72

Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011
Page 2: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011
Page 3: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

1

Graciema Pires TherezoMaria Marcelita Pereira Alves

Maria Inês Ghilardi-Lucena

PUC-Campinas2011

Processo Seletivo 2011

Page 4: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

2

FICHA CATALOGRÁFICAElaborada pela Sistema de Bibliotecas e Informação – SBI – PUC-Campinas

808 Ghilardi-Lucena, Maria Inês

G424c Caderno de redações PUC-Campinas: processo seletivo

2011 / Graciema Pires Therezo, Maria Marcelita Pereira Alves e

Maria Inês Ghilardi-Lucena.- Campinas: PUC-Campinas, 2011.

80p.

1. Redação. 2. Narrativa. 3. Língua Portuguesa – Composição

e exercícios. 4. Exame vestibular. I. Therezo, Graciema Pires, Alves,

Maria Marcelita Pereira. II. Pontifícia Universidade Católica de

Campinas. III. Título.

22.ed.CDD-808

Page 5: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

5

SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................................................... 7

Apresentação ............................................................................................................... 9

Introdução .................................................................................................................... 11

Textos dissertativos e narrativos ................................................................................. 13

Prova de Redação 2011 - Instruções gerais ........................................................... 15

Proposta I – dissertação ............................................................................................. 19

Comentário da Proposta I ......................................................................................... 20

Redação nº 1: Arte, símbolo de livre expressão ...................................................... 22

Redação nº 2: O que é do público, o que é do artista ..................................... 24

Redação nº 3: Os meus, os teus, os nossos ............................................................. 27

Redação nº 4: Difusão da arte ................................................................................ 29

Redação nº 5: A eficácia de uma lei ..................................................................... 32

Proposta II – dissertação ............................................................................................ 39

Comentário da Proposta II ........................................................................................ 40

Redação nº 6: Utilizar o mal para mostrar o bem ................................................ 41

Redação nº 7: Da necessidade da crítica ............................................................ 45

Redação nº 8: Exposição negativa, resultado positivo ....................................... 48

Redação nº 9: Leitura formando opiniões ............................................................. 51

Redação nº 10: A importância da literatura na construção do senso crítico

e da moral ...................................................................................... 54

Proposta III – narração ............................................................................................... 59

Comentário da Proposta III ....................................................................................... 60

Redação nº 11: Um belo escritório com vista para a solidão ............................ 61

Redação nº 12: Só podia ser engano ..................................................................... 65

Redação nº 13: A vida revivida ............................................................................... 68

Redação nº 14: Confusão hospitalar ...................................................................... 72

Redação nº 15: Conto de fadas às avessas ......................................................... 76

Bibliografia para estudo ............................................................................................ 80

Page 6: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

7

PREFÁCIO

As autoras pediram-me para prefaciar este Caderno, e aceitei, com

prazer, também pela oportunidade de referir-me ao seu trabalho.

Originalmente, um livro nas livrarias, “Redação para Vestibular”, publicado em

2002 e, em 3ª edição, em 2006, pela Editora Átomo/Alínea, com trinta redações

coletadas dos dez anos anteriores, comentários e exercícios. Em 2004, a proposta

agigantou-se em seus objetivos: um Caderno oferecido pela PUC-Campinas,

gratuitamente, a milhares de estudantes inscritos em seus Processos Seletivos. A

partir de 2009 também disponibilizado no site www.puc-campinas.edu.br, tem

conseguido seu ideal de oferecer aos alunos e professores do Ensino Médio,

bem como a quaisquer outros possíveis interessados, material didático

esclarecedor sobre a Redação nas provas de entrada na Universidade.

Nasceu, portanto, da dedicação e experiência das docentes de Leitura

e Produção de Textos que têm coordenado a Banca de Avaliação das

Redações dos Vestibulares. Como Coordenadora do Ingresso Discente, tenho

acompanhado de perto, há anos, seu trabalho em prol de uma avaliação de

provas rigorosa e justa, que seja motivo de orgulho para a Instituição, baseada

em critérios firmes, rediscutidos e modernizados em cada treinamento anual de

corretores. Estes, em sua maioria ex-alunos de Letras da nossa universidade,

compartilham do ideal de uma melhora na educação do país, daí o papel do

“Caderno de Redações”. O título é modesto, pois “caderno” lembra folhas de

papel, escola, tentativas, aprendizado, mãos de criança em fase de

crescimento. E folhas manuscritas é o que o avaliador tem em suas mãos após

a realização da prova. Mas, nelas, podem se esconder sonhos e esperanças

de jovens, muitas vezes menos capacitados do que desejariam, e é preciso dar

nota em sua redação – difícil tarefa que, para ser justa e ética, requer

responsabilidade e, sobretudo, competência.

Cabe-me, pois, a alegria de, compartilhando, dar testemunho desses

ideais e da certeza de que é possível batalhar pelo futuro dos jovens, sobretudo

nas salas de aula. É isso que este Caderno, em sua despretensão, pretende.

Em mãos entusiasmadas de professores e estudantes, ele cumprirá o seu papel.

Profa. Maria Nice Duarte Martins

Page 7: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

9

APRESENTAÇÃO

O Caderno de Redações da PUC-Campinas, desde 2004, é publicadoanualmente, após realizados os vestibulares. Nasceu da preocupação doscoordenadores da Banca de Avaliação, a qual conta com professoresespecializados em produção de textos, em oferecer aos docentes de línguaportuguesa e aos alunos do Ensino Médio, um material didático, mas nãoteórico. Planejado como uma forma amena de explicitar os recursos dadissertação e da narrativa, os dois gêneros solicitados pelas propostas do exameseletivo tem alcançado o sucesso esperado e cumprido seus objetivos: colocarao alcance de suas mãos, em aula e fora dela, textos efetivamente produzidospor vestibulandos aprovados no ano anterior.

Publicando redações e justificando seus méritos em estudos críticos, tema intenção de oferecer parâmetros de qualidade para o aluno que imaginater que escrever textos eruditos ou para aquele que acredita ser suficientetranspor a linguagem oral para o papel em uma prova de vestibular. Dissertaçõese narrativas de candidatos aprovados no processo seletivo, mais do que oscomentários teóricos, mostram, em si mesmas, de que modo adequar-se aotema proposto, ao gênero escolhido, ao nível de linguagem, à coesão e àcoerência. Objetividade, progressão de argumentos e clareza de raciocíniona dissertação; inventividade, trabalho com a linguagem, poder de criaçãode personagens e ações na narrativa; coerência em ambos os tipos de textos.Todos esses recursos ficam evidentes nas amostras, embora não atinjam,necessariamente, a excelência.

A PUC-Campinas continua optando pelos gêneros textuais, dissertaçãoe narrativa, por considerar que o ser humano vive entre dois mundos: o mundonarrado e o mundo comentado, e que as demais formas de organização dodiscurso deles derivam ou neles se incorporam. O estudante capaz de dizerfatos e dizer ideias, com proficiência, terá plenas condições de redigir qualqueroutro tipo de texto, inclusive os recém-nascidos das exigências das modernastecnologias da informação.

A prova de 2011 constou de três propostas de redação, duas dissertativase uma narrativa, aqui comentadas. A primeira, como em anos anteriores, éfundamentada em um editorial da Folha de S. Paulo, cujo tema o vestibulandodeve apreender e sobre ele escrever, oferecendo sua contribuição pessoal. Asegunda consta de um texto de apoio de seis linhas, a partir do qual se pedea discussão de uma tese. A terceira apresenta, como material narrativo, umasituação pouco comum do cotidiano, que envolve duas personagens.

Para cada uma das propostas foram selecionadas cinco redações,que se apresentam como foram escritas e, em seguida, a sua avaliação crítica,segundo os critérios dos vestibulares.

Page 8: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

11

INTRODUÇÃO

A avaliação das redações no vestibular tem por objetivo verificar acapacidade de leitura e produção de textos dos candidatos, reveladora dereflexão crítica frente ao tema proposto. É a forma de a Universidade perceber,pelas capacidades linguísticas e cognitivas apresentadas, em que medidasão dominadas as habilidades esperadas. Tal trabalho, entretanto, nãodesconsidera a situação de artificialidade em que o vestibulando se encontra.

Ao se considerar a linguagem como interação social, em que o outrotem um papel fundamental na construção dos sentidos, é preciso levar emconta, neste caso, a falta de espontaneidade da relação de interlocução.Ambos, locutor e interlocutor, estão comprometidos com a situação tensa deum dia de exame, em que ao vestibulando compete ser avaliado e, ao corretor,avaliar. Disso decorre a artificialidade na construção das imagens que fazemde si, do outro e do assunto a ser discutido, o que interfere na produção dotexto e, também, na leitura. O candidato escreve para uma banca deavaliadores, o que confere a quem lê o seu texto uma responsabilidadeigualmente tensa, diferente da fruição do leitor genérico, que lê o que lheapraz dentre os textos que circulam socialmente, concordando oudiscordando, mas sem a intenção de atribuir nota.

Conforme colocações de Wanderley Geraldi sobre a tão discutidaavaliação de redações, trata-se de um problema da instituição educacionalaté hoje não solucionado, embora dimensionado e debatido. Em situação devestibular, adquire, ainda, maior carga de tensão do que no dia a dia escolar,em que o professor pode orientar e sugerir refeituras. O texto produzido não éaquele em que um sujeito diz a sua fala, pois ele visa atender às solicitaçõespropostas pela Universidade. Nesse caso, não há, propriamente, um sujeito dalinguagem, mas uma função-candidato que escreve para uma função-avaliador.

Nesse contexto, em que se fazem sentir pressões de diferentes ordens,desde a familiar e social até a pessoal (a auto-estima), a enunciação adquireum caráter ímpar, pondo em jogo a relação da interlocução. Assim, hánecessidade de, ponderados todos esses fatores, proceder-se a uma avaliaçãojusta, segundo critérios objetivos, muito bem definidos (adequação ao tema,ao tipo de texto, ao nível de linguagem, coesão e coerência) e rigorosamenteaplicados por uma banca de avaliação composta de professores altamentequalificados e suficientemente treinados para essa tarefa.

Page 9: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

13

TEXTOS DISSERTATIVOS E NARRATIVOS

As questões de gênero e de tipologia textual têm motivado os estudosna área de leitura e produção de textos. As escolas de Ensino Médio preparamos alunos para a redação de variados gêneros textuais – editorial, artigo deopinião, dissertação expositiva e argumentativa, relato, notícia jornalística,narrativa de ficção, carta, anúncio publicitário, resumo, resenha, dentre outros– visando, fundamentalmente, à aprovação nos exames vestibulares dasfaculdades.

Para os futuros universitários, importa produzir e interpretar os gênerosque lhes possibilitem maior interação na vida comunicativa, no trabalho e nosestudos, o que exige, também, familiaridade com diferentes níveis de linguagem.

O Processo Seletivo da PUC-Campinas optou por apresentar trêspropostas de redação para a escolha de uma delas, duas dissertativas e umanarrativa, focalizando, assim, dois dos gêneros textuais mais trabalhados nasala de aula. Textos dissertativos e narrativos diferem entre si na medida em quepressupõem recursos específicos, pois dissertar é dizer ideias e narrar é dizerfatos. Enquanto a dissertação atua no plano lógico-racional, a narrativa atuano lógico-emocional. A primeira privilegia o intelecto e, se bem feita, leva àadmiração. A segunda, privilegiando a sensibilidade e a emoção, aoencantamento.

TEXTOS DISSERTATIVOS

Escrever uma dissertação supõe o exame crítico do assunto a ser discutidoe a elaboração de um plano de trabalho que garanta a progressividade deum raciocínio lógico. Além de coerentes, as ideias apresentadas devem serexpressas de modo articulado, em nível de linguagem padrão, que permita aoleitor apreender com clareza todos os sentidos.

O primeiro passo para a produção de um texto dissertativo, depois deescolhido o tema, isto é, o aspecto do assunto que se deseja abordar, éestabelecer um objetivo. Este será responsável pela tese do autor, isto é, seuponto de vista sobre o problema. É possível, então, redigir a frase-núcleo, que,na maioria das vezes, aparece na introdução. Esta deve conter um esboçodas ideias a serem discutidas nos parágrafos seguintes.

Page 10: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

14

O desenvolvimento, o chamado “corpo” do texto, deve obedecer aoprojeto esquematizado pelo produtor, garantindo uma progressão dosargumentos. São as razões que sustentam a tese: explicações, exemplos,citações, dados numéricos etc. Elas são responsáveis pela objetividade dadissertação, cuja finalidade é convencer o leitor. Há várias formas de ordenaçãodos parágrafos, sempre constituídos de uma ideia básica seguida decomplementares, mas o importante é que eles devem ser encadeados uns aosoutros para constituir as relações que formam o tecido, que é o texto. Essaprogressividade das ideias apresentadas é que permite ao autor chegar auma conclusão, a qual não é, apenas, o último parágrafo, mas decorrênciade todos os argumentos apresentados e deve ser absolutamente coerentecom a tese.

Para a garantia da lógica e da coerência do texto dissertativo, éfundamental que apresente uma determinada estrutura – introdução,desenvolvimento, conclusão –, entretanto, não se trata, apenas, de três partesda redação, mas da sequência de um raciocínio planejado. Este será dedutivo,se apresentar a tese na introdução, seguida dos argumentos. Será indutivo, se,primeiro, aparecerem as fundamentações, para, só no final, ficar explícito oponto de vista do autor.

TEXTOS NARRATIVOS

Narrar é representar ideias através de fatos organizados numa linguagemespecífica que lhes dê forma e sentido, no intuito de sensibilizar o leitor parauma maior e melhor compreensão do homem e da vida.

A produção do texto narrativo pressupõe a construção de um enredobaseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de personagensque vivenciam os fatos, num determinado espaço, e a instituição de umnarrador que, a partir de um ponto de vista, organiza todos esses constituintes.Um projeto narrativo deve, também, objetivar o emprego da linguagemenquanto matéria da construção formal e projetar os fatos narrados não comoum fim em si mesmos, mas como suporte de ideias que os transcendem.

Assim, não basta reproduzir ou inventar alguns acontecimentos,colocando-os em sequência linear e em linguagem gramaticalmente correta,ignorando que o objetivo da proposta está, sobretudo, no seu uso particularenquanto o objeto instaurador de uma realidade que só, e exclusivamente,por ela é criada. A inventividade se pauta pelo dizer muito mais do que peloimaginar. Portanto, não basta pensar uma história, é preciso criá-la em palavras.É da seleção, ordenação e imagística das palavras que resulta o trabalhocriativo. Na literatura, as palavras não são um meio, mas um fim em si mesmas,importando menos o que dizem e mais como dizem. É no modo de realizaçãoque reside a grandeza ou o fracasso do texto literário.

Page 11: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

15

REDAÇÃO 2011

INSTRUÇÕES GERAIS

I . Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:I. Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:I. Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:I. Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:I. Dos cuidados gerais a serem tomados pelos candidatos:

1. Leia atentamente as propostas, escolhendo umaumaumaumauma das três para sua provade Redação.

2. Escreva, na primeira linha do formulário de redação, o número da propostaescolhida e dê um título ao texto.

3. Redija seu texto a tinta (em preto).

4. Apresente o texto redigido com letra legível (cursiva ou de forma), em padrãoestético conveniente (margens, paragrafação etc.).

5. NãoNãoNãoNãoNão coloque o seu nome na folha de redação.

6. Tenha como padrão básico o mínimo de 30 (trinta) linhas.

II. Da elaboração da redação:II. Da elaboração da redação:II. Da elaboração da redação:II. Da elaboração da redação:II. Da elaboração da redação:

1. Atenda, com cuidado, em todos os seus aspectos, à proposta escolhida.Às redações que não atenderem à proposta (adequação ao tema eadequação ao tema eadequação ao tema eadequação ao tema eadequação ao tema eao gênero de textoao gênero de textoao gênero de textoao gênero de textoao gênero de texto) será atribuída nota zero.

2. Empregue nível de linguagemnível de linguagemnível de linguagemnível de linguagemnível de linguagem apropriado à sua escolha.

3. Estruture seu texto utilizando recursos gramaticaisrecursos gramaticaisrecursos gramaticaisrecursos gramaticaisrecursos gramaticais e vocabuláriovocabuláriovocabuláriovocabuláriovocabulárioadequados. Lembre-se de que o uso correto de pronomes e de conjunçõesmantém a coesãocoesãocoesãocoesãocoesão textual.

4. Seja claroclaroclaroclaroclaro e coerentecoerentecoerentecoerentecoerente na exposição de suas ideias.

Page 12: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

17

PROPOSTA I

DISSERTAÇÃO

Page 13: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

19

PROPOSTA I – DISSERTAÇÃO

Leia o editorial abaixo, procurando apreender o tema neleLeia o editorial abaixo, procurando apreender o tema neleLeia o editorial abaixo, procurando apreender o tema neleLeia o editorial abaixo, procurando apreender o tema neleLeia o editorial abaixo, procurando apreender o tema neledesenvolvido.desenvolvido.desenvolvido.desenvolvido.desenvolvido. Em seguida, elabore uma dissertação, na qual você exporá,de modo claro e coerente, suas ideias acerca desse tema.

Descendentes de um grande escritor brasileiro já desaparecido tentaramevitar que uma publicação veiculasse fotografia do pai com um determinadotipo de gravata. Consideravam que o autor só poderia aparecer com o modeloborboleta predileto. O episódio é apenas um exemplo dos excessos cometidospor famílias na suposta tentativa de proteger a imagem de seus famososparentes mortos. Há muitos casos análogos, que envolvem, além da imagem edo nome, o direito de relatar fatos biográficos, criticar e reproduzir obras emmeios como livros, revistas e catálogos. Ambições pecuniárias, leis problemáticase decisões judiciais infelizes conspiram para conferir aos herdeiros um poderdesmedido sobre bens que possuem evidente dimensão pública.

O episódio mais recente envolveu a Bienal de São Paulo e a associaçãoO Mundo de Lygia Clark, dirigida pelo filho da pintora. Diante de imposições, osresponsáveis preferiram retirar a artista da mostra. “Queriam até controlar quempoderia escrever sobre ela”, afirmou o curador Agnaldo Farias.

A associação argumenta que tem custos e precisa cobri-los. Ainda quefosse assim (e que se precise avançar em políticas públicas de aquisição deacervos na área das artes visuais), o argumento não bastaria para impedir apresença de obras da artista na Bienal, a reedição de um livro e o uso de seunome numa exposição com depoimentos em vídeo acerca de seu trabalho.

Em breve, o Ministério da Cultura levará a consulta pública a revisão dalei de Direito Autoral. É provável que aspectos relativos às novas tecnologiasdominem o debate – mas isso não deveria impedir que se criassem regras parareequilibrar as relações entre direitos de herdeiros e o caráter público dopatrimônio cultural.

Folha de S. PauloFolha de S. PauloFolha de S. PauloFolha de S. PauloFolha de S. Paulo, A2 opinião, segunda-feira, 07 de junho de 2010.

Page 14: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

20

COMENTÁRIO DA PROPOSTA I

O editorial de 07/06/2010 trata do caráter público do patrimônio cultural,algo que continua, hoje, sendo polemizado dentro de uma sociedade queluta por preservar a liberdade de expressão, principalmente no que tange abiografias de pessoas famosas. O tema aborda as relações entre os direitos dosherdeiros e esse caráter público.

O texto inicia-se com o relato de um fato: a proibição, por parte dosdescendentes de um grande escritor brasileiro, da publicação de uma fotosua sem a gravata borboleta que o caracterizava. Trata-se, apenas, de umexemplo entre tantos, de atitudes de familiares que pensam proteger a imagemde parentes mortos, proibindo a veiculação de suas obras, o relato de fatos desua vida em livros biográficos, ou, mesmo, textos de críticos. Segundo o editorial,isso se deve a “ambições pecuniárias, leis problemáticas e decisões judiciaisinfelizes”, que dão aos herdeiros poder de impedir a chegada até o público deobras culturais importantes, que já deviam ter ultrapassado a condição debens exclusivamente familiares.

Corroborando essas afirmações, o exemplo do ocorrido com a obra dapintora Lygia Clark ilustra bem o problema. Dadas as imposições do filho, osresponsáveis pela exposição de seus quadros na Bienal de São Paulo preferiramretirá-los da mostra. Com isso, o público ficou privado não só de acesso à suaobra, como da reedição do livro de arte e da exposição de depoimentossobre a artista em um vídeo.

O texto termina com a expectativa da consulta pública sobre revisãodo Direito Autoral, que o Ministério da Cultura pretende promover, e com aesperança de que essa medida venha a criar novas regras não só sobre osdireitos dos herdeiros ao espólio de parentes falecidos, mas sobre a dimensãopública de suas obras.

O texto proposto, naturalmente, como qualquer outro, pode ensejarparáfrase por parte do candidato pouco preparado, mas o que se espera,em uma prova de redação de vestibular, é que o estudante traga para adiscussão do problema a sua contribuição pessoal, fruto de leituras e daobservação da realidade. O editorial, por tratar de assunto bem atual e, porque não, preocupante, numa era de infinitas possibilidades de comunicaçãopropiciada pelas novas tecnologias, abre perspectivas para variadas

Page 15: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

21

contribuições. Assim, várias ideias poderiam ser abordadas quanto aos direitose deveres dos herdeiros: zelo pela integridade física do patrimônio, proteçãoda imagem do artista falecido, resguardo dos dados biográficos de cunhoparticular, propagação das ideias do artista e difusão de sua obra, decisãosobre o destino a dar a ela, recebimento do dinheiro arrecadado dos direitosautorais; quanto aos excessos dos herdeiros: obstáculos à difusão da obra porparte dos que detêm direitos sobre o espólio, impedimento de exposições epublicações, proibição de publicação de textos críticos sobre a obra, cobrançaindevida de dinheiro para que o nome do artista apareça em catálogos eoutros materiais gráficos, ambição pecuniária sobreposta ao interesse cultural,desrespeito aos limites da esfera privada, tomando para si o que seria daesfera pública; quanto aos objetivos da Lei do Direito Autoral: proteção dosinteresses morais e patrimoniais dos criadores de obras artísticas e intelectuais,promoção do acesso aos bens culturais e educacionais por toda a sociedade,de maneira equilibrada; quanto ao desrespeito aos direitos autorais: pirataria(cópias de CDs etc), usos de textos alheios na internet, adaptações de contos,romances, novelas.

A exemplificação também é uma forma de contribuição bem-vinda, jáque dá maior objetividade à argumentação. A mídia noticiou, há não muitotempo, o incêndio que destruiu obras de Hélio Oiticica, precariamenteguardadas na casa do irmão, o que propiciou discussão sobre a conservaçãoe proteção da integridade de espólios artísticos por parte de parentes. Esseseria um fato passível de enfoque nessa redação, bem como expectativasquanto ao patrimônio deixado por Michael Jackson. O importante é que otexto do candidato demonstre que ele também deseja explorar o tema porquetem o que dizer sobre ele.

Page 16: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

22

REDAÇÃO 1

Arte, símbolo de livre expressão

Raquel Rovere Caberlin

A arte, símbolo da livre expressão, é de grande importância para aformação do patrimônio cultural de um país, uma vez que costumes,características e valores de uma determinada época podem ser transmitidosàs novas gerações e por elas analisados. Atualmente, todavia, emcontraposição à liberdade exposta nas obras, a arte brasileira está sofrendograves prejuízos em função de restrições impostas por herdeiros na supostatentativa de proteger a imagem de parentes mortos.

Um recente episódio, cujas consequências são lastimáveis para osapreciadores da arte e que é um fiel retrato do que está ocorrendo no setorartístico brasileiro, envolveu a Bienal de São Paulo e a associação “O mundode Lígia Clark”. Neste caso, sob a alegação de que a associação precisavade mais fundos, foi vetada a obra da artista além de proibida a reedição deum livro e a utilização de seu nome em uma exposição com depoimentos emvídeo sobre seu trabalho. Diante das imposições do filho da pintora, a Bienal aretirou da mostra, impedindo que seus fãs pudessem ver suas obras.

Como esse exemplo, existem inúmeros outros, nos quais os parentescontrolam as obras, a imagem e o nome de artistas, como se fossem proprietáriosdo legado por eles deixado.Tal poder conferido aos familiares, entretanto, élegitimado por leis ineficazes e decisões judiciais infelizes. Faz-se necessário,portanto, avançar em políticas públicas capazes de interferir no caráter particularque está sendo conferido às obras, uma vez que a arte é um dos patrimôniosculturais de um país, pertencendo, dessa forma, à esfera pública. Em função detoda essa discussão acerca do tema, assim como das transformações dos novosmeios tecnológicos no meio artístico, em breve, o Ministério da Cultura levará apúblico uma consulta sobre a revisão da lei de Direito Autoral. Caberá àpopulação, portanto, decidir o desfecho do problema.

Sendo a arte um importante legado cultural das gerações passadas, amemória do artista e suas obras pertencem ao público. É inadmissível, portanto,que, em um país onde a cultura já não é muito valorizada, seja realizadaqualquer forma de restrição de acesso a ela. O equilíbrio entre os direitos dosherdeiros e os da população deve ser restabelecido.

Page 17: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

23

REDAÇÃO 1 – ESTUDO CRÍTICO

O texto inicia-se com a noção de liberdade, que caracteriza a arte,mas, paradoxalmente, é tolhida, no Brasil, quando se trata de tornar públicas,justamente, obras artísticas. A introdução expõe, de modo interessante, oproblema criado por herdeiros supostamente ciosos da imagem de parentes jáfalecidos, pois a afirmação de que é “símbolo da livre expressão” e, justamentepor isso, tem o poder caracterizar uma época histórica, dá a dimensão doprejuízo causado às novas gerações por restrições descabidas por eles impostas.

Ciente da dimensão do problema, o leitor tem, no segundo parágrafo,o exemplo do que aconteceu com a obra de Lygia Clark, impedida de serexposta na Bienal de São Paulo devido a exigências de seu filho. Sabe-se quea produção da artista, detentora de incrível imaginação e ousadia artística,tem sido aplaudida nas grandes capitais do mundo pelos seus traços demodernidade. Ora, seu trabalho é exemplo do que o autor do texto afirma nasprimeiras linhas, “expressão livre” e, mais do que qualquer outro, é a antíteseda restrição imposta por familiares à sua divulgação, justamente no Brasil, seupaís de origem

O terceiro parágrafo trabalha a noção de propriedade, poderlegitimado por leis atuais. Estas têm conferido caráter particular e familiar àherança de obras, que são, justamente pelo caráter livre de sua criação comoexpressão de mundo, patrimônio “cultural de um país”. A promessa de umaconsulta pública pelo Ministério da Cultura sobre a revisão da lei de DireitoAutoral é uma esperança de solução para o problema.

Na conclusão, a reafirmação de repúdio a “qualquer forma de restriçãoà arte”, com o adendo mais do que oportuno de que essa atitude é“inadmissível em um país onde a cultura já não é muito valorizada”. Essa ideiade valor, lançada no parágrafo final, é magnífico reforço para a argumentaçãodo texto e serve, até mesmo, como justificativa implícita para a atitude deherdeiros. Estes, com suas exigências monetárias, como no caso das imposiçõesdo filho de Lygia Clark, que alegou “custos e a necessidade de cobri-los”, dãoa impressão de minimizar o valor cultural da obra para o público que a iriaadmirar. Mais do que a tese de que “o equilíbrio entre os direitos dos herdeirose os da população deve ser restabelecido”, com a qual ele concordaplenamente, fica para o leitor o gosto amargo de que esse tipo de problema étípico do Brasil.

Clareza de exposição permite fácil entendimento do raciocínio simplese coerente.

Page 18: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

24

REDAÇÃO 2

O que é do público, o que é do artista

Irianna Steck Nogueira

O artista, como indivíduo histórico, parte integrante e representante deuma cultura e de uma sociedade – em nível regional ou universal – tem umpapel na captura e disseminação de imagens, ainda que subjetivas e parciais,de sua época e de sua cultura. No entanto, paralelamente à dimensão públicade suas obras, ele é, também um indivíduo particular, que realiza trabalhosque talvez não deseje publicar. Deve ter sua privacidade e sua imagemrespeitadas, mesmo após sua morte.

Esse delicado e importante tema leva à discussão sobre como ficam osdireitos autorais das famílias de escritores e figuras ilustres já mortas e sobre osconflitos de interesses gerados entre herdeiros e sociedade.

Os recentes casos envolvendo familiares do escritor Guimarães Rosa eda pintora Lygia Clark são exemplos desses conflitos entre o particular e opúblico, referentes a obras dessas figuras brasileiras importantes. Trazem à tona,novamente, a questão do poder, algumas vezes excessivo, exercido porindivíduos que estão, supostamente, defendendo os interesses do autor.

A importância das obras e da história de determinados artistas, assimcomo sua divulgação, são inegáveis, inclusive para a formação de novasgerações. No entanto, são evidentes, também, os abusos tanto por parte dasmídias – no que se refere à exposição excessiva e até prejudicial departicularidades de suas vidas e até mesmo de suas obras inacabadas ou quecontrariaram os desejos de seus autores - quanto por parte de herdeiros, comproibições desmedidas e cobranças financeiras excessivas, controle e imposiçõesalém do aceitável.

A arte, em geral, e a literatura, em particular, estão cada vez maisdominadas pelas relações capitalistas de uma forma que é prejudicial à memóriade figuras importantes, de modo que se faz necessária uma revisão conscienteda Lei do Direito Autoral brasileira, para que funcione de maneira efetiva nabusca de seu propósito: garantir a proteção da imagem e dos direitos doartista e de seus familiares e, ao mesmo tempo, permitir que a arte sejadesfrutada pela sociedade de maneira geral.

Page 19: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

25

REDAÇÃO 2 – ESTUDO CRÍTICO

A abordagem do artista como persona e como pessoa foi a ideiaintrodutória do texto. O autor parte dessas duas entidades, para afirmar que,como indivíduo histórico, o artista “parte integrante e representante de umacultura e de uma sociedade, tem um papel na captura e disseminação deimagens, ainda que subjetivas e parciais, de sua época e de sua cultura”,mas, como indivíduo particular, deve ter “sua privacidade e sua imagemrespeitadas”.

O primeiro parágrafo orienta o leitor na discussão do problema, jáanunciado no título, pois o conflito entre o que é público e o que é particular,quando se trata de arte, é a matéria prima do editorial oferecido como texto-base. O tema é “delicado”, como afirma o produtor do texto, pois a obra doartista merece caráter público, mas a obra do homem merece a privacidadeque ele a ela conferir, podendo até, segundo sua vontade, não ser publicada.Entra, então, a interferência de herdeiros, no caso de parentes já falecidos.

O terceiro parágrafo lembra os casos acontecidos com dois brasileiros, oescritor Guimarães Rosa e a pintora Lygia Clark. (No caso do primeiro, osdescendentes “tentaram evitar que uma publicação veiculasse fotografia dopai com um determinado tipo de gravata”, pois não era o seu preferido. Nocaso da pintora, o filho impediu a mostra de suas obras na Bienal de São Paulo,alegando altos custos). Aponta a questão do poder, “algumas vezes excessivo”dos herdeiros, que suscita a questão do conflito entre o que é particular e oque pode ser público.

O texto prossegue com uma explicitação dos exageros cometidos tantopelas mídias como pelos familiares de artistas já falecidos. Por parte de familiares,tem havido “proibições desmedidas e cobranças financeiras excessivas”. Mas,por parte das mídias, têm ocorrido abusos no que diz respeito à “exposiçãoexcessiva e até prejudicial de particularidades” de suas vidas. O produtor dotexto parece acompanhar o desenrolar de casos desse tipo, pois apontaocorrências de busca de fragmentos de obras inacabadas, ou publicação deobras que não seriam desejadas pelo autor.

A conclusão decorre da argumentação anterior, pois se encadeia aoparágrafo que a antecede, lembrando que tudo isso se dá devido às injunções

Page 20: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

26

capitalistas no campo da arte, com evidente prejuízo para a memória de vidae obra de figuras famosas. Aponta a esperança de que uma revisão da Lei doDireito Autoral possa atingir o “propósito de garantir proteção da imagem edos direitos do artista e dos seus familiares” e, ao mesmo tempo, permitir oacesso de toda a sociedade às suas obras.

O conflito de interesses, bem marcado no texto, é coerente com o título,que lança luzes sobre a verdadeira tensão expressa já no início: “O artista é,também, um indivíduo particular”.

Page 21: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

27

REDAÇÃO 3

Os meus, os teus, os nossos

Andressa Miranda Auto

Tornou-se comum depararmos, atualmente, com controvérsias entre opoder dos herdeiros de artistas (in memoriam) e o caráter público do patrimôniocultural. As famílias argumentam com a tentativa de preservar a imagem doparente, já o Estado deseja assegurar o acesso ao patrimônio cultural. É precisouma lei mais clara e uma atuação judiciária a fim de frear o poder desmedidodos herdeiros.

As famílias erram ao não serem capazes de equilibrar cuidados esuperproteção em relação às obras. Essa atitude vai contra o pensamento deAristóteles de que o caminho está no meio, ou seja, no equilíbrio. Numa tentativafrustrada de proteção, parentes acabam por impor restrição de acesso àsobras do artista, impedindo o alcance da mídia e da população.

A Constituição de 1988 e suas posteriores emendas garantem esse poderpor meio dos Direitos Autorais, mas o Ministério da Cultura pretende consultapopular sobre possível revisão. O Estado tenta acesso integral à arte brasileira,pois a própria Constituição assegura ao cidadão o direito ao lazer e à cultura,e isso inclui o livre acesso às obras de arte. Todas elas possuem importânciahistórica, seja na música, como a da Tropicália na década de 60, seja napintura, em telas críticas, como “Guernica”. Por esse motivo é necessário oequilíbrio entre poderes.

Uma boa medida para a solução do problema seria a revisão da lei dosDireitos Autorais. É necessário bom senso do governo sobre o que manchariauma reputação, e leis mais restritivas sobre o que a família pode controlarintegralmente. Por exemplo: somente fatos da biografia do artista poderiam serrevisados pela família, a fim de manter a privacidade do parente falecido.Obras, vídeos, fotos, depoimentos seriam de acesso universal, enriquecendonossa cultura.

As controvérsias entre o poder dos herdeiros e o caráter público dopatrimônio cultural devem ser amenizadas. Bom-senso e leis menos favoráveisàs famílias seriam o começo. Afinal, é vendo os erros do passado queconheceremos nossa história e melhoraremos o futuro.

Page 22: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

28

REDAÇÃO 3 – ESTUDO CRÍTICO

Partindo da constatação de que, no mundo da arte, tem havidoconflitos entre o poder de parentes de artistas já falecidos (que afirmam ter aintenção de preservar a sua imagem) e o poder do Estado (que pretende daracesso público às suas obras) o produtor do texto opta por colocar sua tese jána introdução: “É preciso uma lei mais clara e uma atuação judiciária a fim defrear o poder desmedido dos herdeiros”.

O segundo e o terceiro parágrafos mostram que não tem havidoequilíbrio no que as famílias chamam de “cuidados” em relação às obras, poisa “superproteção” acaba impedindo o acesso a elas, tanto por parte damídia como da população. Esse impedimento contraria diretrizes da própriaConstituição, que assegura ao cidadão seu direito à cultura (entendendo-sepor cultura, também, a fruição da arte) e desconsidera que a lei dos DireitosAutorais já evita injustiças contra artistas mortos. O candidato oferece doisexemplos de arte, um brasileiro (música) e um estrangeiro (pintura), lembrandosua importância histórica.

Prosseguindo, o texto mostra-se favorável a uma revisão da lei dos DireitosAutorais, pois, se se considerar o que vai aparecer na conclusão (“é vendoerros do passado que conheceremos nossa história e melhoraremos nossofuturo”), pode-se inferir que tem havido falhas de ambas as partes: quer dosherdeiros impositivos, que têm proibido a exposição de obras de seus parentesfalecidos, quer do Estado que, em nome da livre expressão, tem permitido apublicação de biografias, fotos etc nem sempre fieis ao modo de ser e depensar do autor. Sua sugestão é de que prevaleça o bom senso, quer da partedo Estado, fiscalizando o que vai ser exposto e permitindo aos herdeiros garantira privacidade da imagem do parente falecido, quer da parte dos herdeiros,deixando de ter o controle integral do espólio do artista. Essas consideraçõesretomam a ideia do justo equilíbrio lançada no segundo parágrafo.

A contribuição pessoal aparece nas sugestões de atitudes práticas queo governo poderia tomar nessa revisão dos Direitos Autorais. Elas estão coerentescom os sentidos que o título do texto pretende passar: o possessivo de primeirapessoa do plural (“os nossos”) quebra o direito à exclusividade do eu (“meus”)e do tu, (“teus”), preparando o leitor para a defesa que o candidato faz deque a obra deixada por um artista individual não pertence nem ao EU herdeiro,nem ao Tu governo, mas ao NÓS, familiares e público em geral, como herançaafetiva e como patrimônio cultural.

Page 23: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

29

REDAÇÃO 4

Difusão da arte

Diego Ferreira Martuscelli

O período renascentista vigorou, na Europa, por volta do século XVI. Aarte surgiu juntamente com o renascimento comercial e urbano promovidopelas cruzadas no final da idade Média, expedições militares religiosas paralibertar Jerusalém dos muçulmanos, que acabam reabrindo o comércio. Comele, surgem os mecenas, principais financiadores da arte renascentista quetinha como uma de suas características a retomada da Arte Clássica greco-romana, cronologicamente mais antiga, porém, preservada e muito divulgadaentre os países da Europa.

Isso aconteceu no passado. Nos dias atuais, ao invés de se divulgaremas obras e as imagens de artistas já falecidos, está ocorrendo um processoinverso, visto que as obras estão sendo cada vez mais controladas por familiares.Analogamente, as restrições impostas pelos herdeiros englobam a publicaçãode fatos biográficos, críticas e reprodução em livros e revistas. Todas essasimposições, que dificultam a divulgação, são, na maioria das vezes, favorecidaspor “leis problemáticas e decisões judiciais infelizes, que conferem poderdesmedido sobre bens de evidente dimensão pública”.

Exemplo recente do poder dos herdeiros pôde ser percebido no embateentre a Bienal de São Paulo e a instituição “O Mundo de Lygia Clark”, dirigidapelo filho da pintora, o qual fez várias exigências para a exposição dos quadrosda mãe. Devido a isso, coordenadores do evento decidiram retirá-los daexposição e, certamente, a Bienal ficou com déficit em obras, e o público deadmiradores da artista foi prejudicado. A Associação alegou que tem gastos eprecisa cobri-los, porém o argumento é desprovido de força quando comparadoà dimensão do número de apreciadores que se deslocam para verem as obras.

As altas imposições de familiares, como neste caso, prejudicam o público,pois este fica impedido de apreciar um patrimônio cultural, a obra de arte,que, muitas vezes, expressa um tema da época um estilo de vida um gostodominante no período histórico em que foi produzida e que, justamente porisso, deve ser largamente divulgada.

O desmedido poder dos herdeiros parece, no entanto, estar próximo dofim, visto que, corretamente, o Ministério da Cultura encaminhará para consultapública, a revisão da lei do Direito Autoral, que, provavelmente promoveráreformas, de modo a reequilibrar os direitos sobre obras de arte.

Page 24: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

30

REDAÇÃO 4 – ESTUDO CRÍTICO

O texto propõe ao leitor, inicialmente, uma perspectiva histórica dadifusão da arte e provoca uma reflexão sobre o que se fez na Europa, nopassado, e o que se faz, no Brasil, no presente. O parágrafo introdutório traz adescrição do nascimento da arte renascentista, com a retomada da greco-romana, mais antiga, mas preservada e divulgada; o segundo parágrafoaborda, como contraponto, o tema proposto para discussão: o controle deobras de artistas por seus herdeiros.

Esse início da redação, bem planejado como orientador do raciocínio,permite que o que se afirma em seguida assuma o caráter de “processo inverso”à disseminação da arte: as restrições impostas por herdeiros de obras de figurasimportantes. O produtor do texto não se detém em analisá-las, antes de revelarque são “favorecidas por leis”, e esse é um dado que não poderia faltar, pois éo aval para atitudes descabidas tomadas por parentes.

O fato de haver impedimento, por parte dos familiares, para apublicação de fatos biográficos, de críticas e, mesmo, de divulgação em livrose revistas, extrapola o simples cuidado com a privacidade do artista, quandoassume caráter mercantil, como foi o caso Lygia Clark, bastante comentadopela mídia. O produtor do texto aproveita o exemplo citado no texto-base, daretirada das obras da pintora da mostra da Bienal, por imposição de seu filho,para mostrar que questões pecuniárias deram realce ao embate, mas o quedeixa evidente para o leitor é o prejuízo cultural resultante do conflito, pois afamília não pensou na decepção dos admiradores da artista. Trata-se,naturalmente, de processo de divulgação da arte, que, pelo exposto, fica, noBrasil atual, sujeito a negociações de caráter financeiro.

Um novo parágrafo explicita o déficit cultural que ocorrências comoessa trazem para o país, pois, quando se trata de patrimônio artístico, devem-se valorizar não, simplesmente, objetos de valor pecuniário, mas obras queexpressam “um tema da época, um estilo de vida, um gosto dominante noperíodo histórico” em que foram produzidas e, por isso, merecem ser“largamente” divulgadas. Reaparece a ênfase sobre a necessidade dedivulgação, seguida da esperança de que o Ministério da Cultura trabalhepela revisão da lei do Direito Autoral, que favorece os herdeiros.

A contribuição pessoal do candidato está em, traçando umacomparação entre períodos históricos, passado europeu e presente brasileiro,

Page 25: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

31

contrapor figuras diametralmente opostas: as dos antigos mecenas, principais“financiadores da arte” e a dos atuais herdeiros, principais “controladores”das obras de arte. Também, trabalhando tempo e espaço, com ideias decomparação e oposição, deixa claro que a retomada da arte greco-romanapelo Renascimento deveu-se ao fato de ela estar preservada, mas divulgada,enquanto, na atualidade, o que se percebe no Brasil, é uma arte preservada,mas ciumentamente excluída da apreciação pública.

O texto apresenta coerência interna (progressividade) e externa(compatibilidade com a realidade).

Page 26: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

32

REDAÇÃO 5

A eficácia de uma lei

Andressa Frederico Kokol

A imagem de uma pessoa famosa, na sociedade atual, prevalecesobre qualquer outra característica que ela possa ter. A ideia de manter umpadrão, uma coerência, em detrimento de qualquer valor não consagrado éessencial. Essa imagem passa a ser considerada imortal, visto que mesmo apósa morte, a manutenção dessa é feita por seus descendentes.

Essa questão tornou-se polêmica a partir do momento em que se discute,na atualidade, a lei do Direito Autoral. Na tentativa de proteger a imagem deseus famosos parentes mortos, herdeiros, com apoio da lei, a qualquer custo,tentam impedir a divulgação de fatos biográficos, de críticas, de reproduçõesde obras, muitas vezes sob alegação de que atendem ao desejo dos falecidos.

Até certo ponto, esse desejo é sagrado. Qualquer indivíduo, sob aproteção da lei tem o direito de selecionar, de suas obras, o que pode serpúblico, mesmo que, muitas vezes, essa medida seja frustrada. A divulgaçãode uma imagem comprometedora, por exemplo, pode render sanções àquelesque a divulgam sem autorização de seus autores ou daqueles que detêmdireito sobre elas. Porém a questão vai além disso. Diante de uma sociedadeque valoriza demasiadamente um padrão, que mantém um certoconservadorismo, a divulgação de qualquer fato que evidencie uma quebrade expectativa sobre a pessoa falecida, criaria um problema. Um juízo de valorsobre o indivíduo pode fazer com que essa quebra prevaleça sobre qualquercaracterística sua realmente importante, podendo chegar ao ponto dadesmoralização da pessoa. Talvez seja essa a razão pela qual herdeiros tentam,de qualquer maneira, evitar críticas de obras e relatos biográficos de seusparentes. Entretanto, é a moralidade social que faz críticas e tem o poder dejulgar alguém.

Seria ingenuidade, também, não analisar a lei do Direito Autoral sob oaspecto econômico. É sabido que, com todo o desenvolvimento tecnológico,a reprodução de obras artísticas - principalmente musicais - tornou-se simples.

Page 27: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

33

Qualquer indivíduo que possua um computador conectado à internet podereproduzir e, mesmo, copiar de sites não autorizados, obras musicais, em instantese gratuitamente. Os herdeiros, assim, acabam por perder qualquer lucro quepoderia ser gerado caso a reprodução fosse feita sob a vigilância da lei.

À medida que a sociedade for evoluindo tecnologicamente, tentarevitar reproduções não lucrativas para os herdeiros - e mesmo para os artistasainda vivos - será cada vez mais ineficaz. É diante desse fato que muitosdivulgam suas obras, sejam elas musicais ou mesmo literárias, em sites da internete permitem que os próprios fãs paguem o valor que julgarem justo. É umaalternativa que acaba por agradar àqueles que recebem os lucros e àquelesque apreciam as obras.

A Lei do Direito Autoral é essencial, visto que assegura aos artistas e aosseus descendentes direito inclusive a valores econômicos sobre obras artísticasde prestígio. Porém ela não pode, simplesmente conferir autoridade máxima aestes. É direito público o acesso a obras, mesmo que com as devidas restrições.A lei se tornará eficaz a partir do momento em que equilibrar essa relação eadequar suas normas à realidade tecnológica atual.

Page 28: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

34

REDAÇÃO 5 – ESTUDO CRÍTICO

O texto aborda dois aspectos importantes suscitados pelo tema: o damanutenção da imagem do artista falecido e o do aspecto econômico doseu legado. Esses dois pontos de reflexão sustentam o raciocínio desenvolvidoe, já na introdução, esclarecem o leitor sobre a origem dos problemas que têmsurgido na relação entre direito privado e patrimônio público no que tange aobras artísticas.

A introdução faz pensar na imagem pública de uma pessoa famosa. Aideia de dever ser condizente com um padrão aceito socialmente, (a qual sevai reforçar no terceiro parágrafo), é interessante, pois é isso que vai garantir aaceitação social e permanente, tão desejada pelos herdeiros. Já esse início,também, coloca em pauta a questão do “valor não consagrado”, que vai serretomada a seguir, quando, no parágrafo seguinte, o produtor do texto justifica,com esse argumento, a “tentativa” de proteger a memória do parente falecido,impedindo “a divulgação de fatos biográficos” que, naturalmente, possamdesaboná-lo.

Surgem então, considerações a respeito do juízo de valor que umasociedade “que valoriza demasiadamente um padrão, que mantém certoconservadorismo” pode fazer da pessoa falecida, se houver a “divulgação deuma imagem comprometedora”. Fica evidente o ponto de vista do produtordo texto, de que o caráter público de uma obra depende da imagem públicado seu autor, “razão pela qual os herdeiros tentam de qualquer maneira,evitar críticas de obras e relatos biográficos de seus parentes”. Eles, segundo otexto, desculpam- se “sob alegação de que era desejo do falecido”.

A reflexão sobre o “desejo” é bem colocada, pois a Lei do Direito Autoraldeve vir, justamente, em favor da vontade do autor, “que tem o direito deselecionar, de suas obras, o que pode ser público” e impedir divulgação nãoautorizada.

Outra contribuição pessoal do candidato aparece, também, nosegundo ponto de reflexão, que diz respeito ao aspecto econômico dosrendimentos das obras deixadas, os quais a lei deve garantir. Ele fazconsiderações sobre a relação entre desenvolvimento tecnológico ereprodução de obras artísticas, lembrando a facilidade com que a internet

Page 29: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

35

permite sua reprodução clandestina instantânea e gratuita a partir de “sitesnão autorizados”. Alude à necessidade de uma “vigilância da lei”.

O penúltimo parágrafo traz a realidade de um momento de transiçãoque a sociedade está vivendo: o da evolução tecnológica que tem, também,o seu lado negativo ainda não alcançado pela lei, o da pirataria, da qualmuitos artistas se defendem, divulgando suas obras em sites da internet epermitindo “que os próprios fãs paguem o valor que julgarem justo”.

A conclusão é decorrência dos argumentos anteriores. Reitera aimportância da Lei do Direito Autoral, afirmando o direito público de acesso aobra artísticas “mesmo que com as devidas restrições”, mas enfatiza anecessidade, trazida por um mundo novo, de que suas normas sejam“condizentes com a realidade tecnológica”.

A tese colocada no final, já que o texto tem raciocínio indutivo, trazpara o leitor a noção de que a relação privado/ público, herdeiros/apreciadores da arte em geral, alargou-se. Deixou de ser binária para sertrinária, pois, hoje, passou a existir um terceiro elemento – a tecnologia - daí atríade herdeiros/tecnologia/público em geral. E desse triângulo de interesses aNova Lei de Direito Autoral, que o editorial afirma estar em projeto após consultapública, deve dar conta.

O texto vale pelas contribuições pessoais e cumpre seu papel na provade redação da PUC-Campinas.

Page 30: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

37

PROPOSTA II

DISSERTAÇÃO

Page 31: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

39

PROPOSTA II - DISSERTAÇAO

Leia, com atenção, o texto que se segue

A escola é uma instituição voltada para a formação do indivíduo,entendida esta como o reconhecimento e a prática de valores positivospositivospositivospositivospositivos.

Ocorre, no entanto, que a escola também se volta para a literatura e oaluno entra em contato com grandes escritores, que nem sempre tratam devalores positivos; os melhores prosadores e poetas podem abordar aspectosnegativos do homem e da sociedade: a força da ambição, o autoritarismo, ainjustiça, a violência, as carências de toda espécie, o ódio, o ciúme, o despeito...

Com base no que diz o texto acima, redija uma dissertaçãodissertaçãodissertaçãodissertaçãodissertação na qualvocê discutirá a seguinte tese:

A literatura não apregoa bons costumes, mas estimula nossoA literatura não apregoa bons costumes, mas estimula nossoA literatura não apregoa bons costumes, mas estimula nossoA literatura não apregoa bons costumes, mas estimula nossoA literatura não apregoa bons costumes, mas estimula nossosenso crítico.senso crítico.senso crítico.senso crítico.senso crítico.

Page 32: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

40

COMENTÁRIO DA PROPOSTA II

A proposta II traz para a reflexão do vestibulando uma experiência queele deve ter tido na escola: o estudo da literatura dentro do contexto devalores humanos que a instituição tem como objetivo formar no seu alunado.Isso porque a liberdade de expressão permite ao escritor abordar os maisdiferentes aspectos da personalidade do homem e, dessa forma, abre campopara o tratamento de todas as suas imperfeições de caráter: ambição,despotismo, injustiça, violência, ódio, ciúme, covardia etc.

Considerando que as grandes obras literárias fundamentam-se nosgrandes conflitos humanos e que estes nascem de irrefreáveis sentimentos,muitas vezes negativos; que elas se estruturam em ações marcantes depersonagens fortes, nem sempre elogiáveis, dando origem a complicaçõesque levam a suspenses, muitas vezes, violentos; que os espaços de grandesromances clássicos nem sempre são ambientes saudáveis e que heróis e heroínasnão estão isentos de destinos nem sempre edificantes, o texto de apoio leva ocandidato a refletir que a escola, ao trabalhar com a literatura, permite aoestudante o contato não só com aspectos positivos, mas, também, negativosdos valores humanos.

A tese oferecida para discussão pode ser aceita ou não. Ao produtordo texto cabe discutir a quem cabe o papel de estimular o senso crítico, nessecaso, e suas possibilidades de contribuição pessoal são amplas. Ele poderáacrescentar ideias sobre os objetivos da literatura em si e sobre os objetivos doensino da literatura na escola. Poderá tecer considerações sobre o papeldesta na formação do caráter do aluno e de que modo a leitura de obrasliterárias colabora para isso. Também poderá aprofundar o conceito de sensocrítico justamente como a capacidade de reflexão sobre valores humanospositivos e negativos.

Naturalmente, a proposta é um desafio para comprovar apotencialidade do aluno leitor. Quanto mais livros ele tiver lido, mais aguçadoserá seu poder de abordagem do tema. Se teve um bom professor, deve terpercebido e, por isso, discutirá, em sua dissertação, as relações entre escola eensino adequado da disciplina Literatura, pois a criticidade estimulada pelodocente é que permite a correta interpretação dos textos literários, na suaépoca e nas suas condições de produção, requisitos fundamentais para asua avaliação.

Page 33: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

41

REDAÇÃO 6

Utilizar o mal para mostrar o bem

Iago Vicenzo Ferrari Tavares

A literatura não tem um compromisso fiel com a realidade, mas, sim,com transcendê-la..... A obra literária é muito mais que uma simples reportagemou um artigo de opinião. Ela faz a mediação entre a realidade e o mundo dasideias.

Toda obra literária é produzida em um determinado contexto histórico esocial, portanto é preciso, primeiro, conhecê-lo, para, depois, tentar entendê-la. Ao lermos a Bíblia, por exemplo, a história de Abraão, de acordo com onosso atual ponto de vista moral é totalmente condenável: o pai quaseassassina seu filho por fé em Deus. Nos dias de hoje, seria infanticídio. Ele seriapreso e arruinado pela sociedade. No entanto, a época era outra, e os valoreseram outros.

Atualmente, há muitos que defendem a censura de algumas obrasliterárias, por considerarem nocivas à formação de um cidadão puramentebom - conceito, aliás, utópico. Tal censura é descabida, inconsequente e visaconstruir uma sociedade que, todos sabemos, sempre será inexistente.Recentemente, foi censurado, o livro “Caçadas de Pedrinho”, de MonteiroLobato, que remete à sociedade escravista e faz alusões aos vitupérios sofridospelos negros. Uma obra como essa, entretanto, deveria ser do conhecimentoda população, para que soubesse das injustiças vivenciadas pelos escravosem nossa colonização.

Cabe ao educador difundir bons costumes, e isso pode ser feito tantoanalisando obras consideradas de valores positivos, como negativos.Conhecendo a mentalidade humana, logo se percebe que, se os educadoresexpuserem, apenas, as obras consideradas boas e censurarem as que têmcaráter negativo, as pessoas ficarão exauridas de tanto falso moralismo eacabarão buscando o mal. Pelo contrário, se eles utilizarem sua competência,

Page 34: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

42

poderão fazer uso de obras tidas como inconvenientes para mostrar aosdiscentes a maneira como não devem agir. Não basta que se ensinem os bonsvalores; é preciso mostrar os maus e explicar por que deles os alunos não sedevem valer.

É indiscutível que a literatura tem o poder de influenciar a mente daspessoas. Quantos jovens se mataram após ler Werther? Quantos se tornarammais críticos ao ler Sócrates? Quantos não ganharam vitalidade ao ler Comte,ou a perderam ao ler Shopenhauer? Quantos não passaram a ser mais solertesao ler Maquiavel? Ou a ser comunistas ao ler Marx? A resposta é lógica. Muitos.Mas o leitor em formação precisa de um bom orientador, que o ajude a teruma visão crítica dos fatos. Tão logo detenha um bom nível de conhecimento,certamente não será influenciado por pensamentos perversos.

Proibir obras que façam alusão a maus costumes pode despertar osentimento de curiosidade de conhecer o mal e muitos, sem preparo adequado,valer-se-ão deste, de tal modo que jamais o fariam caso tivessem lido essasobras sob boa orientação. A literatura não precisa pregar boas maneiras, masestimular o senso crítico.

Page 35: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

43

REDAÇÃO 6 – ESTUDO CRÍTICO

O texto traz uma contribuição pessoal interessante: metade da tese

encontra-se na primeira linha e metade, na linha final. Se o leitor juntar essas

duas metades, terá que “A literatura não tem um compromisso fiel com a

realidade, mas, sim, com transcendê-la”, por isso” não precisa pregar boas

maneiras, mas estimular o senso crítico”. E o produtor do texto deixa clara a

justificativa: “Ela faz a mediação entre a realidade” (na qual, naturalmente,

os bons costumes devem garantir a harmonia entre os homens) “e o mundo

das ideias” (em que toda transgressão é possível).

Os dois parágrafos seguintes são dedicados a dar exemplos literários

dessas transgressões. O primeiro, o do excerto bíblico em que o pai,

aparentemente insensível, se dispõe a sacrificar seu filho caçula para provar

seu incondicional amor a Deus, remete à necessidade de se considerar que

todo texto deve ser lido dentro do momento histórico-social em que é produzido

e dos valores culturais de sua época e, no caso da literatura religiosa, a ação

paterna está plenamente coerente com as lições do Antigo Testamento. O

segundo, o da censura ao livro “Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato,

lembra as críticas feitas ao escritor, considerado racista por expressões usadas

em referências à negritude de Tia Anastácia. Ora, cabe ao professor a

orientação de leitura dos textos dentro do contexto e das vozes da cultura

predominantes na época.

É só então que o candidato desenvolve seus argumentos a favor da

liberdade da obra literária e da necessidade de uma escola que preserve essa

liberdade de textos construídos não apenas como “simples reportagem ou

artigo de opinião”; de uma escola; que não pregue a censura àquelas obras

que não tratam apenas de valores positivos, ingenuamente idealizando

construir uma sociedade utópica de cidadãos “puramente” bons. “Acredita

que cabe a ela não apenas ensinar” os bons valores, mas mostrar os maus e

explicar por que deles os alunos “não se devem valer”.

Mais exemplos, agora de autores estrangeiros, inclusive de filósofos,

mostram a influência do mundo das ideias em leitores pouco autônomos, jovens

facilmente levados à imitação de ações de personagens problemáticos, ou à

adesão a doutrinas político-sociais não-recomendáveis, por falta de boa

Page 36: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

44

orientação de leitura por parte de educadores competentes. Só estes podem

encaminhar os alunos a uma visão crítica.

O texto focaliza o tema, e o candidato, de maneira inteligente, cumprea tarefa: discute a afirmação proposta no enunciado, colocando sua opiniãopessoal de que a literatura estimula o senso crítico, se o leitor em formaçãopode contar com um bom professor para orientá-lo.

A objetividade fundamentada nos exemplos garantiu a coerênciaexterna do texto.

Page 37: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

45

REDAÇÃO 7

Da necessidade da crítica

Isabel Pagano

Viver em sociedade é mais do que ter regras que ditam a boaconvivência, é mais do que seguir essas regras. Seres humanos coexistem nemsempre pacificamente e nem sempre seguem as regras estabelecidas. Seres deinteligência que somos, usamos nossos talentos para nos organizar, estabelecerinstituições e elaborar complexos sistemas de apoio à vida, ao mesmo tempoque controlamos – às vezes bem, outras vezes muito mal – as pulsões ancestraisdo que nos define antes de tudo: nosso lado animal, que tem fome, sede,medo, desejos e aversões.

A escola é uma das instituições que procuram dar subsídios a essa difícilempreitada, seja transmitindo conteúdos do conhecimento humano jáacumulado, seja incentivando a busca por novos conhecimentos, fomentandoo desenvolvimento do lado racional e postulando valores que reforçam apossibilidade da convivência pacífica sob regras. Quando se fala emconhecimento acumulado, não se pode deixar de fora a literatura, com todoo seu potencial polêmico e transformador. Por meio dela, ideias são semeadas,mundos são criados, seres impalpáveis ganham o direito de ter uma história. Osautores são os donos absolutos desses mundos e suas ideias tanto podem fazerparte do que se convencionou como “bem”, como podem remeter àtransgressão das regras às quais a sociedade se submete para subsistir.

Grandes escritores, sejam eles prosadores ou poetas, renomados oupouco conhecidos, afeitos à arte da ficção ou ensaístas apontando para asfragilidades da realidade, estimulam o que temos de mais precioso: nossacapacidade de discernimento. Graças ao senso crítico, mesmo submetidos aimposições da sociedade, podemos decidir seguir regras, porque são justas enecessárias, ou nos rebelar contra as que são descabidas.

Assim, para sermos mais humanos, não basta frequentar a escola, seguirregras e absorver informações. Não basta ler textos bem escritos, que apregoamos valores definidos como corretos, segundo os quais a sociedade seria perfeita.Há que ler os desviantes, os tortuosos, os considerados “perigosos”. Há quefazê-lo sem temer as pulsões ancestrais ou a perda do controle sobre elas:basta fazê-lo com o olhar de refinada inteligência burilada por tantos séculosde conhecimento, que nos deu bases e nos dá asas.

Page 38: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

46

REDAÇÃO 7 – ESTUDO CRÍTICO

As primeiras frases do texto abordam a dificuldade de viver emsociedade, tensão que mesmo as regras de boa convivência não suprimem,pois “pulsões ancestrais” definem o ser humano. “Estabelecer instituições” e“elaborar complexos sistemas de apoio à vida” passam a ser, então, tarefashumanas desse animal inteligente.

É no segundo parágrafo que surge a ideia de escola, como instituiçãoque procura fornecer “subsídios a essa difícil empreitada”, ou seja, direcionar“talentos” e ensinar a dominar “desejos e aversões”. Esse papel, redimensionadoem palavras tão fortes que a fazem ultrapassar os limites dos conhecimentosteóricos ministrados em sala de aula, vai fazer avultar, também, a função deuma das disciplinas inseridas em seu currículo: a literatura. Esta aparece comoconteúdo do “conhecimento acumulado” que a instituição pretende transmitiraos alunos e, mais do que isso, como detentora de “potencial polêmico etransformador”.

Definidos, então, os papeis da escola e da literatura dentro da escola,o produtor do texto revela a tarefa maior da educação: incentivar a buscade novos conhecimentos e desenvolver o lado racional dos jovens “postulandovalores que reforçam a possibilidade de convivência pacífica”. Explica, então,o porquê de a literatura ser polêmica e transformadora: escritores permitemque mundos sejam criados e seres impalpáveis ganhem o direito de ter umahistória. Nesses mundos existem valores tanto positivos quanto negativos, que“estimulam o que temos de mais precioso: nossa capacidade de discernimento”.E é essa capacidade que levará o indivíduo a se decidir por regras “justas” ouse rebelar contra as “descabidas”.

A coerência com a ideia inicial do texto se reafirma, pois essa escolha éque vai determinar a possibilidade de convivência social pacífica. Ora, sópode haver escolha se há contato com elementos díspares, e é isso que“prosadores ou poetas, renomados ou pouco conhecidos, afeitos à arte daficção ou ensaístas apontando para as fragilidades da realidade” fazem:oferecer exemplos de caminhos “desviantes, tortuosos, perigosos”.

A tese aparece na frase final, com a afirmação de que não há quetemer as pulsões ancestrais ou a perda de controle, diante dos valores “nem

Page 39: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

47

sempre positivos” apresentados pela literatura, se a escola refinou a inteligênciado jovem, com os conhecimentos acumulados que soube transmitir. Uma belaimagem fecha o texto: conhecimento que dá “bases e asas”. O leitorcompetente entende que as bases estarão fincadas nos valores positivos, quepermitem voos por distantes paragens, mesmo as perigosas, as que fogem às“regras estabelecidas”, pois esses pássaros estarão sempre seguros do caminhode volta.

Page 40: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

48

REDAÇÃO 8

Exposição negativa, resultado positivo

Caroline Leme de Moura

A educação é fundamental para o desenvolvimento do país, dasociedade e de cada indivíduo em particular, entretanto, além do conteúdotransmitido, do respeito, da convivência com as diferenças e dos bons costumes,na escola também se entra em contato com valores considerados negativos,principalmente através da literatura. Será que esse contato é, realmente,negativo?

Os autores de maior relevância, na literatura, apresentam vícios e defeitosda sociedade de sua época, alguns de maneira mais explícita, outros demaneira mais sutil, mas é uma abordagem constante em suas obras. Aoanalisarmos sua trajetória através das escolas literárias, é possível observar que,de maneiras diferentes e sobre assuntos diferentes, os aspectos negativos sãoalvos de crítica. E, apesar de escritos há muito tempo, muitas dessas obras sãoatuais e válidas para a crítica de costumes atuais.

Machado de Assis é um grande exemplo disso. Em “Dom Casmurro”,além de falar sobre o ciúme e o possível adultério, aborda o fanatismo religiosopor meio da figura da beata mãe de Bentinho, e o oportunismo, por meio dapersonagem José Dias. Outro exemplo é Aluísio de Azevedo, que, em “O Cortiço”,fala dos aspectos mais deturpados do ser humano, como a ambiçãodescontrolada de João Romão e os desajustes matrimoniais de Miranda. Todasessas abordagens, quando mostradas aos alunos, despertam uma visão menosingênua e mais crítica das pessoas e situações que os rodeiam, levando aodesenvolvimento do intelecto e à formação de opiniões.

Ainda merecem destaque Graciliano Ramos, com “Vidas Secas” e JorgeAmado, com “Capitães de Areia”. Dentre as muitas mazelas, nessas obras,sobressaem a desigualdade, a carência e a injustiça, problemas extremamenteatuais e sempre motivos de discussões, sendo necessária a sua análise, paraque os alunos possam desenvolver posicionamentos corretos.

Page 41: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

49

Ao se estudar a Semana de Arte Moderna e o Modernismo, com autoresrenomados como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, maiscríticas são feitas, mais opiniões são analisadas, e o aluno tem a oportunidadede entrar em contato com tudo isso para criar a sua própria opinião e defendê-la.

Portanto, embora sejam expostos muitos aspectos negativos em obrasda literatura, essa exposição se torna necessária para o estímulo do sensocrítico e para a formação de opiniões maduras, com embasamento coerente.

Page 42: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

50

REDAÇÃO 8 – ESTUDO CRÍTICO

Primando pela simplicidade, a redação tem o mérito de, sem alçar voosmuitas vezes ousados, por falta de embasamento, ater-se ao conteúdo dasobras estudadas no curso médio e solicitadas pelos vestibulares, parafundamentar suas opiniões sobre o foco temático: se a escola permite o contatodos seus alunos com valores “considerados negativos, principalmente atravésda literatura”, “será esse contato realmente negativo?”. Toda a argumentaçãovolta-se para a defesa da tese implícita no título: “Exposição negativa, resultadopositivo”.

Exposta a pergunta retórica no parágrafo introdutório do texto, a ideiaseguinte é a de que uma verificação mais atenta das obras literárias permitea constatação de que elas sempre contêm, de maneira mais ou menosexplícita, críticas ao tempo em que são produzidas, e, mais do que isso, queessas críticas, muitas vezes, se aplicam a aspectos atuais.

Seguem-se três parágrafos de exemplos. São citados Machado de Assis,crítico de aspectos da realidade cultural da época, além de estudioso, naobra citada, de um grande exemplo da instabilidade psíquica do ser humano:o ciúme; Aluísio de Azevedo, naturalista atento às deformidades da condutado homem causadas pelo meio; Graciliano Ramos, denunciador da exploraçãodos miseráveis nordestinos; Jorge Amado, retratista das consequências doabandono de meninos pobres nas praias ensolaradas da Bahia; ManuelBandeira e Carlos Drummond de Andrade, poetas modernistas.

O candidato explica que todos esses problemas não perderam suaatualidade e, justamente por isso, o estudo dessas obras dá ao alunooportunidade de melhor analisá-los.

A conclusão retoma a ideia central do texto, reafirmando que aexposição dos estudantes a livros que apontam mazelas como o fanatismoreligioso, o oportunismo, a ambição descontrolada, os desajustes matrimoniais,a desigualdade, a carência, a injustiça, aspectos observados como temasdas obras citadas, pode estimular “o senso crítico” e a “formação de opiniõesmaduras”.

Atendendo aos requisitos de uma dissertação, o candidato colocou osrecursos indispensáveis a esse gênero textual, dentro do que a escola, até omomento do vestibular, pôde lhe proporcionar em leitura literária. Não fugindoao tema, colocou sua experiência pessoal, e isso fez o mérito do seu texto.

Page 43: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

51

REDAÇÃO 9

Leitura formando opiniões

Carlos Francisco Kallas Pereira

Na sociedade atual, em que é cada vez mais comum ser alienado eacomodado ao meio, a escola, mais do que nunca, é teoricamente designadacomo formadora de mentes. Para alcançar tal objetivo, dispõe de inúmerasferramentas e métodos de ensino, tanto novos quanto antigos. Dentre eles,encontra-se o ensino da literatura, que, apesar de indispensável, pode,também, trazer inconvenientes.

Sabe-se que a análise aprofundada de obras literárias, em sala deaula, é essencial. Os livros, melhor do que qualquer outra forma de ensinar,exemplificam e registram os hábitos e os costumes de uma determinada época.Dessa maneira, os estudantes podem, por meio de suas leituras, acompanhara evolução da sociedade em que se encontram. Além disso, podem conheceroutros lugares e períodos da História, compreendendo melhor a forma de viveratual. Entretanto, para ajudar os alunos a aproveitarem melhor essa janela deconhecimento, o papel do professor é crucial. É ele que direciona o olhar dosjovens, e, acima de tudo, contextualiza a visão e a linguagem de umdeterminado autor. Essa tarefa exige uma ampla bagagem de vida, apoiadapor boa formação acadêmica. Professores bem preparados conseguem, namaioria das vezes, orientar a sala de aula de acordo com os objetivos esperados,transmitindo aos alunos a perspicácia necessária a um leitor sensato.

Quando não há essa integração correta entre docentes e alunos, ouquando a turma ainda é muito imatura, pode ocorrer confusão de valores. Aleitura mal orientada pelo professor passa a transmitir outras perspectivas, quepodem gerar polêmicas. Recentemente, a leitura de Monteiro Lobato, em salade aula, foi criticada, devido a um aparente racismo contido em expressõesdo autor sobre Tia Anastácia, personagem negra da obra “Caçadas dePedrinho”. É exemplo de uma análise pobre do verdadeiro conteúdo do livro,sobretudo dentro do contexto em que foi escrito. No caso de Lobato, mesmoque o livro contenha expressões pejorativas, uma interpretação inteligentepode ser muito útil e construtiva. Basta que o leitor tenha conhecimento préviode certos costumes e dos valores vigentes na época.

O leitor “avisado” e, consequentemente, cidadão, deve ser o maiorobjetivo da escola, o que só se torna possível por meio da dedicação e dapersistência dos bons professores.

Page 44: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

52

REDAÇÃO 9 – ESTUDO CRÍTICO

O candidato dá mostras, em seu texto, de ter compreendido bem o

tema, não fugindo nem para considerações a respeito apenas da educação

escolar, nem para opiniões apenas a respeito da função da literatura.

Conseguiu, com simplicidade e segurança, estabelecer a ponte escola/ensino

de literatura, mostrando o importante papel que aquela exerce na

transformação de obras literárias em excelentes ferramentas para formação

do senso crítico dos alunos. Já na introdução, evidencia a relevância de seu

papel na formação das mentes jovens.

O segundo parágrafo aborda um aspecto que deveria ser mais

trabalhado na escola brasileira: a “análise aprofundada de obras literárias”.

Aponta sua necessidade e, mais adiante, exemplifica com o perigo de uma

leitura apressada e de uma visão superficial, apontando o caso da censura à

leitura de uma obra de Monteiro Lobato na sala de aula, por falta de reflexão

crítica (“análise pobre”) sobre o contexto sócio-cultural da época em que foi

escrita.

O papel do professor é matéria do terceiro parágrafo. Interessante a

metáfora “janela do conhecimento”, empregada para a leitura de obras

literárias, não no sentido de fuga (até poderia ser interpretada assim, se o

produtor do texto se ativesse apenas a obras de ficção), mas de um olhar

sobre o olhar do outro, o do autor da obra, que leva o leitor para diferentes

mundos físicos e psíquicos, com seus personagens e suas situações de tensão,

quando não, para outras épocas e ambientes. “É ele (o professor) que direciona

o olhar do jovem e, acima de tudo, contextualiza a visão e a linguagem de

determinado autor”. Aí está bem marcada a função do docente: não só

ensinar a interpretar as ideias, como a justificar variações linguísticas, que, como

é sabido, podem se adequar a épocas históricas, regionalidades, estratos

sociais, situações de interlocução etc.

Mas, para isso, o professor deve ter a competência proveniente de

“ampla bagagem de vida, apoiada por boa formação acadêmica”. O

produtor do texto mostra saber da necessidade de cultura geral e de

experiências individuais, que só elas podem permitir ao docente transmitir aos

seus alunos o senso crítico. Chama de “leitor sensato” aquele que sabe inserir a

Page 45: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

53

obra que está lendo nas suas condições de produção. E isso só se aprende

com bons professores de Literatura na escola.

O candidato não se deteve na oposição bons/maus costumes (objetivosda escola/ liberdades da literatura), pois o realce dado ao papel do professorcomo aquele que “contextualiza a visão e a linguagem de um determinadoautor” e “direciona o olhar dos jovens”, torna desnecessárias considerações arespeito de qualquer possível contradição entre obra adotada para leituraem sala de aula e formação do indivíduo.

Page 46: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

54

REDAÇÃO 10

A importância da literatura na construçãodo senso crítico e da moral

Guilherme Hoverter Callejas

É inquestionável o papel exercido pela escola na formação do indivíduo.Ao incutir e transmitir valores morais positivos, essa instituição prepara os jovenspara o convívio social, esclarecendo a eles seus direitos e deveres na sociedade.E, dentro desse processo, a literatura exerce um papel fundamental, à medidaque expande os horizontes dos indivíduos, não só para valores positivos dohomem, mas, também, para o seu caráter obscuro, seus vícios e sua ambição,que são temas frequentes em obras de grandes autores.

Essa característica da literatura é frequentemente criticada por indivíduosque acreditam numa construção moral baseada, apenas, na transmissão debons costumes, porém tal proposta apenas configuraria uma construçãoalienante, enquanto a literatura, ao proporcionar um repertório teórico maisaprofundado, constrói no jovem o senso crítico. E é por meio dessa experiênciaque ele aprende a distinguir bons e maus valores e, consequentemente, fazera escolha correta, visto que a escola desenvolveu nele seu caráter humano.

Nesse sentido, torna-se extremamente importante a leitura de obrasque não tratam apenas do politicamente correto, mas que expõem diversoscontextos históricos e suas dinâmicas sociais, por exemplo, “O Príncipe” deMaquiavel demonstra a correlação de forças e o papel do monarca, mas,apesar do seu conteúdo absolutista, permanece atual. Na literatura brasileira,livros que demonstram o caráter egoísta e negativo do homem, como “OCortiço” de Aluísio de Azevedo, podem servir de denúncia diante da injustiçasocial, assim como “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. Estudos do nazifascismoe do regime militar, no Brasil, alertam os alunos quanto à repressão e àmanipulação, exaltando a importância da preservação dos direitos individuais.Diante da vastidão de conhecimento proporcionada pela literatura, éinquestionável a sua importância na construção do senso crítico e,consequentemente, dos valores morais. Por isso é tão importante que escolaspúblicas e particulares sejam capazes de garantir aos alunos um aprofundadoestudo literário, haja vista seu papel no desenvolvimento social.

Page 47: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

55

REDAÇÃO 10 – ESTUDO CRÍTICO

A boa apreensão do tema já se evidencia no início do texto, queapresenta a importância da escola na formação do aluno e, “dentro desseprocesso”, a da literatura. Aquela incute e transmite valores morais positivos,esclarece direitos e deveres e o prepara para o convívio social. Esta “expande”os seus “horizontes”, mostrando-lhe, também, o “caráter obscuro” do homem.

O segundo parágrafo é dedicado à defesa da literatura. A partir daconstatação de que muitos criticam o texto literário por, conter, também,exemplos de vícios e ambição, temas frequentes em obras de grandes autores,o candidato posiciona-se. Considera que uma “construção moral baseada,apenas, na transmissão de bons costumes” seria “alienante”. A palavra, bemescolhida, enfatiza o risco de alheamento do jovem em relação à realidadedo ser humano. Sua exposição a exemplos de “bons e maus valores”, muitasvezes presentes em obras literárias, seu aprendizado da distinção entre eles, éque lhe vai dar oportunidade de desenvolver senso crítico suficiente para“fazer a escolha correta” em muitas ocasiões.

Em seguida, para maior objetividade do texto, aparecem os exemplos.Chama a atenção a citação de duas obras, uma estrangeira, outra brasileira– “O Príncipe”, de Maquiavel, e “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo – interessanteescolha, pois o primeiro refere-se ao poder de um monarca sobre seus inferiores,e o segundo, ao poder de um dono de cortiço sobre seus inquilinos. Além disso,o texto cita o livro “Vidas Secas”, como uma contribuição literária à denúnciade injustiças sociais. Entrando no campo dos textos de caráter histórico, lembrao papel da literatura em alertar os jovens contra a “repressão” e a“manipulação”. Também, aqui, recorda estudos escritos e publicados sobredois períodos infelizes do passado: um momento de opressão em paísesestrangeiros (o nazifascismo) e um no Brasil (regime militar). Ressalta, no caso, aimportância dessas obras por exaltarem o valor da “preservação dos direitosindividuais”.

A conclusão, fundamentada, principalmente, nos argumentos doparágrafo anterior, retoma a tese já intuída pelo leitor, pois o texto, de raciocínioindutivo, vai deixando implícitos (“é inquestionável o papel exercido pela escolana formação do indivíduo” = há quem questione se o seu papel não deve sero de instruir apenas; “dentro desse processo” = à escola é que cabe orientar aleitura dos textos literários; “aprende a distinguir bons e maus valores e,

Page 48: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

56

consequentemente, fazer a escolha correta” = só faz escolha correta quemconhece os dois lados das condutas humanas), novamente deixando clara aideia que norteia todo o raciocínio: escolas públicas e particulares devem sercapazes de garantir aos alunos um aprofundado estudo literário, haja vistaseu papel no desenvolvimento social.

Também nesse momento, o da frase final do texto, evidencia-se a boaescolha das palavras e expressões:

“Por isso é tão importante escolas públicas e particulares (não basta dar

boas aulas de literatura apenas em colégios de elite, pois é preciso oferecer essa oportunidade,

também, aos alunos que não podem pagar altas mensalidades) sejam capazes de garantiraos alunos (não basta colocar no currículo, é preciso que essas aulas sejam cuidadosamente

dadas) um aprofundado estudo literário, (não basta a superficialidade, é necessário

leitura de entendimento da obra e análise orientada pelo professor) haja vista seu papel nodesenvolvimento social” (a literatura ultrapassa sua função formadora na construção do

senso crítico e dos valores morais do indivíduo, como anuncia o título do texto, para adquirir papel

social).

O candidato cumpriu a tarefa proposta no vestibular de redação eofereceu, no espaço que lhe cabia, uma demonstração de seu senso crítico.

Page 49: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

57

PROPOSTA III

NARRAÇÃO

Page 50: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

59

PROPOSTA III - NARRAÇÃO

Uma propaganda na TV alerta a população sobre equívocosprovocados pelo fato de pessoas terem o mesmo nome, explorando de modobem-humorado o caso dos homônimos.

No saguão de um aeroporto, um homem carrega uma pequenatabuleta com o nome da pessoa que espera, a quem, evidentemente, nuncavira antes. Quando chega, o homem cujo nome está escrito na tabuleta élevado para casa onde sua suposta família o espera com uma festa de boas-vindas. Na hora do encontro, evidencia-se o engano: o recém-chegado, quenada tem de oriental, é recepcionado por uma família de japoneses. Noaeroporto, o japonês esperado pela família permanece aguardando.

Redija uma narração em que se relate um caso de engano vivido porduas personagens homônimas. O narrador que você escolher deve contarcomo o equívoco se gerou e explorar a reação tanto dessas personagensquanto de outras presentes na situação imaginada. Procure ser bem criativono desfecho.

Page 51: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

60

COMENTÁRIO DA PROPOSTA III - NARRAÇÃO

A Proposta III do Processo Seletivo 2011 da PUC-Campinas solicita docandidato a criação de uma narrativa a partir de um equívoco gerado poruma questão de homonímia. Fundamento da criação, a identidade de nomesdeverá se constituir no argumento a partir do qual se organizarão osacontecimentos, produtos da criatividade de um autor do texto. Aspersonagens, por não estarem especificadas, dão maior ensejo ao exercícioda criatividade na ordem da estruturação dos fatos.

Solicita-se, também, que se explore a causa do equívoco, isto é, que sedetermine o que teria levado personagens homônimas, desconhecidas entresi, a se envolverem em uma mesma situação. No âmbito do equívoco, ainda,pede-se que se explorem as reações das diferentes pessoas envolvidas. Não seexige, entretanto, comicidade, o que favorece diferentes possibilidades deelaboração do engano e de liberdade quanto às possíveis consequências.

Segundo a proposta, compete ao candidato definir o narrador, o qualse incumbe da elucidação das causas e da exploração das reações daspersonagens. Também a ele cabe inventar o tempo, o espaço e o enredo. Essaliberdade lhe permitirá aproveitar algo do exemplo oferecido pelo texto geradorou criar trama totalmente diferente, elaborar a descoberta ou não do engano,construir um desfecho cômico ou trágico.

A contribuição pessoal, além da inventividade, aparecerá na formada organização dos elementos narrativos, o que supõe lógica na sucessão dasações. O suspense, antecedendo um desfecho criativo, deverá prender aatenção do leitor e a (opcional) presença de diálogos, ou do discurso indiretolivre, favorecer a caracterização das personagens e o embaraço da situação.A linguagem deverá ser entendida como matéria da construção formal,importando mais o “como dizer” do que “o que dizer”.

O maior grau de criatividade será atingido se o texto narrativo ultrapassaros limites da peripécia e alcançar uma dimensão temática.

Page 52: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

61

REDAÇÃO 11

Um belo escritório com vista para a solidão

Jacqueline de Souza França

Charlie Biancardi de Castro tinha uma vida interessante, agitada emelancólica. Ele era um enigma para si mesmo. Tinha uma dor secreta que lhesaltava aos olhos, mas nunca chegava a seus lábios. Forte e jovem, era umadvogado bem sucedido, porém com amigos circunstanciais, além de umbelo escritório com vista para a solidão. Sua solidão tão bem cultivada.

Pronto para embarcar, um congresso o esperava, onde seria opalestrante durante dois dias. Enquanto ajeitava o cinto de segurança, pensouem como seria bom partir para uma nova vida, apenas para que aquela doro libertasse e aprendesse a andar sozinho.

Um jovem estagiário o esperava no aeroporto, entre a multidão que seacotovelava, observando as idas e vindas de anônimos e desconhecidos,com seu nome muito bem escrito numa plaqueta de tamanho desproporcional.Dali partiram para a Soares & Santoro, onde seus anfitriões o aguardavampara um breakfast de boas vindas.

O susto foi instantâneo ao não reconhecerem em Charlie o senhor desessenta e cinco anos que aguardavam. O Charlie que estava diante deles, sepodia ver, não completara ainda quarenta anos. E Charlie, entre xícaras ebolinhos, imaginava perdida a sua palestra.

Quem era aquela gente?

Enquanto isso, Charlie Biancardi de Castro, também advogado,desembarcava no mesmo aeroporto, recepcionado por outro jovem estagiário,para assinar um contrato de sociedade há muito esperado.

O susto não foi menor entre os organizadores do congresso, aoconstatarem que aquele senhor não era o jovem advogado famoso por seuslivros e causas jamais perdidas.

Depois da confusão estabelecida, a volta à calma. Telefonemas eidentidades revistas, esclarecimentos... e ambos os advogados retornaram aoaeroporto para encontrar seus verdadeiros destinos.

Page 53: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

62

Curiosos, porém, com a coincidência, marcaram um encontro rápidoantes de partirem. Mais espanto. Além do mesmo nome e profissão, tinham amesma face, a mesma entrada nos cabelos, tão parecidos, a mesma tristezanos olhos. Um único passado para os dois não deixava dúvidas de que pai efilho se encontraram e se reconheceram um no outro. Aquela dor secreta osunia. Era saudade.

Page 54: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

63

REDAÇÃO 11 – ESTUDO CRÍTICO

Assim como os seres humanos, os personagens agem em função de umquerer. Determinar esse querer que move as ações e quais os entraves que seinterpõem para sua realização (percurso da construção do sentido) é aquestão que se propõe às narrativas literárias.

A partir da caracterização dos personagens como duas pessoastotalmente estranhas entre si, na realidade dois advogados com nomesidênticos, que desembarcam em um mesmo aeroporto, mas com diferentesdestinos, podemos dizer que, numa primeira instância narrativa, no nível daintriga, os dois advogados querem apenas chegar a seus destinos paracumprirem as funções previstas, mas são impedidos por um engano de pessoasocorrido ao desembarcarem. Portadores do mesmo nome, mas com distintasidades, são conduzidos a destinos que não se coadunam com suasexpectativas, tampouco com as de seus anfitriões.

O estranhamento é, na verdade, o fundamento da intriga, ou seja, háum descompasso entre as funções a serem desempenhadas por ambos e osinteresses e as características pessoais de cada um: o jovem advogado bemsucedido, “famoso por seus livros e causas jamais perdidas”, tinha por objetivoparticipar de um congresso no qual era aguardado como palestrante; otambém advogado de sessenta e cinco anos, desembarcado no mesmoaeroporto, por sua vez, assinaria um contrato de sociedade de mútuos interessesentre seus integrantes. A inversão de posições se dá em virtude de seusrecepcionistas, no aeroporto, não os conhecerem pessoalmente. Identificadosapenas pelo nome, são conduzidos a destinos alheios.

Até então, estamos diante de uma trama bem elaborada em termosde coerência: duas pessoas de nomes e funções idênticas, são conduzidas porestranhos a espaços aos quais não estavam destinadas. Assim odesconhecimento mútuo entre os advogados e os guias levou ao equívocoentre as funções, entretanto, uma vez desfeito o engano, reordenam-se osfatos e fecha-se a primeira instância narrativa. O texto, que poderia acabaraí, entretanto, vai além e nisto está o seu mérito.

Ultrapassando o plano sequencial dos acontecimentos, no nível dospersonagens, temos uma história de perda e reencontro que perpassa a trama

Page 55: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

64

desde seu início. Charlie Biancardi de Castro jovem, marcado por uma dorindefinida que pontua sua existência de perene solidão, busca, na viagemobjetiva, muito mais que uma recompensa econômica ou intelectual, ou seja,libertar-se da dor que o acabrunha. Os signos da dor e da solidão – um beloescritório com vista para a solidão- e a ânsia de felicidade – como seria bompartir para uma nova vida apenas para que aquela dor o libertasse – marcadosnos dois primeiros parágrafos, perpassam os acontecimentos enquanto índicesde uma experiência maior e profunda. Não fosse o ardil do argumento - osdesencontros provocados pelo engano de pessoas – recurso hábil encontradopelo autor para justificar o reencontro entre pai e filho, o desejo indefinido,quase impossível de Charles (filho) não teria se realizado. Podemos dizer,portanto, que, no nível da intriga, o desencontro foi a artimanha construtivapara se alcançar a verossimilhança em relação ao encontro pai-filho.

Sem nunca ter visto o pai, nem saber de seu paradeiro, somente umacaso poderia promover a realização de um desejo difuso, materializado nador inexplicável que aprisionava o jovem advogado.

O encontro e reconhecimento mútuo encerra, comoventemente, ahistória dos Charles Biancardi de Castro, separados (não importam as causas),mas desde sempre unidos pela mesma dor: a saudade.

Page 56: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

65

REDAÇÃO 12

Só podia ser engano

Juliana Borella

Era quinta-feira de manhã.

Ela se levantou sem fazer barulho, deu um beijo nos filhos, ajeitou acoberta do mais novo e foi preparar o café. Enquanto esperava a água ferver,foi dar uma rápida lida no jornal, como sempre fazia. Leu a manchete e sedivertiu com a charge. Folheando mais um pouco as páginas, viu um nomeque lhe saltou aos olhos em um anúncio de casamento. Só podia ser engano,pensou ela. É o sono. E foi ler novamente: não era engano.

Começou a tremer e não paravam de passar por sua cabeça coisascomo: “todos esses anos que vivemos juntos, nossos sonhos em comum, a nossaluta diária para mantermos a família unida, e as promessas? Esperar umaépoca melhor, termos mais dinheiro”... Mas esse dia nunca chegou. Vi meusonho de festa, véu e grinalda ir por água abaixo. E agora, depois de tudo, eleresolve se casar com outra?

Entrou em desespero. Foi até o quarto e acordou o marido aos berros,mas ele nada entendeu. Ela joga sobre ele a página do jornal com o terrívelanúncio. Os filhos se levantam para ver o que estava acontecendo naquelacasa.

O marido lê o anúncio e tranquiliza a todos: não era nada disso que elaestava pensando. Ele não iria se casar com ninguém. Seu nome era muitocomum e a esposa, certamente, se confundira. Era algum outro João Pereiraque iria se casar naquele domingo. Disse ainda que não seria louco de deixarmulher e filhos por qualquer mulher do mundo, até mesmo se fosse uma RenataAlcântara Machado, filha do homem mais importante daquela cidade, quetinha seu nome escrito junto ao dele no anúncio.

A mulher entendeu e tudo se normalizou naquela semana.

Era sábado à noite.

Ele se levantou sem fazer barulho, pegou suas malas escondidasdebaixo da cama e saiu sem olhar para trás.

Page 57: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

66

REDAÇÃO 12 – ESTUDO CRÍTICO

Tomando por base o equívoco motivado pela identidade de nomescomo núcleo gerador da narrativa, conforme indicação da proposta, onarrador, invertendo os sinais, retrabalha a questão da homonímia como umálibi para inocentar, temporariamente, o personagem João Pereira daacusação da esposa de abandono do lar e de adultério. A mentira,interpretada como verdade, é o recurso de que João Pereira se utiliza paraencobrir a ignomínia de uma fuga que relegaria mulher e filhos a condições devida mais precárias do que as que até então viviam.

O narrador em terceira pessoa, embora onisciente, não se manifesta,explicitamente, sobre o caso, não emite nenhum juízo de valor, adotando umapostura de aparente neutralidade. A ele compete, porém, no nível do discurso,a seleção de conteúdos e sua disposição no eixo narrativo.

Nesse sentido, , , , , o desenvolvimento parte da apresentação das ações eda expressão dos sentimentos da personagem esposa após ler no jornal anotícia do casamento do companheiro com outra mulher. E é através dojulgamento dela, crivado de insegurança, despeito, desespero e raiva, aoconstatar a tragédia prestes a se abater sobre ela e os filhos, que podemosdepreender o grau de torpeza e opróbio a ser inflingido à família em razão doabandono do lar.

Usando o discurso indireto livre para traduzir os pensamentos da mulherno momento da descoberta da infâmia prestes a se perpetrar e o presentehistórico para as ações de sua raiva, a narrativa aproxima afetivamente osleitores da personagem desesperada. Instituídos em juízes, apiedados, numprimeiro momento, nos sensibilizamos diante da angústia e da injustiça, comotambém respiramos aliviados quando dissuadidos, pelo argumento hipócritade João Pereira, de que seria apenas um caso comum de homônimos e quetudo não passava de um engano: ele não iria se casar. Tranquilizados, esposae filhos, a vida segue normalmente seu curso.

Entretanto o inesperado, a fuga sorrateira, apanha-nos desprevenidos,convencidos que estávamos da sinceridade da argumentação do marido,que não só desmente a possibilidade da fuga como professa honestidade econsideração pela atuação da esposa ao longo da vida em comum. Chocadosficamos ainda com a desfaçatez da mentira habilmente colocada no parágrafo

Page 58: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

67

final, não dando margem a nenhuma hipótese de retorno, como chocados emiseravelmente abandonados ficariam mulher e filhos se personagens nãofossem.

No domínio do discurso, o percurso narrativo se estabelece a partir deum esquema que opera duas probabilidades: traição e fidelidade, as quaisevoluem a partir das premissas de anunciar, desmentir, realizar. Lida numanúncio de jornal, a traição conjugal é negada pelo marido, convencendo aesposa de sua fidelidade. Desconstruído o conflito, a vida volta ao normal atéa fuga pouco tempo depois, quando então, de forma abrupta e contundente,sem determinação de causa, a infidelidade é confirmada: João Pereira parte,sorrateiro, relegando ao abandono a família miserável e traindo,concomitantemente, a confiança do leitor, que previa um final feliz, mesmoque tal final não contemplasse maior valor ao texto.

É nessa dupla traição, porque envolve não só a esposa, mas também oleitor (aquela, pelo marido e este, pelo narrador) que reside o valor maior dotexto. A mentira travestida de verdade só se revela no momento da partida,absoluta e inapelável, do único João Pereira que havia. Sem outro argumento,o narrador coloca o ponto final na narrativa, e ambos saem de cena, narradore personagem, “sem olhar para trás”.

Page 59: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

68

REDAÇÃO 13

A vida revivida

Louise de Lemos Bremberger

Ainda mergulhada no sono, dou um tapa no despertador, hábito demulher compromissada que não me abandona, mesmo sendo já aposentada.Automaticamente minhas pernas me conduzem ao banheiro e, lá, analiso asmarcas deixadas pelo tempo. Demoro a cobri-las com muita maquiagem, poisgosto de apagar as linhas como se apagasse os anos.

Desço as escadas pensando na casa vazia. Que saudade da correriadas crianças! Preenchiam cada espaço com risos e brincadeiras. Agora tomao café da manhã sozinha, pontualmente, às seis e quarenta, horário em quecostumávamos nos reunir antes que meu bem levasse nossos dois meninos parao colégio. Ainda faço a mesa para quatro lugares.

O telefone toca. Pulo da cadeira. Está tudo errado! Não recebíamostelefonemas durante o café. Arrasto-me até ele e atendo com uma fúria quese transforma em preocupação.

– A senhora é a mãe de Rafael Santos? – pergunta a voz grave e euconfirmo. – Ocorreu um acidente aqui na Avenida Brasil e é com pesar queinformamos: seu filho faleceu.

O soco no estômago pega-me despreparada. Deixo o telefoneescorregar da minha mão como a vida que escorregou das mãos de meupequeno. Cresce na minha garganta um nó e na minha barriga, um monstroque faz meus olhos chorarem. Encolho-me, tentando sumir. Seguro meu ventre.Foi nele que dei a vida. Nenhuma mãe deveria sentir a dor de perder um filho.

As horas passam, mas ali fico. As lágrimas rolam. Não sei de onde tantasvêm. Pergunto-me o tempo todo pelo motivo que o levou antes de mim.

A noite cai e eu me desenrolo. Meus ossos doem. Preciso avisar o caçula.Aperto os números do telefone lentamente para dar a ele mais alguns segundosde felicidade. É muito apegado ao irmão. Em minha cabeça tento formarfrases, mas não sei como dar a notícia.

Page 60: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

69

– Alô!... foi o suficiente para eu começar novamente a soluçar. Balbucieipalavras incertas e logo ouvi gargalhadas. Ele não acreditou! Passou o celularpara outra pessoa, mas eu demorei um pouco para ligar os fatos: era o meuRafael! A felicidade vem como se ele nascesse de novo.

Coitada da mãe do outro Rafael Santos... mas logo esse pensamentosai da minha cabeça e tudo o que me importa é: o meu Rafael está vivo!

Page 61: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

70

REDAÇÃO 13 – ESTUDO CRÍTICO

O discurso literário, diferentemente dos demais discursos, é um discursodelegado, uma vez que o autor, primeiro enunciador, atribui a um narrador,instituído como sujeito do discurso, a tarefa de dizer, dando ou retirando vozaos personagens e controlando a disposição e a intensidade das falas.

No texto A Vida Revivida, o narrador em primeira pessoa, uma mãe,relata um episódio de sua própria vida: a notícia (inverídica) da morte de umfilho e o sentido que esse episódio teve em sua própria vida. Essa temática, porsi só contundente, relatada no presente do Indicativo e em primeira pessoa,propicia uma relação de maior proximidade com o leitor, ao mesmo tempo emque, trazendo a ação para o momento presente, intensifica o impacto que oanúncio da morte provoca. A escolha do presente histórico para relatar umfato passado tem, portanto, a função de intensificar a sensibilidade do leitor,recurso que atende à segunda instância da comunicação: a coenunciação.

Na perspectiva semiótica, o sentido se constrói a partir de umasequência de pares de oposições, que evoluem na produção do sentido,aspecto em que o texto em questão é rico de opções, como: morte/vida;presença/ausência; com afeto/sem afeto; solidão/companhia; passado/presente; tristeza/alegria; perda/recuperação; sofrimento/felicidade; silêncio/ruídos...

A notícia do atropelamento seguido da suposta morte do filho dapersonagem narradora é precedida da reconstrução paulatina de sua solidãode mãe, viúva avançada em anos, que lastima a perda de uma vida quenão voltaria mais – “gosto de apagar as linhas (do rosto) como se apagasse osanos”. Sozinha na casa outrora cheia de vida, a saudade é uma constanteprovocada pelo vazio que a ausência dos filhos e do marido deixou – “aindafaço a mesa para quatro lugares”. Aos signos da solidão e do silêncio quepontuam os dois primeiros parágrafos contrapõe-se, repentinamente, o tilintardo telefone como ruptura de uma situação e introdução do inesperado – “Otelefone toca. Pulo da cadeira. Está tudo errado! Não recebíamos telefonemasdurante o café”. O anúncio lacônico da morte do filho rompe com a estruturade uma vida pautada pela lembrança saudosa de um tempo que não voltaria.Como num ring, a metáfora do soco no estômago se, no momento, derruba apersonagem, ao mesmo tempo põe por terra uma existência repleta de vazios,que a notícia da morte vem completar.

Page 62: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

71

Nos parágrafos subsequentes ao aviso do acidente seguido de morte, adimensão temporal fica em suspenso – “as horas passam, mas eu ali fico“ – e oque se vê é a descrição física e moral do sofrimento da mãe, traduzida nascontorções do corpo que se enverga e da mente que se debate em busca deuma explicação.

Na lenta recuperação, começam a despontar os signos da vida: anoite cai eu me desenrolo; preciso avisar o caçula; tento formar frases para,finalmente, explodirem na gargalhada do outro lado do fio, que ressoa comoum clarim anunciando um novo tempo e a felicidade vem como se ele/ELAnascesse de novo. Não mais a saudade de um tempo que se encerrara, masa perspectiva de felicidade que o presente encerra: “tudo o que me importaé: o meu Rafael está vivo!”

Page 63: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

72

REDAÇÃO 14

Confusão hospitalar

Stephanie Kílaris Gallani

O cheiro do éter e o vai-e-vem dos aventais brancos petrificavam Joãoda Silva. Nunca gostara de médico, hospital, injeção... Momentos antes deadentrar o centro cirúrgico, vislumbrava os acontecimentos mais marcantesde sua vida passando diante de seus olhos num ritmo acelerado, comoacontece nos filmes quando os personagens estão para morrer.

Embora a operação à qual iria se submeter fosse extremamente simples,um procedimento quase que rotineiro nos grandes hospitais, aquela atmosferade gás anestésico e o tilintar das pinças e seringas nas bandejas das enfermeirasnão permitiam que João afastasse seu pensamento, sequer por um instante,da possibilidade de aquela ser a última vez em que sentia o estômago revirartentando digerir o medo. Quem sabe quantas catástrofes poderiam acometê-lo quando estivesse indefeso sob o campo cirúrgico?

Suas elucubrações foram interrompidas quando o batente da porta doquarto emoldurou as figuras do anestesista e da enfermeira. Haviam vindopara acompanhá-lo até a sala de operações. A partir daquele momento, sóse concentrou em firmar os passos das pernas trêmulas e rezar um pai-nosso.

Qual não foi sua surpresa ao cruzar com um sujeito muito parecido comele, inclusive pelo trajar da ridícula camisola aberta nas costas, contudoantiteticamente tranquilo e sorridente. Embasbacado com a serenidade dosujeito, João indagou se ele era santo para destemer tanto assim o purgatório.O indivíduo achou graça e respondeu bem-humorado que confiava no doutoraté sob efeito de anestesia. Desejaram-se boa sorte e se dirigiram a salascirúrgicas vizinhas.

Algumas horas depois, encontraram-se na sala de recuperaçãoanestésica. Nosso João foi despertado pela garganta dolorida. Achou estranhosentir dor na garganta e não no abdome tendo sido operado de apendicite.Ainda sonolento, foi tomado pelo pânico quando ouviu o sujeito da cama aolado gemer com a mão na barriga.

Page 64: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

73

O aproximar das enfermeiras e a verificação dos prontuários confirmaramo susto: um havia sido submetido à operação prevista para o outro. Asenfermeiras não sabiam o que fazer. Foram atrás dos cirurgiões e deixaram osdois sozinhos a discutir. Esses acabaram descobrindo que tinham o mesmonome e isso teria provocado a confusão.

Ora, encontrar um outro alguém chamado João da Silva, no Brasil, nãoera nenhum espanto. Porém nosso João, que havia antecipado todo tipo dehemorragia e choque anafilático, não se conformava em ter perdido asamígdalas ao invés do apêndice por causa do encontro, para ele tão rotineiro,com um homônimo. E se tivessem lhe arrancado um rim por engano, meuDeus!?

Dentre os leitos ao redor propagou-se uma frenética agitação: todosapalpando as cicatrizes e checando os prontuários, temendo a disseminaçãoda tragédia daqueles dois desafortunados. Mas, visto que, fora aquela dupla,estava tudo bem, a sala pôde explodir em gargalhadas, após o cômico, senão fosse trágico, diálogo seguinte:

– Desgraçado, você não disse que seu médico era de confiança?

– Mantenha a calma, colega! Quem sabe, no purgatório, nas nãodamos mais sorte e nos confundem com algum santo João?

Page 65: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

74

REDAÇÃO 14 – ESTUDO CRÍTICO

“Confusão hospitalar”, embora não apresente uma estrutura narrativacomplexa, destaca-se pelo tom jocoso com que trata um assunto sério: umengano médico.

O narrador onisciente manipula o enredo centrando o interesse doleitor não no fato em si que organiza a narrativa, o erro, mas na atuaçãoantitética dos personagens diante da causa que os levou a um hospital (aoperação) e das consequências (a perda de órgão sãos) que os envolvem, ouseja, estabelece um jogo de oposições entre o medo e a tranquilidade, e entreo inconformismo e a complacência.

Em síntese, podemos dizer que a intriga não carece de maioresconsiderações: num hospital, dois homens de nomes idênticos são confundidosno momento das cirurgias e, por causa disso, extirpados de órgãos sãos.Entretanto é no comportamento dos personagens diante da situação em quese encontram que se constrói o conflito e, consequentemente, a comicidade.

Partindo da ansiedade de João da Silva, que se a angustia diante daiminência de um procedimento cirúrgico de baixíssima periculosidade, o autoro redesenha num quadro de aflições e temores tão exagerados que beiram acomédia. O descompasso entre a simplicidade da operação a ser realizada ea sensação de iminência da morte transformam o percurso desse pacienteaté a sala cirúrgica numa verdadeira caminhada para a morte. O medoexagerado que contorna a cena abre a perspectiva tragicômica naelaboração do enredo.

Assim a partir da descrição do ambiente hospitalar, em que se destacamodor (gás anestésico) e ruídos (tilintar de pinças e seringas) ameaçadores, e domedo que se manifesta fisicamente nas contorções do estômago, o autor vaiconstruindo a sensação do terror que acomete João da Silva diante de umasuposta proximidade da morte. Nesse contexto, as imagens fixas e inexpressivasdo anestesista e da enfermeira, emoldurados repentinamente no vão da porta,completam o quadro como carrascos prontos para o golpe final. Impotentediante do inevitável, João caminha, contrito e a passos trôpegos, em direçãoà sala – cadafalso de operações.

Contrapondo-se a João da Silva, seu homônimo, quase sósia, como eletambém ridículo na camisola constrangedora (totalmente aberta atrás),

Page 66: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

75

antiteticamente, caminha tranquilo e sorridente em direção à sala deoperação, confiante na capacidade de seu médico, mesmo porque aoperação a que seria submetido, embora distinta, era também tão simplesquanto a outra. O sossego do companheiro de infortúnio surpreende oatormentado João.

A contraposição na caracterização dos personagens, ainda queengraçada, por si só não sustentaria a dramaticidade da situação. A verdadeiratragédia, ambos serem extirpados de órgãos sãos, só ocorre em razão do enganoprovocado pela homonímia. Entretanto o baixo grau de gravidade das perdasminimiza a ocorrência, favorecendo a expansão da comicidade, que seestende por toda a enfermaria, cujos pacientes operados, assustados,promovem um verdadeiro espetáculo de autoapalpação para se certificaremde que haviam sido corretamente operados.

Fechando coerentemente a narrativa, João da Silva, nervoso einconformado, descarrega sobre o xará a culpa, descabida, pelo ocorrido,agredindo-o verbalmente, o que provoca uma reação hilariante entre os outrospacientes. Aquele, por sua vez, sem perder a tranquilidade, apesar de tudo,interpreta o ocorrido como uma simples falta de sorte e faz uma brincadeira,desqualificando o peso da tragédia.

E, como ele, apesar do triste desfecho, arrematamos a leitura com umsorriso.

Page 67: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

76

REDAÇÃO 15

Conto de fadas às avessas

Carolina Di Pietro Magri

Lindo, loiro, alto e com um belo par de olhos azuis, gostava de literaturainglesa e de música clássica. Eu, finalmente havia encontrado meu príncipe.Aquela agência de encontros não é de todo má, pensei. Em pouco tempo memandou diversos perfis de solteiros interessados por mim. Alguns encontros aofinal de semana... frustrantes, mas encontros. Desta vez daria certo. Com certezaera meu príncipe. Afinal, lindo, inteligente e solteiro? Tinha de me encontrar. Écomo minha mãe dizia: ‘o que é seu, minha filha, está guardado’.

Lá estava eu. Maquiada, unhas feitas, mãos geladas, coraçãodisparado e com uma flor lilás nos cabelos, à espera do meu príncipe, do ‘meu’Carlos Silva. No restaurante de sempre, escolhido pela agência, com a flor liláspara identificação, também escolhida pela agência, lá estava eu...

Em choque, decepcionada com o que via (senta-se à mesa CarlosSilva – gordo, de meia idade, quase careca – mas... Carlos Silva, o ‘não-meu’Carlos Silva), senti meu rosto quente como se ficasse corada. Não por timidez,mas por ódio da agência que me enviara o perfil de um príncipe que, naverdade, não passava de um sapo.

Ele se apresenta sorrindo e nota meu desconforto.

– O que foi? Esperava um garoto alto e cabeludo? – disse.

Sorri e virei os olhos em direção à moça do bar. Logo pedi um wisky.Duplo. E sem gelo.

Não sei se foi por conformismo de mais um encontro frustrado ou se foipela bebida. O fato é que a vontade de matar a dona da agência ou saircorrendo daquele restaurante estava passando. Já que eu estava ali,arrumada e maquiada, resolvi dar crédito ao gordinho. ‘Ele pode ser um caralegal. Deve dar um bom amigo’ – concluí cheia da incerteza de uma pessoa jácansada de solidões e decepções.

Page 68: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

77

E não é que o cara tinha papo? Tão bem humorado!... Me fazia rir e riatão gostoso!... Ria com os olhos... com o corpo todo. Reparei que até a mocinhado bar se divertia com as muitas histórias engraçadas que um homem comoele, de têmporas grisalhas, tinha vivido.

Enquanto conversávamos sobre os encontros e desencontros da vida,eis que alguém puxa uma cadeira e se senta.

– É ele, meu Deus, meu príncipe! – digo em voz baixa, com a surpresa dequem vê uma entidade quase divina.

A moça do bar, desconcertada, como se estivesse mais surpresa do queeu, entrega a carta de bebidas a Carlos Silva, ao ‘meu’ Carlos Silva.

– Como é? Atraso meia-hora e sua fila anda ou você é dessas quegostam de aventura a três? Já vou lhe dizendo que tenho algumas regrasnesse caso – diz o príncipe de maneira bonachona.

– Ora essa! Certamente que não! Deve ter havido algum engano. Recebiseu perfil pela agência – respondo.

– Bom, então eu estou sobrando. Se enganaram ao me enviar o perfilde uma moça interessada em mim. Fiquem à vontade. Eu termino meu drinkem outra mesa. Não é a primeira vez que isso me acontece. Mais comum queCarlos Silva, só sendo José ou Antônio – diz o sapo, que agora me encantavamuito mais do que o príncipe grosseirão que me olhava como um gato astutoolha para um rato carnudo.

Pedi a ele que ficasse. A moça do bar me olhava como se apoiassemeu pedido.

– Vou tirar água do joelho enquanto vocês aí se resolvem – diz o supostopríncipe de modo rude.

Ele se dirige ao banheiro. Levanto-me e puxo o sapo, o ‘meu’ sapo.

– Vem comigo? – pergunto a ele, que sorri e me dá a mão.

No restaurante restaram a moça do bar satisfeita e o príncipedesagradável, que pagou a conta , com seus belos olhos azuis.

Page 69: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

78

REDAÇÃO 15 – ESTUDO CRÍTICO

Quando, ao analisarmos um texto narrativo, falamos em organizaçãode sequências, não estamos nos referindo apenas à disposição dos fatos naordem do tempo, mas também da seleção, da economia (detalhamento,ênfase, mera referência etc) e da linguagem com que todos esses elementos seorganizam na superfície textual. A criatividade no nível da palavra é aresponsável pela dimensão artística. Inventar um bom argumento não ésuficiente para garantir a qualidade de uma história. É preciso, além de umbom argumento, construí-la com palavras.

Em Conto de Fadas às Avessas, já a partir do título, entramos no âmbitoda intertextualidade, ou seja, na relação que se estabelece de interferênciade um ou mais textos sobre outro.

Como todos sabem, as fadas, seres fantásticos, pertencem ao universodos desejos humanos como provedoras de sonhos e realizadoras de fantasias.Têm o dom de transformar a realidade, com uma simples varinha, mudando orumo de nosso destino.

Consultora assídua de sites de encontros, a narradora, frustrada naesperança de encontrar um par, procura ansiosamente por um companheiroque preencha sua fantasia de amor nos moldes dos contos de fadas. A metáforado “príncipe” lindo, loiro, alto e de olhos azuis, inteligente e solteiro, refinado,que lhe estaria predestinado – o que é seu está guardado – como nos contosantigos, é índice suficiente para a suposição de que a busca do companheiroera pautada por uma fantasia, para a qual a personagem se preparara paraser reconhecida como uma ‘donzela’ nos moldes dos contos maravilhosos, àespera daquele que, certamente, daquela vez, viria. Não num lindo cavalobranco, claro, mas, guardadas as devidas proporções, elegante e charmosoeducado e rico. Assim lá estava ela, maquiada, unhas feitas, mãos a, geladase coração disparado e com uma flor lilás nos cabelos, à espera do seu príncipe,conforme fora anunciado pela agência de encontros.

A partir da expectativa ansiosa, compreende-se o choque que a figuraantitética, antiestética do gordo, de meia idade e quase careca provoca na,agora, desiludida ‘donzela’. A imagem do sapo, num primeiro momento conotaapenas a feiura e a deselegância do personagem.

Cumprida a primeira parte da construção da “história de amormedieval”, o sentido se inverte. À medida que se estabelece o diálogo e o

Page 70: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

79

personagem vai se reconstruindo, pouco a pouco, como tolerável, simpático,amigável e alegre, o desencanto começa a se abrandar e Carlos Silva I setransforma no príncipe, encantado por um feitiço qualquer na pele de umsapo, e ressurge, aos olhos da moça, como uma pessoa interessante, agradável,bem humorada e tão cativante que, quando confrontado, finalmente, com obelo, arrogante, presunçoso e desagradável Carlos Silva II, conquistadefinitivamente o coração da jovem, cumprindo assim um princípio tambémválido dos contos de fadas nos quais sapos, ursos e outros bichos são passíveisde se transformar em príncipes quando compreendidos numa dimensão outraque não a da forma externa.

O texto, bem construído do ponto de vista estrutural caminha daexpectativa ansiosa, para o choque e deste, para o desencanto que poucoa pouco se transforma no reconhecimento da felicidade.

Substituindo por completo o decepcionante Carlos da Silva II e virandono avesso a expectativa da personagem, metaforicamente, o sapo setransforma em príncipe, cumprindo seu destino fantástico e, dadas as outraspremissas implícitas nos contos maravilhosos, podemos arrematar dizendo que“eles se casaram e foram felizes para sempre”.

Page 71: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011

80

BIBLIOGRAFIA PARA ESTUDO

CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. A força das palavras: dizer e argumentar. São Paulo:Contexto, 2010.

CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. Professor, leitura e escrita. São Paulo:Contexto, 2010.

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. Coord.Tradução: Angela M.S. Corrêa e Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto,2008.

FIORIN, José Luiz e SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação.5. ed. São Paulo: Ática, 2006.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, F. Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 17.ed. São Paulo: Ática, 2007. Série Ática Universidade.

GHILARDI, Maria Inês, PEREIRA; Maria Marcelita e THEREZO, Graciema Pires.Redação para o vestibular. 3. ed. revisada e atualizada, Campinas, SP: Alínea,2006.

GOLDSTEIN, Norma; LOUZADA, M. Silvia; IVAMOTO, Regina. O texto sem mistério:leitura e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009.

KÖCHE, Vanilda; BOFF, Odete; MARINELLO, Adiane. Leitura e produção textual:gêneros textuais do argumentar e expor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

LEURQUIN, Eulália; BEZERRA, José de Ribamar M; SOARES, M. Elias. Gênero, ensinoe formação de professores. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. SãoPaulo: Parábola, 2008.

MENDES, Emília. Prefácio. MENDES, Emília; MACHADO, Ida Lúcia (orgs.). Asemoções no discurso. v. II, Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola.Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP:Mercado de Letras, 2004.

THEREZO, Graciema Pires. Como corrigir redação. Campinas, SP: Alínea, 5.ed.,2006.

THEREZO, Graciema Pires. Redação e leitura para universitários. 2.ed. Campinas,SP: Alínea, 2008.

Page 72: Caderno de Redacoes - PUC-Campinas 2011