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CAHistriaCaderno Acadmico de Histria
ISSN:21793840
Volume IV, Nmero 04, Ano IV, 1 Semestre / 2013
CAHistria Caderno Acadmico de Histria
Volume IV, Nmero 04, Ano III, 1 Semestre/2013
Nova Iguau - RJ
2013
CAHistria - CADERNO ACADMICO DE HISTRIA
REVISTA DISCENTE DE HISTRIA
EXPEDIENTE
Adriano dos Santos Moraes, Allofs Daniel Batista, Deborah Aguiar Torres, Guilherme
dos Santos Cabral de Oliveira, Marcelo Incio de Oliveira Alves, Maria Lcia Bezerra
da Silva Alexandre, Ricardo Luiz de Souza.
COORDENAO
Prof Dr Surama Conde S Pinto UFRRJ
CONSELHO CONSULTIVO
Prof Dr Adriana Pereira Campos UFES
Prof Dr Ana Amlia de M. C. de Melo UFC
Prof Dr Ana Maria da S. Moura USS
Prof Dr Carmen Margarida O. Alveal UFRN
Prof Dr Clia Cristina da S. Tavares UERJ
Prof Dr Cludia Regina A. dos Santos UNIRIO
Prof Dr Joana M. Nascimento UFF
Prof Dr Mirian Cabral Coser UNIRIO
Prof Dr Mnica da Silva Ribeiro UFRRJ
Prof Dr Nely F. Arrais UNISALLE
Prof Dr Priscilla Leal Mello UFF
Prof Dr Raquel Alvitos Pereira UFRRJ
Prof Dr Renata Rodrigues Vereza UFF
Prof Dr Renata Rozental Sancovsky UFRRJ
Prof Dr Silvia Regina A.Fernandes UFRRJ
Prof Dr Surama Conde S Pinto UFRRJ
Prof Dr Tatyana de Amaral Maia USS
Prof Doutoranda Ana Paula Sampaio Caldeira
FGV
Prof Doutoranda Denise Veira Demetrio UFF
Prof Doutoranda Flvia Ribeiro Veras FGV
Prof Dr Alexander Martins Vianna UFRRJ
Prof Dr Carlos Eduardo C. da Costa UFRRJ
Prof Dr Clinio de Oliveira Amaral UFRRJ
Prof Dr Eduardo Scheidt USS
Prof Dr Fbio de Souza Lessa UFRJ
Prof Dr Fbio Henrique Lopes UFRRJ
Prof Dr Flvio Limoncic UFRJ
Prof Dr Gilvan Ventura da Silva UFES
Prof Dr talo Domingos Santirocchi UFRRJ
Prof Dr Jean Rodrigues Sales UFRRJ
Prof Dr Jos D'Assuno de Barros - UFRRJ
Prof Dr Marcelo da Rocha Wanderley UFF
Prof Dr Marcelo Santiago Berriel UFRRJ
Prof Dr Michael Mller - JGU/Ale
Prof Dr Tiago Bernardon de Oliveira UEPB
Prof Doutorando Adriel Fontenele Batista UFC
Prof Doutorando Andr de S. Brito UFF
Prof Doutorando Luis Fabiano de Freitas Tavares UFF
Prof Doutorando Pedro Henrique P. Campos UFRRJ
Prof Doutorando Rafael Vaz da Motta Brando UFF
Prof Bruno Silva de Souza UFRRJ
Prof Doutoranda Ingrid S.de Oliveira UFF
Prof Doutoranda Hardalla Santos do Valle
UFPEL
Prof Vernica de Jesus Gomes UFF
Prof Ana Luiza Rios Martins UECE
Prof Fernanda Teixeira Moreira UFRRJ
Mestranda Aline Mendes Soares UFRRJ
Mestranda Luciana Coutinho Sodr Necco UERJ
Mestranda Priscila Soares Gonalves - UFRRJ
Prof Eduardo ngelo da Silva UFRRJ
Prof Frank dos Santos Ramos UFF
Prof Halyson Rodrygo Silva de Oliveira UFRN
Prof Juliano Alves da Silva UFGD
Prof Leonardo ngelo da Silva UFRRJ
Prof Manoel Batista do Prado Jnior UFF
Prof Thiago Rodrigues do Nascimento UFRJ
Mestrando Mauricio Fogli Cruzeiro Machado UFRJ
Especialista Anderson Barbosa de Oliveira PUC
PARECERISTAS DESTE NMERO
Prof Dr Adriana Pereira Campos UFES
Prof Dr Ana Amlia de Moura Cavalcante de Melo UFC
Prof Dr Eduardo Scheidt USS
Prof Dr Fbio de Souza Lessa UFRJ
Prof Dr talo Domingos Santirocchi UFRRJ
Prof Dr Tatyana do Amaral Maia USS
Prof Doutorando Adriel Fontenele Batista UFC
Prof Doutoranda Denise Vieira Demtrio UFF
Prof Manoel Batista do Prado Jnior UFF
Prof Anderson Barbosa de Oliveira PUC
COMISSO EDITORIAL
Organizadores
CAHistria Caderno Acadmico de Histria
Volume IV, Nmero 04, Ano III, 1 Semestre/2013
CAHistria - CADERNO ACADMICO DE HISTRIA - Revista Discente de
Histria: iniciativa autnoma: http://cahistoria.wordpress.com/
Editores
Adriano dos Santos Moraes, Allofs Daniel Batista (Mestrandos PPGH/UNIRIO)
Conselho editorial
Maria Lcia Bezerra da Silva Alexandre (Mestranda PPGH/UFRRJ), Marcelo Incio de
Oliveira Alves (Mestrando PPGH/UFRRJ), Ricardo Luiz de Souza (Graduando UFRRJ/IM)
Reviso
Guilherme dos Santos Cabral de Oliveira (Graduando UFRRJ/IM)
Capa / Editorao Eletrnica
Daiane de Oliveira Rocha (Graduando UFRRJ/IM), Deborah Aguiar Torres (Licenciada
UFRRJ/IM)
Ficha Catalogrfica
Allofs Daniel Batista
A revista CAHistria - CADERNO ACADMICO DE HISTRIA - Revista Discente de
Histria um peridico de iniciativa autnoma de estudantes de Histria, que compem sua
Comisso Editorial e com orientao voluntria da Coordenao. uma publicao direcionada
aos discentes de graduaes em Histria e demais Cincias Sociais, de carter plural voltada
para a gerao de oportunidade de publicarem seus primeiros escritos acadmicos no perodo
inicial de sua formao.
Os artigos so de responsabilidade de seus autores.
CAHistria - Caderno Acadmico de Histria: Revista
Discente de Histria[on-line]/ Coordenao Geral Surama
Conde S Pinto. v.1. Set. 2010-. - Nova Iguau RJ, 2010.
v.4., n.04. 2013 [on-line].
Acesso: http://cahistoria.wordpress.com/.
Semestral
ISSN: 2179-3840
Ano I v.1, n.01 2 Semestre 2010 Ano II v.2, n.02 1 Semestre 2011 Ano III v.3, n.03 1 Semestre 2012 Ano IV v.4, n.04 1 Semestre 2013 1. Brasil Histria - Peridicos. I. Revista Eletrnica. II.
http://cahistoria.wordpress.com/
SUMRIO
1 APRESENTAO 7
2 ARTIGOS
De um episdio da histria ptria disputa de redes comerciais: ensaio
sobre as anlises historiogrficas da revolta de vila rica
Carlos Eugnio da Silva Negreiros
Wilson Arnhold chagas jr.
Willibaldo ruppenthal neto
8
Uma anlise de trs movimentos milenaristas e messinicos no Imprio
brasileiro: Rodeador, Pedra Bonita e Muckers.
Daiane de Oliveira Rocha
23
Esporte, poltica e identidade nacional: efeitos do profissionalismo no
futebol colombiano (1948-1951). Eduardo de Souza Gomes
38
Conflito entre os Colonos da Capitania de So Vicente e a Companhia de
Jesus, no perodo de 1611 a 1640.
Miguel Luciano Bispo dos Santos
53
As bolsas de mandinga: sincretismo, demonologia e feitiaria no Brasil
colonial.
Priscila Natividade de Jesus
63
3 ENTREVISTA 73 Professor Doutor Alexandre Fortes UFRRJ
4 RESENHAS 89
O epicurismo: reescrevendo sua histria
Rodrigo Conole Lage
5 FONTES/ACERVOS 93 Um arquivo com a cara da Baixada: A constituio do Centro de
Documentao e Imagem do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ
CEDIM - IM/UFRRJ.
APRESENTAO
CAHistria - Caderno Acadmico de Histria renovando um compromisso.
O Caderno Acadmico de Histria mais que uma revista acadmica voltada
para graduandos, um projeto de incentivo. Incentivo produo discente, ao
desenvolvimento de pesquisa e ao campo cientfico da Histria. Para isso, nosso
compromisso renovado a cada chamada ou publicao.
Nesta quarta edio reforamos este compromisso, e nossa equipe demonstra
que constitui um esforo peridico e coletivo, para garantir sua manuteno a partir do
momento da chamada at a publicao a fim de perpetuar o projeto gerado h trs anos,
projeto o qual pretendemos continuar por muitos mais. Esforo esse que no se resume
aos membros da equipe editorial, mas se estende a todos aqueles que se veem
impactados diretamente pela revista: conselho consultivo, articulistas, editorial e voc
que nos l. Todos esto interligados, tendo como mediadores a equipe editorial de
CAHistria.
Como somos todos humanos, com dificuldades e limitaes, acabamos
esbarrando em agendas, descumprimento de prazos, e todas as imposies que existem
dentro do meio acadmico para que todos exeram seus ofcios. Compreendemos que
estas no devem ser motivaes para no prosseguir com nosso projeto editorial. Manter
uma revista com publicao peridica e equipe totalmente voluntria se torna um
esforo que deve ser creditado entre aqueles que interagem com a mesma. Desta forma,
nos desculpamos pelos atrasos ocorridos, elogiamos o esforo de todos os envolvidos e
agradecemos a compreenso e a pacincia dos colaboradores e pblico leitor.
Adriano dos Santos Moraes1
Allofs Daniel Batista2
Editores de CAHistria
1 Adriano dos Santos Moraes aluno no Programa de Ps-Graduao em Histria da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - PPGH-UNIRIO, Linha: Instituies, Poder e
Cincias, sob orientao do Prof Dr Marcelo de Souza Magalhes, bolsista da Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior - CAPES (2013-2015). Concluiu sua Licenciatura em
Histria pela a UFRRJ/IM (Campus Nova Iguau) em 2012. membro do Conselho Editorial de
CAHistria; Revista Discente: www.cahistria.wordpress.com.Contato: [email protected]
2 Allofs Daniel Batista aluno no Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro - PPGH-UNIRIO, Linha: Instituies, Poder e Cincias, sob
orientao do Prof Dr Vanderlei Vazelesk Ribeiro, bolsista da Coordenao de Aperfeioamento de
Pessoal de Nvel Superior - CAPES (2012-2014). Concluiu sua Licenciatura em Histria pela a
UFRRJ/IM (Campus Nova Iguau) em 2011. membro do Conselho Editorial de CAHistria; Revista
Discente: www.cahistria.wordpress.com. Contato: [email protected]
8 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
De um episdio da Histria Ptria disputa de redes comerciais: Ensaio sobre as
anlise historiogrficas da Revolta de Vila Rica
Carlos Eugnio da Silva Negreiros*
Wilson Arnhold Chagas Jr.**
Willibaldo Ruppenthal Neto***
Resumo:
A revolta que houve em Vila Rica entre 28 de junho e 20 de julho de 1720, conhecida como
Revolta de Vila Rica, ou ainda, Revolta de Felipe dos Santos, foi percebida e utilizada de
diversas formas ao longo do tempo pela historiografia brasileira. Muitas foram as
compreenses da revolta e muitos foram os usos da mesma, seja na criao do 'mito' Felipe
dos Santos, seja na sua anulao para engrandecimento dos verdadeiros heris nacionais. O
presente artigo visa expor estes diversos usos da Revolta e mostrar a evoluo na
compreenso desta e a presente situao da pesquisa, que se distancia muito em profundidade
se comparada s primeiras exposies, sem contudo dar-se por encerrado tal processo.
Palavras-chave: Minas Gerais, revolta / rebelio, Colnia, identidade nacional, patriotismo.
Introduo
Antes de analisar-se as diferentes formas de observao e construo da histria da
Revolta de Vila Rica, necessrio que se exponha um pouco do contexto em que se insere
esta revolta e uma breve descrio da mesma. isto que realizaremos nas primeiras pginas
que se seguem.
Como consequncia da Guerra dos Emboabas (1707-1709), a Coroa portuguesa
buscou mais meios de se aproximar de seus sditos, como com a criao da Capitania de So
Paulo e Minas do Ouro, em 1709. Para manter o controle da ordem, e mais especialmente das
rendas da Coroa, esta indicou governadores para exercerem o papel de representantes da
Coroa nesta capitania, que era de suma importncia para Portugal naquele perodo. Apesar de
* Graduando em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected] * * Graduando em Histria pela UFRGS. Email: [email protected] * ** Graduando em Histria pela UFRGS. Email: [email protected]
9 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
j existirem Regimentos de Superintendentes, Guardas-Mores e Oficiais Deputados nas Minas
desde 1702 (BORREGO, 2004: 43), se fazia necessrio uma maior aproximao da Coroa
para com os moradores daquele territrio.
O primeiro governador, Antnio de Albuquerque Coelho de Carvalho, foi responsvel
pela criao das primeiras vilas: Vila Rica, Vila do Ribeiro do Carmo e Sabar (1711). O
segundo governador, Brs Baltasar da Silveira, ainda fundou outras vilas: So Joo d'El-Rei,
no Rio das Mortes (1713); Vila Nova da Rainha, atual Caet (1714), Vila do Prncipe, no
Serro do Frio, atual cidade do Serro (1714), e Pitangui (1715) (MIRANDA, 2006: 111) e
ainda dividiu o territrio todo nas trs Comarcas que j antes Albuquerque havia definido:
Vila Rica, Rio das Mortes e Rio das Velhas. Tudo isto em vista de uma melhor administrao
atravs de um processo urbanizatrio intenso (BORREGO, 2004: 43).
Tais medidas foram tomadas para a organizao da sociedade existente no territrio
das Minas, onde existia uma populao resultante da grande massa de aventureiros que
vieram para o territrio em busca de riquezas, ou pelos prprios surtos de fome (BORREGO,
2004: 42). Assim, quando a metrpole se estabeleceu formalmente nessa regio, foi
obrigada, portanto, a conviver com uma fixao anterior j acostumada aos morros, ao clima,
e s prprias leis (BORREGO, 2004: 44).
A Revolta
durante o governo do terceiro governador da Capitania de So Paulo e Minas do
Ouro, Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos (governou entre 1717 e 1721)
o Conde de Assumar que depois de circularem rumores de que estavam sendo preparadas
formas mais rgidas de cobrana do quinto, a chegada do Alvar, determinando que o
governador colocasse em prtica a construo de Casas de Fundio acende um violento
motim (FIGUEIREDO, 2000: 90) entre 28 de junho e 20 de julho de 1720, denominado
Revolta de Vila Rica, ou, Revolta de Felipe dos Santos. Dom Pedro de Almeida publicou a
proclamao no dia 18 de julho de 1719, anunciando que as fundies seriam abertas no dia
23 de julho do ano seguinte, em Vila Rica, Sabar, So Joo dEl Rei e Vila do Prncipe. Os
tumultos iniciais foram sufocados pelos drages facilmente, mas outro movimento aconteceu
de modo diferente, na cidade de Vila Rica, na noite de 28 para 29 de junho de 1720.
10 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
A revolta contava com grandes contingentes de moradores de Vila Rica, mas era
liderada por uma elite: Pascoal da Silva Guimares, Sebastio da Veiga Cabral e Manuel
Mosqueira da Rosa - o trio de falsos e dissimulados (CAMPOS, 2002: 227). Bem sabendo
desta liderana, o Conde chegou a perdoar os moradores de Vila Rica pela revolta, com
exceo dos cabeas (ANASTASIA, 1998: 56). No dia 16 de julho, D. Pedro de Almeida, o
Conde de Assumar, entrou em Vila Rica com um contingente perfazendo um total de mil e
quinhentos homens armados, provavelmente entre negros e rgulos locais, () homens
brancos livres, ndios flecheiros, alm de mestios e, em menor nmero, drages
(KELMER MATHIAS, 2007: 216-217); retomou o controle e restabeleceu a ordem na cidade,
alm de prender lderes da revolta; enviou-os carregados de ferros para o Rio de Janeiro, de
onde seriam deportados para Lisboa (BOXER, 1969: 213) e queimou as suas casas
(ANASTASIA, 1998: 57). No dia seguinte expediu uma ordem de retirada dos moradores do
morro do Ouro Podre para que todas as casas fossem arrasadas e queimadas (ANASTASIA,
1998: 57). Diferente dos lderes [reais] da revolta, que so enviados Lisboa, Felipe dos
Santos, um empregado de Pascoal da Silva Guimares (CASTRO, 2008: 8), foi preso e
condenado sumariamente morte.
Um discurso histrico e poltico
Aponta-se o Discurso histrico e poltico sobre a sublevao que nas Minas houve no
ano de 1720 como um marco inicial das anlises histricas sobre a Revolta de Vila Rica, pois,
apesar de ser muito mais que um texto historiogrfico, um documento histrico, tendo o
objetivo de justificar a represso da revolta (na sua segunda parte), tambm apresenta uma
narrao dos acontecimentos (na sua primeira parte). um texto annimo, em que a primeira
parte narra os acontecimentos da revolta de Vila Rica e a execuo do portugus Filipe dos
Santos, e a segunda busca justificar a necessidade da execuo. O texto foi publicado pela
primeira vez em fevereiro de 1898 no jornal oficial Minas Gerais.
A historiadora Laura de Mello e Souza dedicou esforos para entender o "Discurso",
desde que organizou uma edio crtica entre 1993 e 1994. Quando publicado em 1994 na
edio crtica da Laura de Mello e Souza, esta autora estabeleceu a autoria do discurso,
creditando-o a Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, conde de Assumar e governador da
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capitania de Minas entre 1717 e 1721, e a dois jesutas que foram com ele para Minas: Jos
Mascarenhas e Antonio Correia. De fato, h forte evidncia de que o referido discurso foi
escrito pelos jesutas, sob a superviso de Assumar (CATO, 2007: 133).
O Discurso tinha a clara inteno de justificar a execuo sumrio de Filipe dos
Santos, que como homem branco e livre deveria ter passado por uma Junta de Justia. O
narrador da obra sempre se refere ao conde de Assumar em terceira pessoa, mas tanto Xavier
da Veiga (1846-1900) quanto Diogo Vasconcelos (1843-1927) concordavam em dizer que a
autoria estava de alguma maneira ligada ao conde, direta ou indiretamente. Feu de Carvalho
(1872-1946) discordava, afirmando que a autoria era do padre jesuta Antonio Correia. H o
seguinte indcio que corrobora com Feu de Carvalho: na segunda parte do Discurso h citao
do Pe. Vieira, quando sabido que o padre Correia tinha consigo escritos de Vieira e o
admirava muito. Porm tal evidncia no impede que Mascarenhas, o conde de Assumar ou
ambos tenham escrito parte do Discurso.
Laura de Mello e Souza acredita haver muito mais evidncias em favor do conde de
Assumar como autor do texto. Sobretudo quando se estuda a vida de Dom Pedro Miguel de
Almeida: sobressaem as semelhanas entre os elementos do Discurso, e a sua personalidade
do ponto de vista biogrfico, sobretudo no que concerne ao uso conjugado de exemplos de
violncia e autoritarismo, e de citaes muito eruditas, o que era caracterstico do conde.
Ademais, h a aluso ao frei Joo Marques, catedrtico de Salamanca, presente tanto na carta
a Dom Frei Francisco de So Jernimo quanto no Discurso. Afirma Laura de Mello e Souza
que
A prudncia impede que se afirme cabalmente ter sido D. Pedro de Almeida Portugal
() o verdadeiro autor do Discurso Histrico e Poltico, e leva a considerar que este
seja um escrito produzido a seis mos: o Conde, Antnio Correia, Jos de Mascarenhas. Os dois ltimos reforariam a argumentao do primeiro com
exemplificao abundante e detalhada; o Conde, por sua vez, daria o tom geral,
emprestando aos padres cartas e escritos anteriores e, mais do que tudo, impondo-
lhes a sua viso de mundo. (SOUZA, 1996: 41 apud AZEVEDO, 2006: 38).
Independente da autoria, grande a importncia do Discurso histrico e poltico sobre
a sublevao que nas Minas houve no ano de 1720 quanto ao seu estudo, sendo uma fonte
imprescindvel ao estudo do levante de Filipe dos Santos (...) o Discurso histrico e poltico
um texto de riqueza inesgotvel, podendo ser abordado de vrias formas e por especialistas de
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diversas reas (SOUZA, 2006: 250).
Um episdio da Histria Ptria
Em obras historiogrficas o levante de 1720 aparece pela primeira vez na Histria da
Amrica portuguesa (1730) de Sebastio da Rocha Pitta (1660-1738) e mais tarde na obra de
Robert Southey (1774-1843), autor que nunca veio ao Brasil, mas que mantinha relaes
fortes com o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (CEZAR, 2007: 308). Em ambos os
casos a liderana da revolta atribuda a Pascoal da Silva Guimares, Manuel Mosqueira da
Rosa, frei de Monte Alverne e outros; enquanto que Filipe dos Santos apenas mencionado
por ter dirigido um grupo de homens que tentavam libertar Pascoal da Silva e os demais
presos no meio do caminho para o Rio de Janeiro, recebendo logo a pena mxima. Porm:
A partir de certa altura, que no fcil precisar, o episdio ocorrido em Vila Rica no ano de 1720 foi tido por marco na oposio colonial metrpole, e momento
importante na construo da nacionalidade. Cabia encontrar um heri: era natural
que fosse Filipe dos Santos, dado o suplcio horrvel que o governador Assumar lhe
infligiu sem julgamento. (...) Se Tiradentes era o mrtir da independncia, Filipe dos
Santos, na mesma poca, foi adquirindo os contornos de protomrtir. (SOUZA,
2006: 188).
Para tanto, Jos Vieira Couto de Magalhes (1837-1898) desempenhou papel
importante. Sendo o grande ponto da historiografia do sculo XIX a construo de uma
identidade e de uma histria nacionais (MACHADO, 2000: 63), Magalhes pode no ter sido
um dos 'clssicos', como Slvio Romero, Jos Verssimo, Tavares Bastos e Joaquim Nabuco,
mas certamente relevante, pois, sua obra embora carente de uma base slida, seja hoje
significativa para o desvendamento das matrizes de uma certa histria do Brasil
(MACHADO, 2000: 65). Formado na Faculdade de Direito do Largo So Francisco, muito
teve de influncias nesta formao, que neste perodo servia para formar um mandarinato
imperial de bacharis (MACHADO, 2000: 66), com parte da responsabilidade de fundar
uma nova imagem para o pas se mirar, inventar novos modelos para esta nao que acabava
de se desvincular do estatuto colonial (SCHWARCZ, 1993: 141). Sua anlise da Revolta de
Vila Rica, Um episdio da histria ptria, publicada na Revista do Instituto Histrico e
Geogrfico Brasileiro no ano de 1862, exaltava patrioticamente o levante de tal forma, que
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afirmava que nele j havia uma aspirao pronunciada para a independncia, que seria uma
consequncia a longo prazo: a episdica revolta de Felipe dos Santos ganhou status de
movimento protonacionalista, antecessor da Conjurao Mineira, a qual esclarece,
fornecendo-lhe a certeza de um pulsante sentimento popular anticolonialista e nativista
(MACHADO, 2000: 67).
Magalhes ainda na mesma obra consagrou Felipe dos Santos como heri, apesar
deste nem ao menos ser o lder da revolta; mesmo sabendo deste papel relativamente pouco
importante no levante, j que pouco se tinha de notcias sobre ele nos documentos, acabou
sendo um mitgrafo e construindo o mito Felipe dos Santos, que hoje est atrelado
revolta, esta Revolta de Felipe dos Santos:
Dos conjurados um houve que, alm de criminoso era impenitente. Felipe dos
Santos de quem atrs falamos. Filho do povo no era ele o cabea, mas foi o brao
mais enrgico dos conjurados. Era uma dessas almas excepcionais, cuja tmpera
resiste aos golpes mais cruis do destino. No dia antecedente ao que estamos, ele foi
conduzido perante as justias; os outros conjurados compraram a vida desculpando-
se; Felipe dos Santos sabia que pagaria com a cabea as palavras que ia dizer: com a
conscincia do homem que reconhece ter feito um voto de herosmo, ele levantou-se sereno perante o juiz, e confessou de pleno, diz o general, todos os seus crimes.
(MAGALHES, 1862: 542).
Antnio Olyntho de Santos Pires (1860-1925) retomou a ideia de herosmo de Filipe
dos Santos em 1919 no texto Revolta de Vila Rica de 1720 para a Revista do Instituto,
defendendo a necessidade da celebrao do levante no seu segundo centenrio, que se
completaria no ano seguinte publicao do seu texto; tal celebrao, porm, no ocorreu
por falta de recursos. A construo do mito de Filipe dos Santos como heri nacional e do
conde de Assumar como tirano cruel esteve ligada ao surgimento da ideia de um Brasil
nao, parte importante da ideologia do Instituto Histrico e Geogrfico. Xavier da Veiga
(1846-1900) tambm, na edio do Discurso que fez em 1898, endossou a ideia nacionalista.
De fato, a preocupao destes autores era muito mais de exaltar os feitos dos revoltosos e as
medidas autoritrias e cruis dos oficiais da Coroa portuguesa do que de explorar a conjuntura
e as relaes sociais, muitas vezes ambguas, que se desenvolveram neste conflito
(CASTRO, 2008: 3).
Em posio distinta esteve Feu de Carvalho (1872-1946), na dcada de 1920, com
Ementrio da Histria Mineira, ponderando que a hiptese levantada pelos autores anteriores
14 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
no estava fundamentada nos documentas, mas ao contrrio, eivada de inexatides; contestou
sobretudo o aspecto popular e republicano do movimento, mostrando ter sido um levante de
poderosos descontentes por motivos outros que o pagamento do tributo. Porm, Feu de
Carvalho busca desmistificar o mito de Felipe dos Santos como heri brasileiro, mas apenas
para melhor exaltar Tiradentes, que para ele o verdadeiro heri brasileiro at porque Felipe
dos Santos era portugus.
J em 1904 em Histria Antiga das Minas Gerais, Diogo de Vasconcelos (1843-1927)
contestava o carter anticolonialista e republicano do movimento, ressaltando o embate entre
os poderes locais e a autoridade metropolitana, que seria para ele o verdadeiro nervo do
conflito. Relativizava ainda o despotismo do conde de Assumar, geralmente pintado como
dspota monstruoso e sanguinrio. Segundo Mello e Souza, Feu de Carvalho e Diogo de
Vasconcelos fizeram os dois melhores relatos da sedio de 1720, mantendo-se sempre
prximos ao texto do Discurso. Seguindo a tradio deles, juntaram-se mais tarde o cnego
Raimundo Trindade e Waldemar de Almeida Barbosa. Francisco Varnhagen (1818-1876) e
Pedro Calmon (1902-1985) se mostraram prximos s interpretaes de Feu de Carvalho e
Diogo de Vasconcelos. Facilmente se percebe a inteno destes autores que era muito mais
de exaltar os feitos dos revoltosos e as medidas autoritrias e cruis dos oficiais da Coroa
portuguesa do que de explorar a conjuntura e as relaes sociais, muitas vezes ambguas, que
se desenvolveram neste conflito, numa perspectiva claramente maniquesta, na construo de
esteretipos de conduta (CASTRO, 2008: 3).
Um conflito entre Colnia e Metrpole
Os historiadores que a primeiro momento se desligaram da perspectiva nacionalista de
abordagem histrica e anlise da Revolta de Vila Rica, capitaneados por Laura de Mello e
Souza e com orientao marxista (CASTRO, 2008: 4), permaneceram, porm, sem estudar o
confronto entre interesses particulares dos poderosos envolvidos dentro da revolta e seus
repressores. A existncia de interesses particulares na revolta j era conhecida desde Diogo de
Vasconcelos e Pedro Calmon: Vasconcelos apresentou como uma das razes principais para a
ecloso do motim, a perda dos postos de oficiais de ordenana, que eram preenchidos pelos
homens principais da Vila (ANASTASIA, 1998: 46 nota 73); e, Pedro Calmon bem sabia que
15 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
havia grandes interesses particulares em jogo (CALMON, 2002: 157) mas foge logo do
assunto. Porm, no se compreendia um conflito de poderes particulares entre os revoltosos e
seus supressores.
Enquanto os historiadores nacionalistas ignoram esse conflito, e mesmo os interesses
particulares dos revoltosos, pelo fato de que estes revelam que a causa pela qual muitos
lutaram no era o benefcio do povo, mas sim o seu prprio (CASTRO, 2008: 4), os
historiadores capitaneados por Souza tendem a ignorar o conflito de interesses particulares
por se focarem em demonstrar o embate entre os poderes locais e a autoridade metropolitana,
este sim, o verdadeiro nervo do conflito (SOUZA, 1994: 23), na dicotomia Colnia X
Metrpole da lgica de Antigo Sistema Colonial.
O trabalho de Laura de Mello e Souza (1953- ), especialmente sua crtica ao famoso
Discurso, muito colaborou para a compreenso da Revolta de Vila Rica. Realiza um bom
balano da historiografia sobre Vila Rica (at o momento em que se insere 1993-1994),
mostrando, por exemplo, que a tentativa de Antonio Olyntho dos Santos Pires de enaltecer o
tropeiro de Cascais leva-o a afirmaes arbitrrias, tanto sobre seu heri como sobre o Conde,
muito difundidas posteriormente (SOUZA, 1994: 19). Porm, sua interpretao se restringe
compreenso do conflito pelo confronto entre os interesses dos colonos e dos oficiais,
representantes da metrpole.
O trabalho de Carla Anastasia, especialmente Vassalos rebeldes, apresenta
considerveis pontos de separao em relao a obra de Laura de Mello e Souza, porm, em
vrios pontos ainda permanece dentro de uma perspectiva focada no conflito entre colnia e
metrpole. Ao mesmo tempo em que rompe com Souza, ao afirmar que trata-se de uma tax
rebellion, se mantm presa a uma ideia de fraqueza do poder portugus naquele territrio
um contexto de soberania fragmentada (ANASTASIA, 1998: 46 nota 73), bem representada
pela seguinte explicao do duplo carter (ANASTASIA, 1998: 45) da sedio:
Por um lado, o levantamento apresentou reivindicaes tpicas de tax-rebellions ou
food-riots, contidas nos parmetros do jogo colonial, com a condenao do
estabelecimento das Casas de Fundio, de contratos novos e do pagamento dos direitos de entrada no registro de Borda do Campo; a defesa do controle sobre o
processo de aferio e sobre os abusos de poder do Senado da Cmara. Por outro
lado, pode ser constatada uma situao de soberania fragmentada, exteriorizada pelo
comportamento rebelde dos potentados, dos ouvidores de Vilas e Comarcas e dos
oficiais das Cmaras. (ANASTASIA, 1998: 45-46).
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Apesar de Anastasia entender a revolta pela ideia de uma dificuldade de imposio dos
desejos da metrpole, no qual a revolta percebida como resposta a uma tentativa do governo
de romper com a tradio, tambm mostra os interesses particulares envolvidos na revolta e
mais: concebe a revolta dentro das lgicas e parmetros do jogo colonial (ANASTASIA,
1998: 45), junto a ela, vrios outros autores se mostram validando tal perspectiva:
Diogo Pereira R. de Vasconcelos, C, R. Boxer e, mais recentemente, Luciano
Raposo de Almeida Figueiredo, no obstante a diferena de estilos e a diversidade
das fontes utilizadas, a consideram o resultado da ameaa de se estabelecer as Casas
de Fundio nas minas. C. R. Boxer e Diogo P. R. de Vasconcelos acrescentam a impopularidade do Ouvidor de Vila Rica, Martinho Vieira, aos motivos da ecloso
do levante. Ainda Boxer e Luciano R. A. Figueiredo sustentam estar a sedio de
1720 inserida numa srie de motins, ocorridos em vrios distritos da Capitania, que
se originaram do enrijecimento da tributao a partir de 1719. Tais consideraes
imputam sedio de Vila Rica caractersticas de movimento no qual o
comportamento dos atores est contido nos parmetros das regras do jogo colonial.
(ANASTASIA, 1998: 46 nota 73).
Estes autores, porm, tem pontos complicados em suas obras: C. R. Boxer
supervaloriza Felipe dos Santos, ficando neste ponto ao lado dos autores da historiografia
nacionalista; e Luciano R. A. Figueiredo alm de compreender Felipe dos Santos como um
dos principais lderes (FIGUEIREDO, 2007), tambm se mantm na lgica dicotmica entre
colonos e oficiais da metrpole: de um lado, as instncias do poder real e temporal, agindo
na regio, a fim de garantir os direitos do soberano; de outro, a convico dos colonos de que
dispunham de certos direitos que estariam sendo violentados com a fiscalidade escorchante
que se tentava implantar (FIGUEIREDO, 2000: 89-90). A contribuio de Figueiredo no
deve ser menosprezada, uma vez que bem nos mostra a importncia de se pensar no tempo
administrativo (FIGUEIREDO, 2000: 82), a relao deste (pela distncia atlntica entre
colnia e metrpole) e os colonos (FIGUEIREDO, 2000: 83) e a no contestao do direito
rgio, mas da mudana da forma de sua cobrana.
Em seu estudo, Vera Alice C. Silva insere a histria poltica da regio das Minas
Gerais incluindo a Revolta de Vila Rica , ao longo do sculo XVIII, em um quadro de
conflitos fiscais, cujos embates e solues apresentaram-se de forma variada para os conflitos.
Havia uma preferncia portuguesa por formas mais rigorosas e burocratizadas de controle da
produo e da tributao, porm, depararam-se com o indeferimento por parte dos sditos que
no se sujeitavam ao controle proposto sem reao. Tais sditos, identifica a autora, usaram
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de dois tipos de estratgia para com o governo: 1) adaptao: a elite econmica e poltica da
Capitania - o lado brasileiro - e os governadores nomeados pelo rei - lado portugus -
dialogavam e negociavam; 2) transgresso: so as revoltas em si, a de Vila Rica de 1720 e a
Inconfidncia Mineira de 1789. A mxima la ley se acataba, pero no se cumpla, usada na
Amrica Espanhola no perodo colonial, encontra correspondncia no imprio vizinho: no se
colocava em dvida que o rei era o monarca, mas somente era obedecido se no exercesse o
poder unilateralmente: revoltava-se contras as tributaes, sem contestar a autoridade real,
como bem afirma Figueiredo (2007), e ao mesmo tempo buscava-se meios de negociar ou
ludibriar o sistema fiscal.
Um conflito de redes comerciais
A nova perspectiva historiogrfica sobre a Revolta de Vila Rica vale-se da
compreenso de que o principal veculo de relao entre colonos e metrpole a negociao,
principalmente atravs dos governadores, que dispunham de autoridade e liberdade suficientes
para tal empreendimento:
As autoridades portuguesas no hesitavam em mudar os mtodos de arrecadar o quinto real, mesmo que estes fossem potenciais causadores de insatisfao poltica
nas pessoas que se ocupavam da extrao. Mas para que os habitantes das Minas
Gerais, considerados insubmissos desde o incio da explorao das Minas de ouro e
de diamantes, no se sublevassem contra as autoridades locais, havia o mecanismo
da negociao poltica entre os sditos e o soberano, este representado pelo
governador. (AZEVEDO, 2006: 149).
No caso da Revolta de Vila Rica, percebe-se que trata-se de uma revolta com carter de
elitista, sendo assim uma grande preocupao para a Coroa, no temor de que houvesse
transferncia de poder para os potentados desta elite, pela tomada do poder do governador.
Estas compreenses so parte da nova perspectiva historiogrfica:
H muito os trabalhos relativos Revolta de Vila Rica enfatizam a existncia da
negociao no conflito. O prprio conceito, que parece abandonado, de revolta
nativista, significa que no era inteno dos colonos se separar de Portugal ou
questionar a autoridade do monarca. No toa, os recentes trabalhos lidam com um
recorte temporal maior buscando resgatar a vivncia dos personagens do conflito e
suas relaes sociais, e no apenas o conflito em si, pois hoje no se tem mais a
noo de que a revolta tem como gnese a insatisfao com as polticas
metropolitanas e que isto basta. (CASTRO, 2008: 8).
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A nova historiografia conta principalmente com Alexandre Torres Fonseca e Carlos
Leonardo Kelmer Mathias, recm inseridos no debate historiogrfico (CASTRO, 2008: 7).
Tais autores buscam demonstrar a dimenso e as formas de negociao, dentro desta
sociedade que compreendida como de Antigo Regime, valendo-se especialmente da
historiografia portuguesa sobre o Imprio Ultramarino Portugus, do qual fazem parte
Antnio Manuel Hespanha, Nuno Gonalo Monteiro, dentre outros, e, da nova perspectiva
sobre antigos temas de histria colonial (FRAGOSO; GOUVA; BICALHO, 2000: 67) na
historiografia brasileira, da qual fazem parte autores como, Joo Fragoso, Maria Bicalho,
Maria Gouva, Antonio Juc de Sampaio, dentre outros, na perspectiva de Antigo Regime nos
trpicos. Ambas correntes historiogrficas 'irms', buscam romper com uma abordagem que
insiste em analisar o 'Brasil - Colnia' atravs de suas relaes econmicas com a Europa do
mercantilismo (FRAGOSO; GOUVA; BICALHO, 2000: 67). Esta nova historiografia
sobre a Revolta de Vila Rica busca encontrar novas pistas atravs do estudo mais amplo das
possveis causas da revolta e relaes desta com o contexto, especialmente atravs de
informaes biogrficas dos personagens envolvidos na revolta: Fonseca resgata Felipe dos
Santos muito antes da revolta, mostrando como foi a vida do personagem desde o seu
embarque para o Brasil e tentando entender o que o motivou a estar entre os revoltosos
(CASTRO, 2008: 8); e Kelmer Mathias estuda D. Pedro de Almeida, o conde de Assumar,
antes da revolta.
O estudo de Kelmer Mathias se foca mais especificamente na rede de potentados de
D. Pedro de Almeida, com pessoas da elite mineira, demonstrando as diversas medidas
empreendidas pelo conde antes mesmo de chegar a Vila Rica, de forma que esta seria para
alm da ligao comercial havida entre o conde de Assumar e essa elite, a rede ento formada
seria, sem exagero, o sustentculo do governo de D. Pedro, garantindo-lhe, sem meias
palavras, a prpria governabilidade da capitania do Ouro. Demonstrando a rivalidade da rede
comercial do conde de Assumar com outra rede, comandada por Pascoal da Silva Guimares,
percebe-se que tratou-se de uma revolta fundamentalmente de elite (KELMER MATHIAS,
2007: 215), onde o objetivo ltimo era expulsar D. Pedro de Almeida da capitania de Minas
e, dessa forma, assumir o seu controle (KELMER MATHIAS, 2007: 217). Compreende-se
assim, que a rede comercial de Pascoal da Silva Guimares obteria um controle bastante
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grande da morada do ouro caso a revolta tivesse logrado xito (KELMER MATHIAS, 2007:
216).
Tal nova abordagem nos traz luz as provveis causas de diversos ocorridos na
revolta, desde as insistncias de motins e novas ofertas aps a aceitao dos termos por parte
do conde de Assumar que se explica pela revolta ter como objetivo final sua expulso (ou
morte), at ao apoio recebido por este mesmo das cidades ao redor, reunindo a fora para
retomar a ordem em Vila Rica apoio fornecido pela rede comercial de D. Pedro de Almeida.
Concluso
Uma vez que os estudos mostram claramente a relao do Conde de Assumar com
diversos negociantes daquele territrio cujos contatos foram feitos desde antes de Assumar
chegar no Brasil que eram justamente os maiores rivais da rede comercial de Pascoal da
Silva Guimares, rede esta que contava com Felipe dos Santos como participante, j no
podemos mais sermos ingnuos e pensarmos que estas informaes so banais, e que tal
conexo uma coincidncia.
Percebendo que a Revolta de Vila Rica foi principalmente uma disputa de redes
comerciais, entendemos o quo distantes da verdade estavam as interpretaes de alguns
historiadores como Jos Vieira Couto de Magalhes, que pensava em Felipe dos Santos como
um protomrtir da nossa nao, ou a viso de conflito entre poderes locais e autoridade
metropolitana, que era a percepo de Diogo de Vasconcelos, e at a percepo nos moldes do
Antigo Sistema Colonial da corrente marxista de historiadores capitaneada por Laura de
Mello e Souza. As mais recentes pesquisas e as informaes que obtivemos nos ltimos
tempos, especialmente com Alexandre Torres Fonseca e Kelmer Mathias, bem nos mostram o
carter de um Antigo Regime nos trpicos neste conflito de redes comerciais do territrio das
Minas do sculo XVIII. Porm, como bem nos lembra Castro (2008: 8): ainda h espao para
novos trabalhos...
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23 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
Uma anlise de trs movimentos milenaristas e messinicos no Imprio brasileiro:
Rodeador, Pedra Bonita e Muckers.
Daiane de Oliveira Rocha*
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar os movimentos do Rodeador, da Pedra
Bonita e dos Muckers, todos ocorridos no perodo do Imprio brasileiro, apresentando seus
aspectos em comum, alm de trabalhar com os termos messianismo, milenarismo e
sebastianismo. Afim de dialogar com a historiografia acerca do tema, exposto de forma
comparada o desenrolar de tais revoltas.
Palavras chave: Movimentos messinicos, sebastianismo , Imprio brasileiro.
Introduo
Serra do Rodeador, Pernambuco, 1820. Um grupo de pessoas de diversas idades e
ambos os sexos, lideradas por Silvestre Jos dos Santos, oravam para a volta de seu salvador,
D. Sebastio, quando foram cruelmente atacadas e massacradas; Pedra Bonita, Pernambuco,
1838. Uma procisso de pessoas seminuas cantando sobre a volta de D. Sebastio e guiadas
pelo rei Pedro Antnio, depararam-se com um contingente que abre fogo, matando muitos e
prendendo outros; So Leopoldo, Rio Grande do Sul, 1874. Um grupo de pessoas, chamadas
pejorativamente de muckers, reunia-se em uma casa no Morro do Ferrabraz para aclamar
Jacobina, mulher dita como divindade e porta-voz do Esprito. Sofreram trs ataques da
infantaria do governo Imperial, ao ltimo, quase todos tinham morrido.
O que teriam em comum essas trs revoltas? A princpio, em uma anlise superficial
poderia se pensar nos seus desfechos semelhantes. Porm, vai um pouco alm disso, apesar de
heterogneas, possuem aspectos comuns. O mais importante desses aspectos que todas so
milenaristas e messinicas, sendo as duas primeiras crentes na volta de um mito sebastianista.
Tendo tais informaes como base, este trabalho visa desenvolver uma anlise voltada para
* Aluna do 7 perodo de graduao da UFRRJ/IM (Instituto Multidisciplinar Campus
Nova Iguau) e bolsista PIBIC no projeto Cor e outros temas angolanos em fontes
lusfonas (Sculos XVII e XIX), coordenado pelo Professor Doutor Roberto Guedes
Ferreira.
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um dilogo das historiografias das revoltas em conjunto com trabalhos especficos para a
conceituao de tais movimentos.
O trabalho foi dividido visando uma ordem cronolgica das revoltas, com o objetivo de
explicitar mais claramente a sucesso dos fatos. Para tal, foi preciso dialogar com a
historiografia particular de cada revolta, juntamente com estudos mais amplos. Antes de
analisar as revoltas propriamente ditas, fez-se necessrio se voltar para a conceituao dos
termos messinico e milenarista, que so cruciais para o entendimento das revoltas, j que
so usados amplamente no decorrer do trabalho e na historiografia abordada. Alm destes
dois, tambm conceituar sebastianismo, pois este se torna fundamental para entender as
duas primeiras revoltas. E assim, poder descrever os eventos do desenrolar de cada um dos
episdios e melhor compreender as relaes dos mesmos com os conceitos estudados.
Durante a explanao das revoltas, procurou-se apresentar o referencial de vrios
autores, como suas discrepncias. J na concluso, foi realizada uma pequena anlise do
quadro geral, pontuando os aspectos importantes dos temas, suas contradies e outras
observaes.
Conceituando
Milenarismo e messianismo
Para serem analisados e compreendidos os movimentos pertinentes ao presente
trabalho faz-se necessrio a conceituao dos termos milenarismo, messianismo e movimento
milenarista.
Milenarismo refere-se a milnio, uma viso religiosa baseada no Livro do Apocalipse
(ou Revelao) em que um reino seria fundado, com o retorno de Cristo, tendo a durao de
mil anos at o juzo final e aps, s seriam salvos e ressuscitados os homens bons e fiis
que viveriam em perodo eterno de felicidade plena, sem doenas, sem mortes e sem os
descontentamentos do mundo em que vivem.1 O termo se relativizou e o governo divino se
adaptou aos diferentes grupos, mas tendo no milenarismo o ideal caracterizado como a volta
de um salvador, a figura divina de Jesus Cristo.
A autora Maria Amlia Schmidt Dickie define o milenarismo da seguinte forma:
[...] O milnio a expectativa de mudana radical, mas uma expectativa que se
reveste da esperana de que as aes apropriadas dos fiis sejam j etapas da
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construo deste novo tempo, construo que eles podem efetuar como resultado de
informaes privilegiadas a eles transmitidas pela comunicao com a divindade.
(DICKIE. s/d: p. 12).
No caso do messianismo, o messias a pessoa que assume a posio de lder, mais que
isso, um escolhido, que guiar os fiis at a salvao e a instaurao do reino terrestre, o
paraso terreal. Ele a representao divina na Terra, normalmente portador de poderes
mgicos, um exemplo, sendo o porta-voz das orientaes do salvador para o esperado dia.
Messianismo s se caracteriza como um movimento quando se coloca em prtica as aes
orientadas por um lder especfico dentro de um grupo.2
O movimento milenarista consiste em uma reunio, um encontro de pessoas e na
preparao, atravs de ritos, para a chegada do Salvador. Um movimento messinico sempre
milenarista, porm o contrrio no se aplica j que um movimento milenarista no
necessariamente tem um lder ou um messias, podendo ter vrios lderes, um grupo de lderes
e etc.
Uma anlise mais aprofundada dessa temtica parte da autora Maria Isaura Pereira de
Queiroz, que avalia as definies de messianismo partindo da teologia, depois por uma
vertente sociolgica, antropolgica e histrica. A autora diz que o termo surgiu dentro da
religio israelita, mas foi na religio judaica onde ganhou definio. Segundo ela,
[] O messias o personagem concebido como um guia divino que deve levar o
povo eleito ao desenlace natural do desenrolar da histria, isto , humilhao dos
inimigos e ao restabelecimento de um reino terreno e glorioso para Israel. A vinda deste reino coincidir com o fim dos tempos e significar o restabelecimento do
Paraso na terra. (QUEIROZ. 1977: p. 26. Grifo da autora).
Segundo a mesma, no cristianismo no deveria surgir um termo messinico, pois,
tecnicamente, Jesus j seria o messias cristo, mas
[] foi a juno da crena messinica com o Juzo Final: Cristo vai retornar, e ser
o final do fim das eras. A figura de Cristo se modifica; no mais o salvador, um
lder guerreiro que vir no futuro dar combate ao Anticristo, personificao do mal,
sua vitria constituindo o prenncio do fim do mundo. (QUEIROZ. 1977: p. 26).
O messianismo a salvao da coletividade de fiis. A autora tambm mostrou que as
caractersticas messinicas e milenaristas no esto restritas s civilizao ocidental, ela
aponta que j existiam tais crenas em civilizaes primitivas.3
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Sebastianismo
Antes de se iniciar a descrio dos movimentos que sero abordados preciso
caracterizar o que seria o sebastianismo, j que tanto o movimento da Serra do Rodeador
quanto o da Pedra Bonita enquadram-se como sebastianistas.
A crena que funda o sebastianismo de carter milenarista e acredita na volta de Dom
Sebastio, rei de Portugal na segunda metade do sculo XVI. Antes do nascimento do rei (por
volta de 1530 e 1540), houve em Portugal um sapateiro de nome Bandarra que escreveu
diversas trovas sobre a vinda de um prncipe que salvaria e guiaria Portugal para se
concretizar em um Reino pleno sobre outros.
Dom Sebastio nasceu em 1554 e foi muito bem recebido pela populao portuguesa,
sendo inclusive chamado de desejado, por ser um rei e descendente legtimo do trono
(existia um grande medo poca, pela maioria dos portugueses, com a possvel unio dos
Reinos de Portugal e Castela)4 e assumindo o reinado em 1568.
Foi em 1578 em uma guerra contra os mouros, em Alccer-Quibir no Marrocos, que o
rei D. Sebastio desapareceu. Vrios portugueses no acreditaram em sua morte, fazendo-o se
tornar o messias nacional portugus, gerando a crena em sua volta para salvar o Reino de
Portugal, que no mesmo perodo estava em conflito interno e acabou em 1580 nos domnios
espanhis com o incio da Unio Ibrica. As trovas de Bandarra ganharam fora e se
espalharam com bastante rapidez, associando a figura do messias, ento descrito, ao D.
Sebastio. Como e quando tais crenas chegaram ao Brasil no se tem preciso absoluta,
apesar de existirem registros da chegada do sebastianismo ainda no sculo XVI. Porm, As
poucas referncias que temos so esparsas, difusas e mais nos permitem o levantamento de
questes que respostas acabadas. (HERMANN. 2004: p.70).
Diferentemente da crena que se originou em Portugal, que acreditava que o prncipe
iria transformar Portugal em uma grande nao, No Brasil, pelo que referem os viajantes e
outros testemunhos, D. Sebastio um grande rei que distribuir entre seus adeptos imensas
riquezas e cargos honorficos, instalando no mundo o paraso terrestre. (QUEIROZ. 1977: p.
219). Isso mostra que o mito sofreu mutao de acordo com as necessidades apresentadas no
Brasil. De fato, fica claro que chegaram indivduos que possuam conhecimento sobre a
histria e de alguma forma influenciaram indiretamente nos movimentos da Serra do
Rodeador e da Pedra Bonita que tiveram seus desdobramentos no sculo XIX.
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Movimento da Serra do Rodeador
Seu lder foi Silvestre Jos dos Santos, tambm chamado de Profeta. Suas pregaes
comearam por Alagoas, mas, por causa de suas alegaes religiosas acabou por ser expulso
da cidade.5
Por volta do ano de 1817 ele foi para a cidade de Bonito, em Pernambuco, onde
elegeu o monte do Rodeador como sua nova instalao.
Nesse monte havia uma fenda entre pedras que formava uma espcie de capela natural,
onde segundo Silvestre dos Santos, havia uma santa que s ele e seu aclito e tambm
cunhado, Manoel Gomes das Virgens, eram capazes de ouvi-la. Com o tempo, e a adeso de
mais indivduos ao movimento, formou-se uma comunidade com os quatrocentos adeptos
que o seguiam, e ao qual chamou de Cidade do Paraso Terrestre.(QUEIROZ. 1977: p. 220).
Eles pregavam que El-Rei D. Sebastio, com seu exrcito, sairia de dentro de uma pedra
marcada com uma cruz e transformaria todos em ricos, trazendo felicidade a esta cidade do
paraso terrestre sem a presena de doenas ou mortes e, caso fossem atacados, seriam
invencveis.
Silvestre tambm criou ritos por meio dos quais, para fazer parte do grupo, era preciso
se confessar e passar por todo um procedimento para se tornar irmo, como eram chamados
todos que faziam parte desta comunidade. O primeiro deles era se confessar, o que antes era
feito por um padre, mas com a dificuldade de encontr-los, comearam a se confessar com as
imagens que foram colocadas na capela de orao.
Cabral caracteriza as pessoas desse grupo como, em sua grande maioria, sendo das
camadas mais pobres e analfabetos. Alm disso, estariam sempre procura de emprego ou
oportunidades que lhes proporcionassem alguma vantagem.6
Pelo difcil acesso e pelo abrigo
que a comunidade do Rodeador proporcionava, muitos desertores de milcias se abrigavam l.
Sendo, inclusive, tanto Silvestre dos Santos quanto Manoel Gomes desertores do 12 Batalho
de Milcias de Bonito.
Dentro da comunidade havia hierarquizao, onde Silvestre e Manoel eram as figuras
principais e de mais importncia. Abaixo deles, havia doze pessoas chamadas de Sabidos
(como apstolos). O resto dos adeptos eram denominados como Ensinados. Existiam ainda
os chamados Procuradores da Honestidade masculina e feminina, que tinham os papis de
impedir encontros durante os ritos, que aconteciam noite. Eles tambm possuam algo como
um agrupamento militar que era intitulado de A Santa Marcha. Inclusive este pequeno
exrcito tinha um comandante militar, que dirigia a Santa Marcha; um chefe das 'revistas das
28 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
armas', quatro capites e quatro alferes.(QUEIROZ. 1977: p. 221).
Pela grande composio de fugidos e desertores dentro da comunidade do Rodeador, as
autoridades comearam a pensar que ali poderia se tramar contra o rei. O receio das
autoridades engrandeceu. Isso fez que espies, por ordem do governo pernambucano, se
infiltrassem no Rodeador para identificar quem eram as pessoas e como se portavam.
Posteriormente, as alegaes dos ditos espies, fortificam ainda mais a iniciativa de represso
por parte do governador.
Vale lembrar que, em Pernambuco, houve a Revoluo de 1817 e, por causa disso, o
governo receava futuros conflitos, principalmente pela provncia possuir grande nmero de
ex-soldados. Da mesma forma que a Revoluo Liberal de Portugal de 1820 tambm pode ter
influenciado e impactado o movimento da Serra do Rodeador.7
As tropas atacaram noite, de maneira precipitada, sob as ordens de um Major
Madureira.8 Ao mesmo tempo, eram realizadas as oraes, assim eles no tiveram muitas
chances de fugir da emboscada. Porm, foi justamente esse ataque que condenou parte das
tropas e da comunidade. Em funo da escurido, no souberam diferenciar amigos de
inimigos, resultando em muitos feridos e diversos cadveres. Ao amanhecer, alguns adeptos
ainda foram atacados e torturados. As poucas pessoas que sobreviveram foram presas, como
foi o caso dos homens. As mulheres, em sua maioria, foram libertas e as crianas rfs
entregues para a adoo.
A anlise de Palacios9 seria a que mais se diferencia dos outros autores que trabalham
esse tema, onde o mesmo tende a fazer uma abordagem que no se prende s ao carter
religioso do movimento. Atravs de testemunhos, colhidos dos sobreviventes, ele percorre um
caminho acentuando que muitas pessoas estavam l no pela crena, mas por necessidade, por
no haver outro lugar para ir. O autor quase nega o carter milenarista do movimento, mas
no o faz de forma clara.
Movimento da Pedra Bonita
Com certeza um movimento pouco estudado e com escassa historiografia referente,
por isso sua descrio ser debruada na obra de Queiroz10
e no trabalho conjunto de Polastri,
Teles e Faustino.11
Em 1836, uma pregao sobre a volta de D. Sebastio comeou a se espalhar em
Pernambuco, o responsvel por tal feito foi um homem chamado Joo Antnio dos Santos.
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Ele percorreu grande parte de Pernambuco conseguindo a adeso de pessoas sua crena,
justamente porque seria bastante persuasivo e suas promessas se encaixavam com as
necessidades dos indivduos daquela localidade.12
O mameluco e seus seguidores comearam
a atrair a ateno das autoridades e como forma de interferncia, enviaram o Padre Francisco
Correia para convenc-lo de abandonar o lugar, o que ele o fez.
Aps dois anos, seu cunhado Joo Ferreira retornou ao mesmo local e pregao
abandonada por Joo Antnio dos Santos, Joo Ferreira se autointitulou rei. Ele tambm foi
promissor ao reunir seguidores pregando a volta de D. Sebastio, que sairia das Pedras
Bonitas com o seu exrcito para trazer o paraso terreal. O diferencial de seu cunhado era que,
segundo ele, as tais pedras da qual sairia D. Sebastio precisavam ser regadas com sangue.13
Os adeptos de Joo Ferreira comearam a morar mais prximos das pedras santas e, aos
poucos, em volta das mesmas, foi se criando um povoado. Como no caso do movimento da
Pedra do Rodeador, neste tambm existia uma hierarquia onde todos estavam abaixo de Joo
Ferreira, porm seus parentes estavam acima de seus seguidores. Foi criado tambm um
conjunto de prticas estabelecidas e elaboradas pelo rei, como as de que os seguidores no
poderiam sair do acampamento e nem poderiam ter cuidados pessoais, como higiene bsica
at a volta de D. Sebastio. Somente os seguidores de confiana do Rei saiam para seduzir
mais pessoas para a crena, se utilizando dos meios de persuaso ou violncia. Esses
seguidores de confiana tambm eram responsveis pelo sustento da populao que ali
acampava. Outro dado interessante , que alm das oraes, haviam muitos ritos regados por
bebidas e alucingenos, sendo um deles as festas de casamento ao qual um homem poderia se
casar com vrias mulheres. Outra prtica j se remete ao perodo medieval, onde Joo Ferreira
passava a noite de npcias com as recm-casadas e no dia seguinte as entregava a seus
respectivos maridos.14
Um dos motivos para o movimento da Pedra Bonita ser considerado um dos mais
sanguinrios movimentos messinicos brasileiros foi a adoo da prtica do sacrifcio por
seus adeptos. A partir do dia 14 de maio de 1838 Joo Ferreira deu incio aos sacrifcios e,
segundo sua lgica, todas as pessoas sacrificadas retornariam vida para desfrutar das glrias
advindas com a volta de D. Sebastio.
O primeiro a ser sacrificado foi o prprio pai de Joo Ferreira, onde o mesmo se
ofereceu. Os sacrifcios se seguiram at o dia 16 de maio de 1838, totalizando 67 vtimas
entre crianas, homens, mulheres e ces.15
Neste momento dos acontecimentos um dado importante apontado por Polastri, Teles e
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Faustino, onde [...] Jos Gomes Vieira, assustado, fugiu em busca de auxlio para impedir a
continuidade de tamanha insanidade. Encontrou ajuda em uma vila prxima, onde recorreu ao
chefe poltico local. Este reuniu foras e seguiu em direo ao stio. (POLASTRI. 2007: p.
347). A respeito deste fato, no se tem como saber de sua vericidade ou descrever quem seria
a figura de Jos Gomes Vieira pela escassez de historiografia.
No dia 17 de maio o prprio rei foi sacrificado, contra a sua vontade (POLASTRI.
2007: p. 347), porque segundo Pedro Antnio (irmo do primeiro pregador, Joo Antnio e
tambm cunhado de Joo Ferreira) disse que entrara em contato com D. Sebastio e esse
ordenava o sacrifcio do rei, assim, Pedro Antnio assumiu seu lugar.
Devido ao mau cheiro proveniente dos corpos em decomposio, o povoamento teve
que se deslocar. No meio do caminho, que percorriam seminus, se depararam com forte
contingente (QUEIROZ. 1977: p. 224), que abriu fogo contra eles. O desfecho se resultou em
feridos e mortos para ambos os lados. Alguns fugiram, outros foram presos, a mulheres foram
soltas e as crianas rfs foram colocadas adoo.
Ambos autores utilizados nessa parte do trabalho so demasiadamente superficiais, se
prenderam mais as descries dos fatos do que a uma anlise mais profunda (apesar de estar
explicitado na obra de Queiroz que esse no era o seu objetivo). Porm, por falta de mais
historiografia e fontes, no sobram alternativas a essa parte do trabalho do que se manter no
campo descritivo tambm.
Movimento dos Muckers
Os imigrantes
Nas primeiras dcadas do sc XIX vrios colonos alemes se estabeleceram no sul do
pas, em Sapiranga, Rio Grande do Sul por incentivo do Imprio. Eles vieram de diversas
partes da Alemanha e falavam diferentes dialetos, mesmo entre eles.
Ao chegarem aqui, deveriam receber lotes de terras do governo imperial que,
inicialmente, no haviam sido demarcados ainda. Durante alguns anos, com a lentido do
governo em providenciar tais demarcaes, diversos conflitos ocorreram, sejam eles internos
ou entre colonos e o Imprio. Quando finalmente foram demarcadas as terras, mesmo de
forma errnea, elas partiram do centro de So Leopoldo (nome da colnia ali fundada),
abrindo picadas que adentravam ao interior. Com o decorrer do tempo, o centro de So
Leopoldo se tornou o ncleo da colnia e mais ao seu interior, marcado pelas matas, a parte
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mais rural e mais isolada.
Ao chegaram ao Brasil no obtiveram assistncia do governo imperial, diferente do que
imaginavam, e foram se virando da maneira que podiam. Quando um pequeno comrcio
surgiu, alguns anos depois, foi marcado pela permuta. Claramente se tornaram uma
comunidade onde ajudavam uns aos outros, de maneira mtua. Afinal, se sentiam ali
abandonados e isolados, podendo contar somente uns com os outros para sua sobrevivncia.
Quando as vendas surgiram, tanto nos meios rurais quanto nos do ncleo, as relaes
foram se modificando. Os comerciantes do centro de So Leopoldo comearam a ascender
economicamente, sendo diferenciados dos moradores das picadas.16
Vrios eram os desfalques
da cidade, como falta de escola, hospital, igreja e etc. Ento, os colonos se reunio em
mutires para a construo de casas, amenizar alguns desses problemas e se organizarem de
uma forma geral. A colnia era composta por pessoas catlicas e protestantes, que tiverem que
aprender a conviver juntas e que normalmente no entravam em conflito uma com a outra, era
comum casamentos mistos e o respeito mtuo. Por se tratar de um local pequeno e isolado,
todos acabavam por possuir certo grau de parentesco.17
A esmagadora maioria da populao da cidade era analfabeta e, por isso, os poucos
instrudos abriram escolas, mas, mesmo assim, o ensino era limitado. Alm do trabalho
infantil dificultar a ida das crianas escola. Aps o ano de 1845 a vida em So Leopoldo foi
crescendo e melhorando.18
O conflito
Joo Jorge Maurer, era carpinteiro e chegou a servir na Guarda Nacional. Ao trabalhar
com Pedro Mentz, acabou por casar com a sua irm, Jacobina Mentz.
Durante um ano o casal morou com a me de Jacobina, a viva Maria Elizabeth
Mller, e com Carolina, irm mais nova de Jacobina. Mas em 1867, provavelmente
devido a desentendimento com Carolina, mudou-se para o lote n. 16 da Ala Norte da Picada do Ferrabraz []. (AMADO. 1978: p.114).
No ano de 1868, Joo Maurer trocou de oficio e virou um curandeiro. Aprendeu todas
as tcnicas em trs anos, com o curandeiro Wilhelm Ludwing Buchhorn.19
Reza a lenda de
que comeou a curar porque uma voz celestial o mandou.20
Em 1872 seus feitos j estavam famosos e o chamavam de Wunderdoktor. As pessoas
chegavam sua residncia buscando atendimento e acabavam por escutar a sua esposa falar
sobre a Bblia aos doentes.
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Os trabalhos realizados sobre o episdio dos muckers apontam para a figura de Jacobina
como uma mulher doente. No se sabe ao certo o que ela tinha, mas nas crises de sua
doena entrava em sono profundo, que podia durar horas e enquanto dormia balbuciava
palavras e ordens. Ela acreditava entrar em contato com o Esprito, apesar de no se lembrar
de nada aps o ocorrido.
Com o tempo, os dois ganharam fama e as pregaes da bblia se tornaram mais
frequentes, seguindo determinado ritual. Queiroz explicita o ritual que era realizado,
composto por hinos, oraes, uma cano vinda de uma caixa de msica e uma roupa peculiar
utilizada por Jacobina. Assim, foi aos poucos surgindo os Mucker.21
Mucker uma palavra pejorativa, que designava faltos beatos; santarres.22
Porm, a
forma mais adequada de referncia ao se trabalhar com o tema. A formao do grupo teve
incio em 1868, onde as pessoas se reuniam pelo esprito de Jacobina quando essa entrava em
sono profundo. Porm, a partir de 1871 comearam a ler a bblia, interpret-la e se utilizar de
todo o ritual j apresentado anteriormente.
Em 1873 houve a primeira interferncia das autoridades nas reunies dos Mucker. No
dia 8 de maio de 1873 o Subdelegado de Polcia de So Leopoldo, Cristiano Spindler, abriu
uma sindicncia a respeito de Joo Jorge Maurer; sob alegao de que em sua casa se faziam
reunies de mais de cem pessoas, sem que se saiba para que fim (AMADO. 1978: p. 173).
Eles foram presos e levados para interrogatrio, com a falta de evidncias, foram soltos em
seguida. Porm, se iniciaram os ataques verbais entre os santarres e os debochadores.23
Os
Muckers comearam a se fechar para dentro de suas prprias convices e se afastaram da
cidade. Tiraram os filhos do colgio, no adquiriram dvidas e perdoaram devedores, na maior
parte do tempo permaneciam na casa do casal construda por todos no morro de Ferrabraz.
apontado que a Jacobina tinha o poder de dissolver casamentos e realizar novos, tendo
ela, inclusive, tambm trocado de marido. Alm do boato de que a noite na casa da Jacobina
se apagavam as luzes e havia encontros entre casais. Isto causou um rebolio na cidade, onde
condenaram a seita.24
Ao mesmo tempo, os muckers se ofenderam e decidiram buscar ajuda,
chegando a entregar uma carta ao Imperador para terem o direito de liberdade religiosa.
Porm, as tentativas por uma convivncia pacfica foram frustradas. Como se sentiram
abandonados, entenderam que fazia-se necessrio resolver tudo com as prprias mos.
Na noite de 25 de junho de 1874, houve um surto de incndios e assassinatos durante
uma noite, entre as vtimas, estava a famlia de um ex-adepto dos mucker, o que
automaticamente as pessoas da cidade associaram a eles. Existe um conflito historiogrfico,
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no h evidncias que todos os ataques foram praticados por muckers25
e ao mesmo tempo h
quem no atribua a eles culpa alguma.26
So Leopoldo estava em pnico, por causa disso, De Porto Alegre so enviadas ento
cem praas de infantaria, alguma cavalaria, dois canhes, sob o comando de um
coronel.(QUEIROZ. 1977: p. 251). O primeiro ataque aconteceu no dia 28 de junho de 1874
sob o comando do coronel Genuino Olympio de Sampaio. Apesar do grande nmero, os
mucker se saram vitoriosos.
Em um segundo embate, o coronel Sampaio levou mais soldados e canhes. O ataque
aconteceu dia 19 de julho do mesmo ano. Apesar de resistirem, os muckers no o fizeram por
muito tempo e a casa no morro do Ferrabraz foi incendiada. Alguns, ainda fugiram para a
floresta, e dentre os vivos e mortos no incndio, no se tinha Jacobina e nem os principais
lderes.
No dia 2 de agosto, os ltimos adeptos de Jacobina, e a mesma, foram mortos em uma
cabana na floresta. Dentre os mortos no estava Joo Maurer. Dos muckers sobreviventes dos
primeiros ataques, alguns foram aprisionados, mas absolvidos em 1883. Mesmo com a
absolvio e a volta para a cidade, eles e os descendentes dos Muckers, incluindo uma filha de
Jacobina, foram alvos de ataques por parte dos outros colonos, e vrias tenses e assassinatos
perpetuaram-se at 1898.
Nota-se um certo julgamento de valores por parte dos autores. No caso do Padre
Schupp27
, ele condena todos os atos e toda seita dos muckers. J Muxfeldt28
, defende
imensamente seus descendentes e diz que todas as acusaes feitas contra eles foram calnias,
onde Jacobina era uma mulher frgil, boa esposa, boa me e muito doente. O trabalho que se
mostrou mais completo e realizado com excelncia foi o de Janana Amado, pois contou com
uma intensa pesquisa nos arquivos da cidade, apontando detalhes e documentos nunca antes
abordados. Ela de fato inovou a viso que se tinha desse movimento e apresentou um
resultado promissor para a historiografia.29
Concluso
As trs revoltas messinicas abordadas neste artigo so pouco conhecidas e estudadas.
Ainda preciso, no campo da historiografia, que todas recebam novas abordagens e novos
olhares. Apesar dos trs movimentos serem messinicos, eles no partiram do mesmo ideal.
Ao analisarmos os dois primeiros, de carter sebastianista, vemos como so mutveis os ritos.
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A modificao do discurso de Portugal para o Brasil e ao mesmo tempo de uma regio do
Pernambuco para outra. E o mais importante foi a fora que as Trovas de Bandarra tiveram
para sobreviver, por no mnimo, trs sculos.
Se voltando para o movimento dos mucker, fica claro que ele o que mais se difere dos
outros dois analisados, porque
[...] no era um movimento com origem no catolicismo popular, no podia ser
associado a estruturas tradicionais de mando e propriedade da terra do campo
brasileiro nem a uma estrutura de classes camponesas, especificidades que
auxiliaram alguns autores a caracterizar tais movimentos no Brasil. (DICKIE. 2004:
p. 23).
As indagaes do porque so as mais difceis de responder. No caso dos dois
primeiros (Rodeador e Pedra Bonita) se tem um lder carismtico que vai de encontro com as
necessidades do povo que ali ou nas redondezas viviam. Indivduos que no tinham nada a
perder. J no caso dos mucker, h um aspecto social, com as mudanas ocorridas que
transportaram uma colnia paternalista para uma cidade individualista.30
O ponto em comum a todas elas seria os seus desfechos trgicos. Existiu forte represso
contra todos esses movimentos. Poderia ser tambm um reflexo do medo, por parte do
governo, de novos levantes como a Revoluo Pernambucana de 1817 e a Farroupilha de
1835. Ambos levantes que aconteceram nos mesmos estados das revoltas messinicas
trabalhadas.
O problema da escassez de fontes em todos os casos, resulta em diversas verses na
historiografia. Essa uma grande dificuldade existente: completar lacunas. Na maioria das
vezes no se tem os fatos, apenas hipteses.
E at que ponto se pode contestar a f ou a veracidade da crena em movimentos?
Como j apontou Rud31
, as multides e os movimentos so heterogneos. E a exemplo
desses movimentos, se poderia ter algumas pessoas guiadas pela f, como tambm outras,
guiadas por interesses prprios. Mais se tem ainda outros vis a serem abordados, que no
sejam somente pela f e que fogem do crer ou no crer, pois essa no a nica questo.
Bibliografia
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p. 61. 5 RIBEIRO, Ren. O Episdio da Serra do Rodeador (1817-1820): um movimento milenar e
sebastianista. Revista de Antropologia, vol. 8, n. 2, So Paulo, dezembro de 1960. p. 134. 6 CABRAL, Flavio Jos Gomes.Reinos encantados del Rei D. Sebastio: Rebeldia e Contestao da
Ordem nos Sertes Pernambucanos de 1820. In: ANPUH XXII Simpsio Nacional de Histria, 2003, Joo
Pessoa. p.2. 7 HERMANN, Jacqueline. op. cit., p. 60. 8 PALACIOS, Guillermo.Uma nova expedio ao Reino da Pedra Encantada do Rodeador: Pernambuco,
1820. In: DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, motins, revolues: homens livres pobres e libertos no
Brasil do sculo XIX. So Paulo: Alameda, 2011. p. 106 9 Idem. Ibidem. 1 0QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de., op. cit., 1 1POLASTRI, Brbara Elisa [et al]. A questo da Pedra Bonita em 'Os Sertes' e em alguns romances psteros. In: Lngua, Literatura e Ensino, vol. 2, So Paulo, Maio de 2007. 1 2Idem. Ibidem. p. 346. 1 3QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de., op. cit., p. 222. 1 4Idem. Ibidem. p. 223. 1 5Idem. Ibidem. p. 224. 1 6AMADO, Janana. Conflito social no Brasil: a Revolta dos Mucker Rio Grande do Sul, 1868-
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QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. op. cit. p. 243. 1 8Cf. AMADO, Janana. op. cit. p. 109. 1 9MUXFELDT, Hugo. Os Mucker 100 anos depois. Porto Alegre, Ed. do autor, 1983. p. 43. 2 0
SCHUPP, Ambrsio. Os muckers: episdio histrico ocorrido nas colnias alems do Rio Grande do
Sul. Braslia: Senado Federal, 2004. p. 18.
37 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
2 1QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. op. cit., p. 245. 2 2
Cf. DICKIE, Maria Amlia Schmidt. O milenarismo mucker revisitado. Florianpolis: Universidade
Federal
de Santa Catarina Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social, s/d. p. 2-3.
2 3MUXFELDT, Hugo. Os Mucker 100 anos depois. Porto Alegre, Ed. do autor, 1983. p. 31 2 4QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. op., cit. p. 246 2 5AMADO, Janana. op. cit., p. 226. 2 6MUXFELDT, Hugo. op. cit., p. 67. 2 7SCHUPP, Ambrosio. op cit. 2 8MUXFELDT, Hugo. op. cit. 2 9AMADO, Janana., op. cit. 3 0QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. op. cit. 3 1
RUD, George. A multido na histria: estudo dos movimentos populares na Frana e na Inglaterra,
1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
38 CAHistria Revista Discente de Histria 2013 Vol. IV; N04. ISSN:2179-3840
Esporte, poltica e identidade nacional: efeitos do profissionalismo no futebol
colombiano (1948-1951)
Eduardo de Souza Gomes*
RESUMO
Este presente artigo busca analisar o processo de profissionalizao do futebol
colombiano, considerando que o mesmo ocorreu em um perodo de imensas disputas polticas
no pas. Em 1948, aps a morte do lder liberal Jorge Gaitn, se intensificaram os conflitos
entre liberais e conservadores pela busca do poder na Colmbia. Paralelamente, ocorreu no
mesmo ano a profissionalizao do futebol, que resultou na formao de uma liga no oficial
e num grande xodo de jogadores estrangeiros para atuarem no pas nesse perodo. Com a
transformao do futebol em espetculo, o esporte passou a ser visto pel