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ISSN 1806-7328 CADERNOS DA ESTEF Revista Semestral N° 44 2010/1 EM BUSCA DA FONTE ESTEF Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana Porto Alegre (RS) Brasil

CADERNOS DA ESTEF · do na dependência dos tempos moder-nos. A ciência pura sobrevive dentro da organização social contemporânea, sen-do que quem quiser fazer ciência, deve

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ISSN 1806-7328

CADERNOS DA ESTEFRevista Semestral

N° 44 � 2010/1

EM BUSCA DA FONTE

ESTEF

Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana

Porto Alegre (RS) � Brasil

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SUMÁRIO Em busca da fonte! ...............................................................................3 No princípio era a comunicação Valores franciscanos fundamentais

Os religiosos leigos na Igreja: uma aproximação teológica

Um Deus frágil e desnudo

A práxis do sensus Þ delium (I)

Deus ou Mamon: quando o dinheiro se torna divino

Ética ambiental: uma introdução à ecologia profunda Teologia e hermenêutica: aproximações críticas

.......................................................95 O silêncio dialético de Maria

Crônicas Homilia de Corpus Christi - D. Ângelo Salvador ..........................120 Recensões P. Maranesi. Facere misericordiam: la conversione di Francesco di Assisi (A. Crocoli) ......................................................125

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INTRODUÇÃO

Já não é novidade, sobretudo para quem transita nos corredores acadêmi-cos, estar em voga a discussão sobre o papel da teoria da ciência. Pois tal ques-tão abala os fundamentos da concepção que se tem do conhecimento e método cientíÞ co, e porque falar do papel da te-oria da ciência implica discutir os pro-blemas relacionados com o objeto e mé-todo cientíÞ co (MELLO, 1991). Vive-se atualmente sob o jugo do que o sociólo-go francês Émile Durkheim denominou �solidariedade orgânica�, se conÞ guran-do na dependência dos tempos moder-nos. A ciência pura sobrevive dentro da organização social contemporânea, sen-do que quem quiser fazer ciência, deve

assumir a posição de professor, pesqui-sador ou coisa semelhante.

Partindo das instâncias ético-cientí-Þ cas que permeiam os campos do saber, em especial a ciência teológica, ques-tionamos: seria possível discutirmos o papel de uma ciência, sendo Deus o seu objeto principal? Assim, o papel da ci-ência moderna secreta uma determinada visão de mundo, que confere à teologia se armar para tanto de um rigoroso pre-paro Þ losóÞ co-crítico para poder dia-logar com esses âmbitos. O Concílio vaticano II (1962-65) possibilitou uma virada interpretativa no estudo da Ciên-cia de Deus, seguindo para os círculos hermenêuticos que deram um sentido li-

TEOLOGIA E HERMENÊUTICAAproximações críticas

Mestre em Teologia Sistemática/PUCRS_________________ _________________

Resumo: O texto apresenta algumas considerações acerca da teologia e seu papel no que concerne ao considerá-la como saber cientíÞ co. Pois a questão não é somente constatá-la como ciência positiva, mas como ciência pressuposta pela fé. Trata-se de perceber que as in-terpretações hermenêuticas da Palavra de Deus ganharam força, sobretudo, após o Concílio Vaticano II. Logo, constatamos também o surgimento de outras possibilidades interpreta-tivas e libertadoras que emergiram conÞ gurando-se em novas reß exões paradigmáticas no âmbito da teologia.

Palavras-chave: Teologia, Vaticano II, hermenêutica, paradigmas.

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bertador à Palavra de Deus. Em seguida, ocorreram mudanças paradigmáticas na teologia, partindo para um diálogo com as ciências e para um repensar com olhar crítico a relação Deus-homem-mundo (OLIVEIRA, 1998).

Desse modo, este artigo busca com-preender os aspectos interpretativos da teologia, representada no saber siste-matizado da Revelação. Abordaremos alguns tópicos que perpassam da racio-nalidade desta ciência em diálogo crítico com paradigmas que norteiam a busca de novos horizontes reß exivos.

1. TEOLOGIA, CIÊNCIA E EPIS-TEMOLOGIA

A experiência cientíÞ ca é envolta pela suspeita hermenêutica e ideológica em que todo dado é interpretado. Existe uma unicidade e neutralidade no con-trole comportamental do mundo, onde a diversidade de teorias são carregadas de valor. Sendo assim, que ao conver-ter a teoria, se reß ete a interpretação do sujeito, submetendo-se ao estado episte-mológico. Os interesses epistemológicos aparecem mais claros no sentido de in-crementar os paradigmas, cabendo à teo-logia também utilizar-se para seu objeti-vo principal (Deus) e conseqüentemente dialogar com as outras ciências.

A opção por uma prática interdisci-plinar ao invés de outra, se funda em de-Þ nições estabelecidas da teologia e nas suas variadas concepções reservadas ao seu papel. �A reß exão sobre as diversas práticas interdisciplinares em teologia,

envolve a questão de possibilidades da teologia dentro dos paradigmas cientí-Þ cos� (FORTIN-MELKEVIK, 1992, p. 129). O interesse após o Concílio Vatica-no II, como já referimos acima, pela ex-periência, pela prática, pelo pluralismo e mais tarde pela linguagem, ampliou o campo dos objetos disponíveis à análise teológica.

Assim, diversas teologias se uniram, aÞ m de se instrumentalizar para desvelar novas realidades, e mostraram condições de possibilidade de um novo discurso teológico. Igualmente pela linguagem, diversas aproximações e variações pela radicalização epistemológica de novos conceitos que norteiam e permitem de-Þ nir as condições em termos de enun-ciados, enquanto linguagem. A interdis-ciplinaridade na teologia e sua possível abertura à racionalidade do mundo terá permitido tomar consciência dos seus pressupostos.

2. DA HERMENÊUTICA POLÍ-TICA DE MOLTMANN AO CONCÍLIO VATICANO II

O teólogo protestante Jurgen Molt-mann, escrevendo sua obra �Teologia da Esperança�, propôs uma hermenêutica política da esperança. Suas categorias Þ -losóÞ cas que inspiraram sua teologia são as do Þ lósofo marxista Ernest Bloch. Para Bloch, o homem está alienado, mas não por motivos econômicos como pensava Karl Marx. Segundo Bloch, o homem é ontologicamente alienado, porque, como o Universo de que faz parte, é essencial-

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mente incompleto e tende para a realiza-ção futura. A Þ losoÞ a de Bloch, torna-se, na reß exão moltmaniana, um instrumen-to hermenêutico apto a oferecer uma in-terpretação cristã da Revelação em pauta de uma esperança orientada para o futuro da história, cuja construção está entregue em nossas mãos (MANUCCI, 1986).

Assim, sobre esta visão da história como itinerário da esperança, Moltmann enxerta a seu discurso hermenêutico. Ao positivismo histórico e à interpretação existencial, o autor opõe o conceito de história como recordação e como pro-messa. A história como ciência, separa os fatos da existência e do mundo da ex-periência dos homens que o recordam. Neste sentido, é o passado que indica, além de si mesmo, um futuro ainda não alcançado pelo presente: um passado que é promessa-esperança.

Após o Concílio Vaticano II (1962-65), os círculos hermenêuticos católi-cos tomaram contornos diferentes, pois a mensagem histórico-salvíÞ ca ganhou para os crentes um compromisso liberta-dor. O futuro não devia ser apenas espe-rado, mas construído. E a hermenêutica da história encarrega-se de fazer com que os fatos do passado falem à história de hoje, aberta a futuros renovados que devem ser provocados não somente por anúncios, mas pela ortopráxis.

A �Teologia da Esperança�, no cam-po protestante, e a �Teologia da Liberta-ção�, no católico, provocaram uma vira-da de interpretações hermenêuticas que inspiraram questionamentos urgentes na história e que preparam para o futuro. A Tradição do Povo Eleito e seu diálogo

com o Deus na história manifestam um sentido de fé e de relação material, social e política. Sendo assim, a palavra profé-tica trazida por Jesus é protestante e crí-tica, pois na sociedade negligenciava-se a promessa de esperança de um amanhã melhor. A pregação de Jesus anunciava o éschaton (Mc 1,15), e este se realizava no seu agir.

AÞ rmar a transcendência como fun-damento e realização última do homem signiÞ ca lançar as bases para a guarda do homem, da humanidade e de toda a Criação. Pois a esperança cristã critica as esperanças humanas, mas também as supera; perdura até a possibilidade do fracasso no plano humano, mas não decai nem mesmo na morte. Dá-se uma vitória na derrota, da qual somente a fé se dá conta olhando para a cruz de Cristo (MANUCCI, 1986).

3. OS PARADIGMAS TEOLÓGI-COS

Dentre os horizontes abordados nes-te ensaio, proponho alguns referenciais teológicos, fundamentalmente, a partir de três teologias: a Teologia da Criação, a Teologia Profética e a Sabedoria he-braica, como expressa nas parábolas de Jesus (OLIVEIRA, 1996).

Quanto à Teologia da Criação, logo em gênesis 1-11 se articulam mito e his-tória num contexto de dominação econô-mica e cultural, que é o exílio babilônico (586 � 539 a.c). Deus inspira uma narra-tiva de esperança e coloca o ser humano

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como seu interlocutor, pois é instaurado uma antecipação do Sábado Eterno. En-contramos um Deus nada obsoleto, que renuncia a ocupar todo o espaço e estar em todo lugar, e refaz, na busca do pas-sado, o sentido do mundo.

Na Teologia Profética, o discurso humano é fundamental, sendo que a �al-teridade� divina se insere no processo humano. Pois os profetas irrompem re-cusando o presente, mas apontando um futuro novo, porque a �Palavra do Alto� afeta a história humana denunciando as injustiças de seus desígnios.

A palavra da Sabedoria procura o que é constante na história, orienta uma regra nos processos humanos, segundo a qual temer a Deus é colocar-se contra a arrogância humana, pois a razão humana desconhece uma sabedoria que se opõe a suas verdades. A característica da Sabe-doria de Israel é colocar o ser humano em relação com o mundo e estabelecer uma legítima autonomia dos homens em re-lação aos que se afastam dos propósitos de Deus. Já nas parábolas de Jesus, que são metáforas, predomina uma provoca-ção ao ouvinte, propondo um signiÞ cado aberto e duas questões: deixarei que isto aconteça? Permitirei que o meu mundo se desfaça por pessoas como esta? As parábolas indicam que, à medida que o Reino se aproxima, ele subverte, mina e abala os mundos que construímos. As parábolas questionam os mundos que as pessoas constroem para si mesmas. Es-ses mundos bloqueiam a realização au-têntica e alimentam o problema do mal (LOEWE, 2000).

Consequentemente, como nas ou-

tras ciências, os paradigmas teológicos nos elucidam hermeneuticamente, em relação ao passado, trazendo importantes reß exões à luz da Revelação e, prospec-tivamente, colaboram para a plena reali-zação de uma nova humanidade!

CONCLUSÃO

Após termos reß etido neste texto sobre os desdobramentos da ciência teo-lógica e suas perspectivas epistemológi-cas e hermenêuticas advindas da reß exão católica e protestante, podemos aludir a algumas questões. No século XXI, a fun-ção da teologia permanece a mesma, po-rém, à luz das ciências contemporâneas, o diálogo com o mundo interdisciplinar torna-se uma realidade mais próxima e concerne à teologia.

Da mesma forma, percebemos uma pluralidade de campos cientíÞ cos, dos quais o saber teológico pode se valer para incrementar suas perspectivas inter-disciplinares, sem perder o sujeito pró-prio (Deus), e para alcançar um novo pa-tamar de diálogo com a cultura moderna.

Nas Universidades, o saber teoló-gico é avaliado por sua prática efetiva de diálogo com as outras ciências, pois deixa de ser um discurso a mais em re-lação à prática da fé, para se tornar parte construtora da identidade cristã, em que o campo hermenêutico, enunciado pela fé, parte em busca de novos sentidos existenciais e também paradigmáticos (FORTIN-MELKEVIK, 1994).

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REFERÊNCIAS

FORTIN-MELKEVIK, Anne. Métodos em Teologia: pensamento interdisci-plinar em Teologia. Concilium, n.256, 1994.GEFFRÉ, C. Como fazer teologia hoje: hermenêutica teológica. São Paulo: Pau-linas, 1989. LATOURELLE, R. Teologia da Revela-ção. São Paulo: Paulinas, 1981. LIBÂNIO, J. B; MURAD, A. Introdução à Teologia. São Paulo: Loyola, 1996. LOEWE, W. Introdução à Cristologia. São Paulo: Paulus, 2000. MANUCCI, V. Bíblia: Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 1986.MELLO, L. Antropologia cultural. Pe-trópolis: Vozes, 1991.OLIVEIRA, F. Teologia, ciência, inter-disciplinaridade e paradigmas. Pelotas, mimeo, 1996. ______. Bíblia, mito, ciência e literatu-ra: abordagem interdisciplinar da Histó-ria da Criação em Gênesis 1-11. Pelotas: Educat, 1998. ZANOTELLI, J. Ontologia do diálogo. Pelotas: Educat, 1996.