53: Caderno de Pensamento Político

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acques Maritain (Paris, 1882 – Toulouse, 1973) foi um filósofo francês que se destacou

como um dos principais divulgadores da filosofia deAristóteles e São Tomás de Aquino do

século XX. O seu contributo intelectual teve especial relevância pela influência das suas

ideias políticas e sociais no pensamento católico.

Cursou estudos de filosofia e ciências naturais em Sourbonne (1900-1902), onde conheceu

Raissa Oumansoff, com a qual viria a casar em 1904. Em 1906, influenciado pela leitura de Léon

Bloy, Maritain recebe o baptismo na Igreja Católica Romana. A partir desse ano, Maritain, que até

aí fora influenciado no seu pensamento por Bergson, começa a aprofundar o estudo da filosofia

de São Tomás de Aquino. Em 1914, inicia uma carreira académica no Institut Catholique. É dessa

época que datam as suas primeiras publicações filosóficas (La philosophie bergsonienne: études

critiques; La science moderne et la raison), em que defende a filosofia tomista contra correntes de

pensamento seculares. Nos anos seguintes, continuou a publicar obras de defesa do pensamento

Católico (Antimoderne [1922], Trois réformateurs – Luther, Descartes et Rousseau [1925]), mas

também escritos introdutórios à filosofia como os seus Éléments de philosophie (1920-23) e o

ensaio Art et scholastique [1921]).

Em fins dos anos 1920, Maritain contacta com movimentos políticos de inspiração católica

(nomeadamente, a Acção Francesa). Começa então a desenvolver uma filosofia política a um

tempo humanista e cristã. Desse esforço resultaram, nos anos seguintes, as principais exposições

do seu pensamento político: Humanisme Intégral [1936],De la justice politique [1940], Les droits de

l’homme et la loi naturelle [1942], Christianisme et démocratie [1943],Principes d’une politique

humaniste [1944], La personne et le bien commun [1947], Man and the State [1951] e La loi naturelle

ou loi non-écrite (publicação póstuma).

J

JACQUES MARITAIN (1882-1973)

«O religioso perfeito reza tão bem que ignora que está a rezar.

O comunismo é tão profundamente uma religião - terrena – que ignora ser uma religião.»

Page 54: Caderno de Pensamento Político

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Evadido do país natal com a eclosão da guerra, só regressará com a libertação da França, e

ocupará, até 1948, o cargo de embaixador da França no Vaticano, envolvendo-se igualmente na

preparação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Naquele mesmo ano regressa

aos Estados Unidos, onde se dedica ao ensino universitário, só se fixando em França

definitivamente no ano de 1960. Durante o período publicou algumas obras sobre estética,

filosofia moral e filosofia da história.

Depois do regresso, Raissa Maritain falece e Jacques Maritain muda-se para Toulouse, onde passa

a viver com uma ordem religiosa – Les petites fréres de Jesus. Depois de, em 1970, ter pedido o

ingresso formal na ordem, viria a falecer a 28 de Abril de 1973. Está sepultado com a sua esposa

em Kolbsheim, França.

Conceitos-chave do pensamento de Jacques Maritain

Jacques Maritain funda toda a sua especulação política na ética metafísica e na teologia cristã. A

sua obra de é herdeira da filosofia aristotélico-tomista, o que significa, desde logo, que vai nela

impressa a característica dasistematicidade. Não há conclusão particular que não derive da

aplicação dos princípios mais gerais, nem ciência particular que não se subordine à ciência humana

suprema – a Metafísica – e à ciência sobrenatural, que subordina a Metafísica – a Teologia. Por isso,

a primeira chave para compreender o seu pensamento político é notar o lugar da política no

interior do seu sistema. Maritain acolheu a distinção aristotélica entre filosofia especulativa e

filosofia prática – aquela tem na procura do conhecimento um fim em si mesmo, é descritiva,

enquanto esta é normativa, procura aquilo que o homem, enquanto homem, deve fazer – inclui

toda a filosofia da acção humana. É a Moral a ciência prática por excelência: é ela que fixa as regras

ideais dos actos humanos, enquanto humanos, e porque toda a regra indica um meio para um fim

determinado, dirige os actos humanos para o seu fim último. Os seus princípios serão dados

pela Ontologia e pela Antropologia, mas também pelos dados da experiência sensível. Segundo a

lição de Aristóteles, Maritain coloca a política como uma ciência subordinada à Moral. É, pois,

neste sentido, em que, aproximando-se de Aristóteles, Maritain se opõe diametralmente a

Maquiavel – a boa política não é a política não-moral: a política é essencialmente moral, porque é

na essência agir (praktikon) bem ou mal e não fazer (poietikon) correcta ou incorrectamente; não

é a arte de conquistar e conservar o poder.

Para Maritain (seguindo São Tomás), o fim último subjectivo do homem é a felicidade, e o ser

humano nada pode querer que não vá no sentido da felicidade, ou seja de um bem infinito, que só

Deus, que é o Bem, pode dar ao homem - Deus é o sentido último da existência humana. Perante

os outros bens finitos a que o homem tende há uma indeterminação radical da vontade que

confere ao homem o livre-arbítrio. É da noção de liberdade que desponta o reconhecimento do

homem como pessoa - um indivíduo que a si mesmo se determina pela razão e pela vontade. Não

se trata de uma simples liberdade que é a ausência de coacção de um agente exterior, mas de uma

independência espiritual que faz de cada homem senhor de si. Distingue Maritain duas espécies

de aspirações da personalidade humana: as conaturais, estritamente humanas, que correspondem

às suas necessidades terrenas – estas são satisfeitas em sociedade; e as transnaturais, que

respeitam à pessoa enquanto tal, e que aspiram a uma liberdade sobrenatural, que só pode ser

concedida por Deus. O humanismo de Maritain reconhece as duas dimensões do homem para o

enriquecer em todas as suas potencialidades. As aspirações conaturais são satisfeitas pela

conquista da independência do homem face à natureza e pela sua conformação livre com a justiça,

Page 55: Caderno de Pensamento Político

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que é aquilo em que consiste a verdadeira liberdade terrestre. A emancipação política jamais pode

ser feita com base numa concepção antropocêntrica da autonomia humana, porque acabando

por divinizar o indivíduo, tem por efeito a dissolução da ideia de bem comum e de fraternidade

humanas. A obediência do indivíduo à norma justa é a verdadeira liberdade e os direitos do

homem só podem ser garantidos sob um princípio religioso – o reconhecimento de Deus como fim

da existência humana – quando os homens se reconhecerem mutuamente como imagem de Deus,

ou seja, num mundo comprometido com o ideal de amor evangélico.

A necessidade da relação de autoridade entre os homens é para Maritain uma exigência do direito

natural. No entanto, distingue autoridade – o direito de dirigir e comandar – e poder – a força que se

dispõe para obrigar - que é condição de eficácia daquela. A autoridade não se opõe à liberdade –

consubstancia-a, porque obedecer a quem tem o direito de exigir é um acto racional, e a vontade do

homem está ordenada à razão; mas por isso mesmo, onde não há justiça não há autoridade. A

autoridade não compromete a liberdade; nem mesmo a igualdade entre os homens. A unidade do

género humano é um dado adquirido: o conceito homem exprime à inteligência uma essência una

partilhada por cada indivíduo humano concreto. O cristianismo acentua essa unidade, elevando-a a

parentesco por meio da linhagem adâmica e fundando-a evangelicamente sobre a universalidade da

redenção operada por Cristo. Por ter a certeza da igualdade entre os homens é que a Igreja insiste

tão ousadamente sobre as ordenações e as hierarquias entre eles. É na unidade ontológica que se

baseia a igualdade social: seja no sancionamento dos direitos fundamentais da pessoa humana, seja

na igualdade de respeito perante todos os homens, seja na igualdade de todos perante a lei. A

igualdade social verdadeiramente fecunda não é a igualdade aritmética de cada homem tomado

abstractamente, em que todas as disparidades são anuladas, como pretendem os marxistas – é

aigualdade proporcional da justiça distributiva que trata cada um segundo os seus méritos e respeita

as diferenças com que cada homem actualiza as potencialidades da sua natureza humana, diferenças

essas que acabam por ser sempre benéficas para o todo social, como o é a heterogeneidade das

partes no corpo do animal ou dos seres na ordem geral do universo.

Um problema que preocupou Jacques Maritain foi a possibilidade de a diversidade de credos

religiosos, dentro de uma sociedade pluralista, prejudicar a edificação do bem comum na cidade

terrestre. A solução que engendrou baseou-se na teoria da comunidade analógica de ideias entre

os diversos grupos sociais – o fundamento da analogia é o fim superior do homem: Deus. Toda a

sociedade sobrevive sob um princípio religioso – o ateísmo não pode ser vivido porque é a recusa

da existência de um sumo Bem, a que o homem, por natureza, aspira. É, pois, na mútua estima em

Deus, e para Deus, que a convivência entre homens de diferentes credos se fará: reconhecendo

que o outro existe perante Deus, e tem, portanto, tal direito à existência. A concepção cristã é,

pois, católica, no sentido etimológico do termo: é universal no reconhecimento da lei de amizade

fraterna que deve dirigir toda a criatura humana nas relações com o próximo, porque essa lei se

fundamente e se aplica em Deus e para Deus - por isso, o laço comum da transcendência é

universal e absoluto.

Humanismo, pessoa humana, conquista da liberdade, autoridade, justiça, bem comum, unidade do

género humano, fim último do homem em Deus – tais os conceitos-chave da política humanista de

Jacques Maritain."

artigo da autoria de

HUGO DANTAS

Juventude Popular de Lisboa

Page 56: Caderno de Pensamento Político

- 56 -

Page 57: Caderno de Pensamento Político

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riedrich August von Hayek nasce em 1899, na capital imperial de Viena, no seio de

uma família da baixa nobreza austro-húngara. Aos títulos acrescem-lhe um

impressionante rol de mentes brilhantes, intelectuais nas várias ciências da época,

cujo mérito e o saber foram moldando o jovem Friedrich desde tenra idade. Influenciado pela I

Grande Guerra – onde combateu – Hayek abraça os estudos, na Universidade de Viena,

empenhado em buscar soluções para travar as efemérides que conduziram à devastação dos

anos anteriores. Na academia, estuda direito, economia e psicologia, lê Menger e Mach e vê

no socialismo a cura para os problemas do seu tempo. É no contacto com Mises e o seu

trabalho que o jovem Hayek se inicia no que é hoje conhecido como a Escola Austríaca de

Economia. Passa a frequentar o círculo intelectual de Mises, onde desenvolve os seus

primeiros trabalhos sobre os mercados e parte para Londres, leccionando na London School

of Economics até aos anos 1950. Rivaliza com outro promissor intelectual, Keynes, mas

imiscui-se de críticas mais elaboradas, temendo descentrar as atenções do que considerava

serem as temáticas relevantes da época. A popularidade crescente de Keynes ofusca

consideravelmente Hayek e o seu Caminho para a Servidão. Nos anos 1950, só uma faculdade

americana se demonstrou interessada pelo intelectual austríaco. Era a Universidade de

Chicago, onde o liberalismo clássico parecia renascer pela mão de Milton Friedman – um

admirador de Hayek – e dos seus pares. Curiosamente, Hayek não tem uma participação

directa neste movimento e, mesmo quando passa a dar aulas na Alemanha, a sua aceitação

mantém-se diminuta. São dois fenómenos, quase simultâneos, que leva as ideias do

economista austríaco para o mainstream do debate político. O primeiro é a sua nomeação

para o Prémio Nobel da Economia, o segundo é a vitória de Thatcher – e mais tarde Reagan –

F

FRIEDRICH HAYEK (1899-1992)

«A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um

objectivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente.»

Page 58: Caderno de Pensamento Político

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dando início a um ciclo político moldado pelo pensamento da Escola Austríaca. Falecido em

1992, o seu legado é inegável.

Da mesma forma que o mundo pós-soviético viu o renascer do pensamento de Hayek, o

mundo que seguiu à Crise Financeira de 2007/2008, afundado no no défice, na recessão e no

endividamento, começa a redescobrir a sua obra como contraposição às políticas que

encaminharam os seus países para as situações em que estes se encontram. Concorde-se ou

não com as suas conclusões, em parte ou na totalidade, F.A. Hayek é hoje indispensável ao

debate político.

Teoria Austríaca dos Cíclos Económicos

Inicialmente proposta por Mises e desenvolvida por Hayek, esta é provavelmente o seu maior

contributo par ao pensamento da Escola Austríaca. Durante os anos 1930, o economista

vienense desenvolve diversos ensaios sobre a matéria. “Preços e Produção”, de 1931, uma

crítica directa a Keynes, é provavelmente a sua obra mais influente no que toca a esta

temática. A teoria sustém que o crédito fácil, os juros artificialmente baixos e a impressão de

dinheiro levam a um boom de investimentos arriscados e improdutivos. Quando finalmente se

verifica uma contracção do crédito causada por uma realocação das prioridades dos

consumidores, gera-se uma crise, entrando a economia num estado de recessão que

corresponde a um reajustamento em relação ao mercado, reestabelecendo a eficiência do

mesmo, distorcida pelos desperdícios do boom. A teoria é bastante crítica do papel dos

bancos centrais, no estabelecimento das taxas de juro e na criação de papel-moeda. A obra “A

Desnacionalização do Dinheiro”, de 76, lida com esta problemática.

O Caminho para a Servidão ( The Road to Serfdom) – 1944

“Na minha opinião é um grande livro. Moralmente e filosoficamente encontro-me virtualmente

de acordo com a sua totalidade. Não apenas de acordo, mas numa profunda concordância”. – J.

M. Keynes.

Nesta corajosa e aguçada crítica aos totalitarismos, “dedicada aos socialistas de todos os

partidos”, Hayek estabelece a importante relação entre liberdade política e liberdade

económica – que viria a ser colocada na agenda pelo seu seguidor, Milton Friedman, 4 décadas

mais tarde, sobre a questão chilena. A obra apresenta a ideia – ainda hoje estranha a muitos –

de que o Nazismo e o Comunismo não foram mais que duas faces da mesma moeda. A

liberdade económica é um pilar essencial para a existência de liberdade política. Logo,

qualquer movimento em direcção ao planeamento central por parte do Estado é um passo em

direcção à ditadura e ao totalitarismo. Só o capitalismo pode oferecer, ao mesmo tempo, a

prosperidade e a liberdade que muitas das ideologias vigentes prometem mas nunca

cumpriram.

Page 59: Caderno de Pensamento Político

- 59 -

A Constituição da Liberdade (The Constitution of

Liberty) – 1960

“É nisto que acreditamos”. – Margaret Thatcher, assegurando que o livro A Constituição da

Liberdade é uma riquíssima obra de filosofia política.

Se em O Caminho para a Servidão Hayek criticava, aqui ele contrapõe. Abrangente vários

campos, a obra apresenta os princípios e os moldes por que se deve reger o Estado Moderno.

Da Grécia Antiga ao século XX, do pensamento de Locke ao terror de Rousseau, do paralelo

das Revoluções Americana e Francesa, traça-se uma fundamentação histórica e teórica que

serve de suporte ao argumento de que a protecção das liberdades individuais de cada um

deve ser o principal dever do Estado. Curiosamente, Hayek não ataca o conceito de Estado

Social, mas sim a sua comum versão socializante, apresentando algumas soluções para o

estabelecimento de políticas sociais com o mínimo de interferência possível na liberdade de

cada um e com o menor risco de distorção ou asfixia do mercado e da economia,

respectivamente.

O Conceito Fatal: Os Erros do Socialismo (The Fatal

Conceit: The Errors of Socialism) – 1988

“Lemos Hayek e Friedman”. – Maart Laar, ex-primeiro-ministro da Estónia, quando questionado

sobre como é que o próprio e o governo que coordenava encontraram as reformas que

conduziram ao milagre económico que viria a apelidar o país de Tigre Báltico.

O ano era 1988. O Socialismo Soviético, rei e senhor durante quatro décadas no lado leste da

cortina de ferro, estava podre e moribundo. Não haveria certamente data melhor para

entregar a machadada intelectual final à ideologia que dominou a segunda metade do século

em questão. Se é verdade que a premissa desta obra é bastante semelhante à de O Caminho

para a Servidão, a abordagem é absolutamente diferente. Aqui encontramos um Hayek

maduro, vivido e, de certa forma, mudado. A tradição surge como um factor de relevo no que

toca ao desenvolvimento das comunidades e das relações humanas. Conceitos

como evolução e ordem natural surgem numa análise ao socialismo – e ao capitalismo – que,

além de económica e política, é social. Nesta obra, Hayek aproxima-se bastante do

Conservadorismo de Burke, apesar de ele mesmo rejeitar essa noção, quiçá, como apontam

alguns dos seus estudiosos, pela conotação negativa que o termo veio a adquirir, um pouco

como a distorção do termo Liberal nos Estados Unidos da América.

artigo da autoria de

RICARDO LIMA

Juventude Popular do Porto

Page 60: Caderno de Pensamento Político

- 60 -

Page 61: Caderno de Pensamento Político

- 61 -

ichael Oakeshott foi um dos mais eminentes pensadores conservadores do século

XX britânico. Nascido a 11 de Dezembro de 1901 em Bromley, a leste de Londres,

o jovem Michael frequentou a St George’s School de Harpenden e, mais tarde,

a Universidade de Cambridge, onde estudou História.

Filho de Joseph Oakeshott, um membro da Fabian Society e amigo de George Bernard Shaw, o

pequeno Michael cresceu num ambiente fértil em apreço pela cultura, a literatura e a arte.

Mais tarde, foi em Harpenden que Oakeshott teve o seu primeiro contacto com o pensamento

político e filosófico. Liderada pelo reverendo Cecil Grant, um teólogo da Igreja Anglicana, foi a

St George's School que iniciou o jovem Michael no estudo de alguns dos grandes vultos da

filosofia moderna, como Kant e Hegel. Em 1920, Michael Oakeshott mudou-se para

Cambridge, onde estudou História. Foi lá que Oakeshott conheceu a obra e pensamento de J.

M. E. McTaggart, de quem se tornou fã. O seu primeiro livro, Experience and its Mode, foi

publicado pouco depois de ter abandonado a universidade.

Em 1941, três anos após ter escrito um ensaio em que criticou o serviço militar obrigatório,

Oakeshott alistou-se no Exército Britânico. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu o seu

país na luta contra as forças da tirania, da autocracia e da opressão nas frentes belga e

francesa, onde contribuiu activamente para a vitória do Mundo Livre sobre a Alemanha

nacional-socialista.

Após o fim do conflito, Oakeshott regressou a Inglaterra. Em 1945 voltou a Cambridge e, dois

M

MICHAEL OAKESHOTT (1901-1990)

«A promiscuidade entre sonho e governo gera tirania.»

Page 62: Caderno de Pensamento Político

- 62 -

anos mais tarde, rumou a Oxford. Mas não por muito tempo: apenas um ano depois,

conseguiu tornar-se professor na London School of Economics, onde sucedeu a Harold Laski –

curiosamente, um influente pensador marxista britânico e, à época, líder do Partido

Trabalhista.

Multifacetado como poucos, prolífico como quase ninguém, Oakeshott pensou para mudar,

mudando para manter: da religião à arte, da política à educação, da estética à cultura, da

moral à história, são poucas as áreas em que absteve de contribuir. Na política, relembrou o

conservadorismo da sua raiz essencialmente liberal – e o liberalismo do seu radical

conservador -, ao mesmo tempo em que redefiniu a fronteira que separa os dois campos do

espectro político. Mais que entre esquerda e direita, é entre política de fé e de cepticismo

que, diz o pensador britânico, se encontra o principal limes ideológico.

Racionalismo, política de fé e política de cepticismo

É também essa visão alternativa daquilo que está na origem do antagonismo entre famílias

doutrinárias que marca o pensamento de Oakeshott. Para ele, é o “racionalismo na

política” que dá origem ao progressismo moderno, assim como a uma aversão generalizada à

espontaneidade do costume: por se crerem capazes de inteligir, sozinhos, as melhores

soluções para os problemas que os afectam a si e aos outros, os racionalistas acabam por dar

origem a uma política de fé, em que se julga poder impor à sociedade um caminho de

probidade e correcção. E isso, não de acordo com os desígnios dos que dela fazem parte, mas

com base nas considerações de uma elite bem-pensante. E isso, explica também Oakeshott,

só pode levar a uma “política de uniformização”: se é possível chegar, através de um raciocínio

minoritário, a soluções cuja aplicação geral é desejável, torna-se natural discernir que essa

solução deva ser utilizada como paradigma universal. Assim, assumem pouca importância as

especificidades de regiões, países ou indivíduos: por estar correcto, o programa do planeador

pode ser aplicado a todos, independentemente das suas circunstâncias individuais,

independentemente das suas especificidades particulares. E, lembra Oakeshott, não há maior

ameaça à Liberdade que essa.

Assim, se para um racionalista o Estado tem como responsabilidade essencial a imposição do

que se acha correcto, o mesmo não sucede para o conservador. Para ele, de facto, a única

responsabilidade que um governo deve ter é a protecção, não de visões colectivizantes ou

projectos homogeneizadores, mas dos estilos de vida descentralizados por que optam os

indivíduos. É, portanto, por compreender a necessidade de uma ordem jurídica que defenda o

direito ao usufruto de diferentes vivências que Oakeshott pugna por aquele que julga ser o

mais eficiente sistema de governo: o Estado de Direito.

O conservadorismo enquanto disposição individual

Mas Oakeshott – e também daí advém a sua originalidade -, não pode ser considerado um

teórico político. Na verdade, é uma aversão à ideologia aquilo que lhe define o pensamento –

e isso porque, explica, toda a doutrina sofre do mesmo defeito, da mesma falha essencial:

pretende impor à sociedade uma visão que pertence e radica apenas de um – ou alguns – dos

Page 63: Caderno de Pensamento Político

- 63 -

seus membros. Foi isso que o levou a criticar Hayek, escrevendo que “esse é, talvez, o principal

significado de O Caminho para a Servidão de Hayek – não a irrefutabilidade da sua doutrina, mas

o facto de que é uma doutrina. Um plano contra a planificação pode até ser melhor que o seu

oposto, mas pertence, ainda assim, ao mesmo estilo de política”. O seu conservadorismo, assim,

é essencialmente temperamental: não é a sociedade que conserva ou rejeita valores, é o

homem que se dispõe a viver de acordo com as suas próprias aspirações, preocupações e

desejos.

Existe, portanto, um inabalável compromisso entre conservadorismo e Liberdade. Isso não é,

porém, corolário de um posicionamento ideológico – posicionamento que, aliás, Oakeshott

nunca se absteve de criticar. Longe disso, a preocupação conservadora com a Liberdade

resulta de um imperativo lógico: se é verdade que o racionalismo político – e,

consequentemente, a política de fé – leva a uma natural uniformização de comportamentos,

também o é que a diversidade de condutas resulta do seu exacto oposto. É precisamente por

responderem a necessidades diferentes de indivíduos distintos, que existem diferentes

estilos de vida, tradições e costumes. À individualidade dos homens replica-se com

diversidade de vivências: em lugar do monólito de homogeneidade comportamental imposta

pelos planificadores racionalistas, nasce uma miríade de gostos, correntes de pensamento e

modos de vida. E são esses mesmos modos de vida que, por trazerem satisfação aos que os

seguem, adquirem uma familiaridade que justifica a sua manutenção e defesa. É daí que parte

o cepticismo conservador relativamente a mudanças radicais, abruptas, revolucionárias: por

sentir genuíno prazer em viver como vive, em comandar como comanda o seu destino, o

homem de disposição conservadora rejeita – ou, pelo menos, vê com enorme desconfiança –

transformações sociais extremas. Como explica em On being Conservative, “ser conservador é

preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o facto ao mistério, o real

ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o

conveniente ao perfeito, a felicidade presente à alegria utópica”.

artigo da autoria de

RAFAEL BORGES

Juventude Popular das Caldas da Rainha

Page 64: Caderno de Pensamento Político

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Page 65: Caderno de Pensamento Político

- 65 -

asceu em Grenoble, estudou na Sorbonne, classificando-se em segundo lugar no

exame de habilitação para o ensino, sendo Raymond Aron o primeiro (1928). Deu

aulas de filosofia em centros de ensino médio e fez parte do círculo de Maritain. Em

Outobro de 1932 criou a revista Esprit onde publicou numerosos artigos que veio a coligir na

obra Revolução personalista e Comunitária (1935). O programa social do movimento

personalista aparece no ensaio Da propriedade capitalista à propriedade humana (1936).

Mobilizado em 1939, foi feito prisioneiro poucos meses depois, sendo-lhe permitido regressar

à França. Opositor ao regime de Pétain, Mounier foi detido várias vezes e a sua revista

proibida. Depois da Guerra retomou o seu trabalho intelectual: relançou a Esprit e publicou

vários livros entre os quais O pequeno medo do século XX (1948) e O Personalismo (1949). Se

esquematicamente podemos dizer que o grande contributo de Maritain foi a conciliação do

Catolicismo com a Democracia, o grande contributo de Mounier foi a conciliação do

Catolicismo com o Socialismo.

O Personalismo

Mounier explica que o seu Personalismo nasceu da crise de 1929, que terminou com a

situação de prosperidade na Europa. Para este autor, a crise não era somente um desajuste

técnico, senão algo muito mais profundo: Era uma crise de estruturas, e, sobretudo, de

atitudes morais. Assim, a solução não podia ser somente a reforma das estruturas que

ignorasse a crise espiritual, nem uma reforma moral (puramente espiritual) que ignorasse a

N

EMMANUEL MOUNIER (1905-1950)

«Quase se poderia dizer que só existo na medida em que

existo para o outro e, no limite, ser é amar.»

Page 66: Caderno de Pensamento Político

- 66 -

crise das estruturas. O Personalismo é um esforço para dar uma resposta à crise do século XX,

como o seu próprio nome indica é uma reflexão centrada na pessoa. A pessoa é a realidade

profunda do ser humano, em si mesmo inobjectivável, porque o ser humano nunca pode ser

reduzido a um objecto. É uma realidade que se realiza em três dimensões: a corporal ou de

encarnação, a universal ou de comunhão com as outras pessoas e a espiritual ou sobrenatural.

A ideia base do pensamento de Mounier é que o acto fundamental de constituição da pessoa

não é um acto de individualidade mas de comunicação. Este ponto de vista vai para além das

posições conservadoras e quer chegar a um sentido mais profundo de justiça.

Inspirado pela generosidade, Mounier, como Maritain, acredita que o mundo perfeitamente

secularizado não tem capacidade para se sustentar a si próprio, para dar respostas às

perguntas do homem. Se os espíritos mais inconformistas querem fazer avançar o mundo e

pensam que para isso é necessário uma revolução, este autor afirma que essa revolução terá

de assumir uma natureza essencialmente moral ou não será uma verdadeira revolução. Afirma

ainda que a política não se pode reduzir a uma técnica de satisfazer necessidades, tem de

estar impregnada de espiritualidade, porque as necessidades humanas não são unicamente de

natureza material.

Mounier pretende rever os fundamentos da individualidade para compreender mais

realisticamente o movimento interior do homem concreto, que é espírito e matéria,

contemplação e acção. Distingue entre indivíduo e pessoa: pessoa é somente o homem que

dá e não o que possui: o ser da pessoa consiste em dar-se. Há, pois, que criar novos modos de

comportamento para que os homens se façam pessoas, educá-los para que vejam todos os

problemas do ponto de vista do bem da comunidade e não das vantagens individuais. Mounier

desconfia até das proclamações de direitos que, sem referência comunitária, podem terminar

no absolutismo jurídico do indivíduo. Segundo Mounier, a crise do mundo moderno provém

do facto de a sociedade se ter desenvolvido sem que tal desenvolvimento fosse

acompanhado por um crescimento correspondente da comunidade: a melhor prova seria a

convivência humana que se tornou anónima, impessoal e carente de calor humano.

Mounier chama a atenção para que se não confunda comunitarismo com companheirismo,

com espirito corporativo ou com gregarismo de massas. Em todas estas atitudes se exalta o

grupo e se combatem as atitudes individualistas, mas não se desenvolve a pessoa, porque não

se põem em acção os valores espirituais mais profundos. A comunidade é algo muito mais

profundo que uma sociedade de massas. Não quer, no entanto, uma sociedade colectivista

porque leva à estatolatria. O Estado é um instrumento para promover o bem comum. Para

evitar a tirania do Estado, Mounier defende o Estado pluralista. O Estado planifica a

economia, mas só a produz um mínimo vital; o resto da produção deve manter-se em mãos

privadas onde valerá a livre criatividade. Segundo Lacroix “Mounier não partiu do personalismo

para a pessoa, mas da pessoa para o personalismo, e o personalismo não foi nunca para ele um

sistema filosófico, mas o meio de compreender cada um através de si mesmo e dos outros.”

artigo recuperado da primeira versão do

CADERNO DE PENSAMENTO POLÍTICO

da responsabilidade de Diogo Belford Henriques e João Vacas

Page 67: Caderno de Pensamento Político

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Page 68: Caderno de Pensamento Político

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Page 69: Caderno de Pensamento Político

- 69 -

m dos maiores proponentes da liberdade individual e da livre escolha, Milton

Friedman foi um professor, cientista, autor, revolucionário intelectual e vencedor do

prémio Nobel de Economia em 1976. Um homem de ideias que sempre se debateu

na defesa da liberdade e o seu contributo na defesa desse direito são únicos no nosso tempo.

Nascido em Nova Iorque, Estados Unidos da América, a 31 de Julho de 1912, foi o quarto filho de

imigrantes de uma localidade Húngara que hoje pertence à Ucrânia. Graduou-se pela Universidade

de Rutgers em 1932, tendo-se especializado em Matemática com o objectivo em se tornar

actuário. Embora tenha feito exames em ciências actuariais interessou-se por Economia, e acabou

por obter a licenciatura em ambas as áreas científicas.

No entanto foi na área da Economia que conheceu Artur F. Burns que moldou a sua forma de

abordar a ciência e Homer Jones que o acompanhou no desenvolvimento rigoroso na

Econometria. Assim, sobre a influência destes proeminentes professores foi-lhe oferecida uma

bolsa de estudos em Economia na Universidade de Chicago.

Embora durante o ano de 1932-33 tenha sido um ano extremamente difícil a nível financeiro (ano

do crash de Wall Street) permitiu um contacto com diferentes personalidades influentes como

Jacob Viner, Frank Knight, Henry Schultz, Lloyd Mints e Henry Simons assim como um grupo de

alunos brilhante dos quais constava a sua futura esposa e co-autora dos seus trabalhos: Rose D.

Friedman.

Graças à amizade de Henry Schultz com Harold Hotelling foi-lhe oferecida mais uma bolsa de

U

MILTON FRIEDMAN (1912-2006)

«A essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua

liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, sujeito somente à obrigação de não interferir com a

liberdade de outros indivíduos fazerem o mesmo.»

Page 70: Caderno de Pensamento Político

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estudos na Universidade de Columbia outra vez lhe ampliaram os horizontes, desta vez na área da

Matemática e Estatística.

Após um ano na Universidade de Columbia, regressa à Universidade de Chicago para exercer a

profissão deinvestigador assistente de Henry Schultz, que estava na altura a terminar um clássico

da literatura económica:Theory and Measurement of Demand onde conhece W. Allen

Wallis e George J. Stigler, que mais tarde viria a tornar-se, também ele, um laureado com o Nobel

da Economia.

No verão de 1935 trabalhou por intermédio de W.Allen no National Resources Committee no

desenvolvimento de uma análise ao comportamento orçamental do consumidor. Mais tarde este

estudo seria uma das duas principais componentes do seu maior estudo intitulado de Theory of

the Consumption Funtion.

Em 1937 começou a trabalhar para o National Bureau of Economic Research, onde foi assistente

de Simon Kuznets(outro Nobel da Economia) nos seus estudos sobre rendimentos onde publicou

conjuntamente Incomes from Independent Professional Practice que mais tarde viria a servir como

dissertação de doutoramento na Universidade de Columbia e que a nível científico serviu para

introduzir os conceitos científicos da Teoria do Rendimento Permanente.

Foi-lhe oferecida a possibilidade de ingressar como professor de teoria económica na

Universidade de Chicago em 1945 e ao mesmo tempo a possibilidade de exercer um cargo fixo no

Bureau onde teve a possibilidade de trabalhar com Anna J. Schwartz tendo realizado um trabalho

sobre a História Monetária dos Estados Unidos da América - 1867-1960 que empiricamente se

concluía que a culpa da Grande Depressão deveu-se sobretudo às politicas tomadas pela reserva

federal americana.

O interesse de Milton Friedman pela flutuação cambial aconteceu durante o inverno de 1950

como consultor dos Estados Unidos para administrar o plano Marshall onde a sua maior tarefa foi

estudar o plano Schuman como precursor do mercado único. A sua dissertação The Case for

Flexible Exchange Rates foi o resultado desse trabalho.

No início da década de 1960 foi arrastado para a arena política, como conselheiro do Senador

Goldwater e em 1968 fez parte do comité de aconselhamento económico de Richard Nixon. Foi,

no entanto, em 1966, que iniciou uma coluna noticiosa alternada com Paul Samuelson (outro

Nobel em Economia) e Henry Wallich e que lhe iria dar a primeira possibilidade de comunicar para

o público em grande escala.

Durante a década de 1970 foi convidado para elaborar um programa de TV onde apresentaria a

sua filosofia económica e social, e Free To Choose foi o resultado desse esforço. Demorou mais de

3 anos a ser produzido com 10 episódios, de um hora cada, que consistia em meia hora de

documentário em vários locais do mundo e meia hora de discussão com grupos de interesse,

tendo sido emitido na PBS em Janeiro de 1980 e, desde então, transmitido em vários países.

No mesmo ano da emissão na PBS, editaria também o livro Free To Choose que converteria os

temas abordados no programa televisivo e ao mesmo tempo o livro tornava-se no livro de não-

ficção mais vendido do ano de 1980, sendo traduzido em 14 línguas.

Page 71: Caderno de Pensamento Político

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A colaboração com Anna J. Schwartz perdurou no tempo e foi publicado em 1982 o livro Monetary

Trends in the United States and the United Kingdom e em 1992 Money Mischief.

Em 1998, a Universidade de Chicago publicou as suas memórias: Milton and Rose D. Friedman, Two

Lucky People. Milton Friedman, morre em 16 de Novembro de 2006.

A Escola de Chicago

Friedman acredita que o estado deve ser limitado, e isso deve-se ao facto de não ser só na

Economia privada que existem falhas de mercado - quando a alocação dos recursos de uma

economia num mercado livre não é a mais eficiente – mas também existem falhas dos Estados,

isto é, quando a intervenção do estado na economia provoca uma alocação dos recursos também

ineficiente. No entanto quando comparadas estas duas falhas, aquela que geralmente provoca

maiores danos à economia são as falhas dos Estados uma vez que a ineficácia é repartida por

todos os seus cidadãos.

Assim, quando os políticos identificam uma falha de mercado tendem em assumir que um governo

perfeito pode intervir e resolver o problema, embora estes não existam. Para a escola de Chicago

deve-se proceder a uma comparação entre os mercados de concorrência imperfeita com todos os

problemas reconhecidos do Estado imperfeito.

Portanto, quando realizado este exercício de comparação de mercados imperfeitos passa existir

um desfasamento entre as intenções dos decisores políticos e os resultados que advogam. Por

exemplo, a introdução de rendas máximas têm como objectivo que um número maior de famílias

carenciadas possam encontrar uma habitação, no entanto reduzindo o preço das rendas também

se reduz a oferta de casas para arrendar pelo que torna mais difícil para essas famílias encontrar

uma casa, o que se traduz numa consequência oposta às intenções iniciais.

Em certos casos os decisores políticos chegam mesmo a ignorar as consequências não intencionais

de certas medidas como é o exemplo dado por Milton Friedman no caso do aumento do salário

mínimo que tem como efeito previsto o aumento do salário para alguns trabalhadores mas ao

mesmo tempo se obtém como consequência não intencional a exclusão de trabalhadores que,

com o novo salário, não lhe é correspondida a sua produtividade e consequente exclusão do

mercado de trabalho.

Desta forma, segundo a escola de Chicago terá que ser feito o exercício de comparação das

consequências intencionais com as consequências não intencionais, onde se chega à conclusão

que a maior parte das consequências não intencionais superam as consequências previstas.

Friedman argumenta ainda que as consequências não intencionais acontecem porque os decisores

políticos ao elaborarem as leis, ignoram sempre o comportamento humano, isto é, que estes

actuam sempre motivados pelo interesse próprio o que gera as consequências não intencionais.

Page 72: Caderno de Pensamento Político

- 72 -

Uma vez que os estados não são perfeitos e causam consequências não intencionais nas

economias, então a escola de Chicago identifica quatro funções que devem ser da competência

dos Estado:

- Defesa nacional e Policia Interna - Para a protecção contra inimigos internos e externos e

de forma a manter a paz social é necessário uma forma militar sobre a alçada do estado;

- Justiça - Para se reduzir os conflitos e disputas internas que ocorrem naturalmente numa

sociedade é necessário um “árbitro” independente das partes em disputa para a resolução

do problema, sendo portanto da competência dos estados o fornecimento dos tribunais.

Friedman deixa em aberto a possibilidade de, em alguns casos específicos, a intervenção estatal e

portanto a necessidade de intervir em pequena escala:

- Nos Bens Públicos e Externalidades Negativas – Em economia, um “bem publico” não

significa que o estado seja o detentor da sua propriedade e/ou fornecimento. Um bem

público é um bem que é consumido por todos os indivíduos (universalidade) ao mesmo

tempo e que ninguém pode ser excluído (não-rivalidade). O caso clássico de um bem

público é a já referida defesa militar ou o meio ambiente pois todos os indivíduos quer

queiram ou não estão a consumir este bem todos ao mesmo tempo. Os estados devem

ainda intervir quando na economia existem efeitos negativos provocados pelos agentes

económicos que não são decorrentes de uma transacção monetária, por exemplo a

poluição que é gerada pela criação de indústrias. Assim, nestes casos torna-se necessária a

intervenção do estado para resolver o problema.

- Protecção de crianças e dos deficientes – Uma outra função que os Estados devem intervir

é para cuidar daqueles que não são capazes de cuidar de si mesmos, nem actuar de forma

responsável como por exemplo as crianças que não estão em posição de tomarem decisões

por elas próprias, uma vez que nem todos os países tratam os adultos de forma

responsável.

De salientar é ainda o facto de que segundo a escola de Chicago, embora os Estados tenham estas

responsabilidades sempre que possível devem seguir o caminho do mercado livre, por exemplo

Milton Friedman refere que todas as crianças devem ter acesso à educação no entanto não

significa que seja o Estado a fornecer as escolas necessárias pois esta pode ser conseguida através

da entrega de vouchers aos alunos para que eles possam escolher a escola privada que queiram

frequentar. Torna-se claro que embora o Estado tenha responsabilidades sociais, não significa que

este seja o responsável por exercer essas mesmas responsabilidades.

artigo da autoria de

LUÍS MIGUEL RIBEIRO

Juventude Popular da Maia

Page 73: Caderno de Pensamento Político

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Milton Friedman |

Page 74: Caderno de Pensamento Político

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Page 75: Caderno de Pensamento Político

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argaret Hilda Thatcher nasceu no dia 13 de outubro de 1925, na pequena cidade

de Grantham, na região dos Midlands. Alfred Roberts, o seu pai, um metodista

convicto, possuía uma pequena mercearia e tinha alguma experiência política a

nível autárquico pois foi membro da Camâra Municipal durante 25 anos. Margaret e Muriel, a

sua irmã, foram criadas no apartamento por cima da sua mercearia. Margaret frequentou

Oxford e foi Presidente da Associação Conservadora da mesma.

No ano de 1950, candidatou-se à Câmara dos Comuns por Dartford, que era uma localidade

tradicionalmente Trabalhista, mas perdeu. Foi nesse mesmo ano que conheceu o seu futuro

marido e apoio, Dennis Thatcher, de quem viria a ter 2 filhos: Carol e Mark. Enquanto criava os

seus filhos formou-se em Direito, especializando-se em impostos e patentes.

Em 1959, Margaret conseguiu finalmente assegurar um assento parlamentar representando

Finchley, subúrbio no norte de Londres. A sua ascensão parlamentar foi rápida apesar de ser

pouco conhecida e não fazer parte do círculo fechado de líderes que decidiam a política

partidária. Logo depois do seu maiden speech, apresentou um projecto-lei para garantir que a

imprensa e o público tivessem o direito de assistir às reuniões dos conselhos municipais, uma

prática que não era muito comum nos conselhos Trabalhistas. Lutou pelo seu projecto-lei com

grande fervor e luta, conseguindo passar a lei em 1961 chamando a atenção dos líderes

Conservadores em pouco tempo.

M

MARGARET THATCHER (1925-…)

«O socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros.»

Page 76: Caderno de Pensamento Político

- 76 -

Em 1962, o Primeiro-Ministro Harold Macmillan nomeou-a como uma Junior Minister no

Ministério das Pensões e Aposentadorias. Apresentou vários projectos-lei e descobriu a sua

aptidão por um bom debate com a oposição. Em 1964, os Conservadores saíram do poder e

Thatcher passou para as bancadas da oposição, mantendo-se como porta-voz dos junior

members em assuntos relacionados com pensões, aposentadorias e do Tesouro. Em 1967, foi

promovida para o Shadow Cabinet e, no ano seguinte assumiu o cargo de Ministra de

Educação no Governo de Edward Heath.

Desde o período pós- guerra, os Conservadores tinham apoiado as propostas dos Trabalhistas

no sentido de aumentar o Estado Social e o controlo da economia pelo Estado. Tinham sido

nacionalizadas empresas prestadoras de serviços de telefone, telégrafos, electricidade e

transportes, as minas de carvão e as indústrias de aço e aviação. Thatcher desgostava desta

“política de consenso” e viria mais tarde a dizer: “não sou uma política de consensos, sou uma

política de convicções.”

O Governo de Heath preparou-se para aplicar a filosofia Conservadora Clássica; cortou gastos,

restringiu os auxílios do Estado Social e o poder dos sindicatos. No entanto, o desemprego

estava a aumentar e os sindicatos recusavam-se a obedecer à Lei das Relações Industriais ao

mesmo tempo que a inflacção aumentava e os mineiros entraram em greve por um aumento

salarial. Heath mudou radicalmente as políticas e voltou para os velhos costumes dos antigos

governos que o precederam. A crise do petróleo em 1973 agravou ainda mais a situação e o

Governo caiu em 1974. Mais uma vez, Thatcher participaria na oposição. Para ela, a derrota

nas eleições e fraco crescimento económico eram resultado da desistência e fraqueza de

Heath.

Thatcher decidiu então candidatar-se à liderança do Partido Conservador em 1975, sucedendo

a Edward Heath. Em primeiro lugar, ela representava a raiva sentida por muitos

Conservadores ao fracasso do Governo Heath. Depois, havia em muitos países ocidentais uma

crescente tendência das forças de direita movimentada pela crença de que o controlo de

Estado da economia representava um perigo à liberdade individual. Por fim, o seu estilo

combativo era um valor muito apreciado na arena da Casa dos Comuns pelos backbenchers.

Na Primavera de 1981, Maggie estava só. Acusavam-na de não dar importância às dificuldades

e ao sofrimento dos desempregados. Os líderes dos Sindicatos, Trabalhistas, a Imprensa e até

facções do seu gabinete (os wets) estavam contra ela. A revolta de Brixton, onde alguns

jovens negros se manifestavam contra a austeridade através da violência espalhou-se por

trinta cidades de todo o país. Thatcher continuava firme, na convicção de que não podia voltar

às mesmas políticas que levaram à queda de Heath. A 14 de setembro, demitiu todos os

ministroswets substituindo-os por Conservadores da ala mais à direita do Partido

Conservador. Na Conferência anual dos Conservadores, o desemprego disparou para 12% e o

índice de aprovação a Thatcher estava em 28%.

Foi então que a salvação de Thatcher veio do Atlântico Sul a 12.000 Km da Grã-Bretanha: as

ilhas Falklands. Galtieri pretendia aglutinar a opinião pública argentina em torno dum inimigo

externo, o que o terá levado à invasão. No dia 2 de abril de 1982, cerca de 2500 soldados

argentinos, liderados por Galtieri invadiram o arquipélago. Thatcher respondeu militarmente

afirmando que a atitude dos argentinos não podia ser tolerada, pois os habitantes da ilha

sempre se mantiveram fiéis à Grã-Bretanha. A armada britânica de 98 navios lutou dez

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semanas até o Major-General Jeremy Moore receber a rendição das forças argentinas e enviar

a seguinte mensagem para Londres: “A bandeira branca voa sobre Port Stanley. Deus salve a

Rainha.” Logo a seguir, na eleição de 1983, Thatcher esmagou a oposição, garantindo a sua

segunda maioria.

No seu segundo mandato, Thatcher reafirmou-se quando enfrentou a Greve dos Mineiros que

durou entre 1984 e 1985, sendo um momento decisivo na história das relações indústrias

Britânicas. A greve ilegitimamente convocada por Arthur Scargill foi derrotada e Thatcher,

que conseguiu evitar uma repetição da sequência de eventos que ocorreu em 1974. Enfrentou

também o IRA - Republicanos Irlandeses que já tinham tentado assassiná-la na Conferência

dos Conservadores em Brighton. Avançou com privatizações de empresas na posse do

Estado, desregulou o mercado, combateu a inflacção e limitou as greves por parte dos

sindicatos.

A sua terceira maioria concretizou-se em 1987. Neste mandato, Thatcher demonstrava uma

feroz oposição à União Monetária e à centralização dos poderes políticos em Bruxelas, como

mostrou o seu controverso discurso em Bruges em 1988. As tensões sublevaram-se no seu

gabinete devido a disputas acerca da política económica e europeia, o que levou à demissão

do Chancellor of the Exchequer Nigel Lawson e do MNE Geoffrey Howe. O Poll Tax, ou

imposto comunitário, provocou uma onda de contestação abrindo ainda mais facções no

partido. Michael Haseltine, um antigo ministro que se tinha demitido devido ao Caso

Westland acabou por desafiá-la à liderança. Enquanto Thatcher estava a celebrar o fim da

Guerra Fria em Paris, passavam pelos corredores de Westminster inúmeras conspirações e

contra-conspirações.

Thatcher demitiu-se no dia 28 de Novembro de 1990 devido à traição de vários ministros.

Thatcher tem um título vitalício de pariato como Baronesa Thatcher de Kesteven, que a

permite sentar-se na Câmara dos Lordes.

artigo da autoria de

RISHI LAKHANI

Juventude Popular do Porto

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