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314 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 285-319, jul/set, 1994 Castiel, L. D. insulin levels encourage packing the calories away as fatty reserves. A countervailing reduction of appetite is not elicited until much damage is done. Groups subject to this propensity could be defined without individual tests and educational programs and intensified surveillance instituted. Ethical concerns apply as much here as to individual risk and such knowledge will have to be managed with the greatest care. Long ago it was noted that North American Indians become inebriated more easily than Caucasians because, we now know, they metabolize ethanol more slowly. The solution was to ban the sale of alcoholic beverages to any Indian. The effect was that alcohol became a forbidden pleasure to be indulged in without restraint whenever the occasion presented. Discrimination in this case caused the law to backfire and drunkenness may actually have increased. Yes, let us as public health workers exploit the opportunities presented by molecular biology. Let’s use them to identify pathogens and to determine machanisms behind genetically determined risks, so we can better determine what should be avoided. But let us never forget that our special charge is to the public. We must leave to others the elaborate methodologies that serve only the individual. O AUTOR RESPONDE / THE AUTHOR REPLY Agradeço à Comissão Editorial dos Cadernos de Saúde Pública pelo fato de considerar apropriado o texto em foco para tomar parte da incitante (e, também, porque não, excitante) seção “Debate” deste já consagrado periódico do campo da Saúde Coletiva. Aproveito para agradecer, também, a todos participantes, cuja competência em suas áreas de atuação é reco- nhecida, pela disponibilidade em produzirem estimulantes comentários ao artigo. Aliás, em geral, bastante pertinentes e capazes de ensejar oportunas discussões. Espero que as réplicas se aproximem de tal proposição, apesar das restri- ções de espaço (estipulado pela Editoria dos Cadernos ) e de fôlego (estabelecido pelas limitações do autor). 1. Cláudio J. Struchiner e Michael E. Reiche- nheim (S/R) (pelo aspecto prático, empregarei o mesmo tipo de notação proposta por estes autores) apresentam meticulosa e provocativa intervenção de caráter, digamos, “glauberiano” (já no seu cabeçalho). A propósito, um possível título para a resposta seria: De sábios e epide- miologistas, elefantes e dragões. Isto porque S/R fazem sugestivo uso do título de obra do nosso Cinema Novo, passível de associação (não no sentido estatístico) com conhecida parábola de inestimável valor epistemológico. Neste caso, tomei a liberdade de fazer algumas adaptações. Trata-se da história dos três sábios orientais, privados da capacidade visual, aos quais foi oferecida a oportunidade de descrever um elefante, mediante apalpação de certas partes do corpo (do animal). Tal procedimento deveria permitir a cada um, respectivamente, definir o proboscídeo através do manuseio da cauda, da tromba e da pata. Os resultados são conhecidos. O que pretendo ressaltar é o fato de, mesmo com erros, haver, no caso, o conhecimento a priori do que era “realmente” o elefante — um indiscutível padrão-ouro. Agora, imaginemos, invertendo o sentido da operação, que a questão fosse definir “dragão”. Pois, assim fazendo, epidemiologistas poderiam reconhecê-los — de forma sensível e específica, em repetidas ocasiões e até, quem sabe, concordariam entre si... Deste modo, poderiam estudálos para, então, estabelecer relações entre exposições a eles e seus supostos efeitos maléficos. Por sinal, há autores que consideram tanto a existência de tais criaturas com, sobretudo, sua relevância epidemiológica em relação à malária (Horden, 1992). Todavia, não acredito ser possível haver concordância quanto à especificação válida e confiável das correspondentes características, propriedades ou atributos morfológicos, anatômicos, fisiológicos ou, mesmo, pirotécnicos. Creio até que cada um (de nós) descreveria dragões a partir de respectivas quimeras... Aqui, enfatizo não apenas a diversi- dade de pontos de vista possíveis sobre determi-

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314 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 285-319, jul/set, 1994

Castiel, L. D.

insulin levels encourage packing the caloriesaway as fatty reserves. A countervailingreduction of appetite is not elicited untilmuch damage is done. Groups subject to thispropensity could be defined withoutindividual tests and educational programsand intensified surveillance instituted.

Ethical concerns apply as much here as toindividual risk and such knowledge will haveto be managed with the greatest care. Longago it was noted that North AmericanIndians become inebriated more easily thanCaucasians because, we now know, theymetabolize ethanol more slowly. Thesolution was to ban the sale of alcoholic

beverages to any Indian. The effect was thatalcohol became a forbidden pleasure to beindulged in without restraint whenever theoccasion presented. Discrimination in thiscase caused the law to backfire anddrunkenness may actually have increased.

Yes, let us as public health workers exploitthe opportunities presented by molecularbiology. Let’s use them to identify pathogensand to determine machanisms behindgenetically determined risks, so we can betterdetermine what should be avoided. But let usnever forget that our special charge is to thepublic. We must leave to others the elaboratemethodologies that serve only the individual.

O AUTOR RESPONDE / THE AUTHOR REPLY

Agradeço à Comissão Editorial dos Cadernosde Saúde Pública pelo fato de considerarapropriado o texto em foco para tomar parte daincitante (e, também, porque não, excitante)seção “Debate” deste já consagrado periódicodo campo da Saúde Coletiva. Aproveito paraagradecer, também, a todos participantes, cujacompetência em suas áreas de atuação é reco-nhecida, pela disponibilidade em produziremestimulantes comentários ao artigo. Aliás, emgeral, bastante pertinentes e capazes de ensejaroportunas discussões. Espero que as réplicas seaproximem de tal proposição, apesar das restri-ções de espaço (estipulado pela Editoria dosCadernos) e de fôlego (estabelecido pelaslimitações do autor).

1. Cláudio J. Struchiner e Michael E. Reiche-nheim (S/R) (pelo aspecto prático, empregarei omesmo tipo de notação proposta por estesautores) apresentam meticulosa e provocativaintervenção de caráter, digamos, “glauberiano”(já no seu cabeçalho). A propósito, um possíveltítulo para a resposta seria: De sábios e epide-

miologistas, elefantes e dragões. Isto porqueS/R fazem sugestivo uso do título de obra donosso Cinema Novo, passível de associação (nãono sentido estatístico) com conhecida parábolade inestimável valor epistemológico. Neste caso,tomei a liberdade de fazer algumas adaptações.Trata-se da história dos três sábios orientais,

privados da capacidade visual, aos quais foioferecida a oportunidade de descrever umelefante, mediante apalpação de certas partes docorpo (do animal). Tal procedimento deveriapermitir a cada um, respectivamente, definir oproboscídeo através do manuseio da cauda, datromba e da pata. Os resultados são conhecidos.O que pretendo ressaltar é o fato de, mesmo comerros, haver, no caso, o conhecimento a priorido que era “realmente” o elefante — umindiscutível padrão-ouro. Agora, imaginemos,invertendo o sentido da operação, que a questãofosse definir “dragão”. Pois, assim fazendo,epidemiologistas poderiam reconhecê-los — deforma sensível e específica, em repetidasocasiões e até, quem sabe, concordariam entresi... Deste modo, poderiam estudálos para, então,estabelecer relações entre exposições a eles e seussupostos efeitos maléficos. Por sinal, há autoresque consideram tanto a existência de taiscriaturas com, sobretudo, sua relevânciaepidemiológica em relação à malária (Horden,1992). Todavia, não acredito ser possível haverconcordância quanto à especificação válida econfiável das correspondentes características,propriedades ou atributos morfológicos,anatômicos, fisiológicos ou, mesmo,pirotécnicos. Creio até que cada um (de nós)descreveria dragões a partir de respectivasquimeras... Aqui, enfatizo não apenas a diversi-dade de pontos de vista possíveis sobre determi-

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Saúde Pública Molecular

nados objetos a conhecer, mas, circunstâncias(não infreqüentes) onde há ausência de critériospara escolher entre posições distintas. Em suma,quero salientar os seguintes problemas: 1) quem

conhece?; 2) o quê?; 3) como? Isto é, umobservador estabelece um determinado recortedo dito “real” e propõe/constrói objetos, usandoconceitos/instrumentos de análise pertencentesa determinados domínios semânticos. Nestesentido, a necessidade de precisão do dispositivoepidemiológico em definir “precisão” se justificapara viabilizar sua operação, (bem como “risco”,“probabilidade”, “validade”, “confiabilidade”etc.). Mas, infelizmente, nem sempre as palavrasse aquietam nos conceitos em que são colocadas.Inclusive, conceitos epidemiológicos como“validade”, “precisão”, “exatidão” podem nãoser exatamente bem-definidos entre os própriosepidemiologistas (Porto, 1994)... Isto, comcerteza, ocorre em idéias complexas econtroversas, pertencentes a preocupações dedistintos campos de saber, tais como“causalidade” ou “percepção”, detendo-nosapenas em categorias enunciadas por S/R (e daía “operacionalizá-las”, decorre um longo etortuoso caminho...). Pois bem, estes pesqui-sadores referem-se ao uso que epidemiologistasmodernos podem fazer, por exemplo, do con-ceito de “risco” mediante enfoques probabilísti-cos “freqüentistas” ou “bayesianos”. Ou seja,mais “compatíveis”, conforme a situação, paralidar com objetos de acordo com a delimitaçãode “objetividade” ou “subjetividade” respectiva-mente envolvidas. No entanto, a idéia da “pro-babilidade subjetiva” em questão trata de algoque pretende se opor a “objetivo”, dentro de umadimensão cognitiva, relativa à denominadaprobabilidade pessoal que é “(...) aplicável aqualquer situação sobre a qual o homem possa teruma opinião” (Oakes, 1990: 107) refletida por seucomportamento real ou potencial. Ou seja, nãoestá em jogo a positivação do estatuto destasubjetividade (no que diz respeito, por exemplo,a desejos inconscientes, ambições, emoções,valores humanos e suas relações com o contexto).Trata-se de um procedimento para, de algummodo, “ponderar” (ou neutralizar) aspectosimponderáveis, que, inadvertidamente,provoquem instabilidades intoleráveis à opera-ção satisfatória do dispositivo estatístico/epide-

miológico. Basicamente, tal dispositivofunciona mediante reduções: a transformaçãode conceitos em variáveis, que, por sua vez,tornar-se-ão indicadores que assumirão valoresquantificáveis para permitir comparações. Aliás,a prática reducionista na Ciência diz respeito aoprocesso lógico de separar um todo em seusconstituintes, com o intuito de achar naspropriedades dos componentes as explicaçõespara aquelas relativas ao todo (Atlan, 1991). Enão como S/R mencionam: relativo a um“campo de pesquisa (...) de dimensões oupropósitos reduzidos” (sic)... Além disto, S/Rsurpreendem ao fazerem alusões aparentementeespirituosas sobre a “alternativa” ao re-ducionismo positivista: o “expansionismonegativista”. Isto permite entrever, a partir destainconseqüente proposta, subjacente à ousadadisposição chistosa, uma considerável dose desingeleza epistemológica. A rigor, o espaço nãoadmite maiores elaborações, mas, discussõespertinentes sobre esta ordem de problemas são,por exemplo, desenvolvidas por Ernest Gellnerao discutir o relativismo (Gellner, 1994). E,também, Souza Santos (1989), ao assinalaralgumas características da ciência moderna, comseus modelos objetivistas, empiricistas epositivistas, cuja correspondência com aepidemiologia moderna é perceptível. Porexemplo: 1. Considera que a única formaconsistente de conhecimento é o científico(enquanto orientado pela racionalidadepositivista), pois baseia-se na idéia da objeti-vidade; 2. Reduz o universo dos observáveis aoquantificável e estabelece que a validade doconhecimento depende de uma noção de“rigor” fundada na lógica matemática,desqualificando qualidades (não “quan-tificabilizáveis”) que dão sentido à prática; 3.Desconfia da “aparência” e da “fachada” dascoisas (toda e qualquer noção vinculada aosenso comum se “equivale”— ou seja, não temvalor), perdendo de vista a expressividadecontida no mundo da vida; 4. Decide o que érelevante e se permite negligenciar o que nãoconsegue ou não se dispõe a abordar,considerando-o irrelevante; 5. Dá ensejo àcriação de experts e especialistas, hipertrofiandoa aliança saber/poder, excluindo e des-qualificando a participação de leigos; 6.

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Castiel, L. D.

Orienta-se por preceitos de racionalidade for-mal/instrumental, desvinculando-se das possí-veis conseqüências irracionais originárias deseus produtos técnicos; 7. Gera um discurso quesob o manto do rigor e objetividade, se tornarígido, triste, pobre de imagens, metáforas ououtras figuras de linguagem, desprovido de viço/vigor, com reduzido poder de despertar interessefora da academia (Santos, 1989). Confesso,também, surpresa com a naturalidade de S/Rdiante da incorporação das técnicas da GenéticaMolecular (GM) em Saúde Pública (SP). Não meparece negligenciável a possibilidade de abordarquestões altamente específicas ao nívelindividual, ao invés de basear-se em estimativasprobabilísticas produzidas a partir de agregadospopulacionais. Isto é potencialmente capaz degerar mudanças no aspecto “riscológico” dadisciplina (sem implicar em “quebrasparadigmáticas” — aliás, não é o que sugeri notrabalho), além de gerar impactos em dimensõeséticas, legais e sociais (Davison et al., 1994). Porfim, a partir de uma idéia do teatrólogo GeraldThomas, é inevitável mencionar a postura tãopouco unglauber destes pesquisadores quanto àfirmeza do dispositivo epidemiológico em“desvendar” as intrincações do adoecerhumano...

2. Diogo Meyer (DM) produz comentáriospertinentes que ilustram e enriquecem a dis-cussão. Em especial, destaco sua ênfase quantoao papel do reducionismo na Biologia Molecu-lar (BM) nas tentativas de diferenciar causas epredisposições a doenças. O exemplo relativoà suposta eficácia da chamada Medicina Orto-molecular é bastante oportuno. Seja pela difu-são desta corrente, seja por destacar as áreas decontato entre o considerado “científico” e suarelação com a criação de mercados e clientelas(para atuarem como agentes consumidores deintervenções e medicamentos).

3. João Gonçalves Barbosa Neto (JGBN), antesde tudo, merece particular agradecimento porestimular minha curiosidade para a GM, apartir de indiscutível expertise sobre o tema e,também, por sua verve argumentativa.Aproveito a oportunidade para salientar queseus pontos de vista estão ancorados em sólida

experiência clínica. Além disto, suacontribuição destaca tópicos de suma im-portância para a discussão de problemascientíficos, éticos e sociais que não receberamdevida ênfase no texto.

4. A intervenção de Rodrigo Moreno e Francis-co Rothhammer (M/R), em síntese, se esforçaem “demonstrar” a falta de pertinência dasquestões apresentadas no texto. Não pretendo,neste curto espaço, tentar reverter a impressãoprovocada por um longo trabalho, nem entrarem uma querela estéril. A propósito, sugiro aconsulta de Davison et al. (1994) a respeito daNova Genética e dos padrões não-mendelianosde herança e Schulte & Perera (1993) sobreepidemiologia molecular. Na verdade, em umtema especulativo como este estão em jogo,entre outras coisas, interpretações quanto arepercussões e significados atribuídos a elemen-tos de caráter indiciário. Não consigo me con-vencer, a partir dos comentários de M/R (ou deoutros pesquisadores), que o papel da GM seconstitua, tão somente, na criação de novasferramentas, seja para a SP, seja para outroscampos de prática. Acredito que há sinais quesugerem a ultrapassagem de determinadoslimiares. A tal ponto, que é possível pensar deoutro modo a dicotomia natureza/cultura,diante da criação de “objetos híbridos” (Latour,1994), misto de ambos (onde a GM desempe-nha um papel indiscutível). Nesta linha deraciocínio, não me parece absurdo pensar quefoi ultrapassado um limiar na epidemiologiagenética, com as técnicas do DNArecombinante. Se isto implica na “criação” de“novo” domínio disciplinar temos aí outroproblema, relativo, digamos, ao campo da“sociologia da comunidade científica” e suaseventuais lutas intestinas em busca delegitimação no intento de despertar (ecapitalizar) interesse(s) (Stengers, 1990). Nãoapenas em termos ditos científicos, pois,cientistas não estão alheios às veleidadeshumanas. Mas, também, na disputa por linhasde financiamento, na primazia sobre gruposcompetidores (veja-se a recente diatribeMontaignier x Gallo) e, também, na busca dereconhecimento (o que, muitas vezes, implicaem determinados privilégios). Por fim, um

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Saúde Pública Molecular

comentário: se a proposta de um debate comoeste reside na possibilidade de propiciar umfecundo intercâmbio de idéias de modo a ense-jar o desenvolvimento das partes envolvidas enão mera luta de prestígio acadêmico, lamentonão ter sido capaz de cumprir este papel paraM/R.

5. O comentário de Francisco M. Salzano (FMS)traz contribuições relevantes. Em especial,destaco as indicações acerca das tentativas nadécada de 50 de se estabelecerem aproximaçõesentre autoridades sanitárias e investigaçõesgenéticas. Tenho dúvidas quanto à pequenaimportância do imprinting genômico (ou qual-quer descoberta da mesma ordem) em relaçãoaos domínios da SP, caso apresente relevânciaem nível da Saúde pessoal/familial. Nestesentido, percebo equivalências com a resposta àFrancis Black sobre problemática equivalente.Aproveito para um significativo agradecimentopela intervenção ao professor da (assim chama-da, na época) Faculdade de Medicina da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul, poronde tive o privilégio de me graduar.

6. Oswaldo Frota-Pessoa (OFP), em seu escla-recedor comentário, aponta aspectos importan-tes: 1. O conceito de epigênese empregado nãoestá em desacordo com sua pertinente nota.Apenas, quis me referir (sem ser claro o sufi-ciente) à distinção entre o que é definido a partirde informação exclusivamente contida nogenoma e o que é determinado a partir dainteração gens-ambiente (este seria osignificado de “além de genética”); 2. OFP temrazão ao apontar que o imprinting com-portamental das aves e o genômico sãodistintos; 3. Apesar de controvérsia entredebatedores (vide M/R), concordo com a notaem relação às “desordens poligênicas”. Noentanto, salvo engano, creio que as interaçõesgênicas e os sistemas multifatoriais poligênicosnão destruíram o modelo mendeliano, se oencararmos sob o ponto de vista molecular(distintamente do que parece acontecer noimprinting genômico); 5. O termo “fatalista” nadiscussão sobre propensão referese àsconstruções sociais de parentesco biológico(que podem não ter correspondência com as

construções biológicas sobre a descendênciagenealógica); 6. O termo perito parece maisapropriado para uma forma específica de exper-tise, de tipo performative do que aquela decaracterísticas epistêmicas, conforme atipologia de Weinstein (1993).

7. Luiz Jacinto da Silva (LJS) traz interessantesdesdobramentos à discussão. Ao mencionar ummovimento (pendular) inverso ao deter-minismo dos riscos genéticos, refere-se àampliação do livre-arbítrio aproximando-a decomportamento de risco. Ao assinalar que“cada um é responsável pela sua saúde, sendolivre para alterar sua exposição aos agravos”,corre o risco de avizinhar-se de uma idéiadifundida pela designação “estilo de vida”.Uma de suas possíveis conseqüências consisteno chamado mecanismo de culpabilizar avítima. Tal noção pressupõe que as pessoasescolhem e decidem intencionalmente modosmais ou menos perigosos de se exporem afatores de risco ao levarem suas vidas (Davisonet al., 1992). No entanto, há indicações opostasque vão desde determinações sócio-econômicasa priori relativas às condições de vida até“escolhas” quanto ao consumo de substânciaspsicoativas, práticas eróticas, por exemplo.Admito, além disto, que, apesar de mencionartécnicas genéticas para diagnóstico demicroorganismos de difícil detecção, a ênfasedo artigo foi dirigida à dimensão humana. Apropósito, creio ser a tríade ecológica (agente,hospedeiro, ambiente) um modelo poucoapropriado para enfrentar os atuais desafios docampo da Saúde. Ainda que, para LJS,estejamos “no meio de uma revolução naprática da saúde pública e da clínica (...)”, tenhoindagações quanto a uma mudança “(...) noshorizontes do entendimento, transformandodoenças obscuras em doenças compreensíveis,tratáveis e preveníveis (...)” (sic). A perspectivanão me parece tão alvissareira. Apesar de todosos avanços no conhecimento bio-médico eepidemiológico, temos sido obrigados a enfren-tar: novas formas epidêmicas de “velhas” mo-léstias que voltaram a grassar; a emergência dequadros nosográficos aparentemente recentes,que envolvem: bactérias — Doença dos Legio-nários, Doença de Lyme, novas cepas virulentas

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de Streptococo — tipo A; vírus — onde sedestacam S.I.D.A., graves febres hemorrágicaspor diferentes tipos virais (com ênfase para osarbovírus). Além disso, a etiopatogenia multifa-cetada das enfermidades crônicas não-transmissíveis permanece difícil de deslindar(inclusive, já se cogita, como indica LJS, naparticipação de agentes infecciosos virais comocofatores etiológicos). Não parecem haverindícios consistentes quanto à delimitação e o“peso” da participação de seus supostosdeterminantes, uma vez que permanece aquestão relativa à interação complexagens-ambiente/psiquismosoma, por um lado, eos problemas de desigualdade sócio-econômica,por outro. Estou certo do referido pesquisadornão negligenciar tais aspectos. Apenas, vejo-mena contingência de manifestar dúvidas se osavanços tecno-científicos na BiologiaMolecular poderão agenciar mudançassubstantivas na compreensão, tratamento eprevenção dos processos de adoecimento dasnossas populações.

8. Francis Black (FB) produz uma valiosacontribuição onde se destacam exemplos rele-vantes, além de trazer à cena a pertinentediscussão sobre os níveis individual e coletivode intervenção. Gostaria de ampliar sua análisequanto às possíveis razões da crise por que passaa SP. Além dos problemas demográficos e de faltade financiamento, no nosso meio, tal campo estáem discussão quanto suas demarcações teóricase delimitação de modelos de intervenção emuma época de transições quanto à definição deindivíduo, às transformações da idéia (e funções)de Estado-nação (e suas instituições), aos efeitosda problematização das ideologias, às crises deidentidade em sociedades marcadas pelafragmentação e pela complexidade e, também,pelo desenvolvimento tecnocientífico. Alémdisto, os domínios da assim chamada SP podemnão ser tão bem delimitados como sugere FB.Frenk, por exemplo, identifica pelo menos cincoconotações diferentes em que a expressão éempregada (sem incluir os hibridismos): 1. otermo “pública” equivale ao setor público,governamental; 2. pode incluir a participaçãoda comunidade organizada, o “público”; 3.identifica-se aos serviços dirigidos à dimensão

coletiva (por ex.: saneamento); 4. acrescenta aoanterior serviços pessoais dirigidos a gruposvulneráveis (por ex. Programas de SaúdeMaterno-Infantil); 5. refere-se a problemas deelevada ocorrência e/ou ameaçadores (Frenk,1992). Portanto, nesta perspectiva, mesmoadmitindo que possamos deixar elaboradasmetodologias que abordem o nível individualpara outros profissionais, creio que, no interiorda dita SP, tais problemas se fazem presentes edemandam conhecimento e ação por parte deseus profissionais. Por exemplo: decisões acercadas modalidades de testes genéticos a seremoferecidos, permitidos, estimulados ouobrigatórios; comunicação de achadoscientíficos e correspondente entendimentopúblico; implicações em termos decomportamentos relativos à saúde, quanto apráticas empregatícias e em sistemas securitá-rios; geração de estados emocionais que envol-vam medo, ansiedade, depressão etc. e possívelimpacto nas relações interpessoais (Davison etal, 1994).

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Catherine Lowndes por diversassugestões em todo o trabalho.

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